Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação
Narrativas colaborativas e transmidiáticas em aulas de literatura no ensino municipal de Senador Canedo
Elisabete Teles Marinho
Resumo Este artigo tem como objetivo analisar a narrativa transmidiática e relatar experiências de narrativas colaborativas em produções literárias de alunos da rede municipal de ensino de Senador Canedo, município localizado na Região Metropolitana de Goiânia, a partir de uma análise do projeto “E se eu fosse o autor?”. O referido projeto incentiva o uso das mídias digitais como ferramentas pedagógicas, valorizando a aprendizagem colaborativa e a cultura digital. Propõe a construção coletiva de novas histórias, tendo como base inicial a leitura de livros literários em sala de aula, na biblioteca municipal da cidade e no laboratório de informática da biblioteca. Buscamos, com isso, fundamentar nossa análise tendo por referência dois cases considerados experiências de sucesso pelos coordenadores do projeto “E se eu fosse o autor?”: o Lab Criativo de Literatura e Tecnologia, desenvolvido na biblioteca municipal; e as aulas literárias da professora Wilza Araújo, numa turma do oitavo ano, na Escola Municipal Vovó Dulce. Para este estudo, utilizamos como referência dados do projeto (plano de aula, textos e fotos), bem como pesquisa bibliográfica que retrata a importância das mídias digitais no ensino-aprendizagem. Palavra-chave: Transmídia. Cultura da Convergência. Mídias Digitais Abstract This article aims to analyze the transmedia narrative and report experiences of collaborative stories in literary productions of students of municipal Senador Canedo school, municipality located in the Greater Goiânia, from an analysis of the project "If I were the author?". This project encourages the use of digital media as teaching tools, valuing collaborative learning and digital culture. Proposed the collective construction of new stories, taking as a basis the reading of literary books in the classroom, in the municipal library of the city and the library computer lab. We seek, therefore, a basis for our analysis with reference to two cases considered successful experiences by project coordinators "And if I were the author?": Lab Creative Literature and Technology, developed at the municipal library; and literary classes of Wilza Araújo teacher in the eighth grade class at the Municipal School Grandma Dulce. For this study, we used as reference project data (lesson plan, texts and pictures), as well as literature that portrays the importance of digital media in teaching and learning. Keyword: Transmedia. Culture Convergence. Digital Media
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Introdução
As transformações tecnológicas acompanham a vida das pessoas e estão
incorporadas ao dia a dia das crianças e adolescentes, que estão atentas às inovações
e dominam com desenvoltura as novas ferramentas, como aparelhos celulares, tablets,
jogos e a internet. Esta é uma característica da Geração Internet, que, além da busca
pelo entretenimento nestes meios, demonstra habilidade para se comunicar e
interagir com outros indivíduos.
Nascido a partir da década de 80, este grupo aprendeu a conviver desde cedo
com as novas tecnologias, por isso há autores que o definem como nativo digital. O
que o diferencia da geração mais velha é que esta segunda está aprendendo a lidar
com as novas ferramentas, ou seja, migrou-se para os meios digitais e ainda
demonstra falta de domínio para usá-los. A partir disto, não é de se estranhar que uma
criança com seis anos saiba usar estas ferramentas, montar quebra-cabeças e resolver
problemas que seu pai não consiga. Aliás, uma de suas habilidades é usar várias mídias
ao mesmo tempo no processamento de informações.
O educador e pesquisador Marc Prensky (2001) ressalta que esta é uma
geração que pensa e processa informações de forma diferente, interagindo-se com
várias mídias ao mesmo tempo, como computadores, videogames, áudio e vídeo
digital. Os adultos ou migrantes digitais costumam recorrer, primeiramente, aos meios
impressos, quando necessitam se informar sobre determinado assunto. Neste
contexto, o processo comunicacional já não ocorre de forma horizontal, como
antigamente, uma vez que o papel do receptor estava restrito a receber e a decodificar
a mensagem enviada pelo emissor, que era o centralizador da informação, como
jornais impressos e TV.
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Com as mudanças culturais e tecnológicas, os indivíduos deixaram de ser
receptores, passando para produtores de informações e hoje expõem seus
pensamentos sobre os mais diversos assuntos, criticam e elogiam, modificam
informação, recebem e produzem conteúdo no ambiente digital e em tempo real. São
os chamados prosumers, termo em inglês que designa a união de produtor e
consumidor, que assumem o papel de protagonistas e têm presença ativa nas mídias
sociais e interativas. Em meio a este universo interacional, a geração internet ou nativo
digital consegue executar mais de uma tarefa ao mesmo tempo, inclusive quando está
fazendo as atividades escolares, assiste à televisão, fala ao celular e ouve música. Em a
Hora da Geração Digital, Tapscott (2010) lista dez pontos característicos deste grupo,
entre eles o de que a interatividade e a rapidez da internet acabaram alterando o
processo de comunicação, por isso explica o autor:
É mais provável que um jovem da Geração Internet ligue o
computador e interaja simultaneamente com várias janelas
diferentes, fale ao telefone, ouça música, faça o dever de casa, leia
uma revista e assista à televisão. A tevê se tornou uma espécie de
música de fundo para ele (TAPSCOTT, 2010, p. 32).
A discussão levantada pelo teórico nos leva a refletir sobre a maneira como a
escola está conduzindo estas questões e pronta para lidar com um aluno conectado
aos acontecimentos em tempo real, o qual se mostra independente e ativo nas redes
sociais e no contato com as mídias digitais. Sabemos que ainda há uma barreira que
precisa ser quebrada no ambiente educacional, para potencializar o ensino-
aprendizagem, no que diz respeito à criação e à formação da cidadania das crianças.
Recorreremos mais uma vez a Tapscott (2010), que faz uma reflexão
importante quanto a este debate, ao mencionar que as crianças assimilaram a
tecnologia, porque cresceram com ela, enquanto nós adultos, estamos aprendendo a
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nos adaptar. Por isso, as crianças possuem mais facilidade em lidarem com as novas
tecnologias, jogos e conteúdos multimídias. Desta forma, o contexto requer do
professor uma nova forma de conceber o ensino-aprendizagem, que valorize a
inovação, à criatividade e à construção coletiva.
Quando falamos em construção coletiva, lembramo-nos de Lévy (2000), que
introduziu o conceito de inteligência coletiva. A definição está associada a um tipo de
inteligência compartilhada, a qual surge por meio da colaboração de muitos indivíduos
e sua prática pode possibilitar uma melhor comunicação entre grupos humanos. O
pesquisador entende que há uma nova dimensão da comunicação que nos permite
compartilhar conhecimentos, além de apontá-los uns para os outros, o que é a
condição elementar da inteligência coletiva. Considerando estas perspectivas,
propomo-nos a analisar a narrativa colaborativa e transmidiática em aulas de literatura
do ensino municipal, em Senador Canedo, sob um olhar crítico do projeto “E se eu
fosse o autor?”, o qual utiliza as mídias digitais como ferramentas para o incentivo à
leitura e à produção literária. Limitamos nosso estudo a duas experiências exitosas, a
partir da leitura dos relatórios, matérias e acesso aos arquivos, fotos e informações
colhidas junto aos coordenadores do projeto.
A primeira experiência é o Lab Criativo de Literatura e Tecnologia, que é
realizado na biblioteca municipal de Senador Canedo e é o momento em que a criança
se defronta com vários livros literários impressos, tem liberdade para escolher o livro
que deseja ler, conhece os meios digitais que pode recriar e recontar o livro que leu. O
segundo case trata-se das aulas de literatura da professora Wilza Araújo, numa turma
do oitavo ano da Escola Municipal Vovó Dulce.
Para fundamentar nosso estudo, recorremos a vários autores dando destaque
ao psicólogo Gardner (1995) e sua teoria sobre as Inteligências Múltiplas (IM). O
especialista defende que há sete tipos de inteligência e que a escola deve
compreender que nem tudo que é aplicado em sala de aula é de interesse de todos.
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Ele vê nas mídias digitais um potencial para o desenvolvimento das habilidades dos
estudantes, o que para o autor são tecnologias promissoras e baratas, que podem
maximar as chances dos alunos aprenderem.
Outro autor que consideramos de suma importância na construção deste artigo
é Jenkins (2009), ao debater sobre cultura da convergência, mostrando que a cultura
contemporânea se afirma pela sua distribuição em várias plataformas. Em Lévy (1999),
buscamos a visão dele sobre o conceito de ciberespaço, entendendo que o
conhecimento é compartilhado no universo da internet, constituindo-se um mar de
informação, que ele denomina de dilúvio informacional.
2. Literatura: um campo para a colaboração
A literatura possui o poder de encantar quem a consome, por meio de palavras
e de recursos linguísticos, como as metáforas e a linguagem poética. Desta forma, é
tida como manifestação artística, que explora o belo literário, oportuniza o escritor
recriar a realidade e a imitar a vida. Na Grécia clássica, com o filósofo Aristóteles,
houve a divisão da literatura em três gêneros: o lírico, caracterizado pelo eu, que
expressa uma emoção; o dramático, que demonstra um acontecimento; e o épico, que
se configura nas narrativas envolvendo o poema épico, o romance, a novela e o conto.
Coutinho (1978, p. 9-10) acredita que “a literatura, como toda arte, é uma
transfiguração do real, é a realidade recriada através do espírito do artista e
retransmitida através da língua para as formas, que são os gêneros, e com os quais ela
toma corpo e nova realidade”. Uma observação do autor é quanto à natureza dos fatos
referentes à produção literária, pois compreende que os acontecimentos que dão
origem à narrativa perdem a realidade primitiva, adquirindo outra e não têm
comparação com os da realidade concreta.
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Embora todos os gêneros literários sejam relevantes, falaremos deste último
por está inserido nas discussões propostas neste trabalho. A narrativa em prosa
começou a se desenvolver no século XVIII e, à época, também era conhecida como
narrativa de ficção. Nicola (1996) explica que as principais manifestações narrativas
são o romance, a novela e o conto. Segundo o autor, o romance é a narração de um
fato imaginário, que representa quaisquer aspectos da vida, com personagens e
situações mais densas e complexas. A novela já é uma valorização de um evento, em
que a passagem do tempo é mais rápida, enquanto o conto é breve e simples.
No passado, os leitores tinham acesso às narrativas, de forma passiva, apenas
lendo, ou vendo, sem poderem opinar. Mas, por meio das mudanças advindas do
avanço tecnológico e dos meios de comunicação, as narrativas hoje podem ser
construídas e modificadas pelos leitores, que se expressam pela cultura dos fãs.
Este é um caso visto em Harry Potter, em que milhares de novos escritores do
mundo todo se inspiraram para reproduzirem e comentarem sobre este clássico da
literatura. Os números são grandiosos e dados de 2009 apontavam a existência de
mais de 30 mil histórias e capítulos de livros, hospedados no site
www.fictiomalley.com, escritos por autores de todas as idades. Este é um caso que
demonstra fortemente a cultura dos fãs, pois o público interage com a história e
compartilha seus arquivos e produções na internet num ambiente imerso de
conteúdos. Lévy (1997) destaca que neste universo, chamado por ele de ciberespaço,
inúmeras vozes ressoam, querem se fazer ouvir e buscam respostas.
É uma forma de assegurar a cultura dos fãs, na qual o sujeito interage com a
história e utiliza os meios de comunicação para isso; assume o papel de autor e
coautor, partindo da necessidade de expressar seus desejos, suas insatisfações, ideias
e visão de mundo. Esta é uma necessidade do homem desde a antiguidade que
encontra na cultura da convergência meios para se expressar ativamente e de maneira
espontânea. A cultura contemporânea aproxima as pessoas mesmo que não
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pertençam ao mesmo círculo de amigos e sejam separadas por distâncias territoriais e
geográficas, permitindo-lhes engajamento social. Com isto, o leitor também é um
produtor de conteúdo e encontra na internet uma possibilidade para a ação coletiva.
A manifestação deste comportamento do público está relacionada ao que os
especialistas chamam de transmídia, uma narrativa atual contada em várias outras
plataformas de mídias. Especialistas acreditam que para a consolidação de uma
estratégia transmídia, é necessária a utilização de diversas ferramentas de
comunicação a fim de contemplarem uma história envolvente. O professor Vicente
Gosciola1 define narrativa transmídia ao entender que se trata de uma grande história,
que se diferencia de outras histórias. A falar sobre este assunto, o especialista tem a
seguinte compreensão:
A narrativa transmídia é uma grande história. O que a diferencia de
outras grandes histórias é que ela é dividida em partes. A história
principal é complementada por histórias adicionais. Outra
característica que a torna mais singular ainda é que cada uma dessas
histórias é veiculada por um meio de comunicação diferente,
definido por ser aquele que melhor consiga expressá-las (MARTINS,
2013, p. 12 apud GOSCIOLA & VERSUTI, 2012, p. 2).
Jenkins (2009) também explica como se constrói uma narrativa transmídia,
ressaltando que a história pode ser introduzida em meios, como televisão e romance.
Uma história transmídia desenrola-se através de múltiplas
plataformas de mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira
distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal da narrativa transmídia,
cada meio faz o que faz de melhor – a fim de que a história possa ser
1 Autor utilizado pela professora Maria Valéria Espinós Guerra Martins em sua defesa de dissertação de mestrado sobre Novas demandas audiovisuais: a narrativa transmídia entre as novas gerações e as suas histórias. Disponível em: <http://portal.anhembi.br/wp-content/uploads/dissertacoes_mestrado_comunicacao/Maria_Valeria_Espinos_Guerra_Martins.pdf>.
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introduzida num filme, ser expandida pela televisão, romances e
quadrinhos; seu universo possa ser explorado em games ou
experimentado como atração de um parque de diversões (JENKINS,
2009, p. 138).
A criança, na condição de leitor, pode participar desta construção, ser o coautor
e ao mesmo ter acesso as mídias tradicionais, quanto as novas mídias para utilizá-las
como ferramentas de trabalho e apoio, quando são desafiadas a produzirem
coletivamente. Nesta interação entre produtor de mídia e consumidor, as histórias são
contadas, mostrando outros significados na expressão da linguagem falada e escrita.
Moran, Masetto e Behrens (2000) defendem que a informação se processa de várias
formas, sendo a mais habitual, o processamento lógico sequencial, expressado pela
linguagem falada e escrita. Os autores compreendem que se trata de uma informação
hipertextual, que permite contar histórias e relatar situações que vão interlaçando e
ampliando, o que forma a comunicação linkada, com novos significados. Ainda
segundo eles, as informações são processadas de forma multimídia ao juntar pedaços
de textos de várias linguagens.
3. Projeto “E se eu fosse o autor?”
O projeto “E se eu fosse o autor?” é desenvolvido pela ONG Casa da Árvore,
uma entidade com experiência em projetos sociais no campo da educação, com ênfase
na cultura digital, em várias regiões brasileiras, como Palmas (TO) e Senador Canedo
(GO). Em Senador Canedo, a instituição passou a desenvolver o projeto em 2014, com
previsão para encerramento no final de 2015, em parceria com a prefeitura e
patrocínio do Programa Integração Petrobras Comunidades. Aplicado na rede
municipal de ensino em turmas do 5º ao 9º ano, o projeto recorre à Pedagogia
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Libertadora, de Paulo Freire. As reflexões do autor abordam sobre um modelo de
educação que visa libertar o homem de toda situação de opressão.
O projeto tem como objetivo estimular o gosto pela literatura entre crianças e
adolescentes, por meio de práticas pedagógicas inseridas no contexto da cultura
digital. Valoriza a colaboração, o compartilhamento e a experimentação de linguagens
multimídias. Segundo seus coordenadores, a proposta do projeto pretende ir além do
incentivo à leitura, deseja também valorizar o conhecimento, a criatividade, à
autonomia e as habilidades digitais destas crianças. Assim, “E se eu fosse o autor?”
apresenta-se como um projeto inovador no campo do ensino e sua proposta engloba a
capacitação dos professores para lidarem com situações inovadoras, a reaplicação em
sala de aula do que eles aprenderam durante a capacitação e ainda o desenvolvimento
do Lab Criativo de Literatura e Tecnologia para estudantes. No ano passado, o projeto
envolveu um universo de mais de 700 pessoas entre alunos e professores de 20
escolas municipais.
No “E se eu fosse o autor?”, percebemos que há uma preocupação em se
valorizar a experiência colaborativa, a partir de relato dos estudantes com os livros, as
tecnologias e são motivados ao processo de recriação. De acordo com os
coordenadores do projeto, eles procuram identificar as habilidades existentes no
grupo e estimular o compartilhamento entre os demais participantes, por meio das
redes de aprendizagem. Na visão dos mesmos, as dinâmicas de leitura extrapolam os
limites da página impressa integrando ambientes virtuais e referências culturais dos
alunos como forma de ampliar a compreensão da obra.
As experiências são várias e exploram toda potencialidade digital. Um destes
exemplos está relacionado ao uso do celular na sala de aula e o aproveitamento desta
ferramenta para estimular práticas criativas e o compartilhamento de experiências,
obtidas nas leituras em sala de aula e nas construções coletivas. Os estudantes leem e
recriam, utilizam outros meios para compartilhar estas experiências, explorando os
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recursos do aparelho celular, como câmera fotográfica, SMS, Bluetooth, além do
computador e internet.
Com esta perspectiva, o projeto rompeu as fronteiras de Senador Canedo e foi
contemplado com o Prêmio Telecentros Brasil 2014, na categoria Inovação e
Sustentabilidade Social, em Brasília, pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Este mesmo projeto também já foi tema de pesquisa da presidente da ONG Casa da
Árvore, Leila Dias, em sua dissertação de mestrado em Comunicação, Cidadania e
Educação, na Universidade do Minho, em Portugal.
4. Tecnologia e aprendizagem
O projeto “E se eu fosse o autor?” é definido como uma tecnologia social.
Segundo o site Wikipédia, “considera-se tecnologia social todo
o produto, método, processo ou técnica, criado para solucionar algum tipo de
problema social e que atenda aos quesitos de simplicidade, baixo custo, fácil
aplicabilidade, reaplicabilidade e impacto social comprovado”.
Neste contexto, o projeto “E se eu fosse o autor?” é trabalhado com a
perspectiva de inserir as tecnologias na educação, para que os professores possam
explorar recursos, tais como o celular, computador, internet, jogos, câmeras
fotográficas e mapas e, ao mesmo tempo, dinamizarem as aulas, assim como os
espaços de leituras.
Estas mídias se convergem e hoje, por exemplo, é possível encontrarmos
aparelhos celulares inteiramente integrados a outros meios, como rádio e televisão.
Citamos aqui em especial os celulares, pois um dos cases a ser analisado neste
trabalho está relacionado ao uso destas ferramentas em sala de aula, para envio e
recebimento de informações a respeito de uma obra lida cuja proposta é sua
reaplicação.
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Os celulares assumem um papel importante no contexto atual e estão inseridos
na cultura da convergência. Por cultura da convergência, Jenkins (2009, p. 29) explica
que: “Convergência é uma palavra que consegue definir transformações tecnológicas,
mercadológicas, culturais e sociais, dependendo de quem está falando e do que
imaginam estar falando”.
O autor observa que, nos últimos anos, os celulares se tornaram fundamentais
nas estratégias de lançamento de filmes comerciais em todo mundo, citando outras
experiências de uso, como romancistas japoneses que serializam sua obra via
mensagem de texto. “Nossos telefones não são apenas aparelhos de
telecomunicações; eles nos permitem jogar baixar informações da internet, tirar e
enviar fotografias ou mensagem de texto”.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o celular já é considerado a primeira tela2
dos norte-americanos, pois eles passam mais tempo em contato com esta ferramenta.
A constatação foi feita pela empresa Flurry, responsável pelo monitoramento de 590
mil aplicativos os quais estão instalados em mais de um bilhão de smartphones no
mundo. Há, portanto, os usuários compulsivos que chegam a sentir vibrações
fantasmas, ou seja, o aparelho tocando no bolso sem isto ter ocorrido, aumentando
desta forma o nível de estresse. Para chegar a esta conclusão, pesquisadores da
Divisão Psicológica Britânica submeteram cem voluntários à pesquisa, que foi
divulgada na Conferência sobre Psicologia Ocupacional realizada em Chester, na
Inglaterra.
As informações produzidas por aparelhos celulares, na maioria das vezes, são
compartilhadas na internet, num espaço denominado por Lévy (1999) de ciberespaço,
2 Matéria publicada pela Revista Exame, com o título “Celular vira a primeira tela dos norte-
americanos”. Pode ser vista em: <http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/celular-vira-a-
primeira-tela-dos-norte-americanos>.
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onde, segundo o autor, há um universo de informação e conhecimento acessível.
Neste ciberespaço, é preciso entender que existe um novo processo de transferência
de conhecimento e que deve ser visto com atenção pela escola e professores,
considerando-se as possibilidades de criação coletiva, à aprendizagem cooperativa e a
colaboração em rede. O autor compreende que há uma troca generalizada do saber,
tendo em vista que o professor deve incentivar a aprendizagem e o pensamento.
Usar todas as novas tecnologias na educação e na formação sem
mudar em nada os mecanismos de validação das aprendizagens seria
o equivalente a inchar os músculos da instituição escolar
bloqueando, ao mesmo tempo, o desenvolvimento de seus sentidos
e de seu cérebro (LEVY, 1999, p. 167).
A observação feita pelo autor ganhou atenção por outros teóricos e estudiosos
sobre tecnologia e educação, pois compreendem que não adianta a escola ser munida
de tecnologia, se não aproveita para promover a cultura participativa e a
aprendizagem colaborativa. Em Prado (2015), dentre os vários assuntos discutidos pela
especialista, ela faz um contraponto entre a realidade do aluno em sala de aula e fora
da escola.
Não adianta encher a escola de tecnologia de uma hora para a outra
se os educadores não estão acostumados a ela no seu dia a dia, se de
fato ela não está integrada a uma proposta pedagógica que a
legitime. Fazer isso resultaria em dois caminhos possíveis: ou os
professores ficariam sem saber por onde começar ou eles se ani-
mariam com as mudanças, mas as abandonariam logo depois
(PRADO, 2015, p.8).
O uso das novas tecnologias como recursos pedagógicos é capaz de
potencializar a aprendizagem e permitir ao aluno demonstrar suas habilidades para
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aprender, fazer descobertas e tomar decisões em grupo. Em Gardner (1995),
entendemos que o professor precisa ir mais além e considerar todas as
potencialidades das crianças ao compreendermos que há sete tipos de inteligências
humanas, todas importantes. O teórico desenvolveu estudo sobre as inteligências
múltiplas, e chegou à conclusão de que existem a inteligência musical, a inteligência
corporal-cinestésica, a inteligência lógico-matemática, a inteligência linguística, a
inteligência espacial, a inteligência interpessoal e a inteligência intrapessoal. Sobre a
definição de inteligência, o autor explica que é a capacidade de resolver problemas ou
elaborar produtos.
Uma inteligência implica na capacidade de resolver problemas ou
elaborar produtos que são importantes num determinado ambiente
ou comunidade cultural. A capacidade de resolver problemas permite
à pessoa abordar uma situação em que um objetivo deve ser atingido
e localizar a rota adequada para esse objetivo. A criação de um
produto cultural é crucial nessa função, na medida em que captura e
transmite o conhecimento ou expressa as opiniões ou os sentimentos
das pessoas. Os problemas a serem resolvidos variam desde teorias
científicas até composições musicais para campanhas políticas de
sucesso (GARDNER, 1995, p. 21).
Gardner (1995) defende a existência de uma escola centrada no indivíduo, a
qual estaria voltada em compreender as capacidades e tendências individuais dos
alunos. O autor pensa ainda que esta escola poderia ter um “agente do currículo”,
profissional que assumiria o papel ajudar no processo ensino-aprendizagem,
valorizando os perfis, objetivos e os interesses dos alunos diante dos conteúdos
propostos.
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O psicólogo entende que a escola do futuro poderia valorizar as novas
tecnologias, sendo estas ferramentas promissoras e se mostra bastante otimista
quanto ao uso destas mídias interativas na escola do futuro.
Os recursos tecnológicos ajudam a promover a cultura, quando as pessoas
entram num processo de criação, colaboração e de conhecimento, o que pode ser
aproveitado pela área da educação. O pesquisador cultural e empreendedor criativo,
Leonardo Brant, analisa como se dá a relação entre educação e cultura, afirmando que
a internet, as redes culturais, a cultura colaborativa e a possibilidade de acesso ao
conhecimento e exercício da expressão são elementos que não podem faltar ao
cardápio educacional do país. Para ele, é preciso que as escolas abram suas portas
para comunidades, deixando de ser prisões para transformar-se em equipamentos
culturais.
Com isso, o ciberespaço, é o local para a manifestação das comunidades
virtuais e interativas, que podem se expressar a qualquer momento. Lévy (1999) vê
que no futuro o ciberespaço, suas comunidades virtuais, suas reservas de imagens,
suas simulações, interativas, sua irresistível proliferação de textos e de signos, será o
mediador essencial da inteligência coletiva da humanidade.
5. Lab Criativo de Literatura e Tecnologia no Ambiente
Bibliotecário
O primeiro case que analisaremos é o Lab Criativo de Leitura e Tecnologia, que
é tido como uma das estratégias de atuação do Projeto E se eu fosse autor,
desenvolvido no laboratório de informática da biblioteca municipal, às terças e
quintas-feiras, nos períodos da manhã e tarde. Trata-se de um ambiente de
experimentação e aprendizagem colaborativa, que envolve crianças e adolescentes da
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Rede Municipal de Ensino, e oportuniza aos estudantes explorarem novas dimensões
da leitura e literatura.
As atividades propostas compreendem a produção de conteúdos multimídias,
tais como vídeos, mapas digitais, e-book e ações em redes sociais. Esta experiência é
um exemplo claro de convergência praticada pelos alunos, que num primeiro
momento descobrem o gosto pela literatura, no contato com os livros literários,
disponíveis na biblioteca.
Hoje, há uma forte tendência para a digitalização de acervos e da produção de
livros digitais, mas a biblioteca possui um papel importante no acesso à leitura desde o
período medieval. A literatura não era acessível a todos, e sim aos sacerdotes.
Consideradas depósitos de livros, as bibliotecas medievais estavam situadas no interior
dos conventos, dificultando o acesso aos profanos e ao leitor comum; tinham,
portanto, um caráter religioso.
Já no século XVIII, a biblioteca começa a ser democratizada, abrindo as portas
para os cidadãos leitores. Martins (2001) relata todas as etapas da história da
biblioteca, e utilizamos o autor como referência, para entendermos a biblioteca como
um espaço público, onde as pessoas se reúnem e têm coletivamente acesso à leitura.
Mantida pelo Governo, a biblioteca é interativa e coletiva, conforme descreve:
Organismo antes reservado a uns poucos, que deviam procurá-la e
solicitar-lhe favores, a biblioteca moderna não apenas abriu
largamente as portas, mas ainda saiu à procura de leitores; não
apenas servir ao indivíduo isolado, proporcionando a leitura, o
instrumento, a informação de que necessita, mas ainda deseja
satisfazer às necessidades do grupo, assumindo voluntariamente o
papel de um órgão sobrecarregado, dinâmico e multiforme da
coletividade (MARTINS, 2001, p. 324-325)
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Esta definição de biblioteca vem ao encontro da proposta da biblioteca
municipal de Senador Canedo, configurando-se com os debates discutidos neste
artigo, quando nos reportamos, sobretudo, à Levy Pierre sobre inteligência coletiva.
Cabe-nos entender que a biblioteca local oportuniza isso aos alunos que participam do
Lab Criativo de Literatura e Tecnologia, pois os estudantes têm a liberdade para
escolherem o que querem ler, e então partem para uma segunda etapa do projeto,
para o diálogo, a construção do discurso e faça a produção literária com o apoio da
tecnologia.
Neste sentido, as crianças desenvolvem habilidades cognitivas, a capacidade do
diálogo entre elas. Atuam num ambiente propício para a aprendizagem colaborativa e
interativa, perpassando o conteúdo.
Quando o aprendiz está desenvolvendo um projeto e o representa
em termos de uma multimídia, usando para isso um sistema de
autoria, ele está consumindo uma sucessão de informações
apresentadas por diferentes mídias. O aprendiz tem que selecionar
informação da literatura ou de outro software e pode ter que
programar informações para serem incluídas na multimídia que está
sendo desenvolvida (VALENTE3, 1997, p. 103).
É, portanto, a transposição da literatura impressa para outros meios, dentre
eles, o computador e a internet, formando narrativas transmidiáticas. Neste sentido,
quando os estudantes são desafiados à produção coletiva, eles estão desenvolvendo a
capacidade de diálogo ao emitir opiniões e ao saber ouvir o outro. Sendo assim, a
possibilidade de pensarem juntos e proporem a construção de narrativas, é o exercício
de uma vida dialógica. E é buscando compreender o pensamento de Bakhtin (1992)
3 Professor da Unicamp e coordenador do Núcleo de Informática. Artigo disponível no livro “Salto para o Futuro – TV e Informática na Educação”.
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que entendemos que o sujeito constrói seu pensamento a partir do pensamento do
outro.
A vida é dialógica por natureza. Viver significa participar de um
diálogo: interrogar, escutar, responder, concordar, etc. Neste
diálogo, o homem participa todo e com toda a sua vida: com os
olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, com o corpo todo, com
as suas ações. Ele se põe todo na palavra e esta palavra entra no
tecido dialógico da existência humana, no simpósio universal
(BAKHTIN, 1992, p.112).
Na fala de Valente (1997), concluímos que o aluno no processo de autoria
interage com várias ferramentas, tendo a possibilidade de construir novas histórias
com o auxílio de várias mídias e isto é perceptível no Lab Criativo de Literatura e
Tecnologia. As crianças têm uma variedade de recursos à disposição delas e, por meio
das ferramentas vão criando novos arranjos literários, seja na produção de um vídeo,
seja na criação de um livro digital ou até mesmo de um fanzine digital. As
experimentações vão além do livro impresso, tido como ponto referencial para os
alunos, que podem escolher a literatura que deseja ler, criar e montar, inclusive, um
varal de leitura no laboratório e fazer colagens.
Notamos uma experiência colaborativa, que compreende a criação e
transmissão de literatura em mais de uma plataforma, ou seja, um case que dá vida e
espaço para a narrativa colaborativa e transmidiática se sobressair. Chamamos
atenção que estas competências desenvolvidas pelos estudantes, o exercício do
diálogo com os colegas, pois muitas das atividades são feitas em grupo. E como pontua
Bakhtin (1992), o viver compreende dialogar e isso implica saber ouvir o outro. Ao
fazer esta análise, é preciso compreender que o Lab Criativo de Literatura e Tecnologia
desafia os alunos a mergulharem no universo dos gêneros narrativos, em que eles têm
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o contato com o romance, a fotografia, o conto e colagem, artigo e reciclagem, poesia
e desenho, assim como com as mídias digitais, produzindo vídeos e textos que
traduzam o que eles querem dizer.
6. Aulas de literatura da professora Wilza
O segundo case que analisaremos trata-se do projeto de aula da professora
Wilza Araújo numa turma de oitavo ano, na Escola Municipal Vovó Dulce, de Senador
Canedo, que oportuniza uma experiência com o aparelho celular ao propor uma aula
colaborativa, com a participação dos alunos. A disciplina lecionada pela docente é
Literatura e Redação, e para tanto vamos pegar como referência o projeto dela sobre a
reaplicação de um clássico da literatura, o romance Dom Quixote, de Miguel
Cervantes, que retrata a narrativa de um cavaleiro já de idade que percorria a Espanha
em busca de aventuras.
Após a leitura do livro, a professora propôs que fosse realizada a produção de
texto a partir de um tema sugerido sobre loucura e violência contra idosos. A
professora especificou que se tratava de uma experiência colaborativa, na qual os
alunos usariam seus aparelhos celulares.
A atividade teve como objetivo avaliar a aprendizagem construída durante o
projeto de leitura da obra literária e ainda combater o uso inadequado do telefone
celular na escola. As atividades foram desenvolvidas em três aulas, com carga horária
de duas horas e 15 minutos e estratégias estabelecidas para a execução da proposta
pedagógica. A professora Wilza Araújo considerou quatro pontos importantes para
colocar em prática esta ação, que valoriza a cultura digital, levando em consideração
os ambientes integrados, o universo tecnológico pessoal, a rede de aprendizagens e a
avaliação integrada.
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As ações desenvolvidas em sala de aula foram além do universo de redes off-
line existente, interagindo os alunos (práticas de trocas de arquivos por bluetooth,
SMS, MMS, WhatsApp, etc). Portanto, se eles lessem um clássico como Dom Quixote,
sem terem oportunidade para se expressarem e compartilharem conhecimento e
ideias, não teria tanta significância para eles. Quando este público tem a oportunidade
para se expressar, ele vai se sentir mais valorizado e orgulho em suas produções.
Analisando este case, reportamo-nos também ao artigo tablet, laptop e celular na sala
de aula: medo, resistência e ignorância, do pesquisador Marco Silva, quando faz uma
reflexão sobre o uso destes instrumentos em sala de aula, ao alertar para o fato de que
o docente precisa de se encorajar para atuar no cenário social e tecnológico da cultura
digital.
Marco Silva explica que os meios tecnológicos são mais complexos e se baseiam
na experiência do usuário e na lógica da interatividade. Ou seja, o perfil do novo
espectador é menos passivo diante da mensagem cujo tem a facilidade para migrar do
controle remoto da TV para a tela portátil, alimentando sua experiência comunicação
por meio da autoria e colaboração. O autor ainda chama atenção para o aspecto
tecnológico e reforça que estas ferramentas permitem intervenções autorais e
colaborativas nos conteúdos e na comunicação. Faz uma referência à tela do tablet, do
laptop e do celular, e contesta que não é espaço de transmissão, “mas ambiente de
imersão, manipulação e interlocução, com janelas, ícones e aplicativos móveis abertos
a múltiplas conexões offline e online”.
Vemos no case da professora que, além de propor o aproveitamento destes
recursos e uma aprendizagem colaborativa, está atenta em observar os alunos que
possuem habilidades, para o desenvolvimento da escrita. Para isso, voltemos a
Gardner (1995) quando diz que a escola precisa valorizar as habilidades dos indivíduos,
pois nem todos apresentam o mesmo interesse e habilidade diante de uma atividade
proposta. Em se tratando dos objetivos estabelecidos no planejamento de aula,
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podemos fazer referência a dois tipos de inteligência citados por Gardner, que podem
ser despertados em atividades como a proposta. A primeira seria a inteligência
linguística que vai permitir os alunos a criarem sentenças gramaticais, a
desenvolverem o dom da linguagem e habilidade para a escrita, inventando sua
própria linguagem. A outra inteligência está relacionada à interpessoal, pois ao
produzirem coletivamente, os estudantes têm a possibilidade de perceber as
diferenças existentes entre os grupos. Entende-se por inteligência interpessoal,
segundo Gardner (1995, p. 27) que se baseia na capacidade de se perceber as
distinções entre os outros, além “dos contrastes em seus estados de ânimo,
temperamentos, motivações e intenções”.
Considerações finais
A cultura da convergência deve ser valorizada com atenção pela escola, que
encontra na internet e nas novas mídias o caminho para promover uma aprendizagem
significativa para os estudantes. Afinal, eles são ávidos por novidades e convivem com
as ferramentas tecnológicas com mais facilidade do que os adultos, os pais e os
professores. Por serem da geração internet, as crianças realizam mais de uma
atividade ao mesmo tempo, quando o assunto é tecnologia e ferramentas digitais. Por
isso, notadamente, na conjuntura atual, não há espaço para uma escola centrada na
transmissão de conteúdos, porque o professor deve ser o agente, a pessoa
responsável por intermediar a aprendizagem, de forma colaborativa, motivando os
alunos a aprenderem em grupo.
A análise dos dois cases nos levou refletir sobre o papel da escola tradicional no
século XXI e, principalmente, sobre a cultura da convergência à qual estamos
vivenciando. Fase que é marcada pela interação entre os meios de comunicação –
tradicionais e novos – cujas mídias estão todas conectadas, construindo, assim,
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possibilidades e mecanismos para a transmissão de histórias e narrativas em
diferentes plataformas.
Entendemos que a internet e as ferramentas digitais são potenciais
ferramentas pedagógicas que, se usadas de forma criativa, trazem resultados
satisfatórios, inclusive na produção literária, como vimos nas duas experiências
relatadas. Os cases contemplam o potencial das crianças, visando enriquecer a leitura,
a formarem leitores críticos e escritores habilidosos e a explorarem o lado cognitivo
deles. Chegamos à conclusão que os projetos demonstrados são exemplos
enriquecedores no campo da educação, no que dizem respeito à narrativa colaborativa
e transmidiática. A proposta de levar os alunos ao contato com a literatura,
oportunizando-lhes serem os artistas e criadores a partir de uma obra literária, os
conduz a criarem novos personagens, deixarem as páginas impressas e explorarem os
recursos ora apresentados, como computador, internet e aparelho celular.
No case do Lab Criativo de Leitura e Tecnologia, vimos que uma tecnologia
considerada social, é capaz de reunir alunos, de diversas idades e de escolas
diferentes, em torno de único propósito, que é aprender e construir respeitando a
opinião de todos. Eles trocam ideias, pesquisam, descobrem e constroem juntos,
exercendo a inteligência coletiva e a prática de escrever utilizando meios impressos e
digitais. Há neste exemplo uma colisão da mídia tradicional, que é o livro, com outras
mídias, viabilizando a produção multimídia por parte dos estudantes, em que recriam
uma nova realidade. Isto exige um esforço do professor e de agentes educacionais,
para aproveitarem o ambiente offline e online.
O processo comunicacional não se baseia mais na recepção de conteúdos, e a
troca de experiência se faz necessária entre as crianças. Aliás, este é outro ponto
importante a ser mencionado, pois partimos da ideia de que o conhecimento precisa
ser compartilhado e a coautoria se faz necessária no espaço educacional, com foco nas
potencialidades dos aprendizes. Percebemos que o projeto da professora Wilza é
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motivador, para outros professores, que queiram explorar os recursos tecnológicos em
suas aulas. Ela ousa em romper o tradicional, a leitura passiva comum nas escolas
públicas, para algo novo, que é o aproveitamento dos aparelhos celulares dos
estudantes. O celular, que não se limita apenas a função de ligar, está integrado a
várias outros recursos, como agenda, aplicativos, SMS, bluetooth, e é de fácil acesso às
redes sociais e à internet. Ressalte-se que propicia os alunos a trocarem informações,
arquivos, imagens e outras ações, como ocorreu na tarefa proposta pela educadora.
Por conseguinte, este é um exemplo de convergência, em que os alunos estão
inseridos e fugir desta realidade é perder a oportunidade para propor algo novo.
Sabemos que ainda há uma resistência por parte dos professores e que muitos estão
distantes desta realidade, limitando-se à prática opressora de ensinar. Diante destes
pontos, esperamos que, após o término do projeto “E se eu fosse o autor?”, em
Senador Canedo, possa haver uma continuidade efetiva de projetos e ações
educacionais que busquem o crescimento intelectual dos alunos e respeitem suas
individualidades. Desejamos que a rede municipal de ensino esteja sintonizada com as
novas tecnologias e que não perca o horizonte, na formação de seres críticos e imersos
num ambiente favorável à aprendizagem colaborativa.
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