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Doutor em Química, coordenador do curso de Farmácia e docente do ISAVE, Instituto Superior de Saúde do Alto Ave
Fernando Manuel Pinto de Azevedo
Nanociência e
Pretende-se com este artigo dar
uma visão geral sobre a Nanociência
e a Nanotecnologia (N&N) uma vez
que são áreas emergentes e têm
despertado grandes expectativas
relativas ao melhoramento da nossa
vida quotidiana, essencialmente
em aspectos ligados à medicina,
à farmácia, ao ambiente e à
engenharia. Uma lista completa
das potenciais aplicações da
Nanotecnologia é vasta e diversa,
mas dela sobressai, sem qualquer
dúvida, que um dos grandes
valores da Nanotecnologia será
o desenvolvimento de novos e
efectivos tratamentos médicos.
Assim, a Nanotecnologia aplicada à
medicina é referida já com o nome
de Nanomedicina. Neste artigo
será dada uma visão geral sobre as
principais aplicações nesta área.
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Nanotecnologia
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1. IntroduçãoO ano de referência para o nascimento da
Nanociência e da Nanotecnologia é o de 1959, quando o físico Richard Feynman afirmava “There’s plenty of room at the bottom” (“Há muito mais espaço lá em baixo”). Feynman anunciava na altura ser possível condensar, na cabeça de um alfinete, as páginas dos 24 volumes da Enciclopédia Britânica. Referiu, também, que muitas das descobertas se fariam com a construção de materiais em escala atómica e molecular sendo, no entanto, neces-sário desenvolver tecnologia que permitisse uma manipulação dos átomos e moléculas.
Nos anos 80, o aparecimento do microscópio de efeito túnel permitiu avanços significativos na manipulação atómica, a ponto de, em 1989, a IBM ter conseguido manipular 35 átomos de Xénon, dispondo-os um a um numa placa de níquel, de forma igual às letras da própria marca (Figura 1A).
Richard Smalley descobriu, em 1985, uma nova forma alotrópica de Carbono, os fulere-nos (Figura 1B), tendo ganho o Prémio Nobel da Química em 1996 por esta descoberta. O nome desta molécula foi dado em homena-gem ao arquitecto R. Buckminster Fuller pelas suas construções geodésicas. Também, por esta altura, Eric Drexler e Neal Lane potenciaram o conceito de Nanotecnologia em várias obras publicadas. Desde então, os estudos têm vindo a ser desenvolvidos de forma crescente e sistemática, pois os governos de diferentes países têm incluído as Nanociências e as Nanotecnologias (N&N) na sua agenda de prioridades de investimentos.
Figura 1A
Átomos de Xénon dispostos de forma a formar as letras
I, B e M.
Figura 1B
Molécula esférica de fulereno C60 conhecida como
buckyball. O diâmetro desta molécula é extremamente
pequeno, da ordem de 1nm.
1 nm
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2. O que é a Nanotecnologia?A Nanotecnologia refere-se a tecnologias
em que a matéria é manipulada numa escala extremamente pequena, na ordem dos 1-100 nanometros (nm); 1 nanometro = 10-9 metro, ou seja, à escala de moléculas de pequena dimensão.
O prefixo “nano”, de origem grega, significa anão e apareceu pela primeira vez na litera-tura científica em 1908 quando Lohmann o utilizou para classificar organismos muito pequenos. Mais tarde, em 1974, Tanigushi utilizou o termo Nanotecnologia associado à Engenharia de Materiais.
Instrumentos como o microscópio de efeito túnel estendem a nossa “visão” até dimensões desta ordem de grandeza. Uma estrutura nanodimensionada teria que ser ampliada cerca de 10 milhões de vezes para a podermos visualizar a olha nu. Quantidades
tão pequenas poderão ser difíceis de imaginar. Muitas vezes são dados como exemplo a rela-ção entre o tamanho de uma bola de ténis e o tamanho do nosso planeta (tamanho da bola de ténis / tamanho da planeta Terra = 10-9), ou que um nanometro é cerca de 100 000 vezes mais pequeno que a espessura de um cabelo. Na Figura 2 apresenta-se uma escala de dimensões médias de diferentes objectos. Se pensarmos na espessura de uma bola de sabão (cerca de 150 nm) ou no tamanho de um partícula de carbono ultrafina emitida pelos motores Diesel (cerca de 100 nm), estamos a referenciar também estruturas de dimensões nanométricas.
A existência de tecnologia que permite a manipulação da matéria à escala atómica coloca a Nanotecnologia como uma ciência pluridisciplinar. Quando aplicada às ciên-cias da vida recebe por vezes o nome de Nanobiotecnologia. A pluridisciplinaridade
Figura 2
Escala de objectos de dimensões diferentes. Da esquerda para a direita: glóbulos vermelhos, bactérias, vírus, proteína, molé-
cula de DNA, molécula de aspirina, átomo (1 mm = 1000 nm).
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da Nanotecnologia é suportada com o contri-buto das mais variadas áreas do conhecimento, desde as mais básicas (Química e Física), como as das ciências da vida (Medicina, Farmacologia, Biologia, Bioquímica) e as aplicadas à enge-nharia, existindo já em vários países redes de Nanotecnologia, designadas de Nanoredes.
Os grandes avanços da ciência e da tecno-logia nas últimas décadas podem propiciar o desenvolvimento de novos produtos e siste-mas de alto impacto tecnológico. A pesquisa na área da Nanociência e Nanotecnologia desafia as unidades de investigação a integrar esforços para optimizar os estudos, pois geral-mente os equipamentos necessários são extremamente caros e são neces-sários investigadores especializados em diversas áreas do saber. A investigação nesta área necessita de uma articulação centralizada que consiga mobilizar os investigadores das universidades e centros de investigação, os empresários e as entidades financiadoras. Esta polí-tica já foi implementada nos Estados Unidos da América e noutros países, tanto europeus como de outros conti-nentes. Os resultados que têm aparecido diariamente são o corolário desse esfor-ço. Recentemente, os Governos de Portugal e Espanha acordaram a criação do Laboratório Internacional Ibérico de Nanotecnologia, INL, de forma a fomentar a cooperação bilateral de nível científico e tecnológico (I&D e Inovação) entre os dois países. A rapidez com que se processa o avanço da Nanotecnologia exige decisões igualmente céleres de modo a que as indústrias possam inovar e competir no mercado mundial. O número de projectos em conjunto, bem como o registo de paten-tes, é crescente. Neste contexto, questiona-se sobre a quem se deve deixar a negociação das patentes, às universidades, às indústrias ou às entidades que financiam a investigação. A esta discussão não escapam as entidades reguladoras com responsabilidades na área da saúde. As agências reguladoras em matéria de medi-
camentos, nomeadamente a FDA (Food and Drug Administration), não se pronunciaram sobre a aprovação de fármacos baseados em Nanotecnologia. Já várias indústrias farmacêu-ticas desenvolveram nanopartículas com fins terapêuticos, e existe actualmente uma comis-são que pretende elaborar as linhas básicas necessárias para uma futura regulamentação.
A Fundação Europeia da Ciência publicou, em Fevereiro de 2005, um estudo sobre a evolução da Nanociência em termos médicos e as suas expectativas para o futuro. Neste documento conclui-se que a Nanomedicina desempenha um papel fundamental na área
do diagnóstico preciso e tratamento de muitas doenças. No documento fixam-se cinco linhas principais de investigação para um futuro recente: nanomateriais e dispositivos biomédicos, monitorização e ferramentas de análise, novas terapias e transporte de fármacos dirigidos a alvos concretos, aplicações clínicas, toxicologia das nanoestruturas e regulamenta-ção da Nanotecnologia.
Objecto Tamanho
Espessura de um cabelo 100 000 nm
Glóbulos vermelhos 7 000 nm
Bactérias 1 000 nm
Comprimento de onda da cor vermelha 650 nm
Vírus 100 nm
Proteínas 10 nm
Espessura do DNA 2,5 nm
Molécula de Aspirina 1 nm
Diâmetro do átomo de carbono 0,15 nm
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3. Nanoestruturas e suas aplicações na saúde
Essencialmente são duas as razões que tornam as nanopartículas diferentes das outras partículas com maiores dimensões. Em primei-ro lugar, em partículas com dimensões aquém dos 50 nm as leis da física quântica passam a ter relevância em prol da abordagem da física clássica. Isto significa que nas nanopartículas podem ser exploradas propriedades ópticas, magnéticas, eléctricas que não se manifestam em partículas idênticas de tamanhos maiores. Em segundo lugar à medida que se diminui o tamanho de uma partícula, a razão entre a área superficial e o seu volume aumenta. Ou seja, quanto mais pequeno um objecto se torna, a sua área aumenta em relação ao seu volume. O aumento da razão anteriormente referido permite uma grande reactividade das nano-partículas o que, em certos casos, é bastante positivo mas, noutros, pode ser perigoso.
A maior parte das células animais têm entre 10 000 a 20 000 nm de diâmetro. Uma estru-tura nanodimensionada com um tamanho de 100 nm pode então entrar em células e interactuar com o DNA e com as proteínas. Estas estruturas nanométricas podem também ser capazes de detectar uma doença numa pequena quantidade de células ou tecidos. Por exemplo, para detector o cancro numa fase precoce é necessário detectar alterações moleculares numa pequena percentagem de células, o que significa o uso de ferramentas muito sensíveis, como as nanoestruturas.
As nanoestruturas mais utilizadas e estuda-das têm sido as nanoestruturas de carbono, os dendrímeros, as nanopartículas de metais e de óxidos metálicos, os nanocristais fluorescentes e alguns lipossomas. Descrevem-se de seguida algumas das principais características das nano-estruturas mais importantes e as suas possíveis aplicações em estudo na área da saúde.
“Nanotechonology has given
us the tools (…) to play with
the ultimate toy box of
nature - atoms and molecules.
Everything is made from it
(…). The possibilities to create
new things appear limitless.”
Horst Störmer, Prémio Nobel da Física, �998.
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3.1 Nanoestruturas de CarbonoSão estruturas constituídas por átomos de
carbono e são essencialmente baseadas em moléculas esféricas de fulerenos e em molécu-las em forma de tubos (nanotubos).
FulerenosSão moléculas esféricas com diâmetro de
cerca de 1 nm. De entre os fulerenos (C60, C70, C80, etc.), a molécula de C60, conhecida como buckyball (pois lembra uma bola de futebol), foi a primeira a ser descoberta, é a molécula mais conhecida, mais estável e a de maior simetria. É constituída por 60 átomos de carbono dispostos segundo 12 pentágonos e 20 hexágonos (Figura 1B). Actualmente, é também possível sintetizar fulerenos contendo átomos no seu interior, designando-se estes por fulerenos endoédricos.
Nos estudos de investigação sobre este tipo de moléculas destacam-se aqueles em que uma molécula modificada de C60 é usada para transportar agentes de contraste (Figura 3A) utilizados em imagiologia por RMN, e aqueles em que uma molécula modificada do C60 é usada como inibidor da HIV protease (Figura 3B).
Os agentes de contraste normalmente usados em RMN são estruturas moleculares com complexos metálicos, ou sais desses complexos, que contêm metais capazes de interactuar com o campo magnético. Não obstante o seu grau de estabilidade química, a sua permanência temporal no corpo pode desencadear acções de desequilíbrio bioquímico que compromete a estabilidade primária do agente, formando-se iões metálicos livres com alguma toxicidade. Contudo, se os agentes estiverem encapsulados numa molécula de fulereno, a inércia reactiva aumenta diminuindo a sua toxicidade. O grau do contraste fornecido por esta molécula foi já testado num rato e é comparável aos agentes de contraste normalmente usados em RMN. Um agente de contraste idêntico ao descrito anteriormente e constituído por nanopartículas de macromoléculas de um quelato de gadolíneo ([Gd-DTPA]- ião de
Figura 3A
Agente de contraste solúvel em água que está a ser
desenvolvido para a técnica de imagiologia de RMN.
Dois iões de gadolínio Gd (cor violeta) e um ião de
escândio Sc (cor verde) ligados a um ião central de
azoto (cor azul) encontram-se encapsulados dentro
de uma molécula modificada de C60. O agente de
contraste está rodeado por moléculas de água (cor
amarela e vermelha).
Figura 3B
Molécula modificada de C60 (bola verde) ligada à HIV
protease (fitas a verde). Ligados ao C60 encontram-se
também outros átomos (verdes, vermelhos, brancos e
azuis). Prevê-se no futuro com esta molécula realizar
testes em pacientes.
gadolíneo (III) ligado ao ácido penta-acético dietilenotriamina), encontra-se já disponível no mercado (Magnevist).
Muitos outros estudos existem actualmente sobre moléculas de fulerenos, não se enqua-drando a sua descrição neste formato de artigo.
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NanotubosSão moléculas de fulerenos, alongadas em
forma de tubos, descobertas em 1991 por Sumio Lijima da NEC. O seu comprimento é muito grande em relação à sua espessura (apenas 1 a 2 nm de diâmetro e até 1 mm de comprimento). Os nanotubos são cons-tituídos por folhas de arranjos hexagonais de átomos de carbono que se enrolam para formar tubos longos, mas com diâmetros pequenos da ordem de 1 a 2 nm (Figura 4A). As extremidades do tubo (não mostradas na figura) são compostas por átomos com um arranjo pentagonal. Os nanotubos podem também ser arranjados para formar estruturas constituídas por vários nanotubos e por várias camadas (Figuras 4B e 4C) de modo a modifi-car as suas propriedades eléctricas e mecânicas. Esta surpreendente “macromolécula”, com propriedades tão diferentes, tem sido alvo de muitos estudos, concluindo-se que apresenta um enorme potencial de aplicação em diver-sas áreas (medicina, electrónica, materiais, etc.) Actualmente, prevê-se que seja, por exemplo, possível utilizar os nanotubos de carbono como sistemas de transporte de fármacos, estando a ser realizados estudos prévios no sentido de eliminar a citotoxicidade destas estruturas.
Figura 4
A - Nanotubo de carbono de camada monoatómica;
B - Rolo de nanotubos de camada atómica;
C - Nanotubo constituído por várias camadas mono-
atómicas.
A B C
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3.2 DendrímerosSão moléculas poliméricas construídas à volta
de uma pequena estrutura central (NH3) pela adição de 2 monómeros (ácido acrílico e diami-na) e que se podem tornar esféricas à medida que o seu tamanho aumenta.
Uma característica útil dos dendrímeros é a sua forma muito ramificada que apresenta uma grande área superficial, à qual se podem ligar agentes terapêuticos ou outras moléculas biolo-gicamente activas. Uma única molécula de um dendrímero pode ser capaz de transportar uma molécula que reconhece as células cancerígenas, um agente terapêutico que mata aquelas células e uma molécula que reconhece os sinais da morte de célula.
Uma das dificuldades da aplicação destas nanoestruturas era o facto do processo de síntese destas moléculas ser pouco reprodutível (em cada processo obtinham-se dendrímeros diferen-tes). No entanto, em 2005, a empresa Dendritic NanoTechnologies Inc. patenteou uma tecnolo-gia conhecida por Priostar que permite a síntese precisa de dendrímeros com as propriedades desejadas e com uma grande estabilidade. Esta tecnologia permitirá, possivelmente, que as agên-cias reguladoras de medicamentos passem a olhar de uma outra maneira para as possíveis aplicações destas nanoestruturas. Assim, os dendrímeros estão a ser estudados no sentido de possibilitar a construção de nanoaparelhos biológicos com vista ao reconhecimento de células cancerígenas, ao transporte da droga para um alvo pretendido, à localização de um tumor e à terapia de destrui-ção de células cancerígenas.
Figura 5
A - Crescimento e visualização de um dendrímero até
à 3ª Geração: 1ª G, 1ª Geração; 2ª G, 2ª Geração; 3ª G,
3ª Geração;
B - Moléculas de dendrímeros a envolver células.
A B
1ª G
2ª G
3ª G
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3.3 Nanopartículas de metais, de óxidos metálicos e de lipossomas
As nanopartículas de metais (ouro, prata, ferro, cobalto e níquel), nanopartículas de óxidos metálicos (óxido de ferro (II), dióxido de titânio, óxido de zinco) e alguns liposso-mas, têm sido amplamente estudadas para possíveis aplicações na saúde, pois a sua síntese e manipulação não é tão difícil como as das outras nanoestruturas, assim como os estudos referentes ao grau de toxicidade estarem numa fase mais avançada. Dão-se, em seguida, a título de exemplo, algumas aplicações com carácter relevante:
- Antibacteriano constituído por nanopartícu-las de prata: as propriedades antibacterianas da prata são conhecidas há centenas de anos. O tamanho pequeno das nanopartículas de prata proporciona uma grande área superficial rela-tivamente à sua massa. Este facto permite que as nanopartículas interactuem facilmente com outras partículas aumentando a sua eficiência antibacteriana. Como a prata é um elemento não tóxico, não alérgico e não se acumula no organismo, um produto feito à base de nanopartículas de prata que elimina um largo espectro de bactérias (patente da farmacêuti-ca Nucryst) foi já aprovado pelo FDA e por outras agências reguladoras, encontrando-se já disponível no mercado;
- Sistema de transporte de fármacos: dentro das nanopartículas metálicas, têm merecido particular destaque as nanopartículas magné-ticas, designando-se este ramo da ciência como Nanobiomagnetismo. Estas partículas,
A Fundação Europeia
da Ciência publicou, em
Fevereiro de �00�, um
estudo sobre a evolução
da Nanociência em termos
médicos e as suas expectativas
para o futuro. Neste
documento conclui-se que a
Nanomedicina desempenha
um papel fundamental na
área do diagnóstico preciso
e tratamento de muitas
doenças. No documento
fixam-se cinco linhas
principais de investigação
para um futuro recente:
nanomateriais e dispositivos
biomédicos, monitorização
e ferramentas de análise,
novas terapias e transporte
de fármacos dirigidos a alvos
concretos, aplicações clínicas,
toxicologia das nanoestruturas
e regulamentação da
Nanotecnologia.
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após entrarem na corrente sanguínea, podem ser conduzidas para uma região específica do corpo por aplicação de um campo magnético externo. Uma das aplicações deste sistema é o transporte de drogas quimioterápicas dirigidas directamente para um tumor, sem que essas drogas afectem os tecidos normais, obtendo-se assim uma maximização do efeito da droga com uma minimização dos efeitos colaterais;
- Remoção de toxinas sanguíneas: as nanopar-tículas magnéticas de ferro têm também muito recentemente vindo a ser estudadas de forma a serem aplicadas na remoção de toxinas exis-tentes no sangue. Estas nanopartículas de ferro encontram-se ligadas a proteínas específicas, capazes de se ligarem posteriormente a diver-sos agentes tóxicos. Quando são injectadas na corrente sanguínea, as toxinas ligam-se às proteínas, possibilitando assim a sua remoção. Posteriormente, as nanopartículas são retiradas da corrente sanguínea por um pequeno desvio de dois canais, idêntico aos tubos utilizados em transfusões. O sangue que sai pelo desvio é submetido a uma filtração por um separador magnético que retém as nanopartículas, sendo o sangue limpo devolvido ao sistema circula-tório. Esta técnica desenvolvida em 2005 pelo ANL (Argonne National Laboratory) utiliza apenas componentes já aprovados pelo FDA, o que deverá facilitar a sua aprovação para testes em humanos;
- Diagnóstico e terapêutica de metástases tumo-rais: outra das aplicações encontra-se na área da imagiologia pela técnica de RMN em que as nanopartículas magnéticas se podem ligar a anti-corpos monoclonais que, por sua vez, se ligam às células tumorais, permitindo um aumento de contraste e, assim, proporcionam um diagnósti-co mais precoce de metástases tumorais. Uma das dificuldades encontradas tem sido a ligação da nanopartícula magnética ao anticorpo sem alterar as características deste, devido ao facto
das nanopartículas magnéticas terem de estar cobertas por um material biocompatível de forma a evitar a sua rejeição pelo organismo. Com base ainda neste sistema, poderá também ser desenvolvido um método terapêutico, uma vez que a interacção destas partículas com um campo magnético externo mais intenso provo-ca a vibração das partículas magnéticas que, em seguida, dissipam o calor nas células tumorais provocando a sua lise e morte;
- Diagnóstico de lesões hepáticas: para diag-nosticar este tipo de lesões por imagiologia de RMN tem sido usado como agente de contraste uma solução injectável constituída por partí-culas de óxido de ferro (FeO). Actualmente, a substituição destas partículas por nanopartí-culas (Feridex I.V.) foi aprovada recentemente, estando a ser comercializada em vários países, entre os quais Portugal. Outros estudos estão a ser desenvolvidos no sentido de utilizar estas nanopartículas como agentes de contraste para outros órgãos;
- Produtos cosméticos e protectores solares: devido às menores restrições exigidas para a aprovação deste tipo de produtos, encontram-se disponíveis alguns produtos cosméticos e loções de protecção solar. Nos produtos cosmé-ticos existem nanopartículas de lipossomas (nanolipossomas) que possibilitam a libertação controlada das substâncias activas (L’Oréal, Estée Lauder, etc.). Nanopartículas de dióxido de titânio (TiO2) e óxido de zinco (ZnO) são usadas em loções de protecção solar, uma vez que estas partículas conseguem reflectir a radia-ção UVA e UVB. Estes protectores solares têm as vantagens de se espalharem mais facilmente e de serem totalmente transparentes, ao contrá-rio dos convencionais que são de cor branca. Acredita-se também na menor toxidade destas partículas relativamente às moléculas orgânicas usadas nos protectores solares que absorvem as radiações UV.
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3.4 Nanocristais fluorescentesSão estruturas cristalinas à escala nano-
métrica que absorvem a luz solar e, em seguida, emitem luz cujo comprimento de onda depende do seu tamanho. Estes nano-cristais conhecidos por pontos quânticos são verdadeiros feixes ópticos à escala molecular, comportando-se como díodos emissores de luz (Leds) moleculares, oferecendo aplicações promissoras.
Os nanocristais mais estudados são os constituídos por Cádmio e Selénio e foram desenvolvidos essencialmente pela empresa Quantum Dots Corporation que, actualmen-te, controla um grande número de patentes, algumas delas na área da saúde. Os principais avanços na utilização dos pontos quânticos tem-se centrado no campo do diagnóstico de tumores, pois estes permitem diferenciar muito bem as células tumorais das outras célu-las, e na utilização dos pontos quânticos como marcadores biomoleculares. As vantagens dos pontos quânticos centram-se essencialmente no facto de serem muito mais brilhantes e não sofrerem fotodegradação, como as molé-culas orgânicas normalmente utilizadas como biomarcadores.
As Nanotecnologias deverão,
assim, ser desenvolvidas
de uma forma segura e
responsável de modo a
contribuírem para uma
melhoria na qualidade de
vida das pessoas ao nível da
saúde, do ambiente e no
uso de novas tecnologias de
comunicação e informação.
Os princípios éticos devem
ser respeitados, os potenciais
riscos para a saúde ou para
o ambiente têm de ser
estudados para posterior
regulamentação, sendo
também necessário averiguar
sobre os impactos sociais.
Figura 6
Soluções líquidas de nanocristais fluorescentes com
vários tamanhos que apresentam cores distintas.
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4. Considerações finaisPretendeu-se mostrar com este artigo algum
do potencial que a Nanotecnologia tem em mudar profundamente os meios de diagnóstico e terapêuticos. Foram dados alguns exemplos de produtos que já existem no mercado, construídos a partir da Nanotecnologia, assim como exemplos de estudos promissores que têm vindo a ser realizados, prevendo-se no futuro a sua aplicação.
Existem vários aspectos relacionados com a expansão desta nova tecnologia que estão a ganhar grande relevância. Destacam-se a nanosíntese, a nanotoxicologia, os aspectos éticos, os riscos associados à utilização de nanopartículas no ambiente, no bioterrorismo, e todos os problemas associados à propriedade industrial e às patentes.
Relativamente à nanosíntese, actualmente como se fala bastante de nanopartículas, muitas pessoas são levadas a pensar que a sua síntese é simples. De facto, para criar nanopartículas apenas é necessário decompor o objecto em partículas muito pequenas. O problema apare-ce após a criação das nanopartículas, pois estas têm tendência a voltar-se a unir novamente. Para resolver este problema é necessário aplicar técnicas bastante complexas sobre a superfície das nanopartículas que as impedem de se aproximar umas das outras e de se voltarem a unir.
Um outro aspecto não menos importante centra-se no facto de as nanoestruturas terem de ser biocompatíveis. Muitos estudos estão a ser realizados no sentido de perceber como
as nanoestruturas se comportarão no corpo humano, se existe toxicidade, se as nanopartí-culas se podem acumular em órgãos vitais, etc., de modo a criar dispositivos que as tornem biocompatíveis. Também se receia que se as nanopartículas se acumulassem em células ou em bactérias poderia ser aberta a possibilidade para a sua entrada em cadeias alimentares.
As Nanotecnologias deverão, assim, ser desenvolvidas de uma forma segura e respon-sável de modo a contribuírem para uma melhoria na qualidade de vida das pessoas ao nível da saúde, do ambiente e no uso de novas tecnologias de comunicação e informação. Os princípios éticos devem ser respeitados, os potenciais riscos para a saúde ou para o ambiente têm de ser estudados para posterior regulamentação, sendo também necessário averiguar sobre os impactos sociais.
Neste artigo não foi abordada a construção de novos materiais com aplicação na área da Medicina. É um presente e futuro promissor pois existem alguns materiais novos como nanofibras, ossos sintéticos à base de nano-partículas, próteses, etc. Outros materiais aparecerão à medida que formos percebendo como funciona este novo mundo, pequeno e muito desconhecido, tendo de estar as agên-cias reguladoras preparadas para estas novas descobertas.
A Nanociência será um passo (final?) que permitirá o controlo sobre a matéria, o controlo átomo por átomo, molécula por molécula,...