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LIS: Lideranças Inovadoras para Sustentabilidade
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Organização: Susana Simões Leal
Mudançae s u s t e n t a b i l i d a d e n a m o d a
Instituto C&A
realização apoio
Mudançae s u s t e n t a b i l i d a d e n a m o d a
LIS: uma proposta para lideranças inovadoras
Organização: Susana Simões Leal
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Apresentação: a reinvenção da moda .............................................................................07
Prefácio ..................................................................................................................................... 09
Agradecimentos ...................................................................................................................... 15
Capítulo 1. Construindo um novo pensar: os desafios da moda em um mundo em transição ...............................18
Capítulo 2. Aspectos inovadores do LIS Moda.........................................28
Capítulo 3. O caminho ................................................................................................48
Capítulo 4. Reflexões e aprendizagens sobre a experiência ........ 174
Capítulo 5. Considerações finais .......................................................................184
Bibliografia ............................................................................................................................ 203
6
7
A reinvenção da moda
No Brasil e no mundo, ainda não somos muitos os que se dedicam a fomentar a sustentabilidade na indústria da moda. Nosso campo de atuação se cons-titui gradativamente, mas com solidez, reunindo diferentes perspectivas e atores, como ONGs de defesa de direitos, fundações, ambientalistas, pensadores,
órgãos setoriais da indústria e profissionais do mercado.
Celeiro de pensadores e berço da formação profissional, a universidade tam-
bém tem aberto suas portas para esse movimento. Um exemplo disso é a realização
do programa LIS Moda – Liderança Inovadora para Sustentabilidade, uma iniciati-
va do Instituto Ação Empresarial pela Cidadania (AEC), de Recife (PE), em parceria
com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Implementado em escala piloto, o programa teve a proposta de desenvolver
profissionais da moda para se engajarem em processos de mudança no setor. Ao
longo de quatro meses, um grupo pioneiro de alunos mergulhou fundo em questões
de contexto, analisou oportunidades e desafios e estudou a cadeia produtiva têxtil e
de vestuário em toda a sua complexidade.
A busca pela sustentabilidade nos diversos planos – econômico, social, am-
biental – marcou o ritmo das discussões, que foram conduzidas por especialistas
renomados e usando processos de aprendizagem de vanguarda. Além do nosso
apoio, a parceria da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX) também mere-
ce destaque na realização do curso, pois serviu de ponte entre academia e mercado,
tornando o conteúdo mais relevante.
Mudança e sustentabilidade na moda
8
No diálogo entre pares e em dinâmicas de autoconhecimento, em reflexões
conceituais e por meio de conhecimento pragmático, temas como inovação e lide-
rança ganharam amplo significado para os participantes do programa LIS Moda.
Traduzida para a indústria da moda, a noção de liderança ligou-se ao papel
de cada indivíduo como agente de mudanças e à sua capacidade de influenciar
outras pessoas a agir de forma colaborativa em projetos de interesse coletivo. A
mensagem do curso foi clara: atuar sobre a realidade com o olhar sistêmico nunca
foi tão importante.
A ideia da inovação, que, posta de forma simples, remete a novos jeitos de
fazer, evocou a possibilidade de a cadeia produtiva têxtil e de vestuário trazer im-
pactos positivos diferenciados para a sociedade. Em outras palavras, o que se quer é
uma indústria cujos benefícios vão além da geração de empregos e de lucro.
Muito mais do que formar sua primeira turma, ao abraçar a proposta de
desenvolver lideranças inovadoras para a sustentabilidade, o programa LIS Moda
jogou novas sementes no campo da moda sustentável: criou, implementou e apri-
morou uma grade curricular inédita e que pode ser replicada por outras universida-
des e mesmo por empresas.
E, acima de tudo, mostrou aos profissionais de hoje e do futuro como é
importante ousar fazer, sair da forma tradicional de ver as coisas, com a intenção
de enxergar soluções que ainda ninguém viu. Mais detalhes nas páginas a seguir.
Boa leitura!
Giuliana OrtegaInstituto C&A
Missão do Instituto C&A
Inspirar a crença de que a indústria da moda pode mudar e apoiar iniciativas
que irão fazer isso acontecer.
Visão
Uma indústria da moda justa e sustentável, em que todas as pessoas pos-
sam prosperar.
9
Prefácio
Quando pensamos em sistematizar a experiência do LIS Moda – Lideranças Inovadoras para o Futuro da Moda: Responsabilidade Social e Sustentabi-lidade –, nós nos perguntamos logo “Para quê?” e “Para quem?”. Primeiro, para que essa experiência pudesse servir de inspiração para setores empresariais
que desejassem se articular e colaborar entre si na busca de soluções inovadoras
e sustentáveis que respondam aos desafios de um contexto econômico e socioam-
biental que demanda mudança.
Em segundo lugar, para provocar reflexão nas escolas de negócios sobre a
importância de investir no desenvolvimento de um novo perfil de liderança, mais
consciente, mais colaborativa, mais relacional, com habilidades para resolver pro-
blemas complexos e coragem para iniciar o caminho da mudança nos padrões de
atuação vigentes no ambiente econômico. Em sua abordagem, o LIS Moda catali-
sou conhecimentos, metodologias diferenciadas e uma vasta experiência acumu-
lada pelas organizações nele envolvidas. O curso trouxe mais do que novos conhe-
cimentos, trouxe experiências vividas em um momento muito significativo para a
história do nosso país.
O físico David Bohm, em sua teoria da totalidade e ordem implicada,
entende o universo como uma teia dinâmica de eventos inter-relacionados, cuja
estrutura é determinada pela coerência das inter-relações das partes, em que a
consciência seria um aspecto essencial nesse universo. A ordem implicada boh-
miana é um todo ininterrupto e multidimensional, de dimensionalidade infinita,
de onde tudo se desdobra.
Mudança e sustentabilidade na moda
10
O LIS Moda se desdobrou de um momento histórico do nosso país, que foi
prenúncio de grandes mudanças. Depois de quase 30 anos sob uma ditatura militar,
que reproduzia o poder oligárquico há muito presente em nossa história, o Brasil
dos anos 1980 e 1990 vivia a novidade da democracia. Nessa esteira floresciam a
participação cidadã e os movimentos sociais. Eram cidadãos e cidadãs desejosos de
participar, que vinham da política, de movimentos sociais de base, de movimentos
estudantis e também das empresas. A frase da antropóloga e escritora Margaret
Mead era repetida em muitas esquinas: “Nunca duvide que um pequeno grupo de
pessoas conscientes e engajadas possa mudar o mundo. De fato, sempre foi assim
que o mundo mudou”.
Esse foi o ambiente que propiciou e deu relevância ao tema da ética atrelada
à responsabilidade social empresarial, levado por organizações como o Instituto
Ethos – Empresas e Responsabilidade Social, o Grupo de Institutos, Fundações e
Empresas em São Paulo (GIFE ) e também pela Rede ACE – Ação Empresarial pela
Cidadania no Brasil, que logo se espalhou por 13 estados brasileiros. Assim surgiu o
Instituto Ação Empresarial Pela Cidadania em Pernambuco, em 1999, como um dos
primeiros núcleos dessa rede.
O movimento surge em Recife a partir de um pequeno grupo de pessoas
conscientes e engajadas vindas do setor empresarial, entre as quais eu me encon-
trava. Dediquei dez anos à realização dessa iniciativa, período em que tivemos a
oportunidade de movimentar 65 empresas em torno do tema da responsabilidade
social empresarial e da sustentabilidade. No diálogo com executivos e lideranças
dessas empresas, logo compreendemos os muitos desafios e contradições que elas
enfrentavam na busca de cumprir sua função social e alinhar suas práticas e seus
valores a padrões mais éticos e sustentáveis, enquanto o paradigma do lucro ainda
ditava as regras do mercado.
Realizamos inúmeros fóruns, discussões, rodas de conversa, oficinas dentro
e fora das empresas, seminários e congressos regionais, na expectativa de promo-
ver a consciência da responsabilidade social e da sustentabilidade no ambiente
empresarial. Todavia, percebemos que esse tipo de abordagem não era suficiente,
estávamos tocando apenas nas questões superficiais e visíveis de um “iceberg” ex-
tremamente complexo representado pelo mercado. Era preciso entender os padrões,
estruturas e modelos mentais desse ambiente, e o que impedia que mudanças efe-
tivas acontecessem.
Com esse pressuposto foi criado o Programa Lidera. O objetivo era aprofun-
dar a reflexão, trabalhar diretamente com as pessoas, e não apenas com as orga-
nizações. Sabíamos que era no âmbito individual e a partir dele que as mudanças
iriam ocorrer verdadeiramente. Trabalhar seus processos de autodesenvolvimento,
ajudá-los na apropriação de novos paradigmas de pensamento, desenvolver ha-
bilidades e competências que usualmente não eram incluídas nos currículos dos
cursos de graduação ou especialização nas universidades e escolas de negócios.
Realizamos quatro edições desse curso, com uma média de 15 participantes por tur-
Prefácio
11
ma. Após a terceira edição, foi feita uma avaliação com seu grupo de participantes,
e descobrimos uma contradição a ser trabalhada: Como construir uma ponte entre
o “mundo Lidera” e o mundo real?
Essa questão também esteve presente em outra pesquisa, dessa vez fora do
ambiente do Lidera. Havíamos sido convidados pela Fundação Avina a liderar uma
pesquisa de campo junto aos 13 núcleos de Cidadania Empresarial que formavam
a Rede ACE. A proposta era entrevistar suas lideranças, fazer um levantamento de
suas ações, analisar os resultados obtidos junto às empresas e seus desdobramen-
tos nos setores onde atuavam.
Visitamos empresas de Norte a Sul do país, conversamos com cerca de 50
lideranças, entre empresários e executivos à frente de empresas que animavam o
movimento da responsabilidade social empresarial localmente. O resultado desse
trabalho foi registrado no livro Cidadania empresarial no Brasil: análise da atuação
dos núcleos da Rede ACE 1, e confirmou a preocupação encontrada no Lidera sobre
os desafios, limitações e contradições da atuação das empresas e empresários na
busca por se alinhar às práticas da responsabilidade social e da sustentabilidade.
Ou seja, por mais que o tema da responsabilidade social e da sustentabi-
lidade fosse incluído na visão, na missão e nos objetivos das empresas, ou ain-
da que se criassem institutos e fundações empresariais que contribuíssem para
o desenvolvimento socioambiental da região onde estão, não se conseguia criar
conexão entre os interesses das empresas e os interesses da comunidade onde
estavam inseridas. O desafio era buscar formas de promover o entendimento de
que a sustentabilidade e o futuro das empresas estão diretamente implicados com
o desenvolvimento, a sustentabilidade do campo social e a conservação do meio
ambiente onde elas se encontram.
Em outras palavras, a ideia era considerar que hoje a economia ainda se
move através de recursos equivalentes ao consumo de 1,5 planetas Terra por ano e
da manutenção de 2,5 bilhões de seres humanos excluídos do círculo de geração e
usofruto das riquezas. Como é possível sustentar um negócio em um planeta social
e ambientalmente insustentável? O que é preciso ser feito para transformar a ma-
neira como hoje fazemos negócios? O que está emergindo na economia que aponta
para um futuro mais sustentável e o bem-estar coletivo? Era preciso criar espaço
para desenvolver lideranças em todos os níveis do sistema. Ou seja, gerar um prota-
gonismo coletivo e colaborativo, gerar a compreensão de que uma empresa isola-
damente não teria capacidade para realizar as mudanças necessárias na economia
como um todo, mas, articulada com seus setores, certamente seria bem-sucedida.
Com esses pressupostos, resolvi desligar-me do executivo do Instituto AEC
para me dedicar aos estudos em um mestrado em Learning for Sustainability,
na Universidade de Plymouth, na Inglaterra. Na bagagem levava a experiência
vivida nesses dez anos de trabalho na disseminação dos temas da responsabili-
dade social empresarial e da sustentabilidade e o desejo de encontrar respostas.
Quanto mais nos aprofundávamos nesses estudos, mais percebíamos que a chave
1Disponível em:
.
Mudança e sustentabilidade na moda
12
da desejada mudança passava necessariamente pelo individual, mas só se reali-
zaria no coletivo. Estava claro, portanto, que o diálogo e a colaboração seriam a
alavanca para tudo isso.
Com essa perspectiva, reunimos um grupo de dez lideranças egressas do
programa Lidera para, através de uma pesquisa-ação, refletirmos juntos e cons-
truirmos uma nova proposta de formação que respondesse aos pressupostos colo-
cados. Assim, estabelecemos os pilares da dissertação de mestrado que foi semente
para o processo de aprendizagem que depois se transformaria num curso sobre li-
derança, inovação e sustentabilidade que ocorreu na PUC de São Paulo em 2017.
Por que em São Paulo e não em Recife? Para responder a essa pergunta,
precisamos, antes, compreender o conceito da sincronicidade, que foi tão presente
em toda a trajetória do LIS. Nas palavras de C.G.Jung, psicanalista e autor do con-
ceito, a sincronicidade é “uma coincidência significativa de dois ou mais eventos, em
que algo mais do que a probabilidade do acaso está envolvido” (apud Jaworsky,
1998). Jung diz ainda que “no belo fluir de tais momentos, temos a impressão de ser
auxiliados por mãos invisíveis”.
Não tenho dúvidas de que a proposta do LIS “fluiu” numa sucessão de even-
tos e fatos encadeados, envolvendo situações e pessoas, que terminaram por con-
duzir sua realização no foco daquele propósito que havia sido formulado lá atrás,
no sentido de reunir potenciais lideranças de um setor em torno dos seus desafios.
Parecia haver mesmo uma “mão invisível” abrindo e fechando portas para que
acontecesse da forma como aconteceu, disso eu não tinha dúvidas.
Ainda em Recife, o processo de construção do projeto LIS já nos ensinava a
relevância da colaboração e do engajamento das pessoas para o sucesso de uma
iniciativa. Conseguimos reunir inicialmente um pequeno grupo de colaboradores,
e todos trouxeram importantes aportes, mesmo nas contribuições pontuais havia
sempre algo novo e de valor a ser incorporado.
Assim, por meio do apoio e da provocação do Instituto C&A, chegamos à
PUC-São Paulo em meados de 2014 levando a proposta de realizar uma especiali-
zação de 360 horas/aulas: o curso LIS – Lideranças Inovadoras para Sustentabili-
dade. Inicialmente fomos acolhidos pelo Núcleo de Estudos Futuros (NEF) da PUC e
passamos por um processo de aprovação da proposta junto ao Conselho de Ensino,
Pesquisa e Extensão (CEPE) e à Pró-Reitoria de Educação Continuada, o que durou
cerca de seis meses.
Em meados de 2015, com o curso finalmente aprovado, começamos as ar-
ticulações para lançá-lo de forma efetiva em março de 2016. Nesse caminho reu-
nimos em torno da proposta um grupo interessado de professores e pesquisadores
dessa universidade, atraídos pela proposta de ensino inovadora do LIS. Realizamos
encontros, oficinas e construímos de forma colaborativa uma proposta para o curso
que congregava os diferentes saberes daquele grupo e toda uma história. Avança-
mos em relação à proposta inicial, entretanto nos mantivemos fiel à essência e ao
propósito construído ao longo de toda a sua história que estava implicada no LIS.
Prefácio
13
Esse curso de especialização foi lançado para iniciar em março de 2016,
e nesse momento já estava integrado à Faculdade de Economia, Administração,
Contábeis e Atuariais (FEA) da PUC-SP. Entretanto não fomos bem-sucedidos na
formação da primeira turma, como aconteceu com tantos outros cursos da PUC-SP
naquele ano, em virtude das incertezas que o país vivia. E mais uma vez a sincroni-
cidade nos levava para outro lugar.
Encarando a não realização do curso como oportunidade de aprendizagem,
reunimos a equipe de facilitadores para avaliar os acontecimentos e rever a aborda-
gem e a estratégia do curso. Era o momento de confiar na intuição, se conectar com
o coração, deixar ir o que não era para permanecer e se abrir para novas possibilida-
des que emergiam com a convicção de que não havíamos chegado até ali em vão,
havia uma história e um caminho que nos haviam trazido até aquele momento, e
era isso que nos levaria ao lugar que nos estava reservado.
Nessa direção, a equipe do LIS reviu mais uma vez a sua proposta, buscou se
reconectar com o campo de onde ela havia surgido, e atentar para o que haveria de
emergir desse campo. Novas pessoas interessadas surgiram e também novos par-
ceiros. Realizamos encontros e oficinas sobre as questões e temas relacionados ao
curso, foram muitas conversas com diferentes pessoas. Nesse diálogo com os par-
ceiros ouvimos o Instituto C&A e a Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX),
no sentido de construirmos um curso de extensão universitária com apenas 117 ho-
ras/aula, que mantivesse a essência transformadora do LIS, porém, direcionado a
lideranças do setor da moda. Assim surgiu o curso “Lideranças Inovadoras para o
Futuro da Moda: Responsabilidade Social e Sustentabilidade”, incorporando nessa
parceria a larga experiência desses importantes atores do setor.
Com esse olhar, o LIS Moda concebeu um modelo de ensino/aprendizagem
que, para além da simples aquisição de conhecimentos, buscasse também desen-
volver novos paradigmas de pensamento, competências e habilidades em seus
participantes, preparando-os para compreender desafios complexos, lidar com as
relações nos diversos espaços onde atuavam e considerar as questões que emer-
giam de um contexto local e global interdependentes, incerto e em constante mu-
dança, na busca por soluções. Como aprender a partir da sua própria experiência,
e como produzir isso coletiva e colaborativamente? Como identificar o lugar onde
devo atuar, conectar minha vida profissional com o meu propósito de vida? Estas e
muitas outras questões foram mobilizadoras dessa jornada e foco da sistematiza-
ção que lerão em seguida.
Nossa intenção, ao descrever esta experiência e publicá-la, foi permitir que o
leitor percorresse cada passo dessa jornada e extraísse dela o que tem de mais sig-
nificativo para ser aplicado em sua própria experiência. A ideia foi de convidar todos
para percorrerem esse caminho em busca de respostas. Se você for um educador
que atua em escolas de negócios e deseja ajudar jovens empreendedores a desen-
volverem uma nova visão do seu negócio, adquirir formas de liderar em ambientes
coletivos, de colaboração e de transformação, deixe-se levar por essa experiência,
Mudança e sustentabilidade na moda
14
e que ela possa estimular o seu desejo de fazer diferente nos espaços de ensino/
aprendizagem, fazer junto e aprender com os aprendizes.
Se você for empresário da moda, ao ler sobre essa experiência, sinta-se con-
vidado a unir-se a esse movimento de construção de futuro para o seu setor, nele
sua empresa encontrará apoio para colaborar com outras e, juntas, encontrão for-
mas inovadoras e mais sustentáveis de atuar.
No entanto, você pode ser um empresário de outro setor que deseja com-
preender o que o futuro reserva de melhor para os seus negócios, então, que tal
reunir-se a outras lideranças para juntos pensarem numa proposta de futuro? Talvez
aqui você encontre uma fonte de inspiração. Desejamos a todos uma boa leitura!
Susana Simões Leal Coordenadora do Projeto LIS e Co-coordenadora do curso LIS Moda
Membro do Conselho do Instituto AEC
Recife, Pernambuco
Março de 2018
15
Nós que tivemos o privilégio de vivenciar a experiência do LIS constatamos na prática a realidade desta fala de Martin Luther King: Todas as pessoas estão presas numa mesma teia inescapável de mutualidades, entrelaçadas num único tecido do destino. O que quer que afete um diretamente afeta a todos indireta-
mente. Eu nunca posso ser o que deveria ser até que você seja o que deve ser. E você
nunca poderá ser o que deve ser até que eu seja o que devo ser.
O LIS jamais teria acontecido como aconteceu se não fossem a contribuição
e o compromisso de todos os que se envolveram em sua iniciativa.
Não temos palavras para descrever a importância de cada um nessa cons-
trução, qualquer que tenha sido a sua participação. A sensação é de que se ao me-
nos um dos participantes não estivesse presente nessa iniciativa, o resultado não
teria sido o mesmo. Assim, gostaríamos de agradecer a todos os estudantes, facili-
tadores e convidados que juntos fizeram o LIS Moda acontecer.
Somos profundamente gratos ao Instituto C&A que por 12 anos foi parcei-
ro do Instituto Ação Empresarial pela Cidadania em diversas iniciativas e que cul-
minou no Projeto LIS. Muito especialmente queremos agradecer o privilégio de ter
tido a parceria de pessoas como Paulo Castro e Giuliana Ortega, Janaína Jatobá,
Cristiane Felix e Patrícia Lacerda que nos quatro anos de duração do Projeto LIS –
Lideranças Inovadores para Sustentabilidade e do LIS Moda foram se sucedendo em
presença e acolhimento aos desafios trazidos pela iniciativa.
Gratidão à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que se
abriu para receber esse projeto, inicialmente no seio do Núcleo de Estudos Futuros
(NEF), através do apoio do professor Arnoldo Hoyos e logo em seguida pela Facul-
dade de Economia, Administração, Contábeis e Atuariais (FEA), através do apoio
do seu diretor à época Francisco Antônio Serralvo, e da dedicação incansável dos
professores João Monteiro e Ruth Yamada Lopes Trigo.
Agradecimentos
Mudança e sustentabilidade na moda
16
Somos gratos à Associação Brasileira de Varejo Têxtil (ABVTEX) na pessoa
do seu diretor executivo Edmundo Lima, que soube enxergar nessa iniciativa todo
seu potencial e engajou-se de coração na construção do programa desse curso, na
mobilização dos participantes e em sua realização.
Ao núcleo de ação e construtores dessa iniciativa, coordenadores e facilita-
dores do curso e também autores deste livro, Márcio Waked de Morais Rêgo, Ruth
Yamada Trigo, Lígia Pimenta e George R. Stein. A vocês, um misto de gratidão e pri-
vilégio por terem sido mais do que parceiros ou colaboradores, mas companheiros
resilientes dessa jornada. Juntos, enfrentamos muitos desafios e reinventamos cada
passo desse caminho. Aprendemos muito uns com os outros.
À Nádia Rebouças, por abraçar a proposta do LIS Moda e contribuir com
toda sua experiência e essência para o tema da comunicação tanto no curso como
neste livro.
À Sandra Mara Costa, por seu engajamento e importante contribuição
dados à concepção deste livro.
Não podemos deixar de agradecer àqueles que sonharam junto conosco e
deixaram uma marca insubstituível de colaboração nessa iniciativa: Roberto Ga-
lassi do Amaral, Rosa Alegria, Ivan Rocha, Dalberto Adulis (in memoriam), Rita
Mendonça, Ladislau Dowbor, Sonia Yokoto, Wagner Pedro e Rosa Maia Antunes.
Sem vocês e tantos outros que não haveria espaço neste livro para mencionar, esta
iniciativa não teria sido como foi.
Acima de tudo e de todos, soli Deo gloria.
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ção
20
Capítulo 1 • Construindo um novo pensar
21
“Todas as pessoas estão capturadas em uma rede inescapá-
vel de mutualidade, ligadas por um único tecido do destino.
O que quer que afete a um diretamente, afeta a todos indi-
retamente. Eu nunca poderei ser o que eu devo ser até que
você seja o que deve ser. E você nunca poderá ser o que deve
ser até que eu seja o que devo ser”. Martin Luther King
Segundo Jared Diamond, em seu reconhecido livro Colapso, de uma manei-ra ou de outra os problemas socioambientais do mundo serão resolvidos no prazo de uma geração. A única dúvida é se isso acontecerá de maneira agradável, por meio de nossas escolhas, com uma mudança voluntária na nossa
forma de viver, ou de maneira desagradável, por meio de situações que provoquem
guerras, genocídios, fome, epidemias, colapso ambiental em comunidades e países
inteiros. Sem dúvida, é melhor fazer uma escolha consciente e despertar desse so-
nho de consumo desmedido e reinventar nossa maneira de viver dentro dos limites
materiais da Terra.
Em busca de resolver essas questões, existem muitas iniciativas de resga-
tar a capacidade regenerativa do planeta. Um exemplo disso são os movimentos e
discussões em torno do Fórum Econômico Mundial de Davos, que acontece há 46
anos e reúne os principais líderes empresariais, políticos, intelectuais e jornalistas
do mundo, para discutir questões que emergem do atual modelo econômico e se
desdobram num ambiente de produção e consumo que vem inviabilizando a sus-
tentabilidade do planeta, com impactos extremamente negativos sobre a qualidade
de vida das pessoas e no ambiente natural.
Discussões como essas têm incitado setores da sociedade, inclusive os mais
conservadores, como a Igreja Católica. Em 2015, por meio da Encíclica Laudato Si,
o Papa Francisco critica o consumismo exacerbado e o desenvolvimento irrespon-
sável fazendo um apelo à mudança e unificação global das ações para combater a
degradação social e ambiental. Além disso, aprofunda a discussão sobre a susten-
Mudança e sustentabilidade na moda
22
tabilidade da vida humana no planeta e provoca uma reflexão no plano individual
que toca no sentido da existência e dos valores que estão na base da desintegração
social e ambiental que se vive hoje. Este é um contexto de mundo que exige mudan-
ças em todos os setores da sociedade e da economia, inclusive da moda, que não
pode ser esquecido.
Lançado em 2016, um vídeo da National Geographic deixou claro que a in-
dústria da moda é o segundo maior poluidor de recursos de água doce do planeta
em virtude dos resíduos de tingimento e de tratamento de sua produção têxtil. Além
disso, causa grandes problemas na vida marinha, uma vez que os microplásticos
que se desprendem das roupas sintéticas quando lavadas alimentam essas popula-
ções ameaçando também a cadeia alimentar humana.
Segundo o documentário a moda produz 10% das emissões globais de car-
bono, que utiliza 24% de todos os inseticidas e 11% dos pesticidas no âmbito global,
afetando o solo e a água de todo planeta. E ainda existe a indústria do couro com
seus números absurdos de consumo e o descarte de roupa fast fashion, o qual sobre-
carrega os aterros sanitários dos países do hemisfério sul, em decorrência do excesso
de doações feitas pelos países no norte, onde são fartamente consumidas.
Para além do processo poluidor pelo qual passam os produtos da moda, a
sua comercialização no formato fast fashion com o dinamismo das coleções esti-
mula o consumo e o descarte cada vez mais rápidos, alimentando, assim, fornos
de incineração de aterros sanitários e produzindo gases, como o CO2 e o metano, os
quais contribuem para as alterações climáticas.
O documentário também aponta outro item relativo à insustentabilidade do
setor da moda. O seu sistema de manufatura de roupas, cuja produção da matéria-
-prima pode se dar num país, o corte e a costura em outro, para depois ser levada a
lojas em diversos países.
Diante desse quadro, não há dúvidas de que o setor da moda tem uma con-
tribuição importante a dar para a transformação desse cenário de consumismo e
desenvolvimento irresponsável. Desse modo, o curso LIS Moda – Lideranças Inova-
doras para o Futuro da Moda pretende fazer parte desse movimento de mudança
como um espaço de reflexão e de desenvolvimento de novas práticas para o setor.
Pessoas preparadas para fazer acontecer
Precisamos encarar o fato de que somos nós, seres humanos, que estamos
criando os efeitos e resultados indesejáveis ao meio ambiente que presenciamos
atualmente. Como podemos enfrentar os desafios que o planeta vem nos trazendo?
Como podemos mudar o cenário atual?
Nesse ambiente de busca por mudança vem à tona a necessidade de investir
em inovação e liderança. As lideranças do passado parecem encontrar dificuldade em
lidar com um mundo conectado, com a diversidade de pensamentos e vozes e com a
complexidade exigida para solucionar de maneira sustentável os problemas em pauta.
Capítulo 1 • Construindo um novo pensar
23
Buscar soluções implica cada vez mais identificar todas as nuances de um
problema, ou seja, entender toda a sua multiplicidade, afinal nenhum fenômeno é
isolado. Aquele que cuida apenas dos interesses imediatos não é capaz de entender
as relações entre forças que definem uma situação. Cada circunstância está relacio-
nada a um sistema que afeta e é afetado pelo todo que a compõe.
No atual ambiente, é necessária uma liderança capaz de rever o antigo
modelo de pensamento linear e desenvolver capacidades para resolver problemas
complexos. Além disso, é preciso rever formas de atuação, em que predominam o
comando e o controle, e se preparar para compartilhar poderes e mediar diálogos
em um exercício permanente de atenção e cuidado com as relações.
Por um lado, a liderança de hoje deve ter a habilidade de, com seus colabo-
radores, gerar resultados que nascerão de objetivos compartilhados por todos. Por
outro lado, deve estar pronta para integrar movimentos auto-organizados, cujos
membros assumem conscientemente a condução de si mesmos, enquanto se nor-
teiam por um ideário comum e pela reciprocidade dos compromissos assumidos.
A ideia, nesse caso, é buscar na colaboração com o outro um poder coletivo
e a conquista de mudanças que interessem mais ao todo e menos às partes. Neste
mundo conectado, estamos a caminho de uma revolução sem líderes. Afinal, quan-
to maior a conexão entre as pessoas, maior a chance de superarmos sentimentos de
cinismo e impotência e de firmarmos um compromisso em torno de um propósito
comum, promovendo, assim, consenso e coesão e mobilizando a todos. Talvez, sa-
ber lidar com essa multiplicidade de formas de liderar seja o maior desafio para as
lideranças atuais.
Nesse sentido, Adam Kahane, professor de Planejamento de Cenários da
Universidade de Oxford e participante de diversas iniciativas de inovação social
em ambientes complexos, nos traz a ideia de que, para lidar de forma consciente
com este mundo turbulento e em constante evolução, é preciso focar no desenvol-
vimento de indivíduos com altos valores pessoais, que busquem se aprofundar no
conhecimento do seu contexto e se reúnam em torno de propósitos comuns. Ou seja,
indivíduos que trabalhem pela construção de redes autoativadas e autorreforçado-
ras que ajudem a enfrentarmos os grandes desafios de hoje.
Otto Scharmer, conferencista sênior do Massachusetts Institute of Technology
(MIT) e diretor fundador do Emerging Leaders for Innovation Across Sectors (ELIAS),
também compartilha desse mesmo caminho. Ele criou uma plataforma que reúne
instituições globais de liderança nos três setores (negócios, governo e sociedade) para
produzir inovações para um mundo mais sustentável, movimentando, assim, um de-
bate sobre as crises que vivemos. Dessa iniciativa já começam a se desdobrar várias
correntes de pensamento, como a dos ativistas do retromovimento: “Vamos voltar
para a antiga ordem”; dos defensores do status quo: “Simplesmente continue. Concen-
tre-se em fazer o mesmo”; ou dos defensores da mudança transformacional individual
e coletiva: “Existem formas de quebrar os padrões do passado e nos sintonizar com a
nossa mais alta possibilidade futura, e começar a operar a partir desse lugar?”.
Mudança e sustentabilidade na moda
24
Em outras palavras, o importante é que haja união e compartilhamento de
ideias para que surjam lideranças capazes de lidar com as necessidades atuais e que
pensem em cenários possíveis futuros.
A importância de uma nova liderança
Com o propósito de investir no desenvolvimento dessa nova liderança, ins-
pirada em outro paradigma de pensamento e formas de atuar, e acreditando que
existem maneiras de quebrar ideias antigas e enraizadas, nasce o LIS Moda – Lide-
ranças Inovadoras para o Futuro da Moda. O curso aposta na formação de uma
liderança capaz de quebrar os padrões do passado e se conectar com o que o futuro
pode oferecer, convidando-nos a atuar a partir desse ponto. Esta publicação relata
como o programa aconteceu e os aprendizados que gerou.
O LIS Moda promoveu o desenvolvimento de profissionais para o setor da
moda, convidando-os a ocuparem espaços de protagonismo e a atuarem de forma
inovadora e articulada para transformarem a própria realidade e construírem cola-
borativamente um futuro mais sustentável. Em outras palavras, o curso objetivou for-
mar pessoas com habilidades e competências para atuarem em seus negócios hoje,
mas com o olhar voltado para o futuro, investindo em inovação e nas próprias com-
petências para liderarem iniciativas que visem a um desenvolvimento sustentável.
Nesse caminho, o curso buscou promover reflexões, análises e vivências que
colaborassem para o desenvolvimento de uma nova consciência e de uma atuação
profissional alinhada com conhecimentos, habilidades e comportamentos que de-
vem embasar a liderança de processos e iniciativas com vistas à sustentabilidade.
Também buscou capacitar para a inovação, por meio de conceitos, conhecimentos
e práticas inspirados em uma economia emergente que possibilita novas formas de
fazer negócio, produtos e serviços voltadas para criação de um campo econômico,
social e ambientalmente integrado. Trouxe o exercício de uma visão sistêmica para
a concepção dessas iniciativas, e formas de gerir e governar os negócios com méto-
dos colaborativos e integradores. Tudo isso a fim de exercitar o desenvolvimento de
iniciativas inovadoras, num ambiente colaborativo que propiciasse o exercício da
liderança compartilhada e voltada para o coletivo.
Acreditamos que aprender com a própria experiência é um fundamento im-
portante para o empreendedor, uma vez que ele deve lidar de forma concreta com
um mundo que passa por uma transição importante e constante. Por isso escolher
métodos colaborativos como via de acesso ao conhecimento em articulação com
um ambiente de diversidade acessando diferentes maneiras de pensar, e promover
a escuta atenciosa, o pensar crítico e a interação capaz de responder a desafios co-
muns são habilidades cada vez mais necessárias neste mundo complexo.
Assim, no decorrer do curso e no exercício de múltiplas habilidades, o grupo
é levado a construir projetos que possam contribuir com mudanças no atual am-
biente do setor da moda.
Capítulo 1 • Construindo um novo pensar
25
Um setor que necessita de mudanças
Atualmente, o mercado internacional de têxteis e vestuário é extremamen-
te competitivo e volátil, e emprega cerca de 75 milhões de trabalhadores. A alta
competitividade entre as empresas leva à procura constante por preços baixos, à
redução de custos de produção e à exigência de tempos de entrega cada vez mais
reduzidos. Como consequência, muitas vezes as condições de trabalho se tornam
precárias, com instalações sem estrutura e oferecendo riscos para o trabalhador.
Nesse setor, a terceirização da produção é comum, uma vez que a mão de
obra não exige alta qualificação, e também é muito pulverizada, permitindo que
milhares de pequenos produtores funcionem como uma rede que dá suporte às
grandes confecções. É comum estabelecimentos em espaços sem condições míni-
mas de higiene e segurança, com fios elétricos desencapados, alvenaria improvi-
sada, extintores vencidos, higiene deficiente e falta de equipamentos adequados. O
descumprimento das condições legais de trabalho também é comum, por exemplo
as longas jornadas de trabalho que duram até 14 horas diárias beiram condições
análogas às de trabalho escravo.
Entretanto, tem crescido a consciência, entre as grandes marcas, estilistas e
profissionais do setor, da necessidade urgente de mudanças e do entendimento de
que a indústria da moda possui meios, recursos e oportunidades para isso. Como
disse o especialista e empresário de moda André Carvalhal, em seu livro Moda com
propósito, “as pessoas estão se transformando, e o mercado muda junto”. Os consu-
midores têm se tornado cada vez mais conscientes e exigentes em relação às ques-
tões que apresentamos aqui, e têm começado a usar seu poder de compra como
veículo de pressão para que mudanças ocorram.
A moda é um setor estratégico para a economia, desse modo ela pode ser
um grande laboratório de mudança. Difícil encontrar uma cidade no país ou no
mundo em que não tenha pelo menos uma lojinha de venda de roupas. Além disso,
esse setor dita tendências e influencia novas maneiras de ser e agir no ambiente so-
cial. Mas em que medida as lideranças e profissionais do setor são capazes de com-
preender o atual cenário sob a perspectiva de um futuro mais sustentável? Como
prepará-los para protagonizar as mudanças necessárias?
Estas foram as perguntas que mobilizaram o diálogo entre o Instituto Ação
Empresarial pela Cidadania, o Instituto C&A, a PUC-SP e a Associação Brasileira de
Varejo Têxtil (ABVTEX) para oferecer o curso de extensão universitária do LIS Moda,
Mudança e Sustentabilidade na Moda.
Assim, o objetivo do LIS Moda é disponibilizar ferramentas e conhecimentos
para o desenvolvimento e qualificação de profissionais do setor do varejo têxtil, de
modo a favorecer um protagonismo articulado e colaborativo na busca de soluções
inovadoras e sustentáveis que respondam às necessidades e aos desafios impostos
pela emergência de um contexto econômico e socioambiental que exige mudanças.
Com esse pressuposto, o Instituto Ação Empresarial pela Cidadania e a PU-
Mudança e sustentabilidade na moda
26
C-SP formaram uma equipe de professores e facilitadores capazes de criar um es-
paço de reflexão, pesquisa, troca de experiências e aprendizagem para desenvolver
junto aos participantes uma visão do atual contexto de mundo. Ou seja, a ideia era
desenvolver um olhar investigativo para o futuro emergente e habilidades como
empatia, escuta apurada, capacidade de dialogar, colaborar e inovar para gerar
iniciativas alinhadas a práticas sustentáveis e socialmente responsáveis. A ABVTEX
e o Instituto C&A agregaram ao programa do curso as suas experiências no setor da
moda e no campo social, ou seja, conhecimentos necessários para conduzir a busca
por soluções transformadoras e sustentáveis.
Colaborar para construir soluções
O programa do LIS Moda foi desenhado a partir de uma série de encontros
de profissionais ligados a essas instituições. Neles tivemos a oportunidade de mer-
gulhar no ambiente do setor da moda e para o qual tem contribuído e de avaliar
possíveis caminhos para mudança e o futuro que se poderia trilhar.
De início essas ocasiões permitiram o exercício das metodologias que seriam
utilizadas no curso, numa abordagem dialógica, colaborativa e que usasse elementos
da Teoria U. O objetivo foi reunir conhecimentos essenciais que caracterizassem uma
visão mais sistêmica do setor e concentrar-se sobre os desafios de sustentabilidade
enfrentados. Os encontros se deram em forma de diálogos reflexivos e da constru-
ção colaborativa, levando o grupo a vislumbrar temas relevantes para o processo de
aprendizagem, e então desenvolver a estrutura inicial do programa do curso.
Além dos encontros, foram realizadas duas oficinas com pessoas-chave da
equipe do LIS Moda e profissionais ligados à ABVTEX e ao Instituto C&A. Nesse am-
biente foram discutidos os desafios impostos à moda hoje, seus possíveis desdobra-
mentos e as possibilidades para o futuro.
Em meio a um rico diálogo com esses atores, questões como a preocupação
das empresas em solucionar situações em suas cadeias produtivas ou o cuidado
nas relações com um consumidor mais crítico e exigente foram abordadas. Uma
preocupação comum a todos é o aumento da pressão e fiscalização da sociedade
em relação aos impactos ambientais causados pela indústria da moda e frequentes
denúncias de trabalho análogo ao escravo com a exploração de imigrantes ilegais
na cadeia produtiva.
Entretanto, reconhece-se que o processo de conscientização das empresas é
lento, e se dá em diferentes níveis. Nem todas despertaram ainda para importância
de buscar soluções para esses desafios. Essa diversidade de consciência prejudica o
enfrentamento e a resolução dos problemas encontrados. Por essa razão, no Brasil,
grandes varejistas estão assumindo um papel de protagonismo no enfrentamento
dessas questões e alguns buscam estabelecer novos padrões de relacionamento com
a cadeia de fornecimento, em busca de mais qualidade e sustentabilidade nos pro-
cessos produtivos, justiça e dignidade no trabalho e confiança nas relações. À frente
Capítulo 1 • Construindo um novo pensar
27
desse grupo, a ABVTEX e o Instituto C&A lideram iniciativas. O LIS Moda em parceria
com o Instituto Ação Empresarial pela Cidadania e a PUC-SP insere-se nesse contexto.
Vale notar que o curso não é uma iniciativa isolada. Ele se articula com ou-
tras, como o Laboratório da Moda Sustentável, uma iniciativa multissetorial em
nível nacional de organizações e que visa abordar e transformar a realidade da
moda a partir dos seus principais desafios. Os movimentos para mudança na moda
partem de estilistas como Ronaldo Fraga, consultores como Kate Fletcher, ou de
movimentos como o Fashion Revolution que surgem com o foco voltado para a
mudança da moda.
Por outro lado, o comportamento do consumidor, que começa a repensar
seus hábitos de consumo, tornando-se menos passivo e mais questionador, tem pro-
vocado mudanças na maneira como as marcas se posicionam. Surgem diversas ini-
ciativas e movimentos de pequenos grupos para criar cada vez mais consciência em
relação ao consumo de moda e seus impactos: por exemplo a moda slow fashion
busca não somente sustentabilidade econômica, mas também a humanização dos
processos; e o upcycling traz cara nova à reciclagem reutilizando materiais que se-
riam descartados pela indústria têxtil para produzir novos produtos.
Cada vez mais, uma nova geração de consumidores busca repensar a for-
ma como se relaciona com suas roupas e acessórios para evitar o desperdício, criar
identidade no vestir e se informar sobre as possibilidades de criar a própria moda.
Assim, surgem iniciativas como o Desguarda Roupa, um coletivo que incentiva uma
nova perspectiva em relação às roupas e ao seu consumo por meio de palestras,
consultoria e transformação de peças, e os brechós on-line. Foi nessa esteira que sur-
giu o Enjoei, para pessoas que queiram se desfazer de roupas, sapatos e acessórios
que já não usam mais. Hoje, o site que começou como blog em 2009 já atraiu mais
de 2 milhões de consumidores entre anunciantes e compradores.
No momento, uma nova maneira de consumir vem ganhando força em to-
dos os setores, e com a moda não é diferente. Essa iniciativa permite o acesso e
usufruto, mas não a posse, de produtos antes impossíveis de ser adquiridos pela
maioria das pessoas e é muito forte no setor da moda. O objetivo nesse caso é pro-
mover a troca, emprestar ou alugar grande quantidade de peças, porém, de forma
mais econômica e sustentável, por meio de plataformas, comunidades virtuais ou
grupos específicos que promovem encontros, feiras ou eventos nessa perspectiva.
Nesse ambiente em ebulição o LIS Moda traz uma perspectiva de que mais
importante do que ter as respostas é se sentir provocado a encontrá-las. São muitas
as possibilidades que o futuro reserva para aqueles que nutrem um instinto investi-
gativo e inovador. É nesse campo que acreditamos que o nosso curso tem um papel
importante a desempenhar.
28 29
Capí
tulo
2. A
spec
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ador
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IS M
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Aspectos inovadores do LIS Moda
Como se já não bastasse o desafio de prover educação continuada de quali-dade nos tempos atuais, o curso “Lideranças Inovadoras para o Futuro da Moda: Responsabilidade Social e Sustentabilidade” tem no seu cerne desa-fios reais de transformar a maneira como potenciais líderes da indústria da moda
estão lidando com os efeitos e resultados indesejáveis, consequências como essa
indústria opera.
O desafio de transformar os líderes de um setor que já reconhece as gran-
des questões a serem enfrentadas foi encabeçado pelo curso de maneira integrada
e sistêmica desde a sua concepção. A parceria entre o Instituto Ação Empresarial
pela Cidadania, o Instituto C&A, a PUC-SP e a Associação Brasileira de Varejo Têxtil
(ABVTEX), unindo a academia, o terceiro setor e a iniciativa privada, trouxe uma
diversidade de experiências, perspectivas e modos de atuar fundamental para a
construção de uma abordagem coerente, responsável e efetiva para o curso, consi-
derando os objetivos em questão.
Conforme citado no capítulo anterior, o objetivo do LIS Moda é disponibilizar
ferramentas e conhecimentos para o desenvolvimento e a qualificação de profis-
sionais do setor do varejo têxtil, de modo a favorecer um protagonismo articulado
e colaborativo na busca de soluções inovadoras e sustentáveis, que respondam às
necessidades e aos desafios impostos pela emergência de um contexto econômico e
socioambiental que exige mudanças.
A inovação do programa está na forma como metodologias e abordagens
de desenvolvimento de lideranças já consolidadas foram integradas, organizando
harmonicamente os conhecimentos oferecidos pela literatura às experiências dos
diversos setores envolvidos no projeto. Essa articulação permitiu compor um tecido
realmente novo, que expomos a seguir.
O desenho metodológico dessa trama foi composto por três elementos fun-
damentais: o processo generativo do autodesenvolvimento dos participantes, com
abordagens de autoconhecimento; a Teoria U utilizada como fio condutor do pro-
cesso e o diálogo como fundamento de Metodologias Colaborativas.
A abordagem de integração desses três elementos – autoconhecimento, Teo-
ria U e metodologias colaborativas – não foi ocasional. O desafio de transformar
líderes para serem protagonistas na transformação do setor em que atuam é uma
jornada de aprendizagem e transformação que deve começar pelo indivíduo para
depois trilhar caminhos de conexão e colaboração que possibilitem a mudança de
“dentro para fora”. A escolha desses três elementos no desenho do curso endereça
essa demanda: o autoconhecimento propicia uma base individual para a transfor-
mação; a Teoria U conduz a jornada de transformação e aprendizagem através de
um caminho que promove a consciência dos desafios e da realidade do setor, bem
30
Mudança e sustentabilidade na moda
como propicia condições para soluções coletivas que são colocadas em prática
através das metodologias colaborativas.
Desse modo, este capítulo explicita, contextualiza e caracteriza essa aborda-
gem inovadora que integra esses três elementos metodológicos.
O processo generativo de autoconhecimento e autodesenvolvimento
Está bastante claro que o nosso sistema cultural – atingido como foi pelo
“falar sobre” estéril – precisa de novos modos que estimulem as pessoas a experien-
ciarem sua ação presente enquanto estão comunicando e aprendendo (POLSTER,
POLSTER, 2001, p. 29, grifo dos autores)
Entre todas as questões que instigam um educador hoje, conseguir alcançar
o seu público de forma a fazê-lo participar de maneira interessada e comprometida
nas aulas é, talvez, um de seus maiores desafios.
O processo de ensino-aprendizagem parece competir com as mídias digitais
que dão acesso a muitas informações com apenas um clique, numa dinâmica em que
a sensação é a de que o aluno não precisa de um professor para explicar determina-
do conceito. Parece haver uma inquietação no aluno, como se ele quisesse e pudesse
estar em mais de um lugar simultaneamente (talvez mais interessante, com mais li-
berdade, fazendo outras coisas), tornando-o capaz de se desligar ao clicar as teclas
para levá-lo a explicações mais rápidas quando o assunto exposto não lhe agrada.
No entanto, não bastam as informações, os sites e os vídeos que encontra-
mos em mecanismos de busca na internet se não fazemos as devidas conexões e
reflexões para lhes dar sentido e não estabelecemos uma visão crítica de acordo
com o que conhecemos e vivemos no dia a dia. Percebemos o mundo compartilha-
do com os outros como um lugar onde construímos o nosso viver, que, por sua vez,
nem sempre é o melhor, o mais saudável, ou mais sustentável. Assim, de um modo
geral, ficamos passivos diante de tantos problemas e sem ação diante do que não
concordamos, em um mundo dinâmico, complexo, difícil e estranho.
A estranheza se apresenta quando tantas pessoas pensam, sentem e agem
diferentemente do que eu espero, imagino ou desejo. Afinal, o ser humano é rico
em possibilidades, criatividade e capacidade intelectual para desenvolver uma vida
segundo seus próprios interesses, que nem sempre agradam a todos. Mesmo assim,
trata-se do nosso mundo, nossa forma de conhecê-lo e transformá-lo.
Nesse sentido, hoje o lugar da sala de aula pode se tornar um espaço de
construção, em que os atores atuam com seus próprios recursos – conhecimento,
experiência, inteligência, capacidade de refletir, de questionar e de resolver proble-
mas – para transformar o mundo num lugar melhor. Portanto, é preciso contar com
a sinergia do grupo para criar um clima de confiança e segurança a fim de que
todos, integrados, trabalhem em busca de soluções que promovam mudanças e
removam o que está ruim. Além disso, é preciso foco para criar alternativas e força
para vencer a inércia e modificar o que temos consciência ser necessário.
O LIS Moda, inspirado em diversas metodologias articuladas simultanea-
mente, criou um modelo de ensino-aprendizagem buscando utilizar todo o poten-
Capítulo 2 • Aspectos inovadores do LIS Moda
31
cial dos professores, dos convidados experientes e dos alunos para criar esse espaço
de transformação e construção. Foi feito um trabalho junto com essas pessoas, con-
tando com a participação delas de maneira integral, com a finalidade de prepará-
-las para agir e transformar a realidade onde se encontram.
Contamos com facilitadores habilidosos e conhecedores de teorias e concei-
tos sobre os assuntos em foco, inspirados na própria trajetória de desenvolvimento
e processo de maturação, que trouxeram experiências de vida que deram sentido e
significado aos temas que trataram. Levamos convidados especialistas do campo
da moda, já na perspectiva do novo e da transformação. Lidamos com o grupo de
participantes, envolvendo-os o tempo todo nas discussões, investigações, questio-
namentos e reflexões, e buscamos trabalhar com atividades que propiciassem o au-
toconhecimento, a autopercepção e a conscientização de seus limites e potenciais.
Talvez, esse tenha sido um dos enfoques mais inovadores em termos de metodolo-
gia para aprendizagem em um curso.
Quando planejamos o LIS, compreendemos que não faria sentido dizer para
as pessoas o que elas deveriam fazer para atuarem como líderes influenciadores
da transformação do mundo. Não há receita de como cada um deve agir diante
de tantos elementos que ocorrem na vida de cada pessoa, cada dia, cada ação no
mundo. Cada indivíduo deve ter consciência de sua atuação, utilizando todos os
seus recursos para caminhar e ajudar a modificar o que não está bom no modo
de viver humano. Portanto, é preciso começar pela pessoa que cada um é! Quem é
você? Qual o seu modo de pensar, sentir e agir? Será que todos têm conhecimento
sobre si mesmo, seu potencial e suas deficiências, sua maneira de envolver pessoas?
Entendemos, portanto, que deveríamos também cuidar para que cada integrante
do grupo pudesse refletir sobre seu próprio modo de ser, desenvolvendo um autoco-
nhecimento para um caminho mais consciente e confiante.
Todos esses elementos fizeram parte de uma ação integrada que, com olhar
sistêmico e uma compreensão interdependente do campo da moda no mundo con-
temporâneo, pudesse criar a possibilidade de preparar essas pessoas para serem
futuros líderes, agentes de mudança para a transformação desse ambiente.
Ao propor desenvolver no curso exercícios para o autoconhecimento, o
objetivo foi trazer mais consciência de nossas atitudes diante do mundo e possi-
“...Crises e tumultos tendem a revelar o melhor de nós.
Líderes naturais surgem e eles mesmos se surpreendem. Mas
é preciso superar o nosso maior inimigo – as negatividades
internas, que agem contra nós. “ (O’DONNELL, 2010, p. 16)
32
Mudança e sustentabilidade na moda
bilitar a nossa própria ressignificação a fim de contribuir na transformação do
todo onde vivemos.
Devemos sinalizar aqui que não aplicamos um conjunto de técnicas específi-
co para o processo de autoconhecimento e autodesenvolvimento, mas escolhemos
uma abordagem psicológica específica: a Gestalt-terapia. Essa abordagem foi de-
senvolvida a princípio por Fritz Perls e aprimorada por outros terapeutas que segui-
ram seus passos posteriormente. Perls compreendeu que seu objetivo era ampliar o
potencial humano por meio do processo de integração, dando apoio aos interesses,
desejos e necessidades genuínas do indivíduo, pois, muitas vezes, as necessidades
individuais se opõem à sociedade, o que desenvolve uma cultura de competição,
controle e exigências de perfeição.
Essa abordagem serve como uma orientação de vida que podemos usar
para caminhar em direção a uma maior tomada de consciência. Foca o potencial
humano nas diversas possibilidades que cada indivíduo possui e busca catalisar o
que ainda não foi realizado ou então está pouco desenvolvido. A Gestalt se desti-
na a “[...] qualquer pessoa que está procurando desabrochar melhor seu potencial
latente, não só um melhor-ser, mas um mais-ser, uma qualidade de vida melhor”
(GINGER, 1995, p. 15).
Escolhemos essa abordagem psicológica, pois acreditamos que seja a mais
adequada e coerente para atingir o objetivo no curso, em função de sua praticidade
e objetividade. O objetivo era que, em pouco tempo, sem obstáculos e nas entreli-
nhas do curso, realizássemos atividades que no contexto do grupo se relacionassem
às discussões das aulas e que também aproximassem a vivência de cada indivíduo
com a percepção dele próprio e das coisas em relação a cada ponto importante
tratado, como tema relevante no curso.
Afinal, a Gestalt se propõe a trabalhar com as pessoas, seja em grupo ou in-
dividualmente, buscando analisar como cada um percebe, interpreta, pensa e age,
por meio de suas vivências, diante dos objetos ou estímulos do meio ambiente e
dar sustentação para experimentar o novo e o difícil, assim proporcionando uma
estrutura mais forte para superar os obstáculos.
O trabalho, nessa perspectiva, é experiencial e busca utilizar recursos criativos
que enfatizem a capacidade e habilidade de pensar, sentir, perceber, e ainda fazer com
que cada participante tome consciência do que é dotado, mas ao que muitas vezes,
por razões próprias ou até por falta de oportunidade, resiste ou não se permite enxer-
gar. Conforme Ginger (1995, p. 18) esclarece: “[...] experimentar, para alargar ao máxi-
mo nosso campo vivido e nossa escolha, tentar escapar ao determinismo alienante do
passado e do meio, à carga de nossos condicionamentos ‘históricos’ ou ‘geográficos’ e
encontrar assim um território de liberdade e de responsabilidade”.
O psicólogo ou facilitador nesse caso pode criar situações que favoreçam
o crescimento, desenvolvimento, aprendizagem e amadurecimento de cada parti-
cipante, com processos que façam sentido nas discussões de cada tema, conceito,
teoria e experiência colocada no centro das atenções. Aliás, a criatividade nesse en-
Capítulo 2 • Aspectos inovadores do LIS Moda
33
foque é compreendida, conforme Zinker (2007, p. 15) nos relata a seguir:
A criatividade não é somente a concepção, é o ato em si, a realização do que é urgente, do que exige ser anunciado. Não é apenas a expressão de toda a gama de experiências de um indivíduo e de uma sensação de singularidade, mas também um ato social – o compartilhamento dessa celebração, dessa afirmação de viver uma vida plena, com seus semelhantes.
Zinker aborda a criatividade como a representação da ruptura de limites e
a afirmação da vida, à medida que, para se permitir criar, devemos ter coragem de
nos arriscar ao fracasso na experiência de algo inédito, além das imagens, fanta-
sias, conjecturas e pensamentos que vêm à tona em determinadas situações. Assim,
entendemos também que a criatividade é um processo de transformação tanto de
quem constrói a inovação, como de quem participa dela e vivencia uma mudança.
Elaborou-se, portanto, um processo que auxiliou cada participante a revelar
para si mesmo, num ambiente de confiança e de aprendizagem, em que o respeito
foi conquistado à medida que cada revelação era tratada com empolgação pela
novidade expressa de maneira particular e única.
No relacionamento entre os membros do grupo existiu um bem-querer justo,
que corresponde ao que Zinker (2007) apontou como um amor altruísta que promo-
ve confiança e facilita o processo criativo à medida que se compreende as experiên-
cias de vida de cada participante. Embora se tratando do mesmo curso, cada grupo
novo terá um desenvolvimento e contato diferentes, pois estaremos com pessoas,
situações e vidas diferentes.
Ainda sobre a Gestalt-terapia, ela enfoca o modo de ser de cada indivíduo,
em todos os momentos de sua vida, em seus detalhes e na complexidade. Procura
trabalhar com a awareness, que para Polster e Polster (2001, p. 217):
[...] é um meio contínuo para manter-se atualizado com o próprio eu. É um processo contínuo, prontamente disponível em todos os momentos, em vez de uma iluminação esporádica ou exclusiva que pode ser alcançada – como o insight – apenas em momentos especiais ou sob condições especiais.
Esses autores ainda relatam que a awareness ajuda a recuperar a unidade
da função total e integrada do indivíduo na medida em que há a preocupação de
abranger as próprias sensações e sentimentos antes de alterar de algum modo o
comportamento, ou seja, primeiro é dirigida a atenção aos detalhes relevantes do
próprio comportamento que antes eram ignorados.
Em síntese e buscando enfocar apenas alguns exemplos de atividades espe-
cíficas, descrevemos alguns elementos que acreditamos ser importantes ao leitor no
processo de autoconhecimento e autodesenvolvimento que trilhamos com o curso.
Para isso, o capítulo da narrativa das aulas oferece uma compreensão mais apro-
fundada da descrição a seguir.
Não havia necessariamente exercícios em todas as aulas ao que foram ela-
borados de acordo com os temas tratados em cada uma delas. Também, num pri-
meiro momento, o trabalho com os alunos foi mais despretensioso e superficial,
34
Mudança e sustentabilidade na moda
de modo a não criar muita resistência e/ou ansiedade. Dessa forma, pudemos de-
monstrar que cada um poderia escolher até que ponto deveria tomar consciência e
revelar para si mesmo a sua atuação no mundo.
Na primeira aula houve, por exemplo, a recepção de boas-vindas, a apre-
sentação da equipe de coordenação do curso e de cada um, assim como a apresen-
tação do curso, com sua dinâmica própria e não tradicional de aulas. Acordamos
com os participantes sobre respeito e presença, de maneira a tornar o ambiente aco-
lhedor e colaborativo, resgatando, inclusive, os momentos em que já haviam sido
colaborativos anteriormente.
As expectativas foram abordadas na medida em que, além de esclare-
cimentos da equipe de coordenação, elaborou-se uma atividade específica que
chamamos de carta ao futuro, na qual cada aluno descreveu como gostaria de
chegar ao final do curso.
Mencionamos também que o curso contaria com exercícios de autoconheci-
mento que seriam conduzidos por uma psicóloga com experiência clínica e organi-
zacional. Os materiais gerados com esses exercícios seriam conservados de maneira
sigilosa durante o curso e devolvidos ao final.
Se, ao mesmo tempo, tomamos consciência de que fazemos parte do mundo
e participamos em forma de ação, mesmo que aparentemente num pequeno espa-
ço do mundo, começamos a perceber o verdadeiro potencial que cada um tem, num
mundo complexo, incerto e instável. Trata-se do início de uma reflexão de quem
somos e o que podemos fazer.
Já na aula 5, por exemplo, realizamos um dia inteiro de exercícios sensoriais
na natureza, o que foi essencial para despertar a verdadeira conscientização sobre
a importância da natureza no “ser” de cada um. Dessa forma, escapamos de uma
aula teórica e experimentamos uma conexão plena com o meio ambiente original,
por meio da sensibilidade no contato com a terra, o ar, a água, o sol, as plantas, os
pássaros, os insetos etc. Assim, aguçamos os órgãos sensoriais para uma percepção
muito próxima da natureza a fim de compreender que o homem também é parte
desse meio, mas, em sua formação dialógica, escapa e atua sobre a própria nature-
za, usando-a para suas invenções e intervenções.
Posteriormente, foi apresentada a linha condutora do caminho metodológi-
co adotado pelo curso e foram introduzidas as bases da Teoria U, discorrendo sobre
o ponto cego como o local interno de onde operamos e a necessidade de puxar
para si a responsabilidade de uma ação. Esse trabalho começou na perspectiva do
papel e da importância do líder para as intervenções necessárias. Discutiu-se, então,
a importância do diálogo por meio da sabedoria. Nesse sentido, ao final da aula,
refletimos junto com o grupo a história sobre “a árvore generosa” em que o Homem
não “escuta” a Natureza, apenas dela se aproveita.
O’Donnell (2009) descreveu que existem três pilares que sustentam um líder
sábio: o primeiro é a compreensão, que envolve a habilidade de enxergar as coi-
sas com um distanciamento parcial dos fatos e entender o contexto dos eventos; o
Capítulo 2 • Aspectos inovadores do LIS Moda
35
segundo é a habilidade para refletir, interiorizando e tocando a essência de nosso
valor e utilizando para isso a intuição; e último e terceiro pilar é o desempenho cons-
ciente dos valores. Quanto a este último aspecto o autor explica que desenvolver
valores não se trata de anular o ego, mas de aprender a usá-lo de forma a trazer
benefícios. O’Donnel ainda diz que os valores já existem em nós, mas precisamos
aprender a vincular as experiências adquiridas na vida e no trabalho com os valores
que se encontram em nosso interior. É preciso conectar nosso ser interior com os pa-
péis que desempenhamos e é por meio deles que nos relacionamos com as pessoas.
Para ele, “os valores são fundamentais para o que somos e para a forma
como vivemos e trabalhamos, mas o maior desafio são os relacionamentos com
outros seres humanos” (O’DONNELL, 2009, p. 124). A base dos relacionamentos é a
conversa ou o diálogo, mas, se não existir conversação de qualidade, não haverá
um relacionamento de qualidade. É preciso saber pensar juntos para assim existir
um diálogo genuíno.
Outros exercícios de autodesenvolvimento foram feitos ao longo de todo o
curso, procurando sempre integrá-los aos temas de cada aula, mas foi na aula 14
que se dedicou mais ao autoconhecimento. Àquela altura, o grupo já tinha estabele-
cido um ambiente de confiança e segurança, o suficiente para haver um movimento
maior de introspecção e expressão de cada um. Importante inclusive para reflexões
sobre si mesmo como possível líder. Portanto, a aula teve como foco a percepção
sobre o eu de cada um, e sobre sua ação no mundo.
Também tivemos oportunidade para trabalhar com mandalas, símbolos
que representam o self e que trazem a dimensão espiritual do ser humano. Nesse
exercício os participantes puderam escolher a imagem de uma mandala que mais
os atraísse e depois colorir a figura como desejassem. Ao final do curso, este foi
um dos exercícios sobre o qual houve maior atenção por parte do facilitador, por
tratar-se de uma projeção e pela necessidade de interpretação. Dessa forma, foi ne-
cessário conversar a respeito dele com cada participante para maior compreensão
e encontrar um sentido e significado do símbolo para cada um.
Vale apontar que nas últimas aulas, ao devolver todo o material produzido
pelos participantes (carta ao futuro, diário de bordo, mandala, exercício do cubo, entre
outros), a psicóloga deu um feedback para cada participante para que todos juntos
pudessem falar um pouco mais sobre a possibilidade de conhecer ou não um propó-
sito para a vida, retomando algumas atividades realizadas. No final do curso, cada
um pode reunir e levar consigo um conjunto de elementos num “kit de viagem” orga-
nizado para estimulá-lo a dar continuidade ao seu processo de autodesenvolvimento.
A Teoria U como fio condutor
A Teoria U diz respeito a um conjunto de referências, conceitos, experiências e
reflexões que culmina em um modelo de intervenção e transformação social. Trata-se
de uma nova perspectiva, uma nova lente, para observar nossas habilidades sociais e
36
Mudança e sustentabilidade na moda
de liderança de um ponto de vista não usual até então: o ponto a partir do qual cada
um de nós atua internamente. Desse modo, o sucesso em liderar transformações de-
pende da qualidade da atenção e intenção que os líderes trazem para cada situação.
A escolha da Teoria U como fio condutor do LIS baseia-se na percepção de
que as demandas por Inovação e a Sustentabilidade na Moda no Brasil requerem
um novo perfil de liderança que esteja não somente consciente, mas principalmente
apto, para transformar a realidade a partir de si, sendo capaz de perceber e lidar
com o futuro que está emergindo nos desafios e conquistas do dia a dia. A seguir,
explica-se como a Teoria U serviu a essa condução visando os objetivos do LIS.
Mais do que simplesmente uma teoria, esse modelo atualmente vem sendo
utilizado de três modos: uma abordagem metodológica para liderar mudanças pro-
fundas, uma estrutura de intervenção em problemas complexos e uma maneira de
ser e estar no mundo. Para entender melhor esses três modos, convém conhecer um
pouco mais sobre a origem da Teoria U.
A Teoria U foi publicada e apresentada formalmente como modelo por Otto
Scharmer, pesquisador e professor da Sloan School of Management do Massachu-
setts Institute of Technology. No entanto, o desenvolvimento da teoria se deu com a
colaboração de diversos autores e pesquisadores envolvidos com liderança e trans-
formação social como Adam Kahane, Chris Argyris, Don Schön, Ekkehard Kappler,
Johan Galtung, Joseph Jaworski e Peter Senge.
Scharmer ainda cita como fontes importantes do seu trabalho as obras de
Henry David Thoreau, Martin Buber, Friedrich Nietzsche, Edmund Husserl, Martin
Heidegger, Jürgen Habermas, Rudolf Steiner, e ainda Hegel, Goethe, Fichte, Aristó-
teles e Platão. Além de autores específicos, Scharmer inspirou-se em aspectos das
filosofias orientais.
Grande parte da fundamentação e dos insights de Scharmer surgiu no final
da década de 1990, quando esteve envolvido em projetos de pesquisa relacionados
a aprendizagem, inovação e liderança, ligados a suas atividades de professor, pes-
quisador e consultor.
Um ponto de partida importante da concepção da Teoria U por Scharmer foi
um pensamento de Steiner que diz que temos de investigar nossa própria experiência
e nosso próprio processo de pensamento de um modo mais claro, mais transparente e
rigoroso. Os dados, fatos e os nossos processos de percepção e ação são fundamental-
mente influenciados pelo nosso estado interior e pelo nosso processo de pensamento.
Além de Steiner, a entrevista de Bill O’Brien, na época CEO da Hannover In-
surance, trouxe um elemento fundamental da Teoria U. Scharmer perguntou para
O’Brien qual havia sido o seu maior aprendizado ao liderar mudanças profundas. A
resposta de O’Brien é uma frase que por si só já explica a opção por que o LIS esco-
lheu a Teoria U como fio condutor e uma abordagem estruturada de Autoconheci-
mento e Autodesenvolvimento, aliada a Metodologias Colaborativas: “O sucesso de
uma intervenção depende da condição interior do interventor”.
A condição interior do interventor é a grande fonte para a Teoria U. Essa
Capítulo 2 • Aspectos inovadores do LIS Moda
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teoria foi concebida a partir de conversas, insights e outras teorias que se originaram
desse ponto crucial da condição interior. Uma das essências da liderança é transfor-
mar a maneira pela qual indivíduos e grupos percebem e reagem a situação.
O processo de percepção e decisão nas organizações de um modo geral, e
na indústria da moda especificamente, costuma ser norteado pelos resultados que
queremos atingir. Com base em experiências passadas, em dados e análises e no
desafio que se apresenta, o caminho usual de tomada de decisão é uma análise
racional para tomada de decisão, baseada no que sabemos.
A Teoria U traz a condição interior do interventor ou o local do qual operamos
como o conceito de “Ponto Cego da Liderança”. A maioria dos líderes toma decisões
e influencia a tomada de decisão com base no “O quê” (resultados) e “Como” (pro-
cessos), sem acessar a verdadeira fonte, que é o “Quem interior”. É usual termos uma
análise do “Quem”, mas somente considerando as pessoas que estão envolvidas e
impactadas para a decisão. Esse “Quem interior” é o lugar a partir do qual cada um
de nós opera, nossa condição interior, nossa essência composta por um conjunto de
valores, crenças, experiências e tudo mais que torna cada um único. Essa é a realidade
do “Ponto Cego da Liderança”: algo que existe, que é essencial e que não se costu-
ma acessar. O LIS foi concebido para explicitar e acessar esse ponto, individualmente,
através das práticas de Autoconhecimento e Autodesenvolvimento.
A Teoria U, além de reconhecer esse ponto cego como elemento fundamen-
tal para mudanças profundas através da liderança, apresenta um processo por
meio do qual é possível chegar a ele de maneira coerente e então lidar socialmente
com o futuro que dele emerge.
Se por um lado é necessário se chegar a uma situação na qual acessamos
individualmente a nossa condição interior, por outro lado é necessário conectar a
essência das condições individuais de cada um com o desafio coletivo de transfor-
mação social, e gerar uma ação transformadora. É essa a jornada da Teoria U.
A letra “U” surgiu justamente como símbolo que representa essa jornada.
O caminho usual que líderes costumam adotar é via um ciclo de resposta reativo
em que, diante de um desafio, costuma-se realizar análises baseadas em dados e
experiências que temos do passado, avaliar alternativas e tomar decisões. É um pro-
cesso linear em que se vai de uma situação A para transformar-se em uma situação
B futura, baseando-se no que já se sabe.
Essa teoria traz um caminho que “percorre o U”. Assim, as situações A e B
estão nas extremidades esquerda e direita do “U”, respectivamente. Podemos resu-
mir esse caminho em três grandes movimentos. O primeiro: “Observar, Observar,
Observar”; o segundo: “Retirar-se e Refletir”; o terceiro: “Agir de Imediato”.
O primeiro movimento propõe perceber a realidade de maneira mais profun-
da. Em vez de uma análise racional de fatos e dados que já existem, propõe-se uma
percepção integral da realidade que se deseja transformar. O segundo movimento
propõe, após a percepção da realidade, que se afaste dela e se aproxime da essência
pessoal, conectando-se com o lugar interno de cada um, acompanhado de uma re-
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Mudança e sustentabilidade na moda
flexão sobre o que e como tudo o que foi percebido se conecta com a essência pessoal.
Finalmente, o terceiro movimento, após a reflexão e a conexão entre a realidade e
o propósito pessoal, propõe uma conexão e ação coletiva para endereçar o desafio.
A diferença fundamental entre o modo usual como abordamos problemas
e desafios e a metodologia de intervenção proposta pela Teoria U é justamente a
forma como percorremos esse caminho entre as situações A e B. No modo usual
temos basicamente um eixo horizontal de deslocamento entre dois pontos, seguindo
a lógica de que “o menor caminho entre dois pontos é uma reta”. A Teoria U propõe
que percorramos o eixo vertical, tendo, na descida, uma percepção aprofundada
da realidade para depois fazer uma pausa de reflexão e conexão, e finalmente uma
subida vertical de ação imediata coletiva.
O LIS foi concebido tendo a Teoria U como fio condutor, pois os desafios
de inovação e sustentabilidade na indústria da moda são oriundos de um modelo
O Processo do UTrês espaços de transformação
e três capacidades
I. Sensing Percepção
transformadora
“Observar, observar,
observar: tornar-se
único com o mundo”“Agir em conexão
com o Todo”
Menteaberta
Coraçãoaberto
Vontade aberta
III. Criando Ação
transformadora
Retirar-se e refletir:
permitir que o
conhecimento
interior surja”
II. Presencing “Self” transformador
Fonte: Teoria U,
Otto Scharmer
Capítulo 2 • Aspectos inovadores do LIS Moda
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de liderança em negócios que nos trouxe até essa situação, mas que não será
capaz de nos tirar dela.
A necessidade de uma abordagem metodológica que traga o Autoconhe-
cimento e o Autodesenvolvimento como elementos fundamentais do LIS decorreu
da consciência de que precisamos nos conhecer melhor para encontrar e deslocar
“nosso ponto cego”.
A coerência na percepção e na reflexão da situação ou problema em questão
é acompanhada pela abordagem para enfrentamento do desafio, de maneira rápi-
da e coletiva. As metodologias participativas foram e são essenciais não somente
pela maneira única de lidar com problemas complexos, mas também pela maneira
de buscar sentido e transformar de forma coletiva o futuro da moda no Brasil.
Práticas colaborativas, generativas e dialógicas em múltiplos contextos
e aprendizagens
Na busca de sentidos na direção da transformação almejada para o futuro
da moda no Brasil, a proposta metodológica do LIS buscou trazer na sua essência
uma abordagem colaborativa, generativa, dialógica e sistêmica, considerando os
aspectos do Autoconhecimento, Autodesenvolvimento e a Teoria U.
Com o propósito de convidar os participantes para uma jornada de apren-
dizagem que fizesse emergir uma liderança colaborativa e transformadora, a pers-
pectiva era promover mudança de consciência, bem como o desenvolvimento de
atitudes e capacidades para gerar o impacto desejado no campo da moda. Dessa
forma, o LIS Moda buscou contribuir para a avaliação e possível transformação de
antigos paradigmas ainda presentes no ambiente de negócios vigente, em meio a
um processo de autodesenvolvimento e de tomada de consciência. Optou-se por
uma abordagem que incluísse conhecimentos essenciais sobre a complexidade do
atual contexto de mundo, o desenvolvimento de um olhar mais sistêmico, o cons-
trucionismo social e a apropriação do tema da sustentabilidade.
A partir do pensamento sistêmico, considerou-se a premissa da complexida-
de, formulada pelo filósofo Edgar Morin (2003), como um mundo aberto de possibi-
lidades, uma construção ativa de sujeitos num contexto de significados, e os olhares
dos múltiplos atores, de maneira a integrar pessoas, instituições, visões de mundo e
atitudes na busca da visão do todo e da parte de forma recorrente complementar e
com abertura para o novo e inesperado.
Como forma de compreender o mundo no qual a realidade é construída,
considerando o que as pessoas fazem juntas, nas relações e nas práticas linguís-
ticas, ou seja, nas redes de conversação das quais participam, trabalhamos com
a visão do construcionismo social, fonte das propostas colaborativas e apreciati-
vas, apresentando-se com uma teoria em ação e prática (GERGEN, 2009), incluindo
ações verbais, não verbais, objetos e ambientes (GERGEN, 1997).
Com a perspectiva de responder ao propósito do curso e fazer emergir um
novo pensar, sentir e fazer no contexto da moda, começamos pela criação de um
espaço de aprendizagem em que as pessoas pudessem se olhar como indivíduos e
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Mudança e sustentabilidade na moda
reconhecer suas experiências, seus recursos, oportunidades e novos caminhos, cons-
truindo novas versões de si mesmas e de seus contextos de pertencimento.
Nesse sentido, foi necessário, inicialmente, a reconceituação da autonomia e
do posicionamento professor-aluno. Esses foram os principais recursos para que fos-
se possível pensar uma aprendizagem colaborativa e significativa, com foco na co-
nectividade, na aprendizagem com os outros e através dos outros. Enfim, diálogos
com a própria experiência, reflexões com as agendas pessoais e comuns existentes e
abertura para as possibilidades emergentes.
O papel do “professor especialista”, que sabe tudo, foi redefinido e se investiu
na relação interpessoal como princípio para aproximar educandos e educadores.
Assim, promoveu-se mudanças no processo de aprendizagem e, consequentemente,
sua transformação através do processo de parceria conversacional e simétrico que
integrou diferentes saberes. Em suma, a metodologia LIS pautou-se na promoção de
uma aprendizagem ativa e relacional de coconstrução.
O processo ocupou espaço em que o respeito mútuo e a escuta respeitosa
ocorreram de forma natural, como atitudes orgânicas e não como técnicas impos-
tas pelos profissionais.
Algumas das estratégias aqui apresentadas aconteceram em meio às remi-
niscências dos modelos tradicionais de aprendizagem. A diferença da intencionali-
dade desses recursos, no modo como atuamos para que os mesmos pudessem pro-
duzir formas inovadoras de ensinar e de aprender foi, por vezes, bastante desafiador.
Segundo Anderson (2014) (1999), uma abordagem relacional no processo
de ensino e aprendizagem corresponsabiliza todos os envolvidos no alcance do
próprio aprendizado, pressupondo, inclusive, a transformação do próprio docente.
Essa postura descentralizadora cria abertura para que a voz do aluno seja ouvida
e valorizada, uma curiosidade genuína para o aluno argumentar e sugerir, uma
capacidade maior de suportar as incertezas e a crença de que cada aluno sabe
melhor que ninguém como alcançar o bom aprendizado e estabelecer trajetórias
possíveis (MCNAMEE, 2007).
Para Anderson (2009), estabelecer uma relação colaborativa implica
uma postura filosófica que enfatiza uma forma de Ser, uma maneira de Estar no
mundo e viver a vida. Implica, enfim, uma escolha, uma opção vivenciada com
outras possibilidades.
A proposta foi construída para que o docente/facilitador partisse dos espa-
ços de experiências e práticas dos participantes, que eram compartilhados em suas
narrativas e seus relatos. Ou seja, a ideia não era partir da teoria, mas das com-
preensões e questões trazidas pelos alunos. A posição do facilitador era de escuta
ativa, de quem propõe indagações e pergunta para compreender, promove cone-
xões, criando espaços para reflexão no sentido de enriquecer as perspectivas e as
vivências do grupo para, depois, compartilhar a teoria e a própria experiência. Nesse
contexto, o caminho da Teoria U ocupou um papel importante, guiando e inspirando
todo o processo de descobertas e apropriação do novo. Com esse método, buscou-
Capítulo 2 • Aspectos inovadores do LIS Moda
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-se criar um ambiente favorável ao desenvolvimento de habi-
lidades de observação, conexão, interdependência, empatia e
percepções, bem como um ambiente apto a prepará-los para
acolherem a di
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