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Universidade Estadual de Campinas – 5 a 11 de junho de 2006 11

esse ano completa-se 70 anosdo início da Guerra Civil Es-panhola. De 5 a 14 de junho

será exibida na Casa do Lago a mos-tra de curtas e longas-metragens “Ci-nema Anarquista durante a GuerraCivil Espanhola”, promovida pelo De-partamento de Multimeios, Mídia eComunicação do Instituto de Artes(IA) da Unicamp. Paralelamente, en-tre os dias 5 e 29, ficará aberta a expo-sição fotografia “A Guerra Civil Es-panhola nas Fotografias de AgustíCentelles Osso”. A programação in-clui uma mesa-redonda sobre “Anar-quismo, cinema e política”, às 20h30do dia 8, com os professores EdsonPasseti (Núcleo de Sociabilidade Li-bertária da PUC), Margareth Rago(IFCH/Unicamp) e Adilson José Ruiz(IA/Unicamp), coordenada por Fer-nando de Tacca (IA/Unicamp).

O professor Fernando deTacca, que tentava trazer estamostra de cinema para a U-nicamp havia um ano e meio,lembra que a sublevação mi-litar fascista contra a repúbli-ca na Espanha eclodiu nosdias 19 e 20 de julho de 1936.O conflito abriria um campo

fecundo da disputa ideológica dentroda esquerda, no qual o anarquismoganhou maior visibilidade como pro-posta de uma sociedade libertária eigualitária. Com uma estrutura popu-lar e participativa, o anarquismo do-minou as cidades de Barcelona e A-ragón, locais paradigmáticos onde osfilmes foram produzidos.

Essa mostra teve curadoria realiza-da para o Festival de Huesca por Án-gel-Santos Garcéz. Segundo o curador,a escolha se deu sobre um grupo depelículas praticamente desconhecidasfora da Espanha, realizadas pela Con-federação Nacional do Trabalho(CNT), de tendência anarquista, na re-taguarda das frentes de batalhas du-rante a Guerra Civil Espanhola. Sãocurtas-metragens de propaganda elongas de ficção, produzidas peloSindicato Único de Espetáculos fi-liado à CNT – Confederação Nacio-nal dos Trabalhadores, que entre osanos de 1936 e 1937 realizou mais deuma centena de filmes.

Os curtas-metragens são, em geral,de natureza propagandística de cu-nho didático e mostram as mudançasrealizadas na organização social den-tro das zonas sob controle das forçasrepublicanas com tendência anarquis-ta, onde as fábricas, e também a pró-pria indústria do cinema, foram cole-tivizadas e funcionavam como centrossociais, educativos e espaços do deba-te político. Cenas da frente de batalhasão mostradas na sua dura frieza docombate, mas são construções sobreuma luta contra o fascismo e pela li-berdade de projeção utópica de umasociedade socialista idealizada.

Os filmes de longa metragem, en-tretanto, são produções simbólicas naexploração da narrativa ficcional eutilizam de vários gêneros tradicio-nais como o melodrama, a comédia,e o musical, mas com um olhar par-ticular, em busca da afirmação doprincípio libertário. Essas narrativasnão buscam julgamentos de valoresmorais sobre a conduta de seus per-sonagens: estivadores, prostitutas,artistas de rua e inclusive ladrões –um campo estereotipado de perten-cimento ao conceito de popular, co-mo ressalta Ángel-Santos Garcéz –são observados sempre com franque-za e simpatia, sem serem julgados sobnenhum ponto de vista. Assim, háum contraponto com a estética do ci-nema do realismo socialista e o con-ceito de povo é construído sem e-xaltação. “Podemos perceber simbo-licamente os valores que o anarquis-mo queria modificar como a noção defamília, de amor, de respeito mútuoe de solidariedade, ou seja, as insti-tuições conservadoras são questiona-das no cotidiano das ruas e na intimi-dade das relações afetivas”, afirmaFernando de Tacca.

Paralelamente à mostra de cinema, a Casa do Lagoabriga de 5 a 29 de junho a exposição fotográfica “AGuerra Civil Espanhola nas fotografias de AgustíCentelles Osso”, organizada por Fernando de Taccae Enric Llagostera. O fotógrafo Centelles Osso retra-tou Barcelona no período republicano anterior àguerra civil e os conflitos desde os primeiros dias. Suadocumentação apresenta uma visão a partir dasbarricadas republicanas e o desenrolar da guerraincluindo cenas dos campos de concentração e a des-truição pelos bombardeios aéreos contra alvos dapopulação civil. A exposição reflete a visão de um fo-tógrafo comprometido com a causa republicana.

No início de 1976, Centelles cruzou a fronteira coma França e recuperou algumas caixas de madeira suasque estavam guardadas na casa de uma família decamponeses amiga. Dentro delas, cuidadosamenteembalados, havia mais de quatro mil negativos foto-gráficos, correspondentes a parte de sua produçãocomo foto-jornalista independente durante os perí-odos da Segunda República espanhola, da GuerraCivil e dos anos de exílio na França.

A história desse tesouro começa em fevereiro de

N

1939, quando ele se desloca levando os arquivos fo-tográficos do exército republicano do Leste para aFrança. Embala esse material junto com sua produ-ção fotográfica particular e o guarda em uma grandemala de couro. A viagem até a fronteira é feita por carroou trem, mas Centelles cruza a fronteira à noite carre-gando a mala nas costas através dos Pirineus nevados.

O fotógrafo é levado primeiramente para o campode concentração de Argèles e depois para Bram. Con-segue, com a ajuda de outros refugiados, proteger suamala de couro de roubos, de curiosos e de confiscos. Suacarteira internacional de jornalista o ajuda a manterseu tesouro a salvo dos guardas franceses. Libertado,Centelles vai trabalhar em um estúdio próximo aocampo e envolve-se com a resistência francesa local.

Em 1944, depois de um cerco da Gestapo, o fotógrafoorganiza os negativos novamente e os deixa sob cus-tódia da família de camponeses em Carcassone. Re-gressa para a Espanha na clandestinidade, mas de-pois de dois anos entrega-se às autoridades. Em 1946tem sua carteira de jornalista cassada, dedicando-sepelos próximos trinta anos à fotografia industrial epublicitária, até o fim do regime franquista.

O tesouro de Centelles

A mostra “Cinema Anarquista durante a GuerraCivil Espanhola” terá sessões diárias às 14h,16h30 e 19h. A programação foi preparada paraexigir, dentro do possível, um filme curta e umfilme de longa metragem em um mesmo dia, emhorários alternativos, permitindo ao público ade-quar seu horário pessoal com as exibições.

Dia 5 de junho!Aragon trabaja y lucha (16’, 1936)

Direção: Manuel P. de Somacarrera. Filme do-cumental sobre a vida de vilas na região deAragon ocupada pelas forças anarco-sindicalis-ta procedentes da Catalunha. Mostra escaramu-ças na frente de batalha e atividades libertáriasda retaguarda.!Aurora de esperanza (60’, 1937)

Produção: Antonio Sal. Barcelona, 1935. Fil-me de ficção no qual Juan é um modesto traba-lhador que, ao voltar com sua família de suasférias, encontra sua fábrica fechada e todos osoperários despedidos. Para evitar a fome e amiséria envia sua família para uma vila e come-ça a procurar trabalho, iniciando aí uma tomadade consciência junto com outros trabalhadores.

Dia 6 de junho!Em la brecha (18’, 1937)

Direção: Ramón Quadreny. Um dia na vida deum operário militante da Confederação Nacionaldo Trabalho (CNT) e os ideais que este sindicatomanteve sobre a organização da produção emuma sociedade revolucionária.!Barrios bajos (94’, 1937)

Direção: Pedro Puche. Um jovem advogado,que somente defende os direitos dos trabalha-dores, surpreende sua mulher com outro homeme mata o amante a tiro. Foge e se esconde emum bordel onde vive um amigo, um estivador cha-mado “El Valencia”, que o acolhe e o protege nãosomente da polícia, mas também das circuns-tâncias do lugar. A película é inspirada em umrealismo poético, com marca da solidariedade eda amizade.

Dia 7 de junho!La silla vacía (18’, 1937)

Direção: Valentiín R.González. Mistura de fil-me documental com ficção. Mostra a história deum jovem sentando na varanda de um café que,comovido ao ver mutilados de guerra, se alistanas milícias que lutam na frente de batalha deAragón.!Nuestro cuplable (87’, 1937)

Direção: Fernando Mignoni. Comédia delirantecom números musicais e que ironiza as relaçõesentre a justiça e a sociedade burguesa. Um sim-pático ladrão, “El Randa”, entra na mansão deum banqueiro e é descoberto pela amante do pro-prietário. Então, cada um resolve partir com seubotim, mas El Randa organiza uma festa em seubairro e é preso pela polícia. O filme questiona opoder e a autoridade, denuncia a ganância capi-talista e ridiculariza a justiça burguesa.

Dia 8 de junho!Carne de fieras (68’, 1936)

A montagem desse filme não foi finalizada noperíodo. Ele foi recuperado pelo cineasta e res-taurador Ferrán Alberich para a Filmoteca deZaragoza, mantendo-se o roteiro original. Um fil-me raro do cinema de ficção, com momentos degrande lirismo, que propõe rupturas de valores,tabus e convenções. A trágica investigação so-bre a história posterior dos participantes dessapelícula introduz um elemento dramático da vidareal na narrativa ficcional. Talvez seja a mais im-portante produção do período. O diretor original,Armand Guerra, havia fundado em Paris, em 1913,a cooperativa Cinéma du Peuple e também reali-zado um filme sobre a Comuna de Paris.

O filme começa com um menino de rua quecai no lago de um parque e é salvo por um boxe-ador, que leva o pequeno para recuperar-se emsua casa, onde vive uma crise matrimonial. Umajovem havia atentado o boxeador para o meninose afogando. Assistindo ao espetáculo de um cir-co, o homem tem seu olhar atraído para uma lin-da jovem que passeia nua entre os leões. É mes-ma jovem do parque. Ao vê-la desmaiar peranteos leões, aguça-se ainda mais seu ímpeto deaproximação com o objeto do desejo.

Dia 9 de junho!Barcelona trabaja para el frente (23’,1936)

Direção: Mateo Santos. Documentário sobreas atividades do Comitê Central de Abastos e os trabalhos de preparação de provisões em Bar-

celona, e também sobre a Frente de Aragón du-rante os primeiros meses da guerra.!Nosotros somos así! (31’, 1936)

Direção: Valentin R. Gonçalvez. Insólita co-média musical protagonizada por crianças, de-clamada em versos. As crianças refletem os va-lores adultos, enfrentam a autoridade e organi-zam sua própria assembléia política.!El frente y la retaguardia ( 22’, 1937)

Direção: Joaquín Giner. Filme de propagandaque mistura imagens documentais de produçãoindustrial e agrária com cenas de ficção na fren-te de batalha de Aragón.

!La última (15’, 1937)Direção: Pedro Puche. No começo do filme é

anunciado como uma “abordagem jocosa-séria”dos problemas causados pelo excesso de con-sumo de álcool, mostrando-os com humor e deforma didática.

Dia 12 de junho!Otro futuro (160’, 1989) – Sessões às14h e 19h

Direção: Richard Post. A partir de imagens dearquivos e de depoimentos de sobreviventes daGuerra Civil Espanhola, emerge um fascinantedocumentário sobre a aventura libertária naEspanha. O filme explora a experiência de auto-gestão dos anarquistas e mostra as diferenças

Mostra traz o cinema anarquista feitono decorrer da guerra civil espanhola

A PROGRAMAÇÃOA PROGRAMAÇÃO

Casa do Lago exibe curtas de propaganda e longas de ficção produzidos por anarquistas em 1936 e 1937

Dia 13 de junho!Carne de fieras e Aurora de esperanza– 14h e 16h30!Otro futuro – 19 horasDia 14 de junhoNuestro cuplable e La silla vacía – 14he 16h30

com o comunismo ortodoxo e com os valores dofranquismo: abolição do dinheiro propiciando tro-ca de mercadorias e serviços, aborto livre e gra-tuito dentro do processo de libertação das mu-lheres, educação laica, etc.

REAPRESENTAÇÕES

Evento incluiexposição

fotográfica deCentelles Ossosobre conflito

A barricadade cavalos,

foto de AgustíCentelles Osso