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Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
MULHERES ANGOLANAS EM SÃO PAULO: "NOVOS" CONTORNOS DE
MIGRAÇÕES E REFÚGIO
Lya Amanda Rossa1
Marilda A. Menezes2
Resumo: A chegada de um grande número de mulheres angolanas em São Paulo à partir de 2014,
gestantes e com filhos pequenos, como solicitantes de refúgio, tem despertado nosso interesse para
as circunstâncias que determinaram sua saída do país de origem e as respostas dadas pelo sistema de
elegibilidade da Lei 9.474/97-Estatuto dos Refugiados à sua regularização migratória, que em geral
as situa entre as classificações de migração voluntária e forçada. A problematização das categorias
migrantes e refugiadas aponta em que medida arranjos familiares, estratégias de gênero e
maternidade e o deslocamento como um elemento para reprodução social da família são questões
para compreender o fenômeno da feminização das migrações, que despontam como impressões
iniciais da pesquisa de campo, realizada no programa de mestrado da Universidade Federal do ABC
(SP).
Palavras-chave: Migração, Refúgio, mulheres angolanas, família
Introdução
Entre 1975 e 2002, pessoas de angola representaram o número mais expressivo de
refugiados africanos reconhecidos no Brasil, mobilidade motivada sobretudo pelo contexto de
guerra civil que assolou o país, mas também, pela relação histórica e cultural entre Brasil e Angola,
colaborando para a criação de uma nova diáspora africana, além daquela decorrente do
deslocamento forçado de populações para exploração do trabalho em regime escravista entre os
séculos XVI e XIX. Dados do Comitê Nacional para Refugiados (CONARE, 2016b) apontam um
total de 1420 refugiados angolanos reconhecidos no Brasil, de um universo de 2.281 solicitações
realizadas por pessoas de Angola acumuladas desde o início das atividades do órgão até abril do ano
passado. Embora os dados apontem uma pequena presença de angolanos como refugiados no Brasil,
não estão inclusos nesses dados pessoas que tenham ingressado no país sem a solicitação de refúgio,
sendo estimado que a diáspora inclua aproximadamente entre 10 mil a 15 mil pessoas em todo o
país (SOUZA, 2012 apud COSTA, 2016).
1 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do ABC, ABC
Paulista, Brasil. 2 Professora Visitante Nacional Sênior (CAPES/PVNS) da Universidade Federal do ABC, vinculada ao Programa de
Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais nesta instituição.
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Angola teve a sua independência proclamada em 1975, resultado de 14 anos de
guerrilha anti-colonial e, após a independência, mais 27 anos de guerra civil. O saldo de tantos anos
de exploração persiste até os dias de hoje: além da exploração e sistemática exclusão de direitos,
como saúde e educação, a que sua população foi submetida (VISENTINI, 2012); os conflitos pré e
pós independência alteraram radicalmente a organização e a estrutura social do país. A realização
da "guerra no mato", em territórios rurais, culminou com violências que deixaram um grande
número de Pessoas Internamente Deslocadas (segundo o conceito de IDPs-Internally Displaced
People), desenraizando culturalmente populações, e gerando pressões demográficas em grande
centros urbanos. Quando da independência, apenas dez por cento da população angolana residia em
áreas urbanas, cenário radicalmente modificado pelos conflitos armados (ALMEDINA, 2005 apud
Human Rights Watch, 2007), culminando com uma grande fragilização dos serviços públicos,
severamente destruídos durante a guerra civil. Embora os conflitos pelo poder no país tenham
ocorrido em 2012, Angola sustenta há 38 anos o mesmo presidente, José Eduardo dos Santos, e não
se realizam eleições diretas em Angola desde 1992, estando previstas novas eleições para 2017.
O fim das disputas pelo poder no país no ano de 2012, polarizadas entre três grupos- a
Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), a União Nacional dos Trabalhadores Angolanos
(UNITA) e o Movimento pela Libertação de Angola (MPLA), grupo vencedor- culminou com
tratativas pelo fim do reconhecimento do estatuto de refugiados para cidadãos de Angola. A
orientação mundial do Alto Comissariado das Nações unidas para Refugiados (ACNUR) foi
proposta em 2012 pela adoção de uma Cláusula de Cessação de Refúgio a cidadãos angolanos e
liberianos, pelo reconhecimento de que o país havia entrado em um período de estabilidade política
e com a promoção de políticas de repatriação voluntária, com o estímulo ao regresso ao país de
origem. Costa (2016) refere que, nesse período, muitos refugiados foram forçados à regressar ao
país ou mantiveram-se em situação irregular pelo alto custo implicado na transição de refugiados
para o visto permanente, circunstância que é recorrente também em períodos de anistia, em que as
taxas cobradas para regularização migratória impossibilitam o seu acesso. Não obstante à cláusula
do ACNUR em 2012 tivemos, à partir de 2014, um número crescente de solicitantes de refúgio de
Angola até 2016, com uma aparente feminização desse fluxo, colocando o país em primeira posição
entre as nacionalidades que solicitaram refúgio no ano de 2015.
1. Feminização das migrações e do refúgio Angola-Brasil: nova realidade?
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A chegada de mulheres angolanas em São Paulo, gestantes e com filhos pequenos, à
partir de 2014, foi recepcionada pela imprensa com grande alarmismo, como um "boom" migratório
que "obrigou" o poder público a oferecer abrigo e despertou a sua desconfiança, motivando a
Polícia Federal a instaurar um inquérito investigativo sobre as razões de sua mobilidade, com
declarações como "se chegar mais um grupo de angolanas, não terei onde pôr" por parte da
Secretaria de Assistência Social da Prefeitura de São Paulo (DIÓGENES, 2016; R7, 2016). A
reação de rejeição frente a essa situação foi tamanha que provocou a reconfiguração dos
mecanismos de concessão de visto entre Brasil-Angola, (REDE ANGOLA,2016) com boatos de
suspensão temporária de vistos no consulado brasileiro em Luanda e a imposição de novos critérios
econômicos para a aprovação dos pedidos de visto. Ficam claros aqui os indícios de objetificação a
que essas mulheres foram sujeitas, encaradas como indesejáveis, um ônus para o Estado, um
problema social e um fluxo fora do controle que demandava ser estancado, já que a posição
assumida foi de que sua chegada representava um padrão migratório econômico, com a variação de
serem mulheres com crianças pela facilidade de obtenção de regularização migratória pelo
nascimento de bebês em solo brasileiro.
Não obstante a repercussão negativa com que tal fluxo foi recepcionado, as poucas
informações disponíveis apontam a chegada de 700 solicitações de refúgio pendentes de julgamento
até abril de 2016, referentes a chegadas entre 2013 e abril de 2016. Desses números, temos um total
de 283 mulheres, e um número maior de homens. Não estão computados nesses dados pedidos que
porventura tenham sido protocolados e julgados até abril de 2016, o que, contudo, reputamos
bastante improvável dado o procedimento padrão para o julgamento dos processos de refúgio, que
leva cerca de dois anos em média. Comparando esses dados com os disponíveis pelo CONARE
(2016a) sobre o total de refugiados angolanos no Brasil e as estimativas em números sobre a
diáspora angolana em território brasileiro, temos um número consideravelmente pequeno de pessoas
dentre as novas chegadas. Não temos como estimar o total de mulheres angolanas no país, mas é
bastante provável que o número total supere os pedidos em questão:
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Da mesma forma, dados das instituições de acolhida de migrantes e refugiados
reconhecem tais chegadas como um novo perfil de atendimento, que implica em maiores
vulnerabilidades (CASP, 2017; BARRETO DA SILVA; LÉON-DIAZ, 2016) e criaram desafios
para o poder público municipal demandando a oferta de serviços apoio jurídico, de assistência
social, saúde, integração e de acolhida, sendo abertos dois abrigos de emergência para a sua
hospedagem. Sua entrada no Brasil como solicitantes de refúgio despertou o interesse de
investigação das circunstâncias que determinaram sua saída do país de origem, assim como as
respostas dadas pelo sistema de elegibilidade da Lei 9.474/97 (Estatuto dos Refugiados) à sua
regularização migratória, nem sempre compreendida dentre os limites da divisão entre migração
voluntária e migração forçada. Nesse sentido, dois elementos principais foram indicados como
motivadores dos deslocamentos: perseguição política e religiosa (CASP, 2017;
TORRES, 2016), em contextos que apontam que as violações atuais de direitos são um continuum
da situação política vivenciada pelo país em momentos anteriores. Assim, poderíamos questionar
até que ponto a cláusula de cessação de refúgio proposta pelo ACNUR em 2012 não objetiva
solucionar a questão dos refugiados de Angola apenas formalmente, quando materialmente o
contexto político vigente segue produzindo violações dentro de uma mesma lógica.
Apesar de inexistirem dados oficiais sobre os precedentes (as causas dos pedidos) do
CONARE quanto aos elementos motivadores dos pedidos de refúgio, outras fontes, assim como a
pesquisa na cidade de São Paulo indicaram que as motivações para tais deslocamento não são
facilmente inseridas em uma roupagem "nova" e até mesmo, que representem uma exceção de
feminização frente aos padrões migratórios anteriores. Alguns estudos no Brasil sobre emigrantes e
imigrantes apontam a feminização das migrações como um novo padrão de mobilidade não apenas
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quantitativo, mas também qualitativo (ADELMAN, 2012; ASSIS; 2007; ASSIS E KOMINSKY,
2007; DUTRA, 2013; VILLEN; 2013) o que deve ser interpretado observando a invisibilidade
anterior com que o tema havia sendo contemplado em estudos sobre migrações (MOROKVASIC,
1984; 2011). Alguns dos elementos que indicam a feminização das migrações não são apenas dos
dados sobre mais mulheres que se desloquem, mas a observação de novos comportamento que
fogem de uma lógica de dependência e de reprodução familiar, como migrantes acompanhantes
(HIRATA e KERGOAT, 2007; HIRATA,GUIMARÃES e SUGITA, 2011). Poderíamos sugerir
que no caso em questão tivéssemos essa situação como uma "novidade" frente a chegada de
mulheres "desacompanhadas", ou seja, mulheres migrantes e/ou refugiadas que cruzam fronteiras
sem seus cônjuges, e em uma condição de chefes de família. De fato, temos uma situação em que a
situação de refúgio impõe maiores vulnerabilidades a mulheres e crianças (KAWAR, 2004,
FIDDIAN-QASMIEH, 2014) com diferentes contornos sobre inserção no novo país, como a divisão
sexual do trabalho. Contudo, a falha do sistema de refúgio atual que traça uma linha abissal de
conhecimento (SANTOS, 2010) entre migrações e refúgio implica na eleição de causas migratórias
exclusivas, quando em verdade, são múltiplas.
Um pequeno indício dessa situação está expresso em uma pesquisa qualitativa realizada
com um pequeno grupo de mulheres, solicitantes de refúgio, chegadas em São Paulo à partir de
2014 e usuárias de serviços de acolhida da rede municipal. Em um questionário com perguntas
sobre a razão de seu deslocamento, após as causas de refúgio indicadas- perseguição religiosa e
perseguição política suas e de seus cônjuges, que em muitos casos, estavam desaparecidos- foram
dadas outras opções de respostas sobre as motivações para migrar. Os resultados apontam para um
conjunto de razões como acesso à serviços de saúde, tanto neonatal e obstétrica, como para outros
tipos de tratamentos; acesso à educação para as mulheres e também seus filhos, acesso ao emprego
e à moradia (BARRETO DA SILVA; LÉON-DIAZ, 2016). Tais elementos são interessantes pois
indicam duas facetas indissociáveis entre refúgio e "não-refúgio", ou quanto a inexistência de uma
linha tão radical entre migração forçada e voluntária. O clima de "suspeita" a que suas solicitações
de refúgio foram submetidas indica, por um lado, o fenômeno conhecido como criminalização do
refúgio, que ocorre com a imputação de um abuso por parte dos solicitantes de refúgio sobre o
sistema protetivo, pois seriam na verdade migrantes econômicos disfarçados de falsos refugiados,
figura chamada de bogus asylum seeker (SCHEEL;SQUIRE, 2014). O suposto "risco" de que o
sistema de refúgio seja apropriado pelos migrantes "não-refugiados" gera uma situação de produção
de rótulos de vitimização ou criminalização dos solicitantes de refúgio (ZETTER, 2007) e reveste
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os processos de elegibilidade de um clima de suspeita e verossimilhança, no momento em que a
condição de refúgio é verificada para ser declarada, como observado por Sander (2013) na
Argentina. Por outro lado, temos que o pequeno número de refugiados no Brasil mesmo no período
de guerra civil, produzindo os chamados wartime migrants, refugiados não reconhecidos como
refugiados (LUBKEMANN, 2008 apud AYDOS, 2009), aponta as grandes fragilidades do sistema de
refúgio e também as semelhanças entre refugiados e não refugiados angolanos no Brasil em
termos de motivações migratórias, o que é revistido por aspectos de gênero.
2. Mobilidade entre Angola-Brasil fora do eixo do refúgio
Apesar da falta de números sobre mulheres angolanas no Brasil fora do sistema de
refúgio, alguns elementos nos permitem concluir que a feminização desse deslocamento é muito
anterior ao nosso momento atual. Trabalhos produzidos sobre angolanos em São Paulo
(BAPTISTA, 2007; HAYDU, 2010, TELES, 2013; COSTA, 2016) apontam a importância das
relações de gênero naquele país para o acesso à educação e saúde, ainda que nenhum desses
trabalhos tenha assumido a perspectiva de gênero como um recorte de pesquisa, indicando a
necessidade de um aprofundamento nesse tema. Todos os trabalhos, sem exceção, contam com
entrevistas masculinas que ressaltam a desigualdade de gênero como um elemento de destaque na
sociedade angolana, apesar desse não ser o assunto inicial das pesquisas, que tratavam, em sua
grande maioria, sobre a integração de migrantes, em especial estudantes universitários, e refugiados
angolanos no Brasil.
Além dos trabalhos indicados acerca da migração sobretudo de estudantes, outras
informações indicam uma pré-existência de fluxos femininos de Angola ao Brasil: migrações em
busca de acesso à educação, saúde e também comércio. A vinda ao Brasil para a realização de
tratamento de saúde é coberta atualmente apenas pela imprensa, com o relato de casos como o
deslocamento de mulheres em busca por tratamento de fertilização (LAZZERI, 2016) assim como
a mobilidade para o comércio das mulheres "muambeiras" no bairro paulistano do Brás, ainda
pouco estudada. O trânsito de mulheres comerciantes, motivada sobretudo pelos estímulos
midiáticos e a busca por produtos brasileiros de beleza e cuidado, comercializadas em uma feira em
Luanda que remete a uma telenovela, "Roque Santeiro", indicam o alcance de influências culturais
sobre a mobilidade humana (CHISSUNGUI, 2015; BARREAU-TRAN, 2013). Todos esses fluxos
partilham de um elemento comum: a realização de remessas em um sentido invertido, não do Brasil
para Angola, mas de Angola ao Brasil, tanto por parte dos estudantes, com frequência sustentados
por seus familiares, quanto por pessoas em tratamento de saúde, que buscam auxílio do governo
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angolano ou arcam seus tratamentos por conta própria, e também no caso de comerciantes, que
incluem a vinda ao Brasil nas margens de lucro obtidos em suas vendas. Grande parte dos trabalhos
sobre angolanos em São Paulo são unânimes em indicar a dificuldade na inserção no mercado de
trabalho, o que sustenta a manutenção de remessas e nos aponta que a classificação em migração
econômica pode não ser a mais adequada. Temos, aqui, a brecha para considerar a migração ao
Brasil sob uma perspectiva de estratégia de reprodução familiar, seja pela garantia de educação dos
filhos com país lá ou aqui, seja pela busca de tratamentos reprodutivos para a gestação, ou ainda,
pela perspectiva da busca pelo sustento com o fluxo comercial de mercadorias realizado por
mulheres.
Mesmo por uma perspectiva macro-estrutural, temos a indicação de que esses não são
fenômenos isolados, se observarmos que tanto o acesso à educação quanto o acesso à saúde são
elementos que perpassam a política externa Brasileira em Angola de forma mais ampla, sob
arranjos de uma cooperação sul-sul, em que os benefícios para o Brasil são sobretudo de ordem
econômica, com a realização de parcerias comerciais de grandes empresas brasileiras em áreas
como extração de petróleo, construção civil e também exportações de bens e serviços, e com a
contrapartida brasileira através da criação de convênios estudantis (HELENO, 2014) e cooperação
na área de saúde e agricultura (ESTEVES, GOMES E FONSECA, 2016). Além desses elementos,
temos também a instalação de redes de telecomunicações brasileiras, como a TV GLOBO e a TV
Record e a grande popularidade de instituições religiosas como a Igreja Universal do Reino de Deus
(IURD), num quadro que aponta um presença brasileira bastante disseminada.
Sem dúvida, a influência desses elementos contribui para a dinâmica dos fluxos
migratórios existentes e aproximação entre os dois países, inseridos numa dinâmica transnacional.
Sassen (1998) sugere que o investimento de capital estrangeiro rearranja modos de produção
tradicionais que inclusive possuem contornos de gênero, com a entrada de mulheres no mercado de
trabalho e a consequente alta rotatividade de seus postos de trabalho com contratos flexibilizados, o
que criaria desemprego mas impossibilitaria e reinserção em modos de produção tradicionais.
Nesses contextos, a migração surge como um fator através da “ocidentalização” dos modos de viver
e produzir, o que poderia ser interpretado por nós como uma transferência de valores do país
investidor para o país exportador, fator que estimula e estabelece fluxos migratórios. A existência
de comunidades migrantes nos países de destino funciona igualmente como um fator de estímulo à
migração, com a concentração de diásporas nas chamadas cidades globais. Ainda que a análise de
Sassen esteja circunscrita ao contexto norte-americano e diga respeito a migrações laborais à partir
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da década de 1980, podemos estabelecer conexões entre a influência dos capitais financeiros e as
influências culturais trazidas com esse fenômeno, que influenciam trajetórias migrantes. Assim, o
fortalecimento de influências de ordem cultural, midiática, econômica, religiosa, educacional e de
saúde entre Angola e Brasil, influências essas já existentes devido as relações de transnacionalismo
promovidas pela migração de refugiados, promovem deslocamentos associados ao investimento de
capital brasileiro em Angola mas não limitados à esfera de mobilidade do trabalho, como
preconizado por Sassen (1988). O estabelecimento de relações entre esses dois países, dentro de
uma dinâmica sul-sul, especialmente a partir do início da década de 2000 durante o governo Lula,
corrobora para um tipo de deslocamento diferente, mais aproximado a um cosmopolitismo
subalterno, conforme os termos de Santos (2001) que implica, antes, na realização de
deslocamentos por uma perspectiva de acesso à direitos, bens e serviços públicos.
Assim, partindo dos propulsores dos novos casos de refúgio, motivados por perseguição
estatal religiosa e política, mas também pela busca de serviços públicos como saúde e educação,
temos um pano de fundo que aponta não ser possível dissociar que as contingências para o
deslocamento forçado tenham um nuance coletivo, sem desenraizar historicamente os processos de
exclusão e violência a que certos grupos estiveram submetidos. O reconhecimento dos novos
deslocamentos de mulheres angolanas como solicitantes de refúgio aponta não apenas uma
feminização das migrações nova, mas a pré-existência dessa faceta também nos deslocamentos
anteriores, ainda que invisibilizados.
Considerações finais
Embora tenha sido estabelecida a cláusula de cessação de refúgio para cidadãos de Angola, temos
na realidade a dificuldade em desprezar os desdobramentos dos processos históricos sócio-político-
econômicos desse país em seu momento presente, o que motiva deslocamentos intermitentes entre
Brasil e Angola desde a década de 70. Dinâmicas internas que acarretaram um grande número de
pessoas internamente deslocadas (IDPs), excluindo sistematicamente gerações do acesso à serviços
públicos como educação e saúde, e criando uma sociedade fortemente desigual em que o elemento
transnacional funciona como uma forma de reprodução social não são elementos que possam ser
desprezados. Ademais, os interesses políticos do Brasil como um ator proeminente em relações sul-
sul entre Brasil e Angola apontam para o questionamento de sua posição perante o regime político
Angolano e, consequentemente, para os efeitos dessa relação no reconhecimento de novos casos de
refúgio.
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MULHERES ANGOLAN WOMEN IN SÃO PAULO: "NEW" TRAITS OF ASYLUM AND
MIGRATION
Abstract: The arrival of a large number of Angolan women in São Paulo in 2014,pregnant and with
small children as asylum seekers instigated the investigation of the circumstances that determined
their departure from the country of origin, as well as the responses to their migratory regularization
given by the elegibility system of the 9.474/97 law, which generally states their experience in the
voluntary or forced migration framework. The objective of our paper is to problematize these
categories and to observe to what extent family arrangements, gender and maternity strategies and
human mobility act as elements for social reproduction of families, as important matter to apprehen
the phenomenon of the feminization of migration.The article is based on a literature review and
initial field research with Angolan women in the context of a wider research conducted on a
master's degree leval at Universidade Federal do ABC (SP)
Keywords: migration, asylum, angolan women, family
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