UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
OLIVIA MORGAN LAPENTA
Efeito da Neuromodulao em ritmo Mu durante Observao e
Mentalizao de Movimentos Biolgicos e No-Biolgicos
So Paulo
2012
OLIVIA MORGAN LAPENTA
Efeito da Neuromodulao em ritmo Mu durante Observao e
Mentalizao de Movimentos Biolgicos e No-Biolgicos
Dissertao de Mestrado apresentada
ao Programa de Ps-Graduao em
Distrbios do Desenvolvimento da
Universidade Presbiteriana Mackenzie
como requisito para obteno do ttulo
de mestre.
Orientador: Prof. Dr. Paulo Srgio Boggio
So Paulo
2012
L311e Lapenta, Olivia Morgan
Efeito da neuromodulao em ritmo Mu durante observao e mentalizao
de movimentos biolgicos e no-biolgicos Olivia Morgan Lapenta. 2012 85 f. : il. ; 30 cm
Dissertao (Mestrado em Distrbios do Desenvolvimento) -
Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2012.
Referncias bibliogrficas: f. 69-79.
1. Mentalizao motora. 2. Observao e ao. 3. Ritmo Mu. 4. Estimulao transcraniana por corrente contnua. 5. Sistema neurnios-
espelho. 6. Crtex motor primrio. I. Ttulo.
CDD 611.8
OLIVIA MORGAN LAPENTA
Efeito da Neuromodulao em ritmo Mu durante Observao e
Mentalizao de Movimentos Biolgicos e No-Biolgicos
Dissertao de Mestrado apresentada
ao Programa de Ps-Graduao em
Distrbios do Desenvolvimento da
Universidade Presbiteriana Mackenzie
como requisito para obteno do ttulo
de mestre.
Aprovada em _______________________
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Paulo Srgio Boggio Orientador
Universidade Presbiteriana Mackenzie - UPM
Prof. Dr. Elizeu Coutinho de Macedo
Universidade Presbiteriana Mackenzie UPM
Prof. Dr. Felipe Fregni
Harvard Medical School
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Joo Lapenta Neto e Silvia Helena Mele Morgan Lapenta, pela
liberdade de escolha, pelo incentivo, apoio e amor incondicional e minhas irms Bruna
Morgan Lapenta e Julia Morgan Lapenta, por ouvirem milhares de vezes meu trabalho e
o acharem incrvel ainda que tudo que descrevam sobre ele seja: Neurnios-Espelho.
Agradeo especialmente ao Prof. Dr. Paulo Srgio Boggio por permitir que eu ousasse
no tema e por incentivar todos os meus projetos, assim como pelo auxlio e dedicao
em todas as etapas deste e de todos os outros estudos desenvolvidos em seu laboratrio.
Agradeo basicamente ao trabalho impecvel como orientador, pois seria impossvel
descrever minha gratido em termos de crescimento profissional e pessoal.
Ao grupo do laboratrio de Neurocincia Cognitiva e Social da UPM por
transformarem o ambiente de trabalho praticamente em uma segunda casa. Sou grata,
alm da amizade, pelo trabalho cooperativo e todas as discusses e crticas que
engrandeceram esse e tantos outros projetos desenvolvidos pelo grupo. Em especial as
tartarugas velhas Cludia Aparecida Valasek que escreveu comigo o captulo de um
livro que inspirou parte desse trabalho e Nathalia Ishikawa Baptista e Ana Carolina
Alem Giglio por salvarem as ilustraes do trabalho.
Aos integrantes da banca, Prof. Dr. Elizeu Coutinho de Macedo e Prof. Dr. Felipe
Fregni pelas grandes contribuies durante a construo dessa dissertao.
minha irm de corao, Mara De Lamonica Guimares pelas eternas risadas e
grande amiga Patrcia Renn pelo ponto de apoio prximo a faculdade. Agradeo a
ambas pelas sesses de desabafo e os momentos de alegria garantidos. Tudo sempre se
torna mais leve com a presena de vocs!
Yuri Freire Basdadjian pelo apoio, pacincia e carinho nesse caminho que vem sendo
traado.
Por fim agradeo a todos os voluntrios de pesquisa sem os quais este projeto jamais
sairia do papel.
A percepo do desconhecido a mais
fascinante das experincias. O homem que no
tem os olhos abertos para o mistrio passar
pela vida sem ver nada.
Albert Einstein
Apoio:
Resumo
A teoria de simulao mental sugere ativao da rede neural motora durante
mentalizao e execuo de movimentos, de maneira anloga ativao em observao e
execuo de aes, o que mediado pelo Sistema de Neurnios-Espelho. Esta ativao pode ser
mensurada por supresso do ritmo Mu registrado por eletroencefalografia. proposto que a
ativao de reas motoras e, portanto, o aumento de excitabilidade cortical em cortex motor
primrio e a dessincronizao do ritmo Mu ocorram em consequncia de insumo proveniente do
Sistema Neurnios-Espelho pr-motor. A estimulao transcraniana por corrente contnua
consiste numa tcnica de neuromodulao por facilitao e inibio de disparo neuronal levando
a aumento e reduo de excitabilidade cortical, respectivamente. Assim, foi proposto avaliar os
efeitos polaridade dependentes desta tcnica sobre ritmo Mu durante tarefas de observao e
mentalizao de movimentos biolgicos e no biolgicos. Para tal, aplicamos estimulao
andica, catdica e placebo em 21 homens destros (idade mdia de 23.8+3,06), sobre crtex
motor primrio esquerdo (2mA por 20min) e, em seguida foi feito o registro
eletroencefalogrfico considerando os eletrodos C3, C4 e entorno de C3 e C4 e Cz. A anlise de
C3 e C4 apresentou efeitos significativos quanto ao tipo de Movimento (p=0.005) e ainda
quanto as interaes entre tipo de estimulao e hemisfrio (p=0.04) e tipo de estimulao, de
movimento e hemisfrio (p=0.02). A anlise dos eletrodos do entorno revelou efeito
significativo para a interao entre tipo de estimulao, condio da tarefa e tipo de movimento
(p=0.03). Assim, os principais achados do estudo foram i. supresso de Mu para movimento
biolgico (em mentalizao e observao) da regio da mo em hemisfrio contralateral aps
estimulao placebo, ii. efeitos inversos para eletrodos de entorno em condio de mentalizao
e iii. neuromodulao polaridade dependente de ritmo Mu. Os resultados de oscilao de Mu
so discutidos considerando ERD focal/ ERS entorno de acordo com o tipo de tarefa.
Conclumos que h dessincronizao contralateral focal de Mu durante observao e
mentalizao de movimentos biolgicos, acompanhada por sincronizao de reas
motoras no envolvidas na tarefa apenas na condio de mentalizao e que a
estimulao transcraniana por corrente contnua tem efeito sob toda a superfcie do
eletrodo e difere de acordo com a polaridade aplicada. O uso da estimulao
transcraniana por corrente contnua combinada com tarefas de observao e
mentalizao pode conferir uma estratgia interessante de interveno em distrbios
envolvendo comprometimento das habilidades motoras bem como comprometimento de
habilidades de imitao e compreenso das aes do outro.
Palavras-chave: mentalizao motora, observao de ao, ritmo Mu, estimulao
transcraniana por corrente contnua, sistema neurnios-espelho, crtex motor primrio.
Abstract
The Mental Simulation theory suggests activation of the motor network during imagery
and execution of movements, similarly to the activation during observation and execution of
actions, which is mediated by the Mirror Neuron System. This activation can be measured using
eletroencefalography register of Mu rhythm suppression. It is propose that motor network
activation and therefore increase of cortical excitability at primary motor cortex and Mu
dessynchronization are due to premotor Miror-Neuron System inputs. Transcranial direct
current stimulation is a neuromodulation technique that induce facilitation and inhibition of
neural firing leading to enhance or decrease in cortical excitability, respectively. Thus, we
propose to evaluate the polarity dependent effects of this technique in the Mu rhythm during
biological and non-biological movements observation and imagery tasks. Therefore we applied
anodal, cathodal and sham stimulation in 21 male subjects (mean age 23.8+3,06), over left
primary motor cortex (2mA for 20min) and immediately after we registered the
electroencephalography considering the electrodes C3, C4 and surrounding C3 and C4 and Cz.
Analyses of C3 and C4 showed significant effects according to Movement (p=0.005), and also
for the interactions between type of stimulation and hemisphere (p=0.04) and type of
stimulation, movement and hemisphere (p=0.02). Surrounding electrodes analyses revealed
significant effect for the interaction between stimulation type, task condition and movement
type (p=0.03). Thus, the main findings of this study were i. Mu suppression for biological
movement (in both imagery and observation) of the hand region in the contralateral hemisphere
after sham stimulation, ii. reverse effect for the surrounding electrodes during imagery condition
and iii. polarity-dependent neuromodulation of the Mu rhythm. The results are discussed
considering focal ERD/ surrounding ERS according to the type of task. We concluded that there
are contralateral focal Mu dessynchronization during observation and imagery of biological
movements together with syncronizarion of the motor areas not involved in the task only for the
imagery condition and that transcranial direct current stimulation has a significant effect under
the entire electrode and according to the applied polarity. The use of transcranial direct current
stimulation followed by observation and imagery tasks might be an interesting intervention
strategy for disturbances involving motor ability impairment as well as deficits related to
imitation and comprehension of others actions.
Key-words: motor imagery, action observation, Mu rhythm, transcranial direct current
stimulation, mirror-neuron system, primary motor cortex.
LISTA DE ABREVIAES
CP Crtex Parietal
CPD Crtex Parietal Direito
CPE Crtex Parietal Esquerdo
CPP Crtex Parietal Posterior
EEG Eletroencefalografia
EMT - Estimulao Magntica Transcraniana
ERD Dessincronizao Relacionada ao Evento (Event-Related Desynchronization)
ERP Potencial Evocado Relacionado ao Evento (Event-Related Potential)
ERS Sincronizao Relacionada ao Evento (Event-Related Synchronization)
ETCC Estimulao Transcraniana por Corrente Contnua
M1 Crtex Motor Primrio
MB Mentalizao Biolgica
MEP Potencial Motor Evocado (Motor-Evoked Potential)
MM Mentalizao Motora
MNB Mentalizao No-Biolgica
MNS Sistema Neurnios-Espelho (Mirror-Neuron System)
NMDA N-Metil-D-Aspartato
OB Observao Biolgica
ONB Observao No-Biolgica
RMF Ressonncia Magntica Funcional
SNC Sistema Nervoso Central
STS Sulco Temporal Superior
TEA Transtorno do Espectro do Autismo
LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1: Desenho Experimental ..................................................................
Figura 2: Poder de Mu nos eletrodos C3 e C4 para Movimento Biolgico
e No-Biolgico ...........................................................................................
Figura 3: Poder de Mu nos eletrodos do entorno para as condies de
Mentalizao e Observao em movimento Biolgico e No-Biolgico ....
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53
55
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: ANOVA para medidas repetidas relativa ao poder de Mu em
rea envolvida na tarefa ...............................................................................
Tabela 2: ANOVA para medidas repetidas relativa ao poder de Mu em
reas no envolvidas na tarefa ......................................................................
51
54
SUMRIO
1. Introduo ...................................................................................................
1.1 Imagem Mental Motora ................................................................
1.1.1 Mentalizao Motora e o Sistema Neurnios-Espelho ..
1.1.2 Excitabilidade Cortical durante Imagem Mental ..........
1.2 Estimulao transcraniana por corrente contnua (ETCC) ........
1.3Mentalizao Motora, Estimulao No-invasiva e Reabilitao.
1.4 Eletroencefalografia .....................................................................
1.4.1 Frequncia Mu ..............................................................
1.4.2 Supresso das ondas Mu por Mentalizao Motora......
2. Objetivos .....................................................................................................
2.1 Objetivos Gerais ...........................................................................
2.2 Objetivos Especficos ...................................................................
3. Mtodo .......................................................................................................
3.1. Participantes .................................................................................
3.2. Instrumentos ................................................................................
3.2.1 De caracterizao da amostra .......................................
3.2.2 De modulao do processamento neurofisiolgico.........
3.2.3 De Coleta e Anlise de dados Eletroencefalogrficos....
3.2.4 Tarefa de Observao e Mentalizao de Movimento ...
3.3 Procedimento ...............................................................................
3.4 Consideraes ticas ....................................................................
3.5 Anlise Estatstica ........................................................................
4. Resultados ...................................................................................................
11
11
11
17
25
29
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5. Discusso .................................................................................................... 55
6. Concluso ................................................................................................... 67
7. Referncias ................................................................................................. 69
ANEXOS
A.Inventrio de Dominancia Lateral de Edimburgo ........................ 80
B. Termo de Consentimento Livre-Esclarecido ............................... 81
C. Carta de aprovao do Comit de tica ...................................... 83
11
1. Introduo
1.1 Imagem Mental Motora
1.1.1 Mentalizao Motora e o Sistema Neurnios-Espelho
Imagem mental (termo em ingls, imagery) consiste na mentalizao de entradas
sensoriais e motoras, podendo ser definida como um processo ligado percepo em
ausncia de estmulo real externo (ANNETT, 1995; FARAH, 1984; KOSSLYN et al.,
2001). A gerao de uma imagem mental de movimento, referida como mentalizao
motora (MM) (em ingls, motor imagery), baseada em propriocepo e mentalizao
visual.
Para Decety e Grzes (2006), a imaginao, ou produo de imagem mental,
apresenta vantagens adaptativas evolucionrias por permitir planejamento e antecipao
das aes do outro, bem como o estabelecimento de empatia com o outro.
A teoria de simulao mental traz como ideia bsica que a rede neural motora
seja ativada tanto na mentalizao de aes motoras quanto na execuo dessas mesmas
representaes (JEANNEROD, 2001), de maneira anloga ativao em observao e
execuo de aes, o que mediado por um sistema neuronal chamado de Sistema de
Neurnios-Espelho (Mirror Neuron System - MNS) (RIZZOLATTI, FOGASSI,
GALLESE, 2001; RIZZOLATTI, 2005).
Os neurnios-espelho so um tipo especial de neurnios que disparam tanto
quando um indivduo realiza uma ao quanto quando ele observa uma ao semelhante
realizada por outro individuo, ou ainda, na apresentao de palavras relacionadas a ao
(e.g., chutar), que ativa reas cerebrais relacionadas execuo da mesma (HAUK e
PULVERMULLER, 2004) mostrando, dessa forma, integrao multimodal dos sistemas
12
auditivo, visual e motor (RIZZOLATTI, 2005; LE BEL, PINEDA, SHARMA, 2009). O
sistema responsvel por essa ativao foi inicialmente descoberto na rea F5 do crtex
pr-motor de macacos, porm fortes evidncias sugerem a existncia de um sistema
comparvel na regio homloga do crtex pr-motor humano (FADIGA et al., 1995).
O MNS composto por uma rede de reas, incluindo a pars opercularis do giro
frontal inferior e sua rea adjacente ventral (crtex frontal inferior), o lbulo parietal
inferior e o sulco temporal superior (STS), que so ativadas durante a observao e
imitao de uma ao (HADJIKHANI et al., 2006).
Segundo RIZZOLATTI; FOGASSI; GALLESE (2001) este sistema parece
unificar no mesmo mecanismo neural, uma variedade de fenmenos que vo alm dos
comportamentos elementares, como facilitao da resposta, podendo tambm
desempenhar um papel crtico em funes cognitivas superiores, como aprendizado da
imitao e compreenso da ao e desenvolvimento da linguagem. A regio de Broca,
tradicionalmente vista como uma rea relacionada linguagem expressiva (fala), tem se
demonstrado ativa nos estudos de neuroimagem, nos seres humanos, tanto na
observao quanto na execuo de aes sendo identificada como uma das regies
contendo neurnios-espelho (ARBIB, 2005).
Gallese e Goldman (1998) levantaram ainda a hiptese de que alm de ser parte
ou realizar uma funo precursora da habilidade geral de compreender o estado mental
do outro (e.g. percepes, objetivos, crenas e expectativas) por mecanismos similares
de observao e internalizao da ao de outro indivduo, os neurnios-espelho possam
constituir parte de um sistema capaz de modular um plano para a execuo de certa ao
por meio da simulao mental da mesma, ou seja via mentalizao motora (MM).
Estudos de MM abordam duas tcnicas de mentalizao (i) em primeira pessoa
(e.g. imaginar-se realizando aes) e (ii) em terceira pessoa (e.g., imaginar o outro
13
realizando aes) (RUBY, DECETY, 2001). Alguns autores no consideram a
mentalizao em terceira pessoa como MM por no produzir no participante a sensao
de realizao do movimento (DECETY, 1996; MUNZERT et al, 2009), outros
demonstram que esse tipo de tarefa apresenta resultados prximos e to relevantes
quanto a mentalizao em primeira pessoa (FOURKAS et al., 2006).
Devido relevncia dos estudos de mentalizao em terceira pessoa e das bases
bem estabelecidas quanto ao funcionamento dos neurnios-espelho e o destaque que
estes estudos vm recebendo, consideraremos MM como tarefas de mentalizao de
movimento prprio e do outro, pois estas MMs bem como a observao de ao, podem
ativar mltiplas reas sensoriais e motoras, parecendo eliciar atividade cortical motora
na ausncia do movimento propriamente dito.
Acredita-se que estas tarefas representem um estgio sutil da execuo da ao
delineada por reas corticais tipicamente envolvidas em planejamento e execuo
motora, como rea motora suplementar, crtex pr-motor e crtex motor primrio (M1)
(JEANNEROD, 2001). Sendo que o crtex pr-motor parece intimamente envolvido a
trs processamentos, (i) execuo motora, (ii) observao da ao (RIZZOLATTI,
CRAIGHERO, 2004) e (iii) mentalizao motora (MICHELON, VETTLE, ZACKS,
2006).
O estudo desses processamentos tem recebido destaque em funo do avano na
compreenso dos mecanismos neuroplsticos consequentes de leses medulares e, por
sua vez, do uso de tcnicas de MM como ferramentas que auxiliam ou funcionam como
guia para efeitos plsticos bem-adaptados.
Na ltima dcada, diversos estudos mostraram os efeitos neuroplsticos mal-
adaptativos ps leso medular (FLOR, NIKOLAJSEN, JENSEN, 2006). Nessa direo,
j bem estabelecido que tarefas motoras com componente supra-espinal podem ser re-
14
aprendidas por circuitaria espinal aps leso medular e, dessa forma, as intervenes
visando reabilitao devem considerar aspectos fundamentais do aprendizado motor.
Ademais, o objetivo de toda interveno de reabilitao a de prtica de habilidades
que possam ser transferidas a situaes do cotidiano, para ento, aumentar a funo
efetiva em novas situaes (MARSH et al., 2011). O tipo de treinamento a ser aplicado,
no entanto, desafiador, uma vez que o sistema perifrico est comprometido e
disfuncional.
Pensando na tripla ativao de reas motoras durante mentalizao, observao e
execuo de aes motoras, citada previamente, a MM pode representar uma alternativa
interessante em interveno/reabilitao e esta atividade, bem como observao de ao,
vem sendo crescentemente utilizada como tcnica auxiliar de reabilitao motora, at
porque, o processo de mentalizao da ao no dependente da capacidade de executar
um determinado movimento (DECETY, 1996). Isto abre margem para seu uso no
aprendizado de novas habilidades ou auxlio no direcionamento dos mecanismos
neuroplsticos adaptativos ps leso medular.
Estudos de imagem mental inicialmente utilizavam medidas comportamentais
como tempo reportado para mentalizao da ao e tempo real utilizado para a execuo
da ao em si (e.g. mentalizao e execuo de caminhada). Esses estudos obtiveram
resultados similares de mdia de tempo em ambas as tarefas. Foi demonstrado, tambm,
que artefatos sonoros e de fadiga muscular afetam ambas as situaes em mesma
proporo (para reviso ver MUNZERT et al., 2009).
Os estudos mencionados utilizaram medidas subjetivas por apresentarem a
desvantagem de depender do sujeito para dar a resposta aps tarefa de imagem mental.
Testes mais sofisticados de rotao mental, baseados em medidas implcitas, consistem
em uma extenso de durao mental de movimentos por requererem simulao mental
15
da tarefa de rotao sendo anloga a rotao fsica tanto de objetos no biolgicos (e.g.,
figuras abstratas e letras) (DESROCHER, SMITH, TAYLOR, 1995), quanto de
membros corporais (e.g., mo) (GANIS et al., 2000) no espao. Assim, segue-se a
premissa de que execuo e mentalizao motora de rotao mental apresentam bases
representacionais comuns e so menos propensas alternativas de estratgias. Ademais,
nestes possvel elaborao e registro computadorizado permitindo mensurao
comportamental mais precisa (MUNZERT et al., 2009).
Os avanos em neurocincias na ltima dcada tornaram possvel o estudo das
interaes multimodais (HUETTEL, SONG, McCARTHY, 2004) por meio de medidas
de ativao neural que auxiliam na melhor compreenso quanto a gerao e sustentao
de MM e seu impacto em performance motora posterior.
Diversas tcnicas como ressonncia magntica funcional (RMF) e tomografia
por emisso de psitrons (TEP), por estimulao cerebral no invasiva (EMT e ETCC),
eletroencefalografia (EEG) e magnetoencefalografia (MEG) confirmam ativao de
reas motoras e evidenciam o envolvimento do MNS tanto durante a execuo do
movimento quanto em MM e observao de ao.
Cramer et al. (2007) ilustra essa ativao comparando 10 controles saudveis
com 10 pacientes com leso na medula espinhal e tetra paraplegia. Os dois grupos
foram submetidos avaliao antes e aps 7 dias de treinamento por MM para lngua e
ps. Observando melhora significativa em velocidade do movimento dos msculos no
paralisados e maior recrutamento de estruturas como o putmen esquerdo, registrado
por RMF, demonstrando que a MM melhora o comportamento motor independente de
controle motor voluntrio e feedback perifrico.
Michelon, Vettel e Zacks (2006) em tarefa de mentalizao de movimento de
rotao da mo, observaram ainda, por RMF, ativao contralateral (em relao mo
16
imaginada) em MM e preparao motora bem como em execuo motora em crtex
motor primrio (M1), rea motora suplementar (AMS) e tlamo, e cerebelo ipsilateral.
Esses dados corroboram os achados de Decety et al. (1992) de ativao de AMS em
tarefa de mentalizao de sequncia de movimentos de dgitos indicando que AMS tem
um papel importante para a programao interna e simulao de sequncias motoras
complexas.
H ainda evidncias do envolvimento do crtex parietal posterior (CPP) durante
MM. O CPP parece ser essencial para manter uma representao interna do
estado/posio do membro efetor de movimento (e.g. mo) necessrio para produzir
uma relao consistente durante a execuo da ao, tendo assim papel de unir as
informaes da atividade neural relacionada trajetria e meta do movimento
(DECETY, GREZES, 2006; MULLIKEN, ANDERSEN, 2009). Alm disso, imagem
por TEP tem contribudo para evidenciar que o CPP desempenha um papel
importante na realizao de processos necessrios para a rotao mental
(HARRIS et al., 2000).
Alm disso, estudos com RMF reportam ativao de redes fronto-parietais, pr-
motoras e frontais durante simulao mental de movimentos simples (e.g. flexo e
extenso) e complexos (e.g. tocar piano) tanto em MM quanto na execuo da ao
propriamente dita (DECETY, 1996; MEISTER et al., 2004). Diversas pesquisas nessa
linha demonstraram resultados semelhantes de MM, alm de terapia do movimento,
biofeedback eletromiogrfico e robtica em pacientes com acidente vascular cerebral
(AVC) (para reviso ver RABADI, 2011).
O uso de ferramentas como EMT e ETCC tm sido empregado na compreenso
das estruturas motoras recrutadas em tarefas de mentalizao e observao de ao, dos
valores de excitabilidade cortical e dos mecanismos de neuroplasticidade assim como
17
novas estratgias de reabilitao, ou de aumento na velocidade de aprendizado de novas
habilidades interferindo na melhora de desempenho, seja este comportamental ou
cognitivo em sujeitos normais ou com patologias neurolgicas e dficits
neuropsicolgicos (ROSSI, ROSSINI, 2004; WANG et al., 2010).
1.1.2 Excitabilidade Cortical durante Imagem Mental
As tcnicas de estimulao cerebral no invasiva podem alterar representaes
corticais motoras dos membros e, duas abordagens vm sendo exploradas visando
reabilitao por meio de ETCC e EMT i.e., aumento da excitabilidade cortical do
hemisfrio afetado usando estimulao ipsilateral (FREGNI et al., 2005; HUMMEL,
COHEN, 2006) e reduo da inibio interhemisfrica provocada pelo hemisfrio
preservado sobre o hemisfrio lesionado por meio de estimulao contralateral
(BOGGIO et al., 2007; FREGNI et al., 2005; MANSUR et al., 2005).
A EMT possibilita, alm de neuromodulao, a mensurao de excitabilidade
cortical via potencial motor evocado (motor evoked potential MEP), geralmente
registrado por eletroneuromigrafo em diversos msculos das mos e braos (NAJIB et
al., 2011). EMT de pulso nico permite medir a excitabilidade e condutividade
corticoespinal de vias motoras, quando a mesma aplicada em M1. J EMT de pulso
pareado permite investigar mecanismos intracorticais de facilitao e inibio (ROSSI,
ROSSINI, 2004). Dessa maneira, a EMT confere uma medida biolgica importante de
ativao de reas corticais envolvidas em diversas atividades.
A intensidade do estmulo magntico aplicado para acessar o limiar motor o
minimamente necessrio para evocar MEPs e assim no se espalha para reas
subjacentes (MATSUMOTO et al., 2010). Assim, esta nova tecnologia tem ganhado
espao nessa rea de pesquisa, no apenas por seu potencial de facilitao em
18
determinadas tarefas e por apontar reas cruciais de determinadas funes cognitivas e
motoras (via produo de leses virtuais), mas principalmente, no caso da MM por
fornecer uma medida precisa dos efeitos de interveno.
Fadiga et al. (1999), utilizaram EMT para investigar se a excitabilidade do
sistema cortico-espinal seletivamente afetada por MM. Foram realizados registros de
MEP do msculo das mos e braos direito e esquerdo durante simulao mental de
movimentos de flexo e extenso e EMT em crtex motor direito e esquerdo durante
MM de abertura e fechamento contralateral das mos. A MM foi conduzida por som
(i.e., fase de aumento da frequncia sonora indicava que deveriam mentalizar abertura
da mo e em fase de diminuio da frequncia indicava que deveriam mentalizar
fechamento da mo). O padro de excitabilidade durante MM simula de forma dinmica
o ocorrido durante a execuo do movimento, isto , a excitabilidade cortical durante
MM similar ao observado durante movimentao real. Alm disso, EMT no crtex
motor esquerdo aumentou a excitabilidade crtico-espinal em MM ipsilateral e
contralateral e EMT em crtex motor direito levou a facilitao do efeito induzido por
MM apenas nos movimentos contralaterais. Tais resultados mostram, com o uso de
EMT, o papel da MM como estratgia de neuromodulao de estruturas cerebrais
motoras.
Estudo posterior avaliou efeito da MM em movimento abdutor do polegar por
registro de MEPs com EMT. Foi realizada a mensurao no apenas dos msculos
envolvidos na tarefa, no caso o msculo abdutor curto do polegar (ipsilateral e
contralateral), mas tambm de um msculo controle, no envolvido na tarefa, para
averiguar se a mentalizao teria um efeito msculo-especfico de acordo com o
movimento instrudo na tarefa. A mentalizao levou a aumento da amplitude dos
MEPs apenas no msculo do abdutor do polegar contralateral, confirmando
19
especificidade focal. Alm disso, este estudo avaliou ainda o limiar motor antes e aps a
tarefa verificando reduo deste, o que est de acordo com aumento de excitabilidade
cortical (FACCHINI et al., 2002). Essa especificidade muscular confirmada por
aumento de excitabilidade em M1 concomitante a reduo de inibio intracortical tanto
em MM quanto em observao de movimento de flexo de dedo prprio ou de outro
indivduo (PATUZZO, FIASCHI, MANGANOTTI, 2003).
Conforme comprovada a excitabilidade cortical aumentada durante MM em
tarefas simples, pesquisas avanaram para tarefas de imagem mental mais complexas,
envolvendo movimentao biolgica e no biolgica, em primeira e em terceira pessoa,
com e sem envolvimento de objetos e ainda combinando aes dirigidas ou sem sentido.
Nessa direo, Fourkas et al. (2006) comparou MEPs nos msculos intersseo
dorsal e abdutor do dedo mnimo durante a aplicao de EMT de pulso nico durante
quatro tarefas: de MM realizadas em primeira e terceira pessoa, imagem mental visual
(i.e. movimento no biolgico) e imagem mental esttica (i.e., perspectiva, em primeira
pessoa, de mo imvel). MM em relao a imagens estticas resultou em aumento da
excitabilidade no msculo intersseo dorsal, mas no em abdutor do dedo mnimo.
A facilitao demonstrada pelo aumento dos MEPs em msculo intersseo
dorsal foi observada na condio de imagem mental de terceira pessoa (na qual a ao
foi claramente atribuda a outra pessoa). Os autores atribuem os resultados obtidos na
mentalizao do movimento em terceira pessoa ativao do sistema de neurnios-
espelho (FOURKAS et al., 2006).
Roosink e Zijdewind (2010), ao realizarem o estudo comparando a
excitabilidade cortico-espinal durante observao de movimento sequenciado simples e
complexo dos dedos indicador, mdio, anelar e mnimo em trs condies e suas
combinaes (MM, execuo e observao), observaram que a excitabilidade foi
20
aumentada em todas as condies em relao excitabilidade de repouso, sendo este
aumento maior durante a observao ativa em relao a passiva e MM visual ou
cinestsica. A dificuldade da tarefa tambm influencia na mudana da excitabilidade
cortical de modo que tarefas mais complexas resultaram em excitabilidade maior. Os
autores sugerem ainda que o aumento da excitabilidade cortico-espinal encontrado
durante a observao ativa e durante a MM pode ser o resultado de um aumento da
atividade cortical combinado com alteraes a nvel da coluna vertebral.
Ademais, Vargas et al. (2004) demonstraram com uso de EMT que posio
postural compatvel ao movimento a ser mentalizado pode resultar em maximizao do
efeito mensurado por MEPs (i.e., potenciais maiores e abrangendo maior rea) enquanto
posies incompatveis resultam em minimizao deste efeito, tendo ainda correlao
com o tempo levado para execuo da tarefa, i.e., em posturas compatveis a
mentalizao mais rpida.
Shimura e Kasai (2002) propem que a posio facilitatria do membro
aumentaria a excitabilidade cortical e espinal devido a um maior insumo sensorial
perifrico. Ainda que essa hiptese no possa ser excluda, o efeito modulatrio da
posio do membro pode ser decorrente puramente do SNC j que a posio da mo
real daria um sinal discrepante ao da postura a ser mentalizada.
Nas pesquisas com ao dirigida e com uso de objetos so levantadas hipteses
acerca do conhecimento ttil de um objeto ou, ainda, da presena deste em mos durante
a tarefa de imagem mental. interessante ressaltar alguns estudos elaborados visando
avaliar possveis influncias destas circunstncias na excitabilidade crtico-espinal.
Mizuguchi et al. (2009) propuseram que os participantes se imaginassem apertando
uma bola, ora com a bola em mos, ora sem ter nada nas mos. A comparao e
monitoramento de MEPs no msculo dorsal intersseo (mo) nas duas situaes aps a
21
aplicao de EMT no crtex motor permitiu verificar maior amplitude na condio com
bola em mos. Tal resultado sugere que o toque da bola reforce a MM, sendo este
originado por algumas mudanas da via cortico-espinal e no da via aferente do crtex
somatossensorial, uma vez que potenciais evocados somatossensorias foram medidos e
no houve modulao dos mesmos na situao segurando a bola (MIZUGUCHI et al.,
2009).
Seguindo a mesma premissa, Cesari, Pizzolato e Fiorio (2011) sugerem que
durante MM, o sistema cortico-espinal seja modulado de forma msculo-
especfico/compresso especfica. Aps EMT sobre M1, os autores avaliaram os MEPs
dos msculos intersseo dorsal, abdutor do dedo mnimo e flexor superficial dos dedos
em duas tarefas execuo motora de preenso de esferas de diferentes dimenses e
MM de preenso destas mesmas esferas, com o advento que assim j teriam
conhecimento do material e dimenso do objeto que deveriam mentalizar em mos. Foi
observado mesmo padro de ativao para esferas pequenas (i.e. flexor intersseo dorsal
mais ativado em relao ao abdutor do dedo mnimo e flexor superficial) e esferas
grandes (i.e. maior ativao de abdutor do dedo mnimo e flexor superficial) para ambas
as situaes.
Estas ativaes so explicadas pela tendncia de preciso na preenso de objetos
pequenos, levando a preenso em pina e, em contraste, para objetos grandes
necessrio usar os cinco dgitos, gerando este padro de ativao muscular. No caso das
esferas mdias todos os msculos foram ativados de forma similar, um padro ocorrido
quando se utilizam mais de dois dgitos na preenso de objetos (ANSON et al.,2002;
HASEGAWA et al., 2001; TINAZZI et al., 2003).
Aparentemente o processo predominantemente necessrio para planejamento de
preenso ocorre principalmente por ativaes musculares de acordo com as
22
propriedades do tipo de movimento e forma da mo mais adequada para tal movimento
(CESARI, PIZZOLATO, FIORIO, 2011). J em relao aplicao de fora, estudos
indicam que este planejamento ocorra de forma separada j que a ativao motora
obtida neste tipo de tarefa, mais precisa durante execuo da ao em relao a
facilitao registrada durante MM (CESARI, PIZZOLATO, FIORIO, 2011; PARK, LI,
2011).
Enquanto as alteraes de excitabilidade parecem ter sido bem esclarecidas se
tratando de tarefas de movimentos simples de articulao nica, se tratando de
movimentos do dia-a-dia envolvendo diversos msculos, so encontradas divergencias
entre ndivduos quanto a ativao msculo-especfica.
Por meio de projeo de movimentos (i.e., o estmulo previamente filmado era
projetado de forma que o movimento observado parecesse estar sendo realizado pelo
prprio indivduo), foi encontrada maior excitabilidade cortical em relao condio
repouso, porm em diferentes magnitudes de focalidade para cada sujeito. Apesar das
variaes entre indivduos o padro foi constante para todas as tarefas no mesmo
indivduo, sugerindo que alguns indivduos tenham maior habilidade de preciso no
mapeamento dos movimentos observados em seu prprio repertorio motor e que esse
tipo de resposta seja vlida para diversas aes do dia-a-dia, ou ainda que este resultado
se deva a diferentes direcionamentos de ateno durante a observao (HETU et al.,
2010).
Com isso, a partir dos estudos feitos at ento, podemos concluir que a EMT
confere medidas precisas de excitabilidade cortical e confirma o aumento da atividade
bem como a reduo de limiar motor em reas corticais motoras durante o processo de
imagem mental relacionada motricidade. Tais achados so importantes na medida em
23
que sinalizam a possibilidade de estratgias de mentalizao como ferramenta de
neuromodulao e recrutamento de estruturas cerebrais motoras.
Alm das reas motoras, devido tcnica de mentalizao envolver
visualizao mental e controle da trajetria mental dos movimentos, como
mencionado previamente o CPP uma rea tambm envolvida. Alguns estudos com
EMT foram feitos buscando investigar o papel dessa estrutura cortical na MM.
Fleming et al. (2010) realizaram dois experimentos a fim de investigar o
envolvimento do crtex parietal nas funes de MM. No primeiro estudo, participantes
realizaram mentalizao de motricidade de membro superior durante RMF. Os autores
observaram ativao de CPD e CPE. No segundo experimento, os participantes foram
instrudos a imaginar a mesma sequncia de movimentos enquanto recebiam a EMT no
crtex parietal direito ou esquerdo. Ao final de cada mentalizao, deveriam posicionar
o membro no modo correto com a sequncia mentalizada. Os autores observaram
prejuzo no desempenho da tarefa aps EMT ativa em relao a placebo e, com isso,
argumentam que EMT interferiu nos processos de mentalizao da sequncia motora.
Diversos trabalhos com EMT buscaram tambm responder questes de
assimetria inter-hemisfricas relacionadas MM, entretanto os resultados so bastante
divergentes. Fadiga et al. (1999), encontraram maiores efeitos de MEPs no hemisfrio
motor dominante. Outros estudos encontraram maior excitabilidade do hemisfrio no
dominante (YAHAGI, KASAI, 1998; KUHTZ-BUSCHBECK et al., 2003). E, por
vezes, as assimetrias inter-hemisfricas no so observadas (FACCHINI, 2002;
FLEMING et al., 2010).
Considerando que MM induz mudana na excitabilidade cortical sendo est
passvel de mensurao com o uso de EMT, alguns autores tm investigado a relao
entre MM e excitabilidade cortical em algumas patologias especfica.
24
Liepert et al. (2009, 2011) investigaram tal relao em pacientes com paresia
psicognica. Em contraste com os dados de aumento da excitabilidade em M1 e CP
durante tarefas de imagem mental, estudos em sujeitos com paresia psicognica de
membro superior e inferior mostraram diminuio de excitabilidade cortical em M1
durante mentalizao de ao dos membros afetados. Os pacientes em questo
apresentam MEPs de MM inferiores aos MEPs de repouso, sugerindo inibio do
sistema motor durante a tarefa, e aumento regular de excitabilidade motora durante
observao de outro sujeito realizando o mesmo movimento; em consonncia com o
que geralmente encontrado tanto em sujeitos saudveis como em pacientes
neurolgicos. Os autores especulam que essa discrepncia possa constituir o substrato
eletrofisiolgico da inabilidade de se mexer voluntariamente em distrbios de converso
motora, mostrando o envolvimento crucial da mentalizao no planejamento da ao e,
levantam ainda o papel importante da perspectiva em terceira pessoa sugerindo, nesses
casos, que o foco de ateno do paciente em outra pessoa possa ser a melhor forma de
aplicao teraputica (LIERPERT et al.,2009; LIEPERT et al., 2011).
Outra condio que vem sendo investigada dessa forma o autismo. Em estudo
de avaliao dos MEPs em tarefa de observao de movimentao de dedos, realizada
em grupo controle e grupo autista pareados por sexo e idade, foi demonstrado que no
grupo de autistas a excitabilidade cortical significativamente menor em comparao
ao grupo controle e, alm disso, a observao dos movimentos dos dedos facilitou o
potencial evocado motor gerado por EMT no grupo controle, mas no no grupo de
autistas. Os achados so discutidos a luz de estudos prvios sobre o comprometimento
do MNS nesse grupo (THORET et al., 2005). Tais resultados sinalizam novas
possibilidades de se investigar as bases neurais dos dficits cognitivos e sociais
caractersticos no autismo.
25
Sendo assim, os substratos neurais envolvidos na compreenso e realizao
dessas tarefas podem estar comprometidos e as tcnicas de modulao cerebral se
apresentam como ferramentas que modulam a excitabilidade, podendo aument-la
nesses casos, o que possivelmente resultaria em efeito facilitatrio nesses grupos com
funcionamento cortical anormal e, dessa forma, funcionando como ferramenta de
interveno.
1.2 Estimulao transcraniana por corrente contnua (ETCC)
A histria do uso de corrente eltrica aplicada em seres humanos remonta a
perodos anteriores prpria descoberta de como se gera corrente eltrica. Scribonius
Largus, mdico na Roma antiga (43-48 DC) observou sbita letargia transitria e
concomitante alvio de dor ao colocar um peixe eltrico vivo sobre o escalpe de paciente
com dor de cabea, direcionando, desta forma, uma forte corrente eltrica direta.
Plinio, o velho, e Claudius Galeno reproduziram estes resultados, percebendo
que o benefcio deveu-se ao torpor e efeito narctico induzido pela transferncia de
eletricidade do peixe eltrico (PRIORI, 2003).
Alessandro Volta em 1792 reconheceu que o estimulo eltrico de duraes
variadas pode evocar diferentes efeitos fisiolgicos; desenvolveu, ainda, a pilha
voltaica, permitindo a gerao de eletricidade e seu uso sistemtico (BOGGIO, 2006). A
partir dos estudos de Luigi Galvani, na Bolonha (1791-1797), que foram um marco nas
pesquisas com eletricidade, foi criado o termo correntes galvnicas para a induo de
corrente direta em tecidos. Assim, aps estes experimentos, as correntes galvnicas
foram prontamente aplicadas em medicina clnica, particularmente em distrbios
mentais (PRIORI, 2003).
26
Aldini realizou estudos preliminares tambm em cadveres e na cabea de
humanos recentemente guilhotinados, obtendo contrao muscular facial nos mesmos.
Augistin e Grapengiesser tambm utilizaram correntes galvnicas como tcnica de
tratamento por estimulao ou sedao (PRIORI, 2003).
A histria da eletrofisiologia tem inicio com a descoberta dos efeitos biolgicos
da estimulao transcraniana, sendo esta muito efetiva na modulao do disparo
neuronal espontneo (PRIORI, 2003). A renovao e elaborao de novas tcnicas tm
gerado um novo destaque estimulao transcraniana por corrente contnua (ETCC)
nos estudos atuais (BOGGIO, 2006).
A ETCC utilizada como ferramenta no invasiva de neuromodulao via
polarizao cerebral. Utiliza-se o uso de corrente eltrica de baixa densidade (1-2mA)
por meio de dois eletrodos (usualmente 5x7cm ou 5x5cm) no escalpe (BOLOGNINI;
PASCUAL-LEONE; FREGNI, 2009). A carga eltrica flui sem mudana de direo,
polarizando tecidos; at mesmo fraca corrente contnua passa pelo escalpe e influencia a
atividade cerebral humana (PRIORI, 2003).
Os efeitos modulatrios da atividade cerebral decorrente da estimulao direta
no escalpe por corrente eltrica podem surgir atravs de diversos mecanismos bsicos
que concorrem para alterar a funo da membrana neural (ARDOLINO et al., 2005).
O tecido exposto polarizado e a ETCC modifica a excitabilidade e atividade
neuronal espontnea por meio de despolarizao ou hiperpolarizao do potencial de
repouso da membrana (NITSCHE et al., 2008).
Os efeitos de longa durao so dependentes de sntese de protenas
acompanhado de modificaes intracelulares de nveis de clcio e AMPc (NITSCHE et
al., 2008). Mudanas nas propriedades e nmero de canais de ons podem afetar a
27
propagao neuronal da atividade e contribuir para a plasticidade no-sinptica
(ARDOLINO et al., 2005).
Um importante fenmeno induzido por corrente contnua nos tecidos a
eletrlise da gua, H+ e OH- gerados por eletrlise e dissociados poderiam mudar o
balano cido-base pela induo de acidose ou alcalose que, por sua vez, notavelmente
afeta a membrana, o receptor, e a funo da clula. Como as mudanas do pH
intracelular e de [Ca+] so intimamente correlacionadas, a hiptese de N-metil-D-
aspartato (NMDA) como receptor-mediador da depresso sinptica a longo-prazo um
possvel mecanismo. Os resultados devem, entretanto, ser interpretados com cuidado,
pois o dextrometorfano em altas doses pode tambm inibir, de forma no especfica,
canais de voltagem dependente ou no de NMDA (ARDOLINO et al., 2005).
Mudanas de pH sobre a polarizao do eletrodo poderia tambm afetar a funo
da membrana externa da sinapse direta e indiretamente, assim modificando a atividade
do sistema NMDA (ARDOLINO et al., 2005).
Aplicao transcraniana at mesmo com corrente fraca direta induz o fluxo de
corrente intra-cerebral o suficiente para ser eficaz na alterao de atividade neuronal e
comportamental (NITSCHE et al., 2008).
A eficcia nesta modificao depende da densidade da corrente, que determina a
intensidade do campo eltrico induzido, e tamanho do eletrodo. Tambm relevante o
tempo de estimulao, que determina a ocorrncia e durao de efeitos de longo prazo.
Outro parmetro importante a orientao do campo eltrico, que geralmente
definido pelo posicionamento e polaridade dos eletrodos. A corrente flui do eletrodo
carregado negativamente para o eletrodo carregado positivamente, assim do ctodo para
o nodo (NITSCHE et al., 2008). Segundo PURPURA e McMURTRY (1964)
estimulao andica produz uma despolarizao do corpo celular de neurnios
28
piramidais; j a estimulao catdica gera resultados opostos, produzindo uma
hiperpolarizao, assim, estimulao andica do crtex aumenta a excitabilidade
cortical podendo induzir melhora de desempenho em algumas tarefas devido a aumento
da atividade da rea estimulada, enquanto o oposto ocorre pela estimulao catdica
(NITSCHE, PAULUS, 2000).
Evidncias de que a ETCC no escalpe pode tambm induzir mudanas
prolongadas de excitabilidade cerebral que persistem aps o trmino da estimulao,
abre a possibilidade de novos estudos sobre seus efeitos em diferentes distrbios
neurolgicos. Alguns estudos sinalizam que seu efeito pode induzir mudanas
persistentes na excitabilidade cortical podendo durar at cerca de 1h (PRIORI, 2003).
importante, tambm, ressaltar que a tcnica considerada segura e com efeitos
colaterais mnimos. Segundo NITSCHE et al. (2008), a ETCC aplica correntes com
intensidades muito mais baixas, sendo danos ao tecido bastante improvveis.
A gerao de toxinas produzidas e a dissoluo de produtos dos eletrodos
poderiam ocasionar leso cerebral pela formao de produtos txicos causados pela
interao dos eletrodos com o crtex cerebral (NITSCHE et al., 2003), entretanto os
eletrodos da interface eletrodo-tecido esto em contato direto apenas com a pele e no
com o crtex cerebral oferecendo riscos apenas no contato com a pele, pois no h
interface crebro-eletrodo; sendo a tcnica realizada com eletrodos envoltos em esponja
mergulhada em gua salina, as reaes qumicas na interface de pele e eletrodos so
minimizadas, no apresentando riscos (NITSCHE et al., 2008).
POREISZ et al. (2007), revisaram e resumiram os efeitos adversos encontrados
em estudos laboratoriais em 567 sesses de ETCC. Os autores encontraram mais
comumente leve sensao de formigamento, fadiga moderada e coceira leve sob os
eletrodos durante as sesses. Aps a estimulao dores de cabea, nuseas e insnia
29
foram reportadas muito raramente e, em geral, so encontradas tambm aps ETCC
placebo.
Assim, sugerido que a aplicao de ETCC sobre reas corticais motoras e no-
motoras (occiptal, parietal e temporal), seguindo as diretrizes de segurana da tcnica,
provoca efeitos adversos relativamente pequenos em humanos (POREISZ et al., 2007).
1.3 Mentalizao Motora, Estimulao No-invasiva e Reabilitao
Na literatura foram encontrados poucos estudos utilizando ETCC concomitante a
MM. O primeiro estudo nessa direo est relacionado movimentao e mentalizao
motora (QUARTARONE et al., 2004) e outro mais recente aborda o uso concomitante
das tcnicas para o tratamento de dor neuroptica (SOLER et al., 2010).
Investigando os efeitos da ETCC e MM, Quartarone (2004) realizou aplicao
de ETCC sobre M1 correspondente ao primeiro msculo intersseo dorsal direito
avaliando excitabilidade cortical com MEPs de repouso e de MM de abduo do dedo
indicador antes e 10, 20, 30 e 60min aps 5 minutos de ETCC a 1mA (catdica, andica
e placebo) e compararam com o efeito da mesma tarefa de MM sem ETCC. A
estimulao andica (ETCCa) apresentou efeito significativo apenas em MEP de
repouso sem efeitos em MEP de MM. Os autores justificam esses achados considerando
que a MM por si s produz aumento na excitabilidade cortical e que, sendo assim, pode
ter ocorrido efeito teto. J aps a estimulao catdica (ETCCc), foram observadas
reduo de amplitude em 30% em MEP de repouso, e em 50% em MEP com MM.
Aps 10 min de estimulao os MEPs de repouso retornaram aos valores de linha de
base enquanto os MEPs de MM se mantiveram suprimidos por 30 min, mostrando
efeitos mais prolongados na combinao dessas estratgias. A estimulao placebo
30
(ETCCp) no provocou alteraes de MEP em relao ao grupo que realizou
mentalizao sem uso da estimulao (QUARTARONE et al., 2004).
Os autores sugerem ainda, baseados em estudos de neuroreabilitao por
estimulao cortical no invasiva, que a ETCCa possa reforar a fase de aquisio e
consolidao de aprendizado motor em pacientes neurolgicos e, sabendo-se que a MM
auxilia de maneira anloga a estes, a combinao dessas tcnicas pode ainda ser eficaz.
Quanto a ETCCc, discutido seu uso acerca da regulao de excitabilidade durante
tarefas manuais em condies de aumento anormal de disparo neuronal e aprendizado
motor anormal (QUARTARONE et al., 2004).
Na investigao dos efeitos de MM e ETCC sobre dor neuroptica, Soler et al.
(2010) elaboraram uma forma de MM com tcnicas de observao por espelho virtual
i.e., pacientes sentados observavam a parte superior corporal em espelho comum e a
parte inferior corporal em um espelho virtual gerando imagens de caminhada. Pacientes
com leso medular foram divididos em 4 grupos: ETCCa + iluso visual de caminhada
(combinao), ETCCa + iluso controle (ETCC); ETCC placebo + iluso visual de
caminhada (iluso visual) ou ETCCp + iluso controle (placebo). As sesses de
estimulao tiveram durao de 20 minutos e a corrente aplicada foi de 2mA. Foi feita a
comparao dos efeitos de tratamento isolado e combinado de MM e ETCCa sobre M1
por meio de escalas de dor e medidas de excitabilidade cortical, com EMT, antes e
depois do tratamento e ainda na 2, 4 e 12 semana aps o tratamento. Foi constatada
melhora significativamente maior no grupo que recebeu combinao dos tratamentos
em relao a todas as outras situaes, sendo que essa melhora persistiu at a 12
semana. Tal resultado demonstra a eficcia da combinao de neuromodulao por
ETCC com MM no tratamento de dor neuroptica ps leso medular, com efeitos
colaterais mnimos.
31
1.4 Eletroencefalografia
Uma forma no invasiva de mensurar a atividade cerebral por meio da tcnica
de eletroencefalografia (EEG) que mede diretamente a atividade cerebral, registrando os
campos eltricos e magnticos gerados por populaes neurais, atravs da captao por
eletrodos fixados no escalpe sendo, portanto, uma avaliao no-invasiva (OTTEN,
RUGG, 2005). Os dados eletrofisiolgicos apresentam como vantagem principal em
relao a tcnicas de neuroimagem, como a ressonncia magntica funcional, medidas a
alta preciso temporal (MICHEL et al., 2004; LANTZ et al., 2003; MENENDEZ et al.,
2004; ORTIGUE et al., 2004).
Segundo Galambos (1992) h diferentes tipos de atividade oscilatria, ou seja,
de variaes na atividade cerebral que ocorrem por questes fisiolgicas bsicas ou em
decorrncia de alteraes do meio: espontnea (totalmente no relacionada condio
experimental), induzida (relacionada condio experimental, mas no estritamente ao
momento do estmulo) e evocada (estritamente relacionada ao momento da condio
experimental dos eventos apresentados, tem a mesma fase em cada repetio do
estmulo).
Dessa forma, h dois tipos de medidas geralmente analisadas em condio
experimental, os potenciais evocados relacionados a eventos (Evoked-Related Potencial
ERP), que consistem em oscilaes mensuradas em segmentos de milissegundos
relacionadas a fases de processamento de estmulos externos evocados no momento de
apresentao do evento, e dessincronizao/sincronizao relacionada a eventos (Event-
Related Desynchronization/Synchronization ERD/ERS), que consistem em oscilaes
das amplitudes em faixas de frequncia de atividade eltrica cerebral, registradas em
reas especficas do crtex, estas so geralmente analisadas em segmentos de segundos
32
e podem trazer insights sobre correlaes cognitivas funcionais desses sinais induzidos
por condio experimental (RIPPON, 2006).
Ambos os potenciais evocados mencionados consistem em sinais produzidos e
registrados que representam uma somatria de ativaes locais e so importantes para
mensurao e compreenso de processamentos motores e cognitivos (OTTEN, RUGG,
2005), sendo que os potenciais evocados podem ser considerados resultados de
reorganizao das fases dos sinais de EEG em andamento (SAYERS et al.,1974) devido
a estmulos internos e externos.
Em seu primeiro relato sobre EEG, Hans Berger (1929) descreveu as ondas alfa
e beta, estas apresentam oscilaes de aproximadamente 10 Hz e 12-30 Hz,
respectivamente. As ondas alfa parecem associadas a diversos processos cognitivos
sendo os mais importantes: memria, ateno, e conscincia visual. Ainda que
pesquisadores suponham que os geradores de atividade alfa estejam no crtex, eles so
provavelmente orientados por clulas talmicas (HERRMAN, GRIGUTSCH, BUSCH,
2005).
Desde este estudo, sabe-se ainda que certos eventos podem bloquear ou
dessincronizar as ondas cerebrais e, portanto, o padro oscilatrio das frequncias de
ondas, restritos a um perodo (PFURTSCHELLER, LOPES DA SILVA, 1999). Assim,
esses fenmenos relacionados a eventos representam alteraes especficas da atividade
corrente de EEG consistindo, em termos gerais, em diminuio ou aumento do poder
(amplitude) de certa faixa de frequncia, o que parece ser decorrente de diminuio
(ERD) ou aumento da sincronia (ERS) das populaes neurais subjacentes,
respectivamente (PFURTSCHELLER, 1977; PFURTSCHELLER, ARANIBAR, 1977;
PFURTSCHELLER, 1992).
33
Os fatores que determinam as propriedades oscilatrias descritas so: as
propriedades intrnsecas da membrana neuronal e a dinmica do processo sinptico, a
fora ou extenso das interconexes entre elementos da rede, comumente formados por
loops de feedback tlamo-cortical ou crtico-cortical e as influncias de modulao de
sistemas neurotransmissores gerais ou locais (PFURTSCHELLER, LOPES DA SILVA,
1999).
Em resumo, podemos definir que ERPs representam respostas de neurnios
corticais a alteraes de atividade aferente, enquanto ERD/ERS refletem alteraes da
atividade de interaes locais entre neurnios principais e inter-neurnios que controlam
a frequncia dos componentes do EEG em andamento.
1.4.1 Frequncia Mu
Diferentes faixas de frequncia so distinguveis dentro da faixa de extenso de
alfa, sendo definidos dois padres distintos que podem ser observados: dessincronizao
menor de alfa, que consiste em uma faixa de freqncia vai de aproximadamente 7a
10Hz e dessincronizao maior de alfa, que consiste em uma faixa de freqncia de
aproximadamente 10 a 12Hz. A primeira obtida em resposta a quase todo tipo de teste
e topograficamente generalizada na rea recrutada do escalpe, provavelmente
refletindo demanda ao teste e processos atencionais. J a segunda faixa comumente
restrita topograficamente e se desenvolve durante o processamento de informao
sensorial-motora especfica em reas parieto-ociptais (PFURTSCHELLER, LOPES DA
SILVA, 1999). A frequncia alfa (maior e menor) referente a insumos sensrio-motores,
registrada na regio de C3 e C4 por sua especificidade recebeu a nomenclatura prpria
de frequncia Mu.
34
A frequncia Mu foi descrita inicialmente por Gastaut e Bert (1954) e
denominada ritmo mu ou rolndico ou ainda ritmo em arco (rhythms en arceau). Os
autores notaram supresso desse ritmo quando sujeitos se identificavam com
personagens, observados em um filme, que estavam realizando movimentos. Foi ento
denotada como atividade registrada na ausncia de processamento sensorial ou atividade
motora (GASTAUT, BERT, 1954; NEIDERMEYER, 1999; WOLPAW et al., 2002).
H divergncias quanto ao valor adotado da faixa de frequncia de Mu, sendo
mais comumente aceito que as ondas Mu consistem em oscilaes de cerca de 8-13Hz
com durao de curtos perodos (de 0.5s a 2s) (PINEDA, 2008). Como j mencionado,
est na mesma faixa de frequncia das ondas alfa, porm essas ondas recebem diferentes
nomenclaturas por refletirem diferentes atividades e serem registradas em reas
cerebrais distintas (HERRMAN, GRIGUTSCH, BUSCH, 2005).
Essa faixa de frequncia pode ser observada durante estado de repouso em reas
sensrio-motoras e, dados recentes evidenciam que as alteraes desse padro de
frequncia parecem refletir de forma indireta a atividade dos neurnios do crtex pr-
motor (HARI, 2006; PINEDA, 2008; PERKINS et al., 2010).
Os ritmos Mu aparecem geralmente associados com ritmo beta (McFARLAND
et al., 2000; WOLPAW et al., 2002); por vezes estas duas oscilaes se apresentam de
forma harmnica porm, alguns estudos mostram que estes so separveis por
topografia e tempo parecendo caractersticas independentes do EEG (McFARLAND et
al., 2000).
As ondas Beta apresentam faixa de frequncia acerca de 12-30 Hz e so
investigadas no contexto de aes motoras, sendo suprimidas durante a realizao de
movimentos, porm aumentadas aproximadamente 1 s aps o trmino do movimento, o
que denominado de efeito rebote. registrada topograficamente prxima s regies
35
sensrio-motoras da parte corporal envolvida no movimento efetuado (HERRMAN,
GRIGUTSCH, BUSCH, 2005). Sua fonte principal parece ser o cortx motor primrio,
enquanto as fontes geradores das ondas Mu parecem localizados no crtex
somatosensorial (CHEYNE et al., 2003; HARI et al., 1998; ROSSI et al., 2002), ainda
que sua supresso seja um reflexo da atividade do crtex motor primrio.
1.4.2 Supresso das ondas Mu por Mentalizao Motora
A supresso do ritmo mu registrado pelo EEG parece refletir o sistema
subjacente a funes de mentalizao, observao e execuo. Dados neurofisiolgicos
humanos mostraram que a atividade rtmica de reas sensrio-motoras primrias,
especificamente as ondas Beta (~20 Hz) e Mu (~10 Hz), exibem modulao consistente
com a hiptese de que estes substratos neurais tm um papel funcional no sistema
neurnios-espelho humano (HARI et al., 1998; JARVELAINEN et al., 2001;
MUTHUKUMARASWAMY, JOHNSON, 2004).
Em 1994, Pfurtscheller e Neuper relataram que ambos movimento e MM
produzem dessincronizao de Mu e Beta nas reas sensrio-motoras contralaterais
(PFURTSCHELLER, NEUPER, 1994). Assim, a mentalizao vem sido abordada
como uma maneira efetiva de controlar as amplitudes dos ritmos Mu e Beta, podendo
ter um papel importante na comunicao baseada em EEG e, na interface crebro
mquina (WOLPAW, McFARLAND, 1994; McFARLAND et al., 2000) .
McFarland et al. (2000) porm, levantam as diferenas topogrficas das ondas
Mu e Beta, sendo Mu focada em CP3 e CP4 e Beta com foco mais difuso em torno do
vrtex sendo ento argumentado que a atividade de Beta no seja um resultado
harmnico da forma no sinusoidal da atividade rtmica de Mu mas sim uma atividade
36
independente. Dessa forma, iremos priorizar as pesquisas com supresso do ritmo Mu
que vem sendo extensamente estudado desde ento.
A reatividade dos ritmos corticais rolandicos proporciona uma janela acessvel
para a interessante conexo entre percepo e ao e, s relaes do sujeito com o meio
e outras pessoas. Diversos estudos tm utilizado essa medida eletrofisiolgica na
investigao do papel dos neurnios em espelho durante testes motores e cognitivos
avaliando ainda balanceamento inter-hemisfrico e relao entre excitao e inibio
cortical (para reviso ver HARI, 2006).
proposto que o aumento de excitabilidade cortical em M1 e consequentemente
a dessincronizao no ritmo Mu ocorra devido ao insumo proveniente do MNS pr-
motor, pois dados neurofisiolgicos humanos mostram que a atividade rtmica de reas
sensrio-motoras primrias exibe modulao consistente com a hiptese de que estes
substratos neurais tenham papel funcional no MNS humano (JARVELAINEN et al.,
2001; MUTHUKUMARASWAMY, JOHNSON, 2004). A reatividade do cortx motor
reflete, ainda, funes do giro frontal inferior (IFG) que, possivelmente com o lobo
parietal inferior, pode ter um papel de interface para conexes de percepo-ao e para
modelos internos de avano e retrocesso (NISHITANI et al., 2005).
Devido ao ritmo Mu ser um indicador indireto de possvel atividade dos
neurnios-espelho por inferncia de que a dessincronizao de neurnios sensrio-
motores seja decorrente da atividade do MNS, o EEG um dos mtodos que vem sendo
utilizado para investigar a atividade do MNS humano tanto em populao saudvel
quanto em autistas (PERKINS et al., 2010).
A ativao dos neurnios pr-motores e o consequente aumento de
excitabilidade cortical e ERD de Mu ocorre em decorrncia de diversos mecanismos.
Alm da realizao do movimento em si, situaes de observao de movimentos
37
(BUCCINO et al., 2001; MUTHUKUMARASWAMY, JOHNSON, 2004), observao
de pontos de luz agrupados de forma que simulem movimento humano (ULLOA,
PINEDA, 2007), mentalizao de movimentos prprio ou do outro (McFARLAND et
al., 2000; RUBY, DECETY, 2001; FOURKAS et al., 2006; FRANCUZ, ZAPALA,
2011), e at mesmo percepo de movimento em imagens estticas (GIROMINI et al.,
2010; PINEDA et al., 2011) resultam em aumento de excitabilidade cortical do crtex
pr-motor e consequente reduo da amplitude das ondas Mu. Essa atividade provoca
disparos neuronais assincrnicos que resultam em reduo na oscilao do ritmo Mu no
crtex sensrio-motor, ou seja, ERD ou supresso do ritmo Mu.
As correspondncias de ao-percepo intra e inter indivduos, so refletidas na
reatividade do crtex motor j na primeira infncia (FECTEAU et al., 2004; LEPAGE,
THORET, 2006). Lepage e Thoret (2006) investigaram se em crianas com idade
abaixo dos 11 anos j se podia observar a supresso do ritmo Mu identificada em
adultos durante observao de ao/movimento das mos. Os autores observaram um
sistema de observao/execuo relacionado atenuao do ritmo Mu nessa populao,
que sabe-se estar em processo de maturao cerebral.
Francuz e Zapala (2011) elaboraram tarefa de mentalizao baseada na
habilidade de identificar objetivos das aes motoras; um dos principais elementos da
teoria de neurnios espelho (RIZZOLATTI, SINIGAGLIA, 2008). Para tal, os sujeitos
aprendiam movimentos de um peo em tabuleiro de xadrez e ento realizavam tarefa em
duas condies, em observao do movimento completo ou mentalizao, aonde inicio
do movimento era apresentado e o sujeito deveria mentalizar a finalizao do
movimento, sendo que este movimento apresentado poderia ser realizado com o peo
apenas ou com o peo sendo movimentado por mo humana. Os resultados mostram
38
supresso de Mu similar para ambas as condies tendo o efeito maior magnitude na
condio de observao (FRANCUZ, ZAPALA, 2011).
Nessa linha, Oberman et al. (2005, 2007) tambm investigaram a relao de
frequncias entre 8-13Hz durante tarefas de observao e execuo. Em voluntrios
saudveis, observa-se supresso desta banda de frequncia durante execuo e
observao de aes. Porm, estudos com voluntrios autistas, mostram padro
eletrofisiolgico diferente (OBERMAN et al., 2005; BERNIER et al., 2007) e, apesar de
esta supresso anormal de Mu no ser bem conhecida e estabelecida em populao com
autismo (RAYMAEKERS, WIERSEMA, ROEYERS, 2009) os estudos realizados
mostram dados bastante importantes.
Oberman et al. (2005) apresentaram vdeos de movimento biolgico (e.g., mo)
e no biolgico (e.g., esferas) e pediram que os sujeitos realizassem movimentos com
suas mos. O registro eletroencefalogrfico concomitante a essas tarefas foi feito em
participantes com diagnstico de autismo e bom desempenho cognitivo e grupo
controle, pareados por sexo e idade. O grupo controle apresentou supresso no ritmo
Mu tanto na tarefa de observao quanto na de execuo de movimentos com a mo. J
os participantes com diagnstico de autismo apresentaram supresso do ritmo Mu
durante execuo, mas no durante observao, sustentando a hiptese de um MNS
disfuncional no autismo.
Bernier et al. (2007) investigaram os padres de atenuao do ritmo Mu durante
observao, execuo e imitao de movimentos e correlacionaram com testes
comportamentais de imitao. Foram comparados 14 adultos com diagnstico de
autismo de alto funcionamento com 15 adultos pareados por QI e idade. Na tarefa de
imitao, os adultos com autismo apresentaram desempenho pior; na tarefa com EEG,
os dois grupos apresentaram atenuao do ritmo Mu na tarefa de execuo de ao; j
39
para a tarefa de observao, os autistas apresentaram reduo de atenuao significativa
no ritmo Mu quando comparado com o outro grupo; os autores observaram correlao
entre a tarefa de imitao e o grau de atenuao das ondas Mu.
Com isso, os diferentes resultados para supresso de Mu em populao com
autismo sugerem que h uma disfuno no sistema de observao/execuo em pessoas
com autismo e, que isto se relaciona com grau de prejuzo nas habilidades de imitao
(BERNIER et al., 2007), conferindo suporte adicional a teoria do envolvimento dos
neurnios espelho, visto que diversos trabalhos defendem prejuzo nesse sistema para
esta populao especfica (IACOBONI, MAZZIOTA, 2007; CATTANEO,
RIZZOLATTI, 2009; OBERMAN, RAMACHANDRAN, 2007).
Ademais, alguns estudos reportam diferenas inter-hemisfricas quanto a
magnitude do efeito de supresso de Mu (OBERMAN et al., 2007) enquanto outros
reportam que no h diferenas significativas (ULLOA, PINEDA, 2007). Quanto a essa
questo, o estudo de Francuz e Zapala (2011) levanta uma questo metodolgica
importante que parece influenciar esse dado. Ao avaliar diferena de supresso
considerando o registro de 8 eletrodos, em cada hemisfrio, ao redor de C3 e C4 no
foram observadas diferenas enquanto em anlise de apenas dois eletrodos, C3 e C4
propriamente ditos, foi observado efeito mais robusto de mentalizao do lado direito
do escalpe. Para ambas as anlises os demais efeitos observados so os mesmos. Assim,
quanto maior o nmero de eletrodos analisados, maior a varincia e menor a
probabilidade de encontrar diferenas inter-hemisfricas (FRANCUZ, ZAPALA, 2011).
Vale ressaltar, tambm, que a supresso de Mu de 15-20% mais robusta para
observao ao vivo em relao s observadas em vdeo (JARVELAINEN et al., 2001).
Por fim, dado que os sinais eletroencefalogrficos provenientes da MM esto
associados a reas corticais diretamente conectadas aos canais motores cerebrais e estes
40
serem suprimidos em condio de movimento ou preparao para movimento,
particularmente no hemisfrio contralateral (PFURTSCHELLER e NEUPER, 1994;
MCFARLAND et al., 2000), sugerido que o ritmo Mu consista em um bom sinal de
medida de ativao do MNS e, ainda, para comunicao baseada em EEG, podendo
suportar mecanismos de interface entre crebro e mquina (WOLPAW et al., 2002).
Quanto combinao da tcnica de imagem mental com estimulao no-
invasiva, visando maximizar os efeitos j conhecidos, apenas um estudo avaliou este
impacto. Por meio de medidas de EMT e EEG, foi observada maior excitabilidade
cortical em M1 e maior ERD de Mu na condio andica e menor excitabilidade
cortical em M1 e menor ERD na condio catdica em relao ao placebo
(MATSUMOTO et al., 2010).
Portanto, a combinao de ETCC e MM parece uma interessante alternativa.
Contudo, a amostra do trabalho foi de apenas 6 sujeitos e a anlise estatstica foi
realizada de forma pouco criteriosa (e.g., utilizando diferentes tipos de post hoc: ora
LSD, ora teste t). Ademais esses dados no foram comparados a situaes de
observao ou execuo do movimento. Sendo assim, o presente estudo se justifica pela
possibilidade de elucidar os efeitos da ETCC sobre uma amostra maior para possvel
inferncia dos efeitos sobre a populao geral e ainda, verificar os efeitos da ETCC em
ondas Mu na observao do movimento e sua comparao com a situao de
mentalizao.
41
2. Objetivos
2.1 Objetivos Gerais
Avaliar o efeito da estimulao transcraniana por corrente contnua em registro
eletroencefalogrfico de ondas Mu durante tarefa de observao e mentalizao de
movimentos.
2.2 Objetivos Especficos
Avaliar efeitos polaridade dependente de ETCC andica, catdica e placebo em
supresso de ritmo Mu durante condies de observao e mentalizao de
movimento biolgico e no biolgico.
Avaliar a supresso do ritmo Mu durante tarefas de observao e mentalizao
de movimento biolgico comparando com a condio controle.
Avaliar a supresso do ritmo Mu durante tarefas de observao e mentalizao
de movimento no biolgico comparado a situao controle.
Comparar supresso de Mu durante observao e mentalizao de movimento
biolgico e no biolgico.
3. Mtodo
3.1 Participantes
Participaram do estudo 21 voluntrios do sexo masculino, destros (atestado pelo
inventario de lateralidade de Edimburgo reduzido), com idade mdia de 23.8+3,06, com
ensino superior completo ou em curso, viso normal ou corrigida e no portadores de
doenas neurolgicas ou psiquitricas.
42
3.2 Instrumentos
3.2.1 De Caracterizao da Amostra
Foram coletados dados de caracterizao scio-demogrfica por meio de
preenchimento de ficha de dados scio-demograficos e em seguida foi aplicado o
Inventrio de Dominncia Lateral de Edimburgo verso reduzida (anexo A) para
confirmar que os voluntrios recrutados fossem todos destros.
3.2.2 De modulao do processamento neurofisiolgico
Equipamento de estimulao transcraniana por corrente contnua.
O equipamento utilizado para gerar corrente contnua constitudo basicamente
por quatro componentes principais: eletrodos (nodo e ctodo), ampermetro (medidor
de intensidade de corrente eltrica), potencimetro (componente que permite a
manipulao da intensidade da corrente) e um jogo de baterias para gerar a corrente
aplicada.
A fonte de energia eltrica obtida atravs da associao em srie de 3 baterias de
9 volts resultando em uma tenso total de 27 volts. Esta tenso aplicada nos extremos
de um potencimetro (reostato) com resistncia igual a 100 kOhms. A funo do
potencimetro de possibilitar uma tenso ajustvel variando de 0 at 27 volts.
Os eletrodos fazem com que a corrente eltrica se transmita do fio metlico para o
participante; so feitos de borracha condutora de eletricidade e no momento da
estimulao so envolvidos em esponja embebida em soluo fisiolgica. Os eletrodos
utilizados neste experimento tm dimenses de 5cmx7cm.
Utilizam-se, ainda, cintas elsticas para fixar os eletrodos no escalpe.
43
3.2.3 De Coleta e Anlise de dados Eletroencefalogrficos
Equipamento de EEG
a) Aparelho de Eletroencefalografia de 128 canais da marca Electrical
Geodesics, Inc (EUA) modelo EEG System 300.
Este equipamento composto por amplificador modelo Net Amps 300,
transformador com isolamento, brao articulado para suporte do amplificador, licena
para software de aquisio e anlise dos dados Net station, 6 redes de eletrodos modelo
hydrocel da Geodesic (tamanhos: beb, peditrica pequena, peditrica grande, adulto
pequeno, adulto mdio, adulto grande), CPU Macintosh para aquisio dos dados,
monitor de 23 para acompanhamento dos dados, cmera de vdeo digital Sony,
software para clculo de fontes geradores dos sinais (GeoSource Estimation Software),
pacote para Potencial Evocado relacionado a Evento (PST, Inc - EUA), estao de
trabalho E-prime para acoplar ao EEG (Net Station), computador de mesa Dell,
hardware para os experimentos (microfone, caixa de repostas, cabos, adaptador para
barra de resposta para o sistema EGI), monitor LCD 17 com vdeo splitter e switch,
barra de resposta para EGI, single clock, AV device.
b) EGI Net Station software para aquisio, visualizao e anlise dos dados
de EEG coletados.
E-Prime
Software para sincronizao com a coleta do EGG que permite a apresentao
dos estmulos (vdeos) da tarefa.
44
3.2.4 Tarefa de Observao e Mentalizao de Movimento
A tarefa composta por duas condies experimentais uma condio controle
para cada situao (observao e mentalizao), sendo a situao de observao sempre
seguida de sua mentalizao correspondente (e.g., observao de movimento biolgico
seguida de mentalizao de movimento biolgico). Cada condio apresentada por
duas vezes, de forma randomizada. A tarefa total tem durao aproximada de 18minutos
(Figura 01).
Observao
a) Observao de Movimento Biolgico (OB)
Instruo de observar atentamente o movimento e contar quantas vezes o
mesmo pausa. O vdeo consiste em movimento de pina de alta amplitude com
frequncia de aproximadamente 1 Hz, realizado com a mo direita - 2 blocos de
vdeos de 80s, sendo apresentadas de duas a quatro vezes, figuras estticas do
movimento por 1s.
b) Observao de Movimento No-Biolgico (ONB)
Instruo de observar atentamente o movimento e contar quantas vezes o
mesmo pausa. O vdeo consiste em duas esferas de mesmo tamanho se
aproximando e distanciando em mesma angulao da condio biolgica com
frequncia de movimento de 1 Hz - 2 blocos de vdeos de 80s, sendo
apresentadas de duas a quatro vezes, figuras estticas do movimento por 1s.
c) Controle 1
Instruo de observar atentamente o movimento. O vdeo consiste em
rudo branco 2 blocos de vdeos de 80s.
45
Mentalizao
a) Mentalizao de Movimento Biolgico (MB)
Instruo de fechar os olhos e imaginar-se realizando com a mo direita o
movimento de abertura e fechamento em pina na mesma frequncia do
movimento observado na condio de observao de movimento biolgico. Para
guiar a mentalizao foi utilizada pista sonora de metrnomo, constituindo 2
blocos de mentalizao biolgica de 80s, sendo cada sesso apresentada em
seguida da condio de observao de movimento biolgico
b) Mentalizao de Movimento No-Biolgico (MNB)
Instruo de fechar os olhos e imaginar a visualizao do mesmo
movimento de esferas observado na condio de observao, com a mesma
frequncia de tal. Para guiar a mentalizao foi utilizada pista sonora de
metrnomo, constituindo 2 blocos de mentalizao no-biolgica de 80s, sendo
cada sesso apresentada aps cada uma das sesses da condio de observao
no biolgica.
c) Controle 2
Instruo de fechar os olhos e imaginar a visualizao de rudo branco.
Foi utilizada a mesma pista sonora dos demais blocos garantindo que esse fator
no interferisse na avaliao das tarefas. Foram apresentadas 2 blocos de
mentalizao controle de 80s, sendo cada sesso apresentada aps cada uma das
sesses de condio de observao controle.
46
Para evitar efeitos sonoros na tarefa, na condio de observao
apresentado o mesmo som da pista sonora de metrnomo da condio de
mentalizao.
3.3 Procedimento
Participantes que contemplaram todos os critrios de incluso e excluso
descritos anteriormente foram convidados a participar do estudo. Para tal, foi solicitado
o consentimento livre esclarecido de cada participante aps serem-lhe explicados os
objetivos, mtodos, benefcios e riscos potenciais do estudo.
Assim, ao chegarem ao laboratrio os sujeitos responderam a ficha de dados
demogrficos.
Em seguida, os participantes foram encaminhados a uma sala preparada para os
procedimentos, com iluminao adequada e sem interferncia de rudos ou
movimentao/circulao de pessoas. Foi medida a circunferncia da cabea do sujeito
e marcados o vrtex e M1.
Anterior ao registro de EEG, os sujeitos receberam em cada um dos trs dias de
teste um tipo diferente de estimulao (placebo, andica ou catdica), descritas a seguir,
por 20min. A ordem das estimulaes foi randomizada e contrabalanceada entre os
sujeitos. Os participantes foram alertados para o fato de que poderiam receber tanto
estimulao placebo quanto ativa, porm no sabiam em que momento se daria cada
uma delas.
Estimulao andica do crtex motor primrio (ETCCandica) nodo
posicionado em C3 conforme sistema internacional 10-20 de EEG e ctodo supraorbital
contralateral;
47
Estimulao catdica do crtex motor primrio (ETCCcatdica) ctodo
posicionado em C3 conforme sistema internacional 10-20 de EEG e nodo supraorbital
contralateral;
Estimulao placebo (ETCCplacebo) - nodo posicionado em C3 conforme
sistema internacional 10-20 de EEG e ctodo supraorbital contralateral;
Na estimulao placebo, o aparelho de ETCC foi ligado por 20 segundos para
que o participante tivesse as mesmas sensaes das outras etapas e, em seguida o
aparelho foi desligado. Tal procedimento vem sendo continuamente descrito e tem se
mostrado eficaz na conduo de estudos com grupo placebo.
Imediatamente aps a ETCC, foi colocada a touca de 128 canais do EEG na
cabea do voluntario, a touca previamente preparada ficando por 5 min imersa em
soluo 1L de gua morna com 11g de cloreto de potssio e 5ml de xampu neutro
infantil. O tempo para o posicionamento e verificao do funcionamento da touca foi de
10-15min.
O participante sentou-se em poltrona confortvel a 110cm do monitor do
computador, e recebeu instrues orais detalhadas para a execuo da tarefa. Em
seguida, teve inicio a tarefa, que foi realizada trs vezes (em verses randomizadas) por
cada voluntrio em dias diferentes, sendo esses encontros separados por intervalo
mnimo de 48h.
O desenho experimental do estudo est ilustrado na figura 1.
48
Figura 01 Desenho Experimental. A ordem dos vdeos de observao foi randomizada, sendo exibido, em seguida, a mentalizao correspondente. Os eletrodos de entorno so: entorno de C3
(29, 30, 35, 37, 41, 42), Cz e entorno de C4 (87, 93, 103, 105, 110, 111) do sistema de EEG de
128 canais da marca Electrical Geodesics, Inc (EUA) modelo EEG System 300. O smbolo
sonoro indica os momentos em ocorria o estimulo auditivo do metrnomo.
3.4 Consideraes ticas
Os procedimentos experimentais adotados para o estudo obedeceram s normas
estabelecidas pelo Comit de tica em Pesquisa da Universidade Presbiteriana
Mackenzie que aprovou este projeto de pesquisa registrado no SISNEP (Processo
CEP/UPM no 1423/11/2011 e CAAE n
o 0117.0.272.000-11).
Todos os participantes foram orientados, tendo pleno conhecimento dos
objetivos e mtodos do experimento e deveriam ler a carta de informao ao sujeito de
pesquisa e fornecer seu consentimento livre esclarecido por escrito. Foram tambm
devidamente avisados de que todas as informaes fornecidas so estritamente sigilosas.
49
3.5 Anlise Estatstica
O registro do EEG inicialmente passou por uma fase de pr-processamento que
contm: a) filtro de 1Hz (Highpass Filtering); b) filtro de 30Hz (Lowpass Filtering); c)
segmentao - remoo dos 10s iniciais e finais de cada bloco (eliminando a
possibilidade de efeitos transitrios atencionais devido ao incio e trmino do estmulo)
e segmentao do traado em janelas de 2000ms; d) deteco de artefatos - foram
considerados artefatos e, consequentemente removidos: i) os canais com variao Max-
Min maior que 200V, ii) aqueles com mais de 20% de artefatos, iii) segmentos com
mais de 10 canais ruins ou com excessiva piscagem; e) combinao dos segmentos -
gerando uma mdia para os trials de cada condio; f) re-referenciamento dos eletrodos;
g) correo de linha de base a partir de 200ms anteriores a cada segmento.
Aps o pr-processamento foi realizado o ps processamento. Neste momento
foi integrada a taxa de poder de amplitude de 8-11Hz aplicando Wavelet Analyses
(utilizamos janela do tipo Cosinus com comprimento de onda de 0.10s; considerando
frequency step=0.98Hz e frequency scale factor=11.00). Em seguida, o dado foi
extrado e calculamos a razo do poder de Mu durante observao e mentalizao
experimental pelo poder de Mu em controle 1 e controle 2, respectivamente. Por fim,
para todas as condies de ETCC foi aplicado logaritmo de base dois na razo obtida
(condio experimental/condio controle). Esse mtodo tem sido amplamente aplicado
em anlises de poder do ritmo mu (OBERMAN et al., 2005, 2007; GIROMINI et al.,
2010; PINEDA et al., 2011)
A partir dos dados obtidos na fase de ps-processamento, foi realizada anlise
estatstica com o pacote statistica 8. Foram realizadas duas anlises de ANOVA para
medidas repetidas considerando como fatores: ANOVA1 - condio (observao vs.
mentalizao); movimento (biolgico vs. no-biolgico), estimulao (ETCCa vs.
50
ETCCc vs. ETCCp), hemisfrio (C3 (eletrodo 36) vs. C4 (eletrodo 104)); ANOVA2
condio (observao vs. mentalizao); movimento (biolgico vs. no-biolgico),
estimulao (ETCCa vs. ETCCc vs. ETCCp), eletrodos (entorno de C3 (eletrodos 29-
30-35-37-41-42) vs. entorno de C4 (eletrodos 87-93-103-105-110-111) vs. Cz)).
Anlise post hoc foi realizada quando encontrados efeitos significativos. Adotamos
=5%.
4. Resultados
Todos os participantes recrutados completaram o experimento completo e
tiveram seus dados utilizados na anlise. Nenhum participante relatou desconforto ou
apresentou efeitos adversos pela aplicao da ETCC.
A seguir esto apresentados os dados relativos ao poder de Mu considerando
condio, movimento, hemisfrio (eletrodos relacionados rea envolvida na tarefa) e
tipo de estimulao. Esta anlise diz respeito aos efeitos observados nos eletrodos C3 e
C4.
51
Tabela 01 ANOVA1 para medidas repetidas considerando os Fatores ETCC, Condio, Movimento e Hemisfrio (eletrodos das reas motoras envolvidas na tarefa C3 e C4).
Fatores F p p2
ETCC 0.41 0.67 0.02
Condio 1.05 0.32 0.05
Movimento 10.20 0.005 0.34
Hemisfrio 0.22 0.65 0.01
ETCC*Condio 2.70 0.08 0.12
ETCC*Movimento 1.20 0.31 0.06
Condio*Movimento 0.20 0.66 0.01
ETCC*Hemisfrio 3.41 0.04 0.15
Condio*Hemisfrio 0.03 0.85 0.002
Movimento*Hemisfrio 0.92 0.35 0.04
ETCC*Condio*Movimento 1.39 0.26 0.07
ETCC*Condio*Hemisfrio 0.46 0.63 0.02
ETCC*Movimento*Hemisfrio 4.18 0.02 0.17
Condio*Movimento*Hemisfrio 1.42 0.25 0.07
ETCC*Condio*Movimento*Hemisfrio 0.13 0.88 0.006
Como pode ser observado na Tabela 01, foram encontrados efeitos significativos
para o fator Movimento (F1,20=10.2; p=0.005; p2=0.3) e para as interaes
ETCC*Hemisfrio (F2,40=3.4; p=0.04; p2=0.1) e ETCC*Movimento*Hemisfrio
(F2,40=4.2; p=0.02; p2=0.2). Foram realizadas anlises post-hoc com teste Fisher LSD
para as interaes significativas.
Como pode ser observado na Figura 02 a anlise post-hoc para interao
ETCC*Hemisfrio mostrou diferena significativa entre ETCCc e ETCCa no eletrodo
52
C3 (p=0.016), i.e. ETCCc sobre C3 resultou em supresso de Mu nesta rea em relao
ETCCa independente do tipo de movimento.
A anlise post-hoc da interao ETCC*Movimento*Hemisfrio mostrou
diferena significativa entre C3 e C4 no movimento biolgico em ETCCa (p=0.001),
i.e. ausncia de supresso de Mu em C3 concomitante a supresso de Mu