Download - O CONTROLE DO PODER JUDICIÁRIO E O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

Transcript

403

Leandro da Silva Borba *Leís Márcio Batista Amorim**

O CONTROLE DO PODER JUDICIÁRIO E O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

THE CONTROL OF JUDICIARY AND THE NATIONAL COUNCIL OF JUSTICE

EL CONTROL DEL PODER JUDICIARIO Y EL CONSEJO NACIONAL DE JUSTICIA

Resumo:

O Brasil adotou a teoria da separação dos poderes de Montesquieu,

mas a independência do Poder Judiciário ante os demais poderes

sempre foi marcada pela discussão de seu alcance. Não foram raras

as intervenções legislativas e executivas em seu controle. Nesse

passo, surge o Conselho Nacional de Justiça, com a missão de con-

trolar a administração e as finanças e garantir a transparência do

Poder Judiciário. Acendeu-se o debate sobre os limites e a legalidade

do CNJ, ao lado da possibilidade do exercício de controle da atividade

judiciária pelo mesmo. Após a análise dos ensinamentos doutrinários

e da jurisprudência do STF, será demonstrado que o Poder Judiciário

está em perfeita sintonia com a Constituição Federal: independente

e harmônico com o Legislativo e Executivo.

Abstract:

The Brazil adopted the theory of Montesquieu's separation of po-

wers. Turns out the independence of the Judiciary against the other

powers has always been marked by discussion of their reach. There

were few interventions in their Legislative and Executive control. In

this step, there is the National Council of Justice with the mission to

control the administration and finance to ensure the transparency

of the Judiciary. He lit up the debate on the limits and legality of CNJ,

* Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade de Ciências eEducação de Rubiataba. Assessor de Promotoria do MP-GO.** Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade de Ciências eEducação de Rubiataba. Escrevente e Conciliador - Poder Judiciário de Goiás.

404

beside the possibility to exercise control of activity by the same. After

analyzing the doctrinal teachings and jurisprudence from the Su-

preme Court, will be demonstrated that the Judiciary is fully in line

with the Constitution, independent and harmonious with the legis-

lative and executive branches.

Resumen:

El Brasil adoptó la teoría de la separación de los poderes de Mon-

tesquieu, pero la independencia del poder judicial ante los otros

poderes siempre ha estado marcada por la discusión de su al-

cance. No fueron raras las intervenciones en su control legislativo

y ejecutivo. En este paso, surge el Consejo Nacional de Justicia,

con la misión de controlar la administración y las finanzas para ga-

rantizar la transparencia del poder judicial. Se encendió el debate

sobre los límites y la legalidad del CNJ, junto con la posibilidad de

ejercer el control de la actividad de un organismo o poder judicial.

Después de analizar las enseñanzas doctrinales y la jurisprudencia

de la Corte Suprema de Justicia, se demostró que el poder judicial

está en plena consonancia con la Constitución Federal: indepen-

diente y en armonía con los poderes Legislativo y Ejecutivo.

Palavras-chave:

Tripartição de poderes, controle externo, independência funcional.

Keywords:

Tripartite division of Council of Justice, external control, functional

independence.

Palabras clave:

Tripartición de poderes, control externo, independencia funcional.

INTRODUÇãO

A ordem constitucional, representada materialmente pornossa Constituição Federal, possui, dentre outras funções, a

indelegável missão de reger o Estado, não só na sua organiza-ção, como também controlando os atos que são endossados emseu nome, além de eleger diversos direitos e garantias fundamen-tais para toda a sociedade.

Desta feita, a abrangência, para o direito público, do seuconteúdo é um horizonte infinito, tendo em vista que a Constitui-ção é o ponto de partida de qualquer organização política de umEstado. Por ela, os direitos e deveres são previamente estabele-cidos, criando um indissolúvel e estreito nexo entre a Constituiçãoe a Administração, tendo em vista que a primeira considera o Es-tado enquanto constituído, delimitando as balizas para a sua atua-ção, ao passo que a administração enfoca a respectiva atuaçãoem busca da finalidade pública.

Nesse proceder, é de se ressaltar que a nossa ConstituiçãoFederal de 1988 buscou tipificar de forma explícita e taxativa essaorganização do Estado, sobretudo atinente à divisão e composiçãodos poderes de nosso país, e fez isso logo em seu início, em seuart. 2°, dizendo que “São Poderes da União, independentes e har-mônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Na realidade, essa organização dos poderes seguiu aordem constitucional mundial majoritária, a qual remonta à célebredivisão estatuída preliminarmente por Aristóteles e modernamentepor Montesquieu.

Alguns doutrinadores ainda se arriscam a fazer uma com-paração sutil entre os três poderes com o Ministério Público,porém, somente em âmbito funcional, com nenhuma analogia àssuas funções constitucionais, até porque cada órgão possui or-ganização distinta. Ademais, a inclusão do Ministério Públiconessa conceituação refere-se tão somente a sua função de guar-dião do bem comum e da lei, também denominado de custus

legis1. Sobre o assunto, ensina Moraes (2005, p. 370):

A Constituição Federal, visando, principalmente, evitar o arbítrioe o desrespeito aos direitos fundamentais do homem, previu aexistência dos Poderes do Estado e da Instituição do MinistérioPúblico, independentes e harmônicos entre si, repartindo entre

405

1 Do latim: fiscal da lei (PRADO, 2005).

eles as funções estatais e prevendo prerrogativas e imunidadespara que bem pudessem exercê-las, bem como criando meca-nismos de controle recíprocos, sempre como garantia da per-petuidade do Estado democrático de Direito.

A partir daqui, passemos a enfocar com mais acuidade oPoder Judiciário, envolvendo sua organização, funcionamento eatribuições, tudo sob a ótica constitucional, a fim de compreenderde forma mais ampla e segura acerca de seus atos e de sua ad-ministração interna. Além disso, buscaremos analisar sobre even-tual ingerência dos demais poderes da federação em sua seara evice-versa, além do possível controle interno do judiciário pelo pró-prio Conselho Nacional de Justiça, o qual é um dos seus órgãos.

Nesse ínterim, tem-se como divisor de águas a EmendaConstitucional n. 45/2004, a qual possui como objeto nada maisque a organização do Poder Judiciário, visando precipuamenteregulamentar esse controle, que alguma das vezes poder-se-áser verificado até mesmo de forma externa, então denominado‘controle externo do judiciário’, porém, com ressalvas salutares.

A TRIPARTIÇãO DOS PODERES ESTATAIS

A instituição do Estado é marcada por seu principal meiode imposição: o poder. Não existe Estado sem poder, pois, docontrário, este não conseguiria coagir seus membros a determi-nar-se de acordo com sua vontade.

O exercício do poder estatal aparece, basicamente, esta-belecido em duas formas: concentrado na vontade de um únicoórgão (monarquia) ou compartilhado entre seus entes.

Com efeito, a concentração do poder do Estado em umasó pessoa se revelou como uma medida desaconselhável, vistopermitir que o soberano haja tão somente de acordo com seu de-sejo, além de colidir com a liberdade individual, conforme lecionaFerreira Filho (1999, p. 130):

À luz da experiência, porém, essa concentração aparece

406

inconveniente para a segurança do indivíduo, por dar a al-guém a possibilidade de fazer de todos os outros o que lheparecer melhor, segundo o capricho do momento. Emboratenha ela a vantagem da prontidão, da presteza de deci-sões e de sua firmeza, jamais pode servir à liberdade indi-vidual, valor básico da democracia representativa.

Daí, no ensejo de limitar os poderes concedidos ao sobe-rano, surgem técnicas de divisão do poder estatal, entre elas a divi-são funcional do poder, mais conhecida como separação de poderes.

A principal característica dessa técnica consiste em “distin-guir três funções estatais, quais sejam, legislação, administração ejurisdição, que devem ser atribuídas a três órgãos autônomos entresi, que as exercerão com exclusividade” (MORAES, 2007, p. 393).

O primeiro percursor da teoria da divisão dos poderes esta-tais foi Aristóteles, em sua obra clássica Política, quando propôs adivisão dos poderes estatais em deliberante, executiva e judiciária:

Em todo governo, existem três poderes essenciais, cada umdos quais o legislador prudente deve acomodar da maneiramais conveniente. Quando estas três partes estão bem aco-modadas, necessariamente o governo vai bem, e é das dife-renças entre estas partes que provêm as suas.O primeiro destes três poderes é o que delibera sobre os ne-gócios do Estado. O segundo compreende todas as magistra-turas ou poderes constituídos, isto é, aqueles de que o Estadoprecisa para agir, suas atribuições e a maneira de satisfazê-las. O terceiro abrange os cargos de jurisdição.

Na sequência, o inglês John Locke, no Segundo tratado

do governo civil, reconhece a existência de três funções distintasdo poder estatal: a legislativa (competente para prescrever os pro-cedimentos necessários para a comunidade civil preservá-la eseus membros), a executiva (executor das leis internas sobretodos seus componentes) e a federativa (administradora da se-gurança e do interesse público externo).

Insta ressaltar que, na acepção de Locke, os poderes le-gislativo e executivo deveriam ser exercidos por pessoas diferen-tes, evitando, assim, que os membros do primeiro adequassem e

407

executassem as leis no sentido de atender somente suas vontades,o que iria em sentido oposto à finalidade da sociedade e do governo.

Todavia, em relação aos poderes executivo e federativo,Locke (1994, p. 147) entendia que estes deveriam ser exercidospor uma única pessoa, como forma de garantir a unidade e ordemda sociedade:

Embora, como eu disse, os poderes executivo e federativo decada comunidade sejam realmente distintos em si, dificilmentedevem ser separados e colocados ao mesmo tempo nas mãosde pessoas distintas; e como ambos requerem a força da so-ciedade para o seu exercício, é quase impraticável situar a forçada comunidade civil em mãos distintas e sem elo hierárquico;ou que os poderes executivo e federativo sejam confiados apessoas que possam agir separadamente; isto equivaleria asubmeter a força pública a comandos diferentes e resultaria, umdia ou outro, em desordem e ruína.

As contribuições proferidas por Aristóteles e Locke foram,sem embargo de qualquer dúvida, de suma importância para oreconhecimento da distinção dos poderes estatais, mas, como as-senta a doutrina contemporânea, a clássica e célebre divisão dospoderes do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário) é atribuídaà Montesquieu, na obra O espírito das leis.

O grande destaque na obra de Montesquieu não foi aidentificação das funções do Estado, vez que Aristóteles e Lockejá haviam realizado tal feito, mas o reconhecimento da autonomiae ligação entre os poderes, os quais estariam, cada qual, emmãos diferentes e sob organização própria:

[...] para Montesquieu à divisão funcional deve corresponder umadivisão orgânica. Os órgãos que dispõem de forma genérica eabstrata, que legislam, enfim, não podem, segundo ele, ser osmesmos que executam, assim como nenhum desses pode serencarregado de decidir as controvérsias. Há que existir um órgão(usualmente denominado poder) incumbido do desempenho decada uma dessas funções, da mesma forma que entre eles nãopoderá ocorrer qualquer vínculo de subordinação. Um não devereceber ordens do outro, mas cingir-se ao exercício da funçãoque lhe empresta o nome. (BASTOS, 2001, p. 353-354)

408

As conclusões de Montesquieu podem ser tidas como ins-trumento originário (em termos filosóficos) da Revolução Fran-cesa, inclusive sendo sua teoria assentada no artigo 16 daDeclaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão(1789), bem como o ponto de construção de uma sociedade libe-ral burguesa (COTRIM, 1994, p. 290).

Atualmente, discute-se, na doutrina, o valor da teoria im-plantada por Montesquieu. Na linha de juristas que criticam osapontamentos do citado pensador surge Manoel Gonçalves Fer-reira Filho (1999), afirmando que essa teoria peca por ausênciade caráter científico, ao tempo em que sugere a adoção das liçõesde Burdeau e Loewenstein.

Por outro lado, Celso Ribeiro Bastos (2001) afirma que a teo-ria de Montesquieu aparece como a mais acertada, pois é utilizadaquase à unanimidade nos países ocidentais, “figurando, ao lado daafirmação da soberania popular, como os dois pilares sobre os quaisse assenta a organização jurídico-política do Estado Moderno”.

A tripartição dos poderes no Direito Brasileiro

A tradição constitucional brasileira sempre adotou a divi-são dos poderes legislativo, executivo e judiciário, reconhecendoa independência e a harmonia entre seus poderes (1824 – art.9º2; 1891 – art. 15; 1934 – art. 3º; 1946 – art. 36; e 1967 – art. 6º).

A exceção à clássica tripartição dos poderes estatais deMontesquieu ocorreu na Constituição de 1937, pois, apesar deformalmente mantida, “na prática, tendo em vista o forte traço au-toritário do regime, o Legislativo e o Judiciário foram ‘esvaziados’”(LENZA, 2009, p. 65).

O legislador constituinte de 1988 não fugiu da regra da se-paração dos poderes, eis que escreveu no artigo 2º da Constitui-ção Federal que, verbis, “São Poderes da União, independentese harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”:

409

2 A Constituição de 1824 – monárquica - previa a existência de quatros poderesestatais: Legislativo, Executivo, Judiciário e Moderador.

É uma alegação preliminar, que significa: não há poderes pro-venientes de outras fontes que não a vontade popular, nem seexercerão em outro nome. Porque República assim se caracte-riza; não havendo um princípio monárquico, estranho ao vetodos cidadãos, porém, regendo soberanamente a nação a suaCarta Política, elaborada pelos mandatários do povo (1), com adeclamação que é um instrumento de democracia de verdade,“todos os poderes emanam do povo””. (CALMON, 1956, p. 31)

O desejo do legislador constitucional originário em afirmara adoção da teoria de Montesquieu revela-se, especialmente,quando tratou de incluir a tripartição de poderes na órbita do di-reito brasileiro como cláusula pétrea3 (artigo 60, § 4º, inciso III,CF), pois “atribuir a qualquer dos Poderes atribuições que a Cons-tituição só outorga a outro importa a tendência a abolir o princípioda separação dos poderes” (SILVA, 2001, p. 67).

A Lei Maior da República regula o Poder Legislativo nosartigos 44 a 45; o Poder Executivo está contido nos artigos 76 a91 e o Poder Judiciário nos artigos 92 a 135.

O CONTROLE EXTERNO DO PODER JUDICIÁRIO

Conforme dito em linhas volvidas, a República Federativa doBrasil adotou o sistema da tripartição dos poderes (artigo 2º da Cons-tituição Federal). Com isso, reconheceu a independência e a harmo-nia havidas entre si pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

O texto constitucional prevê liberdade e autonomia paracada um dos poderes estatais promoverem a sua organização esuas funções, mas, ao mesmo tempo, cria mecanismos para queum poder fiscalize o outro, como forma de evitar abusos ou ofensaaos direitos da coletividade.

Calha citar como exemplo do dito anterior a fiscalizaçãopromovida pelo Tribunal de Contas da União4 (órgão ligado ao

410

3 As cláusulas pétreas são preceitos insculpidos na Constituição Federal im-passíveis de suprimento.4 “O Tribunal de Contas da União é órgão auxiliar e de orientação do Poder

Poder Legislativo) perante as contas do Poder Executivo (artigo71 da Constituição Federal).

Nesse aspecto, antes da edição da Emenda Constitucio-nal n. 45/2004, várias foram as tentativas, no âmbito das legisla-ções estaduais, de criar mecanismos de controle do PoderJudiciário nesse nível, por meio da instalação de órgãos fiscali-zatórios, compostos por uma gama de membros integrantes dosmais variados setores, inclusive do Poder Legislativo e da Ordemdos Advogados do Brasil (OAB).

A criação desses órgãos de fiscalização acendeu o debatesobre sua legalidade, vez que, por não serem previstos na Cons-tituição Federal, estariam infringindo a independência do PoderJudiciário (artigo 2º da CF).

Assim, diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidadeforam apresentadas perante o Supremo Tribunal Federal com afinalidade de desconstituírem esses órgãos estaduais.

Os casos mais emblemáticos foram referentes às Constitui-ções dos Estados da Paraíba e do Mato Grosso, a seguir relatados:

A Constituição Estadual da Paraíba previa, em seu artigo147, §§ 1º e 2º, a existência do Conselho Estadual de Justiça5,composto por dois desembargadores, um representante da As-sembleia Legislativa do Estado, o Procurador-Geral da Justiça, oProcurador-Geral do Estado e o Presidente da Secional da OAB.

O Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, julgou pro-cedente a ADIN n. 135-3/PB (rel. Min. Octávio Gallotti – DJ21.11.1996), para declarar a inconstitucionalidade dos dispositivosmencionados, sob o argumento do rol de membros do ConselhoEstadual de Justiça ofender o princípio constitucional da separa-ção dos poderes.

A propósito, cumpre transcrever trecho do proficiente votodo relator Min. Octávio Gallotti:

[...] Mostram, todavia, a ciência do Direito Constitucional e a

411

Legislativo, embora a ele não subordinado, praticando atos de natureza admi-nistrativa, concernentes, basicamente, à fiscalização” (MORAES, 2007, p. 418).5 Órgão de fiscalização da atividade administrativa e do desempenho dos deveresfuncionais do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Advocacia Geral do Estadoe da Defensoria Pública (artigo 147, caput, da Constituição do Estado da Paraíba).

observação histórica dos costumes políticos, que a indepen-dência de um Poder é inseparável da autonomia administrativae da segurança proporcionada pela conquista de gestão autô-noma dos meios postos pelo Estado à sua disposição, para ga-rantir a administração e a distribuição de Justiça, papeldestinado pela Constituição à responsabilidade de um PoderJudiciário Nacional. Não à de outros órgãos e entidade, que elenão pertençam, como se estabelece no dispositivo impugnado.

Caso semelhante ao ocorrido em solo paraibano instau-rou-se no Estado do Mato Grosso, onde, além de a ConstituiçãoEstadual prever um Conselho Estadual de Justiça (artigos 121 a123), criava um rol ainda maior de membros na sua composição,chegando até a contar com a presença de um serventuário da jus-tiça, além de membros do Poder Legislativo e do Executivo (Se-cretário de Justiça).

Sob argumento idêntico (a separação e a independênciados poderes), o Supremo Tribunal Federal julgou procedente aADIN n. 98-5/MT (rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJ 31.10.1997),por reconhecer:

o trauma que representaria ao modelo positivo brasileiro de in-dependência do Judiciário, que tem um dos seus pilares no au-togoverno, a introdução em Estado-membro de um órgão deadministração e disciplina em cuja heterogênea formação seabrissem flancos à intromissão dos outros Poderes. (trecho dovoto do Ministro-relator)

Outro importante julgado do Supremo Tribunal Federal tra-tou de apreciar, na ADIN 202-3/BA (rel. Min. Octávio Gallotti – DJ13.09.1996), proposta pela Associação dos Magistrados Brasilei-ros (AMB), a constitucionalidade dos artigos 122, §§ 1º e 3º, e119, da Constituição do Estado da Bahia.

Os dispositivos impugnados previam competência ao go-vernador daquela unidade federativa para prover os cargos do Tri-bunal de Justiça do Estado da Bahia, destinados aos juízes decarreira, e à Assembleia Legislativa para aprovar, quer o ato depromoção destes últimos, quer o de nomeação dos candidatosegressos da advocacia e do Ministério Público.

412

O Pretório Excelso julgou procedente a ADIN 202-3/BA,para reconhecer a inconstitucionalidade dos artigos 122, §§ 1º e3º, e 119, da constituição baiana, pois tais comandos afrontavamo autogoverno da magistratura.

Em seu voto, o relator, Min. Octávio Gallotti, invocando pre-cedentes da Suprema Corte (ADIN n. 314, rel. Min. Carlos Velloso,sessão de 06.09.1991; ADIN n. 189/RJ, rel. Min. Celso de Mello,RTJ 138/371), assentou que o provimento dos cargos judiciáriosaos magistrados de carreira, em tribunais de segundo grau, estána competência institucional do próprio Tribunal de Justiça, comoforma concretizadora do autogoverno do Poder Judiciário.

Além disso, no tocante à aprovação da Assembleia Legis-lativa sobre a ascensão de juízes, membros do Ministério Públicoe advogados, para integrarem os quadros do Tribunal de Justiça,o Supremo Tribunal Federal decidiu que, na esteira dos artigos96, inciso I, alínea “c”, e 94, ambos da Constituição Federal, cabeao Poder Judiciário decidir, independentemente ou em conjuntocom entidades de classe ou com o governador, sobre a movimen-tação da carreira judiciária no âmbito estadual, mas nunca es-tando sob a ingerência do Poder Legislativo.

Por fim, o Supremo Tribunal Federal pacificou o entendi-mento acerca da impossibilidade da criação de órgãos estaduais,compostos por membros estranhos aos seus quadros, no sentidode fiscalizar o Poder Judiciário, por meio da edição da Súmula n.649, de 24.09.2003, verbis: “É inconstitucional a criação, por cons-tituição estadual, de órgão de controle administrativo do Poder Ju-diciário do qual participem representantes de outros poderes ouentidades”.

A principal lição exarada pelo Supremo Tribunal Federal apartir do julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidaden. 135-3/PB, 202-3/BA (ambas de relatoria do Min. Octávio Gal-lotti) e 98-5/MT (rel. Min. Sepúlveda Pertence), foi que o ato deincluir pessoas estranhas ao Poder Judiciário, em órgão estadualde caráter fiscalizatório deste Poder, afronta a tripartição dos po-deres estatais, bem como diminui o autogoverno da magistratura,eis que, por ausência de previsão constitucional, instituem verda-deiros instrumentos de intimidação e controle – no mais puro usoda palavra – do poder judicante.

413

Acontece que, o legislador constitucional derivado, sensí-vel à necessidade de estabelecer critérios para exercer o controleexterno do Poder Judiciário, mas que fossem justos e não afetas-sem a clássica separação dos poderes estatais, por meio daEmenda Constitucional n. 45/2004, criou o Conselho Nacional deJustiça – CNJ, órgão integrante do judiciário, com tal finalidade.

A seguir serão traçadas mais considerações sobre o Con-selho Nacional de Justiça, a fim de entender todos os meandrosque envolvem a questão.

O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

Histórico

O dinamismo imposto pela atual sociedade obriga o legis-lador a editar normas capazes de se adequarem à realidade,como forma de garantir a função pacificadora e solucionadora deproblemas/litígios do direito.

No plano constitucional essa afirmação não é diferente.Aliás, como bem já dizia Ferdinand Lassalle, o texto legal podeser ricamente escrito, podendo estar intitulado de “Constituição”,mas se não expressar os fatores reais do poder, não passará da-quilo que é: mera folha de papel.

De fato, no final do século XX, a sociedade brasileira jánão mais aspira às ideias lançadas pelo legislador constitucionaloriginário na Carta Magna de 1988 quanto ao Poder Judiciário,tanto é que, no ano de 1992, o então Deputado Hélio Bicudo apre-senta, na Câmara dos Deputados, proposta de Emenda à Cons-tituição n. 96/92 visando alterar a estrutura do judiciário brasileiro,porém, o processo legislativo da PEC 96/92 perdurou por mais de13 (treze) anos no Congresso Nacional (LENZA, 2009, p. 497).

Nesse espaço de tempo, inúmeros foram os debatesacerca das reformas pretendidas com proposta de emenda àConstituição, merecendo destaque a discussão ocorrida no Su-premo Tribunal Federal, em sua seara administrativa, quanto àcomposição de membros do futuro Conselho Nacional de Justiça.

414

Naquela oportunidade, os ministros do STF, após acaloradodebate e opiniões divergentes, por maioria de votos manifestaram-se favoravelmente à criação do Conselho Nacional de Justiça, masadmitindo tão somente a presença de representantes do MinistérioPúblico e da advocacia, ao lado dos membros provenientes do Ju-diciário, conforme Ata da Primeira Sessão Administrativa do ano de2004, mais precisamente na data de 05.02.20046.

No ano de 2004, foi aprovada a Reforma do Judiciário(Emenda Constitucional n. 45/2004), tendo como principais novi-dades as modificações nas competências materiais dos tribunaissuperiores e nas promoções das carreiras jurídicas, a formaliza-ção do ingresso do Brasil perante o Tribunal Penal Internacionale a Criação do Conselho Nacional de Justiça.

Conceito e composição

O Conselho Nacional de Justiça, órgão do Poder Judiciá-rio (art. 92, inciso I-A, da CF), pode ser conceituado como instru-mento destinado a “realizar o controle da atuação administrativae financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveresfuncionais dos juízes” (MORAES, 2007, p. 511).

De acordo com o artigo 103-B da Constituição Federal, oConselho Nacional de Justiça, sediado na Capital Federal, com-posto por 15 (quinze) membros, todos nomeados pelo Presidenteda República, depois de aprovada a escolha pela maioria absolutado Senado Federal, com mandato de 02 (dois) anos, admitidauma recondução, constitui-se de, in verbis:

I – um Ministro do Supremo Tribunal Federal, indicado pelo res-pectivo tribunal;II – um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelorespectivo tribunal;III – um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicado pelorespectivo tribunal;

415

6 O Conselho Nacional de Justiça foi aprovado para ter, também, como membros,dois cidadãos não integrantes do judiciário, Ministério Público ou OAB, mas de no-tável saber jurídico, contrariando o desejo do STF.

IV – um desembargador de Tribunal de Justiça, indicado peloSupremo Tribunal Federal;V – um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;VI – um juiz de Tribunal Regional Federal, indicado pelo SuperiorTribunal de Justiça;VII – um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;VIII – um juiz de Tribunal Regional do Trabalho, indicado peloTribunal Superior do Trabalho;IX – um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;X – um membro do Ministério Público da União, indicado peloProcurador-Geral da República;XI – um membro do Ministério Público estadual, escolhido peloProcurador-Geral da República dentre os nomes indicados peloórgão competente de cada instituição estadual;XII – dois advogados, indicados pelo Conselho Federal daOrdem dos Advogados do Brasil;XIII – dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ili-bada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro peloSenado Federal.

A presidência do Conselho competirá ao ministro indicado peloSupremo Tribunal Federal (art. 103-B, § 1º, CF), e o Ministro-Correge-dor será o ministro oriundo do Superior Tribunal de Justiça (§ 6º).

O papel de custus legis no Conselho Nacional de Justiçacompete ao Procurador-Geral da República e ao Presidente doConselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (artigo 103-B, § 6º, CF), mas a ausência destes nas sessões plenárias nãoas prejudica (STF – MS n. 25.879-AgR. rel. Min. Sepúlveda Per-tence – DJ de 08.09.2006).

A idade mínima para um conselheiro é de 35 (trinta ecinco) anos, enquanto a máxima é de 66 (sessenta e seis) anos(art. 103-B, caput, CF). Nesse ponto, surge uma questão curiosa:nos tribunais superiores a idade máxima de ingresso de um mi-nistro é de 65 (sessenta e cinco) anos (STF – art. 101, caput; STJ– art. 104, parágrafo único; TST - art. 111-A – caput; TCU – art.73, § 1º, inciso I, todos da Constituição Federal), mas os conse-lheiros do CNJ podem tomar posse no cargo com idade de até 66(sessenta e seis).

O jurista Delarco (2005, p. 26) explica com maestria essadistinção:

416

A aposentadoria compulsória no serviço público se dá aos 70(setenta) anos. Levando-se em consideração o tempo total demandato que poderá ter aquele, visto ser possível uma recon-dução, aquele limite de idade tem o condão de impedir que ummembro do Poder Judiciário ou do Ministério Público venha aadquirir a aposentadoria compulsória no quadro deste órgão.

O presidente e o corregedor do Conselho ficam excluídosda distribuição de processos (art. 103-B, §§ 1º e 5º, CF), bemcomo o primeiro somente exercerá o voto de Minerva.

A constitucionalidade do Conselho Nacional de Justiça

É certo que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federalencontra-se pacífica quanto à impossibilidade de constituição es-tadual criar órgão de controle administrativo do Poder Judiciário,onde participem representantes de outros poderes ou entidades,pois esse ato afronta o princípio da separação dos poderes e oautogoverno da magistratura (Súmula 649):

Observa-se, então, que o STF repudia não só a interferênciade outros Poderes ou entidades no controle do Judiciário como,também, qualquer atividade externa que atente contra a garan-tia de autogoverno dos Tribunais e a autonomia administrativa,financeira e orçamentária, prescritas nos arts. 96, 99 e §§, e168 da CF, que, segundo fixou a Suprema Corte, são coroláriosdo princípio da separação de Poderes, erigido, conforme já ex-posto, à categoria de cláusula pétrea pelo poder constituinteoriginário no art. 60, § 4º, III, que nem sequer admite qualquerproposta tendente a aboli-lo. (LENZA, 2009, p. 572)

Outro aspecto importante foi a manifestação do PretórioExcelso quanto à futura composição do quadro de membros doCNJ (judiciário + Ministério Público e OAB), que não foi acatadapelo constituinte reformador. Este acabou incluindo dois membrosprovenientes da sociedade civil no Conselho.

A partir dessas considerações, a Associação dos Magis-trados Brasileiros ajuizou, perante o Supremo Tribunal Federal, a

417

Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.367-1/DF, pretendendoo reconhecimento da inconstitucionalidade do Conselho Nacionalde Justiça, sob o argumento de que sua existência violaria o prin-cípio da separação dos poderes e o pacto federativo, eis que oPoder Judiciário seria controlado por órgão da União.

A questão levada ao Supremo Tribunal Federal foi dura-mente debatida entre seus ministros, tanto que os julgadores quevotaram pela inconstitucionalidade do Conselho Nacional de Jus-tiça não foram unânimes quanto aos pontos inconstitucionais doart. 103-B da Constituição Federal.

Os Ministros Carlos Velloso e Ellen Gracie reconhecerama inconstitucionalidade dos incisos X, XI, XII e XIII, do art. 103-B,por entenderem indevida a presença de membros do MinistérioPúblico, advogados e cidadãos civis no Conselho Nacional de Jus-tiça, enquanto o Ministro Sepúlveda Pertence opinou pela incons-titucionalidade da presença dos últimos no quadro do Conselho.

Por seu turno, o Ministro Marco Aurélio julgou totalmenteprocedente a ADIN n. 3.367-1/DF, pois entendeu que o fato de oCNJ controlar a atuação administrativa e financeira do Poder Ju-diciário (art. 103-B, § 4º, CF) implica em afronta à autonomia cons-titucional do poder judicante (art. 99 da CF):

[...] Senhor Presidente, o princípio do terceiro excluído revelaque uma coisa é ou não é. Não há campo para o meio-termo.Ou bem se tem a autonomia administrativa tal como estabele-cida no artigo 99 da Lei Fundamental, ou não se tem. Pelaemenda, a verdadeira e concreta autonomia administrativapassa a ser do recente Órgão, criado como uma panaceia paratodos os males do Judiciário. Esperança vã, impossível de fru-tificar, porque a quadra vivida não decorre do que pretendeuglosar com a existência desse famigerado Conselho Nacionalde Justiça. (trecho do voto do Ministro Marco Aurélio)

Acrescentou, também, a inconstitucionalidade da composição:

Há a problemática da composição - a maioria é realmente demagistrados. Mas essa circunstância, a meu ver, não afasta ovício quanto ao todo revelado pelo próprio Conselho. Não é ofato de se imaginar até – e não imagino – espírito de corpo, que

418

não servirá à conclusão de que pouco importa a participaçãode seis membros à magistratura: primeiro porque não presumoo excepcional, o extravagante, o teratológico, que é o espíritode corpo, principalmente se se trata de um órgão criado paraconsertar com “s” e com “c”, a magistratura nacional. Presumo,sim, o que normalmente ocorre e, portanto, a atuação equidis-tante, considerados os fatos e as normas incidentes no caso.(trecho do voto do Ministro Marco Aurélio)

Apesar dos consideráveis argumentos tecidos pelo iminenteMinistro Marco Aurélio, o Supremo Tribunal Federal, por maioria devotos, julgou totalmente improcedente a ADIN n. 3.367-1/DF.

O voto do relator, Ministro Cezar Peluso, foi acolhido pelamaioria da Corte, ao entender que a presença de membros es-tranhos à judicatura não representa a interferência de outros Po-deres no Judiciário, nem tampouco atinge sua independência:

Pode ser que tal presença seja capaz de erradicar um dos maisevidentes males dos velhos organismos de controle, em qual-quer país do mundo: o corporativismo, essa moléstia institucio-nal que obscurece os procedimentos investigativos, debilita asmedidas sancionatórias e desprestigia o Poder. (trecho do votodo relator Ministro Cezar Peluso)

E, para arrematar, o ilustre Ministro espancou as descon-fianças sobre a interferência que o Conselho Nacional de Justiçapoderia proporcionar em relação ao controle financeiro e adminis-trativo do Poder Judiciário:

Aqui, a dúvida é de menor tomo. Com o auxílio dos tribunaisde contas, o Legislativo sempre deteve o poder de fiscalizaçãodos órgãos jurisdicionais, quanto às atividades de ordem orça-mentária, financeira e contábil (arts. 70 e 71 da Constituição daRepública), sem que esse, sim, autêntico controle externo doJudiciário fosse tido, alguma feita e com seriedade, por incom-patível com o sistema da separação e independência dos Po-deres, senão como peça da mecânica dos freios e contrapesos.E esse quadro propõe ainda um dilema: ou o poder de controleintermediário da atuação administrativa e financeira do Judiciá-rio, atribuído ao Conselho Nacional de Justiça, não afronta a

419

independência do Poder, ou será forçoso admitir que o Judiciá-rio nunca foi, entre nós, Poder independente! (trecho do votodo relator Ministro Cezar Peluso)

Portanto, à par do julgamento proferido na Ação Direta deInconstitucionalidade n. 3.367-1/DF, evidente o reconhecimento daconstitucionalidade e legalidade do Conselho Nacional de Justiça.

O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E O CONTROLE DOPODER JUDICIÁRIO

Com a entrada em vigor da Emenda Constitucional n.45/2004, ventilou-se, no ordenamento jurídico brasileiro, a possi-bilidade de o Conselho Nacional de Justiça poder rever as deci-sões proferidas pelos juízes nos processos, ou melhor, em suafunção própria judicante.

O Supremo Tribunal Federal apreciou diversas ações incum-bidas de buscar a reforma de julgados proferidos pelo Poder Judi-ciário por meio da competência do Conselho Nacional de Justiça.

Para ilustrar a questão, vale registrar a situação narradano Mandado de Segurança 27.148: os impetrantes visavam a sus-pensão do curso de ação judicial7 pelo Conselho Nacional de Jus-tiça, alegando a suspeição da juíza presidente do feito. Comefeito, o CNJ barrou a pretensão dos autores, sob o argumentode ausência de falta administrativa da magistrada no caso:

Em outras palavras, não há nenhuma correção a ser providen-ciada na postura da juíza Lilia Simone Rodrigues da CostaVieira, pois não foi relatada ofensa a deveres funcionais do ma-gistrado, sendo possível que no âmbito do processo ela tenhaatuado de modo a contrariar os interesses dos requerentes, si-tuação que deve ser coibida com o manejo dos recursos pre-vistos no ordenamento jurídico.

420

7 Ação negatória de paternidade e regulamentação de visitas na Vara de Famíliado Distrito Federal.

Assim, o Ministro Celso de Mello, reconhecendo a com-petência do Conselho Nacional de Justiça tão somente no planoadministrativo, sem poder de ingerência nas decisões dos magis-trados, fulminou a pretensão dos impetrantes no Agravo Regimen-tal interposto no Mandado de Segurança 25.879, afastandoqualquer possibilidade da intervenção do órgão fiscalizatório nosatos jurisdicionais:

Não se desconhece que o Conselho Nacional de Justiça – em-bora incluído na estrutura constitucional do Poder Judiciário –qualifica-se como órgão de caráter eminentemente administra-tivo, não dispondo de atribuições institucionais que lhe permi-tam exercer fiscalização da atividade jurisdicional dosmagistrados e Tribunais. (grifos não reproduzidos)

O entendimento exarado pelo Ministro Celso de Mello vaide encontro justamente à ideia lançada pelo também Ministro doSTF, Eros Grau, no julgamento da ADIN 3.367-1/DF:

De resto – e este ponto é de fundamental importância - ao Con-selho Nacional de Justiça não é atribuída competência ne-nhuma que permita a sua interferência na independênciafuncional do magistrado. Cabe a ele, exclusivamente, o ‘con-trole da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciárioe do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes’, nadamais do que isso. Sua presença, como órgão do Poder Judi-ciário, no modelo brasileiro de harmonia e equilíbrio entre ospoderes, não conformará nem informará - nem mesmo afetará– o dever-poder de decidir conforme a Constituição e as leisque vincula os membros da magistratura. O controle que exer-cerá está adstrito ao plano ‘da atuação administrativa e finan-ceira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveresfuncionais dos juízes’. Embora órgão integrante do Poder Ju-diciário – razão pela qual desempenha autêntico controle in-terno – não exerce função jurisdicional.

A redação do artigo 103, § 4º, CF, é de uma clareza solarem apontar a natureza estritamente de controle da atuação admi-nistrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos de-veres funcionais dos juízes, mas nunca de intervenção na órbita da

421

função judicante do magistrado, não permitindo margem para outrasinterpretações, como tem frisado o Supremo Tribunal Federal.

Noutra vertente, discute-se a possibilidade da competên-cia do CNJ permitir a fiscalização dos atos administrativos emtodas as esferas do Poder Judiciário, quiçá do Supremo TribunalFederal.

A leitura apressada do art. 103-B, § 4º, da ConstituiçãoFederal, poderia levar a interpretação de que o CNJ possui com-petência para rever até os atos administrativos do STF, eis quesua redação o possibilita de fiscalizar o Poder Judiciário8.

Contudo, a própria Constituição Federal desfaz essa ideiaquando prevê a competência originária do STF para julgar asações propostas contra o CNJ (art. 102, inciso I, alínea “r”).

Ora, sendo o Supremo Tribunal Federal a instância má-xima do Poder Judiciário, não havendo outro órgão capaz de reverseus atos, na esfera nacional9, ao tempo que ele tem a competên-cia para julgar recursos interpostos em face do CNJ, é inadmissívelque o Conselho venha a avaliar seus atos administrativos, pois seencontra sujeito a revisão de suas decisões e é hierarquicamenteinferior a Suprema Corte.

Novamente, reportando ao julgamento da ADIN 3.367-1/DF, rel. Ministro Cezar Peluso, cabe registrar que restou conso-lidada a posição de que “o Conselho Nacional de Justiça não temnenhuma competência sobre o Supremo Tribunal Federal e seusministros, sendo esse órgão máximo do Poder Judiciário Nacio-nal, a que aquele está sujeito”.

O controle das decisões do Conselho Nacional de Justiça peloPoder Judiciário

Diz o artigo 103-B, § 4º, da Constituição Federal, que com-pete ao Conselho Nacional de Justiça, verbis, “o controle da atua-ção administrativa e financeira do Poder Judiciário e do

422

8 O STF e o CNJ são órgãos do Poder Judiciário (artigo 93, incisos I e I-A da CF).9 Há a possibilidade de revisão das decisões judiciais do STF pelo Tribunal PenalInternacional (art. 5º, §4º, CF).

cumprimento dos deveres funcionais dos juízes”.Já o artigo 115, § 6º, do Regimento Interno do Conselho

Nacional de Justiça reza que, dos atos e decisões do seu Plenário,não cabe recurso, enquanto isso, o artigo 102, inciso I, alínea “r”,da Constituição Federal, prevê competência originária do STF paraprocessar e julgar as ações contra o Conselho Nacional de Justiça.

Logo, em razão desses dispositivos, restaram as seguin-tes dúvidas: (i) se caberia revisão dos atos e decisões emanadaspelo Conselho Nacional de Justiça; e, em caso positivo, (ii) se oSTF deveria apreciar toda e qualquer decisão do CNJ.

A primeira questão é facilmente resolvida, pois se a própriaConstituição Federal previu a competência do Supremo TribunalFederal para julgar as causas propostas contra o Conselho Na-cional de Justiça (artigo, 102, inciso I, alínea “r”), evidente queuma norma interna (regimento) não possui força para afastar aprevisão constitucional.

Nesse sentido, cumpre transcrever a forte crítica proferidapelo Ministro Marco Aurélio em seu voto no julgamento da AçãoDireta de Inconstitucionalidade de n. 3.367-1/DF:

Dir-se-á: tudo que o Conselho vier a decidir estará sujeito aocrivo do Supremo Tribunal Federal. Também pudera, se nãoocorresse assim, talvez fosse mais interessante fecharmospara balanço, porque aí estaria rasgada a própria Constituiçãoquanto ao livre acesso ao Judiciário; acesso daqueles que sesintam prejudicados por uma deliberação do próprio Conselho.

De outro lado, a segunda proposição revela maior preo-cupação por parte do Supremo Tribunal Federal, pois, na hipótesede todos os atos e decisões do CNJ poderem chegar a sua apre-ciação, a Corte Constitucional se tornaria verdadeiro tribunal re-cursal administrativo.

O Ministro Sepúlveda Pertence expressou seu receioquanto a essa possibilidade, em voto monocrático, no MS 26.710-QO/DF, 29.06.2007, uma vez que entendia a necessidade “de pro-ceder a uma redução teleológica da letra dessa nova cláusula decompetência do Supremo Tribunal, de modo a não convertê-lo,por meio de mandado de segurança, em verdadeira instância or-dinária de revisão de toda e qualquer decisão do Conselho”.

423

Atento a essa questão, o Ministro Gilmar Mendes, no jul-gamento do Mandado de Segurança n. 26.209/DF, Medida Cau-telar, DJ de 26.10.2006, decisão monocrática, tratou de introduzirlimites no âmbito dos recursos levados ao STF contra decisõesdo CNJ, ao reconhecer que, na ordem constitucional vigente, oConselho possui poder suficiente para exercer suas competên-cias, sendo vedado ao Supremo Tribunal Federal substituí-lo noexame discricionário dos motivos que o levaram a proferir suasdecisões, restando cabível a intervenção quando o ato estiverdesprovido de legalidade e/ou razoabilidade10.

Assim, com base nas primeiras decisões que o SupremoTribunal Federal vem proferindo na seara da atuação do ConselhoNacional de Justiça, resta perfeitamente possível a interposiçãode recurso à Suprema Corte em face de decisão do Conselho,desde que o ato atacado contenha vício de razoabilidade ou emsua forma legal11.

CONCLUSÃO

Após todas as ilações anteriores, podemos estabelecer al-gumas conclusões importantes sobre o Poder Judiciário, no queatine a sua organização institucional, atividade judicante e atribui-ções sob a ótica constitucional brasileira, englobando, sobretudo,as eventuais formas de controle de sua atividade e atuação.

Nesse ínterim, é possível verificar que o Brasil adotou a de-nominada e célebre tripartição dos poderes do Estado, a qual secaracteriza por intermédio dos Poderes Legislativo, Executivo e Ju-diciário, todos independentes e harmônicos entre si, conforme cláu-sula pétrea estatuída no artigo 2° da Constituição Federal de 1988.

Pela expressão “independentes e harmônicos entre si”deve-se compreender que os três poderes atuam na atividadepolítica e organização estatal um ao lado do outro, porém, de

424

10 Perfilha entendimento idêntico Pedro Lenza (2009, p. 575).11 O CNJ pode analisar o mérito e a legalidade do ato no exercício de sua funçãocorrecional e disciplinar, mas, no controle administrativo e financeiro, caberá so-mente avaliar a legalidade do ato (MORAES, 2007, p. 513).

maneira que um não intervenha essencialmente na atividade ena atribuição do outro, sob pena de o ato atentar contra a triparti-ção dos poderes e a nossa Carta Federal (inconstitucionalidade),ou seja, cada qual deve ser responsável pelo exercício de umafunção típica do Estado, sendo essas três funções estatais mate-rializadas através das atividades da legislação, administração ejurisdição, respectivamente, as quais devem ser atribuídas a trêsórgãos autônomos entre si, que as exercerão com exclusividade,que são justamente o Poder Legislativo, o Poder Executivo e oPoder Judiciário.

Assim sendo, e, sobretudo, analisando o presente trabalhosob o prisma da atuação do Poder Judiciário e sua atividade judi-cante, o qual é o seu objeto, calha ressaltar que ele possui largaindependência jurisdicional e organizacional sob amparo consti-tucional, caminhando ele harmonicamente com os demais pode-res da federação, porém, sem sofrer qualquer ingerência de outroórgão, seja este qual for.

Ou seja, o Poder Judiciário é autogovernável com relaçãoà sua atividade jurisdicional de julgar e solver conflitos, outroradenominados litígios, e qualquer outra forma de controle do poderjudiciário, que não controle de seu próprio âmbito, está eivado deinconstitucionalidade, já que atenta contra a própria tripartição dospoderes, que estabelece a cada um dos três as suas atribuiçõese organizações próprias.

Estabelecidas essas premissas, e refutada qualquer possi-bilidade de ingerência interna na atividade do judiciário pelos demaispoderes da federação, questiona-se, ainda, acerca do eventual con-trole sobre o já citado poder pelo Conselho Nacional de Justiça –CNJ, criado com o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004,arguindo-se inclusive que a criação desse órgão objetivou justa-mente controlar a atividade do Judiciário, o que não procede.

Nesse jaez, restou comprovado que o Conselho Nacionalde Justiça possui tão somente (além de zelar pelo cumprimentodos deveres funcionais dos juízes, ato de menor importância sobrea ótica deste trabalho) atribuições administrativa e financeira sobreo Poder Judiciário (art. 103-B, §4°, CF), e nunca jurisdicional. Re-ferido órgão possui natureza eminentemente administrativa, e nãojudicante, conforme é exercida única e exclusivamente pelo Poder

425

Judiciário, sob amparo constitucional absoluto.Conforme já dito alhures, se admitido fosse o controle do

Judiciário pelo Conselho Nacional de Justiça, o órgão judicanteestaria fadado ao “abaixar de suas portas”, já que sua atividadejurisdicional acabaria por estar sendo exercida por um órgão ad-ministrativo/financeiro o qual, pela sua criação/função institucionale essência legal não possui legitimidade para tal mister. Assim,por conclusão lógica, não se admite qualquer intervenção no ju-diciário pelo CNJ.

Mais uma vez, toda e qualquer interferência do ConselhoNacional de Justiça na atividade do Poder Judiciário, que nãoaquela estabelecida taxativamente pela Constituição Federal emseu art. 103-B, §4°, está manchada pela ilegalidade e inconstitu-cionalidade, uma vez que foge de sua competência e legitimidade,conforme já repisou o Pretório Excelso.

Além do mais, essa conclusão sobre a não ingerência doConselho Nacional de Justiça sobre o Judiciário repousa, sobre-tudo, no prisma de que o primeiro não possui poder para julgaros atos do segundo, mas somente para acompanhar de forma ad-ministrativa e financeira o Poder Judiciário, sem qualquer interfe-rência na sua função judicante e seus atos, os quais somentepodem ser atacados através dos recursos propriamente estatuí-dos em nosso ordenamento jurídico, e nunca por outro órgão pos-suidor de outra natureza que não a mesma judicante, outroradenominada legitimação jurisdicional, cujo único detentor é o pró-prio judiciário.

Por outro lado, ainda se discute, no mundo jurídico, acercada existência de eventual intervenção do judiciário na atuação dosoutros dois poderes da federação e se isso está respaldado pelalegalidade.

Sobre esse assunto, o que há de se raciocinar é que oPoder Judiciário não intervém (internamente) na atividade, atuaçãoe organização de qualquer dos outros. O que ocorre é que, quandose pensa que há qualquer ingerência, o que acontece na verdadeé que o judiciário, como único detentor legal da atividade judicante,conforme já dito alhures, exerce sobre todo e qualquer ato o seupoder de ‘peneira’ legal a qual tem legitimidade para apreciar e jul-gar os atos da administração do Estado, e isso engloba em maior

426

amplitude até os outros dois poderes. Ou seja, qualquer ato, seja doExecutivo ou do Legislativo (nepotismo dentro da organização dequalquer deles, por exemplo), desde que eivado de qualquer irregu-laridade ou mesmo ilegalidade, poderá sofrer o controle do judiciárioa fim de sanar a falha estatal através de sua atividade judicante (pro-cedimento judicial, controle de constitucionalidade, etc.).

Outrossim, não se pode confundir atuação da atividade ju-dicante do Poder Judiciário com controle interno ou externo sobreos demais poderes, até porque, conforme disposto constitucional,ambos os poderes são independentes e harmônicos entre si.

E nesse diapasão ainda se engloba o Conselho Nacionalde Justiça, no que atine ao eventual controle do judiciário sobresua atuação, uma vez que, não obstante fazer parte do citadoPoder da federação, está sempre sujeito ao seu crivo, envol-vendo, nesse prisma todos os seus atos, porém, somente no queatine a sua atuação administrativa e financeira para com o judi-ciário, e nada além disso, até porque possui organização própria.

Ao fim, após profundo estudo sobre o caso, é de se trazerem voga o denominado autocontrole do Poder Judiciário, o qualnão sofre qualquer controle externo dos outros Poderes ou até dopróprio Conselho Nacional de Justiça, a uma porque são indepen-dentes e, portanto, não pode sofrer ingerência dos demais, e outraporque o CNJ não foi criado com esse instituto intervencionista, ese fosse admitido o contrário, corresponderia ao mesmo que co-locar em xeque a célebre tripartição dos poderes sobre a qual sefundamenta nossa Federação, e, por conseguinte, referido con-trole estaria eivado pela inconstitucionalidade.

REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. A Política. Tradução: Roberto Leal Ferreira. SãoPaulo: Martins Fontes, 1998.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed.São Paulo: Saraiva, 2001.

427

428

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federa-

tiva do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988.

CALMON, Pedro. Curso de Direito Constitucional brasileiro. 4. ed.Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956.

COTRIM, Gilberto. História e consciência do mundo. 1. ed. SãoPaulo: Saraiva, 1994.

DELARCO, Alexandre Paulo. Reforma do Judiciário comentada

artigo por artigo. 1. ed. São Paulo: Tático, 2005.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Consti-

tucional. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

LASSALLE, Ferdinand. O que é uma Constituição? Belo Hori-zonte: Editora Líder, 2002.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 13. ed. SãoPaulo: Saraiva, 2009.

LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo Civil: ensaiosobre a origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil.Tradução de Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. Petrópolis:Vozes, 1994.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 18. ed. São Paulo:Atlas, 2005.

______. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2007.

PRADO, Rosana. Dicionário Jurídico. São Paulo: Lawbook, 2005.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.19. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.