NOVO DESENVOLVIMENTISMO, TRABALHO E EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL NO BRASIL: ELEMENTOS DE CONTEXTO
Epitácio Macário Professor adjunto na Universidade Estadual do Ceará (UECE) na área de Economia Política;
É Doutor em educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC);
Integra o Centro de Estudos do Trabalho e Ontologia do Ser Social (CETROS/UECE).
Resumo. A economia política do Brasil contemporâneo repõe as bases do neoliberalismo
no plano macroeconômico, mas opera flagrantes inflexões na microeconomia e no
financiamento das políticas sociais. Esse artigo objetiva elencar algumas características
do modelo político-econômico capitaneado por Lula da Silva e Dilma Rousseff e
apresentar alguns de seus impactos na dinâmica do mercado de trabalho, com foco no
emprego, na renda e na educação profissional.
Introdução
Na entrada do novo milênio, vários países latino-americanos que haviam adotado
o receituário neoliberal como forma de superar suas crises encontravam-se à beira do
colapso em função dos resultados sociais amplamente negativos, das baixíssimas taxas
de crescimento econômico e da conflagração de conflitos políticos que derrubaram
governos ou sinalizavam o esgotamento da governabilidade na região.
Nesse cenário, formuladores de políticas econômicas ligados ao Banco Mundial e
autoridades científicas como Joseph Stiglitz passaram a preconizar a necessidade das
principais economias da América Latina realizarem ajustes nas suas políticas econômicas,
fortalecendo a presença do Estado na regulação e na criação de condições favoráveis ao
investimento e ao livre mercado. A ideia era que a combinação de Estado forte com
mercado livre e forte abriria rotas para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e
maior oferta de empregos o que, combinado com a adoção de políticas de assistência aos
mais pobres, deveria resultar num círculo virtuoso de crescimento econômico com maior
equidade social. Tais resultados, se alcançados e bem administrados, atuariam
positivamente na resolução dos conflitos sociais que tomaram a agenda nacional de vários
países da região, garantindo a governança e a governabilidade.
No Brasil, tais formulações casaram-se com o programa capitaneado pela aliança
de classes que conduziu o ex-metalúrgico Luís Inácio Lula da Silva ao posto de presidente
da república nas eleições de 2002. Com efeito, a opção do Partido dos Trabalhadores
(PT), e de outros segmentos de esquerda que giram na sua órbita, foi pela construção de
amplo pacto de interesses em torno da ideia da promoção de uma nova etapa de
acumulação de capital no País que operasse mudanças de aspectos periféricos da
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EdUECE - Livro 302770
ortodoxia neoliberal, mantendo as privatizações, a política de superávits primários, a
abertura ao capital transnacional e o Estado gerencialista.
Assim, no que pese a continuidade da orientação macroeconômica neoliberal,
defendiam-se inflexões na intervenção estatal no plano da microeconomia e nalgumas
políticas públicas. De um lado, seria necessário azeitar as correias de transmissão que
operam entre o fundo público, gerido pelos bancos federais, e as grandes empresas
nacionais – do setor da construção civil e mineradoras, por exemplo; defendia-se maior
protagonismo do Estado nos investimentos em infraestrutura mediados pela iniciativa
privada, como se materializou nas Parcerias Público-Privado (PPP), no Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) e, particularmente, no programa Minha Casa Minha
Vida; impunha-se que o Estado manejasse a poupança interna e o fundo público no
sentido de financiar o consumo das massas trabalhadoras, fomentar o empreendedorismo
e apoiar a agricultura familiar; e, ademais, seria indispensável a destinação de verbas
públicas em montantes maiores para garantir o enfrentamento da extrema pobreza e da
miséria por meio do programa Bolsa Família e de outros programas assistenciais como o
Benefício de Prestação Continuada (BPC) destinado aos cidadãos que não conseguem
suprir suas necessidades básicas por seus próprios esforços ou pela ajuda de familiares.
Não que não tenham diferenças importantes, fato é que o encontro e fusão das
propostas do Banco Mundial, de formuladores econômicos pró-sistêmicos – que
defendiam a necessidade de reforma no ideário neoliberal – com o projeto abraçado pelas
forças políticas de esquerda que sustiveram o programa de governo de Lula da Silva
formou um amálgama que daria base à nova fase de acumulação de capital e de inserção
do Brasil na economia internacional. Analistas de linhagens teóricas e vinculação política
diferentes têm chamado essa fase ora de pós-neoliberalismo ora de
neodesenvolvimentismo. Na trilha de Boito Júnior (2012), utilizamos esta última
denominação por falta de melhor conceito.
Nesse artigo, interessa discutir algumas mudanças operadas na dinâmica do
mercado de trabalho que incidem na situação de renda e de qualificação da classe
trabalhadora. Isso será feito em três momentos: no primeiro caracterizamos a fase atual
de acumulação capitalista no Brasil, no segundo inquirimos elementos da dinâmica do
mercado de trabalho e, no terceiro, situamos o debate sobre educação profissional.
1. A fase atual de acumulação de capital no Brasil: mudando para conservar
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
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O projeto neoliberal implantou-se nos países latino-americanos durante a década
de 1990 e obteve grande sucesso no plano ideológico e cultural, pois engendrou amplo
consenso em torno dos seus princípios: o individualismo possessivo como fundamento
da sociabilidade, o alargamento da lógica mercantil para a área dos direitos e garantias
conquistados pelas classes populares, o deslocamento da intervenção do Estado em favor
da plena liberdade de mercado e, fundamentalmente, trabalhou duro para impor a ideia
de que não existia alternativa numa época de derrotas do socialismo (BORON, 1999, p.
9 ss). Uma década depois, todavia, nos primórdios dos anos 2000, a crítica à ortodoxia
neoliberal ecoava de várias trincheiras, inclusive de formuladores pró-sistêmicos como
acima indicado, motivada principalmente pelo fracasso econômico do projeto que se
expressava na crise que varria o continente e, fundamentalmente, na piora dos indicadores
sociais e nas explosões de conflitos que ameaçavam a governabilidade (vide o caso da
queda de governos na Argentina).
Essa crítica apontou a necessidade de um novo modelo de desenvolvimento
econômico ancorado no livre mercado com maior intervenção do Estado – uma
combinação de estado forte com mercado forte na formulação de Sicsú, Paula e Michel
(2007). Segundo essa perspectiva, os graves problemas de ordem econômica e social
aprofundados com o neoliberalismo seriam equacionados no bojo de uma pragmática que
procurou expandir o escopo das políticas e programas assistencialistas e intervir na
microeconomia, gerando ambientes favoráveis ao investimento e crescimento setorial,
mantendo intacta a estrutura da propriedade (inclusive os latifúndios!), os acordos de
pagamento da dívida pública, a abertura para o mercado externo, a política de austeridade
fiscal e superávit primário.
Na perspectiva de Bresser-Pereira, um dos mais destacados formuladores dos
ajustes do Estado brasileiro no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o
novo desenvolvimentismo implementado no governo de Lula da Silva caracteriza-se tanto
por implementar mudanças nas diretrizes neoliberais como por distanciar-se da velha
ideologia da “esquerda burocrática”: por um lado, há um redirecionamento da economia
em favor do setor produtivo; o Estado volta a investir sempre nos limites do rígido
equilíbrio fiscal; mantém-se a abertura do mercado por ser benéfico ao aumento da
produtividade e modernização do parque industrial; há incentivo aos setores exportadores
com preocupação para o setor com maior valor agregado. Por outro lado, o modelo
renuncia a ideia do protecionismo e endividamento estatais em prol de políticas de
substituição de importações e de implemento do consumo interno – estas que são
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características do nacional-desenvolvimentismo. Segundo o autor, no novo
desenvolvimentismo a nação é fortalecida pela soldagem de amplo consenso de classe e
fortalecimento das instituições de modo a resguardar tanto os interesses sociais como a
liberdade de mercado.
Em direção oposta, Reinaldo Gonçalves critica o novo desenvolvimentismo à
brasileira naquilo que ele representa de continuidade do neoliberalismo e porque renuncia
ao que havia de positivo no nacional-desenvolvimentismo. Assim, afirma o autor que a
linha geral desse modelo é dada pela busca do crescimento econômico com menor
desigualdade, sem sequer tratar de aspectos estruturais como:
(...) mudanças na estrutura de propriedade; estrutura tributária e distribuição de riqueza;
vulnerabilidade externa estrutural nas esferas comercial, produtiva e tecnológica;
influência de setores dominantes (agronegócio, mineração e bancos); e viés no
deslocamento da fronteira de produção na direção do setor primário. (GONÇALVES,
2012, p. 660).
Passada a primeira década do governo do PT, pode-se dizer que houve maior
crescimento econômico que no hard time do neoliberalismo. Com efeito, a taxa média de
crescimento do PIB entre 1995 e 2002 foi de 2,3% a.a. e no período que vai de 2003 a
2012 a média ficou em 3,6% a.a. O pequeno incremento dessa taxa não deixou de ser
saudado entusiasticamente pelos formuladores da política econômica de Lula e Dilma,
dada a conjuntura de crise que assola as economias desenvolvidas desde 2008. Já para os
técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) os resultados são
medíocres quando comparados com outras economias emergentes, o que eles lamentam
porque o Brasil tem vantagens comparativas como “o tamanho do mercado interno
potencial e as bases produtivas existentes” (IPEA, 2009, p. 28).
Que impactos o atual modelo de acumulação de capital desencadeou sobre o
mercado de trabalho brasileiro e quais rebatimentos sobre os rendimentos, a escolarização
e qualificação da classe trabalhadora?
2. Dinâmicas do trabalho, rendimentos e escolarização dos trabalhadores
O impacto mais notável do modelo atual se expressa na capacidade de
incorporação no mercado de trabalho de parte considerável do imenso exército de reserva
produzido nos anos duros do neoliberalismo. No final da década de 1990, a taxa média
de desemprego total calculada pelo Dieese em seis regiões metropolitanas brasileiras (São
Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Brasília, Salvador e Recife) ultrapassava os 20%.
Esse indicador caiu pela metade, reduzindo-se para 10,5% em 2012. Houve pequena
melhora na qualidade das ocupações uma vez que a proporção das que se enquadram
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 302773
como vulneráveis caiu de 36% no ano de 2000 para 29% em 2010, resultante da geração
de empregos formais durante toda a década. O gráfico 1 expressa a evolução dessas duas
variáveis.
Interessa examinar os empregos gerados na primeira década do milênio que
motivaram a importante redução da taxa de desemprego. A tabela 1 e o gráfico 2 são
instrutivos quanto a isto, pois demonstram que o modelo atual tem demonstrado
importante elasticidade na geração de empregos na base da pirâmide salarial com
prejuízos para os postos de trabalho mais valorizados. Com efeito, os saldos positivos no
fluxo de admissão/demissão se verificam precisamente na faixa de até dois salários
mínimos, enquanto nas faixas acima dessa remuneração os saldos foram sempre
negativos. Continua, pois, o processo de destruição de postos de trabalho melhor
remunerados e a realocação da força de trabalho em empregos com salários menores. Esse
fenômeno é resultante de várias determinantes, dentre as quais o processo de
reestruturação produtiva que tende a extinguir funções e cargos mais elevados (os de
gerência intermediária e controle de qualidade, por exemplo) e realoca-los nos estratos
inferiores da escala salarial. Outro determinante está no fato de os setores mais dinâmicos
na geração de emprego serem precisamente aqueles marcados pela precarização laboral
– como é o caso do comércio, dos serviços e da construção civil.
A tabela um mostra que durante toda a primeira década do novo milênio as
admissões superaram os desligamentos em mais de dezesseis milhões na faixa salarial de
até dois salários mínimos. Dinâmica inversa sofreu a evolução dos postos de trabalho cuja
remuneração ultrapassa dois salários mínimos: em toda a década foram destruídos 3,6
milhões de postos de trabalho nessa faixa salarial. O gráfico dois ilustra muito bem a
tendência de concentração dos empregos na base da pirâmide salarial em detrimento das
demais faixas salariais. Observa-se que a participação das admissões da faixa de até dois
salários mínimos cresceu muito na década, saindo de 54,52% para 85,98%. Ao contrário,
as faixas salariais superiores perderam participação no total das admissões, pois no ano
de 2000 representavam juntas 45,49% das admissões, decaindo para uma participação de
14,02% no total de admitidos no ano de 2010.
Esse fato contrasta com a ideia amplamente difundida nos meios acadêmicos e
gerenciais de que estaríamos vivendo um paradigma que prima pela melhoria contínua
dos postos de trabalho. Antes, os números atualizam a já antiga tese do sociólogo
brasileiro Ruy Mauro Marini (2005) segundo a qual, nas condições de dependência, o
capitalismo brasileiro procura sempre melhorar sua performance no mercado externo por
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EdUECE - Livro 302774
meio da superexploração da força de trabalho. Este ponto de vista é defendido por Luce
(2012) a partir da análise de variáveis como acidentes de trabalho, valor histórico-social
da força de trabalho, produtividade e política de salário mínimo do governo Lula.
Diferentemente da tabela um e do gráfico dois, que medem o fluxo
admissão/desligamentos no emprego formal, o gráfico três ilustra a composição do
estoque de empregos formais contabilizados pelo Ministério do Trabalho por meio da
Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). Nele, demonstramos a composição do
estoque de empregos formais por grau de instrução. Com base na ilustração podemos
afirmar que há uma tendência de aumento da escolarização da força de trabalho, pois,
como se observa, no ano de 2006, 36,83% do estoque era composto por trabalhadores
analfabetos ou com ensino fundamental incompleto e completo, índice que decai para
26,17% em 2012. A perda de participação desse estrato se fez em favor do segundo que
engloba os trabalhadores com ensino médio incompleto e completo. Esse segmento gozou
de importante crescimento, saindo de 43,93% no início da série para 52,02% no final.
Quanto ao ensino superior (incompleto e completo) nota-se pequeno crescimento de
participação no estoque total de empregos no período, destacando-se, ainda, que para o
ano de 2012, a RAIS contabilizou uma participação da ordem de 0,57% de trabalhadores
com mestrado e doutorado (este dado não foi incorporado ao gráfico).
Duas reflexões merecem ser feitas aqui. A primeira é que não se deve concluir
apressadamente que a elevação tendencial da escolarização da força de trabalho se deve
unicamente à melhoria da qualidade dos postos de trabalho e a exigências mais complexas
requeridas dos trabalhadores. A literatura da área mostra que não está havendo um
enriquecimento da massa das ocupações, senão formas mais insidiosas de controle e
extração de sobretrabalho por meio, por exemplo, da polivalência e das equipes
multifuncionais, – o que, também, motiva a contratação de pessoas com maiores
capacidades intelectuais, cognitivas e determinadas competências que só se adquirem nos
graus intermediários da escolarização. Ademais, as lutas das classes subalternas
brasileiras tem pautado seriamente o problema da educação e conquistado a vinculação
de fundos para seu financiamento – a exemplo do Fundo de Desenvolvimento do Ensino
Básico (Fundeb) – o que tem impactado positivamente na elevação da escolarização da
juventude brasileira. Assim, as empresas dispõem hoje de contingente considerável de
jovens trabalhadores com escolarização de nível médio disposto a ocupar-se em
atividades de baixa qualidade ao preço de até dois salários mínimos.
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A segunda reflexão advém do cruzamento dos dados sobre a composição das
admissões segundo a remuneração e a composição do estoque de empregos segundo a
escolarização. Enquanto se destroem postos de trabalho melhor remunerados e se aloca a
massa da força de trabalho na base da pirâmide salarial (num movimento de nivelamento
por baixo) se exige maior escolarização dos trabalhadores. Isso parece contraditório para
os que analisam tais dinâmicas pelo viés apenas técnico, que normalmente enxerga o
aumento do nível de escolarização motivado pelo enriquecimento de funções e melhorias
gerais dos postos de trabalho gerados na economia. Em verdade, o aparente paradoxo é
expressão do contexto em que se desenrola a luta entre as classes fundamentais, marcado
fundamentalmente pela regressão de direitos. Noutras palavras, o paradoxo expõe a
correlação de forças favorável aos empresários num período de longa duração
caracterizado pelo descenso das lutas dos trabalhadores – o que tem permitido a
imposição de níveis de renda rebaixados mesmo no período de crescimento favorável ao
crescimento.
3. O debate da educação profissional
No bojo do neodesenvolvimentismo, a educação profissional ganha importância,
sendo mobilizada em várias modalidades e por meio de variadas instituições com a
finalidade de aumentar a capacidade produtiva da força de trabalho e melhorar a
performance da economia doméstica em face da concorrência internacional. Ela é, ainda,
importante vetor de socialização da juventude trabalhadora segundo valores que
positivam o exercício profissional como meio de afirmação individual e de contribuição
com a cidadania. Quase sempre, o ensino profissionalizante é realizado sem a devida
crítica das condições econômicas e culturais rebaixadas das massas trabalhadoras. É nesse
diapasão que ocorre a expansão da rede de Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia (IFET) que, segundo demonstra Sicsú (2013, p. 44), ganhou 259 novas
unidades entre 2003 e 2013; que se vincularam vultosas somas de recursos públicos para
o financiamento de programas de qualificação/socialização dos trabalhadores a exemplo
do ProJovem e do Pronatec.
É digno de nota o profícuo debate, fundado no pensamento crítico, que conseguiu
adentar instâncias governamentais e, inclusive, alterar a institucionalidade da educação
profissional com a revogação do Decreto-Lei 2.208/97 pelo Decreto 5.154/2004.
Malgrados aspectos que garantem a desvinculação entre formação para o trabalho e a
elevação dos níveis de escolarização formal dos trabalhadores (CÊA, 2009), o referido
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 302776
decreto representa importante deslocamento do ideário neoliberal na institucionalidade
da educação profissional. A nova institucionalidade garante, todavia, que várias
instituições públicas e privadas abocanhem quinhões do fundo público para na promoção
da qualificação dos trabalhadores nas modalidades sequenciais e concomitante em
desfavor da integração entre escolarização de nível médio e qualificação.
No confronto pela nova institucionalidade estava em discussão não apenas
aspectos técnicos e pragmáticos, mas a concepção mesma de educação profissional, o que
permitiu aos educadores e estudiosos que defendem a integração entre formação para o
trabalho e formação geral e humanística uma corajosa – e nem sempre exitosa! –
intervenção no debate. Para Frigotto, Ciavatta e Ramos a defesa da integração entre
formação profissional com a escolarização formal tinha a natureza de “travessia possível”
no contexto dos embates políticos de meados da primeira década. É uma travessia que
aponta para o horizonte da “escola básica unitária e politécnica, centrada no trabalho, na
ciência e na cultura, numa relação mediata com a formação profissional específica que se
consolida em outros níveis e modalidades de ensino.” E Arrematam:
O ensino médio integrado é aquele possível e necessário em uma realidade
conjunturalmente desfavorável – em que os filhos dos trabalhadores precisam
obter uma profissão ainda no nível médio, não podendo adiar este projeto para
o nível superior de ensino – mas que potencialize mudanças para, superando-
se essa conjuntura, constituir-se em uma educação que contenha elementos de
uma sociedade justa. (FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005, p. 15).
Como toda travessia, não obstante, esta é eivada de obstáculos e dificuldades cuja
resolução inscreve-se no fragor da luta política desencadeada pelos diversos segmentos
que disputam o fundo público, os rumos e sentidos da educação. Em poucas palavras: os
autores sabiam que a efetivação do ensino médio integrado e de caráter politécnico era
função da própria luta de classes e dos embates políticos e pedagógicos travados pelos
educadores na conjuntura brasileira do início do milênio. A correlação de forças expressas
nos embates políticos em torno da questão frustrou as expectativas dos autores na medida
em que o próprio MEC encarregou-se de garantir velhas e novas formas de fragmentação
do ensino profissionalizante e a esperada mobilização das organizações dos trabalhadores
e estudantes em defesa da efetiva integração de ensino geral e tecnológico não se fez à
altura do que era necessário. Mesmo nos casos dos convênios celebrados entre os entes
federados para a implantação dessa modalidade de ensino, a integração não ultrapassou o
caráter de justaposição de disciplinas específicas, conforme delineado pelos autores:
A despeito da complexidade política e pedagógica que caracteriza o tema, o
que ocorreu foram discussões aligeiradas e, por vezes, encaminhamentos para
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a organização do ensino médio em três séries anuais, seguidas por mais um ano
de estudos profissionalizantes. Reiteramos que a sobreposição de disciplinas
consideradas de formação geral e de formação específica ao longo de um curso
não é o mesmo que integração, assim como não o é a adição de um ano de
estudos profissionais a três de ensino médio. A integração exige que a relação
entre conhecimentos gerais e específicos seja construída continuamente ao
longo da formação, sob os eixos do trabalho, da ciência e da cultura.
(FRIGOTTO, CIAVATA e RAMOS, 2005, p. 1092-1093).
O Estado do Ceará foi ágil na captação dos recursos federais e vem
protagonizando expressiva expansão de escolas de ensino integrado. O processo exibe,
no entanto, contradições que remetem à estrutura da política e aos problemas de ordem
pedagógica ensejados pela implantação dessa modalidade de ensino. Com efeito, as
Escolas Estaduais de Ensino Profissional (EEEPs) se viram frente à inusitada tarefa de
reestruturar seus currículos, metodologias e sistemas de gestão em tempo recorde para
atender minimamente às exigências de integração estipuladas pelo Decreto 6302/2007.
Adotaram, assim, a justaposição de disciplinas de formação geral e formação profissional
e um modelo de gestão intitulado Tecnologia Empresarial Sócio Educacional – TESE,
que segundo a pesquisadora cearense Rejane Andrade trata-se de “uma proposta de gestão
escolar fundamentada no modelo gerencial empresarial, especificamente baseada na
Tecnologia Empresarial Odebrecht (TEO)”.
É sobre as contradições e desafios político-pedagógicos do ensino integrado nas
escolas cearenses que as professoras Maria José Maciel e Rejane Bezerra se pronunciam
em seus textos construídos para essa mesa temática.
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Gráficos e tabelas
Gráfico 1: Evolução das taxas médias de desemprego total* e de trabalho em
condições vulneráveis** em regiões metropolitanas – Brasil 2000-2010 (%)
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 302779
Faixa de rendimentos Admitidos Desligados Saldos
Até 2 Salários Mínimos 109.004.931 92.615.607 16.389.324
De 2,01 a 4,0 Salários Mínimos 24.943.407 26.198.960 -1.255.553
Mais de 4,0 Salários Mínimos 7.526.609 9.916.778 - 2.390.169
Totais 141.474.947 128.731.345 12.743.602
19,9221,78
17,93
14,43
10,50
36,00
34,56
38,95
29,08
0,00
5,00
10,00
15,00
20,00
25,00
30,00
35,00
40,00
45,00
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Desemprego total Trabalho vulnerável
Fonte: Dieese. Elaboração do autor.
(*) Somatório do desemprego aberto com desemprego oculto.
(**) Inclui os assalariados sem carteira de trabalho assinada, os autônomos que trabalham para
o público, os trabalhadores familiares não remunerados e os empregados.
Tabela 1: Somatório das admissões e desligamentos no emprego formal, segundo
faixa de salário mensal – Brasil 2000-2010
Fonte: MTE – CAGED. Elaboração do autor.
Gráfico 2: Composição das admissões no emprego formal por faixa de rendimentos
em Salários Mínimos – Brasil 2000-2010 (%)
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 302780
54,52
73,6281,28
85,98
32,87
20,9314,56
10,8512,62
5,45 4,16 3,18
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Até 2 SM De 2,01 a 4 SM Mais de 4 SM
36,8331,30
26,17
43,9348,09
52,02
19,25 20,61 21,24
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Analfabeto e fundamental Médio incompleto/completo Superior incompleto/completo
Fonte: MTE – CAGED. Elaboração do autor.
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