O DESENVOLVIMENTO LOCAL NO MUNICÍPIO DE SÃO GABRIEL DO OESTE SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA: UMA ANÁLISE SISTÊMICA
Dax Peres Goulart1
1 Economista pela UFSC e Mestre em Desenvolvimento Local pela UCDB [email protected]
Campo Grande/MS, maio de 2008.
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O DESENVOLVIMENTO LOCAL NO MUNICÍPIO DE SÃO GABRIEL DO OESTE SOB A ÓTICA DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA: UMA ANÁLISE SISTÊMICA
RESUMO
Neste trabalho procurou-se apontar que a partir do conceito, delimitação e constituição do Complexo Agroindustial (CAI) da Soja em São Gabriel do Oeste foi possível aventar que a chamada “agricultura moderna local” encontra-se subordinada aos interesses do capital e dependente do processo de industrialização. Os capitais industrial e financeiro revestidos de diversas formas e roupagens suscitam um novo padrão de acumulação e reprodução, concentrando-se a jusante e, principalmente, a montante da agricultura. A partir do conceito de CAI articulado com a noção de território foi possível compreender a dinâmica do processo de desenvolvimento local, territorial e rural ocorrido em São Gabriel do Oeste. A análise do processo de desenvolvimento local e de construção do território, bem como o entendimento das relações capitalistas, foram os focos deste trabalho. A definição do conceito de território, utilizado como instrumental analítico para entendimento da escala espacial de reprodução e acumulação capitalista possibilitou compreender as relações sistêmicas de interdependência entre agricultura e os demais atores do mundo globalizado. O estudo permitiu ainda, evidenciar o conceito de desenvolvimento local a partir da concepção e visão de um mundo competitivo, forjado numa relação de dependência em escala vertical entre territórios desenvolvidos e demais localidades sub-desenvolvidas. PALAVRAS-CHAVES: Complexo Agroindustrial; Desenvolvimento Local; Território. CLASSIFICAÇÃO JEL: Q13 (O13, Q32, Q56, R11) 1 – INTRODUÇÃO A complexidade é o retrato da atual sociedade. No mundo de hoje a visão clássica e
reducionista, respaldada pelo paradigma newtoniano-cartesiano, está perdendo espaço para uma
abordagem sistêmica e incumbida de perceber as inter-relações que permeiam os difíceis problemas
sociais e individuais. Indicar caminhos para a solução de problemas complexos e difíceis de serem
resolvidos tornou-se uma árdua tarefa para a ciência contemporânea. A visível soberba de
interações não-lineares advindas do turbilhão de novas tecnologias e da difusão do conhecimento
assegura a perpetuação de um ambiente incerto e imprevisível. A única certeza é a própria mudança
e o crescente número de informações. Por outro lado, estas mudanças não estão sendo
acompanhadas por instrumentos capazes de retratar o complexo ambiente que comporta uma
sociedade repleta de inter-relações, constantes fluxos de informações e de cenários surpreendentes.
O presente artigo é relevante porque busca analisar o desenvolvimento local no
município de São Gabriel do Oeste a partir do processo de modernização e da industrialização da
agricultura e da consolidação do Complexo Agroindustrial da Soja (CAIS). Por outro lado, pode-se
aventar que, com o desenrolar do processo de modernização concebido no pós-guerra, a nova
dinâmica da agricultura torna-se subordinada aos interesses do capital e dependente do processo de
industrialização. Os capitais industrial e financeiro apresentam-se concentrados a jusante e,
principalmente, a montante da agricultura. Assim, a consolidação do Complexo Agroindustrial
(CAI) implica em uma nova dinâmica para o desenvolvimento da agricultura moderna.
A constituição do Complexo Agroindustrial da Soja (CAIS), bem como o entendimento
de questões relacionadas com o desenvolvimento local, territorial e rural nas diversas dimensões
(escalas espaciais) são os focos principais deste trabalho, pois a definição do conceito de Complexo
Agroindustrial (CAI) é o principal instrumento de cunho analítico utilizado para compreender as
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relações sistêmicas de interdependência entre a agricultura local desempenhada em São Gabriel do
Oeste e a indústria.
2 - O MÉTODO
Analisar o desenvolvimento local sob a ótica do Complexo Agroindustrial da Soja
(CAIS) requer a adoção de uma abordagem capaz de considerar as interações existentes entre os
sistemas e o ambiente externo. Para tanto, optou-se pelo caminho da complexidade para investigar
os sistemas, suas interligações, relações de interdependência e conexões em diversas dimensões
espaciais.
Na agricultura o uso de abordagens, métodos ou enfoques baseados na visão de sistemas
aparece como alternativa para solucionar ou equacionar os complexos problemas que o método
reducionista não conseguia explicar. No método sistêmico soft-systems o foco de análise deixa de
ser os sistemas físicos de produção e passa a preocupar-se com as inter-relações entre os agentes e
suas interações com o ambiente externo. Este método de abordagem tem respaldo nas obras de
Checkland (1989), Bawden (1992), Ison (1992) e Schlindwein et al. (1998). Segundo estes autores,
o objetivo do método soft-systems não é exercer o controle do sistema esperando alcançar os
resultados pré-definidos (visão positivista), mas compreender as relações humanas e interagir (visão
construtivista).
No processo de desenvolvimento local todas as ações devem estar comprometidas com a
sustentabilidade de sistemas complexos. No tocante à sustentabilidade tem-se diferentes visões de
mundo (weltanschauungen) ou dimensões. Basicamente, a harmonia entre as dimensões
econômicas, ambientais e sociais de um sistema garantem a sua sustentabilidade. Nesse sentido a
Soft System Methodology (SSM) deve cumprir o seu papel e mostrar-se suficiente para analisar as
relações entre os seres humanos e suas interações com o meio ambiente (social, físico, cultural,
biológico, econômico, etc.).
Todavia, para analisar o processo de desenvolvimento local torna-se imprescindível a
adoção de critérios que possam servir de parâmetros para explicar a realidade. No que se refere à
adoção de instrumentos de medida para avaliar o processo de desenvolvimento local (sustentável),
algumas variáveis (indicadores) encontradas nos campos econômico, ambiental e social e que juntas
formam o tripé da sustentabilidade, serão utilizadas para contextualizar o desenvolvimento local no
município de São Gabriel do Oeste. Para Mitchell (1997) um indicador tem como característica
fundamental a síntese de informações sobre uma realidade complexa. Definir e avaliar, sob o ponto
de vista econômico, social e ambiental, o que é insustentável, torna esta tarefa extremamente difícil.
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Para analisar o processo de desenvolvimento local em São Gabriel do Oeste foram
avaliadas as condições de sustentabilidade no município. Ou seja, em decorrência da interação com
o CAI da soja com o município constituiu-se indicadores nas áreas econômica, social e ambiental
representativos à sustentabilidade, tendo em vista contextualizar o desenvolvimento. Por fim,
aplicou-se o método soft-systems aos indicadores relevantes à sustentabilidade do sistema para
abstrair propostas válidas, pertinentes ao tema e que indicariam ações a serem realizadas. A seguir
estão agregados os indicadores dentro das dimensões ou sistemas que possam expressar a
sustentabilidade no município de São Gabriel do Oeste.
• Dimensão Econômica: diversidade da atividade produtiva (renda total obtido por diferentes
atividades e produtos do sistema); capacidade de reprodução (renda agropecuária e nível de
reprodução social).
• Dimensão Social: desenvolvimento humano municipal (IDH-M); participação e cidadania
(grau de participação).
• Dimensão Ambiental (Recursos Naturais): contaminação e degradação do meio natural
(qualidade da água e solo); unidade de conservação (área protegida).
Os procedimentos metodológicos estão organizados em quatro etapas: a) construir
indicadores que representem os desdobramentos da chamada “modernização da agricultura” no
município de São Gabriel do Oeste (tendência à insustentabilidade); b) avaliar os indicadores
representativos da sustentabilidade do sistema; c) analisar o processo de desenvolvimento local
existente em São Gabriel do Oeste tomando-se como base os indicadores; d) aplicar sobre os
indicadores o método soft-systems.
3 - DELIMITAÇÃO DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL (CAI)
Neste artigo adota-se a definição conceitual de CAI defendida por Graziano da Silva
(1989a, 1989b, 1991, 1998) e Kageyama (1983, 1987, 1988, 1990) por entender que o processo de
modernização e internalização das indústrias de bens de capital voltadas para a agricultura (D1 da
Agricultura) possibilitou compreender a sua completa subordinação aos interesses do capital
industrial, bem como a participação marcante do Estado na consolidação dos encadeamentos
situados nos flancos da produção agrícola. Para analisar o desenvolvimento local em São Gabriel do
Oeste tem-se como foco a ótica do CAI, mas sem perder de vista as interações com o ambiente
externo (outros sistemas), bem como as inter-relações que acontecem no interior do próprio sistema
(sistemas próprios). Neste ponto, torna-se de fundamental importância delimitar logo de início o
encadeamento técnico e produtivo entre as partes que constituem o CAI em análise.
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A determinação do espaço analítico delimitado tem como foco central a produção da
soja em grãos como matéria-prima e ponto de partida da análise. Dessa forma, o limite do
encadeamento de jusante a montante estará restrito, para trás, com a produção de máquinas
equipamentos e insumos modernos e, para frente, com a agroindustrialização a partir do
esmagamento dos grãos de soja. Ou seja, o espaço analítico está delimitado entre três sistemas
(indústrias, propriedades agrícolas e agroindústrias) intimamente associados entre si, inter-
relacionados por três segmentos (industrialização, produção de matéria-prima e
agroindustrialização) e dois mercados: mercado entre os produtores de máquinas, equipamentos e
insumos modernos e os produtores rurais; mercado entre produtores rurais e agroindústrias
esmagadoras de soja. Os diversos fatores que têm influência sobre a estrutura também devem ser
considerados, pois os limites do sistema permitem relações com o meio ambiente.
4 - DEFINIÇÃO DE COMPELXO AGROINDUSTRIAL (CAI)
Para Silva (1998) nos anos 70 uma nova dinâmica de acumulação capitalista industrial
conduz o processo de industrialização da agricultura no sentido de uma integração vertical a partir
da expansão da indústria de insumos modernos. Este novo padrão agrícola baseado na acumulação
industrial fica concebido como Complexo Agroindustrial (CAI). Portanto, a implementação do D1
no país até a metade dos anos 60 e, consecutivamente, a internalização definitiva voltada para a
agricultura como desdobramento do processo de industrialização, estabelecem o marco referencial
entre: a dependência da capacidade de importar máquinas, equipamentos e insumos modernos como
limites impostos à modernização da agricultura e a internalização definitiva da produção destas
máquinas, equipamentos e insumos modernos. Desta forma, a constituição do Complexo
Agroindustrial (CAI) deve ser entendida, ex-post, pela integração entre as indústrias que produzem
para a agricultura, possibilitada, ex-ante, pela internalização da produção de máquinas e insumos
para atender a agricultura. Neste novo estágio de acumulação capitalista a modernização da
agricultura passa ser determinada pela dinâmica da indústria, apesar da própria industrialização da
agricultura e a constituição do CAI expressarem a dinâmica agrícola. Neste ponto, observa-se uma
clara mudança de paradigma, impondo limites na análise setorizada da agricultura como meio de
explicar a sua dinâmica, pois a consolidação do CAI pressupõe a integração vertical (agricultura-
indústria), não apenas do processo produtivo baseado em novas tecnologias à la Schumpeter1, mas
a integração de capitais industrial e financeiro e suas relações com o Estado.
A partir do conceito de Complexo Agroindustrial (CAI) é possível focalizar os aspectos
que facilitam o entendimento da dinâmica agroindustrial integrada internamente, bem como
1 Ver SCHUMPETER, J. A. Capitalism, socialism and democracy. Allen & Unwin, 1943. Schumpeter afirma que os estágios de
desenvolvimento estão atrelados e associados ao processo de inovação tecnológica adotado pelos empresários empreendedores.
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conectada em escala vertical, tendo em vista a articulação entre diversos territórios localizados tanto
a jusante, mas principalmente, a montante do processo produtivo. Ou seja, a análise do CAI
constitui-se no marco teórico-metodológico necessário para a compreensão desses aspectos e
demais visões inerentes à agroindústria e suas interações com o mundo contemporâneo e
globalizado.
O ponto de partida deste trabalho emerge da existência de relações entre agricultura-
indústria, analisada sob a perspectiva do advento inovador tecnológico que passa a permear a
agricultura. Ou seja, o setor agrícola estaria sendo absorvido por setores industriais localizados nas
extremidades do encadeamento técnico-produtivo: numa ponta temos a indústria para a agricultura -
fornecedora de bens de capital e insumos modernos (denominado de setor a montante da
agricultura); e na outra ponta a indústria da agricultura - processadora da matéria-prima agrícola -
agroindústria (denominado de setor a jusante da agricultura).
Para Kageyama et al. (1988) apud Silva (1989b), com a consolidação dos CAI a
dinâmica da agricultura brasileira passa a ser determinada pela interdependência entre os setores
industriais fornecedores de máquinas e insumos modernos e suas interligações com as
agroindústrias. O deslocamento do eixo determinante da dinâmica setorial agricultura-indústria
implica na superação do enfoque analítico que buscava explicar a agricultura como um setor
primário da economia, retroalimentada pelos seus próprios recursos e insumos internos disponíveis
que eram utilizados na produção de bens de consumo finais. A partir dos CAI, as agroindústrias
tornaram-se processadoras de alimentos dependentes e encadeadas a jusante das indústrias
produtoras de máquinas, equipamentos e insumos modernos. Por outro lado, em Silva (1989a) a
consolidação dos CAI implica na integração de capitais (financeiro, industrial e agrícola) que são
utilizados para financiar a indústria, o comércio, os bancos, as propriedades rurais, as companhias
de transporte e demais ramos industriais que se apresentarem como atividades eminentemente
lucrativas e necessárias à acumulação e reprodução capitalista.
Ainda em Silva (1989a), o conceito de CAI representa a emancipação da estrutura
intersetorial (agricultura-indústria) utilizada como referencial analítico para explicar a própria
dinâmica da agricultura. O CAI pressupõe a completa integração da agricultura com a indústria,
constituindo-se como um novo padrão produtivo emergente, heterogêneo e multideterminado. A
constituição do CAI da Soja em São Gabriel do Oeste e seu encadeamento, tanto a jusante, como
principalmente a montante, pressupõe uma investigação entre territórios em escalas de integração
vertical pertencentes a espaços distintos e distantes, mas alinhados e articulados entre si, pois as
indústrias produtoras e fornecedoras de máquinas, equipamentos e insumos modernos estão
localizadas em territórios pertencentes ao centro do capitalismo, mas exercem poder de influência e
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condicionam, aos seus gargalos e avanços tecnológicos, a produção de soja (matéria-prima) em
territórios periféricos.
5 - O DESENVOLVIMENTO LOCAL E A DINÂMICA TERRITORIAL DO CAI
Para Ávila (2003), compreender a realidade sobre desenvolvimento é expor a relação de
dependência existente entre países desenvolvidos e países sub-desenvolvidos. Tal compreensão
pode ser remetida às relações espaciais em escalas verticais distintas, mas intimamente articuladas
sob o ponto de vista da constituição de territórios. Esta relação de dependência ocorre em dois
prismas intimamente articulados, convergentes e alinhados. Ou seja, nos âmbitos interno e externo
concernentes aos territórios sub-desenvolvidos os grandes centros desenvolvidos se alimentam,
tiram proveitos e cultivam a manutenção da relação de dependência à guisa da premente e
permanente sustentação dos seus próprios interesses.
No tocante às relações existentes entre agricultura e indústria, percebe-se em Mato
Grosso do Sul a transferência de matérias-primas eminentemente agrícolas em direção aos centros
industrializados. Estas matérias-primas agrícolas serão processadas e transformadas pelas
agroindústrias localizadas no centro industrial de expansão capitalista e distribuídas, tanto no
centro, como também nesta periferia (retorno da matéria-prima com maior valor agregado). Além
do retorno dos produtos finais derivados das matérias-primas agrícolas, a disjunção espacial
produtiva, caracterizada pela migração de unidades indústrias fragmentadas, buscam a periferia e
utilizam uma mão-de-obra desqualificada para realizarem atividades banalizadas a partir de uma
integração comandada pelo centro. Estas migrações do capital industrial para a periferia também
podem ser consideradas como estratégias de reprodução e acumulação do capital em decorrência de
uma nova divisão espacial do trabalho.
Em Mato Grosso do Sul, principalmente em Campo Grande, pode-se constatar a
instalação de agroindústrias processadoras e transformadoras de matéria-prima, bem como
indústrias responsáveis pela confecção de silos para armazenagem de grãos. Porém, quando é
retomado o conceito de CAI utilizado neste trabalho percebe-se a inexistência da internalização de
uma indústria de bens de produção voltada para a agricultura local (produção de máquinas,
equipamentos e insumos modernos). Nesse sentido, a integração dos capitais industrial e financeiro
situados a montante da matéria-prima agrícola não permite a delimitação local de um CAI para a
soja colhida em Mato Grosso do Sul situado num único território. Percebe-se a sobreposição de
escalas de visualização articuladas entre em si, onde territórios dissociados por fronteiras espaciais,
mas intimamente conectados e integrados pela força do interesse industrial, possibilitam a definição
do CAI da soja no âmbito territorial numa escala vertical de reprodução e acumulação capitalista.
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Logo, pode-se aventar que o sub-desenvolvimento é relativo quando se percebe que ele
não é retroalimentado por si só e involuntariamente. A relação de desigualdade é o êmbolo do sub-
desenvolvimento, pois aquela mantêm-se em razão da exploração constante que se reproduz nos
diferentes prismas e “o que de fato interessa é cultivá-la enquanto eficiente dinamismo de
sustentação e permanente alimentação de seus próprios interesses e ‘riquezas’” (ÁVILA, 2003, p.
14 e 15).
Diante desse contexto o desenvolvimento local surge no território sub-desenvolvido
como um novo viés ideológico e de cunho político, permeado de ações assistenciais que visam a
perpetuar a cultura submissa e dependente imposta pelos territórios chamados centros capitalistas
desenvolvidos aos demais espaços periféricos sub-desenvolvidos. No entanto, faz-se mister
descortinar tal estratégia imposta pelo capitalismo globalizador e definir, de fato, o que é realmente
desenvolvimento local. Para tanto, segundo Ávila (2003, p. 17) para introduzir ao debate o que vem
a ser desenvolvimento local deve-se primar pela observação das seguintes questões infra-
relacionadas:
� a da relação do mundo desenvolvido com suas próprias periferias, carências e pobrezas internas e socioeconomicamente desequilibradoras;
� a da atual relação de dependência e subjugo do mundo subdesenvolvido ao mundo desenvolvido;
� a da relação do mundo subdesenvolvido com as suas próprias chances de efetiva e emancipadamente se desenvolver [...] a partir de comunidades-localidades concretas e bem definidas.
Para efeito desta análise, deve-se atentar para a predominância da relação de
dependência existente entre desenvolvimento e sub-desenvolvimento presente na terceira questão,
uma vez que esta tem caráter revolucionário e constitui-se no principal axioma do sub-
desenvolvimento, pois ao remeter o desenvolvimento local autóctone ao seu próprio destino,
condiciona a chance de tornar-se desenvolvido ao poder de rompimento das amarras que impedem a
sua emancipação. Esta emancipação pressupõe, segundo Ávila (2003), a alteração da forma de
interação que as comunidades locais têm com o paradigma de desenvolvimento cultivado e
difundido pelo mundo capitalista globalizante. Assim, sub-desenvolvimento supõe a incapacidade
de ditar uma nova ordem, dar uma nova forma à realidade e estabelecer uma cultura focada em suas
próprias potencialidades.
[...] sensibilizar-se, mobilizar-se e organizar-se para a geração gradativamente cooperativa de seu próprio bem-estar de base, como o desvelamento de auto-estima, o cultivo da auto-confiança e o tornar-se capaz, competente e hábil para discernir e buscar tanto suas próprias alternativas de rumos sócio-pessoais futuros quanto soluções possíveis, no seu âmbito ou fora dele, para seus mais imediatos problemas, necessidades e aspirações. E isso sempre a partir daquilo que estiver ao
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seu alcance (principalmente o conhecimento e o aproveitamento de suas peculiaridades e potencialidades), bem como do simples para o complexo e do mais para o menos comunitariamente necessário (ÁVILA, 2003, p. 19).
Além da capacidade (saber discernir, decifrar e incorporar a realidade), competência e
habilidade constituem as principais virtudes que compõem o tripé necessário ao empoderamento de
uma comunidade na geração de um espiral de causação circular positiva como forma de superação
dos gargalos que aprisionam o desenvolvimento. Ou seja, (des)envolver localmente é desvendar as
capacidades, competências e habilidades de uma comunidade que passa, por um lado, a assumir e
promover o seu desenvolvimento interno e, por outro, a digerir e metabolizar as influências externas
de maneira a aproveitar seus benefícios e descartar os efeitos negativos.
Segundo Martin (1999), o desenvolvimento local é o processo reativador da economia e
dinamizador da sociedade local, mediante o aproveitamento eficiente dos recursos endógenos
existentes numa determinada região, capaz de estimular e diversificar seu crescimento econômico,
criar emprego e melhorar a qualidade de vida da comunidade local, sendo o resultado de um
compromisso pelo qual se entende o espaço como lugar de solidariedade ativa, o que implica
mudanças de atitudes e comportamentos de grupos e indivíduos.
Seguindo os preceitos do prof. Carpio Martín, Ávila (2000, p. 68) afirma que o “núcleo
conceitual” do desenvolvimento local pode ser definido como o “efetivo desabrochamento das
capacidades, competências e habilidades de uma ‘comunidade definida’ (portanto com interesses
comuns e situada em determinado território ou local com identidade social e histórica), no sentido
de ela mesma se tornar paulatinamente apta a agenciar e gerenciar (diagnosticar, tomar decisões,
planejar, agir, avaliar, controlar, etc.) o aproveitamento dos potenciais próprios, assim como a
‘metabolização’ comunitária de insumos e investimentos públicos e privados externos, visando à
processual busca de soluções para os problemas, necessidades e aspirações, de toda ordem e
natureza, que mais direta e cotidianamente lhe dizem respeito”.
Para Ávila (2000) apesar desta definição deve-se estabelecer a diferença entre os
significados de “desenvolvimento local” e de “desenvolvimento no local”, considerando-se ainda a
participação da comunidade. Para Ávila (2000, p. 69), desenvolvimento no local, “quaisquer
agentes externos se dirigem à ‘comunidade localizada’ para promover as melhorias de suas
condições e qualidade de vida, com a ‘participação ativa’ da mesma”, ao passo que, no
desenvolvimento local “a comunidade mesma desabrocha suas capacidades, competências e
habilidades de agenciamento e gestão das próprias condições e qualidade de vida, ‘metabolizando’
comunitariamente as participações efetivamente contributivas de quaisquer agentes externos”.
Ainda em Ávila (2000), no primeiro caso, os agentes externos são os únicos promotores
do desenvolvimento e a comunidade apenas se envolve participando. No segundo, a própria
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comunidade é a protagonista do seu desenvolvimento e os agentes externos são os que se envolvem
participando. A busca pela extinção da relação de dependência está condicionada ao aumento
significativo da capacidade cinética (gerar capacidades, competências e habilidades) do capital
humano pertencente à comunidade e do seu poder de externalizar os efeitos positivos do processo
de conhecimento para um processo de desenvolvimento resolúvel.
Segundo Ploeg et al. (2000) apud Schneider (2004) o desenvolvimento no campo tende
a alongar as suas interações e alterar a relação do homem com o capital a partir da superação da sua
dependência com o processo de modernização técnico-produtiva, desenvolver estratégias
autônomas representadas por unidades familiares, sem perder de vista a concepção capitalista do
seu negócio, bem como considerar os viéses econômicos, sociais e ambientais que, por sua vez,
necessitariam de uma reconstrução conceitual diferente do paradigma produtivista vigente. No
momento, esta tendência está em movimento contrário aos interesses do capital industrial
territorialmente descentralizado, mas fortemente conectado entre si, e do capital financeiro
altamente concentrador de riquezas. Ou seja, no presente trabalho pode-se aventar que a tendência
defendida por Ploeg (2000) está mostrando-se às avessas da realidade aparente em São Gabriel do
Oeste. A integração do CAI da Soja é territorialmente descentralizada, apesar de boa parte da
produção da soja estar altamente concentrada em grandes propriedades rurais ou representada por
cooperativas constituídas por pequenos produtores, dependente de máquinas, equipamentos e
insumos modernos e financiada por um capital específico que visa a atender as suas necessidades
em busca de uma maior valorização.
De acordo com Santos (1994) é a partir dessa constatação que a abordagem do território
vem corroborar para explicar tal cenário. O novo ordenamento do espaço suscita novos contornos
para construção e funcionamento do território, integrado tanto verticalmente como horizontalmente.
A escala horizontal representa o espaço contíguo, próximo, vizinho e territorialmente reunido,
enquanto que a escala vertical é forjada por pontos distantes e socialmente conectados. Ou seja,
percebe-se na escala vertical a relação situada a montante da produção de soja (matéria-prima)
quando tem-se a dependência total do local na aquisição de máquinas, equipamentos e insumos
modernos produzidos em territórios distantes, mas articulados entre si. Por outro lado, as
agroindústrias situadas a montante da matéria-prima (soja) dividem com os demais territórios a
produção da soja colhida em São Gabriel do Oeste. Na constituição do CAI da soja em Mato
Grosso do Sul percebe-se a existência de territórios espacialmente isolados, mas altamente
articulados em prol do desenvolvimento capitalista. Ainda em Santos (1994) apud Schneider
(2004), o “retorno ao território” reflete a adoção de uma análise baseada em mudanças sócio-
econômicas, espaciais, institucionais, políticas e ambientais oriundas da reestruturação do
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capitalismo da era pós-fordismo, globalizante, fragmentado e ao mesmo tempo descentralizado e
que se recompõe, atua e interage no âmbito dos próprios territórios.
Para Santos (1994), os controles horizontal e vertical impõem uma dialética ao conceito
de território. Ou seja, para o autor existem dois controles: um controle "local" da chamada parte
"técnica" da produção e um controle remoto, à distância, da parte política da produção. No âmbito
técnico da produção as cidades locais ou regionais e de espaços contíguos controlam o espaço no
entorno do território. O controle distante, que acontece de forma política, é concebido nas cidades
do centro do capitalismo global. Suas interferências encontram-se espalhadas e são difundidas no
território local. Em Santos (1994), esta tendência contribui para alienação dos homens com seus
espaços a partir de uma mobilidade iminente. Por outro lado, o território global e transnacional
torna-se alicerçado no lugar, ou seja, o próprio local passa a ficar unido verticalmente, porém, do
ponto de vista horizontal, as relações humanas são reconstruídas e fortalecidas localmente, de
acordo com os interesse exclusivos do capital e impulsionadas para garantir a sobrevivência dos
mercados. Aí está a contradição. A verticalização modernizante, vista aqui como a integração do
CAI da Soja, principalmente das atividades situadas a montante da produção da matéria-prima,
corrompe a coesão da integração horizontal, pois o capital (mercado) se contrapõe à coesão
horizontal que surge a partir dos interesses da sociedade civil.
[...] a nova etapa do processo secular de racionalização é essencialmente devida à emergência de um meio técnico-científico-informacional, que busca substituir o meio natural e o próprio meio técnico, produz os espaços da racionalidade e constitui o suporte das principais ações globalizadas [...] empresas regulam as suas necessidades produtivas segundo regras que estabelecem, e tanto vigoram no interior da firma como em suas relações verticais e horizontais. Mas o fato de que a norma se tornou indispensável ao processo produtivo, conduz, ao mesmo tempo, à sua proliferação e leva, naturalmente, a um conflito de normas que o mercado não basta para resolver (SANTOS, 1999, p. 266 e 270).
Em Santos (1994), quando se depara com o enfraquecimento do Estado Territorial, a
parte técnica e a parte política do território estavam entrelaçadas. Atualmente não há como deixar
de observar a completa distinção entre as partes. As contradições do mundo globalizado acontecem
no território. Ou seja, na escala vertical, caracterizada pela fragmentação do espaço de atuação
parcial dos atores, é definida a regra do jogo, enquanto na escala horizontal a totalidade expressa
pela sociedade civil perde terreno e ao mesmo tempo operacionaliza os interesses do mercado
global. O campo de batalha entre o mercado e a sociedade civil é o território.
Segundo o sociólogo Schneider (2004, p. 108 e 109), o conceito de território deve ser
entendido como o reflexo “das relações dos indivíduos com o espaço em que transcorre sua
sociabilidade e suas atividades produtivas e nas formas de apropriação e dominação que decorrem
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destas relações”. Ou seja, um processo em construção, fruto da relação e interação humana que
acontece no espaço entendido como expressão das relações que envolvem qualquer tipo de
influência de um indivíduo ou grupo de indivíduos sobre os demais integrantes de um determinado
local.
Neste mesmo sentido, vários autores, como Guy Di Méo (1998), Raffestin (1993), Soja
(1993), Sack (1986), definem o território como um espaço de intensa interação social marcada por
relações de poder e dominação. O espaço torna-se território a partir das relações sociais que
acontecem de forma simbólica, concentrada, vivenciada, contextualizada, temporizada e que
expressam uma dinâmica de poder e controle.
Assim, o “território [...] é fundamentalmente um espaço definido e delimitado por e a
partir de relações de poder” (SOUZA, 1995, p. 78). Neste caso, as relações de poder podem ser
compreendidas pela constituição e a completa integração do CAI da Soja a partir da subordinação
da agricultura de Mato Grosso do Sul aos interesses do capital industrial territorialmente isolado,
situado a montante do processo produtivo, financeiramente concentrado e, alinhado, conectado e
articulado em escala vertical com a produção da matéria-prima (soja), situada a jusante e
espacialmente delimitada.
6 - O DESENVOLVIMENTO LOCAL EM SÃO GABRIEL DO OESTE SOB A ÓTICA DO
CAIS
Na construção de indicadores para avaliar o desenvolvimento local em São Gabriel do
Oeste tem-se como parâmetro a sustentabilidade do município vista sob as principais dimensões da
vida numa localidade. O estudo preocupou-se em enfatizar os sistemas rurais, ou seja, as interações
do CAIS com o município. Para construir os indicadores foi necessário compreender as relações
entre desenvolvimento local, sustentabilidade em agroecossistemas e a realidade local, neste caso, o
município de São Gabriel do Oeste. Para tanto, adotou-se diferentes dimensões: econômica, social e
ambiental. Em decorrência do modelo de desenvolvimento incorporado pelo município torna-se
possível esboçar os principais problemas e dificuldades sociais, econômicos e ambientais (Quadro
1).
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QUADRO 1: RESUMO DAS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS ECONÔMICAS,
AMBIENTAIS E SOCIAIS DE SÃO GABRIEL DO OESTE.
ECONÔMICAS AMBIENTAIS SOCIAIS
Concentração da terra e da renda Monocultura da Soja e Pecuária
Extensiva predominante
Desigualdade social
Fraca diversidade produtiva Desaparecimento da vegetação natural Fraca organização da sociedade civil
Agricultura – atividade
predominante – concentração do
setor
Erosão; Assoreamento dos córregos e
rios; uso de tratores e insumos
químicos
Falta de participação popular nas
decisões que afetam o município
Fonte: Elaboração própria.
A partir do Quadro 1 os indicadores mais apropriados, relacionados às três principais
dimensões são: Dimensão Econômica - diversidade da atividade produtiva; capacidade de
reprodução (renda agropecuária e nível de reprodução social). Dimensão Social - desenvolvimento
humano municipal (IDH-M); participação e cidadania (grau de participação). Dimensão Ambiental
(Recursos Naturais) - contaminação e degradação do meio natural (qualidade da água e solo);
unidade de conservação (área protegida).
Na definição dos indicadores para São Gabriel do Oeste procurou-se abranger as
dimensões da realidade local como conseqüência do processo de modernização da agricultura
(modernização conservadora). Tais indicadores servirão para avaliar a sustentabilidade do
município e analisar o desenvolvimento local.
Diversidade da atividade produtiva:
No município de São Gabriel do Oeste a agricultura está representada pela expressiva
lavoura de soja. Segundo Weingartner (2005), a soja é a principal lavoura presente na agricultura de
São Gabriel do Oeste, tendo correspondido aos resultados em virtude do incremento de novas
variedades de espécies e o emprego de tecnologias de ponta. A produtividade média é de 3,36
toneladas/ha, mas índices superiores a 4,20 toneladas/ha já foram registrados no município.
Atualmente, a produtividade média da soja em São Gabriel do Oeste é maior que a produtividade
média do grão produzido nos últimos dez anos no Estado, no Centro-Oeste e no Brasil. O plantio
secundário de demais culturas (milho, sorgo, etc.) visa não só a rentabilidade, mas também
assegurar as propriedades do solo, baratear o custo da produção da lavoura principal e aproveitar os
insumos (adubos, fertilizantes, defensivos, etc.). Na pecuária tem-se a criação extensiva de gado de
corte e leite, a criação de suínos, a avicultura do frango de corte para a exportação e a produção de
ovos. Segundo o IBGE (2000) a agropecuária representa mais da metade (54,84%) de todo o valor
adicionado na produção local de São Gabriel do Oeste, seguida do setor de serviços (34,64%) e da
indústria (10,52%). O PIB do município em 2000 estava em R$ 321.314,00, o PIB percapita em R$
14
17.659,00, o dummy financeiro2 foi de R$ 9.299.000,00 e os impostos pagos pela população
ficaram em R$ 10.556.000,00. A concentração fundiária viabiliza a monocultura da soja em grande
escala e favorece a pecuária extensiva, mas a degradação do solo (uso intensivo de agroquímicos e a
tratorização), a poluição dos córregos e rios e a perda da biodiversidade são os principais entraves à
sustentabilidade do sistema, dificultando o processo de desenvolvimento local. A ausência da
diversificação não permite a agregação de valor, pois não existe verticalização da produção e
integração entre as unidades. A fraca diversificação traz consigo a vulnerabilidade da economia
local e aumenta a sua dependência a agentes externos ao sistema. A perda da autonomia e
autogestão da economia local pelos próprios produtores distancia o município do desenvolvimento
local autóctone. A agroindustrialização em bases locais e direcionada para os principais produtos
agropecuários, como a soja, milho, carnes bovina e suína, leite e frango poderá contribuir para a
diversificação da produção, gerar renda e empregos.
Capacidade de reprodução (renda agropecuária e nível de reprodução social):
Segundo a pesquisa de campo realizada foram registrados em São Gabriel do Oeste
mais de 500 estabelecimentos rurais. Constatou-se que a estrutura fundiária está concentrada em
grandes propriedades, pois cerca de 80% dos estabelecimentos rurais estão compreendidos entre
100 e 10.000 ha. Ou seja, aproximadamente 60% na faixa de 100 a menos de 1.000 ha. de área e
20% entre 1.000 e 10.000 ha. Neste contexto, segundo o IBGE (2002), deve-se destacar a criação
bovina de gado de corte e leite representada em 2002 por 231.856 cabeças; a criação de suínos
(84.912 cabeças em 2002), com o maior rebanho do Estado; a avicultura do frango de corte para a
exportação (589.900 cabeças em 2002) e a produção de ovos (quarto maior produtor do Estado com
uma produção aproximada de 10 milhões de ovos em 2002 e 52.236 galinhas); ovinos; eqüinos;
caprinos e incipiente criação de coelhos, abelhas, asininos, bubalinos, codornas, etc.
São Gabriel do Oeste possui em seu território indústrias de sementes certificadas. As
empresas Calábria, Grimm, Luciani e Pinesso representam este setor no município, realizando
investimentos e ofertando produtos como resultados de suas pesquisas e avanços tecnológicos. A
Prefeitura de São Gabriel do Oeste tem concedido incentivos fiscais para indústrias que pretendem
instalar suas unidades produtivas no município. Segundo informações da Prefeitura3, as empresas
estão consolidando o Distrito Industrial do município e ainda respeitando a legislação ambiental.
Dentre as indústrias que já estão implantadas no município pode-se citar a Jully Indústria e
Comércio Ltda., o Frigorífico Aurora, a empresa de laticínios Saga Industrial e a Picetti, no setor
2 O dummy financeiro representa o diferencial entre os juros recebidos e os pagos, isto é, juros imputados como receita às instituições
financeiras que não correspondem ao valor efetivo gerado nessa atividade. O que se considera é que as instituições financeiras apropriam-se do valor gerado em outras atividades, pela intermediação financeira, o que implica uma dupla contagem no valor adicionado. 3 Ver Prefeitura Municipal de São Gabriel do Oeste. São Gabriel do Oeste: como é bom viver aqui! Um governo prestando contas. São
Gabriel do Oeste, MS: Prefeitura Municipal; [s.l.]: Echos, abr., 2004.
15
metalúrgico. De modo geral, a indústria de transformação no município corresponde a pouco mais
de 6% da totalidade de empresas legalmente constituídas. O comércio em geral tem forte
participação, com cerca de 52% da quantidade total das empresas locais.
A diversificação das atividades produtivas do município está alinhada apenas com a
suinocultura. Esta atividade está representada em São Gabriel do Oeste pelas 25 unidades
produtivas, com bom nível tecnológico e prudência no tratamento de seus efluentes. Com a
instalação do Frigorífico Aurora de São Gabriel, com capacidade de abate em torno de quinhentos
suínos por dia, mais duzentos bovinos por dia, a perspectiva de expansão da suinocultura, o
crescimento do comércio local e a formação do Distrito Industrial podem tornar-se instrumentos
para a diversificação das atividades produtivas de uma economia concentrada basicamente na
produção de grãos de soja.
A capacidade de reprodução do sistema agropecuário em São Gabriel do Oeste tem
permitido a manutenção das atividades econômicas ao longo dos anos. A lavoura da soja e a criação
extensiva de gado encontram-se totalmente adaptadas às condições locais. A pecuária é uma
atividade tradicional na região desde a chegada dos primeiros ocupantes. Já a cultura da soja foi
introduzida pela necessidade imposta pela deficiência de outras lavouras, como o arroz e,
principalmente, o café, em garantir a reprodução do capital empregado (viabilidade econômica da
atividade). A renda agropecuária, apesar de indicar a viabilidade econômica da agricultura e da
pecuária em São Gabriel do Oeste, retrata uma realidade concentradora de terras e riquezas nas
mãos de poucos produtores rurais, caracterizando desta forma o nível de reprodução social.
Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M):
Do ponto de vista do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M), adotado
pelo Governo Federal como referência para avaliar o desenvolvimento nas diversas escalas
espaciais, pode-se comparar o IDH-M e demais indicadores específicos do Estado de Mato Grosso
aos indicadores do município de São Gabriel do Oeste. Neste caso percebe-se que nos anos de 1991
e 2000 o próprio IDH-M e suas demais dimensões, Educação (IDHM-E); Longevidade (IDHM-L) e
Renda (IDHM-R), com exceção para o IDHM-L do ano de 1991, o município foi superior ao
Estado. Ou seja, no IDH-M, que expressa os resultados das informações sócio-econômicas; no
IDHM-E que é constituído pela taxa de alfabetização de pessoas acima de 15 anos de idade e pela
taxa bruta de freqüência à escola; no IDHM-L, representado pelo indicador esperança de vida ao
nascer; e no IDHM-R, pelas rendas estadual e municipal percapita, São Gabriel do Oeste mostrou-
se compatível e representativo da situação geral do Estado. Ou seja, o IDHM de MS em 1991 e
2000 foi, respectivamente, 0,716 e 0,778. Em São Gabriel do Oeste este mesmo indicador nestes
mesmos anos foi de 0,721 e 0,808. São Gabriel do Oeste tem um IDH-M e seus derivados (IDHM-
16
Educação; IDHM-Renda; IDHM-Longevidade) superiores aos indicadores de desenvolvimento
humano do Estado. Apesar dos bons indicadores de desenvolvimento humano no município, a
distribuição da renda para as famílias não representa esta realidade. Segundo o Censo Demográfico
IBGE-2000, o PIB do município neste ano foi de R$ 321.314,00 e o PIB percapita R$ 17.659,00.
Considerando que apenas 1,51% das pessoas recebem mais de 20 salários mínimos, 42,54% estão
na faixa de rendimento nominal médio mensal de até três salários mínimos e 38,17% não possuem
qualquer rendimento pode-se afirmar que a economia local tem concentrado renda e riquezas.
No quesito educação, considerando a população residente estimada em 13.350 para
pessoas com dez anos ou mais de idade, no Censo Demográfico IBGE (2000) a taxa de
alfabetização do município ficou em 92,3%. No Censo Demográfico IBGE (1991) esta taxa era de
83,10%. Nos dois últimos Censos Demográficos as taxas de alfabetização são superiores a do
Estado, cuja população alfabetizada correspondeu em 1991 a 79,19% e em 2000 a 89,9%.
Segundos os dados do INEP (2005), no período de 2002 a 2004, São Gabriel do Oeste
teve aumento de matrículas nas Creches, Pré-Escolas, Classes de Alfabetização, Ensino
Fundamental (1º Grau), Ensino Médio (2º Grau/Ensino Regular) e Curso Normal, Educação
Especial e Educação de Jovens e Adultos (EJA) para o ensino médio. Os destaques na educação
foram os aumentos de matrículas na Creches (43,65%) e na Educação Especial para o ensino
fundamental (38,18%).
No entanto, apesar do setor educacional aparentar bons resultados (baixo nível de
analfabetismo e aumento do número de matrículas nos níveis de ensino) a distribuição da renda
apresenta-se como um grande gargalo inibidor do desenvolvimento local, pois restringe o acesso da
população às condições mínimas de subsistência. A pobreza é característica de um sistema
insustentável.
Participação e cidadania (grau de participação):
Do ponto de vista da organização da sociedade civil, o município possui as seguintes
entidades: Lions e Leo Club; Rotary, Rotaract e Interact Clube; Associação de Moradores do Bairro
Jardim Gramado; Associação de Moradores do Bairro Primavera; Associação de Moradores do
Bairro Amabile Maffissoni; Clube de Mães; Pastorais da Criança, da Saúde e da Família.
Os Conselhos Municipais existentes são recentes e foram criados no início da década de
90. Atualmente encontram-se ativos no município o Conselho Municipal de Direitos da Criança e
do Adolescente (Lei n° 202, de 26/02/92) e o Conselho Municipal de Assistência (Lei n° 274, de
20/12/94), vinculados à Secretaria Municipal de Promoção Social.
Como a base econômica de São Gabriel do Oeste é a atividade agropecuária, três
associações desta natureza estão organizadas no município. A Cooperativa Agropecuária São
17
Gabriel do Oeste abrange pequenos, médios e grandes produtores ligados à suinocultura. A
cooperativa tem defendido os interesses dos suinocultores, principalmente daqueles que possuem
suas propriedades localizadas dentro do perímetro urbano e, por isso, sofrem com a restrição no
acesso ao crédito (financiamento para o custeio da produção) e com freqüência são processados
judicialmente por estarem desempenhando uma atividade considerada proibida no meio urbano. A
Associação dos Produtores de Hortifrutigranjeiros de São Gabriel do Oeste é formada, em sua
grande maioria, por pequenos proprietários, que buscam por intermédio da organização
associativista recursos financeiros para o custeio da produção. Os pequenos proprietários deste
ramo da agricultura têm poucas disponibilidades de recursos financeiros e, individualmente as
chances de conseguirem crédito junto aos bancos são muito menores, pois geralmente não oferecem
as garantias exigidas. O Sindicato Rural de São Gabriel do Oeste formado por agricultores e
pecuaristas é a maior entidade civil atuante no município. Dentre as principais atividades
desenvolvidas destacam-se a formação de mão-de-obra em parceria com o SENAR (Serviço
Nacional de Aprendizado Rural); defesa da classe produtora; estímulo à pesquisa; formação e
gerenciamento rural.
Ressalta-se que a participação deve ser percebida pela quantidade e qualidade de
envolvimento dos atores sociais nas decisões locais. Na esfera governamental, encontram-se ativos
no município o Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente e o Conselho
Municipal de Assistência. Esta participação ainda é incipiente, pois outros conselhos municipais,
tais como: de saúde, de educação, de agricultura, pecuária e meio ambiente, de urbanismo, etc.,
devem ser criados. Além disso, o incentivo na adoção de práticas administrativas como o orçamento
participativo e audiências públicas são necessárias para aumentar o grau de participação da
localidade na tomada de decisão. Por outro lado, as entidades da sociedade civil organizada
(associações, cooperativas, sindicatos, etc.) já estabelecidas no município devem buscar a interação
entre os seus membros para discutir os problemas locais e indicar alternativas construídas por todos.
Contaminação e degradação do meio natural (qualidade da água e solo):
Com o advento da modernização da agricultura a produtividade da soja tem aumentado,
mas o uso abusivo de agroquímicos e a mecanização pesada da lavoura contribuíram para ampliar a
degradação do solo e diminuir a sua fertilidade. A falta de práticas agrícolas adequadas e o manejo
incorreto na pecuária trouxeram conseqüências desastrosas ao meio natural, ou seja, degradação dos
solos e contaminação dos córregos e rios. O desnivelamento topográfico, o escoamento das águas
pluviais que partem dos planaltos em direção aos rios e a exploração de atividades agropecuárias
(principalmente o cultivo em larga escala da soja e a criação extensiva de gado) sem a preocupação
com o meio ambiente são os principais fatores responsáveis pelo assoreamento do Pantanal Sul
18
Mato-grossense. Já as fontes poluidoras são de diversas naturezas, dentre estas pode-se citar o
escoamento de elementos químicos advindos da agricultura mecanizada e dependente de insumos
modernos (fertilizantes, defensivos, etc.). Já a poluição orgânica é produzida nas sedes municipais e
acabam contaminando as bacias hidrográficas da região. As suas origens são doméstica (2/3) e
industrial (1/3).
O uso intensivo de defensivos químicos e a tratorização também tem implicações na
saúde dos agricultores e dos consumidores, pois a poluição do ar causa problemas respiratórios e a
contaminação das águas afeta a qualidade dos produtos agrícolas. Portanto, preservação e
conservação do meio natural são as condições necessárias à manutenção e sustentabilidade de
qualquer sistema. A contaminação e a degradação acarretam perturbações nas dimensões
econômicas e sociais do sistema, pois aumentam o custo de produção e, ainda, prejudicam a saúde
dos agricultores e consumidores. No município de São Gabriel do Oeste a agricultura é a principal
atividade econômica e a lavoura de soja o pilar central de sustentação desta atividade. Diante desta
condição, a degradação dos solos agricultáveis apresenta-se como fator limitante da economia local.
Os crescentes efeitos negativos causados aos solos agricultáveis são decorrentes de intensivas e
inadequadas práticas de produção agrícola e desmatamentos. Este problema merece a
implementação de medidas de curto e médio prazos para equacionar a situação, pois a preservação
do solo deve ser percebida pelo agricultor como importante variável na equação de retorno do
investimento. As práticas de conservação de solo devem ser tão intensivas quanto as práticas de
produção agrícola. A conservação dos solos agricultáveis em São Gabriel do Oeste é imprescindível
para a sustentabilidade do sistema.
Com uma aplicação intensiva de capital, ou seja, emprego de grande quantidade de
insumos agrícolas (adubos, corretivos, sementes melhoradas, etc.) e o crescente uso de máquinas
agrícolas automotrizes nas diversas fases da produção agrícola, facilitada em parte pela topografia
natural do Chapadão, os solos são utilizados no limite máximo de sua capacidade. Como
conseqüências destas práticas intensivas surgem a erosão eólica, laminar e a voçoroca. Os diversos
processos erosivos trazem a reboque prejuízos econômicos, pois para corrigir a sua degradação são
lançados ao meio ambiente uma quantidade cada vez maior de insumos, tendo em vista assegurar os
níveis de produtividade. Os danos ambientais podem ser percebidos a partir do aumento da
contaminação e dos assoreamentos das nascentes dos rios.
Na pecuária, a degradação dos solos compromete as áreas de pastagens, tendo como
resultado o baixo ganho de peso do gado. As pastagens localizadas em solos degradáveis são
deficientes na produção de nutrientes necessários à alimentação do rebanho. A degradação dos solos
nas áreas de pastagens pode ser identificada pela formação de inúmeras voçorocas localizadas nas
19
cabeceiras dos córregos de São Gabriel do Oeste e seus afluentes da margem esquerda. As áreas
para criação extensiva de gado de corte localizam-se, em sua grande maioria, em formações de
solos inadequadas ou inviáveis para a atividade agrícola. Por fatores ambientais e edáficos a
produção leiteira apresenta-se como atividade secundária e paralela à agricultura, pois a utilização
das safrinhas, como sistema de produção de grãos e de massa para proteção do solo, tem gerado
alguns subprodutos que podem ser incluídos na alimentação do gado leiteiro em regime de semi-
confinamento. A perda da qualidade da água, erosão, manejo incorreto do solo, da pastagem e do
rebanho são os principais fatores que contribuem para a degradação do solo (ASSIS, et al., 2003).
Unidade de conservação:
Segundo Assis et al. (2003), a vegetação de São Gabriel do Oeste é composta pelas
seguintes áreas: vegetação natural: 1.233,12 km² (31,98%); vegetação secundária: 17,22 km²
(0,45%); vegetação decorrente da atividade antrópica: 2.605,66 km², sendo 1.539,15 km² de
pastagem plantada (39,92%), 1.065,41 km² de lavoura (27,63%) e 1,1 km² de área reflorestada
(0,03%). A área com vegetação natural, que corresponde a praticamente 1/3 da vegetação está
sendo devastada aos poucos, ocasionando desaparecimento parcial da biodiversidade, alteração do
ecossistema e a instalação de diversos processos erosivos, tais como: eólicos, erosão laminar,
assoreamentos, voçorocamentos, etc., resultando também numa significativa perda da qualidade de
vida local. Os demais 2/3 da vegetação, pastagem plantada (39,92%) e área de lavoura (27,63%),
estão condicionados à expansão produtiva e devem avançar sobre as áreas de vegetação natural,
principalmente a pecuária extensiva, pois a pastagem plantada, além de competir com a vegetação
natural, está invadindo as matas ciliares e destruindo a vegetação dos mananciais. A maior parte das
áreas de pastagem plantada no município apresenta problemas de baixa fertilidade natural e de
irrigação devido ao período de baixa pluviosidade. Em decorrências destes problemas as áreas de
pastagem plantada encontram-se em diversos estágios de degradação do solo, pois além da baixa
produção de massa, constata-se a presença da erosão laminar e voçorocamento. Em algumas áreas
encontram-se tomadas pelas plantas invasoras nocivas ao pastoreio. O reflorestamento em São
Gabriel do Oeste é insignificante quando comparado à área total do município. A ausência de
incentivos governamentais e a falta de iniciativa por parte dos proprietários de terra remetem ao
inexpressivo percentual de 0,03%. O plantio inadequado do Eucaliptus sp. e do Pinus sp. próximos
às nascentes de rios e no entorno da cidade são as principais evidências do reflorestamento.
Dos seis indicadores considerados como relevantes na identificação do desenvolvimento
local e avaliação das condições de sustentabilidade dos sistemas dois deles foram considerados de
extrema relevância. Dentre os sistemas relevantes (econômico, social e ambiental) adotou-se como
objetos da modelagem os indicadores de Diversidade da atividade produtiva e Capacidade de
20
Reprodução, pertencentes à Dimensão ou Sistema Econômico. Os indicadores econômicos de
Diversidade da atividade produtiva e Capacidade de Reprodução estão intimamente associados
com o Complexo Agroindustrial da Soja (CAIS) e, ainda, podem ser considerados como os
principais veículos para o desenvolvimento local.
Para estabelecer a definição sucinta, que deverá subsidiar a compreensão sistêmica da
realidade e ainda servir de parâmetro para possíveis soluções, serão utilizados os indicadores
econômicos de Diversidade da atividade produtiva e Capacidade de Reprodução. A definição
sucinta ficou descrita da seguinte forma: “um sistema produtivo agropecuário, representado pela
expressiva lavoura de soja e pela criação extensiva de gado, capaz de reproduzir e manter a
viabilidade econômica do próprio sistema, responsável por mais da metade do PIB do município e
concentrador da maior parte da terra e da renda, que deve diversificar a atividade produtiva para
diminuir a vulnerabilidade da economia local e a dependência de fatores e agentes externos, bem
como adotar práticas agrícolas adequadas e manejo correto para amenizar a degradação do solo,
a poluição dos córregos e rios, perda da biodiversidade e destruição da vegetação natural, tendo
em vista superar os entraves à sustentabilidade, garantir a participação da sociedade civil
organizada e consolidar o processo de desenvolvimento local”. Esta definição foi possível a partir
da associação dos seguintes elementos presentes no Sistema Econômico e que têm relação com o
Complexo Agroindustrial da Soja (CAI): cliente (C): população local; ator (A): agricultores e
pecuaristas; transformação (T): desenvolvimento local; visão de mundo (V): condições econômicas,
ambientais e sociais insustentáveis; proprietário (P): sociedade civil organizada; restrições
ambientais (A): subordinação da agricultura aos capitais industrial e financeiro.
Em função dos elementos integrantes do CATVPA pode-se estabelecer um conjunto de
ações necessárias à diversificação produtiva, à adoção de “tecnologias verdes” e à reprodução social
do sistema mais eqüitativa, ou seja, a idealização de uma situação desejável, mas ainda não
concretizada com ênfase na delimitação e no conceito de Complexo Agroindustrial (Figura 1).
21
Fonte: Adaptado de BATALHA, M. O. et al. 1999.
FIGURA 1: MODELO CONCEITUAL DO CAI EM SÃO GABRIEL DO OESTE.
O Quadro 2 apresenta as comparações entre o modelo conceitual do Complexo
Agroindustrial (CAI) em São Gabriel do Oeste e a situação-problema, ou seja, identifica o
desenvolvimento local sob a ótica do Complexo Agroindustrial da Soja (CAIS), considerando-se os
processos de modernização e industrialização da agricultura.
QUADRO 2: COMPARAÇÃO ENTRE MODELO CONCEITUAL E SITUAÇÃO
PROBLEMA
MODELO CONCEITUAL MUNDO
REAL COMENTÁRIOS
Diminuir o uso de insumos (adubos, fertilizantes, defensivos, etc.) e tratores visando amenizar a degradação do solo, a poluição dos córregos e rios e a perda da biodiversidade
NÃO
A tendência é a expansão do consumo de insumos modernos e a crescente utilização de máquinas agrícolas automotrizes para garantir a produtividade elevada e sustentar a produção demandada pelo mercado externo e pelas agroindústrias
Introduzir nas agricultura e na pecuária novas tecnologias que considerem a preservação ambiental NÃO
A produção da principal matéria-prima agrícola (soja) está subordinada à reprodução e à acumulação dos capitais industrial localizados nos flancos das propriedades rurais. A agricultura está condicionada aos interesses do capital.
Estimular o plantio de demais culturas para abastecimento do mercado interno
NÃO A maior parte da terra com aptidão agrícola é utilizada para o plantio de culturas voltadas para exportação em
estimular o plantio de demais culturas para abastecimento do mercado interno; introduzir na pecuária a criação intensiva de gado de corte e leite para reduzir a área de vegetação de pastagens plantadas; incentivar a criação de suínos, a avicultura do frango de corte, a produção de ovos, bem como as demais atividades pecuárias presentes no município; fomentar a agricultura familiar e caminhar para uma estrutura fundiária mais eqüitativa; promover o cooperativismo e o associativismo.
diminuir o uso de insumos (adubos, fertilizantes, defensivos, etc.) e tratores visando a amenizar a degradação do solo, a poluição dos córregos e rios e a perda da biodiversidade;
introduzir na agricultura e na pecuária novas tecnologias que considerem a preservação ambiental.
incentivar a instalação de agroindústrias e consolidar o Distrito Industrial do município.
PRODUÇÃO DE MÁQUINAS, EQUIPAMENTOS E INSUMOS
MODERNOS
PRODUÇÃO DE MATÉRIA-PRIMA
MERCADO
AGROINDÚSTRIA
MERCADO
22
detrimento do mercado interno Introduzir na pecuária a criação intensiva de gado de corte e leite para reduzir a área de vegetação de pastagens plantadas NÃO
A pecuária extensiva é uma atividade produtiva tradicional na região e este tipo de manejo, apesar de degradar os recursos naturais, é mais barato e a concentração fundiária não estimula a adoção de práticas mais adequadas
Incentivar a criação de suínos, a avicultura do frango de corte, a produção de ovos, bem como as demais atividades pecuárias presentes no município
SIM
Além da criação extensiva de gado, a criação de suínos, a avicultura do frango de corte e a produção de ovos despontam no setor pecuário e estão respondendo aos estímulos do mercado consumidor
Fomentar a agricultura familiar e caminhar para uma estrutura fundiária mais eqüitativa NÃO
A concentração fundiária e a fraca diversificação da produção agrícola inibe o fomento da agricultura familiar
Promover o cooperativismo e o associativismo
SIM
As entidades da sociedade civil organizada, as associações de bairros, a associação dos produtores hortifrutigranjeiros, a cooperativa agropecuária (suinocultura) e o sindicato rural representam os interesses de uma boa parte da população local
Incentivar a instalação de agroindústrias e consolidar o Distrito Industrial do município
NÃO
Atualmente, a integração/verticalização da produção local é representada pelo Frigorífico de Suínos Aurora e pela a empresa de laticínios Saga Industrial. O município não possui agroindústria esmagadora de soja para produção de óleo (bruto e refinado) e farelo. Os incentivos não estão atraindo novas agroindústrias e a consolidação do Distrito Industrial ainda não é uma realidade
Fonte: Elaboração própria.
7 – À GUISA DE CONCLUSÃO
No presente trabalho foram retratados temas relativos ao complexo agroindustrial,
desenvolvimento local e território. Para compreender o processo de desenvolvimento local em São
Gabriel do Oeste, Mato Grosso do Sul, tornou-se imprescindível constituir e delimitar o conceito de
Complexo Agroindustrial (CAI), suas inter-dependências e interações com o ambiente,
considerando-se ainda a modernização e a industrialização da agricultura.
Para analisar o desenvolvimento local procurou-se estabelecer uma conceituação teórica
sobre este processo, sem perder de vista o encadeamento do Complexo Agroindustrial (CAI), tanto
a jusante, como principalmente a montante da matéria-prima (soja) e, os desdobramentos territoriais
em escalas de integração vertical pertencentes a espaços distintos e distantes, mas alinhados e
articulados entre si. Nesse sentido, constatou-se que as indústrias produtoras e fornecedoras de
máquinas, equipamentos e insumos modernos utilizados em São Gabriel do Oeste estão localizadas
em territórios pertencentes ao centro dinâmico de expansão capitalista, mas que influenciam e
acabam condicionando a produção de soja no local de análise.
Dessa forma, o desenvolvimento econômico local, concentrado na produção agrícola de
soja, fica a mercê dos interesses do capital industrial, representado por indústrias e agroindústrias
situadas nos flancos do CAIS. Estas empresas atuam num mercado de característica oligoplística e
estão atreladas ao capital financeiro disponível para viabilizar a valorização e a reprodução de um
23
sistema integrado verticalmente por territórios em escalas espaciais não pertencentes ao local de
produção da matéria-prima, no caso a soja.
O Estado teve participação decisiva nos processos de modernização e industrialização
da agricultura, culminando com a consolidação dos Complexos Agroindustriais (CAI) no Brasil na
década de 70 e no Estado de Mato Grosso do Sul na década de 80. A presença marcante do Estado,
nas esferas estadual e federal, ficou caracterizada pela sua subordinação aos interesses do capital,
que por sua vez, condicionou a agricultura à necessidade de acumulação capitalista. Os incentivos
fiscais, as facilidades de acesso ao crédito, as políticas macroeconômicas estimulando a exportação
e os programas de desenvolvimento para a região Centro-Oeste permitiram o direcionamento a
produção agrícola para uma crescente mecanização e altamente dependente de agroquímicos.
Com o advento da globalização e a nova divisão nacional do trabalho a região Centro-
Oeste do país foi remetida ao papel de produtora agrícola, caracterizando uma estratégia de
reprodução e acumulação do capital industrial. Com o aprofundamento das inter-relações no âmbito
do Complexo Agroindustrial da Soja (CAIS) encadeado para trás e para frente a partir da produção
local de soja constatou-se em São Gabriel do Oeste a presença de características que retratam o
fenômeno da “modernização conservadora”, ou seja, uma estrutura fundiária concentrada em
grandes porções de terra, produção de alimentos voltados para o mercado externo e os benefícios
dos avanços tecnológicos (novos insumos e mecanização do processo produtivo) privilegiando
somente os grandes produtores.
A partir dos desdobramentos territorial, econômico, social da chamada “modernização
da agricultura” e suas conseqüências no município de São Gabriel do Oeste foi possível identificar
o processo de desenvolvimento. Neste caso, o desenvolvimento local deve ser percebido como um
processo de reorganização da estrutura sócio-econômica, principalmente na compreensão das
relações que acontecem no âmbito do CAI da Soja. Tal entendimento poderá se transformar na mola
propulsora do desenvolvimento local. A sua não incorporação inviabilizará o que chamamos de
desenvolvimento local, ficando apenas entendido como um limitado desenvolvimento no local
(Ávila, 2000) e de poucas consequências positivas para a coletividade que ali se insere.
Por fim, o entendimento das inter-relações existentes no Complexo Agroindustrial
(CAI) e a agregação do território como espaço de articulação entre os atores participantes foram
imprescindíveis para conhecer um pouco mais a realidade agroindustrial de São Gabriel do Oeste.
8 - REFERÊNCIAS
ASSIS, Déa Sousa; COSTA, José Renato S.; GOMES, João Bosco; TÔSTO, Sérgio Gomes.
Zoneamento Agroecológico do Município de São Gabriel do Oeste, MS: referencial para o
24
planejamento, gestão e monitoramento territorial. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Embrapa Solos/IBGE,
2003. (Disponível em CD ROM)
ÁVILA, Vicente Fideles de. Cultura, desenvolvimento local, solidariedade e educação.
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