ISSN 2176-1396
O BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL E A CONVIVÊNCIA
Rosimeiry Mostachio1 UTP
Eixo – Educação da Infância
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
A proposta deste artigo é apresentar um estudo bibliográfico sobre o brincar na Educação
Infantil e de como este brincar auxilia na construção da convivência na escola. O conceito de
brincar, assim como o de criança e infância, é produzido historicamente. Nesse contexto,
pode-se afirmar que sempre existiram infâncias, crianças e formas e jeitos de brincar, ou seja,
ao longo do tempo as formas, os espaços, os tempos e os jeitos de brincar se modificam e se
transformam, pois o brincar é uma construção atrelada às representações de criança de cada
época. É uma atividade dotada de significação social e cultural e necessita de aprendizagem.
Neste sentido, o lugar do brincar nas instituições de Educação Infantil merece destaque e
atenção, um olhar mais apurado do educador, do gestor, sobre as práticas cotidianas e as
conexões destas em torno do brincar e do conviver, tendo o brincar como eixo condutor do
aprender a conviver. Objetivo deste artigo é investigar o brincar na Educação Infantil e como
este brincar auxilia na convivência na escola. A elaboração teórica construída possibilitará aos
professores e as escolas reflexões sobre a importância do brincar para o desenvolvimento
infantil e, também sobre o conceito de convivência, que cria o tecido das relações humanas,
no qual os valores são de fundamental importância, para aprender a conviver e assim, evitar o
inesperado no contexto da educação infantil. Primeiramente, a fim de fundamentar as
reflexões e a compreensão da convivência na educação infantil, cabe ressaltar que os
documentos e referencias teóricos encontrados subsidiam mais as relações de convivência na
escola do que especificamente na educação infantil. Ao final dos estudos, não pretendo
esgotar o assunto, mas apresentar um texto que indique caminho para o início das reflexões e
abra espaços para novos arranjos e estudos sobre o brincar e a convivência na Educação
Infantil. A partir das leituras e da pesquisa, percebeu-se que através do brincar e das
brincadeiras a criança desenvolve sua autonomia e exercita ações de respeito mútuo; que ao
brincar a criança representa a realidade e pode atuar nas tomadas de decisão e no encontro de
soluções para os conflitos. Com base nos estudos, pode-se destacar ainda que enquanto brinca
a criança convive com o outro e, com isso, cria um tecido da convivência baseado no diálogo,
na cooperação, na colaboração. Ela aprende a criar, imaginar, fantasiar, e desenvolve uma
formação em valores humanos com os princípios da convivência.
Palavras-chave: Educação. Educação Infantil. Brincar. Convivência.
1 Graduada em Pedagogia com concentração em Orientação Educacional, Pós Graduada em Psicopedagogia,
mestranda em educação pela UTP.
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Introdução
A sociedade em que vivemos está em constante transformação, e a escola não pode ser
a mesma de tempos atrás. Houve mudanças e, com isso, as exigências educacionais, os
instrumentos, materiais e práticas pedagógicas tradicionais já não suprem mais as
necessidades do cenário educacional. Os estudantes de hoje estão cada vez mais autônomos e
conectados e as informações cada vez mais acessíveis, chegando rápidas e em tempo real. O
uso das tecnologias na escola e na vida está revolucionando a forma de aprender, de ensinar e
de conviver.
Neste contexto, a educação deve estar voltada para a transformação do ser humano,
possibilitando ao aluno interpretar a realidade e interagir com ela de forma democrática e
consciente. A escola do século XXI ainda apresenta algumas contradições, como o
distanciamento entre a teoria e a prática, ou seja, assume um discurso progressista, mas está
embasada em práticas e concepções muitas vezes tradicionais. Essas contradições na prática
educativa, aliadas ao contexto social em que os alunos estão inseridos, pode dificultar o
processo de ensino-aprendizagem, bem como gerar problemas na convivência entre os alunos
na escola.
Não é raro encontrarmos professores reclamando da falta de condições de trabalho,
dos baixos salários, da falta de interesse dos alunos e da indisciplina, além da violência, o que
acarreta um distanciamento na relação entre professores e alunos e até mesmo entre os pares,
dificultando a convivência na escola. É preciso buscar novas formas de configurar os modos
de convivência em sala de aula e também para além da escola. Esses modos de construção da
convivência estão embasados na formação em valores humanos, no diálogo, na escuta, na
diversidade e no compartilhamento de situações que sustentam as relações humanas no
ambiente escolar e também fora dele.
As experiências de convivência entre as crianças e seus pares são alicerces
fundamentais da preparação para a vida em sociedade. A partir da perspectiva dos modos de
convivência é que exploramos a importância do brincar como eixo condutor na aprendizagem
da convivência entre os alunos da Educação Infantil.
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A metodologia utilizada na realização deste artigo foi uma investigação bibliográfica.
Inicialmente, optamos por selecionar teóricos e obras que abordassem o conceito e a
importância do brincar na Educação Infantil, além do conceito de convivência na escola e
qual a conexão do brincar com a convivência. Após a investigação bibliográfica e a realização
de uma leitura crítica do material, elaborou-se um texto base, não a fim de esgotar e concluir o
assunto, mas sim de suscitar no leitor a continuidade das reflexões sobre o brincar e a conexão
deste com a convivência e a possibilidade de contribuir com as discussões na escola referentes
ao assunto, possibilitando assim inovar nas práticas cotidianas realizadas em relação ao
brincar e à convivência. Espera-se que a partir da leitura do texto os educadores possam
repensar o brincar na Educação Infantil e enxergá-lo como atividade necessária e fundamental
para o desenvolvimento da criança, e como a brincadeira pode contribuir com a construção da
convivência para que se evite o inesperado na escola desde a primeira etapa da educação
básica.
Primeiramente, apresentamos o conceito de convivência. Em seguida, exploramos o
conceito do brincar e conectamos o brincar e a convivência. Ao final elaboram-se algumas
considerações e propõem-se questões que podem contribuir para a continuidade dos estudos e
da reflexão dos professores e pesquisadores.
Ao considerarmos que no ato de brincar a criança compartilha conhecimentos,
dialoga, aprende a respeitar regras, a respeitar a si mesmo e ao outro, estabelece parceria,
amplia seu relacionamento social e representa papéis do mundo concreto social ou do
simbólico cultural, pode-se dizer que ela confronta-se com a cultura, apropriando-se dela,
transformando-a e modificando-a.
Ao brincarem, as crianças podem criar novos significados aos acontecimentos,
podem buscar saída na tentativa de resolução de conflitos, aprender regras, desenvolver sua
autonomia, testar suas habilidades físicas e motoras, desenvolver a linguagem e a convivência
por meio do compartilhamento das situações da vida, vivenciadas com a diversidade e na
diversidade do cotidiano da escola.
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Convivência na Escola
A partir de uma leitura da etimologia da palavra “conviver”, que tem origem no latim
convivere, “viver com”, de con, “junto”, mais vivere, vemos que o termo expressa a ideia de
ter uma vida em comum, ser próximo a alguém, partilhar a vida com outra pessoa em uma
relação de familiaridade2.
Com base na perspectiva de outro conceito de convivência proposto por Jares (2008,
p. 25), ressalta-se que “conviver significa viver uns com os outros com base em certas
relações sociais e códigos valorativos, forçosamente subjetivos, no marco de um determinado
contexto social”. Considerando este conceito, pode-se dizer que a construção da convivência
no âmbito escolar é um convite ao diálogo global e integrado, pois ela não é tarefa só da
escola; compete a toda a sociedade em geral, às famílias, às instituições educacionais, à mídia
e aos governantes, que podem propor políticas públicas para a construção da convivência na
escola.
A diversidade de situações que acontecem no contexto educativo em torno da
convivência ou da falta dela está muito presente nas discussões de pesquisadores, professores
e gestores. Nesse sentido, não é por acaso que o relatório da Comissão Internacional sobre
Educação para o Século XXI da UNESCO (DELORS, 2003, p. 96) destaca a necessidade de
uma “aprendizagem para ao longo da vida” (p. 100). O documento propõe uma educação
fundamentada em 4 pilares. Dentre eles destaca-se o “aprender a viver juntos”, que é sem
dúvida um dos maiores desafios deste século. Essa aprendizagem nos leva a pensar que a
convivência vai além de simplesmente estar junto do outro. Para Garcia (2016, p. 17), “a
convivência é construída pelos modos de vida coletiva. Conviver envolve estar em relação
não somente com pessoas, mas em algum contexto, compartilhando algo em comum”.
Ao considerar os conceitos de convivência como uma dimensão das relações
humanas, torna-se indispensável investir tempo em estudos investigativos que abordem a
questão da convivência na escola. Nesse contexto, é preciso considerar a escola como um
sistema social e não somente enfatizar o componente cognitivo, mas também as capacidades
emocionais, as atitudes e valores humanos, sociais e morais dos sujeitos no que se refere ao
2 http://www.dicionarioetimologico.com.br/convivencia/. Acesso em 01/05/2017
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exercício da solidariedade e da cooperação do respeito e da vida partilhada no ambiente
escolar. Na perspectiva dos estudos sobre convivência realizados por Fierro e Tapia (2013),
Mena (2003), Garcia (2014, 2016), Padilla (2013) e Jares (2008), exploram-se a como a
questão da convivência é abordada no âmbito da educação pelos referidos autores, ressaltando
que os estudos de convivência estão relacionados à escola e também à Educação Infantil.
Para Fierro e Tapia (2013), a convivência é um componente indispensável à
qualidade educativa porque se refere ao tecido que constrói e possibilita a aprendizagem, uma
vez que supõe a capacidade de trabalhar com os outros, de resolver diferenças e conflitos que
se apresentam em sala de aula. De acordo com Fierro e Tapia (2013, p. 106):
“Convivência se entende como um processo construtivo e contínuo à base de
transações, negociação de significados, elaborações de soluções, criando uma
referência comum que gera uma sensação de familiaridade que atinge parte da
identidade de um grupo e das pessoas que participam nele”.
Nesse sentido, é preciso muito mais que estar juntos no espaço escolar. Necessita-
se do desenvolvimento da capacidade de escuta ativa e de diálogo, do desenvolvimento da
empatia, isto é, a capacidade de se colocar no lugar do outro e de apoiar e reconhecer
situações que demandam cooperação, solidariedade de todos os envolvidos e participantes da
vida cotidiana das instituições educacionais.
No contexto das instituições educacionais, se pensarmos, a convivência, como o
tecido das relações humanas e com a necessidade de desenvolvimento das capacidades acima
apresentadas, será fundamental para a condução do processo de aprendizagem dos alunos e de
todos os envolvidos nesse processo. Entretanto, não nos referimos aqui especificamente à
convivência no contexto da educação infantil, e sim da escola, independente da modalidade de
ensino e da idade de seus alunos.
Em seus estudos, Jares (2008) destaca que “estamos aprendendo continuamente a
conviver em uma circunstância ou outra”. Nesse contexto, cabe ressaltar que o aprender a
conviver não é exclusivamente da esfera educacional formal; as famílias têm
responsabilidades e papel fundamental na educação para convivência. Por isso a necessidade
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de se criar uma maior interação entre família e instituições educacionais, tendo assim a “co-
construção” da educação para a convivência. Na perspectiva da educação para a convivência,
prevê-se que haja interação entre as pessoas e que estas encontrem um equilíbrio entre a
satisfação das próprias necessidades e as do outro.
Nesse enfoque, destaca-se uma qualidade básica, fundamental e imprescindível para
a educação da convivência: “o respeito”, que possibilita conviver com a diversidade e na
diversidade em um plano de igualdade, o que supõe reciprocidade no trato entre as pessoas
(JARES, 2008, p. 31).
Diante da falta de respeito, a convivência se torna impossível, ou, ao menos,
transforma-se em um tipo de convivência que é propensa ao surgimento das manifestações de
violência. Por isso, cabe também salientar que, em uma sociedade plural, o respeito à
singularidade é necessário nos modos de pensar, de orientar a própria vida, na organização e
cultura dos grupos sociais. As opiniões diferentes existem e podem ser manifestadas com o
propósito de enriquecimento mútuo.
Deste modo, ao entendermos a convivência como um processo contínuo construído
por meio das experiências de interação entre as pessoas, é necessário ter como base a
conciliação, o equilíbrio para a elaboração de soluções e negociação de significados entre os
diversos integrantes da comunidade educativa.
Para Garcia (2016), a convivência cria tecidos de significações que nutrem e
orientam as relações da existência humana, que envolve compartilhamento das condições que
sustentam a vida. Assim, conviver envolve estar em relação não somente com pessoas, mas
em algum contexto (GARCIA, 2016, p. 16-17). Ao pensarmos a convivência na escola a
partir da ideia das relações humanas, como um espaço onde se aprende a viver em sociedade e
também a construir condições de vida coletiva, requer-se que a escola aperfeiçoe o diálogo
respeitoso, capaz de acolher o outro enquanto outro, enquanto semelhante e ao mesmo tempo
diferente. Neste contexto, a convivência na escola não pode ter caráter normativo sobre o
tecido da convivência; requer um movimento para a transformação, com práticas pedagógicas
inovadoras na forma de ensinar e aprender, que estimule o aluno a pensar, a investigar, a lidar
com as novas tecnologias, e que seja capaz de incentivar a imaginação, o desenvolvimento de
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valores e a superação do individualismo, da intolerância, por ações e atitudes que possam
favorecer as relações de convivência partilhada no ambiente escolar.
De acordo com Padilla (2013, p. 14), a ideia de convivência no contexto escolar
implica:
“Compreender as diferenças, apreciar a interdependência e a pluralidade, aprender a
enfrentar os conflitos de uma maneira positiva, e promover continuamente o
entendimento mútuo e a paz, mediante a participação democrática, destacando ainda
a convivência como um dos pilares que sustenta a qualidade da educação”.
A autora propõe duas abordagens para as discussões sobre a convivência na escola:
uma mais restrita, que compartilha ideias de teorias curriculares de eficiência social, e outra
que nos remete à convivência democrática, que, além das questões sociais, tem preocupação
com a educação para justiça, a fim de reconhecer a diversidade dos alunos com base na
resolução de conflitos, objetivando a construção de relações pacíficas nas escolas e
consolidando a construção da paz (PADILLA, 2013, p. 15).
“Para tanto, é preciso abrir novos horizontes ao reconhecimento da diversidade entre
alunos e entre professores proporcionando um tratamento mais igualitário e
democrático para a plena construção de uma paz positiva em sala de aula, no entanto
propõem integrar o conceito de concepção democrática as teorias de educação
embasada na justiça social” (PADILLA, 2013, p. 19).
O foco da convivência democrática na sala de aula está na reconstrução de
relacionamentos humanos ao invés da punição.
Nesse enfoque, no qual o conceito de convivência apresenta diversos significados,
fica evidente que a prática pedagógica e o currículo devem ser repensados, para que a
convivência na escola possa ser construída fundamentada nas relações humanas, e que seja
capaz de desenvolver aprendizagem coletiva. Os desafios da construção da convivência na
escola requer um novo olhar com novas perspectivas e abordagem, sobretudo considerando o
diálogo e a escuta como prática pedagógica que possibilite situações de aprendizagem
significativa e na educação para a transformação social.
De acordo com Fierro Evans (2013, p. 107), o conceito da convivência está distante
de uma definição única e de uma interferência linear, pois sempre será um “conglomerado” de
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convivências. Portanto, não pode ser reduzido a um único conceito, mas trata-se de um
fenômeno que podemos acessar de uma maneira indicativa, parcial e temporária.
Nas instituições educacionais, seja qual for a modalidade ou nível de ensino, a
convivência é entendida como o tecido das relações humanas, e é fundamental para a
condução do processo de aprendizagem. Nos estudos bibliográficos sobre a convivência na
escola até aqui investigados, mostra-se que a convivência é um componente indispensável à
qualidade da educação.
Na perspectiva da aprendizagem da convivência e de uma educação de qualidade,
considerando que esta não envolve somente o desenvolvimento de conhecimentos,
habilidades e competências cognitivas, muitas escolas e profissionais da comunidade escolar
compreendem a necessidade de continuar a trabalhar a construção da convivência na escola.
Neste enfoque, alguns estudos já estão preocupados com a construção e
aprendizagem da convivência no contexto da Educação Infantil, por ser esta a primeira etapa
da educação básica, ou seja, o início de um processo de formação de qualidade. Para isso,
necessita-se de uma escola de Educação Infantil democrática, que incorpore ações que
potencializam a participação das famílias na vida cotidiana do contexto educacional.
Ao considerarmos a complexidade da tarefa educativa, é necessário que as
instituições assumam mais responsabilidades, pois sua função não pode ser exclusivamente
dirigida à formação acadêmica dos alunos, e sim de promover experiências de construção de
uma cidadania crítica, participativa e responsável. É nesse sentido que as instituições de
educação infantil têm de criar espaços para ensinar aos alunos as competências necessárias
para o aprendizado da convivência de forma pacífica e democrática.
Na continuidade da investigação bibliográfica dos estudos sobre a convivência na
escola, encontramos alguns autores que têm realizado pesquisas e investigações sobre a
convivência na Educação Infantil, como Boquè (2005), Fernández (2008), García-Raga e
López-Martín (2014), Ortega e Del Rey (2004) e Torrego (2012). O objetivo destes estudos é
apresentar estratégias que promovam uma educação democrática, onde a família tem, sem
dúvida, a responsabilidade de ensinar valores como a justiça, os direitos humanos, a
tolerância, o respeito pela diversidade, cultural, a prevenção e a resolução de conflitos e a
cultura da paz e de reconciliação (MAYOR ZARAGOZA, 2003, p. 175).
Ainda sobre o assunto Santos-Guerra (2009, p. 175) afirma que é necessário educar
para aprender a viver em uma sociedade livre de preconceitos e estereótipos. Para tanto, é
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preciso apropriar-se de ferramentas para o processo de construção da convivência na
Educação Infantil, ferramentas estas como refletir, investigar e tomar decisões. Essas
ferramentas estão ancoradas em três pilares: refletir para saber atuar, aprender a pensar
(sozinho e com os outros) e estar ciente da direção que se deve seguir para programar as
estratégias e melhorar a realidade da convivência na Educação Infantil.
Nesse sentido, as instituições de Educação Infantil devem ser consideradas um
espaço importante no aprendizado e na construção da convivência. Para isso, é necessário que
os professores desenvolvam estratégias que permitam aos alunos “aprender a participar” como
exercício da cidadania plena. Esta deve ser uma estratégia a ser praticada no cotidiano das
salas de aula. Para Ortega e Del Rey (2004, p. 177):
Na Educação Infantil ensinar e aprender a viver juntos requer conhecimento e
implementação de estratégias diferentes que incentivem a participação ativa na
comunidade educativa. Convivência esta intimamente relacionada com a qualidade
das relações que se desenvolvem no dia a dia das escolas, e aprender a conviver é
uma tarefa complexa.
Nas palavras de Santos-Guerra (2003, p. 108), “uma das formas de melhorar a
convivência, e provavelmente a mais eficiente, é aumentar e enriquecer a participação; aquele
que se considera próprio se defende e se respeita”.
Nos estudos sobre convivência na Educação Infantil, ainda há muito que investigar e
estudar, mas já se sabe da necessidade de continuar a investir nos estudos da convivência
nesta que é a primeira etapa da educação básica. Isso pode ser feito a partir de estratégias
inovadoras que envolvam a participação das famílias e a criação de assembleias e de uma
equipe de mediação de conflitos formada por alunos, dentre outras estrátegias que podem ser
desenvolvidas pelos professores, considerando a especificificidade do local da escola e do
contexto social e cultural do lugar.
Em uma sociedade plural como a nossa, os teóricos estudados nos revelam a
necessidade de continuar a desenvolver estratégias que promovam a construção da
convivência no ambiente escolar. Nas instituições de Educação Infantil deve-se promover um
diálogo respeitoso entre as crianças e entre todos os que fazem parte da comunidade
educativa. Esse diálogo vai além de meramente falar; ele requer o saber ouvir as crianças, os
familiares, que são componentes que precisam envolver-se e auxiliar na construção da
convivência nessas instituições.
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O Brincar na Educação Infantil
O brincar na Educação Infantil é um objeto precioso de investigação, quando o
consideramos como direito e observamos como ele ocorre. Tomamos como base para este
estudo o seguinte princípio do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil: “o
direito das crianças a brincar, como forma particular de expressão, pensamento, interação e
comunicação infantil” (BRASIL, 1998, p. 13). Nesse sentido, o documento “orienta que no
ato de brincar, os sinais, os gestos, os objetos valem e significam outra coisa daquilo que
aparentam ser. Ao brincar as crianças recriam e repensam os acontecimentos que lhe deram
origem, sabendo que estão brincando” (1998, p. 27).
Sendo assim, as instituições de Educação Infantil devem priorizaras atividades de
brincar e da convivência, com uma ação pedagógica integrada ao desenvolvimento infantil,
respeitando a singularidade de cada criança e proporcionando situações de aprendizagem e de
interações sociais.
As situações do brincar podem auxiliar a criança no desenvolvimento da capacidade
de apropriação do conhecimento em relação a si mesma e ao mundo que a rodeia. Assim, é
possível salientar que o brincar na Educação Infantil é a própria convivência no seu sentido
singular. Contudo, diante dos estudos sobre a convivência e sobre o brincar na escola, pode-se
dizer que o brincar pode ser a própria convivência no sentido plural, englobando as diversas
experiências sociais e culturais observadas e partilhadas no ambiente escolar por meio das
brincadeiras que acontecem nesse espaço, das trocas de experiências e do aprendizado.
Através da linguagem do brincar a criança é desafiada a pensar de forma autônoma,
desenvolvendo a confiança. Desse modo, o “brincar é uma das atividades fundamentais para o
desenvolvimento da identidade e da autonomia” (BRASIL, 1998, p. 22).
Desta maneira, o brincar é uma atividade interna, baseada no desenvolvimento da
imaginação e na interpretação da realidade, na qual as crianças podem não só imitar a vida,
mas também transformá-la. A brincadeira “favorece a autoestima das crianças, auxiliando-as a
superar progressivamente suas aquisições de forma criativa” (BRASIL, p. 1998 27).
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Ainda de acordo com o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil
(BRASIL, 1998, p. 11), a expansão da Educação Infantil no Brasil e no mundo tem ocorrido
de forma crescente nas últimas décadas, acompanhando a intensificação da urbanização, a
participação da mulher no mercado de trabalho e as mudanças na organização e na estrutura
das famílias.
Não tendo um currículo obrigatório ou uma proposta curricular a serem seguidos, a
exemplo do que ocorre no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, as instituições de ensino e
os educadores da Educação Infantil utilizam-se de alguns documentos que norteiam as
práticas pedagógicas e o trabalho educativo diário quanto aos objetivos, aos conteúdos e às
orientações didáticas, respeitando a diversidade brasileira.
A criança é um ser social e histórico, que faz parte de uma organização familiar que
está inserida em uma sociedade com determinada cultura. Desta maneira, a criança tem um
jeito singular de compreender o mundo a sua volta e de mostrar como pensa e sente esse
mundo. Na construção do conhecimento, a criança utiliza as mais diferentes linguagens na
tentativa de desvendar aquilo que se quer descobrir. No ato de brincar ela explica seus anseios
e desejos; brincando ela descobre o mundo e se insere nele.
De acordo com BRASIL (1998, p. 22):
“Ao brincar de faz de conta, as crianças buscam imitar, imaginar, representar e
comunicar de uma forma específica que uma coisa pode ser outra, uma pessoa pode
ser uma personagem, que uma criança pode ser um objeto ou um animal, que um
lugar faz de conta que é outro”.
O brincar é uma atividade fundamental para as crianças pequenas, pois a partir dele
elas interagem com o outro, se comunicam, se expressam e estabelecem uma relação de
convivência para descobrir mais do mundo que as rodeia. Nesse sentido, as escolas devem
priorizar o brincar, e dar a esse brincar a devida atenção, considerando o espaço que ele ocupa
no desenvolvimento infantil.
Para Kishimoto (2011, p. 12):
O brincar, os brinquedos e as brincadeiras são formas privilegiadas de
desenvolvimento e apropriação do conhecimento pela criança e, portanto,
instrumentos indispensáveis da prática pedagógica e componente relevante de
propostas curriculares.
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No ambiente escolar da Educação Infantil, o brincar faz parte da rotina de sala de
aula. No entanto, não basta que as escolas tenham tempo e horários definidos para brincar. É
preciso ir além, propor brincadeiras a partir de um resgate histórico e também utilizar as
brincadeiras atuais do contexto da criança, criando assim um ambiente pedagógico que
proporcione o bom aproveitamento do brincar. É possível também deixar que as crianças
criem suas próprias brincadeiras, construam regras e desempenhem papéis, onde o adulto
possa interagir sem interferir, promovendo espaços e tempos para que o brincar aconteça e
auxilie na construção da convivência coletiva e na autonomia de cada um e do próprio grupo.
Além do prazer que o brincar proporciona, é importante considerar a seriedade com que a
criança se dedica ao brincar.
Nessa perspectiva, Vygotsky (2007, p. 110-115) defende que:
Não existe brinquedo sem regras. A situação imaginária de qualquer forma de
brinquedo já contém regras de comportamento, embora possa não ser um jogo com
regras formais estabelecidas a priori. A criança imagina-se como mãe e a boneca
como criança e, dessa forma, deve estabelecer comportamento maternal, fazendo
coincidir a situação de brinquedo com a realidade.
É no brincar que as crianças assumem diferentes papéis enquanto brincam. Ao
adotarem outros papéis, agem frente à realidade, substituindo suas ações cotidianas. Por
exemplo, para assumirem um determinado papel enquanto brincam, elas devem conhecer
algumas de suas características. Quem não se deparou com uma criança brincando de ser
professora, de ser mãe, de ser pai ou de ser médico? A partir do papel assumido pela criança
na brincadeira os professores podem observar os processos de desenvolvimento em conjunto e
de cada uma individualmente.
Para Vygotsky (2007, p. 115), “é no brincar que a criança aprende a agir, numa
esfera cognitiva, em vez de uma esfera visual externa”.
No brinquedo, o pensamento está separado dos objetos e a ação surge das ideias, não
das coisas. Por exemplo: um pedaço de madeira torna-se um boneco, e um cabo de
vassoura torna-se um cavalo (VYGOTSKY, 2007, p. 115).
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Nesse enfoque, é necessário que o professor compreenda a relevância da ação do
brincar e que possa “intervir” quando houver necessidade de garantir a segurança das crianças
ou de possibilitar e adequar os propósitos da brincadeira à inclusão. É importante que a
intervenção do professor possa ser realizada de maneira a não descaracterizar a ação do
brincar pelas crianças, mais significativo do que a intervenção do professor é a interação e a
observação. É fundamental reconhecer o brincar como uma base essencial acerca da
singularidade de cada criança, entendendo as necessidades específicas, valorizando e
respeitando as crianças enquanto brincam. O brincar fornece informações importantes do que
as crianças já sabem, do que elas estão interessadas em aprender, do que precisam. Por isso,
escutar, propor o diálogo, incentivar a imaginação, a criatividade, e interagir são
possibilidades para que as crianças possam se expressar e se comunicar por meio da
linguagem do brincar.
Desta maneira, Vygotsky (2007, p. 122) afirma que:
A criança se comporta além do comportamento habitual de sua idade, além de seu
comportamento diário; no brinquedo, é como se ela fosse maior do que ela é na
realidade. Isso ocorre porque a brincadeira, na sua visão, cria uma zona de
desenvolvimento proximal, permitindo que as ações da criança ultrapassem o
desenvolvimento já alcançado (desenvolvimento real), impulsionando-a a conquistar
novas possibilidades de compreensão e de ação sobre o mundo.
O brincar requer muitas aprendizagens e constitui um espaço de transformação, na
medida em que a criança produz novos significados para esse brincar. Nesse sentido, ele
assume importância fundamental como forma de participação social, na qual as crianças criam
laços de solidariedade e de comunhão entre os sujeitos que dele participam.
O brincar pode ser apresentado por meio de várias categorias de experiências que
são diferenciadas pelo uso do material ou recurso. Essas categorias incluem: o
movimento e as mudanças da percepção, resultante essencialmente com a
mobilidade física das crianças; a relação com os objetos e suas propriedades físicas
assim como a combinação e associação entre a linguagem oral e gestual, que
favorecem vários níveis de organização a serem utilizados para brincar; os
conteúdos sociais, como papéis e situações, valores e atitudes que se referem à
forma de como o universo social se constrói, e finalmente pelos limites definidos
pelas regras, constituindo assim em um recurso fundamental para brincar. Destacam-
se três modalidades para brincar: o faz de conta; o brincar com materiais de
construção; e o brincar com regras. Todas essas modalidades propiciam a ampliação
dos conhecimentos infantis por meio da atividade lúdica (BRASIL, 1998, p. 28).
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Algumas instituições de Educação Infantil estão tão focadas no letramento e na
alfabetização ou no que podemos chamar de “antecipação do ensino” que esquecem que as
propostas pedagógicas da Educação Infantil estão embasadas nas concepções do cuidar e do
brincar. Cuidar e brincar implica promover uma ação pedagógica respaldada em uma visão
integrada acerca do desenvolvimento infantil. Para tanto, faz-se necessário valorizar os eixos
da identidade e da autonomia. No ambiente escolar, a criança tem a oportunidade de estar com
outras crianças, de entender as diferenças e aprender a socializar-se.
O brincar é uma das atividades fundamentais para o desenvolvimento da identidade
e da autonomia. O fato de a criança, desde muito cedo, poder se comunicar por meio
de gestos, sons, e mais tarde representar determinado papel na brincadeira faz com
que ela desenvolva sua imaginação (BRASIL, 1998, p. 22).
Com a expansão da Educação Infantil, a partir desse século, o brinquedo educativo
ganhou força, pois passou a ser entendido como recurso que ensina, desenvolve e educa de
forma prazerosa. De acordo com Kishimoto (201, p. 40-41):
O uso do brinquedo/jogo educativo com fins pedagógicos remete-nos para a
relevância desse instrumento para situações de ensino-aprendizagem e de
desenvolvimento infantil. Se considerarmos que a criança pré-escolar aprende de
modo intuitivo, adquirem noções espontâneas, em processos interativos, envolvendo
o ser humano inteiro com suas cognições, afetividade, corpo e interações sociais, o
brinquedo desempenha um papel de grande relevância para desenvolvê-la. Ao
permitir à ação intencional (afetividade), a construção de representações mentais
(cognitiva), a manipulação de objetos e o desempenho de ações sensório-motoras
(física) e as trocas nas interações sociais (social), são contempladas várias formas de
representação da criança ou suas múltiplas inteligências, contribuindo para o
desenvolvimento infantil.
As situações do brincar quando utilizadas intencionalmente e planejadas pelo
professor, objetivando estimular algum tipo de aprendizagem, surge o que chamamos de
dimensão educativa do brincar. Para Kishimoto (2011, p. 41) a função educativa: “o
brinquedo ensina qualquer coisa que complete o indivíduo em seu saber, seus conhecimentos
e sua apreensão do mundo” Ainda nas palavras da autora, “ao assumir a função lúdica, o
brinquedo propicia diversão, prazer e até desprazer, quando escolhido voluntariamente”
(KISHIMOTO 2011, p. 41). Embasado nas duas funções do brincar que autora expõe cabe
nos perguntar; Que brincar acontece hoje na Educação Infantil? É possível brincar e educar
ao mesmo tempo, sem que o brincar perca seu prazer, seu divertimento e os mistérios do
mundo da criança?
16269
O brincar é uma situação privilegiada de aprendizagem e desenvolvimento infantil.
Isso ocorre pela possibilidade de interação entre os pares, pela comunicação consigo mesmo,
com o outro e com o meio e pela negociação de regras de convivência e de temas a serem
estudados.
De acordo com Wajskop (2001, p. 29-30), “a brincadeira é o resultado de relações
interindividuais, portanto, de cultura. A brincadeira pressupõe uma aprendizagem social.
Aprende-se a brincar”.
A brincadeira é uma forma de comportamento social que se destaca da atividade do
trabalho e do ritmo cotidiano da vida, reconstruindo-os para compreendê-los
segundo uma lógica própria, circunscrito e organizado no tempo e espaço (Wajskop,
2001, p. 29-30).
Mais que um comportamento específico, o brincar define uma situação na qual esse
comportamento adquire uma nova significação. Como atividade social específica, ainda, o
brincar é partilhado pelas crianças, supondo um sistema de comunicação e interpretação da
realidade que vai sendo negociado passo a passo pelos pares, à medida que este se desenrola.
A criança que brinca pode adentrar o mundo do trabalho pela via da representação e
da experimentação; o espaço da instituição deve ser um espaço de vida e interação e
os materiais fornecidos para as crianças podem ser uma das variáveis fundamentais
que as auxiliam a construir e apropriar-se do conhecimento universal (WAJSKOP,
2001, p. 27).
Nesse sentido, ao considerar a educação para a infância com novas características é
necessário, refletir sobre o brincar, com suas possibilidades e dificuldades, pois um dos
momentos mais significativos no brincar é aquele em que a criança fica admirada, se encanta
e surpreende a si mesma.
Na perspectiva de refletir sobre a importância do brincar na Educação Infantil, este
será abordado como atividade social, cultural, educativa, prazerosa, de diversão, de
desenvolvimento, de construção de relações humanas e, portanto, como suporte para a
construção da convivência com seus pares. Ou seja, ao brincarem as crianças constroem uma
consciência compartilhada da realidade e ao mesmo tempo vivem a possibilidade de
16270
modificá-la. Para Brougére (1998, p. 20), “brincar é fato social, não é uma dinâmica interna
do indivíduo, mas uma atividade dotada de significação social que, como outras, necessitam
de aprendizagem”.
Desta maneira, a presença do adulto é também um ponto relevante nas atividades de
brincar, seja para observar, para interagir, para estimular a cooperação, a solidariedade, ou
para propor estratégias nas resoluções de problemas e tomadas de decisões, ou intervir quando
houver necessidade de garantir a segurança das crianças ou de auxiliar no propósito da
inclusão. Sobre o papel do adulto nas brincadeiras, Wajskop (2001, p. 38) escreve:
Que o adulto seja elemento integrante das brincadeiras, ora como observador e
organizador, ora como personagem que explicita ou questiona e enriquece o
desenrolar da trama, ora como elo de ligação entre as crianças e os objetos. E, como
elemento mediador entre a criança e o conhecimento, acolhendo suas brincadeiras,
atento às suas questões, auxiliando suas reais necessidades e buscas em compreender
e agir sobre o mundo em que vivem.
O brincar no contexto da Educação Infantil é uma forma de comunicação, de
aprender, A partir das brincadeiras, a criança é capaz de experimentar-se, relacionar-se,
imaginar, criar, expressar-se, confrontar ideias, transformar-se, conviver e reproduzir seu
cotidiano, enfim, divertir-se. O brincar envolve a criança como um todo, como um sujeito
social, através de um processo dinâmico que proporciona reflexão sobre a autonomia e a
criatividade, o que possibilita construir e (re) construir a sua identidade. Francine Ferland
(2006, p. 53) define o brincar como: “Uma atitude subjetiva em que o prazer, a curiosidade, o
senso de humor e a espontaneidade se tocam; tal atitude se traduz por uma conduta escolhida
livremente, da qual não se espera nenhum rendimento específico”.
Ao considerar os estudos e a investigação sobre o brincar, destaca-se que o brincar
na Educação Infantil não é preparação para coisa alguma. A ação do brincar proporciona
relações humanas, o desenvolvimento de valores, a interação consigo mesmo e com os outros,
permitindo a produção de desafios e envolvendo a razão e a imaginação.
16271
O Brincar e a Convivência no Contexto da Educação Infantil
No Brasil, a Educação Infantil vive um intenso processo de revisão de concepções
sobre a educação de crianças pequenas nos espaços coletivos, bem como sobre o
fortalecimento de práticas pedagógicas inovadoras e mediadoras de aprendizagens e do
desenvolvimento infantil. Nesse enfoque, as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação
Infantil (BRASIL, 2010, p. 12) reforçam a ideia de criança como:
Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que
vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja,
aprende, observa, experimenta, narra, questiona, constrói sentidos sobre a natureza e
a sociedade, produzindo cultura.
Assim, quando brinca, a criança compreende como as coisas acontecem e funcionam
e se prepara para a vida, pois adquire contato com o mundo físico e social, podendo
transformar e produzir novos significados.
Ao brincar na escola, as crianças estabelecem diferentes vínculos, realizam trocas de
experiências, desenvolvem e participam de situações de interações sociais e de diferentes
aprendizagens. As interações que surgem entre elas por meio do brincar favorecem o
exercício da construção da convivência. Nesse sentido, pode-se dizer que o ato de brincar
possibilita que a criança, aos poucos, amplie as relações sociais, aprenda a articular seus
interesses pessoais com os dos demais e participe do movimento da socialização desde muito
cedo, respeitando as diferenças e compreendendo as regras. Com isso, aprendem a ser mais
cooperativas e solidárias.
Considerando que atualmente as crianças passam a maior parte do tempo na escola, é
necessário que este espaço se torne um ambiente privilegiado para brincar, pois também é na
escola que elas têm mais oportunidade de conviver em grupo. Ao convivermos com os outros
nos transformamos, de muitas formas, de diferentes maneiras, por meio do partilhamento e
das interações que construímos no espaço escolar através do brincar. Portanto, as instituições
de Educação Infantil devem valorizar o brincar como uma das principais ocupações da
infância, promovendo atividades que favoreçam o uso das diferentes linguagens nas situações
imaginárias, interrogativas e misteriosas do universo infantil, permitindo à criança criar e
recriar acontecimentos de sua realidade concreta, experimentar o mundo sob outros olhares e
16272
explorar a pluralidade de convivência, construída e compartilhada coletivamente no contexto
escolar.
O brincar é muito significativo no desenvolvimento infantil, pois representa desejos,
favorece a autoestima, contribui para interiorizar determinados valores. Ao brincar e conviver
com as outras, a criança aprende a lidar com as frustações, a expor suas ideias, o que pensa e
o que sente. Transforma os conceitos já adquiridos em conceitos gerais, com os quais ela
brinca. As interações que surgem no brincar possibilitam que as crianças experimentem novas
situações de aprendizagem, lhes oportunizando ampliar as relações interpessoais e
“compartilhar as condições que sustentam a vida” (GARCIA, 2016, p. 16).
A criança, ao brincar, pode reproduzir uma situação real, vivida ou observada por
ela. Ao testar os papéis, ela amplia conhecimentos, experimenta o mundo de maneira
diferente e explora sentimentos e formas de convivência. Sendo assim, os contextos da
convivência entre as crianças, com suporte no brincar, contribui significativamente para o seu
desenvolvimento integral, pois trocam experiências, estabelecem parcerias, convivem com o
outro, interpretam papéis, desenvolvem a autonomia, aprendem a cooperar, desenvolvem a
sociabilidade, tão importante para qualquer ser humano, podem viver e conviver no mundo.
Considerações Finais
A brincadeira, o brincar, faz parte da infância. É impossível deixá-la de lado na
Educação Infantil se as instituições e os professores realmente priorizarem a concepção de
infância e as necessidades e potencialidades das crianças.
O direito de brincar, e de assim produzir cultura, está assegurado por lei. Já é um
grande avanço o reconhecimento do brincar e das brincadeiras como elemento importante e
fundamental ao desenvolvimento infantil. Nesta perspectiva, cabe, porém, que as instituições
de Educação Infantil, no coletivo com seus professores, estabeleçam princípios que priorizem
o brincar como forma de produzir conhecimentos e de aprendizagens significativas. Para
tanto, é preciso reconhecer que a criança, ao brincar, tem um ambiente, uma história, um
brinquedo, um colega, muitos mistérios, fantasias, imaginação, e que é isso que dá prazer e
faz do brincar uma atividade social e cultural no contexto escolar. Nessa visão, cabe destacar
que grande parte da responsabilidade está nas mãos do professor, o qual precisa enxergar a
criança como sujeito histórico de direito e a brincadeira como parte desse processo histórico e
16273
cultural. Ao adotar essa postura, o professor será capaz de tomar decisões e desenvolver
atitudes que abram espaço em suas práticas cotidianas para que as crianças brinquem por
conta própria, sem seguirem as decisões de um adulto.
A escola não pode separar a criança em partes. É preciso reconhecer e valorizar
todas as suas potencialidades e necessidades. Desta maneira, destaco a ideia de criança
segundo o educador Loris Malaguzzi (1999, p. 76): “a escola separa a criança em partes,
separa a cabeça do corpo e esquece que essa criança é feita de Cem Linguagens”.
Cabe à escola, portanto, “juntar” todo o potencial da criança para aprender as formas
de relacionamento no convívio. Embora sejamos biologicamente sociais, não nascemos
sabendo nos relacionar com os outros. As instituições de Educação Infantil devem olhar para
as crianças não como um adulto, que deve ocupar todo o seu tempo escolar com atividades
cognitivas ligadas à produção de um dado conteúdo, mas como um sujeito pleno de direito
que tem uma vida a desvendar e precisa passar pelos processos de construção do
conhecimento, a fim de adquirir competências e habilidades para aprender a se relacionar, a
viver e conviver no mundo que a rodeia.
Como já visto o brincar está garantido na lei, mas cabe ao professor e à instituição
assegurar espaços para as ações do brincar no dia a dia, promovendo um ambiente que
estimule e seja favorável às criações das crianças, um ambiente em que o professor possa
interagir nas brincadeiras quando para acompanhar e conhecer as descobertas feitas na ação
do brincar, ou quando da necessidade de inclusão, oferecendo também materiais, se assim as
crianças desejarem. Se necessário fazer intervenções, que estas sejam feitas sem
descaracterizar as peculiaridades das crianças. Sabe-se que a criança aprende a brincar
brincando, aprende a conviver convivendo, e é assim que ela adquire uma série de
capacidades motoras, cognitivas, comunicativas, sociais e culturais que são fundamentais ao
seu desenvolvimento integral.
Considerando a criança como cidadão de direitos, temos a responsabilidade de
garantir que ela possa decidir como vai brincar, de escolher suas brincadeiras, como e com
quem vai brincar. Na escola de Educação Infantil devemos repensar a ideia de que a criança
deva ser tratada como um “adulto em miniatura” e que está ali para produzir conhecimentos e
realizar atividades que fixem determinados conteúdos, considerando tão somente seu
desenvolvimento cognitivo.
16274
As crianças, ao chegarem à escola, passam a conviver com outras crianças e adultos
que não são do seu contexto familiar. Todas vêm de contextos diferentes, trazendo consigo
elementos culturais específicos do contexto em que vivem. Cabe destacar que não “há
ninguém igual a ninguém”; somos únicos e singulares, convivendo em mundo plural. Dessa
forma, a criança, imaginando, fantasiando, criando, vendo, interpretando, sentindo, reproduz a
realidade, descobre o mundo em que vive e a si mesma. Segundo Corsaro (2002, p. 120), “[...]
as crianças inspiram-se nas suas próprias experiências e concepções do mundo adulto [...]”,
não como simples imitação dos adultos, mas como uma “reprodução interpretativa” da
realidade.
Nas brincadeiras, as diferentes realidades vivenciadas e interpretadas pelas crianças
tomam informações do contexto em que elas vivem e as transformam, de acordo com aquilo
que entendem do contexto e a partir dos interesses envolvidos na brincadeira com seus pares.
Isso ocorre principalmente na brincadeira de faz de conta.
Nesse sentido, o professor, por sua vez, tem de estar atento para captar e
compreender o mundo de significados e relações que a criança estabelece na brincadeira.
Perceber elementos culturais que estão presentes nas brincadeiras das crianças não é uma
tarefa fácil, mas pode se tornar fácil se o professor e o adulto se dispuserem a observar e
entender as relações que estão presentes no brincar. Assim, a brincadeira é cultura, na medida
em que a criança faz transparecer o contexto em que vive e se estabelece como sujeito
histórico, capaz de agir sobre o mundo, tomando decisões.
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