UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROINSTITUTO DE ECONOMIA
MONOGRAFIA DE BACHARELADO
O CONFLITO ENTRE A EXPLORAÇÃO OFFSHOREDE PETRÓLEO E A ATIVIDADE PESQUEIRA
ARTESANAL
FLÁVIA CAHETÉ LOPESmatrícula nº: 099139676
ORIENTADORA: Prof. Valéria da Vinha
Abril 2004
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROINSTITUTO DE ECONOMIA
MONOGRAFIA DE BACHARELADO
O CONFLITO ENTRE A EXPLORAÇÃO OFFSHOREDE PETRÓLEO E A ATIVIDADE PESQUEIRA
ARTESANAL
__________________________________
FLÁVIA CAHETÉ LOPESmatrícula nº: 099139676
ORIENTADORA: Prof. Valéria da Vinha
Abril 2004
As opiniões expressas neste trabalho são de exclusiva responsabilidade da autora
Dedico este trabalho a meu pai,Humberto Lemos Lopes, meu maiorexemplo.
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer em primeiro lugar aos meus pais, Arlete eHumberto, que sempre me incentivaram, apoiaram e nunca deixaram de estardo meu lado. A eles, todo o meu amor.
Aos meus irmãos, Leonardo e Marcelo, antes de tudo meus grandesamigos, dos quais eu quero sempre poder estar por perto, devolvendo a elestodo o carinho e afeto que me reservam. E à Jussara, minha segunda mãe, peladedicação de sempre.
Ao meu querido Rodrigo, pelo amor, companheirismo e paciênciadurante o desenvolvimento deste trabalho. Obrigada por alegrar os meus diase por ter transformado a minha vida de forma tão maravilhosa.
Às minhas grandes amigas Fernanda Consentino e Julia Iskin, pelo quepassamos juntas enquanto estivemos na faculdade e pela amizade que ficou eque com certeza irá perdurar. Aproveito também para agradecer à ElisaKassab, amiga de todas as horas, por sua infinita colaboração em todos osaspectos da minha vida.
Ao meu tio, Augusto Sérgio Guimarães, por me apoiar em todas asminhas decisões, e colaborar com elas, sempre que possível.
À Ecologus, fundamental nesse processo, e a seus diretores, ClaudiaBarros e Edson Cruz, pela oportunidade e o espaço que me deram. A todosque fazem parte dessa empresa e, em especial, a Ana Paula Ramos de Almeidae Silva pela ajuda técnica e incentivo emocional, a Guilhermino de Oliveirapelos conselhos e ajuda na busca por material bibliográfico e aos dois peloexemplo a ser seguido.
E por fim, à minha orientadora, professora Valéria da Vinha, por meajudar a desenvolver tema tão interessante, por todo o suporte e pela incríveldisponibilidade. Obrigada por tudo.
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo analisar o conflito existente entre aexploração do petróleo (na fase de aquisição de dados sísmicos e perfuraçãode poços) e a atividade pesqueira artesanal.
Para isso, procurou - se realizar um paralelo entre as duas atividades eanalisar as causas do conflito existente. As conclusões do trabalho indicamque, apesar da atividade pesqueira ter contra si a má utilização dos recursospesqueiros e a precária infra - estrutura de que dispõe, ela é tambémprejudicada pelas atividades de aquisição de dados sísmicos e de perfuraçãode poços realizada pela indústria de petróleo.
Em grande medida, o conflito decorrente de tais impactos deve- se auma assimetria gritante entre as duas atividades, tanto do ponto de vistaeconômico, quanto do aspecto institucional. Devido à característicashistóricas, a atividade pesqueira é desorganizada e, na maior parte dos casos,seus agentes possuem baixa qualificação, dificultando, assim, sua organizaçãoe o diálogo com o poderoso segmento da indústria do petróleo.
SÍMBOLOS, ABREVIATURAS, SIGLAS E CONVENÇÕES
ANEPE Associação Nacional dos Empresários de Pesca
ANP Agência Nacional do Petróleo
CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNP Confederação Nacional de Pesca
CONAMA Conselho Nacional de Meio Ambiente
CONEPE Conselho Nacional de Pesca e Aqüicultura
DILIQ Diretoria de Licenciamento e Qualidade Ambiental
EA Estudo Ambiental
ELPN Escritório de Licenciamento das Atividades de Petróleo eNuclear
IAGC International Association of Geophysical Contractors
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
FAO Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura
FURGS Fundação Universidade do Rio Grande do Sul
IBAMA Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos NaturaisRenováveis
MONAPE Movimento Nacional dos Pescadores
ONG Organização Não Governamental
OPEP Organização dos Países Produtores de Petróleo
PMS Produção Máxima Sustentável
PND Plano Nacional de Desenvolvimento
PSRM Plano Setorial para os Recursos do Mar
RCA Relatório de Controle Ambiental
SEAP Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca
SUDEPE Superintendência de Desenvolvimento da Pesca
ZEE Zona Econômica Exclusiva
ÍNDICE
INTRODUÇÃO...................................................................................................................................................10
CAPÍTULO I – A ATIVIDADE PESQUEIRA ARTESANAL NO AMBIENTE MARÍTIMO..............13
I.1 – CATEGORIAS E FINALIDADES DA PESCA EXTRATIVA MARÍTIMA NO BRASIL.................................................................13I.2 – SITUAÇÃO DA PESCA EXTRATIVA MARÍTIMA NO BRASIL – POTENCIALIDADES DO SETOR PESQUEIRO E A IMPORTÂNCIA
SOCIOECONÔMICA DA ATIVIDADE PARA O PAÍS ................................................................................................................16I.3 – A HISTÓRIA DA ATIVIDADE PESQUEIRA EXTRATIVA MARÍTIMA NO BRASIL..................................................................18
I.3.1 – Organização social.........................................................................................................................21I.4 – SITUAÇÃO DA PESCA EXTRATIVA MARÍTIMA MUNDIAL.............................................................................................22I.5 – PROBLEMAS E FRAGILIDADES DA ATIVIDADE PESQUEIRA...........................................................................................23
CAPÍTULO II – A ATIVIDADE PETROLÍFERA OFFSHORE(FASES DE SÍSMICA E DEPERFURAÇÃO DE POÇOS EXPLORATÓRIOS) E POTENCIAIS IMPACTOS À ATIVIDADEPESQUEIRA ARTESANAL..............................................................................................................................28
II.1 – A ATIVIDADE PETROLÍFERA OFFSHORE.................................................................................................................28II.2 – HISTÓRICO DA ATIVIDADE PETROLÍFERA OFFSHORE NO MUNDO..............................................................................29II.3 – HISTÓRICO DA ATIVIDADE PETROLÍFERA OFFSHORE NO BRASIL...............................................................................30 II.4 – SITUAÇÃO DA INDÚSTRIA MUNDIAL DE PETRÓLEO................................................................................................32
..........................................................................................................................................................................33II.5 – PANORAMA ATUAL DA INDÚSTRIA BRASILEIRA DE PETRÓLEO..................................................................................33II.6 – A FASE DE AQUISIÇÃO DE DADOS SÍSMICOS EM AMBIENTE MARÍTIMO.......................................................................35
II.6.1 – O método sísmico ............................................................................................................................36II.6.2 – Interferências entre as operações sísmicas e a atividade pesqueira...............................38
II.7 – A FASE DE PERFURAÇÃO DE POÇOS EXPLORATÓRIOS MARÍTIMOS.............................................................................40II.7.1 – O método de perfuração de poços exploratórios marítimos ..............................................40II.7.2 – Interferência entre as operações de perfuração e a atividade pesqueira......................41
CAPÍTULO III – O CONFLITO ENTRE A ATIVIDADE DE PESCA ARTESANAL E AS FASES DEEXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO......................................................................................................................43
III.1 – A NATUREZA DO CONFLITO............................................................................................................................43III.1.2. – O CONFLITO DO PONTO DE VISTA AMBIENTAL................................................................................................46III.4 – O CONFLITO DO PONTO DE VISTA SOCIOECONÔMICO...........................................................................................47III.5 – O PONTO- DE- VISTA DOS PESCADORES...........................................................................................................48III.6 – O PONTO- DE- VISTA DAS EMPRESAS DO SETOR DE PETRÓLEO...............................................................................49III.7 – A POSIÇÃO DO GOVERNO BRASILEIRO................................................................................................................49III.8 – LEGISLAÇÃO E LICENCIAMENTO AMBIENTAL DAS ATIVIDADES DE PETRÓLEO E GÁS NO BRASIL...............................50
CONCLUSÕES....................................................................................................................................................54
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................................................56
INTRODUÇÃO
Não datam de hoje as atividades petrolíferas offshore . Contudo, apenas
recentemente, tem sido levado em consideração os impactos ambientais que a
atividade produz.
A exploração de petróleo no ambiente marítimo é uma atividade
secular. Data de 1886, quando se descobriu que o campo de Summerland , na
Califórnia, se estendia para dentro do mar. Nos últimos 70 anos, o
desenvolvimento de novas tecnologias permitiu colocar ao alcance das sondas
de perfuração praticamente todos os lençóis de petróleo, a qualquer
profundidade do mar, inclusive com a colaboração da tecnologia espacial.
Atualmente, a matriz energética da economia mundial depende, em
grande medida, do petróleo, fazendo com que a exploração deste seja um
grande negócio. No Brasil, o petróleo ocupa uma posição de destaque na
matriz energética, com aproximadamente 30% da produção de energia
primária. No entanto, sua exploração é uma das maiores fontes poluidoras do
planeta, ao causar efeitos ecológicos de curta e longa duração e trazer
prejuízos às demais atividades econômicas existentes nas áreas atingidas pelo
empreendimento.
Esta monografia pretende tratar dos impactos decorrentes de algumas
fases da cadeia petrolífera em ambiente marinho (as fases de aquisição de
dados sísmicos e de perfuração de poços exploratórios) sobre uma
determinada atividade socioeconômica – a atividade pesqueira e, em especial,
a dita artesanal.
A pesca marítima no Brasil é uma atividade extremamente importante,
não só pelo aspecto econômico, mas, também, por sua função social. |
Encontrada em todo o vasto litoral brasileiro, estátradicionalmente ligada à
comunidades costeiras, as quais devido a sua baixa especializaçãoe elevados
níveis de pobreza fazem dela a principal fonte de alimentação e de ocupação
voltada ao sustento financeiro famílias.
O presente trabalho foi dividido em três capítulos, ao longo dos quais .O
primeiro capítulo destina - se à análise da atividade pesqueira extrativa em
ambiente marinho, Na primeira seção, serão apresentadas as várias categorias
da pesca extrativa marítima e suas finalidades. A segunda seção será
destinada à atual situação dessa atividade no Brasil, suas potencialidades e
importância socioeconômica para o país. Na terceira seção será realizado um
breve histórico da atividade no país, relatando a trajetória de sua organização
social e das políticas públicas direcionadas para o setor, efetuadas ao longo
do tempo. A quarta seção destina - se a contextualizar brevemente a situação
da pesca extrativa marinha no mundo nos últimos anos, de forma a identificar
semelhanças e diferenças com a atividade no Brasil. E finalmente, na quinta
seção foram abordados os principais problemas e fragilidades da atividade
pesqueira artesanal, com o propósito de se entender a atual situação pela qual
vem passando.
No segundo capítulo será analisada a indústria do petróleo no ambiente
marítimo, com ênfase na fase de exploração. O capítulo se divide em sete
seções: a primeira caracteriza a atividade petrolífera offshore , a segunda
realiza um breve histórico da atividade no mundo e a terceira, no Brasil. Em
seguida, procurou - se identificar a atual situação da indústria do petróleo no
Brasil e no mundo. Por último, as fases de sísmica e de perfuração de poços
exploratórios, bem como seu potencial impacto à atividade pesqueira extrativa
marítima, são descritas nas sexta e sétima seção.
No terceiro capítulo, analisa - se o conflito entre as duas atividades será ,
cuja motivação principal reside no fato de as atividades disputarem o mesmo
espaço físico, e a natureza das atividades serem mutuamente
incompatíveisAlém de serem atividades econômicas muito diferentes, o perfil
dos agentes e as formas de organização são igualmente bastante distintos. O
capítulo foi dividido em oito seções. Primeiramente, serão identificados os
agentes deste processo, ou seja, os grupos ligados a cada setor. Em seguida, o
conflito será caracterizado do ponto de vista técnico, ambiental e
socioeconômico e serão apresentados os pontos - de- vista dos pescadores e
das empresas do setor, assim como a posição do governo brasileiro m relação
ao conflito. As ultimas seções dedicam - se à análise dos procedimentos dede
licenciamento ambiental para as fases de sísmica e de perfuração, ao próprio
licenciamento e ao que este propõe em relação ao conflito pesca versus
petróleo.
A monografia busca investigar o que leva os agentes da pesca extrativa
marinha artesanal a acusar a indústria do petróleo de arruinar a atividade da
qual fazem parte. Procura - se, também, esclarecer se o recente declínio da
atividade, devido à redução de alguns cardumes e até mesmo do
desaparecimento de algumas espécies, é fruto apenas do crescimento da
atividade petrolífera ou se há outras causas ligadas a este fenômeno.
CAPÍTULO I – A ATIVIDADE PESQUEIRA ARTESANAL NO
AMBIENTE MARÍTIMO
Este capítulo visou fazer uma radiografia da atividade pesqueira
artesanal em ambiente marinho, procurando caracterizar modalidades, áreas
de atuação, cenários e fragilidades, como forma de entender, posteriormente,
os impactos que podem vir a ser causados pela atividade petrolífera.
Realizou - se um breve histórico da atividade no País, relatando a
trajetória de sua organização social e das políticas públicas direcionadas para
o setor, efetuadas ao longo do tempo. Na segunda parte, contextualizou - se a
situação da pesca extrativa marinha no mundo nos últimos anos, de forma a
identificar semelhanças e diferenças com a atividade no Brasil. Foram listados
e explicados os principais problemas e fragilidades da atividade pesqueira,
com o propósito de se entender a atual situação pela qual vem passando.
I.1 – Categorias e finalidades da pesca extrativa marítima no Brasil
Subdividir a atividade pesqueira produtiva simplesmente em pesca
artesanal e industrial é discutível, uma vez que nem sempre se pode contar
com uma fronteira claramente definida entre as duas categorias. Isto se deve,
em grande medida, à particularidades desta atividade, extremamente variável
de região para região.
A definição de pesca “artesanal” e “industrial” modifica- se de acordo
com o estado ou a região e, mesmo entre os agentes, não existe um consenso
acerca das características que as distinguem. Por exemplo, um pescador
proprietário de uma única embarcação de pequeno porte, dedicada, no
entanto, à pesca da sardinha, se considera um pescador artesanal, mesmo que
sua produção esteja direcionada em sua totalidade ao setor industrial
(JABLONSKY, 1996).
Definir a pesca que utiliza barcos de pequeno porte, movidos a motor
de baixa potência, remo ou vela como pesca artesanal, no entanto, parece
senso comum, assim como identificar a pesca que utiliza grandes
embarcações com alguma tecnologia e grande poder de conservação e
armazenagem do pescado como pesca industrial.
Para melhor entender tal classificação, deve- se subdividi - la em outras
duas subcategorias. A pesca artesanal pode ser classificada como Pesca
Artesanal de Subsistência e Pesca Artesanal Comercial ou de Pequena Escala. E
a pesca industrial como Pesca Industrial Costeira e Pesca Industrial Oceânica.
Abaixo, as definições de cada uma delas:
a) Pesca Artesanal de Subsistência
A Pesca Artesanal de Subsistência tem como principal finalidade a
obtenção de alimentos para consumo próprio. Eventualmente, há
comercialização do excedente. É praticada com técnicas rudimentares,
possui pouca finalidade comercial e a eventual comercialização é
realizada pelo próprio pescador.
b) Pesca Artesanal Comercial ou de Pequena Escala
Combina a obtenção de alimento para consumo próprio com a
finalidade comercial. Utiliza barcos de médio porte, adquiridos em
pequenos estaleiros ou construídos pelos próprios pescadores. Podem
ter propulsão mecanizada ou não. Os petrechos e insumos utilizados
não possuem qualquer sofisticação. Utilizam normalmente
equipamentos básicos de navegação, em embarcações geralmente de
madeira, com estrutura capaz de produzir volumes pequenos ou
médios de pescado. Forma a maior porção da frota brasileira e acredita -
se responder por aproximadamente 60% do volume das capturas
nacionais.
c) Pesca Industrial Costeira
Realizada por embarcações capazes de operar em áreas mais distantes
da costa, explora recursos pesqueiros que se apresentam relativamente
concentrados. Possui mecanização a bordo para a operacionalização
dos petrechos de captura; propulsão motorizada, sempre com motores
diesel; equipamento eletrônico de navegação e detecção; e material do
casco de aço ou madeira. O segmento da pesca industrial costeira no
Brasil está concentrado na captura dos importantes recursos pesqueiros
nacionais tanto em volume como em valor da produção.
d) Pesca Industrial Oceânica
No Brasil, a Pesca Industrial Oceânica ainda é embrionária. Envolve, no
entanto, embarcações capazes de operar em toda a ZEE e até mesmo em
áreas oceânicas mais distantes, como em outros países. Estes barcos
possuem grande autonomia, podendo até mesmo industrializar a bordo
pescados capturados. São dotados de equipamentos de navegação e de
detecção de cardumes de altíssima tecnologia.
Ainda sim, tal classificação parte de um pressupos to errado: o de que a
pesca deixa de ser artesanal e passa a ser industrial a partir de um certo
tamanho de embarcação utilizada. Classificar a pesca por objetivo final,
portanto, se mostra o mais adequado. De acordo com o Projeto de Lei n° 687-
D, de 1995, a pesca pode ser classificada em comercial e não- comercial. A
pesca comercial inclui a pesca artesanal, a pesca de pequena escala e a pesca
de grande escala. Já a pesca não comercial envolve a pesca cientifica, a pesca
amadora e a pesca de subsistência. A seguir, a definição de cada classificação
da pesca comercial, que é a que nos interessa neste estudo:
a) Pesca Comercial Artesanal
Aquela que é praticada autonomamente, diretamente por pescador
profissional, com meios de produção próprios, sozinho ou com auxilio
de familiares, ou via contrato de parceria com outros pescadores.
b) Pesca Comercial de Pequena Escala
Praticada por pessoa física ou jurídica envolvendo, no entanto,
pescadores profissionais, com vínculo trabalhista ou via contrato de
parceria, utilizando embarcações de pequeno porte.
c) Pesca Comercial de Grande Escala
Praticada como a pesca comercial de pequena escala, porém utilizando
embarcações de grande porte. É geralmente praticada por indústrias
pesqueiras.
Classificar a pesca de acordo com estas definições parece mais
esclarecedor, portanto, já que o tamanho de uma embarcação nada pode dizer
sobre o objetivo da atividade. Como já visto, muitas vezes uma embarcação
pequena pode estar trabalhando para fins industriais e, contudo, o pescador
se considerar artesanal.
Quando falarmos nessa monografia, portanto, em atividade pesqueira
artesanal, estaremos referindo - nos à pesca comercial artesanal, ou seja, uma
atividade que se diferencia da pesca de subsistência porque envolve
comunidades costeiras que pescam não só para o seu consumo, mas também
para comercializar o pescado capturado.
A pesca industrial, ou seja, a pesca comercial de grande escala, é mais
importante nas regiões sudeste e sul e a pesca comercial artesanal e de
pequena escala é mais representa tiva do Nordeste. No entanto, esta
desempenha um importante papel em todo o País. Pode- se dizer, que esta
pesca é responsável hoje por cerca de 60% da produção pesqueira extrativa
nacional (DIAS- NETO; SACCARDO, 2002).
I.2 – Situação da pesca extrativa marítima no Brasil – Potencialidades do
setor pesqueiro e a importância socioeconômica da atividade para o
país
Primeiramente, é importante ressaltar a vocação natural do País ao
desenvolvimento da atividade pesqueira. Características naturais favorecem a
pesca: o país possui 8,5 mil km de extensão de costa marítima, sua ZEE
abrange mais de 4,3 milhões de km², metade de seu imenso território, e
condições climáticas contribuem para a grande diversidade de espécies
animais encontradas em suas águas. No entanto, em que pese os fatores
naturais propícios à piscosidade, a produção pesqueira brasileira tem ainda
pouca expressão quando comparada com a de outros países. Em 2000, ocupou
a 24º posição no ranking internacional, segundo a FAO.
Apesar das dimensões continentais do País e da extensão de sua costa,
não se pode comparar a produção pesqueira brasileira com a produtividade
de outros países, que apesar de possuírem uma costa menor produzem mais
do que o Brasil. É o caso, por exemplo, do Peru, Chile e Japão. Isto porque, ao
se fazer tal comparação, não se leva em consideração características de
produtividades de cada ambiente, do estágio tecnológico de cada país e do
fato de que alguns países pescam em várias partes do mundo, não se
restringindo apenas ao seu ambiente, como é o caso do Japão.
No caso do Peru, por exemplo, este também não pode ter sua
produtividade comparada com a do Brasil, apesar de possuir uma costa bem
menor, pelo fato de que metade de todas as áreas de ressurgência (fenômeno
que propicia a ocorrência de recursos pesqueiros) do mundo encontra - se na
costa peruana.
Inversamente, há uma expressiva parcela da população brasileira que
depende da atividade pesqueira, direta ou indiretamente, para se sustentar. A
pesca esteve presente na história do país desde os tempos da colônia e está
entre as atividades econômicas mais antigas e, por isso, mais tradicionais do
Brasil. Além disso, a preponderância da pesca artesanal, no ambiente
pesqueiro brasileiro, estabelece um fator adicional de importância sócio-
ambiental para este setor. Ao longo de toda a sua costa, inúmeras
comunidades pesqueiras nasceram nesses cinco séculos de história. Formou-
se um imenso contingente de pessoas que vivem da pesca e que necessitam
dela para sobreviver.
Pouco se sabe sobre o potencial pesqueiro da ZEE brasileira. Com o
objetivo de conhecê - lo melhor, o Programa “Avaliação do Potencial
Sustentável de Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva Brasileira” –
Programa REVIZEE, que resultou do IV PSRM (que vigorou entre 1994 e 1998),
foi desenvolvido através do envolvimento da comunidade científica nacional,
especializada em pesquisa oceanográfica e pesqueira, e o aproveitamento da
capacidade instalada das Universidades e Instituições de Pesquisas voltadas
para o mar. O V PSRM, vigente entre 1999 e 2003, manteve o programa como
prioridade. No entanto, o programa ainda não apresentou dados concretos e
ainda está em elaboração.
Os resultados preliminares do REVIZEE, no entanto, deixam claro que é
impossível aumentar de forma significativa - e não- predatória - a quantidade
de pescado marinho. A costa do Brasil é pobre em espécies comerciais e os
estoques das espécies mais exploradas estão quase ou totalmente exauridos.
(DIAS- NETO; MARRUL- FILHO, 2003.).
A pesca predatória é um problema antigo no Brasil. No entanto,
explorar os recursos pesqueiros de forma sustentável e responsável garantiria
o sustento e a sobrevivência de milhões de brasileiros. A atividade é grande
fornecedora de proteína animal para o consumo humano e, segundo
recomendações da FAO, o consumo mínimo de produtos pesqueiros deve ser
de 12 kg/hab /a no. No Brasil, esse consumo é de apenas 6,8 kg/hab /ano, de
forma que estimular e disseminar a atividade pesqueira significa a
possibilidade de aumentar a quantidade de proteína animal consumida pela
população brasileira, dando - se, assim, um grande passo no combate à
desnutrição e à fome.
Em termos econômicos, a atividade pesqueira no Brasil é responsável,
hoje, por 834 mil empregos diretos, 2,5 milhões de indiretos e por uma renda
anual de 4 bilhões de reais, de acordo com dados da SEAP. Em verdade, a
Pesca é uma das poucas atividades econômicas que absorve mão- de- obra sem
nenhuma ou com pouca especialização, e a única esperança de trabalho para
certos grupos da população brasileira.
O setor pesqueiro nacional conta com um parque industrial composto
por cerca de 300 empresas voltadas à captura e ao processamento do produto.
Portanto, o desenvolvimento do setor pesqueiro é fundamental para o
crescimento econômico, propiciando distribuição de renda, ampliação dos
postos de trabalho e melhoria do bem- estar de seus trabalhadores. (DIAS-
NETO; MARRUL- FILHO, op. cit.).
No entanto, devido a características históricas e intrínsecas ao setor,
trata - se de uma atividade muita sensível à oscilações, mal organizada
socialmente e de difícil regulação. No item seguinte, fizemos um breve resumo
da história do setor pesqueiro no Brasil, de forma a entender suas fragilidades
estruturais, ligadas à organização social do setor e às políticas públicas
implementadas.
I.3 – A história da atividade pesqueira extrativa marítima no Brasil
A atividade pesqueira está presente no Brasil desde os tempos da
colônia. Até a década de 60, era predominantemente artesanal e sua
comercialização destinada basicamente ao mercado interno. Em termos de
beneficiamento e industrialização do pescado, o máximo que existia era a
salga e algumas poucas iniciativas da indústria do enlatado - caso da
sardinha.
A pesca industrial começou a se desenvolver a partir da década de 60,
voltada, porém, para o mercado externo e graças a uma política de incentivos
governamentais. Como conseqüência, houve uma significativa expansão do
parque industrial pesqueiro, em especial a ampliação da indústria de
enlatados de sardinha. Posteriormente, indústrias de beneficiamento de
outras espécies, como o atum e afins, tiveram também seus parques
industriais ampliados.
O fim dos anos 80 se caracterizou pelo otimismo em relação às
possibilidades de crescimento da produção pesqueira nacional. Isto porque se
acreditava na infinita disponibilidade de recursos pesqueiros brasileiros, e no
emprego de tecnologia intensiva para se alcançar o desenvolvimento
acelerado da pesca no país. (PAES LEME, 2000).
Contudo, o esforço realizado no sentido de alavancar o crescimento do
setor pesqueiro foi direcionado apenas para um pequeno grupo de espécies, o
que resultou no comprometimento de alguns dos nossos principais estoques
pesqueiros. Além disso, contribuiu com tal fato, o superdimensionamento do
parque industrial pesqueiro devido ao incipiente conhecimento técnico-
científico sobre os recursos pesqueiros existentes.
Todos esses fatores levaram, nas últimas décadas, à diminuição da
produção pesqueira marinha brasileira.
Com o objetivo de modernizar a pesca, o País adotou uma série de
políticas públicas entre fins da década de 60 e o início dos anos 80, que
incluíam incentivos fiscais e creditícios. Tais iniciativas estavam ligadas ao
modelo econômico vigente, concentrador de capital, exportador,
tecnologicamente intensivo e predador dos recursos naturais.
Tal racionalidade imediatista levou à exploração sem limites dos
recursos pesqueiros, que se refletiu na produtividade destes ao longo dos
anos. Como pode ser observado na Figura I.1., a série histórica oficial
disponível sobre a produção nacional de pescado, entre 1960 a 1999, mostra
uma tendência crescente até 1985, quando atingiu 971.500 ton, sendo 78%
oriundas de águas marítimas. A partir daí, verificou- se um declínio da
produção e em 1990 a produção foi de apenas 640.300 ton, das quais 68%
foram oriundas de águas marítimas. Nos últimos anos, no entanto, observa- se
uma leve recuperação, sendo que em 1999 a produção pesqueira foi de
744.600 ton, das quais 60% foram de águas marítimas. Assim, a recuperação
da produção parece estar relacionada ao incremento das capturas em águas
continentais (DIAS- NETO; SACCARDO, op. cit.).
Figura I.1 Produção Brasileira de Pescado Marítima, Continental e Total
Fonte: O estado dos recursos pesqueiros: pesca extrativa eaquicultura (Dias- Neto J. e Saccardo, S. A.), In: Geo Brasil2002 – Perspectiva do Meio Ambiente No Brasil, Brasília,Edições Ibama, 2002 – 132- 147 P.
Em termos de políticas públicas, três fases são reconhecidas como
épocas em que a pesca recebeu atenção especial por parte do governo: até a
década de 30, na Era Getulio Vargas e a partir dos anos 60. Abaixo, resume - se
cada uma dessas fases:
a) até os anos 30, a Cruzada da Marinha organizou colônias de
pescadores e prestou assistência direta às comunidades pesqueiras
em toda a costa brasileira.
b) Na Era de Getulio Vargas, com a política de nacionalização da pesca,
investiu - se em infra - estrutura de apoio à comercialização do
pescado, em assistência social, em escolas de pesca e em um banco
exclusivo para financiar a atividade, a Caixa de Crédito da Pesca.
c) A partir dos anos 60, a pesca passou a ser reconhecida como
indústria, recebendo, assim, incentivos fiscais. Nesta fase, criou- se a
SUDEPE com o objetivo de fortalecer a atividade, estimulando a
exportação e captando recursos externos. Também nessa fase,
incentivou - se a pesquisa e o levantamento dos recursos pesqueiros.
Além disso, buscou - se a mobilização da classe produtiva, com a
organização de 53 cooperativas de armadores e pescadores, e
realizaram - se grandes eventos promocionais do setor.
No entanto, a preocupação com o desenvolvimento sustentável nas
políticas de incentivo ao setor pesqueiro era praticamente nula. No período
que se estende da década de 60 até o fim dos anos 80, atingiu - se o apogeu e o
declínio do modelo implantado pela SUDEPE, que foi extinta em 1989,
juntamente com as estruturas governamentais de apoio e de estímulo ao
setor.
I.3.1 – Organização social
A partir de 1919, as primeiras Colônias de Pescadores foram criadas no
Brasil, ao longo de toda a costa, através de Cruzadas da Marinha, lideradas
por Frederico Villar. 1 O discurso utilizado para criar as colônias baseou - se na
defesa das fronteiras nacionais, um dos objetivos do País após a primeira
guerra mundial, já que na percepção do governo, ninguém melhor do que os
pescadores para conhecer o litoral brasileiro. O lema das colônias, por conta
disto, era “Pátria e Dever”, o que evidenciava o pensamento positivista dos
militares. No entanto, a estrutura dessas novas colônias determinava que
somente seus sócios poderiam exercer oficialmente a profissão de pescador, o
que apesar de ter contribuído para um certo sentido de corporação, não
permitia esquecer que eram entidades criadas pelo governo, não sendo livres
associações de classe.
Ainda hoje, algumas forças atuam no sentido de controlar a força de
trabalho dos pescadores organizados em colônias. É o caso de armadores e
industriais da pesca, e presidentes de colônias que não são pescadores, e que
geralmente estão ligados a algum político local. (DIAS- NETO; MARRUL- FILHO,
op. cit.).
As Colônias de Pescadores de um determinado estado integram uma
Federação de Pesca e o seu conjunto forma a CNP, criada em 1920. Contudo,
durante muito tempo tal instituição esteve fortemente relacionada ao
aparelho de Estado, de forma que o cargo de presidente da confederação,
segundo o próprio estatuto, teria que ser de confiança do Ministro da
Agricultura (DIEGUES, apud. DIAS- NETO; MARRUL- FILHO, op. cit.)
Com a instituição do Estado Novo, na Era Vargas, a organização dos
pescadores passou a se subordinar ao Ministério da Agricultura, deixado de
estar sob o controle do Ministério da Marinha. Foi criada assim, a Divisão de
Caça e Pesca, cujo objetivo era gerenciar a atividade pesqueira no Brasil.
Em 1942, novamente depois de uma guerra mundial, desta vez a
segunda, o controle das colônias passou a ser de responsabilidade do
Ministério da Marinha. Na década de 60, a divisão de caça e pesca foi extinta, e
foi criada a SUDEPE, que tinha como finalidade promover, desenvolver e
fiscalizar a atividade.
1 O Capitão- de- Mar- e- Guerra Frederico Villar comandou a primeira tentativa de organizar a pescaartesanal no País, no período de 1919- 1923, ao percorrer toda a costa brasileira e o rio Amazonas,organizando os pescadores em colônias e levando serviços de saúde e educação.
No final da década de 60, o Estado incentivou a implementação da
indústria pesqueira nacional, de modo que a pesca artesanal foi perdendo aos
poucos seus incentivos. Entre os anos de 1967 e 1977, a pesca artesanal
recebeu apenas 15% do que foi investido na indústria pesqueira, facilitado por
incentivos fiscais (DIAS- NETO; MARRUL- FILHO, op. cit.).
Em 1980, surgiu a Pastoral dos Pescadores, órgão ligado à CNBB que
tinha como intuito contemplar temas como: representação democrática,
comercialização, aposentadoria e previdência social.
Além da Pastoral dos Pescadores, foi criada em 1988 a MONAPE, com o
objetivo de levar adiante o trabalho de organização dos pescadores. Juntas,
essas duas associações são consideradas mais modernas do que o sistema que
culmina na CNP, já que são autênticas representações do setor. Contudo, o
conflito entre os três sistemas tem dificultado a negociação dos interesses da
classe.
Quanto à Pesca Industrial, seus representantes são associados à
CONEPE, antiga ANEPE, que se destacou na luta pela manutenção dos
incentivos fiscais e pela associação de empresas brasileiras ao capital
estrangeiro.
A CONEPE tem se caracterizado pela alternância de lideranças regionais
que defendem interesses específicos, como incentivos e exportações, não se
verificando a preocupação em se organizar um setor social, mas sim de apoiar
interesses particulares em circunstâncias determinadas (SILVA FILHO, 1985,
apud. DIAS- NETO; MARRUL- FILHO, op. cit.)
I.4 – Situação da pesca extrativa marítima mundial
Nos últimos 50 anos, a atividade pesqueira extrativa marinha cresceu de
forma tão rápida que, segundo dados de 1999, estima- se que cerca de 75%
dos estoques de peixes marítimos do mundo se encontram, plenamente
explotados, sobrepescados, esgotados ou se recuperando da sobrepesca. (FAO,
2000).
.
Conforme já mencionado, os recursos pesqueiros marinhos não são
inesgotáveis, apesar de recurso natural renovável, e tal fato já é reconhecido.
A despeito disso, é cada vez maior o número de espécies exploradas
excessivamente. Pensando nisso, no início dos anos 90, a comunidade
internacional resolveu abordar diversas questões relacionadas ao
ordenamento pesqueiro mundial, com o objetivo de desenvolver a pesca de
forma sustentável. Debateu - se temas como a redução da sobrepesca e o
controle do esforço de pesca, a redução de capturas acidentais, a diminuição
da degradação ambiental nas áreas costeiras e/ou de captura e redução das
incertezas e os riscos inerentes à atividade pesqueira.
A partir daí, surgiu o conceito de “pesca responsável” e foi elaborado o
Código de Conduta para a Pesca Responsável, aprovado em conferência da
FAO, em 1995. As diretrizes de tal código foram assunto principal de recente
reunião do Comitê de Pesca da FAO, realizada em 2000. Na mesma ocasião,
recomendou - se sua urgente divulgação e aplicação pelos países membros e
signatários. 2
I.5 – Problemas e fragilidades da atividade pesqueira
A economia dos recursos naturais é um campo da teoria econômica que
emerge das análises neoclássicas a respeito da utilização de todos os recursos
naturais, que podem ser renováveis ou não renováveis. Os recursos
pesqueiros são considerados recursos naturais renováveis pela teoria
econômica. Contudo, por se localizarem em espaços de uso comum,
vulneráveis ao livre acesso e, por isso, susceptíveis de apropriação privada,
esses recursos podem vir a se esgotar e tornarem - se não renováveis.
A capacidade de renovação de um recurso renovável é limitada pela
estrutura genética das espécies e pela dinâmica dos ecossistemas onde
habitam, de forma que seu estoque não é fixo, já que cresce quando há
condições para tal. Além disso, sua expansão está submetida a um limite
máximo, chamado de capacidade de suporte (carrying capacity ) do sistema.
Por outro lado, a dinâmica econômica interfere no declínio do estoque de um
recurso na medida em que sua taxa de extração passa a exceder sua taxa de
crescimento.
2 Ver em Anexo os 19 princípios do Código de Conduta para a Pesca Responsável
O modelo geral de exploração dos recursos naturais renováveis se
baseia no princípio do “ótimo econômico”, através do qual o produtor procura
conhecer as condições favoráveis para obter o lucro máximo. Ou seja, como o
estoque de um recurso em qualquer tempo é resultado da diferença entre a
sua taxa natural de recomposição e sua taxa de exploração naquele momento,
o lucro obtido através da exploração desse recurso depende dessas duas
variáveis.
De acordo com o modelo de gestão de pesca, baseado na “lei da
logística”, de 1838, assume - se que o recurso pesqueiro tem uma capacidade
de crescimento populacional dada pela função g(x), onde x é a quantidade de
recurso existente. A representação gráfica desta função é apresentada na
Figura I.2 abaixo. O crescimento inicial não pode continuar indefinidamente
em razão da competição entre os animais: a quantidade de alimentos
disponível só permite que XC peixes sobrevivam em um determinado
ambiente. XC, que é a chamada capacidade de suporte do sistema (carrying
capacity ), é o numero máximo de peixes que existe no ambiente antes que a
população se torne negativa (colocar mais peixes nesse ambiente faria a
população diminuir).
O ponto onde o crescimento da população de peixes é máximo, ou seja,
o ponto de inflexão da curva, é chamado de PMS – Produção Máxima
Sustentável.
Figura 1.2 – Capacidade de suporte e rendimento máximo sustentável
Fonte: MARGULIS, S. (Editor) Meio Ambiente: Aspectos Técnicose Econômicos. Brasília: PNUD, 1996, p.167.
Dessa forma, levando em consideração a dinâmica populacional dos
peixes, as opções para quem os explora, assumindo - se a hipótese de um
único proprietário para esses recursos, seriam as seguintes: extrair tudo e não
ter mais nada para extrair nos próximos anos; não extrair nada, mantendo o
estoque em XC; extrair PMS anualmente por tempo indeterminado e ainda
conservar o estoque XPMS do recurso.
Entretanto, por mais que pareça, manter o nível de peixes em PMS quase
nunca é a melhor estratégia econômica. Isto porque, supondo que o custo da
pesca seja nulo, se r (a taxa de juros da economia) é maior que t (taxa de
crescimento populacional dos recursos pesqueiros) o ganho “líquido” que se
pode auferir com a pesca é menor do que o que se verifica em outras
atividades da economia. Se r for muito alta, será mais vantajoso, do ponto de
vista econômico, esgotar todos os recursos e investir em outra atividade.
Porém, se r for nula (situação que não existe na realidade), será vantajoso
deixar alguma pescaria para o futuro. Ou seja, quando a taxa de juros da
economia e os custos de pescaria forem nulos, situação hipotética, o ótimo
econômico coincidirá com a PMS.
Como acabamos de ver, no caso de um único proprietário dos recursos
naturais renováveis, é normal que se decida por exauri - los, e para isso basta
que o valor presente de sua produção potencial futura seja baixo demais
comparado com o esgotamento imediato dos recursos. Porém, quando se trata
de um ambiente cujos recursos naturais não possuem proprietários definidos,
é ainda mais provável que ocorra a exaustão já mencionada.
O problema relacionado a recursos pesqueiros que são de propriedade
comum é que cada indivíduo chega no ambiente querendo pescar o máximo
Prod u ção Máxim a
g (x)
Crescim en to
Es toqu e0 X
PMS XC
Cap acid ad e d e su p or te
possível, sem pensar que se todos fizerem isso, os recursos se esgotarão em
pouco tempo. Em segundo lugar, ignoram - se os royalties, ou seja, a renda que
se poderia obter no futuro explorando - os de forma sustentável.
A racionalidade do pescador é a seguinte: se o lucro que ele obtiver com
a pesca for menor do que o custo de pescar (incluída a “renda de
oportunidade”, que é o que ele poderia receber se estivesse trabalhando em
atividade alternativa à pesca), ele abandona a atividade pesqueira. Porém,
quando um pescador resolver explorar os recursos pesqueiros de uma região,
ele não pensa na produtividade marginal da atividade (que se altera com a
entrada de um novo participante), mas sim na produtividade média. E
enquanto esta for maior que o seu custo, o pescador continua na atividade, já
que estará recebendo um salário equivalente maior do que o seu custo. Além
disso, novos pescadores irão aderir à pesca, o que terá como conseqüência a
queda da produtividade média até o custo novamente. Só haverá equilíbrio
quando a produtividade média for igual ao custo. Mas isto resultará em um
lucro total (que é dado pela produtividade total menos o custo total) igual a
zero. Este é o dilema do recurso natural renovável de propriedade comum: o
lucro é de todos, mas ninguém pode se apropriar dele.
Segundo Gordon (1959), essa teoria explica a pobreza característica dos
pescadores, a despeito da eventual riqueza em termos naturais do lugar onde
atue e da impressionante capacidade de reprodução de alguns peixes. Um
pescador só poderá enriquecer caso tenha a chance de realizar a “grande
pescaria” ou se participar da atividade de forma controlada socialmente,
tornando o bem de propriedade privada. Já segundo Hardin (1968) os
recursos de acesso comum são destinados à tragédia ambiental e econômica
causada pela superexploração, pelo fato de que a produção sempre ficará
acima da produção máxima sustentável. (BARBOSA; LEITE- FILHO, 2001)
Outro problema da atividade, no caso da modalidade artesanal, é a
dificuldade de organização social já que seus praticantes passam a maior
parte de seu tempo no mar e que possuem, geralmente, baixa escolaridade.
Conforme vimos na seção I.3.1, a história da organização do setor no Brasil foi
marcada por imposições por parte do governo, e pela criação de entidades
cujos líderes não era participantes legítimos do setor.
Problema comum à pesca artesanal e industrial é a superexploração de
recursos pesqueiros, que ocorre em todo o mundo atualmente. Há alguns
mecanismos para combatê - la, entre eles definir um direito de propriedade
sobre os bens. É o caso, por exemplo, da definição das 200 milhas marítimas a
partir da costa de um país como sua ZEE. Outros mecanismos são: taxar a
produção, impor ineficiências tecnológicas e fixar quotas de pesca.
A pesca é uma atividade que, por sua importância socioeconômica, por
envolver recursos naturais renováveis, porém em estado avançado de
exaustão, e por suas fragilidades, merece ser regulada e encarada com atenção
por parte de autoridades e por outras atividades que usam o mesmo meio.
No capítulo seguinte, realizamos uma caracterização da atividade
petrolífera marítima, em especial as fases de sísmica e de perfuração. Tal
atividade convive no mesmo espaço físico da atividade pesqueira e, por isso,
provoca impactos, os quais serão diagnosticados no capítulo II..
CAPÍTULO II – A ATIVIDADE PETROLÍFERA OFFSHORE(FASES DE
SÍSMICA E DE PERFURAÇÃO DE POÇOS EXPLORATÓRIOS) EPOTENCIAIS IMPACTOS À ATIVIDADE PESQUEIRA ARTESANAL
O objetivo deste capítulo é contextualizar a indústria do petróleo no
ambiente marítimo, focando na atividade de exploração (fases de aquisição de
dados sísmicos e de perfuração de poços exploratórios) de maneira a
confrontá - la com a atividade pesqueira marítima, já que as duas ocupam o
mesmo espaço, resultando, por conseguinte em impactos diretos à pesca.
No Brasil, os conflitos se agravaram após a flexibilização do monopólio
da PETROBRAS e a conseqüente abertura do mercado à empresas estrangeiras.
II.1 – A atividade petrolífera offshore
Para que haja petróleo num ambiente, é necessário que tenha havido,
em algum momento, vida animal ou vegetal de pequeno porte e em grande
quantidade. Além disso, ao morrerem, esses seres vivos liberam matéria
orgânica e, para que isto ocorra, o solo ou o substrato oceânico tem que
possuir depressões, ou seja, devem ocorrer em Bacias Sedimentares. E ainda, a
matéria orgânica deve estar protegida da ação de bactérias aeróbicas, o que
significa que tem que estar protegida por sedimentos para que não haja
contato com oxigênio. Reunidas essas condições, e adicionado tempo, pressão
e temperatura, pode haver a formação de hidrocarbonetos, cuja mistura
origina o petróleo e/ou o gás natural.
Porém, mesmo que uma Bacia Sedimentar satisfaça todas essas
condições, não há garantia da existência de petróleo. Isto porque o petróleo
tem a propriedade de migrar da rocha geradora para outra rocha. Portanto,
para tal verificação, é necessário realizar - se a exploração, primeiro através da
sísmica e depois através da perfuração.
Bacias Sedimentares podem ocorrer tanto no continente como em
ambientes marinhos. A exploração marinha de petróleo apresenta um
diferencial em relação à exploração continental: a profundidade a ser vencida,
antes de se chegar ao substrato a ser explorado. De acordo com a
profundidade da bacia, a exploração ocorre em águas rasas (até 400 metros),
águas profundas (400 a 1000 metros) ou águas ultra - profundas (acima1000
metros). 3
Até a década de 60, a exploração e produção de petróleo eram
direcionadas para as bacias continentais, pois pensava - se que o petróleo
existente em ambiente marinho fosse de difícil prospecção. Hoje em dia, a
prospecção offshore é responsável pela maior parte do atual suprimento de
hidrocarbonetos e seus derivados, nacionalmente (PETROBRAS, 2002).
II.2 – Histórico da atividade petrolífera offshore no mundo
Desde os anos 40, o acesso ao petróleo pelos países consumidores
era relativamente fácil em decorrência dos preços estáveis. Alguns países
produtores do Oriente Médio, contudo, vinham pressionando as grandes
companhias internacionais, que possuíam concessão para atuar em tais
países, a aumentar suas participações no preço final. Para legitimar tal
movimento, em 1960 foi criada a OPEP.
Na década de 70, os Estados Unidos passaram a apoiar a OPEP a elevar o
preço do petróleo e incentivar a atuação de companhias independentes, com o
objetivo de enfraquecer o poder das grandes companhias e garantir seu
suprimento interno, acontecimento que ficou conhecido como Acordo de
Teerã.
Apesar do objetivo inicial do Acordo de Teerã, de incentivar
companhias independentes, alguns países da OPEP, entre 1970 e 1971,
passaram a nacionalizar suas concessões, tendo como exemplos mais
importantes, a Argélia, a Líbia, o Iraque e o Irã. As grandes companhias
pediram, então, para discutir com a OPEP a nova ordem da indústria do
petróleo, sem chegar, no entanto, a nenhuma conclusão. Em 1973, eclodiu a
Guerra do Yon Kippur , causada pela invasão de Israel por parte de Egito e
Síria, que buscavam recuperar as regiões perdidas na Guerra dos Seis Dias, em
1967. Em resposta aos países como os Estados Unidos, que ajudaram Israel a
recuperar os territórios perdidos e decretar o cessar - fogo através de
3 No Brasil, o ELPN/IBAMA – Escritório de Licenciamento de Atividade de Petróleo e Nuclear do InstitutoBrasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – órgão responsável pelolicenciamento ambiental das atividades petrolíferas considerada águas rasas profundidades abaixo de60 metros, águas intermediárias entre 60 e 200 metros e profundas acima de 200 metros(INFORMAÇÃO TÉCNICA ELPN/IBAMA n° 023/02, 2002)
armamentos e suprimentos, a OPEP, cuja maioria era composta por países
islâmicos decidiu aumentar os preços do petróleo, cortar os custos de
produção e embargar o óleo destinado a estes países que apoiaram Israel. O
embargo foi suspenso em 1974, graças à manobra das grandes companhias
petrolíferas e de países aliados dos Estados Unidos, como, por exemplo, o Irã.
Este período, entre o início da Guerra de Yon Kippur e o embargo de óleo,
ficou conhecido como o Primeiro Choque do Petróleo.
O choque do petróleo de 1973 deu o impulso necessário à exploração
do petróleo existente em ambiente marinho. Isto porque, com o aumento
brusco do preço do petróleo e a possibilidade de escassez do produto no
mercado, os países consumidores passaram a desenvolver programas de
economia de combustíveis e de geração de energias alternativas. Ao mesmo
tempo, buscou - se encontrar novas jazidas de petróleo em países não
pertencentes à OPEP, e em regiões consideradas inviáveis economicamente
devido à complexidade de seus ambientes, o que incentivou a exploração
offshore em locais como o Mar do Norte, por exemplo.
Mesmo antes do primeiro choque do petróleo, o Brasil desenvolvia
exploração na costa brasileira, em Sergipe, Alagoas, Rio Grande do Norte e
Bahia, iniciado nos anos 60. No entanto, após o primeiro choque do petróleo,
tais atividades foram intensificadas conforme será visto no próximo item.
Cabe ressaltar que as companhias americanas de petróleo que atuavam
no Golfo do México já desenvolviam tecnologia para exploração offshore desde
o final dos anos 50, e durante toda a década de 60. De forma que, quando os
países do Mar do Norte e o Brasil decidiram se dedicar ao desenvolvimento da
produção de petróleo em alto mar, as bases tecnológicas já estavam lançadas.
II.3 – Histórico da atividade petrolífera offshore no Brasil
No fim dos anos 60, a exploração de petróleo ao redor do mundo tendia
a se estender ao ambiente offshore , o que acabou por estimular o Brasil a
entrar nesta empreitada tendo em vista o sucesso dos Estados Unidos na
exploração do Golfo do México.
Cerca de três anos antes do primeiro choque do petróleo, em 1969, o
então presidente da PETROBRAS, Ernesto Geisel, assumiu a posição oficial de
incrementar a produção nacional de petróleo offshore . Após o primeiro
choque, em 1975, Geisel, desta vez como Presidente da República, solidificou
sua posição de que, a partir daquele momento, dedicaria suas atividades
petrolíferas ao ambiente marítimo, em detrimento das atividades em bacias
terrestres, devido ao insucesso destas, conforme declarou em discurso no
qual divulgou as metas do II PND. Este plano visava, entre outros objetivos,
assegurar o monopólio da PETROBRAS e reduzir a dependência ao petróleo
estrangeiro. Tal iniciativa era assentada numa base institucional, representada
pelos Contratos de Risco. Entre os diversos pontos do discurso, havia o
estabelecimento de um programa voltado para a exploração da Bacia de
Campos, descoberta um ano antes, em 1974. Em 1973, a PETROBRAS havia
encontrado petróleo na costa do Rio Grande do Norte.
Na Tabela II.1, podemos notar a importância da fase de Contratos de
Risco (1976/1997) para a atividade de exploração no país, comparando - a com
o resto do período de monopólio da PETROBRAS: 71% dos campos descobertos
num período de 43 anos (1954/1997) foram descobertos em 12 anos
(1976/1988). Principalmente, no que diz respeito à exploração offshore , na
vigência dos contratos de risco, ocorreram 94% das descobertas de campos de
petróleo do período de monopólio da PETROBRAS.
Tabela II.1 - Campos descobertos 1954 / 1 9 97CAMPOS DESCOBERTOS
Ano Terrestres Marítimos
1954 a 1997 209 79Contratos de Risco(1976/1988)
122 74
Fonte: ANP (2002a).
Hoje em dia, a produção de petróleo e gás natural offshore é
responsável pela maior parte do suprimento nacional, como pode ser visto no
Gráfico II.1 abaixo, com dados de 2002.
Gráfico II.1: Produção de Petróleo e Gás Natural em 2002
Fonte: PETROBRAS (2002). In: LUCZYNSKI, Estanislau, 2002.
II.4 – Situação da indústria mundial de petróleo
A indústria do petróleo vem passando por importantes mudanças nos
últimos anos, em razão da progressiva eliminação das fronteiras nacionais
para as atividades de exploração e produção do insumo.
Atualmente, dentre os países que possuem produção significativa de
óleo e gás, somente o México e a Arábia Saudita ainda não abriram suas
atividades de exploração e produção de petróleo para empresas estrangeiras.
O México, no entanto, já vem mostrando sinais de flexibilização do atual
modelo, através do Contrato de Serviços Múltiplos que marca o ingresso, pela
primeira vez, de petroleiras estrangeiras em território mexicano.
Em relação aos mercados recém- abertos, destacam - se os dos países do
Leste Europeu, da Índia, da China e da América Latina. Na figura II.1, pode- se
visualizar a atual situação dos países em relação à abertura de seus mercados
petrolíferos.
Figura II.1 Exploração e Produção de Óleo e Gás – Abertura dos Mercados
Producão de Petróleo e de Gás Natural
16%
84%
Terra
Mar
Fonte: UKOOA (2000). In: BNDES, 2000.
II.5 – Panorama atual da indústria brasileira de petróleo
No processo de abertura das fronteiras nacionais para a exploração e
produção de petróleo, o Brasil, assim como os países do Cone Sul vêm
procurando intensificar o desenvolvimento de sua indústria de petróleo a
partir da atração de investidores internacionais.
Durante muito tempo, toda a cadeia produtiva do petróleo esteve sob o
monopólio da PETROBRAS, com exceção do setor de distribuição de derivados
de petróleo, aberto à competição. A abertura do setor de petróleo no País teve
como primeiro passo a quebra do monopólio através da Emenda
Constitucional N° 9 e de sua regulamentação, através da Lei N° 9.478, a
chamada Lei do Petróleo, editada em 1997. Esta criou a ANP, Agência Nacional
do Petróleo, órgão que passou a ser responsável pela regulação, contratação e
fiscalização das atividades econômicas da Indústria do Petróleo. Logo depois,
foi construído um arcabouço para regular cada setor dessa indústria.
No que diz respeito à exploração e produção de petróleo, a ANP,
cumprindo a Lei do Petróleo, anunciou em 1998 as áreas que seriam mantidas
como concessão da PETROBRAS e as áreas que ficariam com o Poder
Concedente para futuras licitações.Como resultado, 92,9% das 26 bacias
sedimentares brasileiras (a área total é 6.436.000 km²) permaneceram com a
ANP e apenas 7,1% foram mantidas pela PETROBRAS, que teria seus direitos
assegurados sobre as áreas em desenvolvimento em que houvesse realizado
investimentos e sobre cada campo que já estivesse em produção na data da
vigência da Lei. As primeiras concessões, portanto, foram realizadas à
PETROBRAS, e ficaram conhecidas como “Rodada Zero” ou “Brasil Round 0”
Em 1998, a ANP iniciou o processo de licitação daquelas áreas que
ficaram em seu poder. A primeira rodada de leilões aconteceu em 1999 (12
blocos concedidos), a segunda em 2000 (21 blocos concedidos), a terceira em
2001 (34 blocos concedidos), a quarta em 2002 (21 blocos concedidos) e a
quinta em 2003 (101 blocos concedidos).
Como resultado, hoje atuam no país 38 concessionárias de exploração e
produção de petróleo e gás natural, provenientes de 15 países. A lista de
concessionárias inclui 10 empresas de capital nacional.
As empresas vencedoras devem pagar o bônus de assinatura (valor
monetário oferecido pelo bloco no leilão) e comprometer - se a adquirir bens e
serviços brasileiros. Nas cinco rodadas já realizadas, a arrecadação para a
União em bônus de assinatura foi superior a R$ 1,5 bilhão.
Os Contratos de Concessão são divididos em duas fases: Exploração e
Produção. A fase de exploração tem duração de 2 a 8 anos, durante as quais
as empresas realizam trabalhos de aquisição de dados geofísicos (como a
atividade sísmica) e perfuração de poços. No caso de descoberta comercial,
entra - se na fase de produção, na qual realizam - se investimentos necessários
para o desenvolvimento do campo descoberto. Neste caso, além de impostos e
taxas usuais, as empresas deverão pagar royalties e participações.
O esforço exploratório, incluindo as atividades de sísmica e de
perfuração, vem se intensificando cada vez mais nos últimos anos. Nas
tabelas abaixo, verifica- se uma comparação desse esforço em dois períodos
relevantes para a história da indústria do petróleo no Brasil: de 1954 a 1997,
durante o monopólio da PETROBRAS, e de 1998 a 2001, após a quebra desse
monopólio. É importante ressaltar que no caso da tabela de atividades de
sísmica, leva- se em consideração a sísmica em terra e no ambiente marítimo.
Já no que diz respeito à atividade de perfuração, a tabela está dividida em
atuação em poços terrestres e em poços marítimos.
Tabela II.2 – Atividades de Sísmica no Brasil – 1995 / 1 9 9 7 e 1998 / 2 001SÍSMICA
Ano Levantamentos2D*
Levantamentos3D*
1954/1997
1.194.675 km 45.124 km²
1998/2001
329.200 km 128.500 km²
Fonte: ANP (2002a)
Tabela II.3 – Atividades de Perfuração no Brasil – 1995 / 1 9 97 e 1998 / 2 00 1PERFURAÇÃO
Ano Poços Terrestres Poços Marítimos1954/1997
3.250 1.465
1998/2001
107 162
Fonte: ANP (2002a)
Conforme as duas tabelas acima, as atividades de sísmica e de
perfuração da fase pós- quebra do monopólio até 2001 (ou seja, um período
de três anos), se comparadas com a fase de monopólio (que durou 43 anos),
foram muito mais intensas.
Durante a fase de monopólio, a PETROBRAS levantou 1,12 milhão de km
de sísmica 2D e 45 mil km² de sísmica 3D. Nos últimos anos, diversas
empresas produziram 329.200 km de dados 2D e 128.500 km² de dados 3D.
No entanto, segundo Sérgio Potasso, superintendente de gestão de
informações e dados técnicos da ANP, deve- se evitar comparações, já que há
uma grande diferença entre as condições existentes durante o monopólio
estatal e a competição entre as empresas no período recente. Além disso, o
método mais utilizado hoje, a aquisição de dados 3D, não era muito
desenvolvido na época. (ZAIDER, 2001).
Em relação à atividade de perfuração dos poços houve um grande
incremento, principalmente no ambiente marítimo: de 1998 a 2001, uma
média de 54 poços foram perfurados por ano e de 1954 a 1997, 34 poços, em
média, foram perfurados por ano no ambiente marítimo.
II.6 – A fase de aquisição de dados sísmicos em ambiente marítimo
Neste item, serão apresentados: o método de aquisição de dados
sísmicos, a atividade sísmica no Brasil, e as interferências entre as operações
sísmicas e a atividade pesqueira.
II.6.1 – O método sísmico
O objetivo da aquisição de dados sísmicos é mapear estruturas
geológicas, de forma a identificar as que possam vir a possuir acumulações de
óleo e/ou gás em condições e quantidades que permitam seu aproveitamento
econômico. O método consiste na geração de energia, que se propaga sob a
forma de ondas acústicas na crosta terrestre.
No caso da sísmica marítima, as ondas acústicas são geradas por uma
fonte que libera ar comprimido à alta pressão, diretamente na água. Essas
ondas acústicas atingem o fundo do mar, onde parte é refletida, parte é
refratada e uma terceira parte é transmitida para as camadas rochosas
subjacentes.
A energia refletida é captada por hidrofones dispostos ao longo de
cabos sismográficos, que são carregados pela embarcação sísmica. Essa
energia captada é convertida pelos hidrofones em sinais elétricos que são
transmitidos para o sistema de registro e processamento, instalado a bordo
do navio. Os dados sísmicos são, dessa forma, processados através de
softwares específicos e interpretados, permitindo a localização de estruturas
geológicas favoráveis à acumulações de óleo e/ou gás.
As operações de sísmica são realizadas por embarcações propriamente
equipadas, em áreas selecionadas previamente e demarcadas por uma malha
sísmica, que determina a trajetória de uma ou mais embarcações.
Os navios sísmicos são equipados com grupos de canhões de ar e, na
maior parte das vezes, rebocam cabos sismográficos com comprimentos que
variam entre 4 km e 16 km, ocupando uma área em torno de 10 km² e se
deslocando a uma velocidade média de 15 km/h. A atividade é realizada
ininterruptamente 24 horas por dia, com disparos realizados de forma regular
em intervalos de 4 e 15 segundos. Por esses motivos, em local de aquisição de
dados sísmicos, outras atividades não podem ser desenvolvidas.
Duas modalidades de posicionamento de cabos sísmográficos podem
ser utilizadas numa operação de aquisição de dados sísmicos: podem ser
utilizados cabos flutuadores (“streamers ”) ou cabos de fundo (“OBC – Ocean
Bottom Cable”). A primeira é utilizada, geralmente, em águas a partir de 20 m
de profundidade. A segunda modalidade, que espalha os cabos sismográficos
no fundo do mar, é empregada, normalmente, em áreas de transição
(mar / ter ra) e em áreas de grande atividade produtora de petróleo, onde ha
obstruções como plataformas que não permitem a operação de barcos
sísmicos tradicionais rebocando quilômetros de cabos.
Existem, ainda, duas técnicas de levantamento de dados sísmicos para a
fase pré- perfuração: a 2D e a 3D. A Técnica de Levantamento 2D é utilizada
no inicio da exploração. Na maioria das vezes, um navio sísmico reboca a
fonte de energia – geralmente um canhão de ar comprimido – e somente um
cabo sismográfico, a reboque (streamer ) ou colocado no fundo marinho (OBC).
A Técnica 3D é utilizada na fase de detalhe e, por isso, exige uma malha com
linhas menos espaçadas do que na técnica 2D, o que acarreta um numero
muito maior de trajetórias do barco sísmico. Isto torna a atividade mais
intensa, podendo gerar a chamada “barreira sônica”.
Dados sísmicos podem ser adquiridos de acordo com duas
modalidades. A primeira delas é definida como levantamento de “dados não
exclusivos”. Tais dados são considerados especulativos, pois não são
justificados por nenhum objetivo especifico, e por isso, seus levantamentos
denominam - se Levantamentos Spec. Tais levantamentos são realizados por
EAD’s, Empresas de Aquisição de Dados, especializadas em aquisição,
processamento, interpretação e venda de dados exclusivos e não- exclusivos,
que se refiram exclusivamente à atividade de exploração de petróleo ou gás
natural.
Estas empresas especializadas em aquisição de dados relacionados à
atividade de exploração de petróleo ou gás, no Brasil, têm que requerer junto
ao ELPN/IBAMA Licenças de Operação para realizar suas atividades numa
determinada área, que pode ser, ou não, objeto de contrato de concessão, com
autorização da ANP. E para tanto, necessita protocolar um relatório ambiental,
que contem a caracterização ambiental de toda a área do polígono licenciado
pela ANP. Ë importante lembrar que, não necessariamente, a empresa fará a
aquisição dos dados em toda a área do polígono licenciado, já que muitas
vezes a licença de operação é requerida com o objetivo de obter autorização
para atuar em blocos específicos de empresas que possam vir a comprar esses
dados spec, colocando - se assim, à frente de empresas concorrentes em
futuras licitações.
A segunda modalidade, que é definida como aquisição de “dados
exclusivos”, é realizada pela concessionária em sua área de concessão através
de empresa especializada por ela contratada ou por meios próprios. Também
pode ser chamada de sísmica proprietária.
Com a abertura do setor petrolífero para o capital externo e a quebra do
monopólio em 1997, o Brasil passou a integrar a área de atuação de grandes
empresas do mundo inteiro em prospecção sísmica marítima, o que fez com
que o IBAMA adotasse, a partir de 1999, procedimentos de licenciamento
ambiental específicos para a atividade.
Atualmente, o IBAMA exige dos empreendedores um Estudo Ambiental,
que avalie os impactos ambientais inerentes à atividade e proponha medidas
de monitoramento, mitigação e compensação. A exigência desse estudo está
de acordo com os termos do art. 10 da Lei 6.938 de 31/08 /81, regulamentado
através do Decreto 99.274/90 de 06/06 /90.
II.6.2 – Interferências entre as operações sísmicas e a atividade pesqueira
Muito tem se discutido acerca dos possíveis impactos diretos e indiretos
da sísmica sobre a pesca. Segundo o IBAMA, as comunidades pesqueiras
afirmam que, com o início de atividade de sísmica marítima em determinada
região, há uma redução nas capturas das pescarias efetuadas. Além disso, são
conseqüências claras da sísmica, prejudiciais à atividade pesqueira: a
restrição de acesso às áreas de realização da atividade, os danos a petrechos
dos pescadores e os impactos na dinâmica populacional de recursos
pesqueiros. A seguir, explica- se cada uma delas.
Redução da captura do pescado
Apesar de não haver estudos conclusivos sobre as conseqüências da
sísmica marítima na atividade pesqueira realizada em águas brasileiras, há
estudos internacionais sobre o tema.
Em 2000, houve no Canadá um workshop no qual se chegou ao
consenso de que a atividade sísmica causa mudanças comportamentais nos
animais marinhos e nas capturas destes. Em tal workshop, foram
apresentados estudos de diversos países que registraram as mesmas reduções
nas capturas da pesca ocorrentes em áreas de levantamento de dados
sísmicos marítimos.
Além disso, foram reportadas ao IBAMA as seguintes evidências da
redução da captura do pescado: a afirmação de comunidades pesqueiras
artesanais (que apesar de não possuir caráter cientifico, contribuem para a
validade dos estudos realizados ao redor do mundo) e documento do
Departamento de Oceanografia da FURGS, que apresenta dados de um
cruzeiro de pesquisa oceanográfica, realizado em 2001, numa área onde
operava uma embarcação sísmica. Este cruzeiro era parte do REVIZEE e
segundo suas observações houve uma redução na quantidade de recursos
pesqueiros nas proximidades da realização de atividades sísmicas.
Restrição de acesso às áreas de pesca
Para que haja a aquisição de dados sísmicos marítimos, é necessária a
exclusividade de determinado espaço marítimo, enquanto durar a atividade.
Isso porque o arranjo dos cabos sísmicos pode vir a ocupar uma área em
torno de 10 km de raio (no caso da sísmica 3D), e o seu deslocamento não
pode acontecer com a interrupção da rota da embarcação sísmica. Desta
forma, os barcos pesqueiros que estiverem na rota devem recolher seus
petrechos de pesca e se afastarem da área.
Em situações em que a atividade sísmica ocorre em regiões utilizadas
por pescadores artesanais, essa área de exclusão temporária criada pela
atividade sísmica causa mais danos socioeconômicos em decorrência da
menor mobilidade das embarcações pesqueiras (que possuem autonomia
restrita à costa) e ao fato dos pesqueiros na costa serem mais localizados.
Assim, em muitos casos, limitar a área de pesca na costa pode significar,
temporariamente, a diminuição ou o fim da fonte de renda e de subsistência
de algumas comunidades.
No caso de levantamentos sísmicos em áreas oceânicas que são
freqüentadas por frotas pesqueiras industriais, a redução da área de pesca
afeta, principalmente, a captura de espécies que eventualmente estejam se
concentrando nessa região. Porém, as frotas que atuam em áreas oceânicas
possuem maior mobilidade para procurar outros pesqueiros, alem do fato de
que em águas mais profundas os recursos pesqueiros se distribuem mais
amplamente.
Danos a petrechos de pesca
Esses danos são causados por colisão entre cabos sismográficos ou
embarcações sísmicas com petrechos de pesca deixados na área, quando as
atividades de pesca e de sísmica insistem em conviver no mesmo espaço
marítimo. Quando isto ocorre, duas situações podem acontecer em seguida,
isoladas ou conjuntamente: a perda do petrecho e/ou danos nos cabos
sismográficos (o que pode causar vazamentos de fluido de flutuação que se
localiza no interior destes cabos).
Impactos na dinâmica populacional de recursos pesqueiros
A atividade de sísmica marítima pode afetar os estoques de recursos
pesqueiros de duas formas. Em primeiro lugar pela formação de uma
“barreira sônica”, causada pelos disparos de tempos em tempos do canhão de
ar, que impede o acesso dos peixes para desovar. Em segundo lugar, pelos
impactos da sísmica sobre o plâncton 4 em áreas de concentração de ovos e
larvas de espécies que desovam em profundidades mais rasas.
II.7 – A fase de perfuração de poços exploratórios marítimos
Neste item, serão apresentados o método de perfuração exploratória
marítima, a atividade de perfuração no Brasil e o seu licenciamento ambiental,
e as interferências entre as operações sísmicas e a atividade pesqueira.
II.7.1 – O método de perfuração de poços exploratórios marítimos
A atividade de perfuração marítima é a segunda etapa na busca pelo
petróleo. Verifica- se a sua existência na região e, quando esta ocorre,
características do reservatório são estudadas para subsidiar etapas
posteriores.
Podem ser perfurados um ou mais poços em locais previamente
determinados pela atividade sísmica como os mais prováveis de possuírem
acumulações de óleo e/ou gás.
Para se perfurar um poço marítimo, utiliza - se uma sonda de
perfuração, que pode se localizar tanto numa plataforma como num navio.
Esta sonda possui uma torre que sustenta a coluna de perfuração. Esta, por
sua vez, equipada com uma broca, é descida até o fundo do mar, iniciando o
processo de perfuração do poço, através da trituração progressiva do solo.
Para facilitar o processo de perfuração é utilizado um fluido, também
chamado de lama de perfuração, que além de lubrificar a broca, diminuindo o
seu desgaste, ajuda a manter a estabilidade do poço ao exercer a pressão nas
paredes deste, evitando o seu desmoronamento. Além disso, a lama de
perfuração ao circular entre o poço e a plataforma, propicia a retirada dos
4 O Plâncton é a comunidade de pequenos animais (zooplâncton) e vegetais (fitoplâncton) que vivemem suspensão nas águas doces, salobras e marinhas.
cascalhos gerados na superfície, de forma a permitir a continuidade da
perfuração.
A perfuração de um poço é executada em fases de diâmetros
decrescentes. Ao final da perfuração de cada fase, um revestimento de aço é
descido no poço e cimentado às suas paredes, de modo a permitir o seu
isolamento e estabilidade. Durante toda a atividade e após a perfuração de
cada fase do poço informações sobre as formações atravessadas são obtidas
de modo a permitir sua avaliação geológica. Esta avaliação permite detectar a
presença de hidrocarbonetos e a definição de quais intervalos dos poços são
de potencial interesse econômico para se executar os testes de formação.
Os testes de formação consistem em colocar o poço para produzir em
caráter experimental. Durante estes testes, determinam - se características do
reservatório tais como volume e extensão, permeabilidade, etc. Uma vez
encontrado óleo ou gás, novos poços podem ser perfurados a fim de se avaliar
melhor a jazida.
No Brasil, a atividade de perfuração exploratória vem crescendo desde a
quebra do monopólio. Segundo dados da ANP, somente em 2001 foram
perfurados no país 87 poços exploratórios no mar. A atividade, entretanto,
continua concentrada nas mãos da Petrobras: dos 69 poços pioneiros
perfurados em 2001 em ambiente offshore , 41 foram realizados pela Petrobras
e apenas 28 pelas novas empresas que ingressaram no país a partir da
abertura do setor. Nos quatro últimos anos, quando foram perfurados 145
poços pioneiros no mar, esta discrepância fica ainda maior, com 114 poços da
Petrobras e apenas 31 das demais companhias. (ANP, 2002b)
Através da Resolução CONAMA 23/94, ficou estabelecida a necessidade
de licenciamento ambiental para a realização de atividade de perfuração. Para
que esta aconteça, em geral, é necessária a realização de um RCA. No entanto,
o IBAMA, ao emitir o Termo de Referência relativo à atividade, define, de
acordo com a sensibilidade da região, qual estudo é o mais indicado.
II.7.2 – Interferência entre as operações de perfuração e a atividadepesqueira
Os impactos referentes à pesca causados pela perfuração marítima de
um poço exploratório decorrem, em grande medida, dos conflitos pelo uso do
espaço e dos impactos sobre a população de peixes.
Conflitos pelo uso do espaço
A intensificação do tráfego de embarcações envolvidas em atividades de
perfuração pode vir a representar uma perda temporária da área de pesca.
Além disso, a proximidade dos barcos pesqueiros com a unidade de
perfuração representa um aumento do risco de acidentes envolvendo estes
barcos e seus petrechos de pesca com as embarcações engajadas nas
operações de perfuração.
Impactos sobre a população de peixes
Já os impactos em populações de peixes – alterações na sua
distribuição, composição ou comportamento – são causados
fundamentalmente por distúrbios associados a ruídos e ao derramamento de
óleo e outros produtos.
No entanto, não existem provas concretas de que ruídos oriundos de
fontes não explosivas tenham efeito letal em peixes adultos. Os efeitos
observados têm sido mais de caráter comportamental, como por exemplo, os
relacionados à dispersão de cardumes e à alteração dos hábitos alimentares
desses animais. Em verdade, a questão de maior importância referente aos
conflitos entre ruídos provocados pelas atividades de perfuração e a industria
pesqueira diz respeito às alterações comportamentais dos peixes e não
propriamente nos recursos pesqueiros.
O fator de atração representado pelas unidades de perfuração,
conseqüência do lançamento de esgoto e de restos de alimentos, pode
compensar o efeito dispersivo dos peixes. É gerado com isso, entretanto, um
novo conflito entre a atividade pesqueira e a de perfuração, já que é
delimitado no entorno do local de atividade uma área de exclusão.
CAPÍTULO III – O CONFLITO ENTRE A ATIVIDADE DE PESCA
ARTESANAL E AS FASES DE EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO
Depois dos setores de pesca artesanal em ambiente marinho e de
exploração de petróleo offshore terem sido caracterizados nos capítulos
anteriores, no presente capítulo analisaremos as principais causas do conflito
entre as duas atividades, a saber: ocupam o mesmo espaço físico, finalidades
e processos produtivos diferenciados e, em grande medida, incompatíveis,
expressiva defasagem no perfil e organização dos agentes.
De um lado, encontram - se pescadores comerciais artesanais e, do
outro, industriais do petróleo, muitas vezes representados por grupos
estrangeiros. À primeira vista, já é possível perceber a imensa diferença entre
ambos os grupos.O conflito será caracterizado do ponto de vista técnico,
ambiental e socioeconômico e serão apresentados os pontos - de- vista dos
pescadores, das empresas do setor de petróleo e a posição do governo
brasileiro em relação ao conflito. Mostraremos também, a legislação
pertinente ao licenciamento ambiental das fases de sísmica e de perfuração e
o que este propõe para minimizar o conflito pesca x petróleo.
III.1 – A Natureza do Conflito
Conforme já mencionado no Capítulo 1, 60% do volume das capturas
nacionais é atribuída aos pescadores comerciais artesanais e de pequena
escala, que possuem a maior frota do Brasil. Para estes, os impactos da
indústria petrolífera são ainda maiores do que para a pesca comercial de
grande escala, realizada pelas indústrias pesqueiras. Apesar de, em muitos
casos, essas embarcações de pequeno porte estarem ligadas às indústrias
pesqueiras, elas sofrem mais com os impactos do que as embarcações de
grande porte, por possuírem menor autonomia.
É importante ressaltar, no entanto, que a pesca dita artesanal, quando
realizada em ambiente offshore , ocorre nas proximidades da costa ou em
baías, de forma que, para sofrer os impactos das atividades petrolíferas, estas
devem estar localizadas igualmente nestas regiões.
A seguir, descreveremos os impactos das fases de sísmica e de
perfuração sobre os pescadores artesanais, mais significativos do que os
causados à pesca comercial de grande escala (dita industrial):
a) As conseqüências da atividade de aquisição de dados sísmicos para a
atividade pesqueira:
Na fase de aquisição de dados sísmicos, há restrição do espaço da
pesca. Para a pesca artesanal, isto pode ser muito grave, já que ela já está
normalmente restrita a um espaço delimitado (próxima à costa, em
decorrência da pouca mobilidade de suas embarcações), sobrando - lhe, com a
atividade sísmica, muito pouco espaço para o desenvolvimento da atividade
pesqueira.
No caso do pescador insistir em usufruir o espaço ocupado pela
sísmica, podem ocorrer danos aos seus petrechos de pesca, pelo contato
destes com as embarcações e com os cabos sismográficos. Em virtude de os
pescadores artesanais empregarem, em sua maioria, métodos primitivos de
pesca, seus frágeis equipamentos são mais susceptíveis a danos do que os
equipamentos mais robustos e resistentes dos pescadores de porte industrial.
Além disso, as atividades de sísmica exercem dois efeitos diretos sobre
o estoque de recursos pesqueiros: em primeiro lugar, pela barreira sônica, que
pode impedir o acesso de alguns peixes para realizar a desova, e, em segundo
lugar, porque causa a mortalidade do plâncton e por isso afeta as áreas de
concentração de ovos e larvas de espécies que desovam em profundidades
mais rasas.
Com base no depoimento de representantes de comunidades pesqueiras
artesanais, o IBAMA atribui a redução da captura do pescado à atividade
sísmica, embora não existam estudos conclusivos sobre o tema..
b) As conseqüências da atividade de perfuração de poços para a
atividade pesqueira:
As atividades de perfuração de poços exploratórios de petróleo, assim
como as atividades sísmicas, restringem o uso do espaço marítimo para a
atividade pesqueira, o que gera impactos diretos para os pescadores,
principalmente artesanais que dispõem de pouco espaço. Além disso, podem
ocorrer acidentes envolvendo embarcações pesqueiras e seus petrechos com
as embarcações engajadas nas operações de perfuração, mas apenas em caso
de desobediência ao espaço delimitado para as atividades petrolíferas.
A atividade de perfuração também impacta as populações de peixes
afetando sua distribuição, composição e comportamento em razão de ruídos e
derramamento de óleo que possam vir a ser provocados.
É importante ressaltar também que as plataformas de perfuração
constituem - se em um fator de atração de cardumes, seja pelo descarte de
material orgânico seja por serem “recifes artificiais”, constituindo - se em mais
um foco de conflito pois os pescadores , mesmo correndo riscos,
desobedecem à proibição de não entrar nessas áreas para explorar os recursos
pesqueiros atraídos até esses locais.
Pelo exposto, fica patente que os pescadores artesanais são os mais
afetados com os impactos das atividades de sísmica e de perfuração sobre a
atividade pesqueira. Conforme mencionado no Capítulo 1, este segmento
apresenta, historicamente, dificuldades de organização social e e representa,
em sua grande maioria, comunidades de baixa renda, o que dificulta o diálogo
com as empresas de petróleo.
Com a flexibilização do monopólio da PETROBRAS e a conseqüente
abertura da exploração às empresas estrangeiras, o conflito pesca x petróleo
ganhou novos contornos. No entanto, a maneira de lidar com o problema, a
despeito da experiência que essas empresas adquiriram em seus países de
origem, é regida pelo IBAMA, através da obrigatoriedade de se realizar um
estudo ambiental, que identifica tais conflitos e propõe medidas de mitigação.
A obtenção da licença de perfuração está condicionada à aprovação do
Relatório de Controle Ambiental pelo IBAMA, do qual faz parte o Projeto de
Comunicação Social.
III.1.1 - O conflito do ponto de vista técnico
Grosso modo, o conflito técnico diz respeito à restrição do espaço que
as atividades de sísmica e de perfuração impõe à atividade pesqueira, sob a
alegação de representar uma medida de segurança. Contudo, em geral, os
pescadores não obedecem os limites, avançando sob a área de risco. O fato é
que tal restrição é muito penosa à atividade pesqueira porque, conforme já
dito em outras ocasiões, 60% da produção do pescado do país é artesanal,
ocupando, portanto, uma área restrita, em geral próximo à costa, em
decorrência da pouca mobilidade de suas embarcações.
III.1.2. – O conflito do ponto de vista ambiental
Não existem estudos conclusivos sobre as conseqüências da sísmica
marítima em águas brasileiras. Entretanto, de acordo com o Guia Preliminar
para o Licenciamento Ambiental para Atividades de Sísmica Marítima na Costa
Brasileira (2003) desenvolvido pelo ELPN/DILIQ/IBAMA com a cooperação
técnica da ANP, há estudos internacionais sobre o tema que afirmam que a
atividade causa a mortalidade de peixes, reduzindo significativamente as
capturas.
Além disso, a atividade sísmica pode causar impacto na dinâmica
populacional dos recursos pesqueiros pela formação de uma “barreira sônica”
que pode impedir que peixes tenham acesso a seus locais de desova e por
seus impactos sobre o plâncton em áreas de desova e de concentração de
larvas. Já em relação à fase de perfuração, os principais impactos ambientais
estão ligados a potenciais vazamentos (os chamados blowouts ) que possam vir
a acontecer, quando a pressão do gás dentro do poço que está sendo
perfurado força repentinamente o óleo para fora. Ocorrendo um blowout , ou o
derramamento de qualquer outro produto, com certeza a população de
recursos pesqueiros seria seriamente impactada.
Outro impacto ao meio ambiente causado pela fase de perfuração é o
fato de que as unidades de perfuração atraem cardumes inteiros por causa do
lançamento de esgoto e de restos de alimentos. Porém, como é delimitado no
entorno do local de atividade uma área de exclusão, os pescadores não podem
se beneficiar da abundância de peixes que atrai, gerando uma das principais
faces desse conflito.
III.4 – O conflito do ponto de vista socioeconômico
. A Somados os impactos decorrentes das citadas restrições, ,
poderemos contabilizar um montante elevado de prejuízo econômico à pesca
praticada na área de influência da exploração de petróleo.
Tais danos são causados principalmente à atividade pesqueira dita artesanal,
já que a pesca comercial de grande escala, a chamada pesca industrial, possui
maior mobilidade, tendo, por isso, mais possibilidades de atuação.Por outro
lado, como dissemos no primeiro capítulo, milhões de pessoas sobrevivem,
atualmente, da pesca. Pessoas que dificilmente conseguiriam outra ocupação
devido ao baixo nível de escolaridade e de qualificação profissional.
Nos últimos cinco anos, desde a abertura do setor, as atividades de
exploração e produção de petróleo cresceram enormemente. De acordo com a
Tabela 3.1, a participação das atividades de extração de petróleo e gás natural,
carvão e outros combustíveis no valor adicionado vinham numa trajetória
decrescente até 1998, quando então passou a crescer vertiginosamente.
Tabela 3.1 Participação das atividades de extração de petróleo e gás
natural, carvão e outros combustíveis no valor adicionado a preços
básicos – 1990 / 2 002
Participação das atividades deextração de petróleo e gásnatural, carvão e outroscombustíveis no valor adicionadoa preços básicos.
(%)1990 1,12 1997 0,541991 0,91 1998 0,281992 0,87 1999 1,081993 0,63 2000 2,211994 0,54 2001 2,411995 0,43 2002 2,831996 0,58
Fonte: IBGE, Diretoria dePesquisas, Coordenação de ContasNacionais
Faltam dados estatísticos que quantifiquem os danos da indústria
petrolífera à atividade pesqueira. Entretanto, integrantes do setor pesqueiro
afirmam que a atividade definhou rapidamente, e culpam o petróleo, apoiados
por instituições de pesquisa, ONG’s e pelo próprio governo. Como declarou
recentemente o ministro da pesca, José Fritch: “Sabemos que o petróleo é
importante e necessário, mas um setor não pode inviabilizar o outro”.
(OLIVEIRA; RIBEIRO, 2003b).
Há, porém, quem discorde. De acordo com Sílvio Jablonski, biólogo do
departamento de Oceanografia da UERJ, não há qualquer evidência de que a
intensa atividade no mar causada pela indústria do petróleo cause a
diminuição dos estoques de peixes. Para ele, o maior problema da crise que
afeta o setor continua sendo a sobrepesca. (OLIVEIRA, 2003).
No litoral do Rio de Janeiro a redução dos cardumes é tão intensa, que
muitos pescadores escolheram outra profissão. Fala- se até no
desaparecimento de espécies. Coincidência ou não, da Bacia de Campos é
extraído cerca de 80% do petróleo nacional.
A seguir, apresentaremos os pontos - de- vista de cada um dos grupos
envolvidos neste conflito.
III.5 – O Ponto-de-Vista dos Pescadores
De acordo com Antonio Marcos Muniz Carneiro, pesquisador da
COPPE/UFRJ, os os impactos da exploração do petróleo representam para os
pescadores a destruição de sua fonte natural de alimentos, reduzem seu
ganho econômico e, por conseguinte, comprometem as condições de
existência.
Pessoas que dedicaram sua vida inteira à atividade pesqueira, e
dificilmente saberiam fazer outra coisa caso não pudessem mais sobreviver
da pesca, estão partindo agora para litígios judiciais contra as empresas
petrolíferas, já que durante muito tempo a ausência de diálogo agravou o
conflito.
Contudo, eles culpam a indústria petrolífera pela redução dos cardumes
e pelo desaparecimento de espécies, mas não mencionam o mal que a
sobrepesca e a captura além do limite aceitável provoca na preservação das
espécies.
III.6 – O ponto-de-vista das empresas do setor de petróleo
O presidente da IAGC- Brasil, entidade representante das empresas de
sísmica, Cosme Peruzzolo, diz que o principal problema do setor pesqueiro é
a pesca predatória, que é praticada pela maior parte das colônias de
pescadores. Mesmo ocorrendo impacto da sísmica sobre as espécies marinhas,
ele não seria capaz de reduzir a escala populacional, comprometendo a
produção pesqueira. (OLIVEIRA; RIBEIRO, op.cit).
Já o coordenador de articulação externa da área de Segurança, Meio
Ambiente e Saúde da PETROBRAS, Flávio Torres, apesar de reconhecer que a
atividade pesqueira tem sido ameaçada, afirma ser injusto atribuir à indústria
do petróleo a maior parcela de responsabilidade pela redução da pesca. Ainda
segundo ele, a atividade sísmica não causa efeitos irreversíveis nas espécies
capturadas, já que dura pouca: uma a duas semanas, no máximo. Para ele, o
impacto é temporário e reversível. (OLIVEIRA; RIBEIRO, op.cit).
III.7 – A posição do governo brasileiro
A Seap, criada no governo Lula, está convencida de que a indústria do
petróleo tem efeitos danosos sobre a pesca. O Ministro José Fritch luta para
que seja destinada uma parte dos royalties do petróleo à atividade.
A Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados aprovou, em
outubro de 2003, o projeto de lei do deputado Benedito Lira (PP- AL), que
permite o repasse de parte dos royalties da produção de petróleo e gás
natural para projetos de desenvolvimento do setor pesqueiro e da aqüicultura
nacional. A proposta é apoiada pela Seap, que também apoia o projeto do
deputado Nelson Proença (PPS) de constituição de um fundo para onde seriam
direcionados os recursos. O fundo custearia, posteriormente, políticas e
projetos de estruturação e apoio à pesca e à aqüicultura desenvolvidos pelo
governo federal. (COMISSÃO, 2003).
O IBAMA e a ANP também reconhecem que a atividade pesqueira é
afetada pela exploração petrolífera, tendo elaborado juntos o “Guia para o
Licenciamento Ambiental para as Atividades de Sísmica”, onde admitem que a
pesca é “a principal atividade econômica impactada pelos levantamentos
sísmicos marítimos”.
Segundo o chefe do ELPN, Caio Marques, as gerências regionais do
IBAMA têm procurado identificar os danos e compensá - los, na medida do
possível. Ainda de acordo com ele, a situação da pesca é muito desfavorável
em toda a costa e a intenção do ELPN/IBAMA é compensar as comunidades
afetadas e garantir o máximo de cuidados para impedir novos impactos. Mas
esclarece que a missão do escritório não é compensar danos, e sim proteger o
meio ambiente.
III.8 – Legislação e Licenciamento Ambiental das Atividades de Petróleo
e Gás no Brasil
A Lei Federal 6.983/81 instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente,
considerando a avaliação de impactos ambientais e o zoneamento ambiental
como um de seus instrumentos e mencionando a necessidade de
licenciamento ambiental dos empreendimentos que utilizam recursos naturais
considerados efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes de causar
degradação ambiental.
A Resolução CONAMA 001/86 estabeleceu as definições, as
responsabilidades, os critérios básicos e as diretrizes gerais para a
implementação de Avaliação de Impacto Ambiental como um dos
instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente.
No entanto, só a partir de 1994 com a Resolução CONAMA 23/94, é
estabelecida regulamentação específica sobre o licenciamento ambiental das
atividades de perfuração e produção de hidrocarbonetos. No caso da fase de
perfuração, passa a exigir a elaboração de um Relatório de Controle Ambiental
– RCA.
A Resolução CONAMA 237/97 revisa o sistema de licenciamento
ambiental com o objetivo de torná- lo efetivo como um instrumento de gestão
ambiental. Além disso, define as atividades de perfuração e produção de
petróleo e gás natural como atividades sujeitas ao licenciamento ambiental, o
que, de fato, já havia sido regulamentado através da Resolução CONAMA
23/94.
Desde o início da década de 80, já era prevista na legislação brasileira a
avaliação das atividades da indústria de petróleo e gás mediante
procedimentos de licenciamento ambiental. Instalações dessa indústria,
voltadas à exploração, produção e escoamento de hidrocarbonetos, eram
muitas vezes alocadas em áreas sensíveis, dentro de unidades de conservação,
sem qualquer acompanhamento das fases de planejamento, instalação,
operação e desativação desses empreendimentos. (MARCHIORO ; NUNES,
2003)
Para melhor controlar este cenário, o IBAMA criou, em 1999, o Escritório
de Licenciamento de Atividades de Petróleo e Nuclear – ELPN/IBAMA, com
sede no Estado do Rio de Janeiro. Uma de suas atribuições é o licenciamento
ambiental das atividades de E&P de hidrocarbonetos em áreas offshore e,
desde então, os processos administrativos de licenciamento para a exploração
de hidrocarbonetos (o que inclui as fases de aquisição de dados sísmicos e de
perfuração de poços) em áreas marinhas são instruídos de acordo com
diretrizes técnicas ambientais.
O ELPN/IBAMA exige para a fase de sísmica um EA e para a fase de
perfuração um RCA. O EA é um estudo mais simplificado que o RCA em suas
descrições. No entanto, os dois têm em comum a exigência de avaliar os
potenciais impactos ao meio ambiente e à economia local, e propor programas
de prevenção e mitigação através de projetos de comunicação social e de
treinamento dos trabalhadores.
Em relação à atividade sísmica, esta está perto de ganhar uma
regulamentação específica. Representantes do CONAMA, IBAMA, empresas de
geofísica e ONGs concluíram um projeto com novas regras para regular o
setor e a versão final do documento será apreciada na plenária d CONAMA,
provavelmente durante a 74 a reunião ordinária, marcada para os dias 23 e 24
de junho em Brasília. (CORDEIRO, 2004)
O projeto, se for aprovado, trará muitos avanços em termos de prazos e
exigências no processo de licenciamento para a atividade sísmica. Além de
criar três categorias de levantamentos de acordo com a profundidade (abaixo
de 50 m ou em áreas de sensibilidade ambiental, entre 50 m e 200 m, e
superior a 200 m), diminui o prazo de resposta do IBAMA.
Contudo, a alteração mais grave do licenciamento ambiental proposta
por este projeto é a abolição da exigência de Estudo Ambiental para a sísmica,
que, atualmente, requer a apresentação de um aprofundado diagnóstico
ambiental da área onde será realizada a atividade. Na nova proposta, as
empresas ficam obrigadas a informar apenas as medidas empregadas para
reduzir o impacto da atividade do navio.
Para o presidente da IAGC no Brasil, Cosme Peruzzolo, a forma como o
CONAMA e o IBAMA conduziram as discussões foi fundamental para o
sucesso do trabalho. Porém, a ausência de representantes das entidades
pesqueiras foi sentida nas decisões finais do projeto. (CORDEIRO, op. cit.)
III.8.1. Assimetria institucional e falta de comunicação
É consenso entre os envolvidos e os estudiosos que o conflito entre as
duas atividades agravou - se, principalmente, pela falta de diálogo. O grupo
constituído pelas empresas de petróleo possui elevado nível de instrução e de
especialização, além de poder econômico e influência junto aos órgãos
governamentais e à opinião pública, o que contribui para que se destaquem
em relação ao grupo formado pelos pescadores artesanais. Some- se a isso a
dificuldade de organização por parte deste último, e teremos um quadro de
acirramento das posições.
Segundo Polanyi, a economia é um processo instituído socialmente e as
interações sociais não são eminentemente racionais, comportando por isso
diferentes formas, as quais passam pelo confronto – fruto de suas diferenças
- , mas que tendem a desaguar na negociação e na cooperação, que são as
únicas maneiras de se articular interesses diferenciados. Dessa forma, a
negociação e a cooperação entre diferentes interesses são as únicas formas de
conferir estabilidade ao sistema social, e conseqüentemente ao sistema
econômico. (VINHA, 2000)
No entanto, para o pesquisador do Grupo de Pesquisa em Cultura
Técnica do Programa de Pós- Graduação de Engenharia de Produção da
COPPE / UFRJ, Antonio Marcos Muniz Carneiro 5, a história entre a pesca e o
petróleo no Brasil é constituída por uma profunda impossibilidade de
qualquer diálogo, tornando o conflito inevitável e trágico. Isto porque não
foram criados espaços de interlocução entre esses dois segmentos de
produção, o que gerou dicotomias e incompatibilidades incontornáveis.
Segundo o presidente da FEPERJ, José Maria Pugas, “o petróleo não
entende da pesca, nem a pesca entende do petróleo”. (OLIVEIRA; RIBEIRO,
2003a)
5 Entrevista concedida em 01/12 /2003.
CONCLUSÕES
A despeito de todos os argumentos dos órgãos representantes das
empresas de sísmica e de perfuração de poços, a restrição de espaço, a
dispersão de cardumes e os danos aos petrechos de pesca são reais (mesmo
que temporários) e ganham maiores proporções quando analisamos os pilares
da atividade pesqueira artesanal.
A pesca no Brasil não movimenta fortunas como o ouro negro, mas
sustenta milhões de comunidades carentes, sem especialização, que precisam
da atividade para sobreviver. No entanto, apesar de tradicional, a atividade
tem um histórico problemático, com dificuldades de organização social e de
omissão e descaso por parte das autoridades. Além disso, segundo autores
como Gordon e Hardin, os pescadores estão condenados à pobreza, já que o
maior óbice dos recursos naturais renováveis de propriedade comum é o de
que o lucro proveniente da captura deles existe, mas ninguém pode se
apropriar dele.
É fato, porém, que a sobrepesca e a má utilização dos recursos
pesqueiros é um problema mundial. A utilização dos recursos pesqueiros de
forma sustentável é algo que depende de uma gestão adequada e de interesse
por parte das autoridades. É muito provável que a sobrepesca se intensifique,
pois falta organização às comunidades pesqueiras capaz de gerar um acordo
que interrompa a extração predatória. Sobretudo face à ameaça de ampliação
da restrição à pesca suscitada pela exploração petrolífera. .
Faltam dados que quantifiquem o atual declínio da atividade pesqueira.
Há uma carência geral de informações e de dados estatísticos sistemáticos
sobre a pesca, além da interrupção nos cadastros e levantamentos que vinham
sendo realizados no âmbito estadual.sta forma, apesar das evidências, não há
como provar oficialmente a extensão dos danos causados pela indústria do
petróleo, particularmente, durante a fase sísmica , o que dificulta mais ainda a
resolução do conflito.
Contudo, a maior dificuldade reside na assimetria que marca este
relacionamento. Enquanto a atividade pesqueira artesanal possui uma
multiplicidade de inserções produtivas, frágil organização e membros
despreparados e desqualificados, a indústria do petróleo é bem organizada,
além de econômica e politicamente poderosa, reduzindo o diálogo à simples
alegação do desconhecimento que impera sobre ambas .
Devemos nos perguntar, por fim, para onde caminha o conflito. É
preciso investir nas estratégias de desenvolvimento sustentável e de
responsabilidade social corporativa, seguida de regulamentação por parte do
Estado para que as empresas petrolíferas assumam os danos que causam à
atividade pesqueira, principalmente à artesanal, e intensifiquem seus
programas de mitigação e de compensação. Para isso, o processo de
licenciamento ambiental deve ser agilizado, porém sem deixar de lado a
exigência da realização de um Estudo Ambiental por parte das empresas, de
maneira que os riscos do empreendimento sejam detectados precocemente.
Contudo, é necessário também que as comunidades pesqueiras se
organizem e elejam representantes capazes de dialogar em condições de
igualdade com os representantes das empresas. Neste embate, o governo
desempenha um papel crucial, seja garantindo a integridade da atividade,
evitando sua exclusão, seja intermediando o diálogo de maneira a reduzir seu
potencial de conflito.
Finalmente, o mais importante é reconhecer que as duas atividades são
necessárias, a sua forma, para o bem- estar do País.
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