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Novos arranjos institucionais para a gestão de políticas públicas: o Programa Brasil Sem
Miséria
Autoras:
Gabriela Lotta – doutora em ciência política pela USP, aluna de pós doc da FGV,
docente da ENAP e da FUNDAP.
Marcela Bauer – mestranda em administração pública pela FGV, gestora de projetos da
FUNDAP.
Maria Cristina Costa Pinto Galvão – administradora pública, técnida da FUNDAP.1
1 Publicado como: LOTTA, G. S. ; GALVAO, M. C. ; BAUER, Marcela . New institutional arrangements for
public policy management. In: XVI IRSPM Meeting, 2012, Roma. XVI IRSPM Meeting. Roma: Universidade
Tor Vergata, 2012.
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Resumo:
Este artigo analisa iniciativas de arranjos institucionais que vem sendo experimentadas
na esfera federal para alcançar a efetividade por meio das ações do estado. Pressupõe-se
que há um movimento de mudança nos arranjos institucionais que passa de um modelo
de gestão baseado em uma visão tradicional, hierarquizada, funcional, setorial e
ensimesmada para um modelo transversal, intersetorial, sistêmico, participativo, com
visão de problemas e voltada ao alcance de resultados. Para tanto, é analisado o Plano
Brasil sem Miséria, programa do Governo Federal composto de arranjos institucionais e
mecanismos de gestão desenvolvidos pelo governo federal brasileiro que envolvem
diversos setores, entes federativos e a sociedade civil na busca de solução de problemas
públicos complexos.
Palavras chave: arranjos institucionais; relações federativas; políticas públicas
Abstract:
This article analyzes the institutional initiatives that have been triedat the federal
level to achieve effectiveness through the actions of the state. It is assumed that there is
a movement for change institutional arrangements from a management model based
on a traditional view, hierarchical, functional, sectorial and cross-sectional model to
a self-absorbed, intersectoral, systemic, participatory, vision problems and focused
on achieving results. For this purpose, we analyze the Plan Brazil without Misery, a
brazilian program composed of institutional and management arrangements developed
by the Brazilian federal government involving different sectors, federal entities and civil
society in search of a solution of complex public problems.
Keywords: institutional arrangements; federal relations, public policy
Resumen:
Este artículo analiza las iniciativas institucionales que se han ensayado a nivel
federal para lograr la eficacia a través de las acciones del Estado. Se supone que hay un
movimiento para el cambio en los arreglos institucionales es un modelo de gestión
basado en una visión tradicional, el modelo jerárquico, funcional, sectorial y
transversal para una auto-absorción, intersectoriales y participativas de los problemas
sistémicos de visión, y se centró en el logro de resultados. Para ello, el Plan se
considera Brasil sin Miseria, programa del Gobierno Federal que consiste en las
disposiciones institucionales y de gestión desarrolladas por El gobierno federal de
Brasil que involucran diferentes sectores, entidades federales y la sociedad civil en la
búsqueda de una solución de complejos problemas públicos.
Palabras clave: arreglos institucionales, las relaciones federales, las políticas públicas
Introdução
Nas décadas de 70 e 80, o contexto mundial passou a conviver com a crise
econômica, transformações sociais e a globalização, exigindo, dos Estados formas de
enfrentamento da crise fiscal e das novas demandas sociais. Cada um dos Estados gerou
respostas diferentes na redefinição de suas funções como enfrentamento a essa crise. No
caso brasileiro, as mudanças tiveram início com o processo de redemocratização e de
construção das instituições de apoio à democracia.
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Com isso a discussão do novo desenho do estado ocorre tardiamente em relação
aos países da OCDE. A partir de 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso, com a
criação do MARE (Ministério da Administração e Reforma do Estado), a questão da
reforma do estado entrou na agenda tendo como principais orientações a busca pela
eficiência e redefinição do papel do estado.
Ao mesmo tempo, as transformações sociais brasileiras passam a gerar, nesse
contexto, uma mudança no perfil de demanda em relação ao atendimento de
necessidades, da qualidade dos serviços públicos e do acesso à informação e
comunicação. Se adotarmos como pressuposto que a relação estado-sociedade se dá por
meio da política pública, esta passa a ser o locus de inovação e experimentação tendo
em vista sua melhoria qualitativa e quantitativa.
O foco deste artigo é a análise das iniciativas de arranjos institucionais que vem
sendo experimentadas na esfera federal para alcançar a efetividade por meio das ações
do estado. Pressupõe-se que há um movimento de mudança nos arranjos institucionais
que passa de um modelo de gestão baseado em uma visão tradicional, hierarquizada,
funcional, setorial e ensimesmada para um modelo transversal, intersetorial, sistêmico,
participativo, com visão de problemas e voltada ao alcance de resultados.
Para tanto, este artigo analisará o Plano Brasil sem Miséria, programa composto
de arranjos institucionais e mecanismos de gestão desenvolvidos pelo governo federal
brasileiro que envolvem diversos setores, entes federativos e a sociedade civil na busca
de solução de problemas públicos complexos.
A análise de políticas públicas observa suas práticas e pode ser feita a partir de
duas abordagens (FREY, 2000): a análise da qualidade material e técnica de programas
e a análise das estruturas político-administrativas e da atuação dos atores envolvidos.
Este artigo está focado na segunda abordagem e se preocupa em descrever e explicar os
arranjos institucionais desse Plano.
Na primeira parte pretende-se apresentar o que é e a quem se destina o Plano
Brasil sem Miséria para que o contexto da política pública nos sirva como referência
para a análise. Em seguida, o Plano é analisado a partir das teorias do campo das policy
analysis e, na parte, procura-se verificar o processo de coordenação de ações
intersetoriais existentes. Na parte final deste artigo é possível encontrar algumas
considerações significativas sobre a relação entre as políticas públicas e o processo de
reforma do estado brasileiro. A intenção é verificar as oportunidades e os riscos e
ameaças do Plano Brasil sem Miséria neste contexto.
1. O Programa Brasil Sem Miséria: o que é.
O Plano Brasil Sem Miséria - uma das prioridades da Presidente Dilma Roussef-
busca, em um horizonte de quatro anos (2011 – 2014), aumentar as capacidades e
oportunidades das pessoas que vivem em situação de pobreza extrema pela elevação de
sua renda e aumento de seu bem estar social.
Segundo Fonseca
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“o ponto de partida do Plano é que a pobreza atende por
diversos nomes: insuficiência de renda; acesso precário à
água, energia elétrica, saúde e moradia; baixa escolaridade;
insegurança alimentar e nutricional; formas precárias de
inserção no mundo do trabalho, entre outros. As diversas
características que traduzem as distintas manifestações da
pobreza têm expressão no território e assim se pode afirmar
que a miséria tem nome, endereço, cor e sexo e, embora a
renda também seja um indicador de pobreza, trata-se de um
mecanismo insuficiente para medir o bem estar. A pobreza se
manifesta, sobretudo, em privação de bem estar. Com isto,
afirmamos que a pobreza é um fenômeno multidimensional e,
portanto, requer também indicadores não monetários para seu
dimensionamento.” (FONSECA, 2011:05)
Considerando o Brasil um país continental marcado pela heterogeneidade
regional, econômica, cultural e climática, o Plano terá que dar conta dessas
especificidades territoriais por meio de estratégias diferenciadas para o atendimento de
seu público alvo.
A estratégia do Governo Federal é promover a inclusão social e produtiva da
população extremamente pobre, por meio da articulação ações em parceria com estados,
municípios, empresas públicas e privadas e organizações da sociedade civil.
O Plano combinará políticas/ações universais, dentro de uma perspectiva urbana
e rural, considerando o perfil da população focada. Foi desenhado dentro de “uma
perspectiva intersetorial, que cria, renova, amplia e, especialmente, integra dezenas de
ações das áreas da assistência social, segurança alimentar e nutricional, saúde,
educação, moradia, geração de ocupação e renda e desenvolvimento agrário, entre
outras.” (FONSECA, 2011: 13)
Essas ações estão agregadas em três eixos2
(i) – Garantia de Renda, Inclusão
Produtiva e Acesso a Serviços Públicos - e incluem uma série de serviços/programas (ii)
.
A oferta desses programas/serviços de forma coordenada, dando atendimento integral
aos extremamente miseráveis, foi considerada, pelo governo, a maneira mais eficaz de
melhorar as condições de vida dessa população.
Conforme Fonseca (2011) essa é a perspectiva que organiza o Brasil sem
Miséria, sendo que a “principal razão para a escolha deste método de trabalho é reparar
déficits de cobertura e melhorar a eficiência horizontal e vertical da ação do poder
público”. (FONSECA, 2011: 13)
A quem se destina(iii)
O Plano Brasil Sem Miséria foi criado para atender a uma população cuja renda
familiar é de até R$ 70 por pessoa. Com base nos dados preliminares do universo do
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Censo 2010, esse contingente é de 16.267.197 milhões de brasileiros, representando
8,5% da população brasileira.
A Tabela a seguir apresenta a distribuição da população total e da população em
extrema pobreza segundo Grandes Regiões e situação do domicílio. Ressaltamos abaixo
as principais informações que descrevem a situação de pobreza do Brasil.
A Maior parte da população extremamente pobre está concentrada na
região Nordeste, totalizando 9,61 milhões de pessoas (59,1%), seguida
pelas regiões Sudeste (16,8%) e Norte (16,3%), sendo que em relação à
população total, os dados são os seguintes:
o 42,1% estão na região Nordeste;
o 27,8% estão na região Nordeste;
o 8,3% estão na região Norte 46,7% dos miseráveis estão na zona
rural;
o 53,3% estão na zona urbana.
A população total rural nas regiões Norte e Nordeste supera
consideravelmente as demais regiões – 26,5% e 26,9%, respectivamente.
Nestas duas regiões também se concentram mais da metade da população
em extrema pobreza – 56,4, na região Norte, e 52,5%, na região Nordeste.
Com relação à população extremamente pobre das áreas urbanas
(8,67 milhões):
o 52,6% vivem no Nordeste;
o 24,7% vivem no Sudeste.
25,5% dos que moram na área rural se encontram em extrema
pobreza:
o 35,7% deles estão na região Norte;
o 35,4% estão na região Nordeste.
Distribuição da população total e população em extrema pobreza segundo as Regiões e
situação do domicílio
População Total
Total Urbano Rural % Total %
Urbano
%
Rural
Brasil 190.755.799 160.925.792 29.830.007 100,0 84,4 15,6
Norte 15.864.454 11.664.509 4.199.945 100,0 73,5 26,5
Nordeste 53.081.950 38.821.246 14.260.704 100,0 73,1 26,9
Sudeste 80.364.410 74.696.178 5.668.232 100,0 92,9 7,1
Sul 27.386.891 23.260.896 4.125.995 100,0 84,9 15,1
Centro-Oeste 14.058.094 12.482.963 1.575.131 100,0 88,8 11,2
População em extrema pobreza
Total Urbano Rural % Total %
Urbano
%
Rural
Brasil 16.267.197 8.673.845 7.593.352 100,0 53,3 46,7
Norte 2.658.452 1.158.501 1.499.951 100,0 43,6 56,4
Nordeste 9.609.803 4.560.486 5.049.317 100,0 47,5 52,5
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Sudeste 2.725.532 2.144.624 580.908 100,0 78,7 21,3
Sul 715.961 437.346 278.615 100,0 61,1 38,9
Centro-Oeste 557.449 372.888 184.561 100,0 66,9 33,1
Fonte: IBGE. Universo preliminar do Censo Demográfico 2010. Elaboração: MDS
Outros dados compõem o perfil da pobreza no Brasil:
o a população extremamente pobre é negra (71%), localizada nas regiões
Norte e Nordeste (75%) e proporcionalmente mais na área rural. Os
dados referentes às faixas etárias apontam para a necessidade de políticas
sociais voltadas para a população mais jovem: metade dos que vivem na
pobreza extrema tem até 19 anos de idade (50,9%). As crianças até 14
anos representam cerca de quatro em cada dez indivíduos em extrema
pobreza no Brasil (39,9%).
2. O Plano Brasil Sem Miséria como política pública
Até a década de 90 a questão do combate à miséria fez parte dos discursos e de
algumas iniciativas pontuais por parte dos governantes brasileiros. Durante o governo
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) esse problema passou a fazer parte da agenda
governamental, embora não prioritariamente(iv)
, por iniciativa do Programa Comunidade
Solidária, empreendido pela então primeira dama, Rute Cardoso, e por iniciativas
setoriais de complemento à cesta básica do trabalhador, como vale-leite e vale-gás.
A partir de 2003, o Presidente Lula define como prioridade de seu governo a
inclusão social, criando vários programas para esse fim, como o Bolsa Família, Minha
Casa Minha Vida e Territórios da Cidadania(v)
. A Presidenta Dilma, que assumiu em
2011, anunciou em sua campanha eleitoral, no discurso de posse e tem reiterado em
diversos pronunciamentos que o seu principal compromisso de governo é o combate à
miséria, dando origem ao Brasil Sem Miséria.
Todos estes programas têm como característica comum o foco em uma faixa da
população que se encontra destituída dos serviços públicos que são essenciais à
sobrevivência digna, ou seja, são programas que destinam recursos à população mais
pobre seja diretamente, por meio de serviço público ou via subsídio.
No entanto, a construção do programa Brasil Sem Miséria foi fruto da
constatação de que as políticas públicas anteriores, especialmente o Bolsa Família, que
distribui recursos financeiros para a população de baixa renda, se mostraram limitadas
para 16 milhões de brasileiros que não tiveram acesso a esse rendimento mínimo, na
medida em que o acesso ao programa pressupõe o atendimento a condicionalidades
(como frequência à escola, posse de documentos e participação de programas de saúde).
Além dos mais, considerou-se que a distribuição de recursos financeiros não é suficiente
para o resgate da cidadania desse contingente populacional com características tão
fortes de exclusão social.
Dessa maneira, é possível dizer que Plano Brasil sem Miséria tem o objetivo de
continuar e aprimorar a politica de combate à pobreza. O primeiro passo, a transferência
de renda, já tem sido realizado e mostra resultados significativos em termos de inclusão
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social. O segundo movimento para o combate é, agora, realizar a inserção dos pobres no
sistema produtivo e promover a cidadania por meio do acesso a serviços.
Esse segundo movimento é de extrema importância para consolidar a politica de
combate a miséria e reduzir efetivamente a quantidade de pobres. Segundo Martín
Hopenhayn, diretor da divisão de desenvolvimento social do CEPAL, em entrevista
com Antonio Lafuente, a redução da pobreza na América Latina tem sido possível por
causa de ações de curto prazo e também por ações de caráter estrutural(vi)
. As
intervenções de curto prazo são as politicas de transferência direta de renda que
garantem o patamar mínimo de bem estar. Para modificar o cenário de pobreza é
necessário melhorar os ingressos no mercado de trabalho e diversificar os processos
produtivos.
As políticas públicas focadas buscam atenuar os efeitos das regras homogêneas,
tratando os diferentes de forma diferente. Elas têm sido adotadas com mais frequência
nos últimos governos e se contrapõem às políticas universais, que ofertam serviços
indistintamente.
Se considerarmos a tipologia proposta por Lowi (1964), que divide as políticas
em arenas de poder denominadas distributiva, redistributiva e regulatória, verifica-
setambém, nos últimos governos, uma tendência à implementação de políticas públicas
de caráter redistributivo. Segundo sua definição, são aquelas voltadas para o
atendimento de amplas camadas da população e se apresentam por meio de
transferências, isenções, tributação etc., redistribuindo recursos entre grupos sociais.
As políticas redistributivas, em geral, apresentam grande impacto para a
população. Diferem das distributivas, que são de curto prazo, têm impacto restrito e
específico (um fato, um benefício ou uma mudança imediata) e não implicam em
grandes transferências de recursos. Também se diferenciam das políticas regulatórias,
que fixam a regra geral que determina quem ganha e quem perde como resultado da
implementação das políticas públicas (normatização da atividade econômica e das
relações sociais).
Considerando que políticas redistributivas geram os conflitos mais intensos no
âmbito da sociedade e do próprio governo, especialmente pelos resultados alcançados
ao redistribuir recursos para camadas mais amplas da população, um programa da
magnitude do Brasil Sem Miséria exige forte apoio político, capacidade de articulação
com a sociedade e capacidade de governo para exercer a coordenação intersetorial e
intergovernamental. Ou seja, exige estar, de fato, na agenda governamental.
Segundo Kingdon (2003), para um problema fazer parte da agenda
governamental, é preciso que seja aberta uma “janela de oportunidade”. Isso ocorre
quando há convergência de três fluxos. O primeiro deles é quando um problema é
reconhecido e declarado por um ou vários atores sociais. Nesse caso, o reconhecimento
da existência de um contingente de miseráveis tem sido declarado por diversos atores da
nossa sociedade há vários anos. O segundo fluxo diz respeito à existência de alternativas
para o seu enfretamento. O Brasil tem uma experiência acumulada por programas de
combate à miséria bem sucedidos, como Bolsa Família, que é uma política focada e de
âmbito nacional, e o Programa Territórios da Cidadania, com ação territorial e
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intersetorial. O terceiro fluxo está relacionado ao apoio político, que precisa ser
suficiente para a implantação das medidas necessárias. A principal atora e
empreendedora desse Programa é a autoridade máxima do país, a Presidente Dilma
Roussef, seguida pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome,–
MDS,que é o ator que propõe o programa como opção para o enfrentamento da pobreza.
A partir disso, é possível inferir que o que permitiu a proposição do Brasil Sem
Miséria foi o maior conhecimento do perfil da extrema pobreza, pelos dados do IBGE, a
necessidade de qualificação do Governo Federal em suas prioridades, bem como a
experiência acumulada/incremental das políticas públicas.
Reconhece-se, portanto, que o Brasil Sem Miséria está inserido em um contexto
favorável ao seu desenvolvimento, conforme análise de Kingdon, principalmente pelo
fato da existência da miséria no Brasil ter sido reconhecida pelos últimos governos
como um problema, fazendo parte da agenda governamental.
É importante destacar que nem toda situação ou problema social ocupa lugar
prioritário em agenda de políticas (Kingdon, 2006: 227). Um problema social se torna
foco de atuação do Estado quando ele entra na agenda. Segundo Frey somente a
convicção de que um problema social precisa ser dominado política e
administrativamente o transforma em um problema de policy. (FREY, 2000: 227)
Para Matus (1995), um problema é um aspecto da realidade que se apresenta
como discrepante daquele considerado aceitável por um ator social. Esse ator considera
também que esse problema pode ser evitado a partir de uma intervenção do governo ou
da sociedade. Se ninguém se interessou pela questão, esse aspecto da realidade é tão
somente parte da paisagem, isto é, alguma coisa que é normal, aceitável, que não se
questiona - portanto, não se constitui em um problema e ninguém irá empreender
esforços para alterá-lo.
Quando um ator reconhece um problema, precisa compreendê-lo em toda sua
magnitude para que as soluções dadas não sejam parciais. É pela proposta de solução
que se percebe a visão do governante sobre a realidade por ele governada. A solução
depende dos valores e do conhecimento da realidade que os governantes e sua equipe
detêm. Ao analisar o Plano Brasil Sem Miséria, percebe-se uma compreensão
abrangente da miséria, relacionando-a a cidadania.
A explicação para um problema público raramente é simples, ao contrário,
emerge como conseqüência de múltiplos fatores que vão se acumulando em
determinado período de tempo (MATUS, 1995). O Plano Brasil Sem Miséria partiu do
conceito de cidadania, no qual o Estado tem um papel central, o que permitiu uma visão
integral das necessidades de um indivíduo que vive em uma sociedade democrática–
direito à cidadania.
Essa é uma das formas de se desenhar a solução de um problema complexo, ou
seja, um macroproblema. A preocupação principal do governante é analisada de modo
abrangente tendo como referência o que se deseja transformar naquela realidade. Dessa
forma, as principais causas do problema são evidenciadas, tornando-se prioridades na
agenda governamental.
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Outro aspecto importante do Programa Brasil sem Miséria como política pública
é a intersetorialidade. Até meados dos anos 80 as políticas públicas no campo social
eram marcadas, segundo Farah (2006), pela fragmentação institucional e pela
setorialidade:
“O crescimento do aparato estatal se deu de forma desordenada,
por sobreposição de novas agências e agência preexistentes,
sem que se estabelecesse a coordenação da ação dos diversos
órgãos. Essa desarticulação ocorria tanto no âmbito de um
mesmo nível de governo quanto em diferentes esferas de
governo. Tal desenho institucional dificultava a tarefa de
coordenação, com implicações para a eficiência a efetividade
das políticas públicas.” (FARAH, 2006, 122)
Como as situações da realidade nunca estão restritas a apenas um setor que
coincida com uma única estrutura organizacional da administração pública, as
ações/políticas gestadas setorialmente com foco na solução de um macro problema
constituem uma política intersetorial. É na busca da solução de um problema complexo,
com múltiplas causas, que surge a intersetorialidade. A visão por problema se contrapõe
à ação setorial, evitando que os serviços não cheguem ao cidadão de forma setorializada
e desigual.
3. Política Pública como Coordenação de Ações Intersetoriais
A visão por problema e a busca de soluções complexas leva a gestão pública a
constituir arranjos que permitam ir além da visão setorial ou segmentada de ação. O
foco, para tanto, não pode estar no olhar funcional da administração pública, mas sim na
articulação e na coordenação que permitam integrar soluções a partir dos problemas
selecionados e analisados.vii
Este processo é ainda mais complexo quando falamos de
um país federativo, como o Brasil, no qual coexistem políticas públicas executadas pelo
Governo Federal, pelos 27 Governos Estaduais e pelos mais de 5500 governos
municipais. Para a solução de problemas complexos, como é a miséria, percebeu-se que
seria necessário articular não apenas ações desenvolvidas dentro do Governo Federal,
por seus diversos ministérios, mas também aquelas desenvolvidas pelos governos
estaduais e municipais.
Abrucio (2002) afirma que com tais medidas
“(...)busca-se atacar diretamente a pobreza por meio de políticas
nacionais, as quais podem ser realizadas em parceria com outros
instrumentos de gestão local, mas com a garantia de verba
federal padronizada. O pressuposto dessas ações era que em
problemas de origem redistributiva, particularmente em uma
federação, é necessária a atuação do governo federal para evitar
o agravamento das desigualdades.” (ABRUCIO, 2002: 22)
Assim, o mapeamento das causas que levavam à miséria os mais de 16 milhões
de brasileiros levou o governo a buscar soluções que fossem além das ações já
desenvolvidas de forma segmentada e estanque pelos Ministérios ou mesmo pelos entes
federativos. Foram, portanto, selecionadas diversas soluções possíveis que, por sua vez,
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se transformaram nas políticas/ações contidas no Plano Brasil Sem Miséria. São
políticas/ações já existentes em sua maioria, porem distribuídas por diversos setores da
administração pública e que, no âmbito do Brasil Sem Miséria, são vistas de forma
articulada e com público focado.
Ou seja, o Brasil Sem Miséria é essencialmente um programa de coordenação,
articulação, monitoramento e avaliação de ações desenvolvidas tanto pelo governo
federal como pelos estados e municípios, isoladamente ou em parceria com a sociedade,
dentro de uma lógica de atendimento integral a uma determinada camada da população.
Como estratégias para seu desenvolvimento, o Plano Brasil Sem Miséria pautará
sua atuação pelo Busca Ativa, que sinalizará onde estão os 16 milhões de miseráveis
que o governo não tem conseguido alcançar. Ao mesmo tempo, adotará a estrutura do
Sistema Único da Assistência Social – SUAS(viii)
, presente em milhares de localidades
brasileiras, como responsável pela articulação de setores do governo e da sociedade,
levando a ação pública integral aos indivíduos localizados pelo Busca Ativa.
Considerando o que se tem estudado a respeito de políticas públicas, é suposto
que cada uma delas pressupõe uma arena de poder própria, a participação de diferentes
atores, uma estrutura de tomada de decisão diversa, um contexto institucional específico
e uma cultura peculiar (GIOVANNI, 2009). O Plano Brasil Sem Miséria, além de
possuir as especificidades próprias de cada política pública, agrega conceitos inovadores
experimentados somente de forma isolada em diversas políticas públicas. Isso significa
que a concepção o Plano Brasil Sem Miséria é inédita na história das políticas públicas.
Daí a importância de se basear em estudos prévios, ter embasamento científico e
utilizar referências experimentadas em outras políticas. É um esforço concentrado de
trabalhos, programas e projetos já existentes de forma dispersa, mas agora adotados de
forma articulada, com uma coordenação direta do Governo Federal promovendo
intersetorialidade a ações federativas.
Em síntese, o Plano Brasil Sem Miséria é uma política focada, redistributiva,
participativa, de caráter nacional, com desenho federativo, executada pelos governos
subnacionais e através da abordagem por problema. Para dar conta de sua
implementação, foi construído um arranjo institucional que combina um sistema (no
caso, o SUAS) e a intersetorialidade dentro das ações do próprio governo federal em
uma lógica de coordenação federativa – ou seja, estabelecendo relação com os governos
municípais e estaduais.
O quadro abaixo sintetiza o arranjo proposto pelo Plano que busca promover a
intersetorialidade entre os diversos ministérios do governo federal:
Instâncias de Gestão do Brasil Sem Miséria
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Como se pode ver pelo quadro acima, com uma divisão de funções entre os
diversos ministérios e o estabelecimento de instâncias de gestão intersetorial, o Plano
Brasil Sem Miséria busca promover uma ação articulada entre as diversas pastas do
governo federal que, por sua vez, estabelecem relações com os municípios e estados por
meio de seus programas. É uma aposta complexa e ousada, pertinente, porém, com um
país federativo e heterogêneo.
Este arranjo complexo, no entanto, leva a administração pública a enfrentar
alguns desafios inerentes ao processo intersetorial e federativo e o enfrentamento destes
desafios se torna um dos pontos centrais para o sucesso da estratégia.
Um primeiro desafio é a articulação e coordenação de programas previamente
existentes. Como foi apontado, o Brasil Sem Miséria busca coordenar e articular
políticas públicas já desenvolvidas e implementadas em territórios, públicos e entes
diferentes. Sendo uma mudança incremental, ela se depara com as dificuldades,
conflitos particularidades e características das várias políticas públicas as quais agora
coordena. Há, além disso, o desafio de conseguir articular entes federativos e
Ministérios com suas próprias histórias, culturas organizacionais, processos decisórios e
práticas de trabalho.
Para dar conta deste desafio, uma das apostas do Brasil Sem Miséria é
concentrar seus esforços na atuação dos CRAS, Centros de Referência em Assistência
Social. Os CRAS são entidades ligadas ao SUAS, presentes nos municípios, onde são
prestados atualmente os serviços de assistência social. A ideia do Brasil Sem Miséria é
referenciar seus serviços em torno do CRAS para que estes, nos municípios e com
proximidade da população local, possam ser o locus da garantia da cidadania. Ou seja,
em vez de se pensar em uma articulação em nível federal, pretende-se que os serviços
localizados nos municípios promovam a intersetorialidade concentrando os esforços, as
referências e informações dos cidadãos participantes do Plano.
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Esta aposta, no entanto, aponta outro desafio: para que os CRAS possam ser o
locus de concentração de esforços do Brasil Sem Miséria, pressupõe-se que estes
centros sejam equipados (recursos humanos, financeiros e materiais) de forma
compatível à sua importância no Plano. Atualmente existem no Brasil 7000 CRAS (com
adesão de 99,1% dos municípios ao SUAS) e imagina-se a dificuldade de conseguir
equipar todos eles de forma compatível às suas necessidades.
4. O Plano Brasil Sem Miséria no contexto da reforma do Estado Brasileiro
Sem desprezar os efeitos do Plano Brasil Sem Miséria no que tange aos seus
propósitos de combate à miséria, este item analisará o seu potencial de contribuição para
a reforma do Estado brasileiro.
Num primeiro momento, serão exploradas as oportunidades que este programa
alavanca e que, de certo modo, tendem a transformar as relações entre Estado e
sociedade, qualificando a democracia brasileira.
São oportunidades que, se não forem exploradas dentro de uma visão estratégica
e de longo prazo, com a perspectiva da mudança e/ou melhoria do padrão vigente de
atuação do Estado nas suas relações com o cidadão, podem trazer resultados pífios,
restritos a um conjunto de ações.
Na sequência, ainda neste item, serão explorados riscos e ameaças passíveis de
ocorrência caso o Plano Brasil Sem Miséria seja abordado dentro de uma visão
contingencial e de curto prazo.
Oportunidades
O Plano Brasil Sem Miséria, por todas as características de seu desenho
apresentadas nos itens anteriores, poderá contribuir para a aceleração do processo
de descentralização com coordenação federativa, na medida em que conjuga
autonomia com interdependência, e capacidade para enfrentar as desigualdades
econômico-sociais e de gestão entre entes federados. Não se trata de devolver poder à
União e sim de estabelecer um processo de negociação permanente com incentivos e
induções da União com os demais entes federados em todas as fases do ciclo de uma
política pública.
Desde a década de 80, o Estado brasileiro vem passando por um processo de
reforma, marcado pela passagem de um regime autoritário para uma democracia. Em
1988 é promulgada a nova Constituição Federal que afirma valores universais como
democracia, cidadania e justiça social dentro de uma estrutura federativa, caracterizada
pela descentralização para os municípios de competências e recursos tributários. De
acordo com Farah (2006), a inclusão mais significativa do poder local no ciclo das
políticas públicas faz parte desse processo de reconstrução do Estado brasileiro:
“A descentralização não significa apenas transferir atribuições
de forma a garantir a eficiência, é vista, sobretudo como
redistribuição de poder, favorecendo a democratização das
relações entre Estado e sociedade, bem como do acesso aos
serviços”. (FARH, 2006:127)
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Ocorre que num país heterogêneo e de dimensões continentais como o Brasil, a
autonomia municipal - sem diretrizes nacionais - pode levar a uma situação de
aprofundamento das desigualdades na medida em que os municípios apresentam
grandes diferenças em termos de capacidade institucional e de condições sociais e
econômicas (ARRETCHE, 2010).
Para reverter essa lógica, o Governo Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2002)
tomou uma série de medidas visando fortalecer a União no que tange ao controle e
distribuição dos recursos e gastos da Federação, além de investir em formas de
coordenação federativa das políticas sociais, baseadas em incentivos e indução dos
governos subnacionais a assumirem encargos, mediante distribuição de verbas,
cumprimento de metas e medidas de punição, também normalmente vinculadas à
questão financeira. Adotou também políticas de distribuição de renda direta à
população.
O pressuposto adotado pelo governo foi de que o combate às desigualdades
regionais não se resolveria apenas com ações dos governos locais, sem diretrizes e
transferências da União. Para Arretche
“em estados federativos que centralizem a formulação de
políticas executadas pelas unidades constituintes e que contem
com um sistema interjurisdicional de transferências, é possível
encontrar redução das desigualdades territoriais. Assim, de
acordo com esta teoria, os papéis regulatório e redistributivo do
governo central seriam mecanismos necessários para obter
cooperação entre jurisdições”. (ARRETCHE, 2010:593),
O Plano Brasil Sem Miséria, mais do que qualquer outra iniciativa
governamental, poderá contribuir para diminuição das discrepâncias sociais e
econômicas existentes na realidade brasileira, na medida em que beneficiará
preponderantemente as regiões Norte e Nordeste, a população rural e negra, e os jovens.
É importante observar que essa reorientação ocorrida a partir de meados dos
anos 90, na qual a reconstrução do Estado Brasileiro passa a valorizar a estrutura
federativa no desenho das políticas públicas com o objetivo de não prescindir do caráter
redistributivo das políticas sociais de caráter nacional, não significou o abandono da
proposta de da descentralização emanada da Constituição Federal de 88. Souza afirma
que “as pesquisas vêm mostrando que a variável mais importante para que a
descentralização ocorra é o desenho institucional da política. A questão
do desenho institucional tem recebido atenção crescente no que se
refere ao seu papel nas políticas públicas. Dependendo de suas
características, o desenho institucional pode ser decisivo no incentivo
ou no constrangimento à descentralização”.(SOUZA, 2004:35)
Ainda segundo Souza
“a experiência brasileira mostra que determinações constitucionais,
normas, interesses de grupos ou capacidade gerencial e financeira,
15
embora importantes, não foram suficientes para deslocar a
implementação de políticas universais para as esferas locais. O desenho
institucional da política – moldado em torno de mecanismos de
recompensas e sanções, regras claras e universais – e o apoio do
executivo federal na liberação regular dos recursos parecem ser as
variáveis mais importantes para a transferência de responsabilidades de
implementação para os governos locais. Esses resultados mostram que a
descentralização/ municipalização no Brasil não implicou a
transferência de capacidade decisória para as esferas subnacionais, mas
sim na delegação de responsabilidade sobre a implementação de
algumas políticas sociais universais, o que não é tarefa fácil para
milhares de municípios brasileiros. A experiência brasileira também
mostra que as relações intergovernamentais evoluíram para um sistema
lubrificado por recompensas e sanções, o que reduziu o grau de conflito
entre os níveis de governo, mas, ao mesmo tempo, restringiu a
autonomia de gasto e de decisão concedida aos governos locais pela
constituição de 1988”. (SOUZA, 2002: 37),
Essa análise se mostra muito pertinente para as políticas de saúde, educação e
assistência social, que avançaram rumo à federalização e à diminuição das diferenças
regionais. A política de saúde continua sendo aperfeiçoada, consolidando-se sob a
forma de sistema. As políticas de educação e assistência social foram redesenhadas
também sob a forma de sistema abrangendo toda a federação. “Apesar das diferenças
existentes na trajetória de cada uma das políticas, o processo, nas três áreas, levou à
construção de um modelo federativo mais cooperativo.” (FRANZECE, 2010: 136)
Mais uma vez cabe reforçar a hipótese que também esses avanços nos desenhos
das políticas sociais fazem parte das novas institucionalidades que interferem/
influenciam o modelo federativo brasileiro, remodelando-o, e, acima de tudo,
permitindo a configuração de arranjos institucionais diferenciados que associam
sistema, territorialização, intersetorialidade às políticas universais e
redistributivas.
A literatura registra que, não apenas o modelo de federalismo interfere nas
políticas sociais, como também as políticas sociais podem transformar o modelo
federativo, ou seja, trata-se de uma relação de reciprocidade que se desenvolve ao longo
do tempo. (FRANZESE 2010:22)
Voltando ao Plano Brasil Sem Miséria, é possível inferir que a sua alocação em
um sistema, por meio da utilização do CRAS, (braço descentralizado do SUAS),
permite, de certo modo, que venha a usufruir das vantagens inerentes a um sistema. A
estrutura de um sistema de políticas públicas, além de intensificar a cooperação
federativa pelo compartilhamento de recursos e normas, estimula a participação
na medida em que cria instâncias de negociação dos entes federados e da
população, como fóruns, conselhos e conferências.Celina Souza considera que
“a municipalização de alguns serviços sociais universais, que gerou
novas institucionalidades na governança local, não se limita à
transferência de sua implementação, mas tem significado também o
envolvimento das comunidades locais no processo decisório e de
controle da implementação de políticas sociais”. SOUZA (2002: 38),
16
Considerando que o Brasil Sem Miséria é uma política pública que pretende
aproximar o Estado de uma camada da população historicamente negligenciada, o
estímulo à participação em conjunto com a promoção da cidadania, se alcançados,
resultam em ampliação qualitativa da democracia brasileira.
Outra característica importante do Brasil Sem Miséria diz respeito ao seu
modelo de gestão que, se adotado como referência, significará um avanço para as
políticas públicas. Trata-se da gestão por resultado, na qual se trabalha com uma visão
estratégica baseada na abordagem por problema e que, por sua vez, avança em termos
de intersetorialidade. Nesse modelo, procedimentos e recursos são planejados e
programados para darem conta de atender ao foco da ação pública que impactará a
realidade.
Na gestão por resultado, algumas práticas de gestão são determinantes para seu
sucesso, como o conhecimento do contexto/realidade, o planejamento estratégico e as
funções de monitoramento e avaliação, por meio de indicadores que possam permitir a
mensuração dos resultados da intervenção.
Outra oportunidade do Plano Brasil Sem Miséria é o fato do macro problema
objeto de sua intervenção possuir uma extensa produção científica, o que facilita a
estruturação das funções monitoramento e avaliação do programa e da diminuição
da miséria.
Um programa tão complexo como o Brasil Sem Miséria certamente deve ter um
desenho organizacional constituído por múltiplos entes governamentais e da sociedade,
inúmeros processos e procedimentos de trabalho, além de formatos jurídicos e
contratuais diversos, exigindo, por parte do Estado, um grande empenho em todas as
fases do ciclo de gestão dessa política pública.
Para que esse desenho organizacional faça fluir a execução do programa com
eficiência e eficácia e promovendo efetividade, vários entraves de gestão e
gerenciamento terão que ser enfrentados. Pela magnitude do empreendimento, as
soluções/práticas a serem adotadas poderão ter caráter mais universal. Ou seja, os
entraves organizacionais poderão ser enfrentados de modo a alterar o padrão de
gestão vigente como um todo nos três entes federativos e em todas as políticas
públicas e não apenas de forma contingencial.
O setor público de modo geral tem operado dentro de uma cultura que pouco
valoriza a negociação; o planejamento; os arranjos institucionais intergovernamentais,
intersetoriais e com a sociedade; o monitoramento e a avaliação das políticas e
programas; a flexibilização das regras e instrumentos de gestão; a criação de novos
instrumentos de cooperação e de contratualização, restringindo-se a convênios; o foco
em resultados; o controle social; a gestão do conhecimento e da informação; a
transparência; e as políticas de recursos humanos.
Esses entraves tem sido comuns a várias políticas com variação de ênfase a
depender da sua prioridade no governo e/ou dos Ministérios nas quais elas estão
inseridas. Alguns Ministérios têm valorizado e implementado políticas de gestão e
outros acabam por depender de figuras empreendedoras que criam fluxos próprios e
eficientes de gestão de políticas, porém não institucionalizados.
17
No entanto, o discurso recorrente tem sido o da mudança do padrão de gestão e,
para tanto, o governo tem investido na ampliação de quadros de gestores com alto nível
de formação, gerando profissionalismo crescente.
Há hoje, no Governo Federal, vários projetos que não se submetem às estruturas
tradicionais da administração pública, sendo desenvolvidos com a ótica da gestão por
resultados. São projetos que investem nas relações intergovernamentais e com a
sociedade por meio novas institucionalidades que estimulam a participação.
O fato do Plano Brasil Sem Miséria ser um compromisso firmado e reafirmado
pela presidente Dilma e ter desenho federativo com participação da sociedade pode
contribuir para que alguns desses desafios sejam superados. Espera-se, no entanto, que
as inovações não fiquem circunscritas à órbita do programa e, sim, que sejam
propagadas e referenciadas nas demais políticas públicas, tornando-se assim uma
boa prática de gestão.
Riscos e ameaças
Um dos riscos colocados para uma proposta como do Brasil Sem Miséria é a
maneira como se desenvolverá a relação entre governo federal, governos estaduais e
governos municipais – que impacta diretamente no processo de implementação do
Programa. Essa questão é crítica no estado brasileiro, considerando-se as características
heterogêneas do país e dos entes federativos. Para compreender as relações
institucionais que se estabelecem nos programas de combate a pobreza é preciso
conhecer como ela se manifesta na realidade dos governos locais. Em 2003 os dados do
IBGE indicavam que 32,6% dos municípios brasileiros tinham mais da metade de sua
população vivendo na pobrezaix
. Celina Souza (2002) indicou que mais de 200
municípios no nordeste não têm possibilidades de arrecadar recursos próprios:
“As razões para essa impossibilidade estão na
inexistência de atividade econômica significativa e no
tamanho de sua população pobre. Cálculos (...) mostram
que quase 75% dos municípios brasileiros arrecadam
menos de 10% de sua receita total via impostos e que
cerca de 90% dos municípios com menos de 10 mil
habitantes dependem quase que em 100% das
transferências de impostos federais e estaduais”.
(SOUZA, 2002: 432)
Percebe-se, assim, que combate à miséria pressupõe o envolvimento e uma
lógica de repasse de recursos para os municípios para que estes possam atuar e
contribuir com o programa. Para Franzese (2010), apesar de não terem
discricionariedade sobre o desenho dos programas do MDS, os governos locais são
essenciais para o sucesso da política, pelas funções de cadastramento e
acompanhamento de realizam. Uma das principais críticas às políticas de transferência
de renda (Bolsa Família e o Primeiro eixo do plano Brasil sem Miséria) no que se refere
às relações institucionais, é que elas estabelecem uma relação direta entre governo
federal e população desassistida, afastando a intermediação de estados e
18
municípios, enfraquecendo a política local que não assume responsabilidades e não
atua de forma coordenada com a política nacional. (FRANZESE, 2010:128)
Este arranjo institucional é denominado pela literatura como federalismo
coercitivo. Ele ocorre quando a ação federal se move from places to persons. Uma das
consequências é que, segundo Souza (2002), os municípios perdem a capacidade de
exercer o próprio governo e a dependência das ações e políticas federais se perpetuam.
A outra implica no acirramento das desigualdades regionais uma vez que, de acordo
com Franzese, caminha-se no sentido oposto à construção de padrões nacionais
mínimos de cidadania. (FRANZESE, 2010:135). Assim, uma das questões centrais a
serem enfrentadas pelo Plano Brasil Sem Miséria é de conseguir realizar uma
articulação com governos estaduais e municipais que promova de fato uma relação
federativa com base na cooperação para a superação do problema.
Uma das principais características do federalismo no Brasil é o amadurecimento
da descentralização que se efetiva por meio do repasse de recursos financeiros do
governo central ao local e a autonomia decisória que o governo local tem sobre o uso
desse recurso. A análise desse artigo enxerga muito mais o movimento de
consolidação da iniciativa federal ganhando corpo e se estabelecendo no governo
local, que se fortalece para executar a política de âmbito nacional. A preocupação é
que o governo local seja um mero executor e não tenha condições de formular
políticas para as suas demandas específicas.
Este risco pode ser enfrentado na medida em que o Brasil Sem Miséria pretende
se utilizar da lógica do SUAS para desenvolver suas ações. O SUAS constrói um padrão
de relações intergovernamental mais cooperativo e incentiva o fortalecimento das
instituições locais, concedendo aos municípios o status de ente federativo. No âmbito do
SUAS, a implementação de suas ações prevê o repasse de recursos federais destinados
ao fortalecimento da gestão municipal do programa com base no Índice de Gestão
Descentralizada (IDG) criado pelo Ministério para medir a qualidade da gestão
municipal (FRANZESE, 2010:135). Além disso, faz parte da lógica deste sistema a
institucionalização de espaços de participação social, garantindo que a população seja
ativa na formulação e execução das ações de assistência social.
A relação estado-sociedade é outro elemento crucial dos processos de reforma
do estado, especialmente em um país com processo recente de redemocratização, como
o Brasil, que ainda está experimentando formas mais participativas de formulação e
gestão das políticas públicas. Neste sentido, um dos riscos colocados para o Plano
Brasil Sem Miséria é de não conseguir avançar, de fato, na relação entre estado e
sociedade, especialmente atuando apenas como um “entregador” de serviços
públicos, sem incorporar as demandas e necessidades da população e sem
estabelecer com ela uma relação mais profunda e constante. Este risco, no entanto,
tende a se enfraquecer considerando-se que o Plano baseia sua estruturação nos CRAS,
instituições que já são utilizadas pela população nos municípios e onde há uma
dinâmica própria de relação estado-sociedade mais consolidada.
Por outro lado, na medida em que o Brasil Sem Miséria é incipiente e tem
uma proposta ousada, corre-se o risco de que ele não consiga se articular com as
demais ações de assistência social que são desenvolvidas pelos governos municipais
19
e estaduais e até mesmo pelos CRAS e, além disso, não conseguir promover, de
fato, uma ação coordenada entre os vários ministérios. Em termos de gestão, a
coordenação e capacidade de articulação seria uma maneira de superar um dos
problemas que a reforma do estado busca enfrentar: das ações segmentadas e não
conectadas que não conseguem olhar para um problema de forma integral. Para superar
este problema, o Brasil Sem Miséria teria que implementar de fato uma gestão
intersetorial, atuando de forma articulada e coordenada, para que suas ações não sejam
apenas a somatória do que já é realizado pelos Ministérios e pelos entes federativos e
para evitar sobreposição de ações.
A superação deste problema é central não apenas pelo avanço em termos de
gestão que ele promove, mas também para que os resultados almejados pelo programa
possam ser de fato alcançados. Como já foi argumentado, o enfrentamento à miséria
pressupõe uma série de ações com impacto relevante em diversas perspectivas da vida
das pessoas, ou seja, as políticas que buscam enfrentar a miséria só podem alcançar
efetividade na medida em que olham para a miséria dentro de sua complexidade e
articulam os vários elementos que a compõem. Isso significa que o Programa consegue
ir além de ser apenas uma política de distribuição de renda, mas consegue ser de fato
estruturante e alterar o patamar social e econômico do público alvo.
Para tanto, é necessário que o Programa consiga atuar de forma coordenada e
articulada entre as várias ações e entes federativos, que estas ações sejam de fato
priorizadas tanto pelo MDS (enquanto articulador) como pelos ministérios setoriais aos
quais estão vinculadas e que seja constituída uma forma de gestão cooperada
envolvendo sociedade, governos municipais e estaduais.
Por fim, considerando-se o estágio da reforma do estado brasileiro, também é
essencial que essa experiência, se bem sucedida, tenha seu padrão de gestão difundido
para outros programas e organizações públicas, de forma a que não seja apenas uma
experiência pontual, mas que consiga inaugurar uma nova forma de coordenar ações
intersetoriais, numa lógica de coordenação federativa, visando a solução de um
problema e a melhoria dos padrões sociais brasileiros.
Por fim, diante do exposto até o momento, com base em textos e material
publicado, algumas questões ainda carecem de investigação e aprofundamento, quais
sejam:
o prazo de término do Brasil Sem Miséria – 2014 - não seria um obstáculo à sua
institucionalização, ou se trata apenas de um prazo estimado para finalizar o Busca
Ativa e incorporar esse público alvo ao SUAS, dando sequência à proposta de modo
semelhante ao que ocorre hoje com aqueles que já saíram dessa faixa de
vulnerabilidade?
a relação entre esse prazo e o final da gestão do Governo Dilma, quando seu
governo será avaliado por conta da campanha eleitoral, não tende a fragilizar o
programa na medida em que será foco de análises essencialmente políticas e, por
vezes, enviesadas?
Os prazos de maturação diferentes dos projetos que compõem o Plano Brasil Sem
Miséria poderão dificultar a intersetorialidade?
20
A participação social se dará por meio das estruturas de participação já
institucionalizadas nas políticas públicas setoriais, especialmente assistência social,
educação e saúde? Ou serão criadas estruturas próprias?
Bibliografia
ABRUCIO, Fernando Luiz. A Coordenação Federativa no Brasil: A experiência do
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SOUZA, Celina. Governos e Sociedade Locais em Contextos de Desigualdade e de
Descentralização. Ciência e Saúde Coletiva, vol.7, nº.3 São Paulo: 2002
(i)EIXO 1 -GARANTIA DE RENDA – Refere-se à ampliação do Programa Bolsa Família, com suas
condicionalidades vinculadas à educação, à saúde e como meio para garantir o direito à alimentação.
EIXO 2: INCLUSÃO PRODUTIVA - No segundo eixo, as estratégias são distintas para as áreas rural e urbana. No
campo, onde se encontra pouco menos da metade da população extremamente pobre do Brasil, a prioridade é
aumentar a produção do agricultor familiar por meio de orientação e acompanhamento técnico, oferta de insumos e
água. Além disso, o governo irá assegurar aos agricultores familiares o acesso aos mercados, tanto os institucionais
através do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), como os privados, por intermédio de acordos com as redes
de supermercados e restaurantes. Nas áreas urbanas buscar-se-á gerar ocupação e renda para os mais pobres, entre
18 e 60 anos de idade, mediante cursos de qualificação profissional, intermediação de emprego, ampliação da política
de microcrédito e incentivo à economia popular e solidária, entre outras ações de inclusão social que devem
beneficiar cerca de dois milhões de pessoas.
EIXO 3: ACESSO A SERVIÇOS - Nesse eixo, trata-se de localizar no território a ausência do Estado ou os vazios
institucionais que contribuem para reproduzir a extrema pobreza. A partir desse diagnóstico e, em acordo com os ministérios, prover as cestas de serviços e benefícios ajustadas a cada realidade local, fazendo as adequações
necessárias para que o Estado brasileiro atenda de modo eficiente essas populações. A oferta de energia elétrica, o
acesso à água, à documentação e a rede de serviços socioassistenciais são alguns exemplos.
(ii) SERVIÇOS/PROGRAMAS: Bolsa Família; Benefício de Prestação Continuada - BPC; Brasil Alfabetizado;
Mais Educação - educação infantil; Saúde da Família; Unidades básicas de Saúde; Brasil Sorridente - tratamento
dentário; Olhar Brasil - exames de vista e óculos; Rede Cegonha; Distribuição de Medicamentos para hipertensos e
diabéticos; Saúde na Escola; Documentação; Água e Luz para Todos – construção de cisternas e de rede de energia
elétrica; Bolsa Verde – estímulo à proteção ambiental; Combate ao trabalho infantil; Segurança Alimentar e
Nutricional- cozinhas comunitárias e bancos de alimentos; Assistência Social - apoio à população em situação de rua,
para que saiam desta condição; Assistência Técnicaà produção de alimentos; Fomento à estruturação de unidade
produtiva familiar; Acesso a mercados públicos e privados pela compra da produção agrícola; Qualificação
profissional para inserção dos beneficiários do Bolsa Família no mercado de trabalho; Catadores – apoio à
organização produtiva.
22
(iii) Nota MDS. Assunto: O perfil da Extrema Pobreza no Brasil com base nos dados preliminares do universo do
Censo 2010. Brasília, 02 de maio de 2011.
(iv) Durante o governo Fernando Henrique Cardoso o ajuste macroeconômico prevaleceu sobre as politicas sociais. O
principal motivo para a definição da macroeconômica era o cenário de inflação e crise fiscal.
(v) O Programa Territórios da Cidadania (PTC), criado em 2008, tem como objetivo promover a superação da pobreza
e das desigualdades sociais no meio rural, por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável.
Responde à constatação de que o Governo Federal tem dificuldade em alcançar a área rural com bens e serviços.
Para dar resposta a esse desafio, o PTC foi desenhado de modo a integrar as ações setoriais (19 Ministérios) e
promover a articulação entre governo e sociedade civil, dentro de um recorte territorial, no qual o território assume o
papel de catalisador, tanto da articulação sistêmica dos atores sociais, como da integração multissetorial dos
investimentos públicos ou privados.
A coordenação desse esforço cabe, politicamente, à Casa Civil da Presidência da República e, operacionalmente, ao
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), idealizador do programa. O papel do MDA é preponderante em
relação aos outros ministérios finalísticos, pois a formulação conceitual e a articulação entre governos e sociedade
civil, no âmbito do PTC, estão particularmente ligadas às atividades dessa pasta.
(vi)La pobreza en América Latina marcó en 2010 su mínimo desde 1990, pasando del 44,8% al 31,4%, un descenso
que se produjo particularmente en los últimos ocho años. Fonte: América Latina: Menos pobres, pero aún
demasiados. http://www.unmultimedia.org/radio/spanish/2011/11/america-latina-menos-pobres-pero-aun-
demasiados/
vii De acordo com Farah as políticas públicas até os anos 80 no país tinham a setorialidade como uma de suas
características. O motivo foi a criação de estruturas especializadas que pudessem dar conta dos complexos problemas
sociais, contudo a especialização acabou se traduzindo em autonomia, cada política social e cada setor público sendo
concebidos de forma independentes dos demais, sem uma articulação entre as ações das diferentes áreas.Disto
decorria não apenas a perda de potenciais efeitos positivos de ações coordenadas dirigidas a um mesmo público-alvo,
mas também o comprometimento de determinadas políticas, pela inexistência de serviços complementares de outro
setor (FARAH, 2006, 122).
(viii) O Sistema Único de Assistência Social (Suas) é um sistema público que organiza, de forma descentralizada, os
serviços socioassistenciais no Brasil. Com um modelo de gestão participativa, ele articula os esforços e recursos dos
três níveis de governo para a execução e o financiamento da Política Nacional de Assistência Social (PNAS),
envolvendo diretamente as estruturas e marcos regulatórios nacionais, estaduais, municipais e do Distrito Federal.
Fonte: Site do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome www.mds.gov.br acesso em 29/02/2012
ix Fonte: Instituto Brasileiro e Geografia e Estatística (IBGE). Informe sobre o Mapa de Pobreza e Desigualdade.
Disponível em www.ibge.gov.br acesso em 03/03/2012.