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Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação

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Narrativas visuais e hipertextuais – novas configurações de espaços e tempos na aprendizagem

Edemir Jose Pulita1 (UnB)

Resumo: Partindo das interfaces entre as experiências de aprendizagem, as tecnologias digitais e os processos comunicacionais, analisamos narrativas

fotográficas em redes sociais a propósito da visita à cidade de Brasília. Nossa hipótese é que tais narrativas, sob uma abordagem sócio-histórica de linguagem, configuram-se em bases de uma nova epistemologia nas formas de acessar, produzir e socializar conhecimentos, frente à emergência das novas mídias comunicacionais. A aprendizagem e a comunicação em rede apontam para uma transgressão de papéis, de momentos e de processos que podem responder aos novos desafios e às novas possibilidades trazidas pelas redes sociais conectadas via internet. Palavras-chave: Narrativas visuais, experiências de aprendizagem, espaço urbano. Résumé: A partir des interfaces entre les expériences d’apprentissage, les technologies numériques et les processus de communication, nous avons analysé des narratives photographiques sur les réseaux sociaux à propos de la visite de la ville de Brasilia. Notre hypothèse est que ces narratives, sous

une approche socio-historique du langage, se configurent sur les bases d’une nouvelle épistémologie des manières d’accéder, de produire et de socialiser des connaissances, face à l’émergence des nouveaux médias communicationnels. L’apprentissage et la communication en réseau indiquent une transgression de rôles, de moments et de processus qui peuvent répondre aux nouveaux défis et aux nouvelles possibilités apportées par les réseaux sociaux connectés à Internet. Mots clés: Narratives visuelles, expériences d’apprentissage, espace urbain.

Introdução

O desenvolvimento das tecnologias na história sempre representou novas dimensões

que impactaram na humanidade. Isso se verifica desde a invenção do fogo até a

nanotecnologia atual. No campo educacional as tecnologias sempre estiveram

1 Edemir PULITA , Doutorando em Educação, Comunicação e Tecnologias Universidade de Brasília (UnB), PPGE/CAPES [email protected]

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presentes, inclusive, muito antes do aparecimento da escola, considerada por nós

também uma “tecnologia”. Atualmente, a mentalidade e os discursos envolvendo

as “novas tecnologias de informação e comunicação digitais na educação” – para

usar uma composição contemporânea e que não cessa de agregar termos e ideias -,

indica não somente mudanças substantivas, mas verbais, predicativas e de sujeitos.

Porém, para além dos discursos ideológicos (messiânicos ou catastróficos),

percebemos que uma dimensão negligenciada neste debate tem sido os impactos

das mídias comunicacionais na cultura contemporânea e as diversas novas

configurações daí advindas. A proposta deste artigo se inscreve neste contexto,

qual seja, problematizar como tais mudanças são sentidas, apropriadas ou

esquecidas quando da tentativa da transposição para a escola, mais

especificamente, como as mudanças ocasionadas pelas mídias comunicacionais

configuram novos espaços, tempos, atores e movimentos, tanto concreta como

potencialmente, no que se refere aos processos de aprendizagem.

Entre os diversos esclarecimentos que consideramos importantes frente a

nossa proposta, vamos sublinhar dois neste momento. O primeiro se refere à nossa

equivalência em importância, quando falamos de aprendizagem, no que tange a

educação formal ou informal. Partimos do pressuposto que atualmente é

contraproducente falar em conteúdos, currículos e espaços formais de

escolarização, pois tal discurso, a nosso ver, é o principal responsável pelo

distanciamento da escola em relação às tecnologias. O segundo ponto a esclarecer

é a desvinculação que fazemos, ao falar de tecnologias, de um discurso

reducionista apenas a computador/internet e similares. Temos por pressuposto e

definição tecnologias em todos os seus aspectos e dimensões: aparatos técnicos,

linguagens, mídias comunicacionais, meios de comunicação e etc. Desta forma,

uma fala de um analfabeto é tão tecnológica quanto um software sofisticado de

mobile learning.

As relações que podem ser estabelecidas entre o desenvolvimento da cultura

e a construção do conhecimento são potencializadas pelas mídias comunicacionais

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atualmente. Neste sentido, pretendemos refletir sobre as interfaces produzidas

pela análise de experiências de aprendizagem quando realizadas com a utilização

de tecnologias digitais (fotografias postadas em redes sociais) e verificar nos

processos comunicacionais envolvidos, quais elementos apontam para novas

configurações de espaços e tempos na aprendizagem.

Olhar a cidade - fotografia

Desde o começo de nossa reflexão em torno desta investigação os vários

elementos que emergiram são fascinantes, instigantes e hipertextuais. Diversas

possibilidades de caminhos se abrem constantemente, como num labirinto diante

de nós. Cada escolha de trajeto leva-nos a novos elementos ricos e variados e a

experiência da escrita deste texto dá-se como uma tentativa de seguir alguns fios

de Ariadne.

Deixando a poética a parte (sem negligenciar a sua importância), definimos a

cidade e o urbano como nosso espaço e a fotografia como nosso meio de

interlocução. Mais especificamente vamos olhar para a Capital Federal brasileira,

Brasília, pelas lentes fotográficas de pessoas que por ela passaram e postaram tais

fotos em alguma rede social. Para tanto, nesta sessão, pretendemos responder as

seguintes questões: De que “olhar” falamos? O que é fotografia? O que significa

fotografar? De que “cidade” falamos?

Ao iniciar a reflexão sobre as questões citadas acima, uma ressalva se faz

necessária. Sem negligenciar que existe, ainda que minimamente ou por profissão,

moradores que fotografam os espaços da cidade em que vivem, quando citarmos

turistas ou turismo, não pretendemos reduzir os termos à sua acepção midiática e

comercial. Portanto, em nosso trabalho, um sinônimo melhor para turista seria

visitante, seja ele da cidade ou não; e, para turismo, o sinônimo melhor seria

passeio.

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Lívia Aquino (2013), no instigante trabalho intitulado “Entre olhar o turista e

olhar para o que ele olha”, relaciona fotografia e turismo mostrando como tal

dobradinha produziu, ao longo do século XX, uma série de operações, como por

exemplo, “a invenção dos lugares, a ocupação do tempo, o acúmulo dos clichês e a

roteirização da memória.” (p. 01) A democratização de acesso tanto aos aparatos

tecnológicos da fotografia quanto aos locais considerados “turísticos”, fazem

emergir relações que a autora problematiza. A fotografia aparece como um evento

e como uma prova da presença do sujeito em determinado local. Fotografar segue

um “protocolo social” imperativo e coercitivo por meio do qual se busca

demonstrar um conhecimento e uma representação do mundo. A autora afirma o

surgimento de uma crítica a esta postura a partir dos anos 80, questionando-se “o

conteúdo e as formas de ver, a serialização, o esgotamento, a posse e a pose”,

bem como propõem de análise das fotografias como produtoras de “novos modos

de percepção e subjetivação.” (p. 02)

No livro “O olhar do turista”, John Urry (2001) aponta uma série de práticas

sociais consideradas atualmente como “turismo” das quais, a principal é que

devem ser realizadas em diferenciação do trabalho e do local de habitação comum.

Tal percepção, segundo o autor citado, é construída antes mesmo da viagem,

através de fotos, cartões postais, filmes, músicas e reportagens, formando assim,

um conjunto de signos. “O olhar é construído através de signos, e o turismo

abrange uma coleção de signos.” (p. 18)

Apesar da crítica contundente à produção do turismo como uma prática

social padronizada com reações previstas, dentre as quais fotografar se torna uma

obrigação coercitiva, fazendo do turista quase o protagonista do filme “Show de

Truman”, Urry (2001) aponta a necessidade da busca de “olhares que escapam”

desta lógica ao mesmo tempo que denuncia que “essas esferas culturais já não são

mais auráticas, para empregar um termo de Benjamin.” (p. 120)

Se bem que já assinaladas, passamos à segunda e a terceira questões postas

no início deste tópico. Refletir sobre o que é a fotografia, o que ela representa e o

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que significa fotografar são elementos essenciais para compreensão das novas

configurações de espaços e de tempos que pretendemos discutir nas formas de

aprendizagem contemporâneas.

Ferrari (2010) afirma que com este “novo código visual passamos a ver o

mundo representado por meio de uma imagem fotográfica, na qual a ‘coisa real’

fotografada (capturada) em determinado momento é vista pelo olhar de um sujeito

através de lentes.” Segundo essa autora, tal imagem além de ser vista por outros

sujeitos, agora pode ser aumentada, reduzida, retocada, recortada em milhares de

outras possibilidades. Este fenômeno “criou um novo conjunto de regras que

ensinou a interpretar o mundo e a sociedade de outra maneira, que determina os

padrões éticos ou não, de acordo com o que essa sociedade escolhe como relevante

ou irrelevante.” (p. 102)

A escritora norte-americana Susan Sontag tornou célebre a frase “hoje tudo

existe para acabar em fotografia.” Além de muito reveladora, a frase denuncia

com uma certa dose de ironia um questionamento do que significa “acabar em

fotografia”, em detrimento do olhar, do ver e do observar detidamente.

A onipresença das fotos produz um efeito incalculável em nossa sensibilidade ética. Ao munir este mundo, já abarrotado, de uma duplicata de mundo feita pelas imagens, a fotografia nos faz sentir que o mundo é mais acessível do que é na realidade. A necessidade de confirmar a realidade e de realçar a experiência por meio de fotos é um consumismo estético em que todos, hoje, são viciados. (SONTAG, 2004, 34)

Nos interessam os sentidos e significados da imagem fotográfica e do ato de

fotografar. Ferrari (2010) alerta para a necessidade de uma alfabetização para uma

leitura significativa das imagens fotográficas e, ainda, aponta que existem diversos

desdobramentos de sentidos que dependem de inúmeros elementos, dos quais, ela

cita o fotógrafo, o objeto e o contexto. Segundo esta autora, a imagem fotográfica

“é composta por infinitas possibilidades sociais, culturais, éticas e estéticas e,

quando aplicada à atividade turística, circunscreve (...) também as necessidades

do sujeito-turista, que podem ser ao mesmo tempo diversas.” (p. 102)

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Ferrari (2010) falando do ato de viajar (turista) e do ato de fotografar

(fotógrafo) cunha a expressão “fotógrafo-turista”, afirmando que sua característica

essencial é a de ser um “caçador” de imagens. “Ele e sua câmera (a arma) caçam o

diferente, o novo, o inusitado, o significante. Eles não perseguem uma caça

qualquer; sua presa é a cultura.” (p. 112)

Partindo da construção teórica realizada até aqui que permeia os atos de

viajar e/ou de passear, de ver e/ou de olhar, de fotografar e/ou de registrar,

passamos a nossa última questão proposta – “De qual cidade falamos?” -, e

pretendemos fazê-lo em conexão com o dito até agora. Para tanto nos basearemos

no trabalho de Feijó e Ferreira (2011), no qual analisam as interfaces entre

sociologia urbana e análise de imagens, afirmando que “imagens são vestígios de

que algo ocorreu em dado território, e está em permanente processo de

transformação.” (p. 14)

Os autores lembram que a fotografia nasceu exatamente durante a

construção do modelo atual de cidade, qual seja, da organização de uma vida

urbana complexa e plural, espaço fértil para realizaçao de experiências com a nova

linguagem fotográfica. Os maiores ícones desta mudança, Londres, Paris e Nova

York são também as cidades mais fotografas atualmente. Apesar destes autores não

se reportarem exatamente a fotógrafos-turistas, mas aos profissionais da

fotografia, suas considerações são pertinentes na descrição das interfaces por nós

também problematizadas.

Faz-se necessário, neste ponto de reflexão, para responder “de que cidade

falamos?”, esclarecer de que espaço e de que lugar falamos. Para tanto, nos

reportaremos a Lefebvre, Bourdieu e Foucault.

Lefebvre (2008) afirma que todo espaço é um “texto social” inscrito “num

contexto de textos específicos.” (p. 37) Tal espaço tanto é percebido, concebido e

representado (teórico e mental) quanto construído, produzido e projetado (espaço

social e prático). “A problemática do espaço vivido é um aspecto importante e

talvez essencial de um conhecimento da realidade urbana.” (p. 40)

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O espaço arquitetônico e urbanístico, enquanto espaço, tem essa dupla característica: desarticulado e até estilhaçado sob a coerência fictícia do olhar, espaço de coações e de normas disseminadas. Ele tem esse caráter paradoxal que se tenta definir aqui: junto e separado. É dessa maneira que ele é concomitantemente domidado (pela técnica) e não-apropriado (para e pelo uso). Ele é imediato e mediato, ou seja, pertence a uma certa ordem próxima, a ordem da vizinhança, e a uma ordem distante, a sociedade, o Estado. (Idem, p. 53)

Sobre a questão do perigo da naturalização da produção do espaço urbano –

e esta questão nos é muito cara visto que nosso objeto de pesquisa será a cidade

de Brasília -, Bourdieu (1999) no texto “Os efeitos do lugar”, afirma que todo

espaço físico produz e é produzido por um espaço social, ou seja, “o espaço social

se retraduz no espaço físico”. (p. 160)

Tais elementos problematizados por Bourdieu e Lefebvre coadunam com as

reflexões propostas por Foucault (1984) no texto “Outros espaços”. Segundo este

autor, vivemos numa sacralização de oposições entre espaços público e privado,

familiar e social, cultural e útil, de lazer e de trabalho. (p. 413) Foucault apresenta

o conceito de heterotopia. Para problematizar a fotografia e sua relação com a

realidade, o tempo e o espaço, vamos descrever um exemplo de heterotopia dado

por Foucault: o espelho. Foucault chama o espelho de “um lugar sem lugar” uma

vez que “me vejo lá onde não estou, em um espaço irreal que se abre virtualmente

atrás da superfície.” (FOUCAULT, 1984, p. 415)

Após apresentar uma série de exemplos de heterotopias – o cemitério, o

jardim, os bordéis e as cidades de férias - , Foucault (1984) apresentanda o navio

como a “heterotopia por excelência”, uma vez que ele é um “espaço flutuante, um

lugar sem lugar, que vive por si mesmo, que é fechado em si e ao mesmo tempo

lançado ao infinito do mar e que, de porto em porto (...).” (p. 421) Finalmente, o

autor afirma que “nas civilizações sem barcos os sonhos se esgotam, a espionagem

ali substitui a aventura e a polícia, os corsários.” (p. 422)

Finalizando este tópico pretendemos deixar claro que, ao tratarmos dos

olhares revelados pelas fotografias de determinados lugares, estamos falando de

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sujeitos e espaços concretos produzidos e produtores de sentidos e significados. O

sujeito que fotografa é localizado, determina e é determinado por suas condições e

contextos. A imagem fotográfica, resultado dessa ação, não está desconectada do

contexto de sua produção.

Assim como Marco Polo, personagem de Italo Calvino em “As Cidades

Invisíveis”, pretendemos encontrar nas fotografias elementos que “falem” das

cidades como os objetos e ações que ele mostrava ao imperador Kublai Khan, ao

tentar descrevê-las: “tambores, peixes salgados, colares de dentes de facoqueros

e, indicando-os com gestos, saltos, gritos de maravilha e de horror, ou imitando o

latido do chacal e o pio do mocho”. (2003, p. 43)

Brasília – hipertexto a céu aberto

Falar, pensar, escrever e refletir sobre Brasília são atos que nunca se dão por

si mesmos e isolados. A história do planejamento, da concretização e do

desenvolvimento da Capital Federal, transcorre permeada pelos mais de cinco

séculos da história do Brasil. Terceira Capital Brasileira (depois de Salvador e do

Rio de Janeiro) e Patrimônio Cultural da Humanidade (1987), Brasília é fruto de

diversos discursos e paradoxos.

A ambição e a determinação do então Presidente da República, Juscelino

Kubitschek (1956-1961), o Projeto Piloto de Brasília do urbanista Lúcio Costa, as

obras arquitetônicas de Oscar Niemeyer, a administração de Israel Pinheiro na

Companhia Urbanizadora da Nova Capital, a força de trabalho de milhares de

candangos provenientes de todo Brasil e a idealização utópica de todos os

brasileiros construíram Brasília.

Inúmeras narrativas podem ser encontradas no pouco mais de meio século de

existência de Brasília. Desde o discurso oficial até os mais ferrenhos críticos

podemos dizer que Brasília foi construída mais com discursos do que com cimento.

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Destacaremos a seguir alguns excertos que julgamos expressar a polifonia de tais

narrativas e a heterogeneidade dos olhares já lançados sobre a cidade.

Começamos com o discurso de inauguração do então presidente JK:

Esta cidade, recém-nascida, já se enraizou na alma dos brasileiros; já elevou o prestígio nacional em todos os continentes; já vem sendo apontada como demonstração pujante da nossa vontade de progresso, como índice do alto grau de nossa civilização; já a envolve a certeza de

uma época de maior dinamismo, de maior dedicação ao trabalho e à Pátria, despertada, enfim, para o seu irresistível destino de criação e de força construtiva. (BRASÍLIA, 2012, Discurso de Inauguração)

Em contraposição a este discurso, apresentamos outro discurso revelador e

em tom de denúncia. O geógrafo brasileiro Milton Santos, que escreve:

Cidade ‘artificial’ surgiu de uma vontade criadora que haveria de se manifestar na prévia definição de diversos aspectos materiais e formais. A intenção que presidiu à sua criação é que orientaria aquela vontade criadora. Brasília já nascia com um destino predeterminado: ser “a cabeça do Brasil”, o “cérebro das mais altas decisões nacionais”. (...) O

subdesenvolvimento comparece como um elemento de oposição,diante daquela ‘vontade criadora’, modificando os resultados esperados. (...) Vontade criadora e subdesenvolvimento do país são, pois, os termos que se afrontam na realização efetiva de Brasília. É da sua confrontação que a cidade retira os elementos de sua definição atual”. (1965, pp. 54-55)

Numa visão analítica mas muito bem humorada, temos a narrativa do poeta

Nicolas Behr (1979) no poema chamado Plano Pilatos:

duas asas partidas dois eixos fora dos eixos

dois traços invisíveis duas pistas falsas Lúcio Costa fez o sinal da cruz e disse: ‘Cruz Credo!’

A descrição do Site do Governo do Distrito Federal para a Copa do Mundo

FIFA 2014, apresenta a seguinte discurso:

Inaugurada em 1960, Brasília é uma verdadeira obra de arte modernista a céu aberto. A cidade, especificamente o Plano Piloto, é um exemplo da

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aplicação do urbanismo moderno. O traçado original e a organização em quatro escalas - monumental, residencial, gregária e bucólica -, por si só, fazem de Brasília uma cidade única, conferindo-lhe relevância na milenar história do urbanismo. Somam-se a isso as obras de artistas como Bruno Giorgi, Alfredo Ceschiatti, Athos Bulcão e Burle Marx, entre outros, que igualmente contribuíram para a beleza da capital. (GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL, 2013)

Para concluir este tópico e relacionando à temática em questão, frisamos as

palavras da jornalista Cássia Relva na apresentação intitulada “Brasílias que

transbordam” do ensaio fotográfico de Franca Cavilarinho, quando fala que “não é

difícil imaginar a quantidade de flash, ângulos, focos de diversas lentes que já se

voltaram para a nossa capital, ontem e hoje.“ (p. 01, s.d.)

Que olhar lançamos sobre quem olha Brasília?

Pela natureza de nossa temática, os objetivos propostos e a fundamentação

apresentada entendemos que a metodologia mais coerente para análise dos dados

é a pesquisa qualitativa de abordagem sócio-histórica. Importante lembrar,

também, que nossa metodologia de pesquisa e análise de resultados se baseia nos

conceitos de hipertexto, conforme Bakhtin, de flâneur, segundo Benjamin e de

experiência, de acordo com Bondía.

A pesquisa qualitativa de abordagem sócio-histórica é caracterizada por

Freitas (2007) segundo a qual a fonte dos dados sempre está inserida num contexto

que, mesmo que particular, não se desvincula de uma totalidade. As questões

formuladas ao serem respondidas, são compreendidas numa complexidade de

relações e no seu devir histórico. A coleta de dados busca uma compreensão dada

pela soma da descrição e da explicação dos fenômenos estudados, vinculando o

individual e o social. O papel do pesquisador é ativo e situado sócio e

historicamente, bem como dos sujeitos que são pesquisados, não considerados

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como objetos. Tanto pesquisador, enquanto pesquisa, tem a possibilidade para

“refletir, aprender e ressignificar-se no processo de pesquisa.” (p. 28)

A relação que buscamos estabelecer em nossa metodologia e a categoria de

hipertexto em Bakhtin é expressa por Ferraz (2009), quando afirma que “A

hipertextualidade aparece como uma especificação das relações dialógicas

presentes nas estruturas hipertextuais.” As conexões que remetem a outros textos

possibilita um diálogo com outro enunciados, “estabelecendo uma relação

semântico-axiológica, tal como apontada por Bakhtin, remetendo para fora do

texto, de acordo com a escolha do leitor.” Desta forma, “as remissões a

outros enunciados encontradas no hipertexto serão consideradas relações

dialógicas hipertextuais.” (p. 9)

Neste sentido, Amorim (2007) afirma que “o pluralismo do pensamento

bakhtiniano, traduzido nos conceitos de dialogismo e polifonia, é lugar de conflito

e tensão”. (p. 13) Para nossa pesquisa essa ideia é de suma importância dadas as

inúmeras faces que uma cidade pode mostrar e diante dos inumeráveis elementos

que uma fotografia pode revelar.

Na mesma linha de reflexão, SOUZA (2007), falando sobre as imagens

técnicas, aponta que este “olhar máquina” “re-significa nossa presença no

mundo”. Para esta autora, compreender o papel das imagens técnicas atualmente

é “procurar uma ampla e profunda compreensão sobre a nossa história, nossa

cultura e nossos modos de subjetivação.” (p. 78) Concordamos ainda com essa

autora quando afirma que as imagens são signos, portanto linguagens, sendo que o

mundo está cada vez mais sendo-nos apresentado por meio de narrativas figuradas,

as quais exigem novos leitores e também autores. “Portanto, a imagem técnica

deve ser decifrada para que as diversas camadas de significado nela contidas

possam emergir no discurso em forma de texto.” (p. 79) As imagens técnicas

revelam-se como instrumentos mediadores de “experiências culturais e subjetivas

no momento atual.” (p. 81)

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A autora ainda aponta a necessidade da “criação de estratégias de

investigação condizentes com a experiência do sujeito contemporâneo de ver e de

ser visto através da mediação de instrumentos técnicos.” (p. 82) Tal necessidade se

justifica na medida em que, “os modos de produção de conhecimento não podem

estar desvinculados das práticas sociais e culturais cotidianas.”

A unidade da experiência e da verdade do homem é polifônica. Dialogismo e alteridade constituem as características, essenciais e necessárias, a partir das quais o mundo pode ser compreendido e interpretado de muitas e diferentes maneiras, tendo em vista seu estado de permanente mutação

e inacabamento.(SOUZA, 2007, p. 92)

Consideramos que as categorias de flaneur e de experiência estão alinhadas

com a metodologia de pesquisa proposta e, relacionadas com o conceito de

hipertexto adotado, formam uma sinergia que enriquece a análise das fotografias e

legendas no contexto de investigação que propomos.

Para Matos (2001) a experiência realizada pelo flaneur é o oposto da atual

sociedade do espetáculo, a presença da multidão e o fenômeno do consumo e

concorda com Benjamin ao afirmar que a síntese da modernidade, nestes termos, é

a cidade de Paris. A autora concorda com Benjamin ao afirmar que para o narrador

– assim como para o flâneur–, “cada fragmento de história é o hieróglifo de um

texto original que confere à narrativa uma qualidade arqueológica,

numismática e misteriosa.” (p. 10)

O narrador, como o flâneur, ao contrário da luta entre as classes e do pathos revolucionário, não luta nem levanta barricadas, mas desprivatiza o tempo imposto pela mercadoria, pelo consumo de massa, pela lógica da dominação, pelo princípio da indiferença que regem a troca mercantil e a livre circulação do capital. O flâneur e o narrador, ao contrário do déspota totalitário e de seus cúmplices – que renunciam a qualquer juízo pessoal –, captam instantâneos fotográficos do presente pelos quais realizam uma ‘viagem interior’. A viagem é como a narrativa poética: ‘iniciação à suprema arte de viver’. Por isso Benjamin escreveu: ‘eu viajo para conhecer minha geografia’. (MATOS, 2001, p. 23)

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A experiência, ao contrário da informação, não é momentânea e passageira.

Recebemos de forma acelerada, todos os dias, uma avalanche de informações,

como denuncia Benjamin (1994) quando afirma que “cada manhã recebemos

notícias de todo o mundo. E, no entanto, somos pobres em histórias

surpreendentes. A razão é que os fatos já nos chegam acompanhados de

explicações.” Este excesso de informação impossibilita a narrativa, pois, “metade

da arte narrativa está em evitar explicações.” (p. 203)

Nesta mesma lógica, Bondía (2002) adverte que, para que a experiência

aconteça é necessário uma nova postura:

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar;

parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço. (BONDÍA, 2002, p. 24)

Vistas desta forma, as experiências de aprendizagem, mediadas pelas

tecnologias digitais e promotoras de processos de comunicacionais promovem uma

“fusão de horizontes” além de exigirem “interpretações dialógicas, jogos de

interlocução, nos quais à margem ou nas bordas do próprio método surge uma

terceira figura que não é outra que a evocação narrativa que se volta para

expressar o diferente.” (DROGUETT, 2004, p. 16) Para Cunha (2004) narrar equivale

a viajar, seja no tempo, no espaço, nas histórias e porque não dizermos, nas

fotografias. Para esta autora, “o poder da narrativa é proporcionar o deslocamento

da imaginação, é seduzir o leitor para o que ele desconhece, é fazer rir, chorar,

assustar, prender a atenção até o fim da história, ou para uma história sem fim.”

(p. 71)

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Da mesma forma uma fotografia, enquanto narrativa visual e hipertextual,

possui uma localização sócio-histórica num determinado contexto cultural.

Independente da narrativa, “há na viagem uma fonte de inspiração criativa, de

interpretação do mundo e de descoberta de coisas novas.” (CUNHA, 2004, p. 77)

Diante desta reflexão, nossa análise se baseará em duas categorias que

consideramos mais subjetivas – o olhar de quem fotografa e a qual (is) expressão

(ões) aparecem na imagem fotografada -, e outras duas que ao nosso ver são mais

objetivas – posição do fotógrafo e a fotografia em si. Pelas categorias subjetivas

pretendemos verificar que olhar aquele que fotografa lança sobre o que capta no

momento do seu clique e buscar compreender o que pretende expressar pelos

elementos que revela sua imagem. Por meio das categorias objetivas buscamos

analisar qual a posição do fotógrafo em relação ao que será retratado e o que

mostra a fotografia em si, em termos de foco, planos, elementos, destaques entre

outros dados. Acreditamos que descrevendo e interpretando não somente as

imagens, mas fazendo isso a partir e na tentativa de compreender o olhar de quem

fotografa, estaremos sendo coerentes com os objetivos da investigação e seus

pressuposstos, pois valorizamos a subjetividade e a expressão, tanto do fotógrafo

quanto da fotografia, levando em consideração a participação do sujeito que

analisa tais imagens.

Análise de dados

Para análise dos dados desta investigação, selecionamos duas fotografias de

dois visitantes de Brasília. Nosso critério levou em consideração que as imagens

fotográficas fossem realizadas em Brasília e que revelassem um contexto urbano,

elementos fundamentais em nossa pesquisa. As fotos nos foram enviadas/cedidas

pelos autores e cada está postada numa rede social – Facebook e Flickr.

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Figura 1: (e)skates from de ministeries2

Autor: Valentin Oros. Disponível em Autor: Valentin Oros. Disponível em:

https://www.facebook.com/valioros/media_set?set=a.10200294174815884.1073741828.11

99149495&type=3. Acesso em 08 de novembro de 2013.3

A primeira fotografia que apresentamos foi feita em preto e branco e possui

diversos tons de cinza. Os elementos que aparecem nela são nuvens, prédios,

árvores, carros, pessoas e uma calçada. Percebe-se que, se dividíssemos a

fotografia em três listras horizontais, a listra superior seria basicamente somente

de nuvens e a inferior somente composta pela calçada (com exceção dos dois

skatistas). Traçando uma linha começando pelos dois skatistas em primeiro plano,

continuando pelas duas pessoas caminhando e retornando a esquerda até a pessoa

2 Skatistas nos ministérios 3 Direito de cópia da foto cedida pelo autor exclusivamente para ilustrarem esse artigo.

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que, correndo, atravessa a rua, é interessante notar que o desenho formaria uma

seta que apontaria para o prédio do Congresso Nacional e o mastro da bandeira do

Brasil.

A posição do fotógrafo é de participante da cena, pois, ele está no mesmo

nível das pessoas que lhe estão próximas. Tem-se a impressão, inclusive, que os

skatistas estão vindo praticamente em sua direção. Provavelmente ele estivesse,

no momento da foto, se deslocando.

A densa nebulosidade já seria uma forte expressão ligada à exuberância da

natureza e, no caso desta foto, somada com as tonalidades cinzas, ganha um

aspecto tanto de movimento quanto de proximidade e de ligação com a paisagem

urbana. A quantidade de nuvens somada a quantidade de carro e com uma pessoa

atravessando a rua correndo expressam ideias e movimentos ligados a uma

metrópole. O fotógrafo mostra Brasília, em sua dimensão claramente política, com

um dos seus maiores monumentos, motivo pelo qual ela foi criada, o Congresso

Nacional, centro do poder legislativo. Aparecem ainda parte dos Ministérios e a

Bandeira do Brasil ao fundo como que para demarcar o território e sua função.

Interessante notar que a legenda da foto, quando comparada com a imagem,

retrata a parte direita da mesma se fizermos um corte vertical no seu centro.

Diante de tantos elementos dados e concretos, o fotógrafo, pela legenda, lança luz

sobre uma atividade que envolve movimentos, pessoas que andam de skate nos

ministérios. Parece uma tentativa de expressar a movimentação, também mostrada

pelos carros e pela pessoa que atravessa a rua correndo, de uma cidade que, além

de ser um monumento, é também movimentada em diversos outros sentidos.

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Figura 2: Shadows in Brasília4

Autoria Carlos Ebert. Disponível em

http://www.flickr.com/photos/42042512@N00/3201874164/in/set-72157613438025481.

Acesso em 08 de novembro de 2013.5

Esta imagem chamou a nossa atenção pela grande simplicidade da cena e

pelo forte impacto causado pelas escalas e relações entre seus componentes. A

fotografia apresenta um homem atravessando uma avenida, uma guia que

acompanha toda a parte superior, três pistas de asfaltos que foi recapeado tendo

as sinalizações próprias apagadas, e um poste com iluminação pública, sendo que

neste poste existe uma placa de sinalização de trânsito. Pela posição das sombras

que aparecem do que provavelmente seja um poste do outro lado, do homem e do

poste que aparece, percebe-se que seja um entardecer (ou talvez um amanhecer).

Analisando a imagem, não se compreende imediatamente a posição do

fotógrafo. Talvez estivesse num helicóptero e tivesse dado um zoom para

4 Sombras em Brasília 5 Direito de cópia da foto cedida pelo autor exclusivamente para ilustrarem esse artigo.

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aproximação ou quem sabe, mas não saberíamos afirmar precisamente, estivesse

num prédio alto. Toda a cena principal da foto se passa na metade a esquerda,

fazendo-se um corte diagonal do canto superior esquerdo para o canto inferior

direito. Ali se encontram o homem e o poste e suas sombras.

Essa imprecisão da localização do fotógrafo provoca e expressa uma tensão

entre as escalas e relações que podemos abstrair da fotografia. A largura da

avenida e o tamanho do poste contrastam, pela posição, com o tamanho do

homem. Por outro lado, se compararmos o tamanho da sombra que este projeta

com a sombra que aparece do poste, também vemos uma tensão que se explicita.

Ao nomear tal imagem fotográfica como “sombras em Brasília” o autor abre

inúmeras possibilidades de interpretações, tanto concretas, como mostradas na

fotografia, como imateriais, como por exemplo partindo da imagem, onde o

homem “segue” sua sombra. Podemos questionar quais as sombras lançadas sobre o

Brasil com a construção de Brasília e vice versa? As pessoas, que se tornam

pequenas diante da cidade (tanto literal quanto metaforicamente) produzem que

tipo de sombras? A provocação lançada por esta fotografia envolve praticamente

todos os elementos contemplados em nossa pesquisa: o homem, o urbano, o olhar,

a fotografia e todas as suas relações.

Conclusões circunstanciais

A pesquisa apresentada revela as diferentes dimensões de temporalidade e

as diversas relações de espacialidade que as mídias comunicacionais na atualidade

permitem e possibilitam, configurando, assim, novas formas de acessar, produzir e

socializar conhecimentos. Diante disso, o exemplo simples que apresentamos, qual

seja, de fotos postadas em redes sociais e sua legenda, apontam a mudança

paradigmática que ocorre nas experiências de aprendizagem quando analisadas sob

a ótica de uma abordagem sócio-histórica da linguagem.

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As características da construção de conhecimento realizadas e analisadas nas

interfaces de experiências de aprendizagem, tecnologias midiáticas e processos

comunicacionais apontam para novos paradigmas de comunicação e aprendizagem.

Partindo da análise das imagens fotográficas percebemos que a valorização e a

produção do conhecimento, partindo de um sujeito situado ao seu tempo histórico

e que compartilha saberes, culturas e práticas, numa autoria dinâmica e relacional,

mostra a transgressão de papéis, de momentos e de processos do que se

compreende por aprendizagem e comunicação, nesta época das redes digitais e

virtuais.

A cada dia que passa, erguem-se vozes para denunciar a grande distância que separa o conhecimento da vida. Efetivamente, a forma como se desenvolve o processo de educação, hoje em dia centrado em disciplinas técnicas e compartimentadas, acentua o isolamento do sujeito a respeito da sua realidade social, econômica e política, contradizendo, assim, a sua

natureza e estrutura unitária do ideal individual que percebe e age sobre o meio como um todo. Por esta razão, um processo enfocado sob um prisma só não pode perder de vista que nada em particular explica ou implica o ser humano na sua totalidade, mas que o exercício interdisciplinar é a via mais promissora para a conquista de um saber sobre a sua interação com o espaço. (DROGUETT, 2004, p. 13)

Concordamos com Ferrari (2010) quando afirma que as experiências de viajar

e de fotografar proporcionam benefício éticos, estéticos, sociais e psíquicos e,

acrescentamos outros como culturais, emocionais e o desenvolvimento de

conhecimentos nas mais variadas áreas: geográfica, histórica, antropológica...

Como conclui a autora, “trata-se de um aprendizado que se configura com base

nessa nova gramática visual.” (p. 116)

Urry (2001) cria a palavra “edutimento” para conceituar a fusão entre

educação e divertimento, processo esse incentivado pelas narrativas visuais e

hipertextuais aqui apresentadas. Isso somado as potencialidades do computador e

da internet, conforme Cunha (2004) “vieram transformar as noções e limites

territoriais, acelerou o tempo de comunicação e criou uma nova dimensão do

espaço – o espaço virtual.” (p. 80)

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Sabemos que esta investigação abre-se em muitas possibilidades e caminhos,

como é próprio do rizoma urbano e da hipertextualidade inerente a fotografia.

Olhar a cidade, perceber a cidade, ler a cidade, expressar a cidade. Olhar quem

olha, o quê olha, por que olha, como olha pela imagem fotográfica. Analisar uma

fotografia postada numa rede social mostra que o ato de fotografar este espaço

urbano possui diversos momentos ricos de serem analisados: o sujeito que

fotografa, o objeto que é fotografado, a imagem produzida, a postagem desta

imagem na rede e quantas outras ações que permeiam ou são consequentes a

estas. Outros olhares podem, precisam e devem ser lançados se quisermos avançar

na discussão sobre em que medida as narrativas visuais e hipertextuais

representam novas configurações de espaços e tempos na aprendizagem.

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