Download - numeros irracionais

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  • Gilberto Antonio de Oliveira

    Nmeros Irracionais e Transcendentes

    So Jos do Rio Preto

    2015

  • Gilberto Antonio de Oliveira

    Nmeros Irracionais e Transcendentes

    Dissertao de Mestrado Profissional apresentada como parte dos requisitos para obteno do ttulo de Mestre, junto ao Programa de Ps-Graduao em Matemtica Profissional em Rede Nacional - PROFMAT, do Instituto de Biocincias, Letras e Cincias Exatas da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, Campus de So Jos do Rio Preto.

    Orientador: Prof. Dr. Joo Carlos Ferreira Costa

    So Jos do Rio Preto

    2015

  • Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca do IBILCE UNESP - Cmpus de So Jos do Rio Preto

    Oliveira, Gilberto Antonio de.

    Nmero Irracionais e transcendentes/ Gilberto Antonio de Oliveira So Jos do Rio Preto, 2015

    84 f.: Il., tabs Orientador: Joo Carlos Ferreira Costa Dissertao (mestrado profissional) Universidade Estadual

    Paulista Jlio de Mesquita Filho, Instituto de Biocincias, Letras e Cincias Exatas 1. Matemtica - Estudo e Ensino. 2. Aritmtica Estudo e Ensino.

    3. Nmeros Irracionais. 4. Campos Algbricos. 5. Nmeros transcendentes. 6. Matemtica Metodologia. I. Costa, Joo Carlos Ferreira. II. Universidade Estadual Paulista "Jlio de Mesquita Filho". Instituto de Biocincias, Letras e Cincias Exatas. III.Ttulo.

    CDU 511(07)

  • Gilberto Antonio de Oliveira

    Nmeros Irracionais e Transcendentes

    Dissertao de Mestrado Profissional apresentada como parte dos requisitos para obteno do ttulo de Mestre, junto ao Programa de Ps-Graduao em Matemtica Profissional em Rede Nacional - PROFMAT, do Instituto de Biocincias, Letras e Cincias Exatas da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, Campus de So Jos do Rio Preto.

    Banca Examinadora:

    Prof. Dr. Joo Carlos Ferreira Costa UNESP So Jos do Rio Preto Orientador Profa. Dra. velin Meneguesso Barbaresco UNESP So Jos do Rio Preto Prof. Dr. Edivaldo Lopes dos Santos UFSCAR So Carlos

    So Jos do Rio Preto

    2015

  • Dedico este trabalho a meus familiares Ftima Aparecida de Oliveira, Tnia Cristina Oliveira, Antonio do Rosrio Oliveira, Raphael Afonso Oliveira de Jesus e Odette Marano Oliveira (em memria pelo amor, carinho, educao e orientao no decorrer de minha vida.

  • Ofereo aos meus pais e irmos de considerao, Neuza Florido

    Mir, Nazir Mir e Nazir Mir Jr e Michel Mir por todo incentivo e apoio

    durante toda a minha estada em So Jos do Rio Preto.

  • AGRADECIMENTOS

    Primeiramente, sempre a Deus, que nos brindou com sade para a realizao

    deste. Por sempre estar presente, iluminando o nosso caminho.

    Aos meus familiares, que sempre estiveram presentes na minha vida,

    educando, orientando, incentivando e torcendo pelo meu sucesso.

    Aos meus familiares por considerao, pelo apoio e incentivo nos momentos

    difceis e por toda torcida durante esse perodo.

    Ao Prof. Dr. Joo Carlos Ferreira Costa, pela tranquilidade e pacincia e,

    acima de tudo, competncia com que conduziu a orientao deste trabalho. Muito

    obrigado por todas as excelentes sugestes e ensinamentos, sem os quais seria

    impossvel a concluso deste trabalho.

    Coordenao do PROFMAT e a todos os docentes do Departamento de

    Matemtica envolvidos neste importante projeto. Sem essa iniciativa provavelmente

    eu jamais seria incentivado a voltar aos estudos e me qualificar melhor como

    profissional.

    Aos colegas de curso, pela amizade, incentivo, exemplo e determinao.

    Especialmente ao Michel Mir, pelo companheirismo nos incontveis sbados e

    domingos de estudos e preparao para as avaliaes e qualificao. Agradeo

    tambm as inmeras correes em meus inmeros erros de clculos.

    Ao meu grande amigo Jos Augusto Coelho por todo o incentivo dado para

    que eu voltasse aos estudos e por todo o interesse apresentado durante esse

    perodo. Agradeo tambm as valiosas sugestes dadas durante o processo de

    elaborao dessa dissertao.

    A todos, que direta ou indiretamente, fizeram parte deste belssimo momento

    de minha vida.

  • O nico lugar em que o sucesso aparece antes do trabalho no dicionrio. Albert Einstein

  • RESUMO

    Nmeros irracionais e transcendentes intrigam matemticos desde os primrdios do

    desenvolvimento matemtico. Demonstrar a irracionalidade ou transcendncia de

    um nmero pode ser uma tarefa extremamente complicada e tcnica, mas carrega

    consigo uma beleza mpar que fascina muitos matemticos.

    No decorrer da histria, a demonstrao da irracionalidade ou transcendncia de

    alguns nmeros ajudou, por exemplo, na soluo de importantes problemas

    matemticos, alguns deles propostos desde a Grcia antiga.

    Mas, apesar de todo o fascnio e importncia dessas classes de nmeros, eles

    quase no so abordados durante os Ensinos Fundamental e Mdio. No entanto,

    acreditamos que tais classes podem ser, mesmo que superficialmente, tratadas com

    os alunos no sentido de despertar neles a curiosidade e o gosto pela matemtica.

    Muitos conceitos (como o de infinito, cardinalidade, entre outros) e a prpria histria

    podem ser usados neste intuito. Assim, a proposta de nosso trabalho , inicialmente,

    mostrar a evoluo dos conjuntos numricos apresentando tambm fatos histricos

    relacionados a alguns nmeros ou classes de nmeros. Na segunda parte do

    trabalho, aprofundamos nosso estudo sobre nmeros algbricos e transcendentes.

    Apresentamos na parte final uma prova da irracionalidade e transcendncia dos

    nmeros e e .

    Palavras-chave: Nmeros Irracionais. Nmeros Algbricos. Nmeros

    Transcendentes.

  • ABSTRACT

    Irrational and transcendental numbers intrigued mathematicians since the

    beginning of mathematical development. Proving the irrationality or transcendence of

    a number can be a subject very complicated, however this is a task which have been

    fascinated many mathematicians.

    In this work we present some historical information and properties of irrational,

    algebraic and transcendental numbers. The main part of this work are the proofs of

    irrationality and transcendence of the numbers e and . We have noticed these two

    numbers are known by students in high school, but they are never shown as

    transcendental numbers. We believe that it is possible to present the notion of

    transcendental and algebraic numbers for the students, at least superficially. For

    instance, it is possible to explore the notions of infinite, cardinality, among others and

    also the rich history of these kind of numbers.

    Key words: Irracional numbers. Algebraic numbers. Transcendental numbers.

  • SUMRIO

    INTRODUO ................................................................................................................11

    CAPTULO 1 NUMEROS E CONJUNTOS NUMRICOS...............................................14

    1. A ideia de nmero ......................................................................................... 14

    2. Conjuntos Numricos .................................................................................... 16

    2.1 Nmeros Naturais..................................................................................... 16

    2.2 Nmeros Inteiros ..................................................................................... 17

    2.3 Nmeros Racionais.................................................................................. 19

    2.4 Nmeros Irracionais ................................................................................ 20

    2.5 Nmeros Reais......................................................................................... 21

    2.6 Nmeros Complexos ............................................................................... 23

    2.7 Conjuntos Numricos x Solues de Equaes ...................................... 24

    CAPTULO 2 RESULTADOS PRELIMINARES............................................................. 25

    CAPTULO 3 NMEROS IRRACIONAIS: UMA ABORDAGEM .................................. 32

    1. Fraes Contnuas e Irracionalidade ............................................................. 32

    2. Existem Muito Mais Nmeros Irracionais que Racionais ............................... 36

    3. O Nmero 2 Irracional .............................................................................. 39 3.1 Usando Fraes Irredutveis .................................................................... 39

    3.2 Usando o Princpio Fundamental da Aritmtica ...................................... 40

    3.3 Usando Fraes Contnuas ..................................................................... 40

    3.4 A Prova Geomtrica ................................................................................. 40

    3.5 Usando Boa Ordenao .......................................................................... 42

    CAPTULO 4 NMEROS ALGBRICOS E TRANSCENDENTES .............................. 43

    1. Os Nmeros de Liouville ....................................................................... 45

    2. Um Pouco de Histria ........................................................................... 49

    3. Trs Problemas Insolveis ................................................................... 55

    3.1 A Duplicao do Cubo .................................................................... 56

    3.2 A Trisseco do ngulo .................................................................. 58

    3.3 A Quadratura do Crculo ................................................................. 59

  • CAPTULO 5 IRRACIONALIDADE E TRASNCENDNCIA DOS NMEROS E e....61

    1. A Irracionalidade do Nmero e ..............................................................61

    2. A Irracionalidade do Nmero ..............................................................62

    3. A Transcendncia do Nmero ............................................................65

    4. A Transcendncia do Nmero e ............................................................70

    CAPTULO 6 ATIVIDADE EM SALA DE AULA.............................................................73

    CONCLUSO ................................................................................................................ 79

    REFERNCIAS ............................................................................................................. 82

  • 11

    INTRODUO

    O nmero a alma das coisas (Pitgoras, data desconhecida). A frase

    anterior, proferida por um dos mais conhecidos matemticos de todos os tempos,

    sintetiza de maneira brilhante uma importante rea do conhecimento matemtico: a

    teoria dos nmeros. A matemtica conhecida como a cincia das formas e, claro,

    dos nmeros. O desenvolvimento das teorias matemticas sempre esteve atrelado

    ao desenvolvimento do conceito de nmero. Assim, no podemos menosprezar a

    importncia desse conceito para a matemtica. Mas claro que tambm no se

    pode afirmar que a matemtica trata apenas de nmeros, como muitos chegam a

    pensar.

    importante ressaltar que tal desenvolvimento mencionado ocorreu de forma

    extremamente lenta e muitas vezes polmica. Foram milhares de anos para se

    desenvolver ideias que muitas vezes so tratadas hoje como triviais, e existe um

    grande perigo nisso, principalmente quando se trabalha com educao matemtica.

    Muitas vezes podemos achar estranho que um aluno tenha dificuldades em entender

    como funcionam as regras de sinais quando operamos com nmeros negativos, ou

    ento, o que significa um nmero ser racional ou irracional, mas quando pensamos

    dessa forma acabamos nos esquecendo do quo lento foi o desenvolvimento e

    tambm a aceitao de determinadas propriedades e classes de nmeros. Devemos

    sempre nos perguntar: ser que os grandes matemticos, das mais variadas

    pocas, no tiveram dificuldades em aceitar e compreender as operaes com

    determinados tipos de nmeros? Ser que no natural que nossos alunos tambm

    apresentem algumas dificuldades com isso? Alguns conceitos que levaram milhares

    de anos para serem desenvolvidos acabam sendo trabalhados em apenas alguns

    meses em sala de aula e esse tempo muitas vezes no suficiente para que o aluno

    compreenda alguns detalhes mais abstratos da teoria.

    Dessa maneira, este trabalho tem por objetivo trazer algumas informaes

    que podem ser de grande utilidade para alunos e tambm para profissionais que

    lidam com a educao matemtica em nvel bsico. Tentamos trazer algumas

    informaes interessantes a respeito das mais variadas classes numricas com

    nfase especial a duas delas, que so pouco abordadas ao longo da educao

    bsica: os nmeros irracionais e transcendentes. Nosso objetivo no , de maneira

  • 12

    alguma que provas como, por exemplo, da irracionalidade ou transcendncia dos

    nmeros e e, sejam ensinadas aos alunos, mas julgamos ser til o conhecimento

    dessas duas classes numricas, para fomentar o interesse e a curiosidade dos

    alunos, o que pode levar a despertar talentos para a matemtica. Alis, dois dos

    mais famosos nmeros que conhecemos, o e o e fazem parte dessas classes e,

    no entanto, sabemos muito pouco sobre eles. Veremos aqui que alguns dos mais

    famosos problemas da matemtica, como os trs grandes problemas da Grcia

    Antiga, podem ser abordados com o intuito de se observar que a impossibilidade de

    suas resolues pode ser verificada com o auxlio dos conceitos de nmeros

    algbricos e transcendentes. Acreditamos que, conhecer estes problemas e o motivo

    pelo qual eles no podem ser resolvidos podem enriquecer substancialmente uma

    aula de geometria.

    Ainda na geometria, muito se fala a respeito dos nmeros e 2 por exemplo, mas pouco contado a respeito de suas histrias. Este outro ponto

    importante que gostaramos de abordar. Uma das partes do trabalho se ocupa da

    demonstrao, de vrias maneiras diferentes, da irracionalidade do nmero 2 e algumas delas poderiam ser reproduzidas em sala de aula sem grandes

    dificuldades. Saindo da geometria e indo para o estudo das funes, temos, no

    estudo dos logaritmos, o importante logaritmo neperiano, ou logaritmo de base e.

    Mas o que esse misterioso nmero e o que pode ser dito a respeito dele? Tambm

    teremos uma parte do trabalho dedicada definio, histria e aplicaes (baseadas

    em problemas da matemtica financeira que um assunto que geralmente cativa

    os alunos do Ensino Bsico por suas aplicaes no cotidiano) desse nmero

    importante, mas pouco conhecido dos alunos.

    No Captulo 1, ser apresentado um breve histrico a respeito do

    desenvolvimento da ideia de nmero, alm de informaes sobre os conjuntos

    numricos, e algumas das motivaes histricas para que fosse desenvolvido seu

    estudo. Neste captulo poderemos observar os principais objetivos dos nmeros em

    geral: contagem, medio e resoluo de equaes.

    O segundo captulo traz alguns pr-requisitos para a leitura do texto. O

    Captulo 3 trabalhar com a ideia de irracionalidade, dando uma abordagem sobre

    fraes contnuas. Todos os teoremas, princpios e proposies que sero utilizados

    ao longo do trabalho foram compilados nesses dois captulos. Ainda no Captulo 3

  • 13

    ser feito um comentrio a respeito da cardinalidade do conjunto dos nmeros

    irracionais e ser mostrado que os nmeros irracionais so em nmero muito maior

    que os racionais e este fato pode servir de motivao para se estudar esse curioso

    conjunto dos nmeros irracionais. O final do captulo ser dedicado s mais variadas

    formas de se demonstrar a irracionalidade do nmero 2. As demonstraes da irracionalidade dos nmeros e e sero feitas em um captulo parte.

    O quarto captulo trar algumas noes a respeito da transcendncia dos

    nmeros reais, demonstrando que tais nmeros existem e apresentando alguns

    exemplos de nmeros que so sempre transcendentes (os chamados nmeros de

    Liouville). Uma importante parte do captulo ser dedicada aos nmeros e e,

    ressaltando um pouco de suas interessantes histrias e mostrando um pouco de

    suas aplicaes na geometria (no caso do ) e na matemtica financeira (no caso

    do e). O final do captulo ser dedicado demonstrao da impossibilidade de se

    resolver os trs problemas da Grcia Antiga, usando rgua e compasso: a

    duplicao do cubo, a trisseco do ngulo e a quadratura do crculo. Todas as

    demonstraes sero feitas usando-se propriedades de nmeros algbricos e

    transcendentes. Apresentar a histria relacionada a estes trs problemas, bem como

    dar aos alunos ideias do porqu esses problemas no podem ser resolvidos com

    rgua e compasso, pode ser uma boa ferramenta para se trabalhar em sala de aula

    com os alunos.

    O quinto captulo o mais tcnico e trata das demonstraes da

    irracionalidade e transcendncia dos nmeros e e. Tais demonstraes so

    extremamente tcnicas e exigem um grau de conhecimento matemtico que vai

    muito alm dos conceitos que so trabalhados durante o Ensino Bsico. No

    esperamos que os profissionais de Educao Bsica faam essas demonstraes

    para seus alunos, mas consideramos importante formalizar as provas de

    irracionalidade e transcendncia desses dois nmeros. Este captulo dedicado

    queles que tm interesse em aprofundar um pouco mais seus conhecimentos.

    Afinal sempre importante dominarmos a fundo um assunto que desejamos lecionar

    e, quanto mais conhecemos esse assunto, mais apaixonados ficamos com seu

    fascnio.

    O ltimo captulo trata de um relato sobre uma atividade em sala de aula.

  • 14

    CAPTULO 1

    NMEROS E CONJUNTOS NUMRICOS

    1. A IDEIA DE NMERO

    Segundo Lima ([9] 2006, p.25) os nmeros so um dos dois objetos principais

    de que se ocupa a matemtica, o outro o espao, junto com as figuras nele

    contidas. A frase anterior nos d uma noo do quo importante a noo de

    nmero para o desenvolvimento dos conceitos matemticos. Em primeira instncia

    podemos dizer que nmeros so usados na matemtica com dois objetivos

    principais: contagens e medidas. Quando trabalhamos com contagens, estamos

    usando grandezas que so chamadas discretas e o o resultado um nmero inteiro.

    Caso trabalhemos com uma medio, a grandeza chamada contnua e o nmero

    chamado de nmero real.

    Para entender melhor essas ideias e as diferenas que existem entre os

    diferentes tipos de nmeros devemos ter condies de classificar e agrupar os

    nmeros de acordo com caractersticas comuns a eles. Este tipo de classificao

    pode ser obtido estudando-se os conjuntos numricos.

    Deus fez os nmeros naturais, o resto criao do homem. Esta frase,

    proferida por Leopold Kronecker, matemtico alemo que viveu entre 1823 e 1891,

    tem a capacidade de sintetizar de maneira simples e objetiva a histria da apario

    dos conjuntos numricos. Nmeros naturais vieram pela primitiva e simples

    necessidade de organizao e contagem. Os outros tipos de nmeros surgiram da

    necessidade de se resolver problemas do dia-a-dia. Alguns desses problemas

    intrigaram matemticos por centenas ou at mesmo milhares de anos e outros

    problemas parecem ainda no ter soluo. Entretanto, engana-se aquele que

    imagina que nmeros esto apenas relacionados resoluo de problemas

    cotidianos. Muitos nmeros esto associados a problemas algbricos. o caso, por

    exemplo, da unidade imaginria i que uma soluo da equao x = -1.

    Desde os primrdios do desenvolvimento da humanidade encontramos a noo

    de nmero e de suas generalizaes. Muitas vezes o desenvolvimento do conceito

  • 15

    de nmero esteve diretamente ligado ao desenvolvimento da prpria humanidade.

    Por exemplo, a noo do conceito de nmero permitiu aos homens primitivos

    reconhecer que algo muda em um pequeno agrupamento de objetos (por exemplo,

    seus animais, seus pertences, etc).

    Devemos, entretanto, tomar certo cuidado para no confundir o sentido de

    nmero, em sua significao primitiva e em seu papel intuitivo, com a capacidade de

    contar. As quantidades esto nossa volta no dia-a-dia, mas a capacidade de

    contar exige um fenmeno um pouco mais complexo .

    Os estudos a respeito de povos primitivos das mais variadas civilizaes servem

    para nos fornecer uma comprovao de que embora os nmeros estejam nossa

    volta, a capacidade de contar ou de estabelecer relaes entre quantidades um

    processo um pouco mais complexo. Alguns habitantes da selva e alguns indgenas

    no possuem palavras numricas alm de um, dois e muitos e ainda assim, existe

    uma grande dificuldade nesse caso de se estabelecer uma contagem com valores

    maiores que dois. Podemos observar alguns resqucios dessa limitao com relao

    contagem na prpria estrutura de muitas lnguas [2]. Por exemplo, a palavra

    inglesa thrice ou a palavra latina ter, possuem dois sentidos, um deles significa trs

    vezes e outro significa muitos. Outro exemplo que podemos citar uma evidente

    conexo entre as palavras latinas tres (trs) e trans (mais alm); ou ento as

    palavras francesas trois (trs) e trs (muito) .

    Esses so alguns exemplos que procuram mostrar o quo lento foi o processo de

    desenvolvimento do conceito de nmero e de suas aplicaes iniciais em processos

    de contagem. Todavia, por meio de diversas circunstncias ao longo de nossa

    histria, o homem aprendeu a completar aquela percepo limitada de nmero com

    um artifcio que estava destinado a exercer influncia extraordinria em sua vida

    futura. Esse artifcio a operao de contar, e a ele que devemos o progresso da

    humanidade .

    Como j fora mencionado, no devemos confundir o conceito de nmero com o

    processo de contagem. Podemos ter nmeros sem contagem e contagem sem

    nmeros. Por exemplo, se uma pessoa entra em uma sala de aula podemos

    identificar dois conjuntos, o das carteiras que esto na sala e dos alunos que

  • 16

    assistiro a uma determinada aula. Sem efetuar nenhum tipo de contagem podemos

    dizer com certeza se estes dois conjuntos possuem ou no a mesma quantidade de

    elementos e, se possurem quantidades diferentes de elementos, podemos tambm

    determinar facilmente qual dos conjuntos possui maior quantidade. Se todas as

    carteiras estiverem ocupadas e no houver alunos em p, o nmero de carteiras e

    alunos igual; se houverem carteiras vazias sem alunos em p, existem mais

    carteiras que alunos e, finalmente, se todas as carteiras estiverem ocupadas e

    existirem alunos em p, existem mais alunos que carteiras. Este procedimento

    possvel graas correspondncia biunvoca, a qual faz corresponder a cada

    elemento do primeiro conjunto um nico elemento do segundo. Uma prova deste tipo

    de procedimento est na origem da palavra clculo. Tal palavra se origina da palavra

    latina calculus, que significa pedra. A pedra era o objeto usado para se estabelecer

    essa correspondncia biunvoca entre quantidades para saber se eram iguais ou

    qual delas era maior.

    Pode parecer, primeira vista, que o processo de correspondncia biunvoca

    fornece apenas um meio de relacionar, por comparao, dois conjuntos distintos,

    isto , dizer se os conjuntos possuem a mesma quantidade de elementos ou qual

    deles possui a maior quantidade de elementos, sedo incapaz de criar o nmero no

    sentido absoluto da palavra. Contudo, a transio do relativo ao absoluto no

    difcil. O processo utilizado foi a criao de conjuntos modelos, tomados do mundo

    que nos rodeia, e fazendo cada um deles caracterizar um agrupamento possvel. A

    avaliao de um dado conjunto fica reduzida seleo, entre os conjuntos modelos,

    daquele que possa ser posto em correspondncia biunvoca com o conjunto dado.

    2. CONJUNTOS NUMRICOS

    2.1 NMEROS NATURAIS

    Como j foi mencionado anteriormente, os nmeros naturais vieram pela

    primitiva e simples necessidade de organizao e de contagem. Conforme a

    humanidade evolua, as necessidades tambm evoluam, j que os sistemas sociais

    tornavam-se cada vez mais complexos. Mas, com o progresso, tambm foi possvel

    disponibilizar mais tempo para reflexes mais elaboradas. Isso ajudou a descrever o

  • 17

    conjunto dos nmeros naturais de forma concisa e precisa. Para isso vamos nos

    valer dos axiomas de Peano, matemtico italiano dos sculos XIX e XX.

    Denotaremos por N o conjunto cujos elementos so chamados de nmeros

    naturais. A essncia da caracterizao de N reside na palavra sucessor.

    Intuitivamente, quando n e n so nmeros naturais, dizer que n o sucessor de n

    significa que n vem logo depois de n. Em outras palavras, no existem outros

    nmeros naturais entre n e n.

    Abaixo esto os axiomas de Peano, que so a base do estudo dos nmeros

    naturais.

    a) Todo nmero natural tem um nico sucessor.

    b) Nmeros naturais diferentes possuem sucessores diferentes.

    c) Existe um nico nmero natural, chamado um e representado pelo smbolo 1,

    que no sucessor de nenhum nmero natural.

    d) Se m e n so nmeros naturais tais que o sucessor de m igual ao sucessor

    de n temos que m = n.

    e) Seja X um subconjunto de N. Se 1 e se, alm disso, o sucessor de todo elemento de X ainda pertence a X, ento X = N.

    Podemos observar que o conjunto N uma sequncia de objetos abstratos, que

    de maneira inicial parecem vazios de significado. No entanto, com esses axiomas

    podemos utilizar smbolos para descrever o sucessor de 1 (denotado por 2); o

    sucessor do sucessor de 1 (denotado por 3), e assim por diante. Em linguagem

    moderna, representamos o conjunto N dos nmeros naturais por:

    N = {1,2,3,...}

    Observao: H uma razo histrica aqui para no iniciarmos o conjunto N

    com o nmero zero, como fazem muitos textos matemticos.

    2.2 NMEROS INTEIROS

    Os nmeros naturais sempre estiveram nossa volta e sua aceitao sempre

    ocorreu de maneira rpida, tanto pelos matemticos, quanto pela populao em

  • 18

    geral. Isso ocorre porque esses nmeros so bastante intuitivos. Entretanto, o

    mesmo no pode ser dito com relao aos nmeros inteiros. A aceitao de

    nmeros negativos ocorreu de forma muito lenta, mesmo entre os matemticos.

    Acredita-se que a primeira apario dos nmeros negativos na histria da

    matemtica tenha ocorrido na China Antiga, aproximadamente h 4000 anos. Os

    chineses efetuavam seus clculos de uma maneira bem peculiar. Usavam dois

    conjuntos de barras, uma vermelha e a outra preta. O conjunto de barras vermelhas

    representava os nmeros negativos e o de barras pretas os positivos. . Tambm os matemticos indianos se depararam com

    nmeros negativos, mas nesse caso tais nmeros apareceram quando eles

    tentavam estabelecer um algoritmo para a resoluo de equaes quadrticas

    . Muitos matemticos apresentaram grande

    resistncia quando se deparavam com nmeros negativos. Era o caso de Diofanto

    de Alexandria, matemtico grego do sculo III a.C. Diofanto operava de maneira

    magistral com nmeros, mas quando se deparava com solues negativas em seus

    problemas, as classificava como absurdas.

    Toda essa resistncia fez com que os nmeros negativos levassem milhares

    de anos para serem reconhecidos como nmeros, tendo aceitas suas operaes e

    propriedades.

    Com o Renascimento veio a expanso comercial e a circulao de dinheiro

    aumentou, obrigando os comerciantes a utilizar smbolos para expressar situaes

    de lucro e prejuzo, ou seja, precisavam representar nmeros positivos e negativos.

    Dessa maneira os matemticos da poca desenvolveram tcnicas operatrias para

    problemas que envolvessem nmeros negativos e positivos. Surgia ento um novo

    conjunto numrico, representado pela letra Z (inicial da palavra Zahlen, que significa

    nmero em alemo), sendo formado pelos nmeros positivos e seus opostos,

    podendo ser escrito da seguinte forma:

    Z = {...,-3,-2,-1,0,1,2,3,...}

    Tal conjunto recebeu o nome de conjunto dos nmeros inteiros.

  • 19

    2.3 NMEROS RACIONAS

    Nmeros naturais surgiram da necessidade de contagem, nmeros inteiros da

    necessidade de se operar com valores que eram negativos. J os nmeros racionais

    esto associados a problemas de medidas.

    Considere um segmento de reta AB que desejamos conhecer a medida. Para

    que essa medida possa ser efetuada, devemos tomar um segmento padro que ser

    denominado de segmento unitrio ou unidade de medida e o denotaremos por u. Por

    definio devemos ter que a medida do segmento u sempre igual a 1. Tambm

    estipularemos que segmentos congruentes tenham a mesma medida e que, se n 1

    pontos interiores decompuserem AB em n segmentos justapostos, ento a medida

    de AB ser igual soma das medidas desses segmentos. No caso em que esses n

    segmentos so congruentes ao segmento unitrio, podemos dizer que o segmento

    unitrio cabe n vezes no segmento AB e a medida de AB, que ser representada por

    m(AB) ser igual a n.1 (j que 1 a medida do segmento unitrio), ou seja, m(AB) =

    n.

    Uma situao que pode ocorrer a de o segmento u no caber um nmero

    inteiro de vezes em AB. Nesse caso, a medida de AB no ser um nmero inteiro,

    ou mais precisamente, um nmero natural. Para resolver este problema

    necessrio utilizar um raciocnio um pouco mais elaborado.

    Vamos agora tomar um segmento de reta t, que caiba n vezes no segmento

    unitrio e m vezes em AB. Observe que a medida de t ser uma frao igual a 1/n

    da medida de de u e, alm disso, sua medida ser m vezes 1/n, ou seja, a medida

    de t ser igual a m/n. Surgem ento os nmeros racionais, que so os nmeros que

    podem ser escritos na forma m/n, com m e n inteiros e n no nulo.

    Na Grcia antiga, os nmeros da forma m/n no eram tratados como

    nmeros, pois os gregos tinham dificuldades em admitir nmeros que no

    pertencessem ao conjunto {2,3,4,5,...} (observe que nem mesmo o nmero 1 era

    considerado como nmero, pois para os gregos ele era usado para representar um

    segmento unitrio que era tomado como referncia em uma medida). Esses valores

    eram tratados como uma razo entre as medidas de dois segmentos, e no como

    nmeros propriamente ditos, mas o importante no era o nome que era dado aos

    objetos que tinham a forma m/n, com m e n inteiros e n no nulo; o importante era

  • 20

    saber raciocinar com esses objetos e aplicar esses conceitos na resoluo de

    problemas.

    Alm de problemas de cunho geomtrico, os nmeros racionais esto

    tambm ligados a problemas algbricos, como a soluo de equaes. medida

    que temos uma evoluo das equaes algbricas, torna-se cada vez mais

    importante saber em que conjuntos tais equaes fazem sentido ou possam ser

    resolvidas. Isso ser visto na subseo 2.7.

    O conjunto dos nmeros racionais denotado pela letra Q (do ingls quotient)

    e definido da seguinte forma:

    =

    ; , , 0.

    2.4 NMEROS IRRACIONAIS

    Assim como os nmeros racionais, os irracionais tambm esto relacionados

    a problemas que envolvem medidas. Durante muito tempo se pensou que quaisquer

    dois segmentos eram sempre comensurveis, isto , a razo entre suas medidas

    sempre resultaria em uma frao com numerador e denominador inteiros. Ou seja, a

    noo de comensurabilidades est relacionada ao conjunto Q. Esta crena pode ter

    se originado da aritmtica, onde dois nmeros naturais sempre tm um divisor em

    comum (o nmero 1). Entretanto, com segmentos de reta esses conceitos mudam

    um pouco.

    Essa crena de que dois segmentos de reta sempre fossem comensurveis

    durou at cerca de quatro sculos antes de Cristo. Nessa poca, um dos discpulos

    de Pitgoras fez uma observao que abalou toda a estrutura da matemtica grega.

    Esse discpulo descobriu que as medidas do lado e da diagonal de um quadrado no

    so segmentos comensurveis. Em linguagem moderna, tomando um quadrado de

    lado unitrio, temos que sua medida ser igual a 2 e o nmero 2 no pode ser escrito na forma m/n, com m e n naturais (a prova deste fato ser apresentada

    posteriormente). Observando-se a existncia de segmentos incomensurveis, pode-

    se chegar concluso que os nmeros naturais mais as fraes obtidas a partir de

    nmeros naturais (ou seja os nmeros racionais positivos) eram insuficientes para

    medir todos os segmentos de reta.

  • 21

    A soluo encontrada e que, com certa relutncia foi finalmente adotada, foi a

    de ampliar o conceito de nmero, e nesse momento foram introduzidos os

    chamados nmeros irracionais. Com isso, fixando uma unidade de comprimento

    arbitrria, qualquer que fosse o segmento de reta que tivssemos, poderamos

    atribuir ao segmento uma medida numrica. No caso em que a medida do segmento

    comensurvel com a unidade escolhida, sua medida um nmero racional (que

    poder ser natural ou fracionrio) e no caso do comprimento do segmento ser

    incomensurvel com a unidade estabelecida, sua medida um nmero irracional.

    Nmeros irracionais tambm podem estar relacionados a problemas

    algbricos, assim como os racionais, conforme veremos na subseo 2.7. Existem

    muitos nmeros irracionais que possuem significativa importncia para a

    matemtica. Ao longo deste trabalho citaremos alguns deles, contando um pouco de

    suas histrias e aplicaes.

    Geralmente denotaremos o conjunto dos nmeros irracionais por R Q.

    2.5 NMEROS REAIS

    Com o objetivo de ter uma ideia mais clara a respeito dos novos nmeros que

    haviam surgido (os nmeros irracionais) e, principalmente, para situar esses

    nmeros em relao aos racionais, podemos imaginar uma reta, na qual foi fixada

    um ponto O, que ser chamado de origem, e um ponto arbitrrio X, direita de O e

    diferente de O. Vamos tomar o segmento OX como o segmento unitrio, ou seja,

    como unidade de comprimento. A reta OX receber o nome de reta real (Figura 1).

    (Figura 1)

    A origem O divide a reta real em duas semirretas: a que contm o ponto X a

    semirreta chamada positiva, e a outra semirreta a negativa.

    Considere agora um ponto P na reta real. Se o segmento OX couber um

    nmero inteiro de vezes em OP diremos que a abscissa de P um nmero natural,

    se P estiver direita de O, ou um nmero inteiro negativo caso P esteja esquerda

    de O.

  • 22

    De maneira mais geral, se um ponto P pertencente reta real for tal que, o

    segmento OP comensurvel com o segmento OX, diremos que a abscissa de P

    representa um nmero racional, podendo ser positivo ou negativo conforme P esteja

    direita ou esquerda do ponto O.

    Por ltimo, se o ponto P for tal que o segmento OP incomensurvel com

    OX, diremos que p a abscissa de P. O nmero p ser considerado positivo se P

    estiver direita de O e considerado negativo se P estiver esquerda de O.

    Observe que dado um ponto P sobre a reta real s existem duas

    possibilidades para o segmento OP (ser comensurvel ou incomensurvel com o

    segmento OX). Assim temos que todas as medidas possveis de segmentos so

    dados por nmeros reais, o qual ser representado por R, como o conjunto cujos

    elementos so nmeros racionais ou irracionais. Isto ,

    = ( ). Existe uma correspondncia biunvoca entre a reta OX e o conjunto dos

    nmeros reais. Em outras palavras, cada ponto da reta real est associado a um

    nmero real e cada nmero real possui uma posio especfica na reta real. Dessa

    maneira, o conjunto dos nmeros reais pode ser visto como o modelo aritmtico de

    uma reta e a reta, pode ser vista como o modelo geomtrico dos nmeros reais.

    Essa representao dos nmeros reais como abscissas de pontos de uma reta foi

    de fundamental importncia para grandes avanos ocorridos na matemtica.

    Podemos agora avanar no estudo dos nmeros reais e observar que, alm

    de serem divididos em racionais e irracionais, os nmeros reais podem ser dados

    pela unio de dois outros tipos de conjuntos: o conjunto dos nmeros algbricos e o

    conjunto dos nmeros transcendentes. O estudo deste ltimo conjunto uma das

    partes principais que se ocupar o presente trabalho.

    Observao: Existe uma maneira formal de construir os nmeros reais por

    meio dos cortes de Dedekind ou sequncias de Cauchy. Mais informaes a esse

    respeito podem ser encontradas em [7], por exemplo.

  • 23

    2.6 NMEROS COMPLEXOS

    De todos os conjuntos numricos, o conjunto dos nmeros complexos com

    certeza, aquele que possui a denominao mais infeliz. Tal denominao

    herdada de pocas em que a abstrao matemtica exigida para compreenso

    desses nmeros era considerada muito elevada. Atualmente sabemos que o prprio

    conceito de nmero real envolve uma elevada abstrao.

    Os nmeros complexos, diferentemente dos demais nmeros, no esto

    associados a processos de contagem ou medidas de segmentos, reas, volumes.

    Tais nmeros esto relacionados com problemas algbricos, principalmente a

    resoluo de equaes polinomiais. Um dos resultados mais importantes

    relacionado aos nmeros complexos o Teorema Fundamental da lgebra,

    demonstrado por Carl Friedrich Gauss, em 1799, o qual afirma que toda equao

    polinomial tem soluo no conjunto dos nmeros complexos. Esse teorema teve

    importantes conseqncias para a matemtica, a partir do sculo XIX. Alm disso,

    os nmeros complexos ampliaram a noo que temos a respeito de nmeros, que

    eram enxergados como pontos de uma reta e passaram a ser vistos como

    coordenadas de vetores num plano ou identificados com pontos do plano cartesiano.

    Sabemos que, em R, a equao x + 1 = 0 no admite soluo. Dessa

    maneira, somos forados a definir um nmero n satisfazendo n = -1, que resolva a

    equao.

    Temos duas opes para definir tal nmero. Podemos postular a sua existncia ou

    ento usamos um pouco de lgebra linear elementar e samos em busca de um ente

    de natureza geomtrica que seja a soluo do nosso problema. Optaremos pela

    segunda forma. Vamos olhar a equao x + 1 = 0 da seguinte forma: X + I = 0, ou

    X.X = -I, onde X uma matriz quadrada de ordem 2 com coeficientes reais, I a

    matriz identidade de ordem 2 e . a operao de multiplicao de matrizes. Sendo

    X uma matriz quadrada de ordem 2, vamos definir =

    . Assim nosso

    problema se resume a resolver a equao

    .

    = 1 00 1.

    .

    = 1 00 1 + + + + = 1 00 1

    Usando igualdade de matrizes chegamos ao seguinte sistema de equaes:

  • 24

    + = 1 + = 0 + = 0

    + = 1 (1.1) Resolvendo o sistema (1.1) encontramos a soluo a = 0, b = -1, c = 1 e d = 0. A

    soluo = 0 11 0 geometricamente representa a rotao de um ngulo igual a 2 radianos no plano R, no sentido anti-horrio.

    A partir desta motivao definimos o conjunto dos nmeros complexos da

    seguinte forma:

    = { + ; , } onde a constante imaginria tal que = 1.

    2.7 CONJUNTOS NUMRICOS X SOLUES DE EQUAES

    A evoluo dos conjuntos numricos tambm pode ser pensada em termos

    da resoluo de problemas que envolvem solues para equaes algbricas.

    Por exemplo, para resolver a equao x 4 = 3 fcil ver que sua soluo

    um nmero natural. J no caso da equao x + 4 = 3 no temos uma soluo

    natural, apenas uma soluo inteira. Pensando agora na equao 2x + 3 = 4 no

    encontramos uma soluo natural e nem uma soluo inteira. Sua soluo um

    nmero racional. Vamos agora considerar as equaes x - 2 = 0 e x + 1 = 0. Para a

    primeira equao temos que sua soluo no pode ser representada por um nmero

    racional, apenas irracional e a ltima no apresenta nenhuma soluo real, apenas

    complexa.

    Podemos assim estabelecer uma relao entre o conceito de nmero e a

    resoluo de equaes algbricas. Conforme as equaes exigiam solues mais

    sofisticadas, os conjuntos numricos evoluam e iam se adaptando a essas

    necessidades. Nosso objetivo nesse trabalho ser estudar duas classes especiais

    de nmeros reais, que so pouco abordados durante o Ensino Bsico, que esto

    relacionados a problemas geomtricos e tambm solues de equaes

    algbricas: os nmeros irracionais e os nmeros transcendentes.

  • 25

    CAPTULO 2

    RESULTADOS PRELIMINARES

    Neste captulo apresentaremos alguns resultados que sero de fundamental

    importncia para algumas demonstraes feitas ao longo deste trabalho.

    Princpio da Boa Ordenao (PBO): Todo subconjunto no vazio S, dos nmeros naturais, possui um elemento mnimo, isto , existe 0 , tal que 0 , para todo . Demonstrao: Sem perda de generalidade, vamos supor que 1 S j que caso isso ocorresse, 1 seria o menor elemento de S. Dessa maneira, o menor elemento

    de S, cuja existncia desejamos provar, ser da forma + 1. Devemos ento encontrar um nmero natural tal que + 1 S e, alm disso, todos os elementos de S devem ser maiores que , e assim maiores que 1,2,3, , . Ou seja, procuramos um nmero natural tal que In = {1,2,3, , n} N S e + 1 . Com esse objetivo vamos considerar o conjunto = { ; In N S}.

    Dessa forma, X o conjunto dos nmeros naturais tais que todos os

    elementos de X so maiores que . Estamos supondo que 1 S e com isso temos que 1 X. Em contrapartida, como S um conjunto no vazio, nem todos os nmeros naturais pertencem a X, ou seja, X N. Dessa forma deve existir algum X tal que + 1 X . Em outras palavras, todos os elementos de S so maiores que n, mas nem todos os elementos de S so maiores que + 1. Como no existem nmeros naturais entre e + 1, conclumos que + 1 e o menor elemento de S.

    importante ressaltar que o Princpio da Boa Ordenao vlido

    exclusivamente para nmeros naturais. Alm disso, vrios resultados podem ser

    obtidos a partir desse princpio. Por exemplo, uma das formas de se mostrar a

    irracionalidade de 2 se baseia no PBO, como veremos.

  • 26

    Princpio de Induo Finita (PIF): Seja P(n) uma propriedade relativa ao nmero natural n. Vamos supor que:

    i) P(1) verdadeira.

    ii) Para todo natural n, a validez de P(n) implica a validez de P(n+1).

    Ento P(n) vlida, qualquer que seja o nmero natural n.

    O PIF decore dos axiomas de Peano e serve para mostrarmos propriedades

    que valem para todos os nmeros naturais, sem ter que testar a propriedade para

    cada nmero natural, o que seria impossvel.

    Exemplo 2.1: Vamos usar o princpio de Induo Finita para mostrar que a soma

    dos quadrados dos nmeros naturais dada por: 1 + 2 + 3 + + = ( + 1)(2 + 1)6 1) De fato, primeiramente observe que a frmula vale para n = 1 pois: 1 = 1(1 + 1)(2.1 + 1)6 = 1 2) Suponha que a propriedade vale para certo nmero natural k, ou seja: 1 + 2 + 3 + + = ( + 1)(2 + 1)6 3) Vamos mostrar que a propriedade vale para = + 1. De fato: 12 + 22 + 32 + + 2 + ( + 1)2 = ( + 1)(2 + 1)6 + ( + 1)2= ( + 1)(2 + 1) + 6( + 1)6 = ( + 1). [(2 + 1) + 6 + 6]6= ( + 1). (22 + 7 + 6)6 = ( + 1). ( + 2). (2 + 3)6 Assim a propriedade vlida para = + 1. Por 1), 2) e 3) segue, do PIF, que a propriedade vlida para todos os

    nmeros naturais.

    Forma Alternativa do Princpio de Induo Finita: Seja P uma propriedade referente a nmeros naturais cumprindo as seguintes condies

    1) O nmero natural x satisfaz a propriedade P;

  • 27

    2) Se um nmero natural n satisfaz a propriedade P ento seu sucessor n + 1

    tambm satisfaz a propriedade P.

    Ento todos os nmeros naturais maiores ou iguais a x satisfazem a propriedade

    P.

    Principio Fundamental da Teoria dos Nmeros: Dado , no existe tal

    que < < + 1. Demonstrao: Vamos usar o PBO para mostrar esse resultado.

    Primeiramente observe que como < < + 1, podemos escrever 0 < < 1. Dessa maneira, nosso objetivo mostrar que no existe um nmero natural

    entre 0 e 1 (observe que, como < , temos que inteiro e positivo). Vamos supor o contrrio, ou seja, que existe um nmero natural entre 0 e 1.

    Defina o conjunto = { ; 0 < < 1}. Como, por hiptese, existe um nmero natural entre 0 e 1, temos que no vazio. Dessa forma, pelo PBO, existe um

    nmero 0 o qual mnimo. Com isso 0 < 0 < 1. Agora multiplicando essa desigualdade por 0 obtemos 0 < 02 < 0 < 1 (observe que como 0 < n0 < 1 temos 02 < 0) e dessa maneira 02 , mas isso contraria a minimalidade de 0. Dessa maneira no existe um nmero natural entre 0 e 1.

    Teorema Fundamental da Aritmtica (TFA) Todo nmero natural maior que 1 pode ser escrito como produto de potncias de nmeros primos e, alm disso, essa

    decomposio nica, a menos de uma reordenao.

    Demonstrao: Usaremos a forma alternativa do PIF para fazer a demonstrao do

    TFA.

    Observe que se n = 2 temos que o nmero j est escrito na forma de

    potncia de nmeros primos, j que 2 = 2.

    Agora suponha que tal resultado vlido para todo nmero natural menor que

    e vamos provar que o resultado vale para . No caso de o nmero n ser primo,

    nada temos a demonstrar. Vamos ento supor que n seja composto. Dessa maneira,

    existem nmero naturais 1 e 2 tais que = 12, com 1 < 1 < e 1 < 2 < . De acordo com a hiptese de induo, temos que existem nmeros primos p1, p2,..., pr,

    q1, q2,..., qs e nmeros naturais 1, 2,..., r e 1, 2,..., s tais que n1 = p11 p22 prr e

  • 28

    n2 = q11 q22 qss . Com isso temos que = 11 22 11 22 , mostrando assim que n pode ser escrito como produto de potncias de nmeros primos.

    Agora vamos mostrar a unicidade. Suponha que possamos escrever em

    duas representaes do tipo = 11 22 = 11 22 onde os pi e os qj so nmeros primos, , so nmeros naturais, = 1,2, . . . , = 1,2, . . . , . Logo 1|q11 q22 qss . Da temos que 1 = para algum j. Como o produto no depende da ordem, podemos reordenar os fatores 1, 2, , . e supor que seja 1. Da segue tambm que 1 = 1, pois estamos em duas decomposies em nmeros primos.

    Procedendo de maneira anloga para 22 = 22 conclumos tambm que = e = , = 2, , .

    Como 22 = 22 < , a hiptese de induo acarreta que = e o resultado segue.

    Os teoremas a seguir envolvem nmeros reais e complexos e so dados em

    cursos universitrios de Clculo e Funes de Varivel Complexa.

    Teorema de Rolle Seja : [, ] contnua tal que: i) diferencivel no intervalo aberto (a,b);

    ii) () = () = . Ento existe um nmero c, no intervalo (a,b) tal que () = 0 (aqui ()

    representa a derivada da funo avaliada em c).

    Teorema do Valor Mdio Seja : [, ] contnua tal que diferencivel no intervalo (a,b). Ento existe um nmero c, no intervalo aberto (a,b) tal que

    () = () ()

    .

    As demonstraes desses dois teoremas podem ser encontradas em [8].

    No Captulo 5, para a demonstrao da transcendncia do nmero , ser

    necessrio algum conhecimento a respeito de variveis complexas. Abaixo

    apresentamos esses conceitos e, para no tornar o texto excessivamente longo

  • 29

    partiremos do pressuposto de que as propriedades elementares a respeito de

    nmeros complexos so conhecidas.

    Uma funo : tem derivada no ponto 0 se o limite abaixo existe: (0) = lim

    0 () (0) 0 (0) chamada de derivada de em 0.

    Definio 2.1: Se uma funo tiver derivada em todos os pontos de ento

    dizemos que analtica em .

    Alm disso, se () = (, ) + (, ) onde (, ) e (, ) so as partes real e imaginria de () e analtica em C ento vale que () = (, ) + (, ), (1) onde e representam a derivada com relao varivel x.

    possvel mostrar tambm que

    () = + . (2) Identificando (1) e (2) temos as chamadas equaes de Cauchy-Riemann.

    No Clculo real de uma varivel, temos o famoso Teorema do Valor Mdio,

    como j vimos. No entanto, para : analtica conseguimos apenas uma desigualdade do valor mdio como no teorema a seguir.

    Teorema 2.1 Seja : uma funo analtica em e sejam 1 e 2 nmeros complexos quaisquer. Ento: |(2) (1)| 2|2 1| {| (1 + 2)|} 0 1. Aqui |z| representa o mdulo do nmero complexo = + , ou seja, || = + e sup o supremo.

    Uma demonstrao desse teorema pode ser encontrada em [21].

    No estudo dos nmeros algbricos e transcendentes necessitamos trabalhar

    com polinmios. O Teorema Fundamental da lgebra nos diz que todo polinmio

    admite razes complexas.

  • 30

    Teorema 2.2 (Teorema Fundamental da lgebra) Todo polinmio p(z) em , de

    grau maior ou igual a 1, tem uma raiz em .

    Podemos encontrar a demonstrao desse teorema em [21].

    Na demonstrao da transcendncia do nmero ser usada a ideia de

    relaes entre os coeficientes e as razes de um polinmio, que sero definidos e

    exemplificados a seguir.

    Definio 2.2 Se 1, 2, , so as razes de um polinmio (), ento esse polinmio da forma

    () = ( 1)( 2) ( ) (2.1) (podemos supor sem perda de generalidade que o coeficiente lder de () 1). Se desenvolvermos o produto indicado em (2.1) obtemos: () = 11 + 22 33 + + (1) (2.2) onde

    1 = =1 (2.3.1) 2 =

  • 31

    Definio 2.3 Um polinmio (1, , ) e dito simtrico quando podemos permutar as variveis 1, , entre si, sem que isso altere a sua expresso.

    Exemplo 2.3 Um polinmio , nas variveis e dito simtrico quando (, ) =(, )

    Teorema 2.3 Seja (1, , ) um polinmio simtrico de grau com coeficientes em . Ento, existe um polinmio (1, , ) de grau menor ou igual a , com coeficientes em , onde

    1 = =1

    2 =

  • 32

    CAPTULO 3

    NMEROS IRRACIONAIS: UMA ABORDAGEM

    1. FRAES CONTNUAS E IRRACIONALIDADE

    Seja = 01 um nmero racional irredutvel, ou seja, (0, 1) = 1 e

    suponha que 1 > 0. Utilizando o algoritmo da diviso de Euclides podemos obter as seguintes equaes:

    0 = 10 + 2, 0 < 2 < 1 1 = 21 + 3, 0 < 3 < 2 2 = 32 + 4, 0 < 4 < 3

    .

    .

    .

    1 = 1 + +1, 0 < +1 < (3.1) Escrevendo = +1 para 0 , ento das equaes acima tiramos

    = + 1+1 0 1 = aj (3.2) Quando i = 0 e i = 1, temos 0 = 0 + 11 e 1 = 1 + 12. Substituindo 0 = 0 + 11 temos:

    0 = 0 + 11 + 12

    Se continuarmos esse processo chegamos a:

    0 = 01 = 0 + 11 + 1 + 1

    Essa a expresso, em frao contnua de = 01. Assumimos, no incio, que

    tem denominador positivo, mas essa suposio no pode ser feita sobre 0 e portanto 0 pode ser positivo, negativo ou zero. Entretanto, sendo 0 < 2 < 1 0

  • 33

    3 < 2 podemos observar que 0 < 3 < 1 e como 1 = 132 podemos dizer que 1 positivo bem como os outros termos 2, 3, .

    De maneira geral, para quaisquer 0, 1, , onde 1, , so nmeros positivos e 0 pode ser positivo, negativo ou nulo, denotaremos:

    0; 1, , = 0 + 11 + 1 + 1

    Essa frao contnua ser chamada simples caso todos os sejam inteiros e

    chamada finita se tiver uma quantidade limitada de termos.

    Temos ainda a seguinte relao:

    0; 1, , = 0 + 11;2,, . (3.3)

    Exemplos 3.1: i) 3411 = 3 + 111 = 3; 11. ii) 635 = 12; 1,1,2.

    A seguir apresentamos um importante teorema que relaciona os nmeros

    racionais com as fraes contnuas:

    Teorema 3.1 Qualquer frao contnua simples e finita representa um nmero racional. Reciprocamente, qualquer nmero racional pode ser expresso como uma

    frao contnua simples e finita.

    Demonstrao: Podemos provar a condio necessria usando induo finita sobre

    a quantidade de termos que forma a frao contnua 0; 1, , onde . De fato, para o caso em que j = 0, temos 0 = 0 . Vamos supor agora que o resultado seja vlido para uma frao contnua com k termos em sua representao

    decimal. Queremos provar que o resultado vlido para + 1 termos em sua representao.

    De acordo com a igualdade (3.3) podemos garantir que 0; 1, , um nmero racional. Para isto basta observar que 0 um nmero inteiro e 1; 2, , um nmero racional. Assim o nmero 0 + 11;2,, = 0; 1, 2, , racional.

  • 34

    Para a demonstrao da recproca basta usar a construo das fraes

    contnuas que foi feita no incio desta Seo. Vamos definir agora o que uma frao contnua simples e infinita.

    Definio 3.1 A sequncia infinita de inteiros 0, 1, 2, , onde 1, 2, so nmeros positivos e 0 pode ser positivo, negativo ou nulo, determinam uma frao contnua simples e infinita 0; 1, 2, . O valor de 0; 1, 2, definido como lim

    0; 1, 2, , .

    A seguir apresentamos alguns resultados envolvendo fraes contnuas que

    sero usados para demonstrar que toda frao contnua simples e infinita representa

    um nmero irracional. A demonstrao desses fatos foi omitida, pois foge ao objetivo

    deste trabalho. Uma referncia para estes resultados [13].

    Dados 0, 1, uma sequncia infinita de inteiros, todos positivos, exceto possivelmente 0, definimos duas sequncias de inteiros e recursivamente do seguinte modo:

    2 = 0, 1 = 1, = 1 + 2, 0; 2 = 1, 1 = 0, = 1 + 2, 0.

    Proposio 3.1 Para qualquer nmero real , > 0 vale que: 0, 1, , 1, = 1 + 21 + 2.

    Proposio 3.2 Se = 0; 1, 2, , para todo 0, ento = .

    Proposio 3.3 As equaes

    1 1 = (1)1 1 = (1)1 1 so vlidas para 1 e as identidades

    2 2 = (1) 2 = (1)2

  • 35

    so vlidas para 2. Teorema 3.2 A sequncia definida na Proposio 3.2 satisfaz

    0 < 2 < 4 < 6 < < 7 < 5 < 3 < 1.

    O teorema a seguir relaciona fraes contnuas simples e infinitas e os

    nmeros irracionais.

    Teorema 3.3 O valor de qualquer frao contnua simples e infinita um nmero irracional.

    Demonstrao: Seja = 0; 1, 2, . De acordo com a Definio 3.1 temos que: = lim

    0; 1, 2, , .

    Contudo, de acordo com o Teorema 3.2, < < +1. Assim 0 < | | < |+1 |. De acordo com a identidade 1 = (1)11 podemos escrever +1 = (1)

    +1. E assim temos 0 < | | < 1 +1. Multiplicando a identidade acima por , obtemos, 0 < | | < 1+1 0 < | | < 1+1. Vamos supor agora que seja um nmero racional, ou seja, =

    , com

    , > 0. Ento, 0 < < 1+1. Multiplicando a identidade acima por b, obtemos, 0 < | | < +1. Como +1 quando , temos que existe um 0 natural e

    suficientemente grande tal que < 0+1 e assim 0 < | | < 1. Entretanto, isso uma contradio, j que 0 0 um nmero inteiro.

    Portanto, um nmero irracional.

  • 36

    2. EXISTEM MUITO MAIS NMEROS IRRACIONAIS QUE RACIONAIS

    J vimos que podemos representar os nmeros reais por meio da reta real.

    Nessa reta os inteiros so marcados facilmente usando-se a unidade como

    referncia e marcando os nmeros como mltiplos dessa unidade. Os nmeros

    racionais podem ser obtidos por meio de subdivises adequadas do segmento

    unitrio. Imaginando os nmeros racionais sobre a reta podemos observar que

    possvel obter racionais to perto um do outro quanto se queira. Para isto basta

    tomar subdivises cada vez menores da unidade. Em outras palavras, podemos

    dizer o conjunto dos nmeros racionais um conjunto denso espalhado por toda a

    reta. Uma anlise menos cuidadosa nos levaria a acreditar que os nmeros

    racionais teriam a capacidade de preencher toda a reta. Mas isto seria um absurdo

    visto que j sabemos da existncia de nmeros irracionais. A questo que queremos

    abordar no momento : existem mais nmeros racionais ou irracionais na reta?

    George Cantor, matemtico russo dos sculos XIX e XX fez uma importante

    descoberta a respeito da distribuio dos nmeros irracionais ao longo da reta real.

    Cantor foi o primeiro matemtico a conseguir provar que existem conjuntos

    infinitos com cardinais diferentes. De fato, Cantor mostrou que o conjunto dos

    nmeros naturais e o dos reais eram ambos infinitos, mas possuam cardinais

    diferentes.

    Aqui necessitamos introduzir a noo de enumerabilidade.

    Definio 3.2 Um conjunto A dito enumervel se seus elementos puderem ser

    colocado em correspondncia biunvoca com os nmeros naturais. Mais

    precisamente, A enumervel se existir uma funo bijetiva : .

    Exemplos 1) O conjunto dos nmeros naturais enumervel.

    2) O conjunto dos nmeros inteiros enumervel.

    O teorema a seguir descreve algumas propriedades de conjuntos

    enumerveis:

  • 37

    Teorema 3.4 i) A unio de um conjunto finito com um conjunto enumervel enumervel.

    ii) A unio de dois conjuntos enumerveis enumervel.

    iii) A unio de um conjunto finito de conjuntos enumerveis enumervel.

    iv) A unio de um conjunto enumervel de conjuntos finitos enumervel.

    v) A unio de um conjunto enumervel de conjuntos enumerveis enumervel.

    Essas demonstraes podem ser encontradas em [5].

    Observaes: 1) Se A enumervel e um conjunto infinito, ento

    tambm enumervel.

    2) fcil ver que e so enumerveis. O conjunto tambm

    enumervel. Isso foi provado por Cantor.

    Teorema 3.5 O conjunto R dos nmeros reais no enumervel.

    Demonstrao: Vamos mostrar que o subconjunto [0,1) dos nmeros reais no enumervel. Em virtude da observao acima teremos que R ser no enumervel.

    Dado [0,1), podemos escrev-lo da seguinte forma: 0, 1234. , (3.4) onde um dos algarismos 0,1,2,3,4,5,6,7,8,9. Existem alguns nmeros que

    possuem duas representaes da forma (3.4). Um exemplo o nmero 510 que pode ser representado por 0,5000000... ou 0,49999999...

    Quando for este o caso sempre optaremos pela representao decimal que

    termina. Em outras palavras, eliminaremos as decimais da forma (3.4) que a partir

    de certa ordem os elementos so iguais a 9. Vamos supor que os nmero reais do

    intervalo [0,1) formam um conjunto enumervel. 0, 111213 0, 212223 0, 313233 (3.5)

    .

    .

    .

    Agora construiremos o nmero:

  • 38

    0, 1234. da seguinte maneira: todos os so diferentes de 0 e de 9 e 1 11, 2 22 e assim por diante.

    Dessa maneira temos que 0, 1234. 0, 123 para todo , j que . Com isso temos que 0, 1234. no est na lista (3.5) mas est no intervalo [0,1), o que um absurdo. Dessa maneira, os nmeros reais do intervalo [0,1) no formam um conjunto enumervel e, consequentemente, R no enumervel.

    Vamos introduzir aqui a noo de cardinalidade.

    A importncia dos nmeros naturais provm do fato de que eles constituem o

    modelo matemtico que torna possvel o processo de contagem. Noutras palavras,

    eles respondem perguntas do tipo Quantos elementos tm esse conjunto? [9].

    Para contar os elementos de um conjunto necessrio usar a noo de

    correspondncia biunvoca ou bijeo, como j dissemos no Captulo 1.

    Uma funo : chama-se uma bijeo entre e quando ao mesmo tempo injetiva e sobrejetiva.

    Seja um conjunto. Diz-se que finito e que possui n elementos quando

    se pode estabelecer uma correspondncia biunvoca : {1,2, , } . O nmero natural n chamado nmero cardinal de . Por ltimo, diz-se que infinito quando

    ele no finito, ou seja, no existe correspondncia biunvoca : {1,2, , } . Neste caso, se infinito podemos usar a ideia de bijeo (correspondncia de um

    para um) para definir a noo de cardinal de . Por exemplo, todos os conjuntos que

    tenham uma correspondncia com so ditos ter a mesma cardinalidade de (so

    chamados enumerveis).

    Observaes: 1) A cardinalidade de N estritamente menor que a de R.

    2) Observe que no enumervel, enquanto enumervel e = ( ). Dessa maneira, se fosse um conjunto enumervel, teramos que ( ) = seria enumervel, o que um absurdo e dessa forma temos que no enumervel. Sendo no enumervel temos que no finito e no possui o mesmo cardinal de . Isso indica que no podemos estabelecer uma

    correspondncia biunvoca entre e . Disso conclumos que a cardinalidade

  • 39

    de (ou ento a de j que e possuem mesma cardinalidade) estritamente

    menor que a de o que mostra que existem mais nmeros irracionais que racionais.

    3. O NMERO IRRACIONAL

    Dentre os nmeros irracionais, os nmeros , e e 2 so os que provavelmente possuem as histrias mais ricas. Uma parte deste trabalho ser

    dedicada a tratar dos nmeros e e, mas no momento nos concentremos na

    irracionalidade de 2. A definio do nmero 2 vem da geometria (a medida da hipotenusa de um

    tringulo retngulo de catetos de comprimento igual a 1) e tambm da lgebra (um

    nmero positivo x que satisfaz a equao 2 2 = 0). Uma das demonstraes mais conhecidas da irracionalidade de 2

    atribuda a Hipassus de Metapontum (cerca de 500 a.C.), que pertencia escola

    Pitagrica. Uma lenda interessante a respeito do surgimento do nmero 2 afirma que a demonstrao da irracionalidade do nmero custou a Hipassus a vida, pois os

    pitagricos no admitiam a existncia de segmentos incomensurveis.

    Abaixo apresentamos algumas demonstraes interessantes da

    irracionalidade de 2.

    3.1 USANDO FRAES IRREDUTVEIS

    Vamos supor que 2 seja racional. Assim 2 = , com e inteiros e no

    nulo. Vamos assumir, sem perda de generalidade, que uma frao irredutvel,

    isto , (, ) = 1. Como 2 =

    temos que 2 = 2

    2 ou ento 2 = 22. Logo 2 par e isso implica que par, isto , = 2, para algum inteiro.

    Dessa maneira 22 = (2)2 2 = 22.

  • 40

    Assim par e portanto b par. Mas isso contraria o fato de e serem

    primos entre si.

    3.2 USANDO O TEOREMA FUNDAMENTAL DA ARITMTICA

    Vamos supor que o nmero 2 seja racional, digamos . Dessa maneira

    temos que 2 =

    2 = 22 2 = 22. Observe que, se decompusermos o

    nmero em fatores primos, teremos que todo fator primo desse nmero tem

    expoente par e assim o expoente de 2 em 2 necessariamente mpar. Mas, se decompusermos o nmero em fatores primos teremos que

    qualquer fator primo ter expoente par. Isso significa que o expoente de 2 na

    decomposio de ser par.

    Agora como = 2 conseguimos obter duas decomposies diferentes para um mesmo nmero e isso contraria a fatorao nica demonstrada pelo

    Teorema Fundamental da Aritmtica.

    3.3 USANDO FRAES CONTNUAS

    Primeiramente devemos observar que o nmero = 1 + 2 uma raiz da equao = 2 + 1, ou seja, = 2 + 1. Como 0 vamos dividir os dois membros da igualdade anterior por , obtendo = 2 + 1

    .

    Agora = 2 + 1

    = 2 + 12+1

    = 2; 2,2,2, . Com isso temos que o nmero 1 = 2 = 1; 2,2,2, , o qual irracional,

    pelo Teorema 3.3.

    3.4 A PROVA GEOMTRICA

    Para esta demonstrao faremos uso de uma importante ferramenta, que o

    corao do mtodo da descida infinita de Fermat: no existe subsequncia

    decrescente e infinita de nmeros naturais.

  • 41

    Vamos comear com um retngulo R1 com lados medindo 1 = 1 + 2 e 1 = 1. Observe que 1 > 2 e assim podemos subdividir R1 em dois quadrados de lado 1 e um retngulo R2 com lados medindo 2 = 1 e 2 = 2 1 (Figura 2).

    Figura 2

    Observe ainda que 11 = 22 = 2 + 1. Intuitivamente, vamos continuar

    construindo retngulos , = 3,4,5, . . ., com lado maior (igual a 1) e lado menor (igual a 1 21).

    Afirmao:

    = 2 + 1, 1. A prova ser feita por induo sobre n. J vimos que para n = 1 e n = 2 a

    frmula vale.

    Supondo, por hiptese de induo, que 1 1 = 2 + 1, podemos escrever:

    = 11 21 = 11

    1 2 = 12 + 1 2 = 12 1 = 2 + 1, como queramos.

    Dessa forma, a proporo entre os lados maior e menor desses retngulos

    constante e com isso temos que existem infinitos retngulos Rn. Repare agora que a

    sequncia ( ) decrescente e infinita. Tal fato segue da relao 1 < 2 + 1 = 1

    1 > .

  • 42

    Vamos agora supor que 2 = , com a e b naturais. Definamos o retngulo

    R1 com lados 1 = + e 1 = . Com isso 11 = + = + 1 = 2 + 1.

    De modo anlogo ao argumento anterior, construmos infinitos retngulos Rn

    com lados medindo . No entanto, a construo dos lados dos retngulos menores envolve apenas a subtrao a partir dos lados + e . Por esse motivo temos que um nmero inteiro para todo n. Na realidade vamos provar que

    natural para todo n.

    De fato como

    = 2 + 1 > 0 para todo , ento sempre no nulo. Vamos supor por absurdo que < 0, para algum . Ento o PBO garante a existncia de um 0 mnimo com essa propriedade. Mas 0 0 > 0 e da 0 tambm negativo, derivando um absurdo com a minimalidade de 0 j que 01 = 0 < 0.

    Em concluso, a sequncia ( ) de nmeros naturais infinita e estritamente decrescente o que um absurdo.

    3.5 USANDO O PRINCPIO DA BOA ORDENAO

    Vamos supor que 2 seja um nmero racional. Tomando esse fato como verdadeiro temos que o conjunto = { ; 2 } no vazio e com isso admite um elemento mnimo , de acordo com o PBO. Dessa maneira existe ,

    tal que 2 = . Da, temos que: 2 = 2 2

    2 1 = 2 1 = 2 .

    Lembrando que 1 < 2 < 2, podemos escrever 0 < < e com isso conclumos que . Mas esse fato contraria a minimalidade de .

  • 43

    CAPTULO 4

    NMEROS ALGBRICOS E TRANSCENDENTES

    As definies de nmeros algbricos e transcendentes so feitas atravs de

    conceitos algbricos, mas as aplicaes desses nmeros vo muito alm de

    questes algbricas. Nmeros algbricos e transcendentes aparecem nas mais

    variadas reas da matemtica, como geometria, anlise, matemtica financeira,

    entre outros.

    Definio 4.1 Um nmero real ser dito algbrico se existir um polinmio no

    nulo, com coeficientes inteiros, tal que seja raiz desse polinmio.

    Exemplos 4.1: 1) Todos os nmeros racionais so algbricos, pois todo

    nmero racional da forma raiz da equao = 0, e inteiros e 0.

    2) As razes ensimas de nmeros racionais tambm so nmeros algbricos.

    De fato, se =

    , temos que raiz da equao = 0, com e inteiros

    e no nulo. 3) O nmero 2 algbrico, pois soluo da equao 2 2 = 0 .

    A grande pergunta que fica : ser que as equaes algbricas com

    coeficientes inteiros conseguem representar todos os nmeros reais? Em outras

    palavras, todo nmero real soluo de uma equao algbrica com coeficientes

    inteiros? A resposta no. Existem nmeros que no so solues de equaes

    algbricas com coeficientes inteiros. Veremos isso mais adiante.

    Abaixo esto relacionadas algumas propriedades dos nmeros algbricos.

    (i) A soma de dois nmeros algbricos algbrico.

    (ii) O produto de dois nmeros algbricos algbrico.

    (iii) O simtrico de um nmero algbrico algbrico. (iv) O inverso 1 de um nmero algbrico ( 0) algbrico.

  • 44

    As demonstraes de tais propriedades podem ser encontradas em [5].

    Definio 4.2 Todo nmero real que no for algbrico, ser dito transcendente.

    A palavra transcendente associada a essa classe de nmeros serve para

    indicar que esses nmeros transcendem s equaes algbricas. Em outras

    palavras, nenhuma equao algbrica com coeficientes inteiros consegue alcanar

    esses nmeros.

    Como poder ser observado ao longo deste trabalho, mostrar que um nmero

    transcendente algo difcil. Uma das dificuldades reside no fato de que esses

    nmeros no so definidos a partir do que eles so e sim a partir do que eles no

    so. No entanto, veremos que algumas classes de nmeros possuem a

    caracterstica da transcendncia. O estudo dos nmeros transcendentes provm de

    diversos problemas, alguns deles associados geometria (como a quadratura do

    crculo); outros so de cunho terico e avanado, como as investigaes de Hermite

    sobre a funo exponencial ou o stimo problema de Hilbert, de sua famosa lista de

    23 problemas (muitos deles ainda sem soluo).

    Dois dos nmeros transcendentes mais importantes da matemtica so o e

    o e. Ao longo deste trabalho ser dada uma ateno especial a estes dois nmeros.

    Alguns outros exemplos de nmeros transcendentes so: 22, 23. A teoria dos nmeros transcendentes foi originada por Joseph Liouville,

    matemtico francs do sculo XIX o qual obteve, pela primeira vez uma classe de

    nmeros que no satisfaziam a nenhuma equao algbrica de coeficientes inteiros.

    No Captulo 3 foi mencionada a ideia de conjuntos enumerveis e no

    enumerveis para mostrar que existiam mais nmeros irracionais que racionais.

    Abaixo trabalhamos com essa ideia de maneira mais consistente, apresentando

    algumas definies, propriedades e teoremas importantes.

    Teorema 4.1 O conjunto de todos os nmeros algbricos enumervel. Demonstrao: Considere um polinmio de coeficientes inteiros

    () = + 11 + + 1 + 0. (4.1) Vamos definir a sua altura como sendo o nmero natural

  • 45

    || = | | + + |1| + |0| + . (4.2) O Teorema Fundamental da lgebra garante que () dado em (4.1), tem

    exatamente razes complexas. Todas elas, algumas ou nenhuma delas podem ser

    reais. Temos que o nmero de polinmios da forma (4.1) com uma dada altura

    certamente um nmero finito. Sendo assim as razes de todos os polinmios de uma

    dada altura formam um conjunto finito. Feito isso podemos observar que o conjunto

    de todas as razes de todos os polinmios de todas as alturas formam um conjunto

    enumervel. De acordo com o item iv) do Teorema 3.4 temos que a unio de um

    conjunto enumervel de conjuntos finitos enumervel e com isso garantimos que o

    conjuntos de todos os nmeros algbricos enumervel.

    Teorema 4.2 O conjunto dos nmeros transcendentes no enumervel Demonstrao: De acordo com o Teorema 4.1 temos que o conjuntos dos nmeros

    algbricos enumervel. Agora, de acordo com o Teorema 3.5 o conjunto R dos

    nmeros reais no enumervel e com isso conclumos que o conjunto dos

    nmeros transcendentes deve ser no enumervel uma vez que R se escreve como

    a unio desses dois conjuntos.

    1. OS NMEROS DE LIOUVILLE

    O Teorema 4.2 nos garante a existncia de nmeros transcendentes. Tais

    nmeros existem e em profuso, mas o teorema no nos d explicitamente nenhum

    nmero transcendente. Foi o matemtico francs Joseph Liouville, em 1851, que nos

    apresentou um critrio para que um nmero seja transcendente. Usando esse

    critrio ser possvel escrever explicitamente alguns nmeros transcendentes.

    Antes de apresentar tais nmeros necessitamos de algumas definies e

    resultados importantes.

    Definio 4.3 Diz-se que um nmero algbrico de grau se ele for raiz de uma

    equao polinomial de grau com coeficientes inteiros, e se no existir uma

    equao polinomial, de menor grau, da qual seja raiz.

  • 46

    Dessa maneira, os nmeros racionais coincidem com os nmeros algbricos de grau

    1.

    Definio 4.4 Um nmero real aproximvel na ordem n por racionais se existirem

    uma constante > 0 e uma sequncia

    de racionais diferentes, com > 0 e , = 1 tais que < .

    Podemos dizer que um nmero irracional bem aproximado por racionais se

    aproximvel na ordem por racionais. Em particular, um importante resultado

    associado a este tipo de aproximao o Teorema da Aproximao de Dirichlet, o

    qual afirma que:

    Teorema 4.3 Se um nmero irracional, ento existem infinitos racionais

    com 1, tais que

    < 12.

    Mais detalhes a respeito deste teorema podem ser encontrados em [6].

    Este resultado fundamental para se fazer as chamadas aproximaes

    diofantinas (aproximao de nmeros reais por racionais).

    Em sntese, Liouville construiu uma classe de nmeros que so muito bem

    aproximadas por racionais.

    Teorema de Liouville Seja uma raiz real de um polinmio irredutvel () de coeficientes inteiros de grau 2. Ento existe uma constante positiva () tal que

    ()

    , > 0 para todo racional . Uma escolha para esta constante que

    pode facilitar os clculos () = 11+| |1|| ()|, onde () a derivada de (). Demonstrao: Com a escolha de () sugerida acima, se tivermos

    1, o

    teorema vlido, pois 1 ()

    . Para o caso em que

    < 1, vamos observar que, como () irredutvel sobre os inteiros, ele tambm irredutvel sobre os racionais e com isso

    0, o que implica | |.

    1, j que .

    um

  • 47

    nmero inteiro no nulo. De acordo com o Teorema do Valor Mdio, existe um

    nmero real t, entre e tal que:

    = ()

    =

    | ()|.

    Dessa maneira

    | ()|

    =

    1. E com isso

    1bn(1 + |P (t)|) 1 (1 + ||1| ()|) = c()bn onde usamos que | | ab 1. Definio 4.5 Um nmero real chamado de nmero de Liouville se existir uma

    sequncia

    1, com > 1, tal que

    < 1

    para todo 1.

    O conjunto dos nmeros de Liouville ser denotado por L.

    Exemplo O nmero 10 ! = 0,1100010000000000000000010000000 =1 um nmero de Liouville. Este nmero conhecido como constante de Liouville.

    Para mostrar que este nmero de Liouville vamos considerar a sequncia

    de racionais definida por

    = 110n!jn=1 . Assim temos

    = 110n != +1 = 110(j+1)! 1 + 110(j+2)!(j+1)! + . (4.3) A expresso em parnteses majorado por 1 + 110 + 1102 + 1103 + = 109 . Assim, o ltimo membro de (4.3) majorado por:

  • 48

    1(10 !)10 ! . 109 < 1(10 !) e com isso

    < 1(10 !) ! e como = 10 !, segue que o nmero definido no incio do exemplo um nmero de Liouville.

    Proposio 4.1 A sequncia descrita anteriormente, no limitada.

    Demonstrao: Vamos supor que a sequncia seja limitada. Se isto ocorrer,

    ento existe > 0, tal que , para todo 1. Agora como < 1 temos que

    < 1 e com isso obtemos < < . Esta ltima desigualdade implica em uma limitao para a sequncia , j

    que < (|| + 1). Entretanto, isso contraria o fato de a sequncia ser infinita.

    Com isso conclumos que a sequncia no limitada.

    Corolrio 4.1 Todo nmero de Liouville irracional.

    Demonstrao: Vamos supor, por absurdo, que um nmero de Liouville seja

    racional da forma . Se isto ocorrer, ento existem infinitos

    , diferentes de tais

    que:

    1

    > = 1| | . (4.4) De acordo com a desigualdade (3.4) temos que

    1 < ||, o que contraria o fato de no ser limitada (Proposio 3.1). Portanto, todo nmero de Liouville

    irracional.

    Teorema 4.2 Todo nmero de Liouville transcendente. Demonstrao: De acordo com o Corolrio 4.1 temos que um nmero de Liouville

    no pode ser racional. Vamos supor que seja um nmero de Liouville algbrico no racional, ou seja, que seja um nmero algbrico de grau > 1. De acordo

  • 49

    com o Teroema de Liouville temos que

    ()

    ser vlida para todo nmero

    racional. Em particular para os

    da Definio 4.5. Dessa maneira teramos:

    ()

    < < 1 . Com isso

    < 1(), para todo 1, mas isso contraria o fato de a

    sequncia ser no limitada. Dessa maneira o nmero no pode ser

    algbrico.

    2. UM POUCO DE HISTRIA

    Durante toda a histria da matemtica temos diversos nmeros que

    assumiram grande importncia no desenvolvimento de conceitos e da prpria

    histria da matemtica. Temos exemplos de tais nmeros em todos os conjuntos

    sejam eles naturais, inteiros, racionais, irracionais, complexos e, claro, nos

    transcendentes. Os nmeros transcendentes de maneira geral no so abordados

    durante o Ensino Bsico, mas os alunos aprendem a trabalhar com alguns deles,

    mesmo sem saber que so transcendentes. o caso, por exemplo, dos nmeros

    e e. O primeiro, associado a importantes problemas geomtricos; e o segundo

    associado funo exponencial e logaritmos, assuntos muito explorados durante o

    Ensino Mdio. Por este fato, no existe motivo para no se comentar, mesmo que

    brevemente, um pouco mais a respeito desses nmeros, de sua rica e interessante

    histria e tambm um pouco sobre a interessante classe de nmeros qual

    pertencem.

    Neste sentido, vamos abordar algumas informaes interessantes a respeito

    dos nmeros e e.

    Desde que os humanos comearam a comercializar bens e a trabalhar com o

    conceito de dinheiro, as questes financeiras passaram a ocupar uma preocupao

    constante dentro da matemtica. Uma ideia que se encontra no centro das atenes

    quando o assunto Matemtica Financeira so os juros. Nenhum outro aspecto da

    vida tem caracterstica mais comum do que o impulso para acumular riqueza e

    conseguir a independncia financeira. Assim, no deve surpreender a ningum que

    algum matemtico annimo, no incio do sculo XVII, tenha notado uma ligao

  • 50

    curiosa entre o modo como o dinheiro se acumula e o comportamento de certa

    expresso matemtica no infinito ([12] Maor, 2008).

    Vamos analisar um interessante problema de Matemtica Financeira.

    Suponha que uma pessoa faz uma aplicao de um capital C, por um perodo

    t, a uma taxa de juros igual a i (o valor da taxa sempre ser dado em decimal e no

    em porcentagem) e na modalidade de juros compostos. Sabemos que o valor do

    montante M acumulado nessa aplicao dado por:

    = . (1 + ) . (4.5) Em alguns casos podemos calcular o juro acumulado no uma vez, mas

    vrias vezes ao perodo. Por exemplo, numa aplicao de R$ 1000,00 uma taxa

    de 10% a.a (ao ano), podemos fazer uma capitalizao semestral. Nesse caso

    usaramos metade da taxa de juros (5%) como taxa por perodo (nesse caso um

    perodo passa a ser um semestre). Agora teramos uma taxa de 5% a.s (ao

    semestre) composta duas vezes (j que um ano corresponde a dois semestres).

    Repare que no primeiro caso, com taxa de 10% ao ano e capitalizao anual, os

    juros da aplicao seriam de R$ 100,00. J no segundo caso, seria R$ 102,50

    (basta substituir C = 1000, n = 2 e i = 0,05 na equao (3.5)). Assim, o juro obtido

    R$ 2,50 maior que no primeiro caso. Generalizando um pouco essa ideia, se um

    capital C for aplicado a uma taxa de juros igual a i por um perodo t e com n

    capitalizaes peridicas iguais durante esse perodo t, o valor do montante M

    acumulado ao final da aplicao ser igual a:

    = 1 +

    . (4.6)

    Vamos analisar um exemplo para verificar se, conforme aumentamos o

    nmero de capitalizaes em um perodo, o Montante, e consequentemente os

    juros, tambm aumentam. Tomemos uma situao em que um capital C = R$

    1000,00 aplicado a uma taxa i = 10%, com diversos tipos de capitalizao. Vamos

    resumir as informaes na tabela abaixo.

    Perodo de converso n i/n M

    Anual 1 0,1 R$ 1100,00

    Semestral 2 0,05 R$ 1102,50

    Trimestral 4 0,025 R$ 1103,81

    Mensal 12 0,008333333 R$ 1104,71

  • 51

    Semanal 52 0,0019230769 R$ 1105,06

    Dirio 365 0,0002739726 R$ 1105,15

    Tabela 1: Montantes acumulados em aplicaes com diferentes capitalizaes

    Podemos observar que, conforme aumentamos o nmero de capitalizaes, o

    montante aumenta e isso nos leva a seguinte pergunta. Ser que esse crescimento

    ocorre indefinidamente, ou seja, conforme aumentamos o nmero de capitalizaes,

    o montante poderia se tornar infinito? A resposta claramente no, mas essa

    pergunta levou a importantes descobertas matemticas.

    Para explorar um pouco mais essa situao, vamos considerar uma situao

    na qual a taxa de juros aplicada seja igual a 100%. Claramente nenhum banco teria

    oferta to generosa, mas nossa preocupao estudar um caso hipottico com

    importantes consequncias matemticas. Tomando uma aplicao de um capital C =

    R$ 1,00, com t = 1 ano e i = 100%, a equao (4.6) se torna

    = 1 + 1

    . (4.7)

    Vamos agora investigar como essa frmula se comporta para valores

    crescentes de n.

    n 1 + 1

    1 2

    2 2,25

    3 2,37037

    4 2,44141

    10 2,59374

    100 2,70481

    1000 2,71692

    10000 2,71815

    100000 2,71827

    1000000 2,71828

    10000000 2,71828

    Tabela 2: Valores aproximados de 1 + 1

  • 52

    Podemos observar que, conforme os valores de aumentam, o valor de

    1 + 1

    parece se tornar prximo de 2,71828. Mas ser que este padro continua?

    Em outras palavras, independente do quo grande for o valor de n, os valores de

    1 + 1

    tendem a se estacionar em um valor fixo? A resposta sim, e o nmero

    que possui essa notvel propriedade foi denotado por e. Podemos escrever ento

    = lim 1 + 1 . interessante observar como um simples problema relacionado a taxa de juros teve implicaes to significativas na matemtica.

    Outra importante caracterstica do nmero e estar relacionado a um

    problema geomtrico: a rea sob a hiprbole = 1. Desde os primrdios, uma das questes que mais intrigou os matemticos de

    diversas pocas foi o clculo de reas que no podiam ser decompostas em figuras

    bsicas, como polgonos ou setores circulares. O clculo da rea de uma parbola j

    havia sido feito com sucesso por Arquimedes, usando o mtodo da exausto.

    No sculo XVII Pierre de Fermat conseguiu estabelecer frmulas que

    calculavam as reas de figuras cuja equao geral era = . Repare que a hiprbole = 1 um caso particular da equao anterior, quando = 1. A frmula obtida por Pierre de Fermat para a rea da curva = no intervalo [0, ] foi:

    = +1+1 . (4.8)

    O nico problema que tal frmula no poderia ser aplicada justamente no

    caso da hiprbole (quando = 1) que nos interessa. Coube a um contemporneo de Fermat, Grgoire de Saint-Vicent fazer uma

    importante observao. Ele observou que rea sob a hiprbole = 1, a partir de um ponto de referncia fixo > 0 (geralmente por, convenincia, tomamos = 1) at um ponto varivel = dada por () = log ( importante observar que ainda no sabemos o valor de e se ele fixo ou no).

    Dessa maneira o problema da quadratura da hiprbole estava resolvido, cerca

    de dois mil anos depois de os gregos se depararem com esse problema pela

    primeira vez. Mas uma questo ainda ficara sem resposta: a frmula () = log realmente nos fornece a rea sob a hiprbole como uma funo da varivel , entretanto essa frmula ainda no adequada para efetuar clculos, pois ainda no

    foi estabelecida a base que deveramos adotar. Para que se possa efetuar qualquer

  • 53

    tipo de clculo, necessrio que se estabelea uma base para esse logaritmo. A

    grande questo : ser que qualquer base (dentro das condies de existncia dos

    logaritmos) pode ser usada? A resposta claramente no. No estamos livres para

    escolher o valor de aleatoriamente. Logo, deve existir um valor de que determine

    a rea que estamos procurando numericamente e possvel mostrar que esse valor

    o nmero e. Uma referncia para este estudo o livro [9].

    Veremos mais adiante a prova da irracionalidade e transcendncia do nmero

    e.

    Trabalhando agora com um pouco de geometria, encontramos interessantes e

    intrigantes problemas associados ao nmero , outro famoso nmero

    transcendente. Durante o Ensino Bsico aprendemos a calcular o permetro de um

    tringulo e, a partir dessa ideia, podemos calcular o permetro de qualquer polgono.

    Entretanto, quando se trata de formas curvas, essa ideia j no pode mais ser

    aplicada. Durante os ensinos Fundamental e Mdio, aprendemos frmulas que

    determinam o comprimento e a rea de um crculo. Tais frmulas so,

    respectivamente, = 2 e = 2 onde o raio do crculo. Geralmente vemos essas frmulas de forma simples e natural, sem nos perguntar o porqu dessa

    constante que aparece nessas frmulas (o nmero ) ou como esse nmero foi

    obtido.

    Valores relativamente precisos de eram conhecidos desde a poca dos

    antigos egpcios. Um texto contido no Papiro Rhind, datado de 1650 a.C, traz a

    declarao de que a rea de um crculo tem o mesmo valor que a rea de um

    quadrado cujo lado tenha medida igual a 89 do dimetro do crculo. Calculando o valor de por meio dessa aproximao obtemos 3,16049 e esse valor corresponde a um erro de apenas 0,6% com relao ao valor verdadeiro de , um feito realmente

    impressionante para um texto com cerca de trs mil e quinhentos anos (ver [12]).

    Conforme os conceitos matemticos foram evoluindo, muitos valores foram

    atribudos a . Valores estes cada vez mais precisos, mas sempre obtidos de

    maneira emprica: calculava-se o comprimento da circunferncia e dividia-se esse

    valor pela medida do dimetro. O primeiro matemtico a propor um mtodo capaz de

    fornecer o valor de por meio de um procedimento matemtico, ou seja, um

    algoritmo, em vez de uma medio, foi Arquimedes.

  • 54

    A ideia de Arquimedes era inscrever e circunscrever polgonos regulares a um

    crculo. Quanto maior o nmero de lados do polgono inscrito, mais prximo do