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MARCUS PEREIRA NOVAES
"A POTNCIA DO CONTRASTE NA CENA
DRAMTICA"
CAMPINAS
2014
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Resumo
O trabalho busca conectar filosofia e arte no campo da educao, pensando a urgncia de
apontar fissuras de uma constituio moderna fechada em uma estrutura de um sujeito
vinculado a saberes autorizados a diz-lo como verdade. No campo das artes em seu
estreito vnculo com as imagens, apostaremos neste trabalho em um tipo de imagem, que
chamaremos de imagem-contraste, contraste em uma conexo com a filosofia da diferena,
com a qual pensamos ser importante para a intensificao do entre polos: gnero,
classificao, juzo. Encontro com esses tipos de imagens que poderia permitir o
pensamento, pensar no intervalo, escapando identificao e ao reconhecimento imediato
de gneros e modelos estticos universais. Parece possvel, no encontro com imagens,
termos uma oportunidade de sentir algo diferente, mas que ainda no necessariamente
sabemos o qu.
palavras chave: educao, filosofia da diferena, pintura, cinema, cognio
vii
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Abstract
This work seeks to connect Philosophy and Art into the field of Education, thinking the
urgency of pointing fissures of a modern constitution closed in a structure of subject linked
to knowledges authorized to say it as a truth. In the field of Arts in its closed link with the
images, we bet on this work in a sort of image, that we called contrast-image, contrast in a
connection with the philosophy of difference, with which we think to be important to the
intensification between poles: genre, classification, judgment. An encounter with this kind
of images that could allow the thought to think in the interval, escaping from the
identification and the immediate recognition of genres and universal aesthetic models. It
seems possible, in the encounter with images, to have the opportunity of feeling something
different, which we cannot necessarily know what it is.
Key-words: education, philosophy of difference, painting, cinema, cognition.
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Sumrio.
Resumo ............................................................................................................................................. vii
Abstract ............................................................................................................................................. ix
Dedicatria ...................................................................................................................................... xiii
Agradecimentos ................................................................................................................................. xv
Apresentao ..................................................................................................................................... 17
Introduo ......................................................................................................................................... 21
Captulo I - Pensamento e Cinema .................................................................................................... 27
O Enunciado, a imagem e a percepo.......................................................................................... 27
A imagem entre Bergson e Deleuze .............................................................................................. 31
Imagem ...................................................................................................................................... 31
Imagem e conscincia ............................................................................................................... 35
Universo maqunico das imagens-movimento .......................................................................... 38
Luz a outra face da Imagem-movimento ................................................................................... 40
Imagem-movimento e imagem-contraste: entre conscincia e cognio ...................................... 47
Stanley Kubrick e Coppola: a sutileza da ironia em um possvel confronto com a natureza
humana. ......................................................................................................................................... 54
Captulo II - O Cinema e a Luz - modulaes das sensaes. ........................................................... 59
Luz e Pensamento ......................................................................................................................... 59
Imagem-movimento no cinema: relao com o intenso e o extenso ............................................. 61
Fritz Lang e Kim Ki-duk : imagens entre luz e sombras e msica...silncio. ............................... 65
Captulo III - O Contraste.................................................................................................................. 73
Roteiro pulsante: A trama da vida e o drama ................................................................................ 73
Cena Dramtica: Som, Cmera, Contraste!................................................................................... 74
Msica e Imagem-tempo direta ..................................................................................................... 75
Herzog: msica e imagem-visual, possveis sensaes que poderiam criar novas texturas afectivas
na percepo de nuances. .............................................................................................................. 80
Captulo IV - Pintura, Imagem Cinematogrfica e Cena Dramtica ................................................. 87
Vida: A Grande Sopa .................................................................................................................... 87
Pensamento de oposio e pensamento de alternncia ................................................................. 89
A Potncia do Contedo Expressivo Dramtico em Van Gogh .................................................... 91
O Figural ....................................................................................................................................... 94
Pintura e Cinema ......................................................................................................................... 100
xi
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Cinema e Pintura ......................................................................................................................... 101
Alain Resnais e Akira Kurosawa: Van Gogh para alm da representao e significao. ...... 101
Pintura em movimento e atravessamentos sonoros. .................................................................... 104
Captulo V - Educao e experincia: a figura do contraste como afirmao da diferena em uma
esttica de vida complexa ................................................................................................................ 107
Modulao e a importncia da mobilidade do conceito .............................................................. 107
A modulao e a linguagem analgica ........................................................................................ 109
Pintura e Modulao ................................................................................................................... 113
Som e modulao ........................................................................................................................ 118
Cinema e modulao ................................................................................................................... 121
Modulao entre pintura, som, cinema e pensamento ................................................................. 122
Imagem-contraste e educao ..................................................................................................... 125
REFERNCIAS .............................................................................................................................. 131
x xii
13
Dedicatria
Hellen pelo amor, cumplicidade e
dedicao nessa solido a dois
Aos meus pais, Mario e Margarida Novaes,
pelos afetos e ensinamentos para uma
composio de vida alegre e tica.
xiii
14
15
Agradecimentos
Ao Prof. Dr. Antonio Carlos Rodrigues de Amorim pela orientao atenciosa e
constante incentivo pesquisa, ao estudo e escrita dessa dissertao e outros trabalhos
que acompanharam meu percurso de mestrado.
Ao Prof. Dr. Slvio Donizetti de Oliveira Gallo pelo acolhimento, introduo e
aprimoramento ao pensamento filosfico.
Ao Prof. Dr. Luiz Benedicto de Lacerda Orlandi pela generosa recepo em suas
aulas, rigorosidade nas discusses filosfica e consentimento da entrevista que compe a
bibliografia dessa dissertao.
Prof. Dra Ana Maria Incio Godinho Gil pelos encontros e adensamentos dos
conceitos e pelo carinho em nossas conversas.
Aos professores, Prof. Dr. Wenceslao Machado de Oliveira Jr e Prof. Dr. Milton
Jos de Almeida, pela oportunidade de trabalho e aprendizagem nos estudos com as
imagens durante suas disciplinas e tambm no Programa de Estgio Docente (PED).
Ao Prof. Dr. David Martin-Jones pelos ensinamentos e aprofundamento nos estudos
flmicos e televisivos, por ocasio do meu estgio de pesquisa na Universidade de Glasgow,
dentro do Programa Santander Universidades.
Ao Prof. Dr. Daniel Soares Lins e Prof. Dra. Davina Marques pelo aceite do
convite em participar da leitura e discusso desta dissertao.
Ao grupo de Pesquisa OLHO e Humor Aquoso pelas generosas trocas de
pensamentos e discusses contagiantes.
Ao Programa de Bolsas Santander pela oportunidade de internacionalizao de
meus estudos.
Ao departamento de Estudos Flmicos e Televisivos da Universidade de Glasgow
pela agradvel recepo e atendimento durante meu perodo de estgio na Esccia.
artista Fernanda Pestana pelo trabalho de edio de imagem e auxlio na
composio da forma final do trabalho.
xv
16
Secretaria de Ps Graduao da Faculdade de Educao por toda simpatia, ajuda e
disponibilidade prestada.
A todos os outros que, direta ou indiretamente, apoiaram esse trabalho.
xvi
17
Apresentao
O trabalho busca conectar filosofia e arte no campo da educao, pensando a
urgncia de apontar fissuras de uma constituio moderna fechada em uma estrutura de um
sujeito vinculado a saberes autorizado a diz-los como verdade.
Nossa constituio muito influenciada pelos contatos imagticos que temos,
atravessados por discursos que modelam e classificam certos modos de perceber, sentir e
agir, articulando um ao outro, padronizando-os.
Nossos encontros com imagens, muitas vezes, estabelecem processos de sujeio, e
representam-nos em conscincias que operam e valoram juzos. Conscincia e sujeito como
frutos de um discurso moderno que nos educam segundo modelos universais, ensinando-
nos padres que dependem de como se defronta com a vida e dela extraem-se significaes.
Como percebemos? Como sentimos? Como reagimos? S teramos este controle se
j soubssemos de antemo as hipteses que surgiro, segundo as concepes adotadas.
A vida, quando encarada como drama, no se resume numa linearidade causal, no
responde a um fundamento de existncia, ela se coloca insistentemente marcada por
quebras em nossos esteretipos de verdade, que outrora considervamos estabelecidos e
estveis, e que, em um instante, podem ser desmontados quando atacados por um
acontecimento. Em nosso encontro com um acontecimento, poderamos no nos ver
reduzidos a um modelo adestrado que reage a algo. Percepo que pode desencadear outras
organizaes corporais pelas foras de desarranjos de sentidos.
Quando o Todo muda e nos mostra sua abertura, muitas vezes no sabemos como
perceber, sentir e reagir. Por vezes em nosso encontro com imagens, essas no viriam nos
reiterar um padro de comportamento ou associaes conhecidas. Sentimos de um modo
que afetaria nossa constituio, provocando-nos e insistindo a pensar melhor aquilo que nos
toma, a revelar-nos uma conscincia, mas uma conscincia singular que no h como se
igualar de forma generalizada ou homognea ao que nos cerca, fugindo de uma
universalidade, afirmando diferenas e possibilidades de coexistncias, no reduzidas ao
Uno.
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No campo das artes em seu estreito vnculo com as imagens, apostaremos neste
trabalho em um tipo de imagem, que chamaremos de imagem-contraste, contraste em uma
conexo com a filosofia da diferena, com a qual pensamos ser importante para a
intensificao do entre polos: gnero, classificao, hbito, juzo. Encontro com esses tipos
de imagens que poderia permitir o pensamento, pensar no intervalo, escapando
recognio e lgica, identificao e ao reconhecimento imediato de gneros e modelos
estticos universais. Parece possvel, no encontro com imagens, termos uma oportunidade
de sentir algo diferente, mas que ainda no necessariamente sabemos o qu.
O filsofo francs Gilles Deleuze cria conceitos em filosofia privilegiando
encontros. O encontro com Henri Bergson parece forte para possibilidades de apontar a
importncia dos devires, no percurso do vivente entre o atual e o virtual. Tambm h o
encontro com Espinosa e a tentativa de garantir um pensamento imanente, importante para
repensarmos o conceito de conscincia, palavra forte em educao, muito atrelada ideia
de definir valores e juzos singulares, individuais e, simultaneamente, relanados aos que
seriam universais, ao invs de permitir-nos sentir diferentemente. Quando atacados por um
forte encontro, podemos passar a sentir de outro modo e acreditamos na fora da arte para
nos deslocarmos de figuras de pensamento. O atual e o virtual em Deleuze so importantes
para uma filosofia pensada na imanncia, e, para ns, possibilita pensar que a educao
tambm se faa por conhecimentos sentidos intensamente e no meramente em aplicaes
de formas e teorias. Pensamos ser importante a possibilidade de abertura de mais campos
que privilegiem a inveno dentro da educao, que privilegiem a criao de conceitos, de
blocos de sensaes e, tambm, de funes, abrindo este campo para experimentao
em/com os acontecimentos. Haveria uma grande fora das imagens neste percurso
pela/com/na experincia?
Uma importante aliada para Deleuze a interseo com artes. Acreditamos que para
uma educao imanente, isso tambm seja possvel. Encontrar-nos-emos, sobretudo, com o
cinema e a pintura, mas tambm com a conexo do primeiro com a pintura e a msica,
tentando escapar de uma hierarquizao e atiar intensidades. O contraste, deslocado do
campo de oposies, ganha fora nas conexes entre imagens de campos distintos ao
desfazer usos habituais. Encontros entre pintura, cinema e msica permitiriam a modulao
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do pensamento para outras dimenses, alm de evitar uma subjetivao linear e precisa,
opinitica e marqueteira.
Assim, outro conceito importante que aparece o de modulao. Importante por ser
um conceito que pode nos ligar pintura, msica e ao cinema, distinguindo essas artes, e
mantendo suas potencialidades. Potencialidades que podem despertar foras em ns, aos
sermos atacados entre esses encontros que nos possibilitariam pensar de outro modo.
Espaos-tempos distintos que podem abrir aprendizagem, levando pensar o impensado, e,
por vezes, criar pela necessidade e emergncia da inveno.
O pensamento quando desmoldado de seus padres poderia desencadear uma
conscincia que se constroi sem se saber previamente a que destino, e que borra a imagem
de um sujeito estruturalmente constitudo lanando-o para fora de suas dobras ao interior.
Nosso encontro com filosofia e com a arte no campo da educao busca
problematizar a necessidade da abertura da cognio, ao vermos tensionadas codificaes
que buscam nos estruturar, e que, por vezes, paralisam potncias de pensar. Potencializar
uma educao que se busque afetar, em um sentido deleuziano-espinosano, e no apenas
constituir juzos e treinar aes, aceitando o drama da vida e sua ilogicidade a-linear.
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Introduo
Traar um plano de imanncia no universo expansivo da Educao, traar um plano
de composio neste universo, recort-lo e tra-lo como campo de referncia. Compor
com traas-pensamentos o pesado manto da Educao, possibilitando a passagem de novas
linhas, linhas de fuga, linhas de escrita, linhas de pensamento que componham um "crazy
pathwork" abalando e desfigurando o organismo deste campo educacional.
Deleuze e Guattari propem, em seu livro "O que Filosofia?", o que seria a
atividade da arte, da cincia e da filosofia e como esses campos criariam em relao ao
Caos: monumentos (blocos de sensaes), conceitos (acontecimentos) e funes (estados de
coisas).
Em seus livros sobre cinema, Deleuze pensa as potencialidades das imagens
utilizadas no cinema, encontrando-se com pensamento da filosofia de Henri Bergson,
principalmente do livro Matria e Memria e, com a semiologia de Peirce, faz uma anlise
inventiva dos signos que so criados no mundo mostrado pelas imagens cinematogrficas.
Ao utilizar as teses de movimento elaboradas por Bergson e a relao com o Todo,
Deleuze nos aponta dois tipos de imagens que acredita coexistirem no cinema: imagem-
movimento e imagem-tempo.
No curso ministrado por Deleuze, intitulado: Cine I: Bergson e as imagens1
(Universidade de Vincennes, 10 de novembro de 1981a 1 de julho de 1982), Deleuze far
uso de alguns textos de Bergson2.
Utilizar neste curso as teses sobre o movimento elaboradas por Bergson3, e pensar
tambm a ideia de matria enunciada por este mesmo filsofo, para quem ns todos e todas
as coisas seramos imagens em movimento, supondo uma equivalncia: matria =
movimento.
1 Deleuze (2009).
2 Bergson (2011).
3 As teses segundo Deleuze seriam: 1 O instante um corte imvel no movimento e no se reconstitui o
movimento com uma sucesso de cortes imveis. 2 O movimento em si um corte extensivo na durao. 3
A durao o Todo, e o Todo sempre aberto.
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Como o Todo para Bergson aberto, Deleuze usa desta ideia presente nos textos
bergsonianos conectada com a durao e o pensamento. Aproxima-se ideia de memria,
entendendo a memria liberada de seu carter apenas recognitivo ou memria imediata,
rompendo com o puro movimento-motriz, ou ao estmulo e a reao imediata de quem o
recebe. Ressalta que para Bergson o pensamento tambm um movimento, mas um
movimento com uma durao prpria4.
Entender a Educao como um campo ou um universo aberto, em expanso,
desloc-la de sua fixidez, provocando rachaduras, fendas, que a possibilitem ir para o alm
de sua marcada diviso entre formal, ou no formal, encontrando potencialidades nas trs
grandes potncias do pensamento, borrando o enraizamento lgica e pura episteme
arborescente e lanado-a terra, vida, criao inventiva. Busca-se apresentar outra
imagem da educao, um outro corte extensivo dentro da durao da Educao, que possa
coexistir com a educao moderna, uma imagem-tempo para a Educao que ajude a
inventar outras possibilidades de vida sem necessariamente ter que passar apenas por
percursos ideais e excessivamente formais, alheios pulso desejante5 da vida, um novo
corpo para educao, mas que, no entanto, ainda no sabemos onde est; ele precisa
aparecer, expressar-se inventivamente em uma imagem, anterior a uma linguagem que
possa diz-lo, mape-lo, prescrev-lo.
Apostaremos que em nossa educao imagtica, ou em nossos encontros com as
imagens, e aqui enfatizaremos com as imagens cinematogrficas, podemos ser deslocados
de um movimento com o qual tudo entendemos, tudo reconhecemos, a tudo sentimos e
reagimos conforme padres mapeados de comportamento, para momentos em que nossos
encontros com as imagens podem nos fazer sentir diferentemente, sem que saibamos
imediatamente o que reconhecer e nem termos conscincia do que nos afeta.
Esse deslocamento de romper com o lirismo que vincula estruturas equilibradas em
articulaes harmnicas dentro de um certo percurso que busca a homogeneizao, ou de
4 A ideia de durao e pensamento ser melhor explorada ao longo do texto apoiando-se mais fortemente no
curso CINEMA: UNE CLASSIFICATION DES SIGNES ET DU TEMPS NOV.1982/JUIN.1983
(http://www2.univ-paris8.fr/deleuze/rubrique.php3?id_rubrique=10, ltimo acesso 30/05/2013). Utilizaremos
a traduo: CINE II. LOS SIGNOS DEL MOVIMIENTO Y EL TIEMPO, 2011, Cactus. 5 Vemos aqui o desejo como produtividade infinita e conexo criativa, nos afastando da ideia de que faltaria
algo.
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outro modo, esse atravessamento que interrompe com um movimento contnuo e uniforme
da vida, quando temos instaurado um drama que nos fora a sentir de outro modo, parece
forte, em alguns casos de pinturas e de imagens cinematogrficas, para ajudar a pensar
nossas relaes com as imagens e certos padres de comportamento, como tambm outras
conexes que poderamos criar, ao ampliar o conceito de cognio e perfurar a ideia de
conscincia universal dissolvendo um sujeito dado pela imagem.
Ao propormos estudar a instaurao da cena dramtica que possa romper com a
lgica recognitiva, apostaremos na potncia de um tipo de imagem, intitulada aqui como
imagem-contraste. Algumas perguntas e proposies, descritas abaixo e que se articulam
entre si, daro certo plano de referncia ao trabalho.
Existe imagem-contraste? Quais nveis de imagem-contraste podem ser
encontrados? Seria ela imagem-movimento, imagem-tempo ou um entre essas duas
imagens?
Pensamos que, de alguma maneira, algumas vezes, essas imagens se relacionariam
com a imagem ptica-sonora pura. Essa imagem tambm poderia se aproximar de uma
imagem-afeco, pois no se desdobraria necessariamente em uma ao (reao) na prpria
imagem, o que j poderia marcar uma diferena entre o lrico e o drama, colocando em
dvida os sentidos, fazendo pulsar novos signos, que a conectariam mais prximas
imagem-pensamento e no imagem-recognitiva-representao. Conversariam mais com a
durao e, por vezes, estariam prximas imagem-tempo.
Como seria instaurada a imagem-contraste?
Arrisca-se por enquanto eleger algumas possibilidades de criao dessa imagem na
pintura e tambm no cinema, na disjuno entre imagens visuais e sonoras. Utilizaremos
como intercessores para pens-la Van Gogh, Alain Reinais, Akira Kurosawa, Stanley
Kubrick, Francis Ford Coppola, Werner Herzog, Fritz Lang, Kim Ki-duk, Oskar Fishinger
e David Lynch.
O movimento pode ser um modo de se instaurar a imagem-contraste, mas a imagem
contraste seria em si uma possibilidade de quebra no movimento-recognitivo. Quais seriam
as conexes possveis entre a imagem instaurada pelo contraste e o conceito de imagem
apresentado por Deleuze?
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Apresentaremos no captulo 1, problemas pertinentes ao pensamento e ao cinema ao
passo que exporemos como Deleuze teria esboado uma taxonomia das imagens, em que
pensamos que a imagem-contraste tambm teria seu espao. Abordaremos tambm a
relao entre imagem-movimento e conscincia ao buscar tensionar essa relao e coloc-la
em devir.
No captulo 2, buscaremos pensar junto a Deleuze, Fritz Lang e Kim Ki-duk as
conexes da imagem com a luz, apresentando o outro lado da imagem-movimento, seu lado
intensivo.
J no captulo 3, procuraremos apontar que o contraste se conectaria fortemente ao
drama tanto nas artes como da vida. Ao mostrar que para Deleuze a msica seria uma
possvel imagem-tempo direta, desenvolveremos a ideia do contraste em meio imagem-
movimento e a imagem-tempo para compor um bloco de sensaes que possa disparar
afectos e perceptos ao deslocar e movimentar as formas habituais de perceber e sentir com
e pelas foras das imagens.
Ensaiaremos no captulo 4, o encontro de Kurosawa e Resnais com as obras de Van
Gogh e a importncia do figural buscando apontar a emergncia de se pensar a criao no
fechada na recognio e, ao considerar a importncia que a inveno ocupa no pensamento
e que tambm pode ocupar na educao.
E por fim, no captulo 5, apresentaremos como o conceito de modulao teria sido
pensado por Deleuze em relao s artes e pensaremos a potncia em aproxim-lo de uma
educao imanente em suas conexes com o contraste, ajudando a compor uma esttica de
vida complexa.
Consideramos, portanto, ser interessante pensar a conexo entre pintura, msica e
cinema quando vinculadas ao conceito de modulao ao apontar a importncia e a
mobilidade do conceito. Em nossos encontros com imagens que teriam a modulao em sua
constituio, acreditamos que, ao deslocar esse conceito para arte, ele poderia ganhar outra
fora; ao invs de produzir falsos desejos direcionados pelos meios de comunicao e pelo
marketing, como alguns filsofos muito bem apontam, quando conectado arte o conceito
poderia deslocar a fora subjetivante produtora de identidades para encontros mais
intensivos que privilegiem as foras das imagens, rachando subjetividades e dissolvendo
25
sujeitos. Parece tambm haver uma conexo possvel e potente entre o conceito de
modulao e o conceito do figural, quando a imagem se desvincula de sua tendncia
figurativa e se coloca como um bloco de sensaes.
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Captulo I - Pensamento e Cinema
O Enunciado, a imagem e a percepo
O cinema articula linguagens (sensveis e simblicas), lida com elementos artsticos,
institudos e hierarquizados como fotografia, msica, desenho, pintura, como tambm com
outros elementos da linguagem sensvel que propiciam outros meios artsticos. Cria atravs
dessas relaes possibilidades e expressa modos de vida. Junto a tudo isso trava relaes de
poder e enuncia algo. O que vem a ser enunciado tem um papel importantssimo, pois
carrega valores.
Maurcio Lazzaratto (2006), citando Mikhail Bakhtin, indica:
O enunciado nunca um simples reflexo ou expresso de algo preexistente, fora dele mesmo, j dado e pronto. O enunciado cria sempre algo que ainda no havia
sido criado antes, novo e no reprodutvel, sempre relacionado a um valor (ao
verdadeiro, ao bom, ao belo). Entretanto, tudo o que se cria sempre criado a
partir de algo que j existia.( p.157).
O filsofo italiano, ao se apropriar dessa citao de Bakhtin, aponta que ele fez da
multiplicidade e suas modalidades de ao, uma estratgia de poltica fundamental.
Escreve que Bakhtin construiu uma cincia das singularidades, contrapondo a filosofia da
linguagem e da lingustica, para tratar de uma individualidade absolutamente no
reprodutvel que o enunciado (p. 157) e acrescenta que o territrio de expresso
permeado pela luta de foras sociais e polticas.
Posio prxima a do filsofo Jacques Rancire que pensa a partilha do sensvel
com base no encontro discordante das percepes individuais. Em uma entrevista o filsofo
declara que:
A esttica e a poltica so maneiras de organizar o sensvel: de dar a entender, de
dar a ver, de construir a visibilidade e a inteligibilidade dos acontecimentos
(RANCIRE, 20096).
Ora, se o cinema sempre enuncia algo, o que ele expressa est atravessado por
discursos imersos em relaes de formas de saberes e conexes de foras que podem
quebrar ou fortificar tendncias dominantes, majoritrias ou unitrias. A prpria cmera
6 LONGMAN, F; VIANA, D. Entrevista Jacques Rancire. Revista Cult 139, 2009.
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prope um ponto de vista, mas essa viso o ponto de vista de uma determinada posio,
se a cmera deslocar-se, a viso muda e pode com isso afetar o discurso. Qual seria a viso
no local do ponto no observado?
O pensamento que tende a vincular imagem ao olho, viso e, consequentemente ao
que se pode reconhecer, relacionar e compreender, tende a entender que as formas de
percepo so invariantes de indivduo a indivduo, talvez por apoiar-se sobretudo na
histria ou em figuras de representao para se pensar o humano, desconsiderando a
possibilidade de que a histria constituda por rupturas que inverteram relaes fixadas
por saberes constitudos, bem como a forma com que cada indivduo percebeu e reagiu a tal
mudana.
Pensar que ao olhar para trs, a histria pudesse dar ao 'homem' uma conscincia
crtica, ferramenta imaginada como necessria para escapar da explorao e assim construir
um mundo mais justo, fez e faz vrios pensadores e artistas ainda crerem que uma
conscincia coletiva possa advir ao propiciar que o pblico se choque com imagens, como
tambm ser possvel antever os efeitos que tal encontro possa operar neste coletivo de
indivduos, seja para o despertar de uma conscincia, entendida como universal e
necessria, como uma conscincia de classe, seja por acreditar que determinadas imagens
alimentam desejos de consumo e de satisfao individual, como no caso do capitalismo.
Tais consideraes parecem ainda se apoiarem em uma imagem de sujeito
predominante na modernidade, principalmente, ao ainda considerarem tal sujeito
constituindo-se em uma separao de polos e por lgicas de excluso, como: homem ou
mulher, rico ou pobre, e, por conseguinte, dentre outras categorias e subcategorias de
classificao: etnia, cor, classe social...; em meios aos quais ideologias tambm seriam
construdas ao apoderar-se dos meios de expresso. Desse modo, ideologia e conscincia
parecem ser ideias de verdade a serem conquistadas ou combatidas, ao mesmo tempo em
que parecem estar flutuando fora do corpo. Haveria uma conscincia fora do sujeito e um
sujeito fora da imagem?
Muito se acreditou no incio do cinema que esse possibilitaria um pensamento
coletivo, que por exemplo, levasse tomada de conscincia que encaminhasse para um
desejo de massa, como a revoluo. Por exemplo, a possibilidade de construo de imagens
29
que tentassem exprimir e expor um pensamento em que o oprimido percebesse a
necessidade de se revoltar frente s injustias do opressor e, assim imbuir-se em um esprito
de luta para tomar o poder e entreg-lo aos verdadeiros merecedores, o povo.
Acreditava-se que tal imagem de pensamento projetada na tela do cinema causaria
os efeitos pretendidos em quem a ela assistisse. Ora, a possibilidade de fazer o povo ter
acesso ao pensamento que poderia ilumin-lo no tornou possvel a tomada de conscincia
coletiva em nenhum lugar, ou melhor, mesmo que possa ter realizado ou afetado
conscincias, essas no se modificaram em um sentido universal. Talvez, Heiddeger j
tivesse antecipado uma distncia entre ter a possibilidade 'de' e, que essa possibilidade
produza seus efeitos esperados. "O homem sabe pensar a medida em que tem a
possibilidade de pensar, mas esse possvel ainda no garante que sejamos capazes de
pensar" (p. 203) , nos diz Deleuze (2006) citando Heiddeger.
Deleuze relacionando a citao acima ao cinema e ao pensamento, dir que a
imagem-movimento no necessariamente garantiria o choque que despertaria o pensamento
em ns:
"Todos sabem que, se uma arte impusesse necessariamente o choque ou a
vibrao, o mundo teria mudado h muito tempo, e h muito tempo os homens
pensariam (...) Eis portanto que o cinema no passar de uma possibilidade
lgica. Pelo menos o possvel ganhava nisso uma nova forma, mesmo se ainda
faltava o povo, mesmo se o pensamento ainda estava por vir" (2006, p.203).
Deleuze colocar mais frente que "faltava o povo". Glauber Rocha mostrou em
'Terra em Transe' (1967) que o povo no necessariamente quem o representa, no caso o
povo no nem sequer Jernimo (Francisco Milani), 'homem pobre', operrio e, presidente
do sindicato. Quando o 'povo', representado por Flvio Migliacio, tenta tomar a voz para
dizer que o povo no Jernimo, a voz desse povo muito extrema e muito distante dos
discursos de verdade, ela tem que ser calada, morta, em outros casos 'melhorada'. Saber que
falta comida no dar a percepo da prpria fome, como perceber o que a fome quem
nunca passou por ela? Contudo pode-se ou no despertar um pensamento a respeito no
encontro com as imagens. Em Terra em Transe no s os dilogos e falas apontam falhas,
incoerncias e distanciamentos entre os discursos e as vidas representadas pelos
personagens.
30
O cinema tem, como j colocado anteriormente, a capacidade de articular e conjugar
linguagens, linguagens presentes em outras artes como fotografia, msica, teatro e pintura.
No se faz mais forte por causa disso, mas pode ampliar sua prpria fora, no
necessariamente lgica, ao apresentar a possibilidade de tensionar o esquema sensrio-
motor, como viso e audio, nos possibilitando um choque, ao intensificar sensaes e
apresentar uma vida com paradas e repousos, uma vida mope/cega, vertiginosa, potica,
dramtica, uma vida que vaza de moldes de verdades.
Na cena citada em Terra em Transe percebemos que a inteno no representar a
realidade, a partir da trepidao da cmera ou dos gestos teatrais exagerados exaltando
personagens alegricos. Mas, tambm h a incorporao do som para intensificar a cena
que vem logo em seguida, na qual Vieira (Jos Lewgoy) carregado pela multido em
clima de festa e vitria, enquanto ouvimos uma msica prxima de um ritual atravessada
por um violino que nos oferece uma possibilidade de percepo prxima a um estado de
transe, bem distante de um som de festa pertinente ao que usualmente seria apresentado em
tal cena. Essa no se compe com um tema prximo ao carnaval e que poderia dar uma
representao mais lgica e linear. A composio de cena pem a realidade em tenso
contrastando os sentidos ao no caminhar de forma lrica ou em uma linearidade que
busque representar sentimentos de identificao. As imagens sonoras e visuais contrastadas
nos propem um choque.
Esse possvel choque no encontro com o bloco de sensaes composto pelo visual e
sonoro no nos dar uma percepo total, nem tampouco coletiva, pois ao contrrio do que
se acreditou na modernidade, no parece haver sujeito fora da imagem, nem uma essncia
de sujeito universal que viria como uma luz transmitindo verdades, iluminando o povo j
pensado. Tambm no haveria uma imagem de sujeito que afete a todos, a luz que
percebemos refletida na tela nos apresentando as imagens do filme, no chegar ao pblico
de maneira idntica.
Ao descartar uma imagem puramente transcendente como a imagem se apresentaria
em plano de imanncia?
31
A imagem entre Bergson e Deleuze
Imagem
Ao experimentar desvincular a ideia de um sujeito fora da imagem, apresenta-se
potente o conceito de imagem pensado por Deleuze, pois ao buscar pensar a filosofia na
imanncia, afastar-se-ia de uma transcendncia como finalidade de uma essncia dada a ser
alcanada, como tambm no cairia em uma lgica puramente emprica das relaes.
Vrias obras e pensadores atuam como intercessores de Deleuze para pensar o
conceito de imagem, e h sobremaneira uma influncia de Bergson e Peirce, mas tambm
atravessamentos de Espinosa e mesmo de empiristas ingleses7, para pensar a filosofia em
sua conexo com o cinema. H uma aproximao mais harmnica com o pensamento
bergsoniano, mas no se pode negar a influncia de Peirce no modo que Deleuze elaborar
a sua "taxonomia" das imagens, rompendo e modificando certas relaes anteriormente
estabelecidas, fazendo-as variar.
Deleuze (2011, p. 26) apresenta como Bergson teria pensado o problema da
imagem, exemplificando que atravs do esquema pensado por Bergson, imagem e
movimento seriam o mesmo e haveria um conjunto infinito de imagens que no cessam de
variar umas em relao s outras, sobre todas as suas caras e em todas as suas partes;
acrescenta que h "n" caras ou "n" dimenses dentro de um plano, que ser denominado
plano de imanncia. Chamaria imagem porque seria a que coincide o ser e o aparecer.
Seriam imagem e fenmeno em um mesmo sentido: aquilo que aparece. Frisamos o fato de
que aparecer no significa que estivesse anteriormente dada fora desse plano.
Como estas imagens no cessariam de variar uma em funo das outras, as
variaes dessas matrias se estenderiam to longe quanto suas aes e reaes. Uma
imagem tambm seria inseparvel da ao que exerce sobre as outras e das reaes que tem
frente s aes que sofre. Este pensamento de Bergson importante para Deleuze, pois
Bergson seria o pensador que teria levado mais longe o pensamento sobre a matria e, neste
7 Embora no v ser aprofundado neste trabalho, Deleuze acredita que os empiristas ingleses foram os que
mais levaram frente as variveis das formas de relaes, no entanto estes no teriam percebido que a relao
tambm estava em devir, e que esta poderia variar caso um dos termos pensados apresentasse uma mudana.
Em outras palavras se a relao for constituda de trs termos: 'a', 'b' e a prpria relao, se 'a' muda, 'b'
tambm mudar, assim como a prpria relao.
32
ponto, anterior ainda apario da imagem vivente, poderia ser colocado um grau de
igualdade entre os seguintes termos: imagem = movimento = matria (um mundo de
tomos, por exemplo).
Colocando de outra forma, mas ainda acompanhando o pensamento bergsoniano,
Deleuze nos dir que eleito um plano de "n" dimenses (o plano pode ter qualquer
dimenso), esse plano poder ser entendido como um conjunto infinito de coisas que
variam em funo das outras (sobre todas as suas caras e sobre todas as suas partes).
Este plano, o plano das imagens-movimento ser nomeado plano de imanncia, ou o
conjunto de todos os possveis. "Diria tambm que a matria de toda realidade, quer dizer
que tudo o que atua e tudo o que reaciona, e que real por isso mesmo, est sobre esse
plano. ao mesmo tempo conjunto de todas as possibilidades e matria de toda a
realidade."(DELEUZE, 2011, p.28)
Sobre o plano de imanncia derivam algumas imagens particulares, privilegiadas, e
essa imagem no dotada de nenhuma conscincia. O que acontece que essas imagens
privilegiadas recebem aes e tm reaes retardadas, ou seja, apresentam um intervalo
entre ao e reao (DELEUZE, 2011, p. 31).
Assim, as imagens que comporiam o plano das imagens-movimento passariam
tambm a poder variar em referncia ou funo de uma imagem privilegiada. Essa imagem
privilegiada ser erigida como centro de percepo (Deleuze deixa claro que isso no anula
o sistema de variao universal). O surgimento da imagem privilegiada no interferiria no
todo composto pelo plano, at porque o plano, como veremos, no um circuito fechado,
aberto e em devir.
Algumas partes desta imagem especial adquiririam uma relativa imobilidade
enquanto outras partes apresentariam uma fora ativa desenvolvida, uma possibilidade de
movimento despregada. Ou seja, ao invs de ter ao e reao, teriam aes recebidas que
adquiriram uma imobilidade relativa, e teriam aes executadas que adquiriram graus de
liberdade ou potncia particulares. Isso estaria compreendido no intervalo e efeito do
intervalo, portanto no viria de fora da imagem.
33
Este intervalo, este fenmeno da brecha, propiciaria ento uma reao executada
que se faz esperar e uma reao retardada que estaria assegurada por outras partes da
imagem, pois dispem de graus de liberdade superiores, garantindo dois efeitos.
O primeiro efeito diria respeito percepo, uma imagem-percepo que varia
respectivamente a um centro de indeterminao, a uma imagem privilegiada. Em outras
palavras, a imagem-movimento devm imagem-percepo por relao a um centro de
indeterminao.
Outro efeito que a imagem privilegiada condena algumas de suas partes para
transformar a imagem-movimento em imagem-percepo. Adiciona-se um sistema
centrado sobre um sistema acentrado do plano, o que faz com que as partes da imagem
imobilizada recebam excitaes e no reacionem em seguida, tm um intervalo e podemos
considerar este intervalo como o crebro (crebro = matria intervalo). Com o crebro
ganhamos um tempo (corte) para uma reao "inteligente", ou melhor, uma reao
imprevisvel e que ningum est disposto a reagir s aes sofridas. O crebro assegura a
diviso da excitao em microexcitaes. A reao inova em relao ao sofrida, por
ocasionar uma imagem-ao, uma ao adaptada, uma ao nova.
Mas o que aconteceria entre a percepo e uma nova ao? O que aconteceria
quando a excitao penetra a imagem privilegiada? Deleuze (2011) aponta que a excitao
passa para dentro, se inserta entre a superfcie de recepo e as superfcies de ao e reao.
O que penetra a imagem-afeco. No nem um "x" percebe, nem um "x" age, um "x"
sente, e sente algo nele, experimenta. Complementa que quando temos um afeto, no
sabemos o que fazer ou perceber (p. 36).
Frente a essa primeira exposio deleuziana e considerando teis esses argumentos
em sua maneira de definir a imagem, parece proveitoso pensar com o que fora apresentado
neste trabalho, que ao receber uma imagem, um filme por exemplo, esse no seria
percebido igualmente de uma mesma maneira, por mais que tais imagens tenham sido
construdas por mtodos que tenham a vontade de expressar ou enunciar tal ou qual
ideologia, o meio de expresso no teria total controle sobre o que exprimido.
O que recebido recortado, selecionado e tambm sentido, de variveis formas,
de maneira a sempre se diferenciar na experincia do vivente. Uma planta no recebe a luz
34
da mesma maneira que a outra, esta reao de seu organismo ainda ser intensificada a
outras variveis (solo, gua, parasitas...) o que afetar seu desenvolvimento. Quando se tem
um crebro, que uma imagem como outra qualquer, e que no possui imagens dentro dele,
as reaes frente uma percepo sentida tambm variaro diferentemente no vivido
segundo uma lgica indeterminada, podendo ser estimuladas em outras aes ou no.
O crebro dentro do contexto apresentado em acordo com o esquema bergsoniano,
dentro do plano de imanncia matria, uma imagem como as outras, imagem-
movimento. Imagem que, segundo Deleuze, seria uma imagem especial e apresentaria uma
brecha entre movimento recebido e o movimento executado. Em outras palavras, o crebro
nada, uma brecha, um intervalo. Mas um intervalo que conta, porque entre o
movimento recebido e o movimento executado se passam duas coisas.
Essa imagem privilegiada que apresenta uma brecha (o crebro) consegue isolar
uma ao principal. Ao mesmo tempo em que consegue antecipar a ao sofrida, tambm
retarda, o intervalo ganha um pouco de tempo (DELEUZE, 2011, p. 90). H a
possibilidade do novo. Assim a imagem privilegiada tem chance de produzir novas aes
(retardadas), ou seja, aes novas por relao ao sofrida e suas influncias (aes que
no derivam imediatamente da ao sofrida). Portanto de um lado a ao isolada e
antecipada que poderamos chamar de percepo, e de outro uma ao retardada, que
nova em relao ao sofrida.
Distanciaramos, assim, de atingir uma conscincia coletiva, essa tambm no est
fora de cada imagem. A imagem vivente no poderia ento capt-la em essncia, pois est
sempre a variar assim como tambm no h essncia fora da imagem. No h o mesmo
olho nas coisas, e as formas de percepo no deixaro de variar em suas respostas. Neste
ponto de vista 'o humano', visto como uma imagem-vivente que apresenta uma brecha
especial que o permite pensar, no deixar de diferenciar suas respostas quanto s aes
sofridas neste longo processo entre uma percepo e uma ao futura. Cada 'humano'
construir diferentemente sua vida no seu recorte que opera em um plano de imanncia, em
que sofrer processos que colocam uma possvel conscincia em devir e que s poder ser
intensificada mediante aos encontros singulares com os quais cada um se chocar neste
grande plano aberto e em devir.
35
O problema de se pensar a conscincia em um plano transcendente e fechado ainda
aparece muito forte na educao, na filosofia e nas artes. H tambm certa predisposio
nestas reas ao tomar a imagem em um sentido mais fenomenolgico e apontar a
possibilidade de se estar consciente 'de' algo. Essa segunda tendncia poderia escapar de
um fator transcendente, mas no condenaria os encontros do vivente a uma certa lgica de
diferenciao e reconhecimento ordinria? Qual seria o pensamento de Bergson a esse
respeito?
Imagem e conscincia
Deleuze (2011, p. 71) nos diz que imagem quer dizer que algum v e este plano de
imanncia (este conjunto infinito de imagens) no para ningum, no h ningum que
forme parte desse plano. Sobre este plano esto todos os olhos, desde que padeam de
aes e reaes.
Este ponto seria um dos atritos de Bergson com Sartre, pois para o segundo, toda
conscincia conscincia de algo, tudo correlato de uma conscincia (Deleuze, 2009,
p.140a). Bergson faz um mundo, chamado por Deleuze, de imagem-movimento, em que
no h imagem para nenhuma conscincia e no h conscincia. So imagens em si, no
so imagens para algum. Para Bergson toda conscincia algo.
Segundo Deleuze (2009a) haveria entre Bergson e os fenomenlogos uma
coincidncia do ponto de vista de se pensar imagem e conscincia: ambos localizaram na
psicologia clssica uma encruzilhada da qual esta psicologia no podia sair8.
Isso "consistia em que j no se podia sustentar-se em uma distribuio das coisas
que nos propunha que haveria imagens na conscincia e movimentos nos corpos.
Com efeito, esta espcie de mundo fraturado em imagens na conscincia e
movimentos nos corpos suscitava grandes dificuldades" (p. 131/132).
Dessa dificuldade surgiram duas correntes, uma fenomenolgica e outra que
resultou no bergsonismo.
Deleuze (2009a, p. 146) complementa que o que havia de comum entre as duas
correntes que ocorreu uma espcie de superao entre a dualidade 'imagem/movimento,
8 Esta crise da psicologia clssica, segundo Deleuze, consistia em que no haveria uma dualidade, imagens na
conscincia e movimento nos corpos (2009a, p.146).
36
imagem na conscincia, movimento no corpo.' Sugere que se aceitarmos a frmula para a
fenomenologia que 'toda conscincia conscincia de algo', em que acreditavam
sobrepassar a dualidade da conscincia e do corpo, poderamos acreditar que a proposio
bergsoniana nos levaria mais longe. Resume que no esquema bergsoniano 'toda conscincia
algo'.
A proposio de Bergson indicaria ento que no h dualidade entre imagem e
movimento, como se a imagem estivesse na conscincia e o movimento nas coisas, porque
no h ainda nem conscincia, nem coisa. H at aqui, unicamente imagem-movimento.
Lembrando que imagem significaria o que aparece, e o que aparece est em movimento. Se
o que aparece est em movimento no h mais que imagem-movimento. E essas agiriam e
reagiriam sobre todas suas caras e sobre todas as suas partes, at aparecer um centro de
indeterminao. At ento, Deleuze (2009a) explica que para Bergson haveria um em si da
imagem, uma imagem no teria nenhum motivo para ser percebida. "Existem imagens que
so percebidas e outras no. Um movimento pode muito bem no ser visto por algum e ser
uma imagem-movimento9" (...) No h mais que movimento, ou seja, no h mais que
imagens. Ento, literalmente, no tem coisa, nem conscincia".10
(p. 148).
Para Bergson a conscincia, o crebro, o corpo, seriam imagens-movimento sem
nenhum privilgio, privilgio de coisa ou privilgio de conscincia. Deleuze aponta: "Tudo
imagem-movimento e se distingue pelos tipos de movimento e pelas leis que regulam a
relao das aes e das reaes em tal universo"11
.
Define, portanto, uma identidade para imagem = movimento e diz que Bergson
ainda agrega um ponto importante ao afirmar que no apenas imagem = movimento e sim,
imagem = movimento = matria.
Colocar ento esta tripla identidade. Explica que a primeira identidade da matria
deriva da imagem-movimento. Porque imagem igual ao movimento, e que a matria
igual imagem = movimento. E esta conciliao iria bem, pois imagem e matria seriam
9 O que nos afastaria da ideia um tanto egocntrica de que 'ser ser percebido'.
10Bergson e as imagens. Deleuze (2009a, p. 148) complementa que a fenomenologia conservou as categorias
de coisa e de conscincia transtornando a relao. 11
Exemplo dado por Bergson em relao molcula. A molcula seria uma imagem, pois estritamente
idntica aos seus movimento. As molculas no tm o mesmo movimento no estado slido, gasoso, ou
lquido. Variam segundo leis (relao de uma ao e de uma reao), mas lembre que as leis para o estado
lquido no so as mesmas para o gasoso ou slido.
37
aquilo que no tem virtualidade. Bergson dir que na matria no h nada oculto. Claro que
h coisas que no vemos e cada vez mais existem instrumentos mais complexos que nos
mostram isso. Ento Deleuze (2009a) diz:
Mas h uma coisa que eu sei como a priori, como independente da experincia,
segundo Bergson: se na matria pode haver muito mais do que vejo, no h algo
distinto do que vejo. Neste sentido no tem virtualidade. Ento, na matria no
pode haver mais do que movimento. (...) h imagens que no vejo, nem por isso
deixam de ser imagens. (...) a imagem no existe em absoluto por referncia a
conscincia, posto que a conscincia uma imagem entre as outras. (p. 150).
Assim, antes de aparecer um centro de indeterminao, uma percepo privilegiada,
ou um retardo, uma imagem que no prolongar imediatamente uma ao sofrida em uma
reao executada, este universo, este plano de imanncia poderia ser pensado como um
universo maqunico das imagens-movimento12
.
12
Deleuze (2009a) coloca que no um universo mecnico, mecanicista, pois no se trata de conjunto
fechado. Lembra que para Bergson o Todo aberto. Tambm porque no procede por cortes imveis de
movimento, mas por cortes mveis. E por fim o universo das imagens movimentos vai muito alm das aes
de contato, vai a distncias to grandes como se queira. (p. 152)
38
Universo maqunico das imagens-movimento
Ao poder definir a tripla identidade: imagem = movimento = matria, Deleuze
trabalha melhor o universo maqunico das imagens-movimento e coloca a importncia
disso, pois at ento ningum havia podido mostrar que a imagem era ao mesmo tempo
material e dinmica. Resume que o bergsonismo tem de um lado o espao e de outro a
durao.
O primeiro captulo de Matria e Memria nos diria que o verdadeiro movimento
a matria, e a matria-movimento a imagem. No aparece a questo da durao. At ento
nem colocada a questo do extenso, pois seria o extenso que est na matria e no a
matria que est no extenso (Deleuze, 2009a).
Ao colocar a definio de imagem como aquilo que aparece: o fenmeno, Deleuze
(2011) se aproxima tambm do pensamento de Peirce (embora v diferir bastante ao
deslocar alguns conceitos), e coloca que para esse autor devemos partir do que aparece, e o
que aparece a imagem, o aparecer.
A coincidncia com Bergson que a imagem no algo que temos na cabea ou na
conscincia. No se poderia dizer nem que : o que aparece, sugere ainda que h algo por
trs. O que todos chamavam de aparecer, o fenmeno.
Entretanto Peirce no ficaria nem com a imagem, nem com o fenmeno, escolhe o
termo grego 'faneron'13
e que Deleuze (2011, p. 121) coloca que seria algo mais prximo
luz, ao luminoso: J o fenmeno est em devir, em movimento, mais prximo a uma
imagem cintica.
O cinema permite a Deleuze pensar conexes entre filosofia e imagem. Possibilita
que percebamos a imagem-movimento por articulaes de jogos de cmera, cortes e
montagem, que nem sempre expressam um todo causal e linear, o que pode intensificar os
significados e enunciado produzidos variando o modo usual de senti-las alm da percepo
usual que temos frente a estas, fazendo-as variar.
13
"... por faneron entendo o total coletivo de tudo o que est de qualquer modo presente na mente, sem
qualquer considerao se isso corresponde ou no a qualquer coisa real" (IBRI, 2000, p. 69)
39
Podemos com o cinema mergulhar em um universo embrionrio ou maqunico das
imagens-movimento, entre imagens. No poderia a tela tambm ser tomada como um
grande plano de imanncia em que as imagens se conectariam umas as outras podendo ter
relaes formais estabelecidas ou no? Os efeitos dessas imagens entre elas variariam tanto
quanto o efeito proporcionados nos corpos que assistem ao filme, s vezes de maneira mais
lgica e, por outras, em uma pura lgica da sensao.
Como fora aqui apresentado, as imagens no formam o pblico desejado pelo
discurso que se busca expressar.
Uma possibilidade de dessujeitamento imagtico passa pelo cinema experimental e
se o ponto que nos localizamos para pensar vibra mais intensamente com a filosofia da
diferena, no h como acreditar em um ser na imagem ou que 'ser ser percebido'.
Tambm no acreditamos que s se perceba de uma maneira, ou que todas as maneiras
valham para todos universalmente. Tambm se preza o conceito de afecto em nosso educar
imagtico.
Ao desfundar o sujeito da imagem, podemos pensar na fora do cinema
experimental em causar fissuras nas formas de vermos e sentirmos as imagens. As
experimentaes feitas nestes sentidos muitas vezes escapam a demasiada tendncia
representao com que muitas vezes nos so apresentadas as imagens flmicas.
Em Oklahama Gas, vdeo experimental de Oskar Fischinger (2004), poder-se-
experimentar variaes possveis entre as imagens-movimento em um mundo em que a
imagem vivente ainda no apareceu. As formas, que poderiam dar um certo sujeito na
imagem, nascem e se dispersam a todo momento.
Esse filme de Fischinger poderia possibilitar a percepo de uma segunda
caracterstica constitutiva do plano de imanncia alm de plano das imagens-movimento,
perceberamos a outra cara da imagem-movimento que daria condies da matria revelar-
se, a luz. Muitos dos filmes experimentais apresentariam imagens que se conectam sem
uma necessidade causal, ou sem que possamos perceber efeitos previsveis dessas
conexes.
40
Seria comum ouvir que a luz est do lado da conscincia, mas se no h conscincia
fora da imagem-movimento tal qual a proposta do bergsonismo, como se teria pensado essa
relao?
Luz a outra face da Imagem-movimento
O fenmeno aparece, a imagem aparece dentro de um campo de possibilidades que
o plano de imanncia. A matria ou imagem sofrer diferenciaes a todo tempo seja em
seus encontros com outras matrias, seja pela condio de ser revelada, a luz.
A luz se apresentar como a outra face da imagem-movimento, dando-lhe condies
de visibilidade.
Lembramos que um dos aspectos do plano de imanncia que ele seria constitudo
como conjunto infinito das imagens-movimento que reacionam umas sobre as outras, tal
qual exposto por Deleuze ao apontar o pensamento de Bergson. Algumas dessas imagens
apresentariam um retardo em relao ao sofrida e ao movimento executado e isso
possibilitaria o surgimento de imagens especiais sobre o plano, ou seja, imagens viventes,
ou matrias viventes que apresentam um intervalo de movimento.
Quanto questo da luz e sua propagao e difuso, at antes das imagens especiais,
haveria linhas de luz ou figuras de luz que se difundiam, que se propagavam em todos os
sentidos, em todas as direes, no haveria conscincia que viria ilumin-las desde fora.
Estas linhas ou figuras seriam luminosas em si mesmo, e s no eram reveladas porque no
tinham ainda esta possibilidade.
Se para a imagem-movimento poder se especializar fora necessrio o aparecimento
de um centro de indeterminao, uma imagem-vivente que apresentasse um intervalo entre
o movimento recebido e movimento executado, o que seriam estas imagens em relao
luz? Ser que, no pensamento de Bergson, a luz o mesmo que o intervalo de movimento
para o movimento?
Deleuze argumenta ento que so imagens separadas ou cortadas que iro deter a
luz. No tero mais que esse poder, deter a luz. As imagens viventes vo refletir a luz (com
41
mais razo quando tenham um crebro, ou olhos). A reflexo da luz (Deleuze, 2011, p. 91)
ser para a luz o que o intervalo do movimento para o movimento.
Deleuze mostra que para Bergson a foto est tirada nas coisas desde sempre, foto
(luz) transparente. O que faltava? Faltava algo detrs da placa. A placa no era outra coisa
que a imagem-movimento, a tela negra necessria para a luz ser revelada.
Assim o que seria a conscincia em ltima instncia segundo Bergson? o
contrrio da luz, a conscincia o que revela a luz. A conscincia a opacidade que vai
levar a luz a refletir, vai revel-la. Seramos ento como telas de reflexo de luz, no mais
que opacidades no mundo da luz. Cada imagem-vivente ir refratar a luz e refleti-la
diferentemente.
Desse modo se possvel existir a conscincia, essa no seria dada universalmente,
seria uma singularidade em ns atravessada por um campo de possibilidades que variar tal
qual a percepo de algo e no produzir os mesmos efeitos. A percepo de algo varia de
vivente a vivente j que s se consegue perceber outra imagem parcialmente. A
possibilidade de perceber no gerar necessariamente uma mudana da ao a ser
produzida, ou no necessariamente produzir uma nova qualidade.
Como fora apresentado entre a percepo e a ao, esta imagem especial que
apresenta um intervalo tanto pode antecipar a ao a ser recebida como pode produzir uma
nova ao. Uma imagem complexa como a imagem vivente talharia seu prprio mundo
dentro do plano de imanncia, que por um lado o plano das imagens-movimento em que
tais imagens impedem que o movimento recebido seja imediatamente prolongado em
movimento executado e por outro, o plano das imagens-luz, pois tambm impediriam que
a luz recebida se difunda em todos os sentidos e direes, estas refratam e refletem parte da
luz.
Este plano de imanncia ainda teria um terceiro carter que ser um corte mvel no
devir universal ao qual tais imagens especiais teriam uma relao privilegiada. Dentro
desse esquema, devir universal, durao e Todo (aberto) so termos equivalentes.
Assim, a esse corte mvel Deleuze chamar de corte transversal, dentro do todo,
nomeado plano de imanncia que contm imagens-movimento e imagens-luz onde
aparecer uma imagem-especial, um centro de indeterminao. Como isso aconteceria?
42
Deleuze diz que um centro de indeterminao como se a imagem tivesse
especializado uma de suas caras, e, neste momento, j seria possvel uma certa orientao,
uma percepo das outras imagens seria possvel. Com isso os rgos de percepo se
tornariam especializados, citando o exemplo do desenvolvimento do rosto.
No caso do vivente e, poderamos colocar o exemplo dos animais, no excluindo o
homem deste grupo, o rosto onde temos desenvolvidos vrios rgos de sentidos, seria
como se tivesse renunciado a uma maior mobilidade, para aprimorar esses rgos, os quais
influenciam nos modos de percepo. Pensamos ser importante acrescentar que ter vrios
rgos especializados, que possibilitem ao vivente perceber outras coisas, retira, dentro
deste pensamento, o privilgio do olho como rgo de percepo de outras imagens. Ao
percebermos outras imagens, no formaramos apenas imagens-visuais, mas tambm
olfativas, tteis, gustativas. Lembramos tambm que cada vivente as perceber
diferentemente.
Voltando a explicao que Deleuze faz do esquema bergsoniano, o enquadre do
mundo feito pelo vivente se d pela imagem-percepo. A percepo est montada sobre a
ao e, um enquadre extrado sobre um horizonte, como se o mundo adquirisse uma
curvatura. 'Essa curvatura no plano de imanncia far a imagem-percepo, a imagem-ao'
(DELEUZE, 2011, p. 98).
Deleuze retomaria que a imagem-ao uma imagem-movimento especial, pois
uma reao que no deriva imediatamente de uma ao sofrida.
Assim o centro de indeterminao implica imagem-percepo e imagem-ao, que
corresponderiam s duas caras ou os dois limites da brecha, aos dois limites do intervalo.
O filsofo pergunta ento o que acontece para essas imagens viventes no intervalo?
D ento a resposta de Bergson:
A resposta bruta que se tratar de um terceiro tipo. O que acontece, o que vem
ocupar a brecha a afeco. Se preferem, o afecto. So nosso terceiro tipo de
imagens: as imagens-afeco. (...) Bergson nos diz que uma imagem na qual,
diferente do que sucede na imagem-percepo, o objeto e o sujeito coincidem.
Ento no uma percepo. Se se trata de um afecto, que no se trata de uma
percepo. Uma auto-percepo um afecto, no uma percepo. Em outros
termos, estas imagens viventes tm um ltimo privilgio. No apenas perceber.
No apenas atuar. Terceiro privilgio: apenas elas, nos diz Bergson que tenta ser
o mais claro possvel, se conhecem desde dentro. Se dir tambm que se
experimentam desde dentro". (DELEUZE, 2011, p. 98 - 99)
43
Nomeadas as trs principais imagens derivadas da imagem-movimento, qual seria a
relao que Deleuze pensar entre cinema e filosofia?
Em seus cursos, Deleuze frequentemente aponta que durante a histria do
pensamento, quando h a descoberta de algo novo, pela cincia por exemplo, o pensamento
filosfico e artstico tambm tendem a variar.
Quando Einstein afirmou que a luz invisvel, contradizendo a ideia predominante
na poca que at ento considerava vlida a tese de Newton que tomava a luz como
substncia (as cores estariam contidas na luz), tal descoberta fez variar o pensamento
filosfico.
Com a inveno da possibilidade de projeo de imagens em uma tela por ocasio
da inveno do cinematgrafo, Bergson viu a possibilidade de se ter a sensao de uma arte
que expressasse um mundo de imagens-movimento. No entanto, abandona essa
possibilidade por acreditar que o mecanismo que produziria as imagens era demasiado
artificial, revelaria um mundo ainda mecanicista, pois s reproduziria uma sucesso de
imagens de movimento e no mostraria as suas conexes com a durao e o todo14
; via
nesse mecanismo apenas a chance de se poder registrar e representar a realidade.
Contudo, Deleuze, que estudou a evoluo do cinema para alm da filmagem de
registro da cmera fixa, conseguiu no s ver o cinema em seu desenvolvimento como arte,
para alm do mero registro da validao de fatos, como tambm pensar que o cinema
apresentava a possibilidade de apresentar a imagem-movimento, independente de seu
mecanismo de produo.
Perceber a imagem-movimento no quer dizer apenas que vemos coisas se moverem
na tela, teramos a capacidade de sentir o movimento em si. Como por exemplo, ter a viso
de um voo de um pssaro ou sentir um movimento de um mvel quando a cmera est
colocada nele, a percepo de movimento da prpria bola em sua trajetria, a 'viso' da
bola.
As invenes de jogos de cmera, as construes de planos sequncia e a montagem
do filme permitiram Deleuze compor uma taxonomia de imagens para o cinema com base
14
A sntese da teses de Bergson sobre o movimento esto na nota 3 desse trabalho.
44
no esquema bergsoniano aqui apresentado, e que se compe como o plano das imagens-
movimento, principalmente em suas trs principais variaes: imagem-percepo, imagem-
ao, imagem-afeco.
Ao apresentar estas trs imagens principais do pensamento bergsoniano dentro da
construo do plano de imanncia como poderamos relacion-las ao cinema?
David Martin-Jones15
explica que no cinema a imagem ao corresponde quela
imagem que conseguimos ver como as aes so mostradas pela cmera. A imagem-
percepo aquela que revela algo que pode ser visto, percebido. J a imagem afeco
corresponderia aos afectos, que no jogo de cmera equivaleria a um close-up de um rosto.
Deleuze (2006a) enfatizar que o rosto no necessariamente a face, pode ser tambm um
objeto, algo com potncia de efetuar uma nova qualidade. Distinguir dois termos: rostido
e rostidade.
A rostidade estaria mais perto dos sentimentos exprimidos pela face e que
corresponderiam a sentimentos mais psicologizados: carinho, raiva, felicidade, tristeza. A
rostido estaria mais perto dos sentimentos que no necessariamente poderamos localizar,
como por exemplo, a personagem sente algo em que percebemos pelo close-up que houve
uma mudana em sua forma de sentir, no entanto, no sabemos necessariamente dizer o
qu. A rostido est mais perto do afecto espinosano em que ao perceber algo seramos
como tomados por inmeros sentimentos que viriam embaralhados, uma nuvem de
virtualidades. Talvez os close-ups de Ingmar Bergman (1918-2007) evidenciem bem esse
tipo de rosto, em que no ainda possvel identificar uma reao ou um novo sentimento
que possa ter surgido. Tambm o close-up de um objeto, como uma faca poder conter um
campo de possibilidades, que variar pela construo do filme e a maneira que cada
telespectador relacionar as cenas. Um close em um quadro tambm no poder expressar
uma virtualidade alm do figurativo?
No esquema bergsoniano, Deleuze aponta que a imobilizao de uma das caras da
imagem-vivente garantiria uma mobilidade formidvel dos rgos motores. A imagem-
afeco aquilo que vem ocupar (no preencher) o intervalo, mas tambm aquilo pelo
15
Minicurso "Imagem - Deleuze" organizado por MDCC Labjor/IEL-Unicamp, realizado entre os dias 04 e
06 de julho de 2010.
45
qual a imagem vivente se experimenta ou sente a si mesma16
. H tambm uma segunda
definio de Bergson: a imagem afeco uma tendncia motriz sobre um nervo sensvel
(DELEUZE, 2011, p. 98). O nervo sensvel a placa imobilizada a servio da percepo.
A tendncia motriz o estado que toma a ao por relao a esta placa. Compreendem
ento que as duas definies de afeco so o mesmo (Idem, p. 100).
Deleuze retoma ento a noo de plano de imanncia que, por um lado, apresenta-se
como imagens-movimento que acionam e reacionam entre si, sobre todas as suas caras e
todas as suas partes. E por outro lado, quando nesse plano de imanncia as imagens se
relacionam com um centro de indeterminao e variam por relao a esse centro. Diz ento:
"com o surgimento dos centros de indeterminao a imagem-movimento adotou um
segundo regime que no substitui o primeiro, mas que se une a ele"(Idem, p.100).
A imagem vivente ento um complexo de trs imagens: imagem-percepo,
imagem-ao e imagem-afeco que se relaciona com as outras imagens do plano de
imanncia, podendo perceb-las ou no.
Os trs tipos de imagem-movimento fazem parte do plano de imanncia que em seu
terceiro aspecto um corte no devir universal, no Todo. Lembrando que nessa viso um
Todo aberto, o devir o que varia, o que tem uma mudana qualitativa.
Assim, em relao a esse Todo, a esse devir, Deleuze no v mais que duas
hipteses quanto possibilidade do cinema apresentar-nos o esquema bergsoniano de
variao universal. A primeira que o cinema no poderia criar uma imagem desse Todo,
este s poderia ser apresentado por um confronto de imagens, s poderia ser apresentado de
maneira indireta por planos sequncia e montagem.
A outra hiptese seria de que h uma imagem direta do tempo, e que poderamos
capt-la.
16
Deleuze aponta que estas imagens viventes conseguiram uma coisa incrvel. Conseguiram sacrificar,
imobilizar uma de suas caras. Uma imobilidade relativa, uma imobilidade da cara receptiva. Ganharam ento
uma mobilidade formidvel, a mobilidade da ao de seus rgos motores. Porm, pagaram um preo, o preo
da dor. Todas as aes que sofremos e que no chegamos a isolar, nos penetram e ali estaremos mil vezes sem
defesas. 'tudo isso produzir afectos.' (2011, p.99)
46
Figura 1: Esquema bergsoniano. Fonte: http://cosmoseconsciencia.blogspot.com.br/2011/07/grupo-de-
estudos-bergsonismo.html
A Figura 1 corresponderia ao esquema bergsoniano, em que P seria o plano de
imanncia, S o centro de indeterminao, e o cone s vezes ser chamado de memria, s
vezes devir, s vezes tempo real ou puro. Bergson diz que o plano no para de se deslocar,
o que supe que "S" tambm.
Deleuze buscar tambm no cinema uma imagem-tempo. Imagem-tempo quer dizer
que o tempo no vem pressuposto pelo movimento, ou seja, no imagem de tempo que
captaramos pelos cortes entre os planos sequncia ou pela montagem, apresentaremos esta
possibilidade mais frente.
Com as imagens: imagem-movimento, imagem-ao, imagem-percepo, imagem-
afeco e imagem-tempo, Deleuze desenvolver uma tabela conforme as conexes entre
elas, expandindo a tabela de imagens anteriormente criada por Peirce. No entanto Deleuze
coloca que esta tabela poderia ser vista como uma tabela peridica, no est acabada e cada
um teria direito de descobrir, criar ou inventar outras imagens.
Pensaremos que a imagem-contraste tambm possa ocupar lugar nesta tabela, neste
plano de imanncia, ao se compor com outras imagens.
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Imagem-movimento e imagem-contraste: entre conscincia e cognio
Pensamos ser importante ensaiar aqui o que foi apresentado em relao imagem-
movimento e o que poderia ser interessante para pensarmos a imagem-contraste ao
vincularmos conexes entre a cognio e a conscincia.
Gostaramos de apontar algumas correlaes entre o que apresentamos at agora
atravs da exposio dos comentrios e usos de Deleuze da filosofia bergsoniana, com a
imagem que pensamos nesta dissertao, a imagem-contraste conectada imagem
cinematogrfica.
O encontro de Deleuze com o cinema torna possvel pensar e desenvolver conceitos
filosficos. Pensamos que isso seja importante para pensarmos a educao com/pelas
imagens. Acreditamos tambm que o campo da educao est fortemente influenciado pelo
conceito de conscincia. Assim, o que vibra neste momento a necessidade de tambm
tensionar este conceito.
Nos encontros com imagens, formamos inmeras associaes e correspondncias
em nosso percurso de vida pelos estados de coisas. Habituamos a perceber certas coisas de
um modo e a reagir de uma maneira, mais ou menos, padronizada quilo que percebemos.
O cinema e a televiso no deixam de reforar certos padres de conduta com os
quais alimentam comportamentos generalizados, conforme nosso reconhecimento do que
nos apresentado.
Por estarmos habituados a uma cultura que privilegia gneros, muitas vezes, seria
como se ao vermos cenas de comdia, de terror, de suspense, tivssemos nesses encontros
com imagens, modelos que nos permitiriam ver, reconhecer e agir por estarmos conscientes
do que vemos. Em outras palavras, seria como se nosso pensamento estivesse modulado a
um padro de recognio que apresentasse respostas previsveis ou identificveis que, ora
nos levassem adotar padres, como por exemplo, de consumo, ora quisessem nos apontar
uma crtica generalizada a estes padres. Assim, conduzidos por um lado, ou conscientes de
outro, adotaramos posies ideais massificantes.
48
Se a cognio se resumisse a esses padres generalizantes de recepo e apreenso
de coisas, teramos que aceitar uma vida-rob, ou como alguns apontam, no escaparamos
de ser reduzidos em nossa existncia a um estado 'zumbi', molde de consumo ou uma vida
de rebanho. Ou, por outro lado, ficaramos todos espera de uma conscincia capaz de
tomar a todos em um mesmo discurso comum, idealizado.
Neste caso, o contraste no escaparia de poder ser apenas enunciado como negao
ou contradio das formas habituais, categorias identitrias e ideias essenciais. No
escaparia de s ser manifestado e reconhecido por formas de excluso, 'ou isso', 'ou aquilo'.
Como apresentamos anteriormente, o vivente em seu percurso pelo plano de
imanncia no necessariamente percebe tudo, e muito menos, percebe do mesmo modo, nos
encontros com outras imagens. Esta capacidade de percepo seria ainda ampliada pelo
crebro que garantiria um intervalo entre a percepo e a ao, capacidade que, no humano,
parece se desdobrar pela possibilidade de pensar.
Ao percebermos algo de uma imagem, no necessariamente a perceberemos de um
mesmo modo. A ao que poderemos realizar ou no, no necessariamente ser a mesma.
Parece no ser possvel uma conscincia universal a respeito do que percebemos, o que nos
afasta de apenas reproduzirmos respostas padres que impliquem em comportamentos que
garantam certa previsibilidade. At porque no h conscincia na imagem e, se essa existe,
ela se constituiria diferentemente em cada um de ns e no nos seria dada.
Em nossos encontros com imagens cinematogrficas, mesmo que reforcem
determinadas estruturas e arranjos convencionais de linguagem que tendam a uma certa
constituio de subjetividade, compostas por leis de semiticas e estruturas psicolgicas,
parece no haver tanta razo para temermos uma massificao operada pela televiso e o
cinema. Embora se montem padres, no assimilamos o que nos apresentado da mesma
maneira e, parece que nem a informao que nos chegue possa garantir aes
universalizantes.
Claro que dentro de uma linguagem, uma educao, uma poltica maior, h a
tendncia de generalizao e de estabelecimento de categorias e padres que tendam ao
universal, mas mesmo nos constituindo conjuntamente com estes padres que influenciam
nossa subjetivao, a chance de desvios sempre pode acontecer no intervalo entre
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percepo e ao. Em nossos encontros com imagens, sentimos diferentemente, mesmo que
reduzssemos estes encontros aos encontros extensivos com os estados de coisas.
Tambm ao nos deslocarmos pelos estados de coisas, as coisas se apresentam de
maneiras diferentes e parecem no poder ser reduzidas apenas a representaes de modelos
de vida. Isso nos permite j desconfiar de uma conscincia universal dada por
identificaes que nossa inteligncia captaria dos estados de coisas, pois estar consciente de
algo diferir de diversas maneiras a como cada um percebe algo, s diferentes conexes que
cada um realiza ao perceb-lo, e tambm, como cada um compor sua ao de acordo com
a percepo que teve.
Vale ainda acrescentar que o vivente no est parte do meio no qual ele percebe tal
ou qual coisa, o meio tambm ter grande influncia na relao que se estabelece com os
encontros, pois sempre muda, o que tambm nos faz mudar percepes e aes, como
tambm, intensificar e produzir continuamente diferenas. Quando o meio muda, mudam
tambm as relaes habitualmente estabelecidas, ao passo que tambm novas relaes se
atualizaro diferentemente em cada um, no consensualmente.
Ao seguirmos com Deleuze e Bergson, a conscincia no viria como 'luz'. Essa no
teria a capacidade de iluminar ou promover modos de agir ideais, j que no seria igual
para todos, implicaria diferenas singulares que afetariam diferentemente cada um, alm da
multiplicidade de conexes que cada um poder efetuar ou no. Em outras palavras,
'conscincia de' no constroi em um coletivo de indivduos condutas universais, existem
sempre variaes quanto percepo, afeco e possvel ao ao que fora percebido. s
vezes, em nossos encontros somos atingidos, somos levados a um estado que no se reduz a
um mero reconhecimento ou a um sentimento identificvel, e que poder nos fazer sentir de
outro modo.
Os encontros com artes podem nos ajudar a pensar possveis diferenas que nos
ajudariam a perceber rachaduras de uma conscincia universal relacionada a uma cognio
centrada no reconhecimento de coisas, abrindo brechas-possibilidades de diferentes
pensamentos se constiturem em seus diferentes ritmos modulatrios na imanncia,
privilegiando afectos que cada um possa vir a sofrer pelo percurso na extensividade, sem
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uma possvel determinao dada a priori, instituda por um padro, um mtodo ou um
projeto universal.
Como j vimos com Deleuze, cada um talha seu mundo sobre o plano de imanncia.
Tambm o crebro ajudar a prolongar o intervalo que se d entre percepo e ao,
operando saltos que ajudaro a compor a singularidade do vivente, j que nem sempre ns
alcanamos a mesmas respostas no entre sinapses.
No pensamento de Bergson, exposto por Deleuze, dentro dos intervalos ou brechas,
ainda poderiam acontecer duas coisas. Em primeiro lugar, seguindo com a imagem-
movimento, entre a imagem-percepo e a imagem-ao, a brecha seria ocupada pela
imagem-afeco. Assim, a imagem-afeco ocupa a brecha, mas no a preenche. Em
segundo, o que vai preencher a brecha a imagem-mental, como o pensamento trabalhar
em decorrncia de um afecto sofrido. Por vezes bastar um reconhecimento para montar a
ao que se desenvolver - recognio - por vezes, o pensamento ser elevado a outra
potncia, sendo necessrio inventar uma nova ao, que lograr em algumas tentativas e
falhar em outras na resposta que busca apresentar. O afecto o que d chance da cognio
pensar o todo e inventar o novo.
Em nossos encontros com a arte, ao percebermos algo, s vezes somos afetados com
determinada intensidade. Esta intensidade, no entanto, no localizvel, nem mensurvel,
mas ns precisamos de algum modo inventar como diz-la, criar com ela, pois a afeco em
si no nos d uma resposta. O trabalho de nossa mente, em como dizer isso ou no, pode
levar criao de algo: de um conceito, de um monumento, de funes, como tambm,
inventar a prpria vida.
A vida vista assim se abre possibilidade de ser problematizada, de se compor por
uma esttica que privilegie os acontecimentos que a tomam. Esta no apenas se compe de
consensos, de relaes ideais harmnicas, de imagens mentais universais. Ela se compe de
divergncias entre os fluxos que a tomam, entre as nuances que se afirmam por contrastes e
que no necessariamente se opem, desfazendo e desmontando padres ideais estticos, j
que as imagens em si no carregam nenhuma conscincia. A vida criada nas potncias dos
dramas que a tocam, entre lutas, entre danas das foras de composio que se modulam
entre acasos e devires e que rasgam e rasuram moldes da conscincia humana,
51
possibilitando com que cada um retenha ou reflita diferentemente de maneira contnua,
compondo suas prprias imagens mentais.
Contrastes extremos entre imagens, ao invs de construir um olhar que identifique e
reconhea diferenas, parecem apontar coexistncias possveis de diferentes conexes que
possam se compor e que no necessariamente levaro mesma organizao mental e a
conscincia de algo.
Talvez, possa levar a uma conscincia que no venha 'de' algum lugar, mas que
acontea 'em' ns, pelo contnuo e no linear caminhar pela imanncia, entre todos os
encontros que realizamos pela vida, afirmando no vivente uma variao complexa contnua,
pensamento que temos como intercessores Bergson e Deleuze.
Ao entrevistar o filsofo Luiz Orlandi17
, tradutor do "Mtodo de Diferenciao"
(DELEUZE, 2008b) e autor do texto "A filosofia de Deleuze' (ORLANDI, 2009),
buscamos tambm estender linhas deste trabalho que se compe no encontro entre filosofia
e arte no campo da educao, e que considera importante a ideia de 'encontro' para se
experimentar pensar a ideia de contraste.
'O mtodo de dramatizao' um texto em que Deleuze busca garantir sua filosofia
sem cair em um empirismo puro e vincular a vida apenas relacionando-a a reconhecimentos
de formas que constituem saberes, como tambm possibilitaria no cair em uma pura
transcendncia.
Neste texto Deleuze apresenta o termo diferenciao-complexa, termo pertinente
para apresentar a vida do vivente no meramente a uma disposio do reconhecimento das
diferenciaes dos estados de coisas, como tambm apresentar que em certos encontros do
vivente com um estado de coisa, o vivente tem uma percepo intensificada, em que precisa
ter o que dizer, o que criar. O vivente est sempre a se encontrar com o que reconhece em
seu percurso pelos estados de coisas, mas s vezes um encontro o toma de tal maneira que
ele precisa criar, inventar algo que ele ainda no sabe o que . Pode-se dizer que isso ter
uma ideia.
17
Entrevista realizada no dia 24/06/2013 com Luiz Orlandi durante a elaborao desta dissertao e que teve
a inteno de entender melhor como se daria a ideia de encontro em Deleuze.
52
Segundo Orlandi, a filosofia de Deleuze uma 'filosofia dos encontros', pois
Deleuze est sempre a se encontrar com outros filsofos, escritores e artistas para criar sua
filosofia. A tarefa da filosofia segundo Deleuze e Guattari criar conceitos, para criar
conceitos preciso ter uma ideia. O que uma ideia? A ideia uma imagem (DELEUZE &
GUATTARI, 1992).
Os encontros no so lineares, muitas vezes neles tendemos a reconhecer coisas e
identific-las. Mas como j colocamos o vivente-humano possui um crebro. O crebro nos
d a chance de no recebermos outras imagens de uma mesma forma igualmente como em
um circuito fechado. s vezes no encontro com estas imagens sentimos diferentemente e
produzimos uma nova ao. O pensamento vai alm do entendimento, ele cria, e, quando
cria, vai alm do esperado, ele inventa o novo. No seria este um processo dramtico?
Em arte o drama est relacionado quebra das relaes de formas de composio
que tendem ao lrico, podendo ser trgico ou no. O artista ao apresentar sua obra o faz
atravessado por pensamentos e discursos estticos, polticos distanciando-se mais ou menos
das formas usuais de reconhecimento em que expressa atravs da linguagem que busca
apresentar ou representar. A imagem criada pelo artista pode nos dar o que pensar ou no e,
ele ter pouco ou nenhum controle sobre as sensaes que podem ser despertadas.
Ao acreditar na fora da imagem, no basta apenas investigar se ela instaura o
drama ao articular diferentes linguagens e quebrar com o lrico. Sabemos que para muitos
importante buscar se este drama problematiza uma situao de dominao, questiona certo
modo pelos quais as pessoas pensam, vivem, sentem e a maneira pela qual ele faz isso.
Como tambm pode ser importante pensarmos se um encontro com o que expresso na
quebra de um lirismo poderia possibilitar acontecimentos que vo alm do localizvel,
identificvel, alm da conscincia de algo.
Algo que poderia nos afetar a sentir de outra forma, no por mera reflexo ou
ilustrao semitica, e sim, numa outra apresentao semitica que possa no apenas se
fazer refletir claramente ou idealmente, mas que se componha com certo embarao do
modo dominante de leitura , interpretao e percepo provocando o pensamento a pensar
outras formas de conhecimento e entendimento das vrias possibilidades de efetivaes de
mundos e de imagens que possam vir a existir.
53
Quanto ao cinema, Deleuze (2006a) nos diz que
O cinema no uma lngua, universal ou primitiva, nem mesmo uma linguagem. Pe em dia uma matria inteligvel, que como um pressuposto, uma condio,
um correlato necessrio atravs do qual a linguagem constri os seus prprios
objetos (unidades e operaes significantes). Mas este correlato, mesmo
inseparvel, especfico: consiste em movimentos e processos de pensamento
(imagens pr-lingusticas) e em pontos de vista tomados sobre esses movimentos
e processos (signo pr-significantes). (p. 334).
Busca-se nesse contnuo estudo do contraste nesta dissertao de Mestrado,
sobretudo ao pensar algumas possibilidades apontadas no cinema moderno e
contemporneo, momentos em que o drama marcado por outras conexes imagtico-
sonoras que faam pulsar outros signos, mesmos que causados no choque da representao
por ela mesma; movimentos que possam causar uma imobilidade reativa no prprio
esquema sensrio-motor e acordar uma dimenso virtual-intensiva. Provocar e potencializar
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