ÂNGELA BARBOSA FRANCO
O EMPRESÁRIO INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE ILIMITA DA:
uma análise jurídica e econômica
Nova Lima 2009
ÂNGELA BARBOSA FRANCO
O EMPRESÁRIO INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE ILIMITA DA:
uma análise jurídica e econômica
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu da Faculdade de Direito Milton Campos, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito. Área de concentração: Direito Empresarial Orientador: Prof. Dr. Alexandre Bueno Cateb
Nova Lima 2009
Faculdade de Direito Milton Campos Mestrado em Direito Empresarial
Dissertação intitulada “O empresário individual de responsabilidade ilimitada : uma análise jurídica e econômica ”, de autoria da mestranda Ângela Barbosa Franco, para exame da banca constituída pelos seguintes professores:
__________________________________________________ Prof. Dr. Alexandre Bueno Cateb - Orientador
__________________________________________________ Prof. Dr.
__________________________________________________ Prof. Dr.
__________________________________________________ Prof. Dr.
ii
Dedico este trabalho ao meu pai, Matheus, grande motivador das minhas conquistas acadêmicas. Apesar de os ventos me tirarem a felicidade de sua companhia, ao mesmo tempo, me provam que um amor verdadeiro nunca se vai para sempre.
iii
AGRADECIMENTOS
Aos professores e coordenadores do Curso de Pós-Graduação Stricto
Sensu da Faculdade de Direito Milton Campos, pela oportunidade de
enriquecimento e da formação acadêmica.
Em especial, ao caríssimo orientador e professor da Faculdade Milton
Campos, Dr. Alexandre Bueno Cateb, pela prontidão com que sempre me
recebeu no seu escritório, pelo empréstimo das obras de seu acervo e,
sobretudo, pela confiança em mim depositada.
À Rosely, secretária da pós-graduação da Faculdade Milton Campos,
que com muita competência e boa vontade sempre assiste os alunos.
Ao ilustre professor da UFV, Dr. Antônio de Carvalho Campos, pelo
sábio auxílio no desenvolvimento deste trabalho e pela oportunidade de
participar de suas magnas aulas de Economia.
Aos funcionários do sistema “Comut” da Biblioteca da Universidade
Federal de Viçosa (UFV), Luiz e Ronaldo, pela presteza na localização, em
bibliotecas nacionais e estrangeiras, das obras fundamentais para o desfecho
da presente dissertação.
Ao meu amado marido, Rodrigo, por todo incentivo e por,
pacientemente, compreender minhas ausências, enquanto eu me dedicava à
elaboração deste estudo.
À minha querida mãe, Martha, por todo carinho e pelas orações que
sempre me confortam e iluminam meus caminhos.
À estimada Dinda, pelo apoio nos momentos certos.
Ao Jeff, pela ajuda imediata nas traduções das obras em língua
italiana.
À Cristina, exemplo de profissional, por me fazer perceber que meus
únicos rivais são minhas próprias limitações e que estas podem ser
perfeitamente derrotadas pela “law of attraction”.
iv
O jurista não pode, em sã consciência, desprezar o imenso ferramental das outras ciências que lhe possibilita compreender melhor a conduta humana. O Direito é por excelência um indutor de condutas; assim, a interseção entre os fenômenos econômicos e jurídicos deve perseguir o mesmo ideal de todas as áreas do conhecimento, qual seja promover a justiça e a equidade do sistema social como um todo.
(Armando Castelar Pinheiro e Jairo Saddi)
v
RESUMO
O presente trabalho objetiva, primordialmente, destacar que a adoção da responsabilidade limitada ao empresário individual é necessária, viável e não requer complexas transformações de conceitos já consolidados pelo Direito Brasileiro. Para tanto, tem-se como marco teórico a tese da separação patrimonial, proposta por Oscar Pisko, sem a forçosa criação de uma pessoa jurídica como corolário para a consecução da limitação. De vertente jurídico-teórica, a metodologia firma-se em um enfoque interdisciplinar, combinada com a utilização de fontes primárias e secundárias estriadas na legislação estrangeira, nas doutrinas jurídicas e econômicas e nos projetos de lei atinentes à matéria. Após a análise das propostas de diversos juristas, entende-se que a disparidade de denominações para se tipificar o empresário individual como empresa, empreendimento ou sociedade unipessoal acarreta uma equivocada condensação de conceitos básicos do Direito Empresarial que devem ser evitados. Por fim, conclui-se que a positivação da forma mais simples e clara, ou seja, “empresário individual de responsabilidade limitada”, juntamente com normas regulamentadoras da inscrição, da constituição e administração do capital e do ônus em casos de fraude, má-fé ou confusão patrimonial, é o mecanismo mais eficiente para se atingir uma equivalência justa entre o tratamento dispensado ao ente individual e ao coletivo empresarial. Isso é possível sem abalar a garantia dos credores e, sobretudo, sem burocratizar a vida dos pequenos empreendedores, reduzindo seus custos de transação, tornando-os mais competitivos no mercado global e, consequentemente, impulsionando o desenvolvimento econômico do país. PALAVRAS-CHAVE : Empresário individual; responsabilidade limitada; custos
de transação; competitividade.
vi
ABSTRACT
This study focuses, primarily, on the premise that the adoption of limited liability for the individual entrepreneur is necessary and viable, and it does not demand complex modifications of the well-established concepts of Brazilian Law. Supported by Oscar Pisko’s theory of property separation, the designation of a juridical person is not mandatory for the achievement of limited responsibility. From a juridical-theoretical nature, the methodology relies on an interdisciplinary approach, associated with primary and secondary sources based on foreign law, juridical and economic doctrines, and several bills related to the topic. After analyzing the proposals of various jurists, it is clear that the disparity of terms used to characterize the individual entrepreneur as a company, enterprise, or individual business, generates a grouping of erroneous basic concepts of Business Law, which should be avoided. In conclusion, the legal recognition of the term “limited liability for individual entrepreneur,” along with its specific laws related to registration, constitution and administration of capital, and obligations in case of fraud, bad faith or questionable ownership, arises as the most efficient mechanism in order to achieve a just and balanced treatment extended either to individual entrepreneurs or corporations. This is possible without risking the creditors’ guarantees and increasing bureaucracy for small business owners, resulting in lower transaction costs, making them more competitive in a globalized market, and, thus, raising the potential for economic development. KEY-WORDS: Individual entrepreneur, limited liability, transaction costs,
competitiveness.
vii
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................................ v
ABSTRACT ........................................................................................................ vi
SUMÁRIO ......................................................................................................... vii
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 10
1. O EMPRESÁRIO INDIVIDUAL .................................................................... 18
1.1. O SIGNIFICADO DO TERMO EMPRESÁRIO ..................................................... 24
1.1.1. Os elementos caracterizadores do empresário individual ............... 29
1.1.1.1. O exercício profissional ............................................................. 30
1.1.1.2. A atividade organizada .............................................................. 31
1.1.1.3. O caráter econômico ................................................................. 37
1.1.1.4. A produção ou a circulação de bens e serviços ........................ 38
1.1.2. Os elementos caracterizadores da sociedade empresária .............. 39
1.2. O INSTITUTO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ................................................. 47
1.2.1. A personalidade jurídica do empresário individual .......................... 49
1.2.2. A personalidade jurídica da sociedade empresária ......................... 52
1.2.3. A personalidade jurídica como meio viabilizador da divisibilidade patrimonial e da limitação da responsabilidade do empresário ....... 58
1.2.4. A desconsideração da personalidade jurídica ................................. 66
1.3. A NATUREZA JURÍDICA DO CAPITAL DESTINADO À ATIVIDADE EMPRESARIAL ..... 69
1.3.1. A aplicabilidade de um capital intangível ao empresário individual . 73
2. A RESPONSABILIDADE DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL ......................... 78
2.1. REFERENCIAL HISTÓRICO DA EVOLUÇÃO DO INSTITUTO DA LIMITAÇÃO DA
RESPONSABILIDADE DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL ......................................... 80
2.2. A APLICAÇÃO NORMATIVA DO INSTITUTO NO DIREITO COMPARADO ................. 90
viii
2.2.1. A responsabilidade limitada do empresário individual na Alemanha ......................................................................................... 91
2.2.2. A responsabilidade limitada do empresário individual na Espanha . 92
2.2.3. A responsabilidade limitada do empresário individual na Itália ........ 94
2.2.4. A responsabilidade limitada do empresário individual em Portugal . 95
2.2.4.1. O Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada ... 96
2.2.4.2. A sociedade unipessoal originária e superveniente ................ 100
2.2.4.3. Algumas justificativas para a inaplicabilidade prática do Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada (EIRL) em contraponto ao sucesso da Sociedade Unipessoal por Quotas (SUQ) ................................................. 107
2.3. A RESPONSABILIDADE ILIMITADA DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL NO BRASIL ..... 110
2.3.1. Projetos de lei referentes à limitação da responsabilidade limitada do empresário individual ................................................... 115
2.3.2. A adoção de uma forma não-societária em contraponto à forma societária ....................................................................................... 124
3. A RESPONSABILIDADE ILIMITADA DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL SOB A PERSPECTIVA ECONÔMICA ...................................................... 131
3.1. AS INSTITUIÇÕES .................................................................................... 134
3.2. OS CUSTOS DE TRANSAÇÃO ..................................................................... 137
3.3. A COMPETITIVIDADE ................................................................................ 141
3.4. A INSTITUCIONALIZAÇÃO FORMAL DA RESPONSABILIDADE LIMITADA DO
EMPRESÁRIO INDIVIDUAL COMO MEIO PROPULSOR DO DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO ........................................................................................... 145
CONCLUSÃO ................................................................................................ 152
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 159
ANEXOS ........................................................................................................ 166
ANEXO I - LEGISLAÇÃO ALEMÃ .................................................................. 167
ANEXO II - LEGISLAÇÃO ESPANHOLA ....................................................... 168
ANEXO III - LEGISLAÇÃO ITALIANA ............................................................ 170
ANEXO IV - LEGISLAÇÃO PORTUGUESA .................................................. 172
ix
ANEXO V - CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS PORTUGUÊS ..... 184
ANEXO VI - PROJETO DE LEI No 2.730, DE 2003 ....................................... 186
ANEXO VII - PROJETO DE LEI No 3.667, DE 2004 ...................................... 187
ANEXO VIII - PROJETO DE LEI No 5.805, DE 2005 ..................................... 188
ANEXO IX - PROJETO DE LEI No 4.605, DE 2009. ...................................... 190
10
INTRODUÇÃO
No Brasil, os empresários individuais encontram-se subordinados,
como qualquer outro particular, ao princípio jusprivatístico comum da
indivisibilidade do patrimônio, ou seja, são sujeitos jurídico-privados titulares de
uma única riqueza.
De acordo com esse postulado, os bens pessoais condensam-se com
os bens destinados à empresa, formando-se uma unidade suscetível de
afetação de forma indiscriminada por credores. Esse fenômeno é denominado
pelo ordenamento jurídico como responsabilidade “ilimitada” perante as
obrigações contraídas e não adimplidas.
Toda atividade empresarial representa uma atividade aleatória, à qual é
inerente por definição um elevado risco. Assim, diante de um cenário de
instabilidade econômica, em caso de crise ou mau andamento dos negócios, a
pessoa física pode ter a totalidade do seu patrimônio comprometida para a
satisfação das obrigações assumidas. O comando jurídico norteador da
indivisibilidade patrimonial não faz distinção da finalidade para a qual os bens
são destinados e, por isso, aquele que se aventura a exercer singularmente a
vida empresária acaba por colocar em jogo toda sua riqueza, ou seja, não
apenas aquela reservada à dinâmica da empresa, mas também a pessoal e a
familiar.
De maneira diametralmente oposta, as pessoas que compõem uma
sociedade podem segregar os bens destinados à atividade econômica
organizada, dos bens não dedicados a esse fim. Quando se tem o concurso da
vontade de várias pessoas, ou pelo menos de duas, visando a uma finalidade
comum, o patrimônio que estas destinam à organização da atividade
econômica não se confunde com o patrimônio pessoal. O montante passível de
apreciação em pecúnia, reservado à empresa, ganha independência e passa a
pertencer a uma pessoa jurídica denominada sociedade, sendo esta
considerada um sujeito distinto dos sócios que a criaram.
Conforme determina a atual legislação civilista, a partir da inscrição no
registro próprio dos atos constitutivos, a sociedade, simples ou empresária,
11
assume formalmente a condição de agente autônomo e capaz de direitos e
deveres na ordem civil. As obrigações pactuadas pelo ente coletivo são
garantidas pelo patrimônio a este pertencente. Por isso, os credores sociais
podem atingir os bens da sociedade, mas não os bens pessoais dos sócios de
forma imediata. O mesmo efeito pode se operar, ainda que não estejam
inscritos os atos constitutivos e, portanto, seja a sociedade despersonificada.
De acordo com o artigo 990, combinado com o artigo 1.024 do Código Civil de
2002, os sócios somente são executados depois de exauridos os bens sociais,
excluído desse benefício de ordem apenas aquele que contratou em nome da
sociedade. Assim, basta a existência de uma sociedade, personificada ou não,
para que o sócio tenha minimizado o risco empresarial, sendo afetado,
primeiramente, o patrimônio especialmente destinado ao exercício da empresa.
Diante de tais considerações, verifica-se que, no cenário jurídico atual,
a qualidade de sócio, de qualquer forma societária, proporciona certa
segurança dada a proteção legal do acervo pessoal. Em contrapartida, se o
empreendedor prefere optar pelo exercício singular da empresa, não encontra
amparo legal que lhe permita limitar a responsabilidade pelas obrigações
contraídas no exercício da atividade, ao montante do patrimônio afetado.
Partindo desse paralelo, na presente pesquisa, pretende-se destacar
que o tratamento diferenciado e ora legitimado pelo Código Civil de 2002
provoca reflexos diretos e desfavoráveis para as atividades das micro e
pequenas empresas que, geralmente constituídas sob a forma individual, são
atualmente a maioria da classe empresarial brasileira, superando inclusive as
sociedades limitadas. Assim, se aquela iniciativa privada representa a base da
economia, o empecilho vivenciado com a responsabilidade ilimitada
compromete, consequentemente, o crescimento econômico do país.
Ao se analisarem os tipos empresariais que mais se fundam no Brasil,
as firmas individuais lideram, contribuindo de forma significativa para a geração
de empregos, recolhimento de tributos e circulação de riquezas que
impulsionam a economia. Sob essa perspectiva, a simplificação da dinâmica do
empresário individual é oportuna, relevante, estimula o surgimento de novos
empreendimentos e fortalece o princípio basilar da preservação da empresa
preconizado pelo Direito. A própria Constituição Federal de 1988, em seu artigo
179, clama a concessão de um tratamento diferenciado às microempresas e às
12
empresas de pequeno porte, com o objetivo de desburocratizar, ou seja, de
facilitar suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e
creditícias. Ocorre que, na prática, esse intento é ignorado quanto à
responsabilidade.
Em vista da possibilidade de afetação do patrimônio pessoal, o
empresário individual precisa recorrer a perigosas estratégias em busca de
segurança e de estabilidade financeira na realização dos negócios jurídicos.
Uma das alternativas buscadas para se desafogar do encargo da
responsabilidade ilimitada é ludibriar a lei criando sociedades fictícias com o
apoio de sócios “laranjas” que, sem poderes de direção ou interesse na vida
empresarial, apenas contribuem para a constituição do ente coletivo. A
pluralidade de partes pressupõe a existência de uma sociedade e, com a sua
formalização na modalidade “sociedade limitada”, caso o capital social esteja
integralizado, os bens dos sócios não podem, em regra, ser acionados para
responder por dívidas sociais. Mesmo assim, essa conduta gera transtornos ao
gerenciador da sociedade de faz-de-conta, em virtude da maior complexidade
para proceder à constituição, às alterações contratuais ou a outros
procedimentos impostos por lei à forma societária. O verdadeiro empresário
fica sujeito a inconveniências como, por exemplo, uma disputa judicial com o
sócio que, apesar da participação insignificante no capital da empresa, resolve
dificultar ações que dependam da sua deliberação.
Outra saída é assumir a forma individual e repassar os custos de
transação, impostos pela singularidade do gerenciamento, para os preços dos
bens ou serviços ofertados. Quando se tem uma responsabilidade ilimitada, o
produto da atividade pode ficar mais oneroso para o mercado, pois o risco nas
transações é maior. Essa conduta é prejudicial para o consumidor, mas
também para o empresário, pois o acréscimo do preço o faz perder para a
concorrência e não lhe traz necessariamente lucros.
O empresário também pode optar por uma tática que seja menos
gravosa para seus clientes. Ele não equilibra a álea negocial aumentando os
valores de seus produtos ou serviços, mas reduz o capital investido no
empreendimento, por receio de não poder adimplir as obrigações pactuadas.
Dessa forma, tenta se resguardar das intempéries do mercado, porém restringe
sua atuação e lucratividade.
13
Em qualquer dos artifícios citados, o empresário dificulta o
desempenho de sua atividade. Com isso, prejudica seu desenvolvimento, reduz
sua competitividade em relação à concorrência global e encurta suas chances
de sobrevivência no mercado.
Insta salientar que nada impede o empresário de criar caminhos
diversos dos citados para amenizar o comprometimento de seu patrimônio
pessoal e familiar, contudo, isso seria dispensável e menos exaustivo, se o
ordenamento jurídico brasileiro lhe permitisse a limitação dos riscos, como faz
nas sociedades limitadas.
Ocorre que existem argumentos contrários à introdução dessa figura na
legislação. Um deles esbarra-se na concepção tradicional da doutrina e da
legislação, considerando-se que um mesmo sujeito não pode ser titular de dois
patrimônios. O conceito de separação patrimonial encontra-se vinculado à
criação de um novo sujeito de direito, ou seja, uma pessoa jurídica. Assim, há
correntes doutrinárias que entendem não ser possível segregar o patrimônio de
uma pessoa natural e ao mesmo tempo atribuir-lhe a titularidade, sem a criação
de um novo sujeito de direito.
O caráter potencialmente fraudulento da responsabilidade limitada é
outro ponto alvo de crítica. Segundo os opositores, se o legislador admitir a
divisibilidade patrimonial, a fraude torna-se inevitável, pela facilidade de se
confundir os bens particulares e os bens destinados à atividade empresária, já
que estão sob o poder exclusivo de uma pessoa física.
Mais uma questão que se desdobra da problemática anterior consiste
na redução da garantia dos credores que ficam prejudicados por não poderem
afetar todo o acervo de bens do empresário singular.
Esses apontamentos são superados no decorrer da narrativa do
trabalho e se respaldam no princípio da segregação patrimonial, nos conceitos
basilares da personalidade jurídica, na intangibilidade do capital destinado à
atividade empresária e na experiência estrangeira para asseverar a
propriedade da responsabilidade limitada. Esta é reconhecida em vários países
da Europa, assim como em alguns países da América do Norte, da Ásia e,
inclusive, na América do Sul. O recepcionamento legal em diversas localidades
do mundo revela que a vicissitude de um mercado globalizado faz com que as
nações, preocupadas em preservar os pequenos e os médios
14
empreendedores, adotem e aperfeiçoem o sistema de limitação da
responsabilidade, pois a consideram um mecanismo propulsor do
desenvolvimento econômico.
Nesse cenário, o Brasil encontra-se em atraso, pois não possui um
mecanismo jurídico adequado às necessidades do seu maior contingente de
empreendedores. A discriminação jurídica imposta ao empresário individual
apresenta-se injusta e precisa transcender os debates acadêmicos, a fim de
ser positivada na forma limitada. Afinal, se uma pessoa física pode empregar
parte de seu patrimônio ao capital de uma sociedade, resguardando seus bens
pessoais da afetação em virtude dos riscos vivenciados na dinâmica
empresarial, por que a legislação brasileira não admite fazê-lo quando não
estiver investido na forma societária?
A falta de fundamentos para essa diferenciação é destacada em toda a
pesquisa que, ao utilizar a vertente jurídico-teórica, procura acentuar os
aspectos conceituais e doutrinários viabilizadores da responsabilidade limitada
do empresário individual. Portanto, é feita uma investigação do tipo jurídico-
comparativo que se evolui através de um processo mental dedutivo, a partir de
premissas do domínio civil, empresarial e econômico.
A interdisciplinaridade do ramo jurídico e do econômico é essencial
para justificar a indispensável equidade quanto à responsabilidade entre os
entes individuais e coletivos empresariais. Com o cuidado de não segregar a
apreciação da matéria ao âmbito do Direito e da Economia, dada a
interdependência dos institutos, e por ser essa separação impensável, o estudo
está organizado em três capítulos para fins didáticos.
Primeiramente, procura-se delinear o empresário individual,
ressaltando sua importância no cenário econômico e social. A seguir, é
evidenciado o significado do termo empresário, bem como sua distinção entre
empresa e estabelecimento, cuja denominação, bastante peculiar na esfera
empresarial, não deve ser empregada de maneira equivocada. Diante desses
esclarecimentos, estudam-se os elementos caracterizadores dos empresários e
não empresários, estabelecendo-se um paralelo entre o sujeito singular e
coletivo, a fim de traçar os pontos comuns e especiais de cada ente.
Após identificação das particularidades da figura jurídica do
empresário, tem-se o estudo de uma das matérias cruciais para se firmar a
15
possibilidade da responsabilidade limitada: a separação patrimonial. Para tanto,
fez-se necessário discorrer inicialmente sobre a personalidade jurídica e seus
efeitos na esfera empresária singular e coletiva. Assim, utilizando-se como
marco teórico a tese de Oscar Pisko, a pesquisa se funda na possibilidade da
divisibilidade dos bens que a pessoa física emprega à atividade econômica,
dos bens reservados aos interesses pessoais e estranhos à dinâmica
empresarial, sem a forçosa criação de uma pessoa jurídica como corolário para
a consecução da limitação. Como o uso abusivo da personalidade é apontado
como um meio para se desvencilhar das obrigações com os credores, a
pesquisa sugere a possibilidade de aplicação da norma atinente à
desconsideração da personalidade jurídica ao empresário individual em
analogia aos preceitos aplicados à sociedade. Dessa forma, em caso de desvio
da finalidade econômica do capital, confusão patrimonial ou outras condutas
fraudulentas, a responsabilidade limitada é afastada, pois não pode servir de
escopo para acobertar comportamentos ilícitos.
Ainda no primeiro Capítulo, analisa-se a natureza jurídica do capital
destinado à atividade empresarial, e sugere-se a intangibilidade deste ao ente
singular como um instrumento de proteção aos credores, bem como um
parâmetro para se estimar os lucros e os prejuízos durante um exercício
financeiro.
No segundo Capítulo, com a finalidade de se comprovar a
aplicabilidade da responsabilidade limitada, investiga-se a origem do seu
reconhecimento legal e doutrinário tecendo-se um panorama histórico e
evolutivo de sua concretização no ordenamento jurídico estrangeiro e sua
influência entre os juristas brasileiros.
Em seguida, pesquisa-se como o instituto é normalizado
hodiernamente na legislação alemã, espanhola, italiana e portuguesa. Nesta
última, o extenso detalhamento de seus preceitos e a adoção de dois
mecanismos legais – Estabelecimento de Responsabilidade Limitada (EIRL) e
Sociedade Unipessoal por Quotas – permitem um exame de forma mais
aprofundada com objetivo de averiguar sua funcionalidade prática e
possibilidade de reprodução de algumas normas, mediante alguns ajustes, no
Direito nacional.
16
Ao se analisar o Direito Brasileiro, assevera-se que o fenômeno
recepcionado no Direito alienígena não é desconhecido pelo legislador pátrio.
Além de ser acolhido, excepcionalmente, na forma originária e,
transitoriamente, na superveniente, ainda é vislumbrado em situação bem
particular, para a pessoa natural empresária. Assim sendo, aspira-se defender
algo que não seja absolutamente inédito, mas com alcance bem restrito.
Também, os projetos de lei, em trâmite no Congresso Nacional, são objetos de
apreciação, ao se enfatizarem os embaraços técnicos e teóricos de seus
preceitos. Para complementar este Capítulo, procura-se esclarecer a
conveniência da operacionalização da limitação na forma não-societária. Após
ressaltar a caracterização do instituto, com diversas terminologias, aduzem-se
os motivos por que a acepção “empresário individual de responsabilidade
limitada” é a mais adequada, além de ser mais favorável ao empreendedor e a
seus credores.
No terceiro e último Capítulo concentram-se especialmente os
embasamentos teóricos da economia. Nesse momento, a responsabilidade
ilimitada constitui norma cuja eficácia dificulta o desempenho eficiente da
atividade econômica, interferindo diretamente no comportamento estratégico do
empresário individual. Em vista disso, pesquisa-se o papel das instituições, na
construção de regras e de garantias para as contratações realizadas pelo ser
humano e realça-se a necessidade de uma mudança institucional para se
afastar os reflexos tortuosos da responsabilidade ilimitada. Essa reforma é
encarada como um meio de incentivar a formalidade e a erradicação das
sociedades de fachada, caso a lei seja estruturada de forma eficiente para os
pequenos e médios empreendedores.
Outra questão abordada são os custos de transação. Partindo do
pressuposto de que a responsabilidade ilimitada não proporciona um direito
seguro ao empreendedor, forçando-o a criar artifícios para evitar que os bens
de sua propriedade pessoal e familiar sejam comprometidos, desenvolve-se a
tese de que os custos de transação para se realizar um negócio jurídico são
afetados pela responsabilidade ilimitada. Com isso, sugere-se que a
insegurança vivenciada pelo empresário individual possa implicar aumento dos
preços dos bens e serviços ofertados ao mercado e diminuição da sua margem
de lucro em relação à concorrência.
17
O fator competitividade também é objeto de análise na dissertação.
Após delinear seus determinantes, procura-se realçar a interferência direta das
instituições e dos custos de transação no potencial competitivo do empresário
individual, que fica em situação delicada perante as demais organizações
nacionais e estrangeiras.
Por fim, busca-se conjugar aspectos jurídicos e econômicos para se
confirmar a tese da separação patrimonial como mecanismo fundamental para
se atingir uma equivalência justa entre o empresário singular e coletivo no
mercado globalizado.
Insta ainda salientar que o trabalho científico não pretende apontar a
limitação da responsabilidade do empresário individual como uma solução para
sucumbir a crise econômica. Esta é fruto de uma conjugação de fatores como a
má distribuição de renda, decadência cultural e social, maxidesvalorizações
cambiais, dentre outros, que não comportam apreciação, pois fogem da análise
do problema proposto.
A conclusão a que se chegou com este estudo é que, apesar de os
empresários individuais realizarem, em sua maioria, operações de pequena
monta, são eles os principais agentes impulsionadores do aquecimento
econômico e social. Não há fundamentação lógica negar-lhes o
reconhecimento da responsabilidade limitada. Por isso, buscar meios para
incentivar sua participação e sobrevivência no mercado, por meio de uma
norma que o defina de acordo com sua realidade e imponha-lhe as devidas
regulamentações para o desempenho da atividade, é dar-lhes, não apenas a
dignidade para gerir o empreendimento, mas também uma oportunidade de
otimizar o potencial da circulação de riquezas no Brasil.
18
1. O EMPRESÁRIO INDIVIDUAL
O empresário individual é pessoa física que idealiza, dirige e exerce, de
forma habitual, atividade econômica empresarial, a fim de atender as suas
necessidades e as do mercado.
Esse tipo de empreendedor representa, para a sociedade, um agente
que identifica as oportunidades dadas pelo mercado para auferir lucro. Assim,
ele se organiza a fim de planejar seus serviços e sua produção, fixando, por
exemplo, as quantidades e as qualidades dos produtos a fabricar ou quais
serviços a realizar em razão de uma procura prevista1. Entretanto, a ele não
pertence a função de definir os preços de venda, de acordo com o custo da
atividade, uma vez que os preços dos bens são determinados pela interação
das forças da oferta e da demanda nos mercados de bens e serviços. Apenas
aqueles empresários que operam em mercados caracterizados como
imperfeitos (monopolistas e oligopolistas) podem exercer poder de barganha na
determinação de seus preços de venda com o propósito de se alcançar o maior
proveito lucrativo possível. De qualquer forma, compete-lhe suportar as perdas
ocasionadas pela má sorte do empreendimento, assim como usufruir dos
resultados proveitosos da atividade.
O empresário individual organiza a atividade negocial, assumindo
pessoalmente os riscos do empreendimento, tendo em vista ser ele,
singularmente, o responsável pelo cumprimento dos contratos pactuados.
Contudo, importante salientar que nessa dinâmica o empresário individual não
é necessariamente o único a desempenhar as atividades econômicas do
empreendimento. Há também a participação de auxiliares e de colaboradores
no conjunto de forças que impulsionam a empresa, sem descaracterizar a
figura do empresário singular, desde que o gerenciamento esteja centralizado
nas mãos deste. Assim, a concentração dos poderes de gestão empresarial
exclusivamente em uma pessoa física desvela a figura do empresário individual
1 MACHADO, Sylvio Marcondes. Limitação da responsabilidade do comerciante indivi dual. São Paulo: Max Limonad, 1956, p. 119.
19
como o sujeito central responsável pelas atividades econômicas realizadas em
seu nome.
Apesar dos riscos que a responsabilidade concentrada em uma única
pessoa natural impõe, o empresário individual destaca-se de forma crescente
no cenário econômico atual. Segundo dados apresentados pelo Departamento
Nacional de Registro de Comércio (DNRC), em análise comparativa sobre a
constituição formal de empresas por tipo jurídico no Brasil, a maioria dos
empreendimentos assenta-se na forma individual2. Essa informação revela que
os empresários individuais exercem uma atividade de expressiva relevância na
economia brasileira, pois, apesar de realizarem operações de pequena monta,
são responsáveis por gerar empregos, recolher tributos, ampliar a circulação de
bens e serviços e, consequentemente, alavancar a economia3.
Estudos realizados pelo Serviço Brasileiro de Apoio às micro e
pequenas Empresas (SEBRAE) demonstram que um percentual significativo de
brasileiros sonha em ter seu próprio negócio. O espírito empreendedor parece
estar voltado para a satisfação de necessidades de autorrealização. São
pessoas inclinadas a assumir riscos, pois muitas vezes enfrentam dificuldades
no ingresso, permanência ou adaptação no ambiente de trabalho. Conforme
divulgado pelo SEBRAE, as principais atividades desenvolvidas pelos
empresários de empresa ativa, antes de iniciar seu empreendimento, são o
2 A pesquisa demonstra um quadro evolutivo da constituição de empresa por tipos jurídicos, referente ao período de 1985 a 2005. Nesse estudo estatístico, a firma individual alcança o patamar de 4.569.288, em um total de 8.915.890 dos tipos jurídicos formalizados. Em segundo lugar, aparece a sociedade limitada (4.300.257) e, em terceiro, as cooperativas (21.731) praticamente empatadas com as sociedades anônimas (20.080). Por último, têm-se os demais tipos jurídicos (4.534). DEPARTAMENTO NACIONAL DE REGISTRO DE COMÉRCIO. Disponível em: <http://www.dnrc.gov.br/Estatisticas/Caep0100.htm>. Acesso em: 21-06-09.
3 “Em conjunto, as micro e pequenas empresas responderam, em 2002, por 99,2% do número total de empresas formais, por 57,2% dos empregos totais e por 26,0% da massa salarial. Em função do aumento expressivo do número de empregos gerados entre os dois anos nos dois segmentos, a massa salarial apresentou incremento real de 57,3% nas microempresas e de 37,9% nas pequenas. Dados disponíveis na Tabela 10.” SEBRAE. Boletim estatístico de micro e pequenas empresas. Disponível em:<http://201.2.114.147/bds/BDS.nsf/ 03DE0485DB219CDE0325701B004CBD01/$File/NT000A8E66.pdf>. 1o semestre 2005. Acesso em: 10-07-2009, p. 11.
20
labor em empresas privadas ou o trabalho autônomo4. As frustrações
vivenciadas no emprego formal e a esperança de gerenciar a própria vida é
uma realidade que conduz as pessoas a buscarem no empreendedorismo
oportunidades para satisfazer suas necessidades5.
Assim, a atividade empresarial, a partir da direção privativa de uma
pessoa física, é uma tendência natural daqueles que precisam do trabalho,
mas não conseguem uma ocupação formal. A escassez de oportunidades de
emprego e a consequente precarização das condições de trabalho são
fenômenos vivenciados pela sociedade brasileira. João Marcos Castilho
Morato6, ao analisar as causas do desemprego, assevera:
Em um ponto, todos concordam, o emprego ou a sua oferta não está conseguindo acompanhar a demanda necessária em virtude do aumento da população, seja em face da adequação dos setores produtivos à nova realidade capitalista global, seja em virtude do aumento e criação de tecnologia que exija menor quantidade de trabalhadores na linha de produção, seja, ainda, em virtude de crise econômica vivenciada em todo o globo. O fato é que, independente das causas, o desemprego é uma dura realidade e obriga os trabalhadores a se adequarem a novas situações para, simplesmente, conseguirem sobreviver. Neste sentido, surgem novas formas de prestação de serviços e alastra-se o subemprego.
Não restam dúvidas de que o processo de desenvolvimento
globalizado possibilita constante inserção de tecnologia no país. Em
contrapartida, aumenta a instabilidade dos trabalhadores, pelo caráter
4 “Sessenta por cento dos empresários constituíram suas empresas motivados pelo desejo de ter o próprio negócio, e o número de empresários que identificou uma oportunidade de negócio cresceu de 15% no triênio passado para expressivos 43% em 2005. As principais atividades exercidas pelos entrevistados das empresas ativas, antes de empreenderem atividades empresariais consistiam pela ordem de citações em: funcionários de empresa privada (+ de 50%), autônomo (em média 20%) e empresário (em média 12%).” SEBRAE. Fatores condicionantes e taxas de sobrevivência e mortalidade das micro e pequenas empresas no Brasil 2003-2005. Disponível em:<http://www.biblioteca.sebrae.com.br/ bds/BDS.nsf/8F5BDE79736CB99483257447006CBAD3/$File/NT00037936.pdf>. Acesso em: 10-07-09, p. 19.
5 “A ECINF 2003 detectou a existência de 10.335.962 empreendimentos informais, representando os empregadores 12,0% desse total, sendo os demais trabalhadores por conta própria (88,0%). O número total de pessoas ocupadas em todos os empreendimentos alcançou 13.860.868. O crescimento no número de empreendimentos informais entre os dois anos foi de 9,1% e o de pessoas ocupadas 7,7%. Do total de empreendedores, 11,6% tinham constituição jurídica formal.” SEBRAE. Boletim estatístico das micro e pequenas empresas: primeiro semestre de 2005. Disponível em: <http://www.sebrae.com.br/ customizado/estudos-e-pesquisas/estudos-e-pesquisas/boletim-estatistico-das-mpe>. Acesso em 10-07-09, p. 59.
6 MORATO, João Castilho. Globalismo e flexibilização trabalhista . Belo Horizonte: Inédita, 2003, p. 40.
21
provisório de suas ocupações, vez que esses precisam acompanhar as
inovações e se especializarem de acordo com a demanda do mercado. Os
custos para se formalizar uma relação de emprego e as normas
excessivamente protetivas ao empregado também servem como desincentivo à
contratação e acarretam utilização, pelo empregador, de formas alternativas
para explorar mão-de-obra como a terceirização ou o labor autônomo. A
desigualdade na distribuição de renda e a exclusão social são consequências
do desemprego, apresentando-se o empreendedorismo como solução para
quem tem interesse de vender seu trabalho, sem estar necessariamente
subordinado a um empregador.
Interessante também ressaltar o aumento do número de empresários
seniores no mercado de trabalho, em decorrência do aumento da expectativa
de vida da população para setenta e três anos de idade. Esse perfil
empreendedor não é formado apenas por quem procura satisfação pessoal,
mas por pessoas que encontram dificuldades para serem contratadas, com
carteira de trabalho, depois dos 50 anos de idade ou ainda por aquelas que
pretendem reforçar o orçamento familiar7.
Apesar de o empresário individual sobressair no cenário econômico e
subsistir no direito positivo brasileiro, grande parte da doutrina,
paradoxalmente, não lhe dá a devida relevância e de forma expressiva não se
preocupa em tecer, para ele, importantes considerações. Fábio Ulhoa Coelho8,
por exemplo, faz crítica ao legislador do Código Civil de 2002, por dedicar
diversas passagens normativas à figura da pessoa física empresária:
O mais adequado, por evidente, seria o ajuste entre o texto legal e a realidade que se pretende regular, de modo que a disciplina geral da
7 “Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicam que quase um terço dos 20 milhões de idosos brasileiros mantiveram-se ocupados no ano passado. Eles atuaram como empregadores em 6,4% dos casos, enquanto o percentual na população economicamente ativa não chega a 4%. A etapa nacional do estudo Global Entrepreneurship Monitor (GEM), conduzido em 42 países, também apresenta números reveladores, mostrando significativo aumento no percentual de empreendedores acima dos 45 anos responsáveis pela abertura de novas empresas - eles passaram de 17%, em 2001, para 21% atualmente. Mais dos 200.000 novos negócios abertos em São Paulo ao longo deste ano, 14% estarão nas mãos de gente com mais de 50 anos, de acordo com o Sebrae.” In: Pequenas empresas grandes negócios. A idade do sucesso. Edição 238 – Nov. 2008. Disponível em: <http://empresas.globo.com/EditoraGlobo/componentes/article/edg_article_print/1,3916,1691391-2991 -1,00.html>. Acesso em 10-07-2009.
8 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial . v.1. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 63.
22
empresa (isto é, do exercício da atividade empresarial) fosse a relativa ao empresário pessoa jurídica, reservando-se algumas poucas disposições especiais ao empresário pessoa física. Nem sempre, contudo, os elaboradores de textos de normas jurídicas possuem essa preocupação.
Ao dissertar brevemente sobre a figura jurídica do empresário
individual, o citado autor afirma ser sua atividade sem importância prática para
a economia. Preleciona que a maioria dos empreendimentos econômicos no
Brasil é desenvolvida por pessoas jurídicas, ou seja, sociedades empresárias
criadas pela união dos esforços de seus integrantes. Em vista desse
posicionamento, que contraria as informações acima ressaltadas, o autor
dedica o capítulo de sua obra intitulado “empresário” à sociedade empresária,
ou seja, à pessoa jurídica que explora atividade econômica:
Neste capítulo – e, de resto, em todo o Curso –, o exame das questões em geral terá por foco o empresário pessoa jurídica. Não se tratará, senão em pouquíssimas passagens, do exercente individual da atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços, porque esta figura, na verdade, não possui presença relevante na economia. 9
Muitas vezes, o empresário singular é menosprezado em razão do
pequeno e médio porte das empresas por ele exploradas. Ocorre que, devido a
sua significativa ampliação no mercado, passam a ser uma forma empresarial
capaz de reduzir o desequilíbrio social e econômico do país. Como as
estatísticas do DNRC e do SEBRAE são baseadas em fatos reais, oficialmente
publicados, ignorá-las é alienação. O pequeno empreendedor tem o poder de
agregar valores sociais, ofertando postos de trabalho, recolhendo tributos,
aprimorando tecnologia, dentre outros fatores imprescindíveis ao aquecimento
da economia. Por isso, criar meios para incentivar a participação do empresário
individual e assegurar sua sobrevivência no mercado é dar-lhe, além da
dignidade de gerir seu próprio negócio, a oportunidade para otimizar o
potencial econômico nacional.
Dessa forma, torna-se indiscutível a necessidade de se amparar
juridicamente o empresário individual, limitando os riscos de sua atividade, para
9 COELHO, 2004, p. 64.
23
lhe proporcionar segurança jurídica equivalente às das sociedades
empresárias. Atualmente, o risco dos sócios que constituem uma sociedade
pode ficar limitado ao capital investido para o exercício da empresa, sem atingir
os bens pessoais. Por outro lado, na dinâmica do empresário individual, o
conjunto de seus bens, conquistados com o trabalho de uma vida inteira, é
afetado de forma ilimitada, sem se estabelecer uma distinção dos bens não
destinados ao desempenho da atividade empresarial.
Diante do papel fundamental do empresário individual no fomento da
economia, a legislação brasileira não se apresenta razoável, mas ultrapassada,
quando equiparada à legislação de outros países, sobretudo europeus, onde a
discussão já não se foca mais na importância da limitação da responsabilidade
do empresário individual, mas no aperfeiçoamento das normas que a
regulamentam.
Compete realçar que o assunto em pauta não é novidade para o
legislador brasileiro. A redação do artigo 974 do Código Civil de 2002 prevê a
possibilidade de o incapaz, mediante autorização judicial, ser um agente
econômico individual com patrimônio estranho ao acervo da empresa e
incomunicável com as dívidas do empreendimento. Mesmo sendo uma regra
excepcional, desvela a importância da garantia ao exercício da atividade
empresarial com responsabilidade limitada, para não levar seu administrador à
completa ruína.
O reconhecimento legal de um patrimônio de afetação, designado
exclusivamente ao cumprimento das obrigações impostas pela atividade
empresarial e outro pessoal resguardado do desapossamento por parte dos
credores da empresa, é a melhor forma de se minimizar o risco do empresário
individual e incentivar o crescimento econômico e social, estimulando novos
empreendimentos.
Todavia, antes de se aprofundar nesse intento, para maior clareza na
condução deste trabalho, faz-se necessário compreender o significado do
termo empresário.
Conforme a própria construção sistemática do Código Civil, o estudo do
Direito deve se iniciar a partir dos sujeitos de direito, porque representam a
gênese organizacional da sociedade. Assim, para estabelecer um traço
distintivo entre o empresário individual, sociedades empresárias e os sujeitos
24
não-empresariais, com intuito de identificar seus elementos caracterizadores,
bem como utilizar tais termos de forma adequada, evidenciam-se as primeiras
considerações da presente dissertação.
Em seguida, para se averiguar a possibilidade de limitação da
responsabilidade do empresário individual, duas questões importantes para o
deslinde do problema são observadas. Uma consiste na personalidade jurídica
do empresário individual e seus efeitos. A outra está relacionada à natureza
jurídica do capital social, propondo-se a aceitação de uma massa patrimonial
exclusiva à afetação do exercício profissional do ente singular.
1.1. O SIGNIFICADO DO TERMO EMPRESÁRIO
No ordenamento jurídico brasileiro, o termo “empresário” pode
caracterizar tanto a pessoa física como a pessoa jurídica que organiza uma
atividade econômica para a produção ou para a circulação de bens e serviços.
Dessa forma, quando a dinâmica empreendedora se limita a uma
atividade infungível, ou seja, intuito personae, em que uma pessoa natural se
obriga pessoalmente, através de seu próprio nome e responde com seus
próprios bens, obtém-se a figura do empresário individual.
Em contrapartida, se o exercício profissional é instituído através de um
contrato celebrado entre duas ou mais pessoas, que se obrigam a contribuir
com bens ou serviços para o desempenho de atividade econômica organizada
e da partilha, entre si, dos resultados, surge a figura das sociedades
empresárias.
Dentro dessa perspectiva, o operador do direito precisa atentar para a
distinção entre a figura jurídica do empresário e a figura jurídica da empresa.
Enquanto o empresário representa um sujeito de direito, a empresa é o objeto
de direito, ou melhor, uma atividade. A existência da empresa decorre da
atuação do empresário, ou seja, caso desapareça a organização dos fatores de
produção pelo empresário, pessoa física ou jurídica, “desaparece, ipso facto, a
25
empresa”. Assim, “a empresa somente nasce quando se inicia a atividade sob
orientação do empresário”, contudo, com ele não se confunde10.
Em vista do paralelismo binário empresário e empresa, busca-se
melhor entender o significado de “empresa”, pois é alvo de especulação
doutrinária e não se encontra delineado em diplomas legais. Muitas vertentes
hermenêuticas consideram que sua definição esteja adstrita ao seu aspecto
econômico.
Alberto Asquini11 assevera ser o conceito de empresa fruto de um
fenômeno poliédrico que, sob a ótica jurídica, tem múltiplos perfis em relação
aos diversos elementos que o integram. O autor visualiza a empresa em
diversos ângulos. Ela pode ter um perfil subjetivo, pois está ligada às pessoas
que criaram e mantém a atividade empresarial. Um perfil funcional, ou seja, a
organização dos meios de produção com finalidade lucrativa. Um perfil objetivo
que consiste no patrimônio empresarial utilizado no exercício da atividade. E
um perfil corporativo ou institucional, fruto da união de esforços dos
empreendedores e seus auxiliares em torno de um objetivo econômico.
Segundo o doutrinador,
Esta é a razão da falta de definição legislativa; é esta, ao menos em parte, a razão da falta de encontro das diversas opiniões até agora manifestadas pela doutrina. Um é o conceito da empresa, como fenômeno econômico; diversas as noções jurídicas relativas aos diversos aspectos do fenômeno econômico. Quando se fala genericamente de direito da empresa, de direito da empresa comercial (direito comercial), de direito da empresa agrícola (direito agrário), se considera a empresa na sua realidade econômica unitária (matéria de direito). Mas quando se fala da empresa em relação à sua disciplina jurídica, ocorre operar com noções jurídicas diversas, de acordo com os diversos aspectos jurídicos do fenômeno econômico12.
Sob essa perspectiva, Alberto Asquini entende que a empresa, no
sentido econômico, é “uma organização de trabalho e de capital tendo como
10 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial . v.1. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 59-60.
11 ASQUINI, Alberto. Perfis da empresa. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro . Tradução de Fábio Conder Comparato. n. 104. v. 35. São Paulo, 1996, p. 109-126.
12 IBID, 1996, p. 110.
26
fim a produção de bens e serviços para a troca”13, e admite ser imprescindível
uma atividade baseada na economia de troca para se despontar o caráter
profissional. Entretanto, aduz que se a troca estiver destinada à própria
subsistência ou à satisfação das necessidades familiares de quem a dirige, não
se tem uma empresa, pois se faz necessária a criação de riquezas pelo
empresário. Para isso, o trabalho e o capital devem ser disponibilizados no
mercado, satisfazendo a demanda de bens e serviços. Apesar de vertentes
doutrinárias entenderem que a teoria poliédrica de Asquini encontra-se
atualmente afastada, pois a corrente majoritária considera a empresa uma
atividade, o aspecto econômico por ele destacado, ora ressaltado, é de
relevante pertinência para a compreensão da empresa e do elemento de
empresa14.
Rubens Requião também reconhece a empresa como um organismo
econômico, por ser regida por princípios técnicos e leis econômicas.
Objetivamente considerada, apresenta-se como uma combinação de elementos pessoais reais, colocados em função de um resultado econômico, e realizada em vista de um intento especulativo de uma pessoa, que se chama empresário. Como criação de atividade organizada do empresário e como fruto de sua ideia, a empresa é necessariamente aferrada à sua pessoa, dele recebendo os impulsos para o seu eficiente funcionamento... O conceito jurídico de empresa se assenta nesse conceito econômico15.
Essa tendência doutrinária em visualizar o empresário vinculado ao
exercício de uma atividade econômica organizada é consolidada no
ordenamento jurídico brasileiro sob influência do modelo italiano intitulado
teoria da empresa. Conforme preceitua a teoria, o empresário ou a sociedade
empresária são os titulares da empresa que não deve ser associada à pessoa
13 ASQUINI, 1996, p. 110. 14 Marlon Tomazette, por exemplo, desconsidera a teoria poliédrica (TOMAZETTE, Marlon.
Direito societário . São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 5-6), assim como Fábio Ulhoa Coelho (COELHO, 2004, p. 18-19).
15 REQUIÃO (2003, p. 50) complementa as ideias acima expostas afirmando que: “Em vão os juristas têm procurado construir um conceito jurídico próprio para tal organização. Sente-se em suas lições certo constrangimento, uma verdadeira frustração por não lhes haver sido possível compor um conceito jurídico próprio para a empresa, tendo o comercialista que se valer do conceito formulado pelos economistas. Por isso, persistem os juristas no afã de edificar em vão um conceito jurídico de empresa, como se fosse desdouro para a ciência jurídica transpor para o campo jurídico um bem elaborado conceito econômico”.
27
do empresário. A empresa representa a atividade, ao passo que o empresário
é quem a exerce.
Fábio Ulhoa Coelho16, ao explicar o conceito de empresário, ressalta
sua preocupação em diferenciá-lo do conceito técnico de empresa. O autor
assevera que é comum a pessoa jurídica empresária ser equivocadamente
denominada empresa, assim como os sócios são erroneamente chamados de
empresários. Conforme mencionado, a empresa representa uma atividade e
não a pessoa que a explora. O empresário não é o sócio da sociedade
empresarial, ele é a própria sociedade. Por isso, as normas ditadas pelo Direito
Empresarial aplicam-se às sociedades e não aos seus sócios. Assim, sempre,
quando se empregar a expressão “sociedade empresária”, o intérprete deve
associá-los à pessoa jurídica que explora atividade econômica, e não a seus
sócios. Segundo o autor:
Claro que o direito também disciplina a situação do sócio, garantindo-lhe direitos e imputando-lhe responsabilidades em razão da exploração da atividade empresarial pela sociedade de que faz parte. Mas não são os direitos e as responsabilidades do empresário que cabem à pessoa jurídica; são outros, reservados pela lei para os que se encontram na condição de sócio17.
O termo empresário individual é utilizado para denominar a pessoa
natural proprietária e controladora da atividade econômica organizada. Isso
ocorre porque o exercício da atividade de empresário singular não cria nova
personalidade jurídica, coincidindo a pessoa natural com a do empresário. As
sociedades empresárias, por representarem um agregado de pessoas ou bens,
adquirem personalidade jurídica reconhecida pela legislação e que, por
definição, não se confunde com a pessoa natural do sócio18. Em vista disso, a
expressão “sociedade empresária”, e não “sociedade empresarial”, é a mais
apropriada, já que a sociedade, pessoa distinta das pessoas de seus sócios, é
16 COELHO, 2004, p. 64. 17 IBID, p. 64. 18 Mais esclarecimentos sobre a personalidade jurídica do empresário individual e da sociedade
empresária encontram-se no item 1.2. deste estudo.
28
que é a empresária. Assim como a pessoa física administradora singular da
atividade empresarial é denominada empresário individual19.
Importante destacar que o estabelecimento também não é sinônimo de
empresa e tampouco se confunde com a figura do empresário. Nas lições de
Alberto Asquini, o estabelecimento é “o complexo de bens (materiais e
imateriais, móveis ou imóveis, e, segundo alguns, também os serviços) que são
os instrumentos de que o empresário se vale para o exercício da atividade
empresarial”20. Em outras palavras, o estabelecimento agrega um complexo de
bens corpóreos e incorpóreos dedicado à empresa e dinamizado pelo
empresário, conforme induz a redação do artigo 1.142 do Código Civil de
200221. Em síntese, o estabelecimento representa uma noção distinta de
empresa (atividade) e de empresário (titular da atividade), consistindo em
universalidade, de fato, que faz parte da projeção patrimonial do
empreendimento, importante para o desempenho da atividade empresarial,
também conhecido como fundo de comércio. Vera Helena de Mello Franco22
adverte que o estabelecimento empresarial pode ser organizado pelo
empresário de forma simples (como o do ambulante ou vendedor de pipocas),
complexa (como uma indústria de automóvel), ou imaterial (como lojas virtuais).
É universal, pois, essa organização ser formada por uma pluralidade de coisas
que, por mais simples que sejam, reune-se para um fim em comum: a
exploração da atividade empresarial dada pelo empresário. Dessa forma, como
é a vontade do empresário que dita a dinâmica do empreendimento, torna-se
uma universalidade de fato. As universalidades de direito são aquelas definidas
por lei como, por exemplo, o patrimônio e a herança. Assim, por decorrer o
estabelecimento de uma vontade do empresário e não da lei, torna-se uma
universalidade de fato, com natureza jurídica de bem móvel, cuja transferência,
considerada no seu conjunto, perfaz-se pela tradição.
19 LEAL, Thales Poubel Catta Preta. A caracterização da sociedade empresária. Dissertação (Curso de pós-graduação da Faculdade de Direito da UFMG). Belo Horizonte: UFMG, 2004, p. 63.
20 ASQUINI, 1996, p. 104. 21 Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para o exercício da
empresa, por empresário, ou por sociedade empresária. 22 FRANCO, Vera Helena de Mello. Manual de direito comercial : o empresário e seus
auxiliares, o estabelecimento empresarial, as sociedades. v.1. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 144-145.
29
Estabelecida a diferença entre empresário, empresa e
estabelecimento, discutem-se os elementos caracterizadores da condição de
empresário, tanto para a pessoa física, como para a pessoa jurídica.
1.1.1. Os elementos caracterizadores do empresário individual
O Código Civil de 2002 delineia as peculiaridades do empresário
individual no Livro II (“Do Direito de Empresa”), Título I (“Do empresário”),
Capítulo I (“Da caracterização e da inscrição”), especificamente no artigo 966,
que assim preleciona:
Artigo 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.
Note-se que a redação do caput revela os elementos inerentes à
qualificação do empresário, ou seja, aquele que desempenha, de forma
“profissional”, uma “atividade organizada”, com caráter “econômico”, adstrita à
“produção ou à circulação de bens e serviços”.
A identificação jurídica do empresário individual depende da
condensação de todos esses elementos combinados com as ressalvas do
parágrafo único. Todavia, o legislador não os elucida de forma satisfatória,
devendo o intérprete recorrer às lições doutrinárias para não ser induzido a
erro.
30
1.1.1.1. O exercício profissional
O exercício “profissional” da atividade lucrativa, como um dos
elementos imprescindíveis à caracterização do empresário, encontra-se
vinculado, basicamente, a três fatores: habitualidade, exercício da atividade em
nome próprio e assunção dos riscos da empresa.
O primeiro fator desponta-se a partir da redação contida no Código
Comercial Francês de 1807 que também se encontra previsto no artigo 4o do
Código Comercial Brasileiro de 1850, quando o legislador faz alusão no texto
legal àquele que “faça da mercancia profissão habitual”23. Partindo dessa
premissa, quem se aventura esporadicamente à produção e à venda de
mercadorias, para equilibrar suas finanças ou apenas testar suas aptidões para
o comércio, não é empresário. Todavia, se a atividade se tornar um meio de
vida, a habitualidade se evidencia. Os mestres italianos Giuseppe Auletta e
Niccolò Salanitro24 esclarecem que a atividade negocial contínua não precisa
ser única ou central na vida do empresário, pois a habitualidade não pressupõe
exclusividade. Pode até sofrer interrupções, desde que tenha um caráter de
permanência no tempo. Também não há incompatibilidade do exercício da
atividade negocial com outras profissões. Mesmo exercendo diversas
atividades, se uma delas for caracterizada empresarial, ainda que não seja a
maior fonte de renda do empresário, ele se sujeita às normas específicas do
Direito Empresarial. Já o segundo fator, exercício de atividade em nome
próprio, está diretamente relacionado à pessoalidade do empresário. Enquanto
os colaboradores ou auxiliares do empresário produzem e fazem circular bens
ou serviços em nome do empresário, este assume em nome próprio a
23 Código Comercial. Lei 556, de 25 de junho de 1850. In: BRASIL, Lei 556. de 25 de junho de 1850. Código Comercial. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L0556-1850.htm>. Acesso em: 03-05-2009.
24 Para Giuseppe Auletta e Niccolò Salanitro, “l’attività econômica deve essere esercitada professionalmente, cioè in modo abituale: abitualità non significa Che láttività dev’essere esclusiva e senza interruzioni, e neppure principale rispetto ad altre (Cass. 3 dicembre 1981 n. 6395); ma ocorre solo che non sia occasionale o transitória e quindi realizzi uma certa durata (di conseguenza è impreditore anche chi svolge unáttività secondaria e stagionale: ad es., è stato considerato impreditore commerciale, e quindi sottoposto a fallimento perché insolvente, um insegnante che in estate, durante le vacanze, gestiva um albergo in uma località turística)”. (AULETTA, Giuseppe; SALANITRO, Niccolò. Diritto commerciale . 12. ed. Milano: Dott. A. Giuffrè, 2000, p. 15).
31
responsabilidade pelas obrigações pactuadas com terceiros e,
consequentemente, os riscos do empreendimento, desvelando-se, assim, o
terceiro fator.
Partindo dessa tríade, compreende-se que a prática isolada, episódica
e assistemática não confere efetividade necessária para a caracterização do
empresário. A profissionalidade representa uma conduta reiterada do
empresário que, com intuito lucrativo, torna-se pessoalmente responsável pelos
negócios jurídicos do empreendimento.
Alberto Asquini25 amplia a abrangência da ideia de exercício
“profissional” ao considerá-la fruto de um elemento natural do empresário que
decorre da necessidade deste se especializar, dando lugar a uma organização
duradoura com escopo lucrativo. Essa especialização mencionada por Asquini
é considerada por Fábio Ulhoa Coelho o atributo mais relevante do elemento
profissionalidade. Ela representa o “monopólio das informações que o
empresário detém sobre o produto ou o serviço objeto da empresa”26. As
palavras do autor indicam que o empresário, por ser um profissional, deve ter
plena consciência e domínio sobre os bens e serviços oferecidos ao mercado
como, por exemplo, a qualidade, a durabilidade, os defeitos de fabricação, as
condições e as precauções para o uso. Assim, a profissionalidade está também
relacionada à obrigação do empresário em conhecer todas as informações
relativas aos bens e serviços que oferta ao mercado, sendo sua a
responsabilidade de instruir consumidores e usuários.
1.1.1.2. A atividade organizada
O elemento “organização” é matéria complexa e de polêmica discussão
entre os juristas.
25 ASQUINI, 1996, p. 110. 26 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.
12.
32
Segundo Fábio Ulhoa Coelho27, o exercício de uma atividade
econômica organizada é aquela que reúne necessariamente os seguintes
fatores: capital, trabalho, tecnologia e insumos com finalidade lucrativa.
Seguindo a mesma linha de pensamento, Rubens Requião
complementa:
O empresário assim organiza a sua atividade, coordenando os seus bens (capital) com o trabalho aliciado de outrem. Eis a organização. Essa organização, em si, o que é? Constitui apenas um complexo de bens e um conjunto de pessoal inativo. Esses elementos – bens e pessoal – não se juntam por si; é necessário que sobre eles, devidamente organizados, atue o empresário dinamizando a organização, imprimindo-lhes atividade que levará à produção. Tanto o capital do empresário como o pessoal que irá trabalhar nada mais são isoladamente do que bens e pessoas28.
Carlos Barbosa Pimentel entende por organização “a necessidade de o
exercente da atividade aparelhar-se de forma adequada para o desempenho
de sua profissão”29.
Apesar de as afirmações dos ilustres juristas serem relevantes para o
entendimento sobre o que vem a ser uma organização, elas não são
suficientes para esclarecê-la e dão ensejo a certo subjetivismo. Não é a
simples exploração de mão-de-obra ou a reunião de capital, trabalho,
tecnologia, insumos e intuito lucrativo que definem o empresário, tampouco o
exercício da profissão de forma adequada ou apropriada. Também não é
qualquer atividade econômica exercida profissionalmente que configura uma
empresa.
O parágrafo único do artigo 966 do Código Civil afasta da condição de
empresário aquele que desenvolve atividade intelectual, de natureza científica,
literária ou artística, mesmo com o concurso de auxiliares e colaboradores.
Assim, mesmo que se explore o labor de outrem, exista o intuito lucrativo, o
emprego de tecnologia, a concentração de capital e seja desenvolvida uma
atividade profissional, caso esta esteja enquadrada nas hipóteses excludentes
27 COELHO, Fábio Ulhoa. In: Parecer elaborado para o Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas, para o Centro de Estudos e Distribuição de Títulos e Documentos de São Paulo, e para o Registro Civil das Pessoas Jurídicas do Rio de Janeiro. Disponível em:<www.irtdpjbrasil.com.br/parecerfabio.htm>. Acesso em: 04.02.2004.
28 REQUIÃO, 2003, p. 59-60. 29 PIMENTEL, Carlos Barbosa. Direito Comercial . Rio de Janeiro: Impetus, 2003, p. 5.
33
do mencionado dispositivo legal, não é possível se vislumbrar a figura do
empresário.
Para Giuseppe Ferri30, a organização de uma empresa decorre da sua
atividade profissional que se realiza com colaboração das partes interessadas.
Segundo o doutrinador, sem uma organização não há empresa. Mas, sob
ponto de vista jurídico, não é suficiente uma organização qualquer e sim uma
organização com determinados caracteres e objetivos típicos de uma atividade
profissional31. Thales Poubel Catta Preta Leal, em dissertação detalhada sobre
o assunto, afirma não ser a organização um elemento preponderante na
identificação do empresário, pois o que lhe determina é o exercício profissional
de atividade empresarial. Para o autor, “uma sociedade será empresária se seu
objeto social for empresarial, independentemente de seu grau
organizacional”32.
Sob essa ótica, o operador jurídico deve primeiramente identificar o
que é uma “atividade empresarial”, para melhor compreender o fenômeno
organização. Para isso, deve recorrer à redação do parágrafo único do artigo
966 do Código Civil que, conforme destacado, excetua os profissionais
intelectuais de natureza científica, literária ou artística da condição de
empresário, a não ser que o exercício da profissão constitua “elemento de
empresa”.
De acordo com Thales Poubel Catta Preta Leal, se a empresa é uma
atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou
de serviços, o “elemento de empresa” representa uma parte dessa atividade
organizada33. O autor busca subsídios para suas afirmações no Direito italiano,
vez que este é a principal fonte inspiradora dos atuais dispositivos legais que
30 FERRI, Giuseppe. Manuale di diritto commerciale . 10. ed. Torino: UTET, 1996, p. 47-48. 31 Os dizeres de Ferri (op. cit. p. 47-48) aduzem que: “Impresa è in terzo luogo attività
organizzata o meglio ancora attività che si realizza attraverso La collaborazione di altri soggetti “attuantesi sulla base di um principio organizzativo”. Se manca ogni e qualsiasi organizzazione non vi è impresa. Tuttavia da um punto di vista giuridico non è sufficiente uma qualsiasi organizzazione, anche La più elementare, dei fattori della produzione, ma è necessário che questa organizzazione assuma determinati caratteri e uma determinata oggettivazione. In definitiva, um principio di organizzazione sussiste in ogni attività professionale. Se pertanto ci si dovesse accontentare anche di um mínimo di organizzazione, si dovrebbe concludere che impresa è, nel sistema del códice, equivalente di attività professionale.
32 LEAL, 2004, p. 77. 33 IBID, p. 67.
34
regem o Direito Empresarial brasileiro. Dessa forma, faz menção à seguinte
regra do artigo 2.238 do Codice Civile: “Se o exercício da profissão constituir
elemento de uma atividade organizada em forma de empresa, aplicar-se-ão
também as disposições do Título II (artigo 2082 e seguintes)”34. Entretanto, o
referido artigo 2.08235 é que define o empresário de forma análoga ao artigo
966 do Código Civil brasileiro e, assim como na Itália, nem todas as atividades
econômicas são empresariais36. Os profissionais liberais, cuja atividade seja
intelectual, para a legislação de ambos os países, não são considerados
empresários. Isso apenas é possível se o exercício da profissão constituir
elemento de uma atividade organizada em forma de empresa. Sob essa
perspectiva, destacam-se os ensinamentos do jurista italiano Campobasso37:
Os profissionais liberais – e isso vale para os artistas e inventores – se tornam empresários apenas e enquanto a profissão intelectual for desenvolvida no âmbito de outra atividade que, com tal, é qualificada de empresarial. É o caso do médico que gerencia uma clínica privada em que trabalha; o professor dono de uma escola particular na qual ensina; do artista dono de um teatro no qual representa; do inventor que desfruta comercialmente da própria invenção; do cantor que organiza os próprios shows. Em todos esses casos, existem duas atividades distintas – intelectual e empresarial – e encontraremos, por isso, aplicação do mesmo objeto seja a disciplina específica da profissão intelectual (por exemplo, necessidade de inscrição em órgãos profissionais), seja a disciplina da empresa.
O profissional intelectual ou o artista que se limita a desenvolver a própria atividade, por outro lado, não se torna empresário. Também não se torna empresário nas hipóteses em que opera valendo-se de meios estritamente necessários para o desenvolvimento das próprias energias intelectuais e não supere a necessidade da auto-organização do próprio trabalho. Também não se torna empresário nas hipóteses em que se valha de um vasto número de colaboradores (pense-se nos casos de alguns estudos realizados por advogados) e de um complexo aparato de meios materiais (pense-se nos enormes investimentos de capital para a abertura de um
34 LEAL, 2004, p. 65. 35 O referido autor retoma o conceito do “Art. 2.082 (Empresário) - É empresário quem exerce
profissionalmente uma atividade econômica organizada com o fim de produção ou de troca de bens e serviços”. (IBID, 2004, p. 64).
36 Conforme afirma José Edwaldo Tavares Borba, apesar de o Direito brasileiro ter se inspirado no Direito Italiano, com ele não se confunde. O Código Civil italiano ainda preserva o conceito jurídico de comerciante que atualmente encontra-se abandonado no Direito brasileiro. O Art. 2.195 do Código Civil italiano arrola um rol exaustivo das atividades consideradas comerciais. (BORBA, José Edwaldo Tavares. Temas de direito comercial. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 106).
37 CAMPOBASSO, G. F. Diritto commerciale 1-Diritto Dell’ impressa. 4. ed. Torino:utet, 2003. p. 43-44 apud LEAL, op. cit. p. 68-69.
35
consultório de odontologia ou a abertura de um moderno centro de análises clínicas), dando assim vida a uma complexa organização de capital ou trabalho.
O fato de o profissional intelectual não se tornar empresário nesses casos decorre da interpretação do artigo 2.238. O segundo parágrafo especifica que ao profissional intelectual que empregue substitutos ou auxiliares, se aplicam as disposições das seções II, III e IV do capítulo I do título II do Código Civil. Significa dizer, somente as normas que disciplinam o trabalho na empresa, mas não o resto da disciplina empresarial. Em relação ao código civil, ele explicita que o código lista o princípio segundo o qual o exercício de uma profissão não constitui, por si, exercício de uma atividade empresarial, nem mesmo quando o exercício da atividade profissional requeira o emprego de meios materiais e do trabalho de algum auxiliar...
Assim, as atividades arroladas no parágrafo único do artigo 966 do
Código Civil brasileiro são elementos de empresa quando inseridas na
organização da empresa. Caso tais atividades, ainda que intelectuais,
científicas, literárias ou artísticas, sejam desempenhadas a serviço da
organização, com intuito de funcionalizar sua estrutura para consolidar a
empresa no mercado, caracterizam-se como sociedades empresárias. Em
contrapartida, se a atividade for a razão de ser da própria sociedade, ou seja,
for a atividade central do empreendimento, não constitui elemento de empresa
e, por conseguinte, não configura uma sociedade empresária. Nesse sentido,
Thales Poubel Catta Preta Leal preleciona que:
A “organização” só possui alguma importância na caracterização do empresário na hipótese do parágrafo único do artigo 966, ou melhor, para a definição do “elemento de empresa”.
Isso porque só será possível determinar se uma atividade intelectual, científica ou artística constitui “elemento de empresa” a partir da análise da estrutura organizacional da sociedade. Como antes referido, se essa “atividade” constituir a essência da mesma, será simples. Caso contrário, se essa atividade for meio (e não fim) para a execução do objeto social, será empresária, porque nesse caso integrará a “organização” da sociedade, isto é, consistirá em “elemento de empresa”38.
Compartilhando do mesmo posicionamento, Mônica Gusmão39 afirma
que as pessoas excluídas do conceito de empresário, no parágrafo único do
38 LEAL, 2004, p. 77-78. 39 GUSMÃO, Mônica. Direito Empresarial. 4. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2005, p. 8.
36
artigo 966 do Código Civil, assim o são, pois a atividade-fim desenvolvida por
elas depende, singularmente, de sua própria profissão ou mão-de-obra. Quem
exerce atividade de natureza intelectual, artística e científica, ainda que com o
concurso de auxiliares e colaboradores, de forma que sua atuação exija
pessoalidade, não é empresário. O elemento de empresa consiste em uma
atividade organizada que pode ser exercida com a colaboração de terceiros,
mas não necessariamente de forma centralizada, ou concentrada, no próprio
profissional liberal.
José Edwaldo Tavares Borba, ao analisar a “organização” no plano da
pessoa natural, faz distinção entre a figura do profissional autônomo e do
empresário individual, esclarecendo que, apesar de ambos estarem investidos
do requisito profissionalidade, “o primeiro não dispõe de uma atividade
organizada, ou seja, de uma estrutura empresarial, enquanto o segundo apoia
a sua atividade em uma organização, que coordena e dirige, e que é a própria
empresa”40.
Ante as considerações expostas sobre o elemento “organização”,
depreende-se que a figura do trabalhador autônomo se difere da figura do
empresário individual. Cada um deles pode exercer uma atividade econômica
de forma singular ou com a colaboração de auxiliares subalternos ou até
mesmo outros profissionais não-subordinados. Entretanto, na dinâmica laboral
do autônomo prevalece seu trabalho como núcleo da atividade produtiva, o que
não se vislumbra na dinâmica do empresário individual. Este atua como
dirigente, e não operador direto da atividade-fim, cujo objeto social pressupõe
exercício profissional de atividade econômica41.
40 BORBA, 2007, p. 106. 41 Imagine uma cabeleireira que corta os cabelos de sua clientela em seu próprio
estabelecimento. Esta é profissional autônoma, ainda que conte com o apoio de auxiliares. Entretanto, se a prestação desse serviço deixa de ser a atividade-fim, por exemplo, a cabeleireira contrata vários profissionais (esteticista, manicure, maquiador, massagista, depilador) e passa a administrar os serviços, ainda que continue a cortar cabelos, sua atividade constitui elemento de empresa e, por isso, torna-se empresária individual.
37
1.1.1.3. O caráter econômico
Outra exigência do legislador, mencionada no caput do artigo 966 do
Código Civil e inerente à figura do empresário, é o exercício de atividade
“econômica”.
Toda a atividade empresarial é econômica, pois está adstrita à
produção de bens para trocas e para o consumo42. Ela deve ser lícita e
exercida pelo titular, pois o empresário é quem organiza, intermediando os
fatores de produção, com intuito lucrativo. Essa busca por lucro é
imprescindível na caracterização do empresário e não pode estar destinada a
prover o consumo exclusivo deste. Nesse sentido, Alexandre Bueno Cateb43
exemplifica: “quem reiteradamente compra bens para seu consumo, como
livros para sua biblioteca particular, evidentemente, não será empresário”.
O fenômeno econômico acarretado pelo exercício de uma atividade
empresária também não se limita à ideia de produção de dinheiro, mas de uma
utilidade. Alberto Asquini assevera que o risco assumido pelo empresário é que
desponta o aspecto econômico:
O risco da empresa – risco técnico inerente a cada procedimento produtivo, e risco econômico, inerente à possibilidade de cobrir, os custos do trabalho (salários) e dos capitais (juros) empregados, com os resultados dos bens ou serviços produzidos para a troca – faz com que o empresário reserve um trabalho de organização e de criação para determinar de acordo com adequadas previsões o modo de atuação da produção e da distribuição de bens. É esta a contribuição típica do empresário; daí aquela especial remuneração do empresário chamada lucro (margem diferencial entre os resultados e os custos) e que constitui o motivo normal da atividade empreendedora no plano econômico.44
42 Conforme aduzem Giuseppe Auletta e Niccolò Salanitro (2000, p. 15): “che l’attività deve essere economica, cioè diretta a produrre beni, di produzione o di consumo (l’attività di produzione può consistere nell’acquisire materie prime già esistenti, come nell’estrazione di minerali o di petroleo) ovvero a produrre servizi (ad es.spettacolo, custodia, transporto) ovvero a scambiare beni o servizi già prodotti da altri”.
43 CATEB, Alexandre Bueno. Análise econômica da Lei de Sociedades Anônimas. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 65, 01-06-2009 [Internet]. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/ site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6150>. Acesso em 06-08-2009. p. 2.
44 ASQUINI, 1996, p. 110-111.
38
Assim, para que o empresário tenha lucro, sua atividade deve produzir o
suficiente para, no mínimo, remunerar os fatores de produção e, em especial, o
capital investido, a fim de garantir, pelo menos, a sobrevivência da empresa.
O empresário deve almejar lucro, mas, caso esse não seja alcançado,
a atividade continua a ser empresária. O que vale é a intenção do empresário
em investir para obter retorno financeiro, já que a efetiva materialização do
lucro pode ocorrer ou não em virtude de fatores alheios à vontade do
empresário.
1.1.1.4. A produção ou a circulação de bens e servi ços
“A produção ou a circulação de bens e serviços” também destacados
como fundamentais ao perfil do empresário pela legislação civilista estão, da
mesma forma que a profissionalidade, diretamente relacionados ao fator
habitualidade, já que a mera eventualidade não possibilita um fluxo circular e
significativo de renda. O exercício empresarial de trato sucessivo permite a
criação de riquezas com a circulação de bens e serviços em dois sentidos. Em
uma direção, tem-se a força de trabalho vendida pelo ser humano às
empresas; de outra, tem-se a remuneração paga pela empresa aos serviços
prestados. Simultaneamente, os bens e os serviços produzidos pela empresa
são consumidos pelo homem, responsável por gerar lucro à empresa. Esse
fluxo circular de renda retrata uma dinâmica ininterrupta em que as empresas
vendem seus bens e serviços e a sociedade os compra, assim como as
empresas compram os fatores de produção e a sociedade vende sua força de
trabalho.45 Dessa forma, aquele que não produz para mercados ou que não
contribui para o processo de circulação em mercados não é empresário.
45 BOARATI, Vanessa. Economia para o direito . Barueri: Manole, 2006, p. 11.
39
1.1.2. Os elementos caracterizadores da sociedade e mpresária
Nos moldes do artigo 98146 do Código Civil de 2002, uma sociedade é
instituída através de um contrato celebrado entre duas ou mais pessoas, física
ou jurídica, que se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício
de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.
O texto civilista classifica as sociedades em personificadas (ou
regulares) e não-personificadas (não-regulares). Estas, conforme descreve a
própria terminologia, não têm personalidade jurídica, enquanto aquelas
possuem personalidade jurídica, a partir do momento em que apresentam o
contrato escrito para o registro no órgão competente, de acordo com o tipo
societário adotado.
As sociedades personificadas subdividem-se em simples ou
empresárias47. A sociedade empresária está delineada no artigo 98248 e tem
por objeto o exercício de atividade própria de empresário. Cabe consignar que
tal comando legal acaba por remeter o operador do direito ao artigo 966, do
Código Civil de 2002, reservado, a princípio, ao empresário unipessoal. Em
vista disso e em consonância ao que já foi ressaltado anteriormente, o termo
empresário pode denominar tanto pessoa física como jurídica, que desenvolve
profissionalmente atividade organizada, com caráter econômico, adstrito à
produção ou à circulação de bens e serviços.
Sob essa perspectiva, deduz-se que os elementos norteadores da
condição empresária das sociedades distinguem-se daquelas do empresário
individual, apenas quanto ao sujeito exercente da atividade econômica.
Observa-se que o Direito empresarial, sistematizado por normas
concentradas no Código Civil e influenciadas pelo Direito italiano, define a
atividade econômica em função do objeto da empresa (responsável por
46 Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.
47 “Como é a própria pessoa jurídica a empresária – e não os seus sócios–, o correto é falar-se “sociedade empresária”, e não “sociedade empresarial” (isto é “de empresários”)”. In: COELHO, 2004, p. 64.
48 Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais.
40
diferenciar a sociedade simples da empresária), da dimensão da empresa (vez
que o empresário rural e o pequeno empresário têm tratamento privilegiado por
lei) e do sujeito (pessoa física ou jurídica que exerce a atividade econômica).
Nessa tríade, o objeto da empresa é quem determina a dicotomia entre
sociedades simples e empresárias49.
Em vista disso, na elaboração de um paralelo entre as duas formas
societárias, estabelecem-se as seguintes diferenciações entre elas: As
sociedades simples são as antigas sociedades civis com fins lucrativos que se
formalizam com a inscrição no cartório de registro civil das pessoas jurídicas50.
Não se sujeitam aos institutos da concordata e da falência, mas aos princípios
gerais da insolvência, regidos pelo CPC. Thales Poubel Catta Preta Leal
considera curioso o fato de o legislador do Código Civil de 2002 regular as
sociedades simples na Parte Especial, no livro II, intitulado “Do Direito de
Empresa”, uma vez que estas não possuem a qualidade de sociedade
empresária51. Todavia, reconhece que o intuito do texto civilista é permitir que
as antigas sociedades civis possam se enquadrar como sociedades simples ou
empresárias, de acordo com os objetos sociais das mesmas52.
É de grande relevância a imposição normativa de sujeição das
sociedades simples ao registro civil das pessoas jurídicas. Por meio desse
procedimento, os sócios têm uma forma idônea para se comprovar a existência
da sociedade. Segundo o comando do artigo 987 do texto civilista, os sócios,
nas relações entre si ou com terceiros, somente por escrito podem provar a
existência da sociedade. Em contrapartida, os terceiros gozam da prerrogativa
de prová-la de qualquer modo. Dessa forma, “o registro da sociedade simples
confere segurança a seus sócios, à medida que, por meio do contrato social
devidamente arquivado no registro próprio, podem provar a existência da
mesma entre eles e perante terceiros”53. Outra questão considerável, é a
49 LEAL, 2004, p. 59-60. 50 O Código Civil de 1916 subdivide as sociedades civis em duas espécies: com fins lucrativos
e sem fins lucrativos. Com o advento de nova redação para o Código Civil em 2002, as sociedades com fins lucrativos passam a ser denominadas sociedades simples e as sociedades sem fins lucrativos, associações.
51 LEAL, op. cit., p. 43. 52 Para Thales Poubel Catta Preta Leal, “essa nova disposição da matéria se deve ao fato de o
Código Civil brasileiro de 2002 ter se inspirado no Codice Civile italiano, que não possui Parte Geral”. (p. 78). In: IBID, p. 47.
53 IBID, p. 48.
41
garantia do benefício de ordem previsto no artigo 1.02454 do Código Civil, para
as sociedades simples devidamente formalizadas. Esse dispositivo permite
certa limitação da responsabilidade dos sócios, de forma que seus bens
particulares somente possam ser atingidos pelas dívidas da sociedade após a
execução dos bens sociais. Ressalta-se que a constituição de sociedades
simples não exime os sócios da responsabilidade pessoal pelas dívidas da
sociedade, mas apenas permite a afetação do patrimônio particular depois de
executados os bens da sociedade. Assim, a regra é a responsabilidade
subsidiária, porém ilimitada, dos sócios de uma sociedade simples para com as
dívidas da pessoa jurídica.
O registro, além de servir como meio de prova, oponível erga omnes,
bem como proteger os sócios de uma execução direta, também admite a
constituição das sociedades simples analogamente a qualquer um dos tipos de
sociedades empresárias55. Tal possibilidade reduz a diferenciação entre as
sociedades simples e empresárias que tende ao desaparecimento, pela
possibilidade de qualquer uma delas estar sujeita a um mesmo instituto56.
Nesse sentido, Rachel Sztajn ressalta:
Por que a separação entre organizações empresárias e não empresárias, quando todas são destinadas ao exercício de atividades econômicas e partilha de resultados? Que benefício há em manter, e a repetição, conquanto enfadonha é necessária, a antiga distinção entre atividades comerciais e civis? Mais simples seria excluir a aplicação de certas normas às empresas civis, como por exemplo, a falência, e unificar, acolhendo todas as atividades econômicas sob a égide da empresa. Com isso, a distinção entre sociedades (de fins econômicos) e associações (de finalidades não econômicas) ficaria mais nítida. Melhor do que impor à sociedade (pessoa jurídica) que vier a exercer a empresa a adoção de um dos tipos legais previstos no Código Civil.57
54 “Art. 1.024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais”.
55 “Art. 983. A sociedade empresária deve constituir-se segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092; a sociedade simples pode constituir-se de conformidade com um desses tipos, e, não o fazendo, subordina-se às normas que lhe são próprias”.
56 LEAL, 2004, p. 58. 57 SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa . São Paulo: Atlas, 2004, p. 137-138.
42
Apesar dessas considerações, a adoção facultativa de uma das formas
empresariais não a descaracteriza como sociedade simples58, mas, em
contrapartida, concede-lhe a prerrogativa de gozar das benesses legais do tipo
societário vestido. Sob essa perspectiva, caso uma sociedade simples
organize-se nos moldes da sociedade limitada, a responsabilidade dos sócios é
solidária, mas limitada ao montante do capital social subscrito e não
integralizado. Se integralizado, cessa-se o risco de afetação dos bens
particulares dos sócios, que apenas podem ser alcançados através da
desconsideração da personalidade jurídica, em plena conformidade com o
artigo 50 do Código Civil59. Dessa forma, aplica-se o comando do artigo 1.05260
do Código Civil, em detrimento do artigo 1.02361. Todavia, se não há a opção
pela forma empresária, as sociedades simples ficam adstritas às normas
especialmente destinadas a elas.
Após a análise do item anterior, relativa aos elementos inerentes à
condição de empresário, pode-se afirmar que em uma sociedade simples os
sócios operam diretamente o objeto social, exercendo eles próprios a produção
de bens, ou a circulação, ou a prestação de serviços62. O traço diferencial entre
58 Também não sujeita as sociedades simples aos institutos típicos das sociedades
empresárias, como a falência, conforme já ressaltado. 59 Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou
pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e de determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
60 Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.
61 Se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem os sócios pelo saldo, na proporção em que participem das perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária.
62 Os exemplos de José Edwaldo Tavares Borba são elucidativos: Se um comércio de tecidos for exercido por uma sociedade cujo trabalho dos sócios é a essência da atividade, pois eles próprios compram e revendem, tem-se uma sociedade simples. Permanece a mesma natureza jurídica, caso os sócios façam uso de empregados, pois estes apenas completam o trabalho dos titulares da sociedade. Em contrapartida, se a comercialização se dá através de uma estrutura hierarquizada, com a compra e revenda das mercadorias sob a coordenação dos sócios e administradores sociais, sem operarem diretamente o objeto social, tem-se uma sociedade empresária. No exemplo hipotético de um supermercado, que pela dimensão de sua atividade, precisa ser operado por uma organização, a condição empresarial resultaria evidente. De outra forma, vislumbra-se a dinâmica de uma mercearia dirigida diretamente pelos sócios. Na área industrial, o objeto social compreende o processo de produção em escala, que, pela sua própria natureza, demanda uma estrutura organizacional. Esta pode não ser estruturada por pessoas, já que em muitas situações são substituídas por aparatos tecnológicos, mas, mesmo assim, tem-se a organização através da coordenação dos meios materiais. (BORBA, 2007, p. 112).
43
as sociedades empresárias e sociedade simples é destacado, no Código Civil,
pelo parágrafo único do artigo 966 e pelo artigo 971. Assim, as sociedades
simples desvelam-se pelo exercício de atividade intelectual, de natureza
científica, literária ou artística, desde que não constituam elemento de
empresa63. Nesse sentido, têm-se os ensinamentos de Wilges Ariana Bruscato:
As atividades intelectuais, de caráter científico, literário ou artístico não são alcançadas pelo direito de empresa. A razão disso, longe de atender “apenas uma tradição antiga de privilégio concedido aos profissionais (...) liberais”, é que, mesmo que se produza ou preste serviços, esses resultados são fruto de um esforço criador, originário da própria mente do autor, ou seja, as atividades de natureza científica, literária ou artística não têm caráter empresarial, porque embora possam produzir bens ou serviços, falta-lhes o elemento de organização dos fatores de produção, que se existe, é circunstancial, pois a atividade criadora nasce das habilidades intelectuais pessoais daqueles que exercem tais atividades.
Desse modo, desde que a atividade seja prestada de modo puro, sem se agregar a outras, ainda que conexas, está além das fronteiras do direito empresarial64.
Segundo José Edwaldo Tavares Borba65, os empresários e os não-
empresários regem-se basicamente pelos mesmos preceitos, salvo duas
exceções. No que tange às regras de escrituração fiscal dos empresários,
estas são mais rigorosas que as dirigidas ao não-empresário e à sociedade
simples. A segunda diferenciação é ditada pela Lei de Falência, que envolve
regras mais gravosas para o devedor e inclusive tipifica os crimes falimentares.
Esse instituto não se aplica aos não-empresários ou às sociedades simples, as
quais sofrem apenas o processo de insolvência civil. Dessa forma, as
sociedades simples não estão sujeitas às normas do Direito Empresarial e,
portanto, não são sujeitas à falência e, tampouco, à concordata.
63 Segundo José Edwaldo Tavares: Uma sociedade de artistas plásticos que faz exposição de suas obras é uma sociedade simples. Se essa sociedade promove uma reprodução em série para a distribuição no mercado, torna-se empresária. Caso de uma orquestra sinfônica explore economicamente suas exibições, caracteriza-se como sociedade simples. Se estiver voltada para a exploração fonográfica dessas performances, o trabalho artístico torna-se elemento de empresa e a atividade empresária. A sociedade que elabora projetos de engenharia é sociedade simples se não executar tais projetos. Se também realizar a edificação, o trabalho científico dos engenheiros é elemento de empresa, cujo objeto final seria a obra e não a criação dos engenheiros. (BORBA, 2007, p. 117).
64 BRUSCATO, Wilges Ariana. Empresário individual de responsabilidade limitada . São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 128.
65 BORBA, op. cit., p.104-105.
44
Uma atividade agrícola pode ou não figurar uma sociedade simples, já
que sua inscrição tem efeito constitutivo, considerada a prerrogativa
assegurada por lei em facultar a formalização da sociedade na Junta Comercial
ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas. No caso da pequena empresa,
assim definida por lei federal, ainda que dotada dos elementos inerentes à
caracterização de empresário, igualmente à situação do empresário rural, pode
se registrá-la no Registro Civil das Pessoas Jurídicas e assumir o status de
uma sociedade simples66.
Diante dessas considerações, a doutrina assevera que o Código Civil
de 2002, apesar de abraçar a teoria da empresa, criada pelo sistema italiano,
executa-a de forma mitigada. Afinal, conforme já evidenciado, ainda que
presentes todos os elementos inerentes ao empresário, o que acarretaria
apenas distinção entre os sujeitos pessoa física ou pessoa jurídica, o
tratamento reservado às atividades rurais e às pequenas empresas não é
necessariamente o mesmo referente ao empresário individual ou às
sociedades empresárias67.
As sociedades empresárias, de acordo com o tipo de sua constituição,
podem ser regulamentadas pelo Código Civil ou pela Lei 6.404/76. As
sociedades em nome coletivo, em comandita simples e limitada são
constituídas a partir de um contrato social e regidas pelo Código Civil. Por outro
lado, as sociedades anônimas e as sociedades em comandita por ações estão
submetidas aos ditames da Lei 6.404/76, sendo constituídas a partir de um
estatuto social68. Apesar dos cinco tipos serem reconhecidos pelo Direito
Empresarial, apenas as pessoas jurídicas que adotam a forma de sociedade
limitada ou de sociedade anônima destacam-se atualmente de forma
significativa no mercado.
66 “Art. 970. A lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes.”
67 BORBA, 2007, p. 113. 68 Uma sociedade simples pode adotar quaisquer desses tipos societários, com exceção da
sociedade anônima e da comandita por ações, que sempre serão sociedades empresárias e são regidas pela Lei 6.404/76. Não assumindo a sociedade simples qualquer dos tipos empresariais, rege-se pelos artigos 997 a 1038 do NCC, sendo denominada de sociedade simples pura. Conforme aponta a doutrina, as sociedades simples não exercitam atividade própria das sociedades empresárias e não possuem fins lucrativos.
45
A constituição de sociedades limitadas é o tipo societário mais utilizado
para a exploração de atividades econômicas de pequeno e médio porte. A
sociedade limitada seduz muitos empreendedores em razão da proteção de
seu patrimônio pessoal frente aos negócios contraídos pela sociedade. Em
uma sociedade de responsabilidade limitada, o patrimônio da sociedade e dos
sócios é distinto, pois são pessoas jurídicas distintas. Os sócios firmam um
contrato social e definem o valor do capital social destinado à sociedade. O
limite da responsabilidade dos sócios, na sociedade limitada, é o total do
capital social subscrito e não-integralizado. Cada sócio se compromete a
entregar um montante para a formação da sociedade. O total desse montante
representa o capital social. Se o contrato social estabelece que o capital
encontra-se totalmente integralizado, os sócios se eximem, em regra, de
qualquer responsabilidade pelas obrigações sociais. Todavia, se parte do
capital social ainda não foi entregue, este não se encontra integralizado e, por
isso, tornam-se os sócios solidariamente responsáveis por essa obrigação69.
No que reporta às sociedades anônimas, essas são normalmente
utilizadas na exploração de vultosas atividades econômicas, sendo seus sócios
disciplinados por um estatuto social. O capital dessa sociedade é fracionado
em unidades chamadas ações. A responsabilidade dos acionistas consiste na
integralização das ações de que sejam titulares, ou seja, “a responsabilidade
dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações
subscritas ou adquiridas”70.
Quanto às sociedades não-personificadas, subdividem-se no mundo
jurídico como sociedades em comum e em conta de participação. As
sociedades em comum consistem naquelas sociedades não inscritas em seu
registro próprio. Nessa forma societária, a responsabilidade dos sócios é
solidária e ilimitada perante terceiros para o cumprimento das obrigações
contratuais. Contudo, os bens particulares dos sócios apenas podem ser
executados depois de afetados os bens sociais, excluídos do benefício dessa
ordem aquele que contratou pela sociedade71. Em relação à responsabilidade
69 “Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas cotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social”.
70 Lei 6.404/76, artigo 1º. 71
Art. 990 e Art. 1.024 do Código Civil de 2002.
46
ilimitada e solidária dos sócios por dívidas das sociedades em comum,
denominadas sociedades de fato antes do advento do Código Civil de 2002,
Alexandre Bueno Cateb entende que o mesmo tratamento deve ser empregado
para os sócios das sociedades irregulares. As sociedades recebem o epíteto
de irregulares quando descumprem as obrigações impostas por lei ou quando
praticam atos que desnaturam o tipo social. Segundo o jurista, apesar de essas
sociedades possuírem personalidade jurídica, pois formalizam seus atos
constitutivos no órgão competente, os sócios devem sofrer o mesmo ônus que
os sócios das sociedades em comum.
A expressão contida no artigo 986 – “enquanto não inscritos os atos constitutivos” deve ser interpretada como “se não inscritos os atos constitutivos ou não registradas as modificações posteriores”. Assim, deixando o sócio de descumprir os preceitos legais relativos à regularidade da sociedade de que participa, sofrerá o ônus da responsabilização pessoal por dívidas da pessoa jurídica, de forma solidária e ilimitada72.
A sociedade em conta de participação surge do interesse de uma
pessoa física ou jurídica investir em um empreendimento que considera
lucrativo, mas não tem conhecimento ou capital suficiente para coordenar e,
por isso, delega tais atribuições a um especialista. Tal forma societária é
normalmente utilizada para empreendimentos onde várias pessoas confiam a
execução de determinado negócio ao sócio ostensivo que contrata em seu
nome e realiza a atividade constitutiva do objeto social em benefício dos sócios
participantes73. Estes se relacionam apenas com o sócio ostensivo e
contribuem com capital a fim de se satisfazerem com o resultado do negócio. O
sócio ostensivo possui responsabilidade exclusiva no cumprimento das
obrigações sociais contraídas, mas em caso de o sócio participante tomar parte
nas negociações do sócio ostensivo com terceiros, passa a ter
72 CATEB, Alexandre Bueno. A sociedade em comum. In: Direito de empresa no novo código civil . Coordenador Frederico Viana Rodrigues. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 154.
73 Bernardo Lopes Portugal esclarece que as sociedades em conta de participação: “tem, pois, aplicação nos mais diversos ramos da atividade econômica atual como na administração de imóveis, execução de obras públicas ou exploração de concessão de serviços públicos, organização de fundos de investimentos, sindicatos financeiros, sindicatos acionários, acordos industriais e comerciais, e até mesmo para a aquisição de bilhetes de loteria, entre outras”. In: PORTUGAL, Bernardo Lopes. A sociedade em conta de participação no novo código civil e seus aspectos tributários. In: Direito de empresa no novo código civil . Coordenador Frederico Viana Rodrigues. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 159.
47
responsabilidade solidária juntamente com o sócio ostensivo nas obrigações
em que intervier.
Esse breve comentário sobre as formas societárias tem como escopo
traçar o perfil do empresário individual em contraponto ao das sociedades
empresárias e um esboço de suas responsabilidades.
Por hora, o que se pretende asseverar é que a sociedade, empresária
ou não-empresária, responde ilimitadamente pelas obrigações sociais não lhe
sendo permitido excluir seus bens da afetação dos credores sociais. No que diz
respeito aos sócios, podem responder limitada ou ilimitadamente pelas
obrigações sociais, de acordo com a modalidade societária adotada. Todavia,
independente da forma como a sociedade se constitui, os sócios apenas serão
acionados, para atender os credores, depois de caracterizada a insolvência da
sociedade.
1.2. O INSTITUTO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
O vocábulo “pessoa” deriva da palavra latina persona que tem origem
na expressão per sonare cujo significado, na antiguidade, era ecoar, fazer
ressoar, ampliar o som. Essas acepções são provenientes das máscaras
utilizadas no teatro pelos atores, e que, adaptadas ao rosto, juntamente com
lâminas metálicas ajustáveis aos lábios, ajudavam-lhes a projetar a voz74.
Diacronicamente, o termo “pessoa” passa a denotar o papel representado pelo
ator e, por fim, caracteriza a atuação do próprio homem na sociedade.
Ao completar esse ciclo evolutivo (máscara, personagem, ser humano),
o vocábulo ganha três sentidos75. Um é o vulgar, ou seja, pessoa é todo ser
humano. O outro é filosófico, no qual a pessoa é um ente dotado de razão que
realiza um fim moral e exerce seus atos com consciência. E o terceiro é o do
Direito, que aponta como pessoa todo ente físico ou jurídico, suscetível a
direitos e a obrigações. Esta última acepção é a que institui a personalidade, ou
74 MACHADO, 1956, p. 167. 75 MONTEIRO, Washington Barros. Curso de direito civil: parte geral . v. 1. São Paulo:
Saraiva, 1967, p. 58 e 59.
48
seja, a aptidão, reconhecida pela ordem jurídica a alguém para exercer direitos
e contrair obrigações.
Para Espinola76, a personalidade resume-se em dois elementos: o
material, representado pela pessoa humana e o formal, atinente à qualidade de
sujeito de direito. Contudo, é preciso considerar não ser somente o homem o
elemento material da personalidade. Ela transcende os indivíduos singulares e
se estende a organizações unitárias de pessoas ou patrimônio, denominadas
pessoas jurídicas77. Assim, pode-se afirmar que, sob um prisma geral, a
palavra “pessoa” significa todo ser humano, mas no microcosmo jurídico pode
ser tanto pessoa física como entidade constituída pelo agrupamento de
pessoas, ou por patrimônio, suscetível a direitos e a obrigações. Esses direitos
e obrigações, segundo Carvalho Santos, importam na capacidade de direito,
que é a capacidade para adquiri-los, ou seja, ter personalidade. Para esse
entendimento, conclui o doutrinador: “Forçoso é reconhecer, portanto, que a
personalidade nada mais é senão a idoneidade de poder querer juridicamente
(capacidade)”78. Sob essa perspectiva, depreende-se que, se a pessoa natural
ou jurídica representa o sujeito da relação jurídica e a personalidade consiste
na possibilidade de ser sujeito, toda pessoa tem personalidade.
Dessa forma, a personalidade jurídica desvela-se pela aptidão genérica
da pessoa para contrair direitos e obrigações. O ser humano a adquire pelo
nascimento com vida79, já a pessoa jurídica, no âmbito privado80, a partir da
76 Citado por MACHADO, 1956, p. 170. 77 Os juristas sugeriram várias locuções para definir as organizações de pessoas e patrimônio.
Machado (1956, p. 173) tenta enumerar alguns exemplos como: “pessoas morais, civis, fictícias, intelectuais, jurídicas, compostas, indivisíveis, sociais, incorpóreas, impessoais, místicas, abstratas, de existência ideal, coletivas universais, corpos morais, entes morais, universidades, estabelecimentos públicos, instituições e institutos”. A padronização ocorre quando Clóvis Bevilaqua adota a expressão “pessoa jurídica” no Código Civil de 1916 seguindo a preferência da doutrina majoritária.
78 SANTOS, João Manuel de Carvalho. Código civil brasileiro interpretado . v. 1. 12. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1980, p. 230.
79 Art. 2o do Código Civil de 2002. “A personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”
80 Pessoa jurídica neste estudo é a de direito privado na forma societária. Sua constituição como de direito público surge da necessidade de soberania de um Estado em face do outro, enquanto as de direito privado não sofrem interferência Estatal em sua criação, a não ser que a autorização Estatal seja necessária. Pessoas jurídicas no Brasil dividem-s em de direito público e de direito privado. Estas subdividem-se em: jurídicas de direito público interno (União, Estados, Distrito Federal, Territórios, Municípios e Autarquias) e de direito público externo (Estados estrangeiros e as pessoas regidas pelo direito internacional público). As pessoas jurídicas de direito privado são associações, sociedades e fundações.
49
manifestação da vontade humana, com o registro de seus atos constitutivos no
órgão próprio81, conforme se esclarece a seguir.
1.2.1. A personalidade jurídica do empresário indiv idual
A personalidade do ser humano desponta-se com o nascimento e
decorre de sua imediata capacidade jurídica em possuir direitos e deveres no
mundo jurídico.
Essa capacidade jurídica do ser humano não se confunde com a
capacidade de fato, também denominada capacidade de exercício, e que
consiste na aptidão de o indivíduo exercer pessoalmente direitos e assumir
obrigações na vida civil. Essa capacidade de fato de uma pessoa física
geralmente ocorre a partir dos dezoito anos de idade, mas esse fator não é seu
único determinante, visto que ela pode ser adquirida, antes dos dezoito anos,
pelo instituto da emancipação ou ser vedada, após os dezoito anos, conforme
estado de saúde da pessoa, ou outras prescrições em lei82.
A capacidade de fato é a condição para se dar validade a um negócio
jurídico realizado por uma pessoa física. Ante tais considerações, registra-se
que para ser pessoa, ter personalidade e capacidade jurídica, basta que o ser
humano exista, mas, para agir por si, precisa adquirir as condições impostas
por lei investindo-se da capacidade de fato.
Sob essa perspectiva, deduz-se, de forma óbvia, ser o empresário
individual uma pessoa natural dotada de personalidade jurídica e com
capacidade de fato, caso tenha adquirido a maioridade ou se enquadre nas
hipóteses de emancipação, para exercer direitos e contrair obrigações
decorrentes da atividade profissional economicamente organizada. Assim,
como consequência de sua vontade em desempenhar a atividade empresarial,
o empresário individual submete-se a normas especiais reguladoras da
empresa que não são aplicáveis aos não-empresários como, por exemplo, o
81 Art. 45 do Código Civil de 2002. “Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.”
82 Artigo 3o, 4o e 5o do Código Civil de 2002.
50
uso do nome comercial, dever de escrituração comercial específica, proteção
ao estabelecimento, benefício da concordata, regime de falência, dentre outras
prerrogativas destacadas pelo Direito Empresarial.
As obrigações como “empresário” cessam-se por várias situações.
Pode ser por motivo de falecimento, mas também pela simples desistência ou
abandono da profissão, o que não exime o empresário individual de suas
responsabilidades perante terceiros, quando o encerramento das atividades se
realiza antes do pagamento de todo o passivo. Outras situações de extinção da
qualidade de empresário despontam-se com a revogação da autorização para
o exercício da atividade (no caso do incapaz), com a interdição e com a
declaração de falência, fato este que o empresário fica impedido de exercer a
empresa até a reabilitação. Somente na primeira situação, ou seja, na hipótese
de morte, tem-se a extinção da personalidade jurídica da “pessoa física”
empresária. Nas demais, tem-se a perda da qualidade de empresário, mas
permanece a personalidade jurídica.
Interessante salientar que a adoção de uma firma para o exercício da
empresa faz com que o empresário individual tenha direito a dois nomes, ou
seja, o que está registrado no Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais e
aquele que está registrado na Junta Comercial para o exercício da empresa.
Isso pode dar ensejo à errônea interpretação que a formalização cartorial do
nome empresarial cria uma pessoa nova; porém, a firma é apenas o elemento
identificador do empresário e da sua assinatura, não importando, de forma
alguma, uma dupla personalidade jurídica.
A impressão de que o empresário, pessoa natural, tem a duplicidade
de personalidade também decorre da mistura das expressões empresário,
empresa e estabelecimento, corrente e equivocadamente utilizados na seara
empresarial. De acordo com os esclarecimentos expostos no item 1.1., a
empresa não se confunde com a pessoa do empresário. Enquanto a empresa é
a atividade, o empresário é a pessoa que a explora. O estabelecimento, por
sua vez, é uma universalidade de fato, composta por bens corpóreos ou
incorpóreos dedicados à empresa. A empresa e o estabelecimento não
possuem personalidade jurídica, portanto, não são sujeitos de direito com
vontade própria para desempenhar a dinâmica empresarial.
51
Waldirio Bulgarelli critica a possibilidade de dupla personalidade
jurídica atribuída ao empresário individual e considera a intenção “verdadeira
esquizofrenia jurídica” oriunda de crença advinda da prática tributária que, para
certos efeitos, equipara o empresário unipessoal à pessoa jurídica. Nesse
sentido, o doutrinador traz a lume outras situações que, mal diagnosticadas,
dão a falsa impressão de a pessoa física ter outra personalidade, além da
adquirida com o nascimento e seus desdobramentos legais. Assim, expõe:
Pode-se admitir que o comerciante individual, após certo tempo, passe a acreditar em desdobramento da personalidade; pois então não obtém o C.G.C (cadastro de pessoas jurídicas); não é obrigado a indicar um capital para o seu estabelecimento; sua contabilidade não elabora um balanço específico de sua atividade empresarial; não são feitas duas declarações para efeito do imposto sobre a renda, uma de pessoa física e outra de pessoa jurídica? 83
A imposição da inscrição no CNPJ (antigo CGC) ao empresário
individual, cuja sigla ironicamente significa Cadastro Nacional de Pessoas
Jurídicas, não lhe estende uma nova personalidade84. Na verdade, é
consequência da política tributária que estabelece regime “equiparado” à
pessoa jurídica85, assim como da imposição de obrigações comuns às das
sociedades empresárias decorrentes de norma empresarial. Para Waldirio
Bulgarelli86, quando se equipara algo para fins jurídicos, não significa
transformá-lo em outro ser, pois aquilo que existe no plano real não se
transforma, no plano jurídico, em outro. O empresário não tem dupla existência.
Como ser humano, ele pode ser pai, cônjuge, herdeiro, credor, devedor,
empresário, dentre outros, ou seja, assumir várias vozes como ser social, sem
que isso venha acarretar nova personalidade jurídica.
83 BULGARELLI, Waldirio. Dupla personalidade empresarial: um caso de esquizofrenia jurídica? Revista de Direito Mercantil . São Paulo, v. 29, n. 79, 1990, p. 100.
84 Os condomínios sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, os clubes de investimentos registrados na Bolsa de Valores (segundo as normas da Comissão de Valores Mobiliários e do Banco Central), os fundos mútuos de investimento, repartições consulares, dentre outros, são entes despersonificados obrigados à inscrição no CNPJ, sem que isso configure a aquisição de personalidade jurídica própria.
85 O Decreto 3.000/99, Art. 150, determina que: “As empresas individuais, para os efeitos do imposto de renda, são equiparadas às pessoas jurídicas”. (Decreto-lei n. 1.706, de 23 de outubro de 1979, Art. 2º).
86 BULGARELLI, op. cit, p. 100.
52
É a partir dessa interpretação que se pretende defender a restrição do
risco empresarial ao empresário singular, através da limitação de sua
responsabilidade, sem a forçosa intenção de lhe atribuir nova personalidade
jurídica. Após analisar os efeitos da personalidade jurídica das sociedades
empresárias que servem de base para o desenvolvimento do estudo, o assunto
será retomado, destacando-se a crítica pertinente.
1.2.2. A personalidade jurídica da sociedade empres ária
A necessidade de união entre os seres humanos, com objetivo de
ampliar a capacidade de realizar negócios jurídicos, fez com que surgissem
entes abstratos. Em outras palavras, “a premência de conjugar esforços é tão
inerente ao homem como a própria necessidade de viver em sociedade”87, por
isso, despontam-se as pessoas jurídicas com aptidão para adquirir direitos e
contrair obrigações, a fim de satisfazerem o interesse de um grupo de pessoas.
Interpretando-se os dizeres de Carvalho de Mendonça88, verifica-se
que, para o insigne jurista, a pessoa jurídica é uma unidade constituída por
uma associação humana, com o intuito de alcançar, por meios patrimoniais,
seus anseios. Essa associação é distinta dos indivíduos que a compõem e
dotada da capacidade de possuir e de exercer adversus omnes direitos
patrimoniais. Segundo o citado autor, “a pessoa jurídica é o ente que, não
sendo homem, é provido de capacidade de direito”89. Dessa forma, tem-se a
personalidade jurídica. As características fundamentais da pessoa jurídica são:
1º a capacidade de determinar-se e agir para a defesa e consecução de seus fins, por meio dos indivíduos, que figuram como seus órgãos;
2º o patrimônio autônomo, isto é, não pertencente a nenhum dos indivíduos que a compõem;
87 VENOSA, Silvio Salvo. Direito civil: parte geral . 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 249. 88 MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. v. 3. 7. ed.
Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1963, p. 78. 89 IBID, p. 79.
53
3º as obrigações ativas e passivas a seu cargo exclusivo; e
4º a representação em juízo.90
Sob esse enfoque, pode-se afirmar que o surgimento da personalidade
das pessoas jurídicas está relacionado à existência de uma vinculação psíquica
(affectio societatis) entre um grupo de pessoas físicas que lhe dão capacidade
de agir, de forma autônoma, para a obtenção de interesses em comum.
Segundo Georges Ripert, o homem cria as sociedades à sua imagem; dando-
lhes a personalidade jurídica, ou seja, uma personalidade semelhante à
reconhecida aos indivíduos, considerando que “as sociedades têm
necessidade de liberdade como os homens”91. Assim, passam a ter direitos e
obrigações como as pessoas naturais.
Importante salientar que na constituição da pessoa jurídica, destaca-se
basicamente a vontade humana, afinal, é a partir da união de pessoas com
objetivos em comum que se cria um ente autônomo92.
Apesar das explanações apresentadas, discorrer sobre a
personalidade jurídica das sociedades empresariais constitui ainda tarefa
árdua, diante da grande polêmica existente entre os estudiosos sobre o tema.
São várias as teorias que tentam explicar o fenômeno da personalidade da
pessoa jurídica. Dentre as mais comentadas na literatura, tem-se a teoria da
ficção, a teoria do patrimônio de afetação, a teoria da instituição, a teoria da
realidade objetiva e a teoria da realidade técnica.
Para os adeptos da teoria da ficção, dentre eles Savigny, Puchta e
Windscheid, “só o homem era pessoa, verdadeiramente”93. A personalidade
jurídica é uma mera criação intelectual do legislador, ou melhor, “a pessoa
jurídica é um sujeito de direito criado artificialmente”94. Só o homem pode ser
90 MENDONÇA, 1963, p. 79. 91 RIPERT, Georges. Aspectos jurídicos do capitalismo moderno . Rio de janeiro: Freitas
Bastos, 1947, p. 82. 92 A pessoa jurídica também pode ser constituída por bens de uma pessoa como ocorre com as
fundações. Para isso, é fundamental a vontade do instituidor em transferir os bens. Em qualquer um dos feitios criadores, por pessoas ou por bens, a vontade é elemento inafastável para o surgimento da pessoa jurídica. Segundo Venosa, “passada a fase da manifestação da vontade, no sentido da criação do novo ente, a pessoa jurídica já está em estado latente”. In: VENOSA, 2003, p. 253.
93 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Tomo I. 1. ed. Campinas: Bookseller, 1999, p. 382.
94 SANTOS, 1980, p. 340.
54
titular de direitos, pois só ele tem vontade própria. Quando se atribuem direitos
a pessoas de outra natureza, tem-se uma invenção da mente humana. A
sociedade é uma ficção jurídica e, por isso, não tem vontade própria. Sua
vontade é limitada pelos membros que a criaram e pelo legislador.
A teoria do patrimônio de afetação de Brinz e Bekker entende que a
personalização se dá ao patrimônio investido pelos sócios, destinado a um
objetivo próprio95. Calixto Salomão Filho comenta que, para Brinz, “(...) a
personificação é subordinada ao patrimônio de afetação, e não o contrário,
tornando-se claro que as coisas pertencem não a um determinado ente, ficto,
mas, sim, a um fim” 96. Segundo o autor, “a pessoa humana pode estar ao
máximo em uma relação de representação com o patrimônio. Sua
responsabilidade subsiste com relação ao fim para o qual o patrimônio
existe”97. Em virtude da dificuldade em estabelecer a atribuição de um
patrimônio a um fim, Bekker propõe uma solução que condensa as ideias da
teoria ficcionista e a teoria do patrimônio: “O autor procura colocar o patrimônio
de afetação no centro da discussão sobre a personalidade jurídica, sem,
contudo, negar a possibilidade e utilidade do emprego desse último conceito”98.
Para ele, quando se destina um patrimônio à atividade empresarial, abre-se
mão do domínio sobre os bens. Assim, o fim restringe o poder do fundador da
sociedade, já que o patrimônio passa a pertencer à pessoa jurídica.
Na teoria da instituição, a personalidade jurídica é atribuída a
organizações com destinação própria e finalidade determinada, independente
das pessoas de seus sócios, de forma que estes têm atuação ativa apenas na
reunião de vontades para a criação das sociedades. Maurice Hauriou cria essa
corrente afirmando que “uma instituição dá ideia de obra, de empresa que se
desenvolve, realiza e projeta, dando formas definidas aos fatos sociais”99.
Todavia, há circunstâncias em que a personalidade jurídica pode existir mesmo
que não haja uma organização.
95 Fábio Ulhoa Coelho (2004, p. 232) parece seguir essa teoria, pois afirma ser a pessoa jurídica “uma técnica de separação patrimonial em que se atribui personalidade própria ao patrimônio segregado”.
96 SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário . 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.180.
97 IBID, p.181. 98 IBID, p.181. 99 Apud VENOSA, 2003, p. 258.
55
A teoria da realidade objetiva ou orgânica admite existir, junto às
pessoas naturais, pessoas jurídicas, ou seja, organismos sociais, com
existência e vontade distinta de seus membros. Segundo Gierke, um dos
defensores dessa teoria, a redução da sociedade a um único sócio, representa
a morte da pessoa jurídica. Para ele, uma sociedade não pode permanecer
com um único sócio, porque não chega a ter uma vontade comum distinta da
de seu sócio100.
A teoria da realidade técnica preleciona ser a pessoa jurídica uma
realidade “abstrata” reconhecida pelo direito. O direito não a cria, mas a admite.
Ela surge da vontade das pessoas e é deferida pelo Estado101. Silvio Salvo
Venosa a explica da seguinte forma:
Para essa teoria, o ser humano, é o centro fundamental de interesse e vontade a quem o Direito reconhece personalidade. Como indivíduo, porém, não pode cumprir todas as atividades a que se propõe senão unindo-se a outros, o Direito deve reconhecer e proteger os interesses e a atuação do grupo social. Para tal é mister que o Direito encontre um corpo ideal coletivo com interesse unificado, diferente da vontade individual de seus membros, e com uma organização capaz de expressar a vontade coletiva.102
O ordenamento jurídico atribui direitos e obrigações à pessoa natural e
à pessoa jurídica. Para cada um desses tipos há regras distintas. Assim,
conforme já esclarecido, o Direito não as dá origem, mas assegura
reconhecimento legal. Esta última teoria vem se destacando como a dominante
atualmente na literatura jurídica.
De acordo com a teoria da realidade técnica, a personalidade jurídica
nasce da vontade dos homens, a partir de uma situação jurídica e é
reconhecida no momento do seu registro no órgão competente, quando se dá a
publicidade de sua existência103. Fábio Ulhoa Coelho104 não concorda com a
obrigatoriedade do registro para a aquisição da condição de empresário, pois
100 SALOMÃO FILHO, 2006, p.185. 101 BRUSCATO, 2005, p. 148. 102 VENOSA, 2003, p. 257. 103 Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e
na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150). O Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas é o órgão competente para proceder ao registro das sociedades simples e Junta comercial para as sociedades empresárias.
104 COELHO,Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v. 2. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 16-17.
56
desde o momento em que os sócios criam a sociedade e passam a executar a
atividade econômica já se tem a figura de uma pessoa jurídica. Esta, apesar de
não registrada, realiza atos jurídicos, possui direitos e contrai obrigações105.
Tal posicionamento reforça a tese de ser a vontade humana que
propicia o surgimento da pessoa jurídica. A lei apenas materializa sua
existência legal. Acontece que a sociedade somente assume a condição de
personificada, para o Direito, a partir de sua inscrição no registro próprio. Essa
sistemática, apesar das críticas doutrinárias, dá segurança jurídica aos sujeitos
de direito, pois dá publicidade e possibilita maior controle dos agentes
econômicos e do Estado quanto à existência e a extensão das obrigações
pactuadas. Assim sendo, as sociedades que não submetem seus atos
constitutivos ao registro público adequado não possuem personalidade106. De
igual modo, se o registro foi feito, mas não no órgão próprio, a sociedade não
tem personalidade jurídica, ou seja, caso uma sociedade empresária arquive
seus atos constitutivos no Cartório de Registro de Pessoas jurídicas, não
adquire personalidade jurídica107. Outra situação de despersonalização
manifesta-se quando a sociedade se organiza legalmente, realizando o registro
próprio, mas pratica posteriormente atos contrários à lei que a desnatura.
Esses acontecimentos comprometem os sócios, pois a lei impõe-lhes
responsabilidade solidária e ilimitada pelas obrigações sociais, na forma do
artigo 990 do Código Civil de 2002. Uma hipótese excepcional ao fenômeno da
despersonalização dá-se em caso de vencimento do prazo de duração da
sociedade, em que a lei permite a permanência da personificação, se a
105 Nota-se que as sociedades em comum e as sociedades em conta de participação, embora não possuam personalidade jurídica, são legalmente consideradas sujeitos dotados de direitos e obrigações. À sociedade em conta de participação, ainda que proceda ao registro de seu contrato social, não é conferida a personalidade jurídica.
106 Nesse sentido, Fran Martins assevera que a lei reconhece a existência das sociedades sem registro, podendo ser comprovada até por presunção, “mas a condição essencial para que a pessoa jurídica tenha existência legal é o arquivamento dos atos constitutivos das mesmas no Registro Público das Empresas Mercantis e Atividades Afins ou no registro competente, em se tratando de uma sociedade civil (Código Civil, Art. 18).” In: MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: empresa comercial, empresários i ndividuais, microempresas, sociedades comerciais, fundo de comércio . 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 151.
107 As sociedades que não são registradas no órgão próprio são regidas pelas normas atinentes às sociedades em comum (art. 986 a 990 do Código Civil).
57
sociedade der continuidade aos atos negociais sem entrar em liquidação e sem
a oposição dos sócios108.
Ante as considerações expostas, entende-se que a personalidade
jurídica da sociedade se desperta pela vontade de uma pluralidade de pessoas,
tornando-se sujeito autônomo a quem o ordenamento jurídico atribui direitos e
obrigações. Caso contrário, conforme indaga Wilges Ariana Bruscato, “como
explicar eventuais conflitos havidos entre um ou mais membros da sociedade e
ela mesma?”109. As sociedades comerciais podem desempenhar negócio
jurídico no qual um dos sócios pode não consentir. Da mesma forma, pode o
sócio se tornar credor da sociedade ou o inverso. Nesse cenário, é possível
que o sócio compre bens sociais, ou venda ou ceda à sociedade bens próprios,
assim como a sociedade pode obrigar que o sócio entre com a quota prometida
ou o valor da ação de que é titular.
Quanto a essa explanação, manifesta José Xavier Carvalho de
Mendonça:
A sociedade comercial, como toda pessoa jurídica, não tem vida natural, fisiológica; não pode ter atividade psíquica própria, não pode querer, não pode manifestar exteriormente uma vontade. Ela, entretanto, obtém a capacidade de agir para obtenção de seus fins por meio das pessoas naturais que lhe servem de órgão, e a vontade e a atividade destas pessoas, encaminhadas em conseguir ou realizar os fins sociais, podem-se dizer vontade e atividade da sociedade. É assim que a sociedade consegue ter e tem uma vontade e uma atividade.110
Em consonância às ideias do autor supra, João Manuel de Carvalho
Santos discorre que a “personalidade jurídica não surgirá enquanto não houver
uma abdicação da autonomia individual, visando a interesses outros, interesses
comuns aos associados”111. Para o doutrinador, o que caracteriza a pessoa
jurídica é a conjugação de interesses comuns, que transcenda conveniências
pessoais, visando interesses coletivos. “Só aí e por isso se explica a
necessidade da criação de uma instituição distinta, autônoma e estável,
108 Art. 1.033, do Código Civil de 2002. 109 BRUSCATO, 2005, p. 152. 110 MENDONÇA, 1963, p. 86. 111 SANTOS, 1980, p. 344.
58
completamente distinta da personalidade dos membros que a compõem,
resignatários da sua autonomia individual”112.
A extinção da personalidade jurídica da sociedade empresária advém
de sua dissolução, nas hipóteses previstas no artigo 1.033 e 1.034 do Código
Civil de 2002, como também pela declaração de falência, por meio de
liquidação113, mas a simples paralisação da atividade não a faz desaparecer,
imprimindo inclusive responsabilização pessoal dos sócios.
No âmbito empresarial, o interesse em se analisar a personalidade
decorre da possibilidade de separação patrimonial procedente da limitação da
responsabilidade. Assim, o patrimônio da sociedade não se confunde com o
patrimônio dos sócios.
A criação de uma pessoa jurídica distinta dos sócios permite que, na
eventualidade de um insucesso no negócio, com a consequente falência da
sociedade, os bens pessoais dos sócios não sejam diretamente atingidos pelos
credores, perdendo apenas o investimento inicial que utilizaram para a
formação da empresa.
Sob a perspectiva da dinâmica do empresário singular, a questão da
separação patrimonial é uma das principais razões da existência de sociedades
fictícias, já que a atenuação do risco empresarial não pode ser legalmente
estendida ele114.
1.2.3. A personalidade jurídica como meio viabiliza dor da divisibilidade patrimonial e da limitação da responsabilidade do e mpresário
A personalidade jurídica dá titularidade negocial e processual à
sociedade, cabendo-lhe figurar em um processo, em defesa de seus
112 SANTOS, 1980, p. 345. 113 Art. 1.102 a 1.112 do Código Civil de 2002. 114 Uma sociedade recebe o epíteto de fictícia quando um único sócio detém a quase totalidade
do capital social e se une a sócios “laranjas”, que não exercem nenhum poder de controle ou direção, para se travestir de sociedade. Assim, camuflado na forma societária, o empreendedor encontra-se assegurado da afetação dos bens pessoais não destinados à atividade empresarial.
59
interesses115. Assim, apesar de a sociedade empresária celebrar negócios
jurídicos através de seu representante legal, é ela, pessoa jurídica distinta dos
sócios, que assume as obrigações contratuais.
A autonomia da pessoa jurídica devidamente registrada é marcante,
pois seus sócios não mais se confundem com a pessoa da sociedade e, por
isso, tem existência distinta de seus membros. Em consequência desse
fenômeno jurídico, consagra-se o princípio da autonomia patrimonial da
sociedade, cujo comando norteador determina ser o patrimônio social
propriedade exclusiva da pessoa jurídica e não dos sócios.
No momento em que a sociedade empresária se configura, cada sócio
compromete-se a ceder bens para formar o patrimônio inicial do
empreendimento e assim poder realizar suas operações. Esse patrimônio
constitui o chamado capital social. Quando essa transferência ocorre, extingue-
se o vínculo entre a pessoa do sócio e o bem, pois este não mais lhe pertence.
Após a entrega do bem, cabe ao sócio ter a participação societária por ações
ou por quotas, mas não há titularidade sobre o capital social. O resultado dessa
autonomia é a responsabilidade exclusiva da pessoa jurídica pelas obrigações
assumidas.
Em vista disso, é preciso assinalar tal segregação patrimonial como
uma das principais consequências da personalização, o que motiva os
empreendedores a formalizar sociedades, vez que os sócios não respondem
pelas obrigações da sociedade, tornando-se incomunicável o patrimônio
individual de cada um.
Conforme minuciosamente destacado, as pessoas jurídicas são criadas
para satisfazerem os interesses de um grupo de pessoas humanas. Dessa
forma, a essência da personalidade jurídica está relacionada, em primeiro
plano, à existência da vontade de um grupo de pessoas. Estas lhe dão
capacidade de agir, de forma autônoma, para a obtenção de seus interesses
em comum. Às pessoas jurídicas são conferidos direitos e obrigações que não
são imputados às pessoas naturais que lhe deram origem. A inscrição da
sociedade empresária em registro adequado lhe confere o poder de agir em
115 A lei excepcionalmente concede a prerrogativa de estar em juízo a alguns entes despersonalizados, conforme preceitua o rol exaustivo do Art. 12 do Código Civil de 2002.
60
nome próprio, ser sujeito ativo e passivo das obrigações contraídas com
credores e devedores e ter autonomia patrimonial. Como a sociedade é um
ente abstrato, seus atos são desempenhados pelos sócios, gerentes,
administradores e empregados que em nome da pessoa jurídica a
representam. Por isso, torna-se um ente distinto das pessoas que a integram, e
goza de autonomia funcional e patrimonial.
O resgate dessas ideias tem como objetivo demonstrar que a
personalização da pessoa jurídica é o fenômeno viabilizador do instituto da
responsabilidade limitada do sócio perante as operações realizadas pela
sociedade decorrente da separação patrimonial. A correlação entre sociedade
e responsabilidade limitada não é absoluta. A legislação arrola tipos societários
empresariais cuja responsabilidade pessoal dos sócios é ilimitada. Todavia,
esses tipos praticamente não são utilizados na dinâmica empresarial.
Atualmente, as sociedades limitadas representam o tipo societário mais
utilizado no Brasil. Os sócios de uma sociedade limitada gozam da proteção de
seu patrimônio pessoal, sendo essa peculiaridade um dos motivos jurídicos
responsáveis por sua predileção entre os empreendedores116.
Compete salientar que a limitação da responsabilidade é fenômeno que
pode ser usufruído não somente pelas sociedades limitadas, mas também pela
sociedade anônima e inclusive pelas sociedades simples.
Nas sociedades limitadas, a responsabilidade dos sócios é solidária e
limitada ao capital social subscrito e não integralizado. Se integralizado o
capital, o sócio não pode ser acionado pessoalmente para quitar os débitos
sociais. Nas sociedades anônimas, a responsabilidade dos sócios limita-se ao
preço de emissão das respectivas ações subscritas, não existindo
responsabilidade solidária entre os sócios. Nas sociedades simples, a
responsabilidade é subsidiária, porém ilimitada aos seus sócios.
Primeiramente, executam-se os bens da sociedade e, caso não seja suficiente,
posteriormente se afetam, de forma solidária, os sócios. Contudo, a sociedade
simples pode registrar seus atos constitutivos no registro civil das pessoas
jurídicas e adotar o tipo sociedade limitada. Se isso for realizado, a
116 Obviamente, há também fatores econômicos que justificam o fato de as sociedades limitadas constituírem o tipo mais utilizado para o desempenho das atividades organizadas, mas isso será objeto de discussão no Capítulo 3 do trabalho.
61
responsabilidade dos sócios é solidária, mas limitada ao montante do capital
social subscrito e não integralizado, seguindo as mesmas regras da sociedade
limitada117. Assim, a sociedade que se constitui dessa forma não perde sua
essência de simples, mas passa a ser regida pelo comando normativo da
sociedade limitada.
Em relação ao empresário individual, apesar de possuir personalidade,
a legislação brasileira não admite que ele seja detentor de um patrimônio
pessoal e outro especial destinado à exploração da atividade econômica
organizada. Observa-se que, no ordenamento jurídico brasileiro, a separação
patrimonial permite a aplicação da limitação da responsabilidade ao sócio,
apenas quando se tem a figura de uma pessoa jurídica. Mesmo assim, a
própria redação legal entra em contradição. No artigo 974, §2o, do Código Civil,
há permissão, ainda que excepcionalmente, da proteção dos bens do incapaz,
ao tempo da sucessão ou da interdição, se distintos do acervo da empresa. Ou
seja, resguardam-se dos resultados da atividade empresarial os bens que o
empresário individual possuía, estranhos à exploração empresarial,
restringindo-se a sua responsabilidade apenas à parcela destinada ao
empreendimento econômico. Outro exemplo é o da existência de um
patrimônio especial para as sociedades em comum que não possuem
personalidade jurídica. Wilges Ariana Bruscato observa que
O novo código introduziu a consideração de constituírem as dívidas e bens sociais das sociedades irregulares – ditas em comum – patrimônio especial, “do qual os sócios são titulares em comum”. Ora, isso pode levar a crer que não existe autonomia patrimonial na sociedade irregular, porque a lei menciona que os sócios são os titulares e não a sociedade. Ainda assim, na sequência, diz, textualmente no artigo 989, que os bens sociais respondem pelos atos de gestão praticados por qualquer dos sócios, o que restaura a separação patrimonial118.
Segundo a autora, mesmo no caso da sociedade irregular, surte efeitos
o princípio da autonomia patrimonial, ainda que os sócios tenham
responsabilidade ilimitada. Dessa forma, se até as sociedades não-
personificadas têm como destacar um patrimônio de afetação para suas
117 Art. 1.052 do Código Civil de 2002. 118 BRUSCATO, 2005, p. 151.
62
obrigações, por que não estender simples interpretação ao empresário
individual?
Veja que não é necessário lhe atribuir uma personalidade jurídica
específica, pois é um sujeito único, cuja capacidade de fato lhe dá poderes
para o exercício pleno da atividade economicamente organizada. Também não
faz sentido personalizar o patrimônio destinado à empresa, fundando sobre ele
uma pessoa jurídica, transformando a atividade ou o objeto da empresa em
sujeitos de direito, como alguns defendem a instituição de uma Empresa
Individual de Responsabilidade Limitada119 ou Estabelecimento Individual de
Responsabilidade Limitada120. O que ora se defende é bem mais simples que a
ampliação do rol discriminador das pessoas jurídicas de direito privado, contido
no artigo 44 do Código Civil.
O empresário individual é sujeito único, podendo ser protagonista, ao
mesmo tempo, de vários papéis no microcosmo jurídico. O ser humano pode
ser marido, pai, filho, herdeiro, empregador, empregado, consumidor, credor,
devedor e empresário, simultaneamente, sem que isso provoque um
desdobramento de sua personalidade jurídica. Permitir a limitação da
responsabilidade patrimonial do empresário singular ao ativo da empresa
representa apenas uma qualidade adstrita ao personagem que já possui
personalidade jurídica.
119 Antônio Martins Filho ressalta: “Por enquanto limitamo-nos a admitir que é possível o acolhimento da empresa individual de responsabilidade limitada, desde que lhe seja reconhecida personalidade jurídica, a igual do que ocorre em relação às sociedades comerciais. Nesta hipótese, comerciante será a empresa, que se personaliza juridicamente, em função da autonomia do patrimônio afetado ao giro comercial, ou em virtude da declaração da vontade manifestada no ato de constituição. In: MARTINS FILHO, Antônio. Limitação da responsabilidade do comerciante individual. Anais do congresso jurídico nacional comemorativo do cinquentenário da faculdade de direito de Porto Alegre. Revista Faculdade de Direito de Porto Alegre. v. 1. Porto Alegre: URGS,1951, p. 302. Seguindo a mesma linha, Edson Isfer defende: “personificada a empresa, seus bens responderiam pelas obrigações assumidas. Consequentemente, os bens do titular não responderiam, já que, perante o direito, seriam bens de terceiros, pessoas distintas da pessoa da empresa. Formar-se-ia um patrimônio autônomo, de titularidade da empresa, responsável pelas obrigações por ela contraídas.” In: ISFER, Edson. Sociedades Unipessoais & Empresas Individuais – responsabilidade limitada. Curitiba: Juruá, 1996, p. 177.
120 Para Trajano de Miranda Valverde, “convém, pois, que o direito positivo autorize, com as devidas cautelas, a pessoa natural ou jurídica, a criar estabelecimentos autônomos, separando, para este fim, de seu patrimônio, bens ou valores, com faculdade de limitar a sua responsabilidade até determinada soma”. Segundo o jurista, “nenhum inconveniente advirá em se adotar o estabelecimento autônomo de personalidade jurídica, como, aliás, ocorre com as fundações (...)”. Apud MACHADO, 1956, p. 89-90.
63
Oskar Pisko121 é referência doutrinária dessa interpretação. O autor,
como um dos principais precursores do assunto, propõe a tese da separação
patrimonial do empresário individual, sem a criação de uma pessoa jurídica
como corolário da responsabilidade limitada. O doutrinador entende que o
Direito não pode permitir que a lei dissimule a personalidade do interessado
camuflada em uma pessoa jurídica. Para se separar o patrimônio destinado ao
exercício da atividade empresarial do patrimônio pessoal do empresário
individual, deve-se observar o fim para o qual se destina. Sob essa perspectiva,
o projeto de Pisko baseia-se em dois fundamentos: a constituição de um
patrimônio destinado a um fim empresarial sem personalidade jurídica e a
proteção da fortuna da empresa devedora, que deve responder apenas pelos
negócios adstritos à dinâmica empresarial, escapando as dívidas da vida
privada do empresário individual.
Wilges Ariana Bruscato122, ao defender a separação patrimonial para a
afetação das obrigações empresariais, sem a necessidade de personalização,
também a considera um núcleo patrimonial a ser administrado para atender
particularmente a dinâmica empresarial. Afirma que a separação patrimonial de
bens do empresário individual deve ter regime especial de responsabilidade
estabelecido por lei, quando destinado a determinado fim.
Essa consideração esclarece bem os ideais de Pisko, mentor da
segregação patrimonial do empresário singular, tendo como divisor de águas a
finalidade empresarial. Assim, o empresário singular investe seus bens para
realizar as atividades econômicas. Estes bens formam o ativo da empresa
responsável unicamente pelas satisfações das dívidas dos negócios jurídicos
empresariais. Dessa forma, os bens não destinados a tal atividade constituem-
se em bens particulares resguardados da afetação relativa aos débitos
empresariais.
Marcelo Andrade Féres ilustra a teoria do patrimônio separado com o
seguinte exemplo:
121 Apud MACHADO,1956, p. 56. 122 BRUSCATO, Wilges Ariana. Empresário individual de responsabilidade limitada. São
Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 267.
64
Um empresário individual, sob égide de um ordenamento que contempla a teoria do patrimônio separado, deseja exercer regularmente o comércio. Suponha-se que seu patrimônio seja composto por sua casa, um carro de passeio, uma chácara e alguns móveis, cadeiras, mesas, estantes etc. Ele deseja alugar um imóvel para abrigar sua atividade. Pois bem, ele se desloca ao respectivo registro do comércio e procede à enumeração dos bens que ele irá destinar a sua atividade individual, que, a título ilustrativo, são aqueles bens móveis, as cadeiras, estantes, mesas etc. Com isso, há uma cisão de seu patrimônio, criando-se então, dois patrimônios: um patrimônio pessoal, em que se encontram os imóveis daquele sujeito e seu automóvel, e um patrimônio empresarial, constituído por aqueles bens móveis. Assim, estes últimos bens estariam afetados pela atividade patrimonial, respondendo o empresário com eles por eventuais obrigações. Não se confundiriam os dois patrimônios descritos; de um lado estaria o patrimônio pessoal, composto pelo complexo de relações jurídicas pessoais de cunho econômico do indivíduo e, de outro, o complexo das relações empresariais123.
O empresário é o sujeito de direito e, portanto, a figura central. O
Direito não precisa criar uma personalidade jurídica para esse intento, sendo
necessário apenas o reconhecimento legal da limitação de seu risco, ao que
está destinado à atividade profissional.
Discorrendo sobre o assunto, Cinira Gomes Lima Melo opina ser esta
uma das problemáticas em se reconhecer a limitação da responsabilidade do
empresário individual, pois “como poderia ele, como pessoa física, ser titular de
dois patrimônios? E mais: tal possibilidade não teria caráter potencialmente
fraudulento?”124 Após tecer um estudo sobre o tema, a autora conclui que
esses questionamentos são fundados no medo e no preconceito de
doutrinadores conservadores em criar um instituto novo. A separação do
patrimônio do empresário individual, sendo parte destinada à empresa e a
outra, conforme lhe convier, é possível e não requer tanto esforço legislativo ao
se observar sua aplicação em outros países como, por exemplo, Portugal, que
estabelece um capital mínimo a integralizar para o empresário individual
desempenhar suas atividades e ao mesmo tempo dar segurança aos credores
do empreendimento.
123 FÉRES, Marcelo Andrade. Sociedade Unipessoal no Direito Comunitário Europeu. In: Novos estudos de direito comercial em homenagem a C elso Barbi Filho . Coordenador Theophilo de Azeredo Santos. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 178-179.
124 MELO, Cinira Gomes Lima. A limitação da responsabilidade do empresário individual. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro . São Paulo: Malheiros, 2005. vol. 137. Ano XLIV. Jan/mar 2005, p. 52.
65
Em relação à divisibilidade patrimonial, Sylvio Marcondes Machado
tece consideráveis ponderações:
(...) se é verdade que a atividade empreendedora propicia a formação de um complexo de relações jurídicas, a cuja frente se encontra o empresário, e que o fenômeno econômico da empresa, projetado no terreno patrimonial, dá lugar a um patrimônio especial, distinto, por seu fim, do remanescente patrimônio do empresário, não importa que o direito constituído tenha, até agora, negado reconhecimento a esses fatos da economia. É que a elaboração se desenvolve no plano do direito constituendo, solicitada, precisamente, pelas deficiências da lei.
Apartando do patrimônio a quantidade de bens que julga necessária à instalação de sua empresa, o comerciante individual constitui, com o capital, o suporte econômico imediato das relações jurídicas que surgirão em consequência da atividade empreendedora. Tais relações, embora se coordenem num conjunto de direitos (relações ativas e passivas), formando uma universitas juris, não se desligam da titularidade do empresário, que permanece proprietário dos bens e credor ou devedor das obrigações. Refutada, entretanto, a doutrina da unicidade do patrimônio e reconhecida a sua divisibilidade pelo legislador, este admite a existência de determinadas universalidades jurídicas subordinadas ao poder de um mesmo sujeito de direito.125
Ainda que o empresário individual não se encaixe na classificação dos
entes considerados pessoas jurídicas, mesmo assim pode ter patrimônio
especial destinado à atividade empresarial, bastando que tenha capacidade
para gerir seu próprio negócio e para manter os compromissos pactuados126.
A aceitação jurídica de um patrimônio separado especialmente à
atividade empresarial é satisfatória para a aplicação da responsabilidade
limitada ao empresário singular, não obstante a permanência de sua
titularidade sobre o capital.
O receio à fraude acima argumentado se dá em virtude da facilidade de
confusão patrimonial com a concentração dos dois patrimônios, pessoal e
especial, nas mãos de uma única pessoa. Mesmo assim, não serve de
fundamento para o afastamento da limitação da responsabilidade do
empresário individual já que o próprio ordenamento jurídico brasileiro apresenta
solução para o problema através do instituto da desconsideração da
personalidade jurídica.
125 MACHADO, 1956, p. 281-282. 126 IBID, p. 287-288.
66
1.2.4. A desconsideração da personalidade jurídica
Sem dúvida, o maior receio em se atribuir personalidade jurídica e a
consequente autonomia patrimonial a um ente fictício é a utilização dessa
prerrogativa para a realização de fraudes.
Por essa razão, os juristas desenvolvem a chamada doctrine of
disregard of legal entity, doutrina da desconsideração da personalidade
jurídica, que atualmente ganha dimensão relevante no ordenamento jurídico
sob o comando do artigo 50 do Código Civil de 2002. A desconsideração
apresenta-se como uma reação do Direito contra a atitude ilícita do sócio que,
em benefício próprio, camufla-se na pessoa jurídica para realizar negócios
jurídicos sem se preocupar com a execução movida contra a sociedade
deixada sem acervo patrimonial para garantir seus débitos.
A desconsideração da personalidade jurídica permite que o juiz, em
casos de fraude e de má-fé, afaste a prerrogativa que as pessoas jurídicas têm
existência distinta da dos seus membros e os efeitos dessa autonomia, para
atingir e vincular os bens particulares dos sócios à satisfação das dívidas da
sociedade (lifting de corporate veil, ou seja, erguendo-se o véu da
personalidade jurídica).
Importante destacar que esse fenômeno apenas deve acontecer de
acordo com os limites estabelecidos em lei. Ele não consiste na revogação
sumária da autonomia patrimonial da sociedade ou na revogação da
responsabilidade limitada do sócio. Sua utilização advém de situações
excepcionais, quando comprovada a má-fé e a fraude do sócio de
responsabilidade limitada. Assim, não é qualquer situação – ou qualquer um
dos sócios ou todos os sócios – atingida com a desconsideração da
personalidade jurídica. Apenas aquele que agiu com má-fé ou fraude, desde
que comprovado que sua atitude contribui para um efetivo prejuízo ao credor
(nexo de causalidade), pode ter seu patrimônio pessoal atingido a favor de
quem se aplica a teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
Atualmente, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica é
alvo de consideráveis críticas em virtude da sua utilização indiscriminada, além
das situações de abuso de personalidade jurídica descritas em lei. Nesse
67
sentido, Thales Poubel Catta Preta Leal destaca o procedimento corriqueiro e
equivocado da Justiça do Trabalho em “aplicar a desconsideração sempre que
a sociedade empregadora não possui recursos para honrar os pagamentos das
dívidas trabalhistas”127. Na jurisprudência trabalhista, há episódios em que o
sócio detentor de uma única quota de sociedade limitada, sem qualquer poder
de administração, responde de forma ilimitada perante as dívidas trabalhistas,
ainda que nos autos não tenham sido apurados fatos que identifiquem abuso
de personalidade ou má-fé. Indignado, o citado doutrinador também ressalta:
Os absurdos em alguns julgados trabalhistas não param por aí. É comum que os sócios sejam incluídos no processo somente no momento da execução da sentença trabalhista. Esse procedimento, ferindo de morte o princípio constitucional do contraditório e do devido processo legal, impede que os sócios tenham a oportunidade de se defenderem durante a fase de conhecimento do processo, tendo, contudo, uma anômala legitimidade passiva para figurar na fase executória.
Essa conduta da justiça especializada nas relações trabalhistas vai de
encontro a uma das funções centrais do ordenamento jurídico trabalhista que é
a “melhoria das condições de pactuação da força do trabalho na ordem
socioeconômica”128. Valer-se da desconsideração da personalidade jurídica,
além das estritas situações tipificadas na lei, a fim de proteger a parte
hipossuficiente da relação de emprego, pode ter efeitos ainda mais gravosos. A
decisão judicial pode satisfazer o trabalhador envolvido na ação trabalhista,
mas prejudica o ser coletivo obreiro, ou seja, o universo mais global de
trabalhadores, pois os empreendedores passam a contratar menos para reduzir
seus riscos com a atividade empresarial. O empresário não pode ser visto
apenas como um explorador de mão-de-obra. Para cumprir sua função social,
precisa da proteção patrimonial assegurada pela personalidade jurídica a fim
de se sentir seguro no mercado e poder ofertar empregos.
É claro que se alguém aproveita do nome da empresa para camuflar
abusos jurídicos contra outrem há de ser penalizado pessoalmente pelo débito,
perdendo a prerrogativa da responsabilidade limitada. No entanto, a proteção
127 LEAL, 2004, p. 37. 128 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho . 5. ed. São Paulo: LTr, 2006,
p. 59.
68
do risco econômico não pode ser afastada pelos magistrados fora dos ditames
legais. O Código Civil de 2002 prevê o instituto jurídico da descaracterização
da pessoa jurídica apenas em casos de abuso de direito praticado pelos
sócios. Extrapolar essa autorização é desrespeitar não apenas a lei, mas a
sociedade. Ao aplicar indiscriminadamente o instituto da desconsideração,
potenciais empreendedores preferem não investir parte do seu patrimônio em
uma empresa sabendo que colocam em risco a totalidade dele. Esse
comportamento acarreta uma retração no desenvolvimento econômico do país
e, por isso, afeta diretamente a sociedade.
A desconsideração precisa incorporar o princípio da preservação da
empresa, que é uma das maiores preocupações do Direito moderno, em
virtude de sua relação com os fatos sociais, econômicos e políticos. Assim, a
afetação direta e ilimitada dos empreendedores não pode ser objeto de solução
para remediar situações isoladas ignorando os efeitos de sua utilização
inadequada.
No que tange ao empresário individual, as mesmas regras delineadas
pelo artigo 50 do Código Civil podem servir de escopo para se afetar os bens
pessoais do empreendedor, caso a limitação da responsabilidade a ele fosse
aplicada pelo ordenamento jurídico. Os riscos da contratação com uma
sociedade são os mesmos da celebração de um negócio jurídico com um
empresário singular, sendo possível a quebra da proteção quando o sistema da
limitação da responsabilidade for abusivamente aproveitado pelo mesmo,
mediante desvio da finalidade econômica ou confusão patrimonial. As
possibilidades de fraude são comuns em qualquer tipo societário ou não-
societário e, portanto, não servem como alicerce para impedir uma mudança
legislativa.
Verifica-se que a proposta de regulação do empresário individual de
responsabilidade limitada já se encontra em sintonia com as normas aplicáveis
às sociedades empresariais e não requer a transformação de preceitos
jurídicos fundamentais para sua aceitação. Contudo, para que o ordenamento
jurídico possa recepcionar esse instituto, com reflexos favoráveis na economia,
69
a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica precisa se ater às
situações excepcionais previstas na lei129.
1.3. A NATUREZA JURÍDICA DO CAPITAL DESTINADO À ATIVIDADE EMPRESARIAL
O capital destinado à atividade empresarial, também denominado
capital social, representa o fundamentum societatis ou, metaforicamente, o
“sangue” da sociedade130. Segundo os dizeres de José Xavier Carvalho de
Mendonça, “o capital social é o fundo originário e essencial da sociedade,
fixado pela vontade dos sócios; é o monte constituído para a base das
operações”131.
Dessa forma, o capital social consiste no patrimônio inicial da
sociedade, formado pela contribuição que cada sócio se compromete a dar
para a empresa, através da entrega de dinheiro ou de bens corpóreos e
incorpóreos. Esta “soma representativa das contribuições dos sócios”132 é um
valor formal e estático discriminado no contrato ou no estatuto, conforme o tipo
societário, responsável por dar vida jurídica à sociedade.
José Edwaldo Tavares Borba133 descreve o capital social como uma
“cifra contábil” que não se altera no decorrer do tempo e se distingue do
patrimônio real e dinâmico da sociedade. O capital social faz parte do
patrimônio social, mas com ele não se confunde. O patrimônio da sociedade é
o conjunto de valores ativos e passivos sujeitos ao sucesso, quando a
sociedade realiza operações lucrativas, ou ao insucesso, quando sofre
prejuízo. Assim, o patrimônio se altera de acordo com a realidade vivenciada
129 Nesse sentido, tem-se o apoio de Fábio Tokars: “Não adianta aprovar uma lei permitindo que uma sociedade limitada seja criada por apenas um sócio enquanto nossos tribunais não compreenderem e aplicarem o princípio da autonomia patrimonial aos sócios das sociedades limitadas em geral. Antes de debatermos a unipessoalidade originária em sociedades limitadas, devemos disseminar um conceito bem mais simples: o de sociedade limitada.” In: TOKARS, Fábio. Sociedades unipessoais de responsabilidade limitada – estamos preparados para recepcioná-las? Disponível em:<http://www.paranaonline.com.br/ colunistas/277/54631/>.p.3. Acesso em 21-05-2009.
130 MENDONÇA, 1963, p. 28. 131 IBID, p. 29. 132 REQUIÃO, 2003, p. 388. 133 BORBA, 2007, p. 70.
70
pelo empreendimento, enquanto o capital social representa o valor declarado
no momento da constituição da sociedade que não se modifica, salvo se
houver alteração contratual.
Os sócios, ao decidirem instituir a sociedade, levam em conta suas
possibilidades econômicas, tendo em vista, principalmente, fatores como a
necessidade financeira para o início do negócio e o retorno que o investimento
pode proporcionar no futuro. Diagnosticada a viabilidade contábil, procuram
realizar a constituição formal da empresa com a subscrição do capital social,
consistente na promessa de cada sócio de entregar determinado montante de
fundos (dinheiro ou bens) para sua formação e, posteriormente, com a
integralização, ou seja, o cumprimento da promessa com a efetiva entrega do
acordado.
Na maioria dos casos, a subscrição e a integralização do capital social
são simultâneos e ocorrem por ocasião da constituição da empresa, onde os
sócios declaram, no contrato social, o valor a ser destinado para a formação do
capital social.
Quando um dos sócios subscreve o capital social e não o integraliza,
surge a figura do capital a integralizar. Em vista disso, pode ser ajustado um
prazo para a transferência da parcela restante, de acordo com as necessidades
da sociedade e com as regras estabelecidas pela administração do
empreendimento.
Evidencia-se que não existe um valor mínimo para se integralizar um
capital social. O empresário deve levar em consideração algumas variáveis
importantes como reservar um estoque razoável para atender seus clientes ou
investir em sua estrutura física, afinal, ele precisa ter capital de giro satisfatório
que possibilite realizar suas atividades. Outra consideração a ser feita é se o
capital encontra-se suficiente para pagar todas as despesas de regularização
tributária e legal para início das atividades. Por isso, não há como estabelecer
valor mínimo, mas sim uma estimativa capaz de efetivamente iniciar a dinâmica
empresarial, com razoável folga financeira para as despesas iniciais.
A constituição do capital social por bens corpóreos ou incorpóreos é
problemática, tendo em vista a dificuldade de avaliá-los com exatidão ou a
possibilidade de os sócios lhe atribuírem valores irreais. A subjetividade na
valoração pode servir de escopo para fraudes cometidas por sociedades de
71
pessoas ou pelas sociedades anônimas, em virtude da facilidade com que se
permite a integralização da contribuição do sócio no capital social134. Em vista
disso, o ordenamento jurídico traça normas fundadas no princípio da realidade
do capital para sua integralização, a fim de dar segurança aos que contratam
com o empresário. A sociedade de pessoas, por exemplo, para ser constituída
por bens, fica adstrita a uma convenção entre os sócios, em que os bens
declarados devem corresponder ao seu valor real. Em caso de superavaliação,
qualquer credor pode acionar os sócios pessoalmente para se obter a
respectiva suplementação do valor. Já as sociedades anônimas ficam
obrigadas a recorrer à avaliação de peritos, quando ocorrer a assembleia de
sua constituição.
Nas sociedades limitadas, os sócios respondem solidariamente ao
longo do prazo de cinco anos, contados da data de registro da sociedade pela
exata estimação dos bens135. Se isto não for respeitado, conforme já
comentado, os sócios respondem por culpa pelo prejuízo causado à sociedade
e a terceiros.
Quando o lucro líquido excede o capital, a sociedade pode distribuir
esse montante aos sócios ou conservá-lo a título de reserva ou lucro
acumulado. No entanto, se o patrimônio da empresa estiver aquém do capital,
por força do princípio da intangibilidade, nenhuma distribuição de lucros pode
se efetivar, ficando os sócios da sociedade limitada obrigados “à reposição dos
lucros e das quantias retiradas, a qualquer título, ainda que autorizadas pelo
contrato, quando tais lucros ou quantias se distribuírem com prejuízo do
capital”136.
As citações ora aduzidas são algumas das várias situações legais
existentes na normalização das sociedades limitadas que demonstra a
preocupação do legislador em fazer do capital social um instrumento intangível,
visando à segurança jurídica dos credores, em casos da sociedade entrar em
processo de falência. Essa intangibilidade é que vai assegurar aos credores
134 Nesse sentido, Rubens Requião (2003, p. 388) exemplifica: “Os bens incorpóreos, como patentes de invenção, marcas etc., são difíceis de avaliar com exatidão. Deixada a critério dos sócios, nas sociedades de pessoas, a atribuição de valor aos bens, sejam móveis ou imóveis, com que ingressam, abre-se oportunidade para que os mesmos abusem dessa facilidade, mencionando valores irreais, e, às vezes, fantásticos”.
135 Art. 1.055, §1º e §2º do Código Civil de 2002. 136 Art. 1.059 do Código Civil de 2002.
72
como trabalhadores e fornecedores do empreendimento o pagamento do
pactuado.
Além da garantia a terceiros, o capital social também tem a função de
servir como parâmetro para se estimar os resultados dos lucros e prejuízos da
empresa durante um exercício financeiro, para cálculo de divisão proporcional
dos lucros ou prejuízos verificados, ou ainda para apuração dos resultados
finais da sociedade na dissolução ou liquidação com a partilha dos lucros
verificados ou prejuízos sofridos137.
A intangibilidade do capital não pressupõe sua absoluta imutabilidade.
O capital social declarado no momento da constituição da sociedade limitada
pode ser aumentado ou reduzido. Para aumentá-lo, expandindo-se a empresa,
a lei exige a plena integralização com a consequente alteração do contrato
social, após a deliberação dos sócios tomada pelos votos de três quartos do
capital social138. Para reduzi-lo, faz-se imperativo o mesmo procedimento
anterior com a deliberação de três quartos e a respectiva modificação
contratual, podendo ocorrer quando houver perda patrimonial irreparável ou
quando o capital se mostrar excessivo. Na primeira hipótese, a redução do
capital será realizada com a diminuição proporcional do valor nominal das
quotas e a consequente averbação no Registro Público de Empresas
Mercantis139. Na segunda hipótese, os sócios podem ser restituídos das
parcelas patrimoniais cedidas à sociedade. Para assegurar os credores da
sociedade, o legislador condiciona a redução do capital social à ausência de
oposição dos credores quirografários por título líquido anterior à data da
publicação da ata da assembleia que aprovar a redução. O credor quirografário
tem 90 dias contados da publicação da ata para impugnar a redução. Findo
esse interstício temporal sem qualquer manifestação, ou se houver, o
pagamento do valor devido for efetuado, o registro competente procede à
averbação da ata, tornando-se eficaz a redução do capital social140.
É interessante ressaltar que o termo “social” decorre do fato de que o
capital não pertence aos acionistas, mas sim à sociedade. Sabe-se que um dos
137 REQUIÃO, 2003, p. 388. 138 Artigo 1.081 e 1.076, I, do Código Civil de 2002. 139 Artigos 1.082 e 1.083 do Código Civil de 2002. 140 Artigos 1.082 e 1.084 do Código Civil de 2002.
73
principais efeitos da personalidade jurídica é a autonomia patrimonial, por isso,
o capital social representa um fundo que não pode ser exigido pelos acionistas,
pois é de propriedade da sociedade.
Segundo os ensinamentos de José Xavier Carvalho de Mendonça141,
“não há sociedade comercial sem a participação dos sócios nos lucros sociais”.
Dessa forma, os sócios somente têm o direito de perceber o quinhão de lucros
durante a existência social e em participar da partilha da massa residual,
depois de liquidada a sociedade. Assim, os direitos de créditos se restringem
aos lucros líquidos ou verificados após a liquidação da sociedade. Os sócios
também não concorrem com os credores da sociedade, pois estes possuem
preferência e, com isso, a liquidação social poderá ser igual a zero ou até
inferior, caracterizando um passivo negativo142.
Dessa forma, considera-se a natureza jurídica da contribuição dos
sócios ao capital social, como um direito que os sócios possuem a créditos
consistentes do quinhão de lucros durante a existência da sociedade ou a
partilha da massa residual quando da liquidação da mesma.
1.3.1. A aplicabilidade de um capital intangível ao empresário individual
Quanto ao empresário individual, o capital empregado em seu
empreendimento se confunde com o patrimônio pessoal. O ordenamento
jurídico brasileiro não estabelece uma diferenciação dos bens reservados para
a atividade empresarial, dos bens pessoais.
Conforme já observado no item 1.2.3., o receio da projeção do instituto
da responsabilidade limitada ao empresário individual dá-se em virtude das
possibilidades de fraude decorrente da confusão patrimonial. No entanto, esse
posicionamento não pode servir de fundamento para o afastamento da
limitação da responsabilidade, por ser um risco também vislumbrado nas
sociedades empresárias.
141 MENDONÇA, 1963, p. 43. 142 IBID, p. 71.
74
É possível que o empresário singular destine parte de seus bens a um
fim certo, formando o capital da empresa. A confusão patrimonial pode ser
evitada, bastando que sejam elaboradas algumas ressalvas pelo legislador
para regulamentar a limitação da responsabilidade.
Ao se considerar que o titular do empreendimento é uma pessoa física
e que todas as dívidas contraídas pertencem ao mesmo, faz-se fundamental
estabelecer uma distinção das condições em que a dívida é assumida. Caso
ocorra em razão da atividade empresarial, o capital destinado a empresa
responde pelas obrigações contraídas, mas se for de interesse pessoal do
empresário, sem relação com a dinâmica empresária, afetam-se os bens
pessoais do mesmo. Para isso, o empresário individual, no momento em que
for registrar-se na Junta Comercial, deve declarar o montante do capital
dedicado à empresa. Após a integralização do valor declarado, torna-se viável
limitar-lhe a responsabilidade. Note-se que, com esse procedimento, os
credores do empresário estão tutelados, pois a publicidade do registro lhes dá
ciência do potencial patrimonial do empreendimento em que estão contratando.
Josefina Boquera Matarredona ressalta que o empresário deve velar pela
autossuficiência de cada patrimônio, pessoal e comercial, para fazer frente às
suas próprias obrigações. Também deve garantir a transparência dos
patrimônios e impedir que os benefícios ou perdas de um repercutam no
outro143.
Sob essa perspectiva, as sugestões de Wilges Ariana Bruscato144, em
consonância o regramento das sociedades limitadas, são bastante relevantes.
Segundo a doutrinadora, para a composição do capital do empresário individual
deve-se permitir a incidência dos valores gastos para a constituição da
empresa como, por exemplo, taxas, emolumentos, compras de bens móveis e
imóveis desde que comprováveis. O somatório destes bens precisa estar em
143 “En este caso la persona dedicada a una actividad commercial tendrá dos patrimônios, el personal y el comercial. El patrimonio personal será el de la persona física como sujeito civil y el patrimônio separado sería el del comerciante o el afectado al comercio. Este último responde de lãs deudas nacidas de la actividad comercial. Se tendrá que velar por La autosuficiencia, de cada patrimônio para hacer frente a SUS propias obligaciones. También debe garantizarse La transparência de los patrimônios e impedir que los benefícios o perdidas de uno repercutan sobre el otro.” In: MATARREDONA, Josefina Boquera. La sociedad unipersonal de responsabilidad limitada . Madrid: Civitas, 1996, p. 25.
144 BRUSCATO, 2005, p. 286-287.
75
harmonia com o valor declarado como capital passível de uma pequena
variação, considerando as despesas não-imobilizáveis. Se a integralização ou
parte dela for feita em dinheiro, deve haver um depósito em agência bancária
de escolha do titular em nome da firma individual, que fica indisponível até a
regular inscrição na Junta Comercial. Caso existam bens imóveis destinados à
composição do capital, a afetação deve ser feita por escritura pública averbada
na matrícula do imóvel, com o comparecimento do cônjuge, se houver, como
cautela. Tal procedimento é interessante, uma vez que, afetado o patrimônio
destinado à empresa, retira-se do meeiro a prerrogativa de opor-se à
alienação. A certidão do imóvel deve acompanhar a inscrição no Registro do
Comércio para constar da posterior publicação promovida pela Junta. Na
hipótese de integralização de bens móveis, o empresário individual precisa
providenciar uma declaração discriminada dos bens, comprovada com a nota
de compra dos mesmos. Ao considerar que os bens móveis não estão sujeitos
a registro, necessita-se de que a prova da integralização seja documentada
com a juntada dos recibos, para que se possa compor o patrimônio de
afetação. Por fim, cabe ao empresário individual atribuir valores aos bens
móveis e imóveis, de acordo com a realidade do mercado, descrevendo-os,
singularmente, nas declarações concernentes ao instrumento de inscrição,
também se obrigando nos termos do parágrafo primeiro, artigo 1.055 do Código
Civil145. A responsabilidade pelas declarações prestadas e a estimativa dos
valores conferidos aos bens presumem-se verdadeiras; caso contrário, o
empresário individual pode, inclusive, incorrer nos delitos dos artigos 171 e 299
do Código Penal, devendo a lei que regulamentar o empresário individual de
responsabilidade limitada fazer expressa referência a isso.
Obviamente, a limitação da responsabilidade do empresário individual,
assim como a dos sócios de uma sociedade limitada, não deve ser absoluta.
Em caso de irregularidades como desrespeito à lei, declarações falsas ou
desvio da finalidade empresarial, o patrimônio pessoal do empresário é
afetado, caducando-se o benefício da limitação.
145 Art. 1.055, § 1º do Código Civil de 2002. Pela exata estimação de bens conferidos ao capital social respondem solidariamente todos os sócios, até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade.
76
O aumento ou a redução do capital é possível, cabendo a imediata
comunicação à Junta Comercial, seguindo-se os mesmos preceitos da
sociedade limitada. Para se realizar a redução do capital e assegurar terceiros,
primeiramente deve-se proceder à desafetação parcial do valor ou bem,
respondendo pessoalmente o empresário pelas dívidas anteriores à redução.
Para a majoração do capital, basta sua comprovação, conforme é exigido no
momento da integralização realizada, quando da constituição da empresa.
Não há entraves para impedir a segregação patrimonial entre bens
destinados à empresa, dos bens pessoais do empresário individual. Para
Calixto Salomão Filho:
A separação patrimonial instrumental a essa afetação é exatamente aquela que permite ao comerciante limitar seu risco (impedindo que dívidas oriundas de sua atividade comercial ameacem seu patrimônio pessoal) e garante os credores por dívidas oriundas da atividade praticada como patrimônio separado (assegurando que aquele patrimônio é garantia de sua dívida e que portanto eles não terão a “concorrência” dos credores particulares do titular do patrimônio146.
Assim, da mesma forma que o Direito reconhece o dote, o bem de
família, o bem público, os bens da sociedade empresária, dentre outros, como
patrimônio especial que deve ser resguardado para um destino especial, ao
capital investido pelo empresário individual para as finalidades econômicas do
empreendimento, também pode ser estendida a mesma interpretação. Além
disso, amplia-se a garantia dos credores do empresário individual por se não
verem em concorrência com os credores das dívidas pessoais.
A aceitação da responsabilidade limitada do empresário individual é
uma tendência mundial ainda aguardada no cenário brasileiro. O próprio
Código Civil de 2002 respalda a ideia de separação patrimonial para finalidade
específica e inclusive prevê implicitamente a limitação da responsabilidade do
empresário individual em situações excepcionais como a do incapaz, no já
citado parágrafo segundo, do artigo 974 e do empresário casado,
146 SALOMÃO FILHO, Calixto. A sociedade unipessoal . São Paulo: Malheiros, 1995, p. 27-28.
77
no artigo 978147. Assim, por que não estender a fórmula da limitação da
responsabilidade ao empresário individual, como regra, a fim de motivar
potenciais empreendedores a se estabelecerem dignamente, sem ter que
recorrer aos artifícios de uma sociedade de fachada?
147 Artigo 974. Poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor de herança. § 2º Não ficam sujeitos ao resultado da empresa os bens que o incapaz já possuía, ao tempo da sucessão ou da interdição, desde que estranhos ao acervo daquela, devendo tais fatos constar do alvará que conceder a autorização. Artigo 978. O empresário casado pode, sem necessidade de outorga conjugal, qualquer que seja o regime de bens, alienar os imóveis que integrem o patrimônio da empresa ou gravá-los de ônus real.
78
2. A RESPONSABILIDADE DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL
Todo sujeito, antes de se aventurar na vida empresarial, deve sopesar
a probabilidade de eventuais perdas, ou seja, a probabilidade do risco inerente
a toda atividade econômica organizada.
O exercício de uma empresa pode proporcionar ao investidor o prazer
do sucesso ou o desprazer das perdas, sendo esta, na maioria das vezes, o
fator determinante da exclusão do empreendedor de um mercado que apenas
permite a sobrevivência dos mais fortes.
O reconhecimento da limitação da responsabilidade do empresário
individual no Brasil é uma oportunidade para pequenos empreendedores
alçarem o mesmo benefício jurídico vivenciado pelos sócios de uma sociedade
empresária, ampliando suas chances de competitividade e permanência no
mercado.
Na seara jurídica brasileira, os defensores da limitação da
responsabilidade apresentam três formas organizativas. Uma conferindo
personalidade jurídica ao empreendimento ou à empresa; outra fundamentada
na possibilidade da separação do patrimônio destinado à atividade empresarial
sem a atribuição de nova personificação ao empresário; e a terceira na
constituição de uma sociedade unipessoal. Dentre as três, a teoria do
patrimônio separado, sob a forma de empresário individual de responsabilidade
limitada, é a base deste estudo.
Conforme se pretende evidenciar nos itens a seguir, a adoção de uma
empresa ou estabelecimento com personalidade jurídica, bem como uma
sociedade unipessoal, vai de encontro aos conceitos técnicos e jurídicos
desenvolvidos pelo Direito Empresarial.
Mediante uma análise sobre a teoria do patrimônio separado e a
sociedade unipessoal, Marcelo Andrade Féres traça o seguinte paralelo:
a teoria do patrimônio não cria um novo sujeito de direito, subsistindo apenas a pessoa natural, enquanto, na sociedade unipessoal, há um novo sujeito, a pessoa jurídica;
na teoria do patrimônio separado, há dois patrimônios: um pessoal e outro empresarial, mas ambos de um mesmo sujeito; na sociedade
79
unipessoal, há também dois patrimônios, contudo um é pessoal do sócio único e outro é da pessoa jurídica;
para os credores, sob a teoria do patrimônio separado, há um único sujeito, a pessoa natural, e somente a pessoa natural oferece respaldo às obrigações empresariais; na sociedade unipessoal, a sociedade responde com todo o seu patrimônio por suas obrigações148.
Tal comparação em nada contribui para se dar preferência à forma
societária unipessoal em detrimento da teoria do patrimônio separado.
Conforme já ressaltado nos itens 1.2.3. e 1.3.1., não há lógica jurídica para se
criar uma nova personalidade a uma pessoa física, para se justificar sua
atividade empresarial e a existência de um patrimônio de afetação destinado a
essa finalidade. Também, não há explicação razoável que permita perceber
diferenciação entre a segregação patrimonial do empresário individual e do
capital social da sociedade unipessoal, já que seu titular, em ambas as formas,
societária e não-societária, é a própria pessoa física. Por fim, para os credores,
o risco na celebração de negócios jurídicos é o mesmo. Caso se entenda mais
vantajoso o emprego de sociedades unipessoais, pois a sociedade responde
com todo o seu patrimônio, e não somente o concernente ao capital social, o
mesmo efeito também pode se operar em todo o patrimônio líquido do
empresário individual dedicado à empresa, e não somente ao valor declarado
no momento da formalização da constituição do empreendimento. Para isso,
basta uma formalização legal.
Na realidade, se a limitação da responsabilidade do empresário
individual for devidamente regulamentada, faz-se viável, inclusive, o emprego
de analogia das normas referentes à desconsideração da personalidade
jurídica, para se resguardar os credores em caso de abuso ou fraude. Assim,
não há aplicabilidade prática, nem fundamento jurídico razoável para a adoção
da sociedade unipessoal, ao contrário do reconhecimento de um empresário
singular com responsabilidade limitada.
Atualmente, a teoria da sociedade unipessoal parece ser mais
prestigiada pelos ordenamentos jurídicos alienígenas em contraponto à forma
não-societária. No entanto, entende-se que essa predileção decorre apenas da
148 FÉRES, 2003, p. 180-181.
80
influência do modelo sugerido pela XII Diretiva, realizada entre os Estados
membros da Comunidade Europeia, em 1989, que opta pela forma societária
uniformizando as legislações do continente no que tange ao instrumento
jurídico para a limitação.
Para corroborar tal posicionamento, traça-se a seguir um referencial
histórico e evolutivo da inserção do instituto no ordenamento jurídico
estrangeiro, bem como sua influência entre os juristas brasileiros. Em seguida,
analisam-se as legislações da Alemanha, Espanha, Itália e, especialmente, em
Portugal, em virtude do seu amplo detalhamento na construção das regras para
se aplicar a limitação da responsabilidade do empresário singular. Esse estudo
é de grande valia, pois admite identificar, a partir da experiência estrangeira,
um modelo de operacionalização para a limitação no Brasil. Diante dessa
investigação, recorre-se ao exame crítico dos projetos de lei apresentados em
território nacional ao poder legislativo, e destaca-se a inexistência de
obstáculos técnicos e teóricos para a inserção do instituto, sem prejudicar a
credibilidade das relações negociais entre os credores e, o mais importante,
sugerindo um mecanismo eficaz que facilite a dinâmica das atividades
econômicas dos pequenos empresários.
2.1. REFERENCIAL HISTÓRICO DA EVOLUÇÃO DO INSTITUTO DA LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL
O estudo sobre a limitação da responsabilidade do empresário
individual é alvo de discussões antigas iniciadas no continente europeu,
impulsionadas com a promulgação na Alemanha da lei das sociedades de
responsabilidade limitada, Gesellschaften mit beschraenkter Haftug,
abreviadamente G.m.b.H., em 1892149.
A constituição de uma sociedade onde todos os sócios contribuem para
o capital social, mas sua responsabilidade limita-se ao valor da contribuição
individual ou ao volume do capital social, torna-se imprescindível para o
desenvolvimento econômico. Com a modernização da sociedade, aumenta-se
149 REQUIÃO, 2003, p. 459.
81
o risco dos empreendedores, em decorrência da assunção das obrigações
suportadas com a competitividade das atividades de mercancia. Os
consumidores tornam-se mais exigentes em virtude de ser cada vez maior a
variedade de serviços e produtos oferecidos pelo comércio. As
imprevisibilidades da economia, do mercado e das mudanças governamentais
comprometem, principalmente, a sobrevivência das pequenas empresas. Por
conseguinte, forçam a criação de um mecanismo que proteja o patrimônio
pessoal dos empreendedores, através da limitação da responsabilidade.
Como essa prerrogativa não é estendida aos empresários individuais,
mas apenas aos entes coletivos, despontam-se no cenário empresarial as
sociedades fictícias, ou seja, o agrupamento de pessoas, utilizando, na sua
formação, sócios “testas-de-ferro” também chamados de “laranjas” ou “homens
de palha”. Esses sócios não têm participação expressiva nas quotas da
sociedade, não investem capital e não têm interesse na sociedade, mantendo-
se a titularidade e a totalidade das decisões relativas à gestão do negócio nas
mãos de uma só pessoa, ou seja, do idealizador do negócio jurídico. Assim,
surgem as empresas formalmente definidas como sociedades de
responsabilidade limitada, mas que, na realidade, são sociedades “maquiadas”,
já que constituídas por um único sócio gerenciador. Em virtude da exclusão do
empresário individual dos preceitos da responsabilidade limitada, os
doutrinadores, ao perceberem a relevância da sua atividade no cenário
econômico e o inevitável crescimento de sociedades fictícias, buscam
fundamentos para seu reconhecimento legal.
Na Inglaterra, Jessel é citado como um dos defensores pioneiros do
instituto da responsabilidade limitada do empresário individual. Em 1877,
desperta a atenção dos juristas ao defender a possibilidade de uma pessoa
física realizar negócios jurídicos sem se responsabilizar além do que se
pretende ou do que é pactuado, desde que seus credores estejam cientes do
intento pelo registro. Assevera Jessel150:
150 Apud MACHADO, 1956, p. 48-49.
82
Creio que ampliar a lei de responsabilidade limitada melhora o Direito consuetudinário, que, a meu juízo é bárbaro e inadequado a um país de alta civilização; segundo meu critério, não há nenhuma lei natural que faça responsável um homem, além do limite que tenha estipulado e dentro do qual as outras partes desejam que ele seja responsável.
Na década de 1890, na Suíça, Paul Speizer151, influenciado pela
narrativa do projeto germânico de lei (G.m.b.H.), vislumbra a possibilidade de
se estabelecer uma distinção entre a fortuna comercial e a fortuna privada para
o empresário individual ter sua responsabilidade limitada. Nesse mesmo
sentido, Karl Wieland152, em 1895, considera ser a limitação dos riscos uma
tendência aplicável às empresas pertencentes aos comerciantes individuais, ou
melhor, um privilégio não apenas restrito às empresas sociais.
No início do século XX, o austríaco Oscar Pisko destaca-se como um
exímio pesquisador da limitação da responsabilidade do comerciante individual,
ao tecer críticas relacionadas ao desvirtuamento do uso das sociedades
comerciais por meio de sociedades fictícias. Ajuíza o doutrinador:
Por que deixar os particulares procurarem a limitação dos seus riscos de negócio por meio de desvios, quando o legislador pode criar, para tal efeito, uma solução límpida, conformada aos fins desejados e submissa à fisionomia geral da ordem jurídica? Para que a responsabilidade limitada não represente perigo à ordem pública, é realmente indispensável a participação de diversas pessoas, ou bastam as formas exteriores da associação?153
A partir dessas indagações, Pisko elabora um projeto de lei, publicado
em 1910, sobre a responsabilidade limitada do comerciante individual, no qual
sugere a segregação do patrimônio do empresário em duas fortunas. Uma
delas representa a fortuna social destinada às atividades empresariais e à
proteção dos credores; a outra é destinada aos interesses pessoais da pessoa
física sem nenhuma relação com seu empreendimento. A segurança dos
151 Apud MACHADO, 1956, p. 49. 152 Segundo esclarece o referido autor: “Karl Wieland reconhecia que a sociedade de
responsabilidade limitada tinha quebrado essas regras tradicionais, concedendo o benefício da limitação dos riscos a uma forma de sociedade onde os membros fazem frutificar pessoalmente seu capital, e concluía que uma vez rompido o princípio de que a responsabilidade limitada está ligada a uma participação puramente impessoal e passiva na gestão da empresa, não há mais objeções sérias à extensão dessa responsabilidade limitada à empresa do comerciante individual”. In: IBID, p. 51.
153 IBID, p. 52
83
credores é garantida pela fortuna social, cuja responsabilidade atinge
exclusivamente os negócios concernentes às finalidades da empresa, sem que
possa ser afetada pelos azares da vida privada do comerciante. Segundo o
doutrinador, para proceder a essa separação patrimonial, não é necessário
recorrer à personalização do patrimônio destinado à empresa, pois esse
procedimento não é corolário para se aplicar a responsabilidade limitada154.
O projeto de Pisko foi acolhido pelo principado de Liechtenstein, em
1926, sob o epíteto de Anstalt. O minúsculo país localizado entre a Áustria e a
Suíça ganha o mérito de ter, em primeiro lugar, positivado o instituto em
comento na forma de “empresa individual de responsabilidade limitada”155.
Com o surgimento do Anstalt tem-se a forma não-societária que permite à
pessoa natural ou jurídica atuar, individualmente, com responsabilidade
limitada ao patrimônio de afetação, especialmente destinado à garantia dos
credores da empresa156.
Em território espanhol, José Roig y Bergadá (1930) é considerado
referência à adesão dos preceitos relativos à responsabilidade limitada do
empresário individual. O jurista contesta a possibilidade de fraudes e abusos do
empresário individual como justificativa para o não-reconhecimento de sua
responsabilidade limitada; afirmando ser viável a separação do patrimônio do
titular, do patrimônio pertencente à empresa para que este seja objeto de
exclusiva afetação pelas dívidas do empreendimento. Não entende existir
imoralidade na aplicação da responsabilidade limitada para a pessoa física no
âmbito empresarial, pois “os credores do titular, tendo tratado com ele, cientes
de que sua responsabilidade fica circunscrita ao capital e bens da empresa,
não podem considerar-se enganados se o patrimônio do negócio não basta
para extinguir o passivo”157.
Na França, um projeto de lei sobre a matéria é oferecido à Câmara, em
1920, de autoria de Jean Maillard e Georges Bureau, mas é rejeitado pela
Comissão de Comércio. O assunto apenas ganha certa repercussão no ano de
1948, com as ponderações de Sola Cañizares, ao introduzir no âmbito jurídico
154 MACHADO, 1956, p. 55-56. 155 IBID, p. 57 156 NONES, Nelson. A sociedade unipessoal: uma abordagem à luz do direito italiano, espanhol
e português. In: Novos estudos jurídicos . Ano VI, n. 12, abril/2001, p. 15. 157 MACHADO, op. cit., p. 72.
84
a ideia de responsabilidade limitada do empresário singular. O autor filia-se ao
princípio da separação entre a fortuna particular e a destinada à empresa, mas
tece severas criticas às hipóteses de reconhecimento dessa limitação na forma
de sociedade unipessoal, pois preceitua ser “preferível criar uma nova
instituição, do que deformar e desnaturar as instituições clássicas”158. Na
legislação francesa, a limitação do empresário individual é introduzida pelo
projeto Champaud, em 26 de outubro de 1977, sob a forma não-societária159.
Posteriormente, em 11 de julho de 1985, a Lei 85.697 insere no ordenamento
jurídico francês a sociedade unipessoal de responsabilidade limitada
Antônio Arruda Ferrer Correia160 publica em Portugal, no ano de 1948,
obra sobre as Sociedades Fictícias e Unipessoais, mas o país acolhe
primeiramente os Estabelecimentos Individuais de Responsabilidade Limitada
(E.I.R.L.) em 1986.
Na Itália, em 1934, Cesare Vivante é responsável por despertar o
interesse dos juristas sobre sociedades anônimas constituídas por uma só
pessoa, mediante destinação do capital para o exercício de negócios
comerciais. Contudo, as ideias foram afastadas em razão da anomalia do
termo sociedade de uma pessoa.161
Apesar de os estudos atinentes à questão serem conduzidos na
Europa desde o século XIX, somente no final do século XX é que surgem, de
forma expressiva, os diplomas legais relativos à limitação da responsabilidade
do empresário individual. No entanto, no panorama europeu da década de
1980, o reconhecimento do instituto não se evolui de forma uniforme. Enquanto
em Liechtenstein (1926) a normalização se fundamenta na figura da Empresa
Individual de Responsabilidade Limitada, Portugal (1986) prefere inseri-la em
seu ordenamento sob a forma de Estabelecimento Individual de
Responsabilidade Limitada. Contudo, tanto no principado como no Direito
Lusitano, vislumbra-se a utilização do patrimônio de afetação para que o
empresário individual tenha responsabilidade limitada. Já na Dinamarca (1976),
158 MACHADO, 1956, p. 70-71. 159 MELO, 2005, p. 54. 160 Apud CARMO, Eduardo de Souza. Sociedade unipessoal por cotas de responsabilidade
limitada. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro . n. 75, São Paulo: RT, 1989, p. 47.
161 BRUSCATO, 2005, p, 60.
85
na Alemanha (1980), na França (1985) e na Bélgica (1987) o instituto é
positivado sob a forma de sociedades unipessoais. Em vista disso, emerge a
XII Diretiva da Comunidade Econômica Europeia, editada em 21 de dezembro
de 1989, com o intuito de eliminar as disparidades das legislações de seus
membros e dar suporte aos países que ainda não reconheciam a limitação da
responsabilidade do empresário individual expressamente.162
A XII Diretiva, visando a estimular o crescimento de pequenas e
médias empresas, considera conveniente e justo estender ao empresário
individual o benefício da limitação da responsabilidade presente no exercício
coletivo da empresa e sugere, com base na experiência de países influentes
como a Alemanha e França, o mecanismo das sociedades unipessoais para
lograr tal objetivo.
Vale destacar que a forma societária indicada pela Diretiva não é uma
imposição, tanto que em seu artigo 7º reconhece a possibilidade de adoção de
outro mecanismo para o alcance do mesmo objetivo pelos Estados-membros:
Um estado-membro pode decidir não permitir a existência de sociedades unipessoais no caso de sua legislação prever a possibilidade de o empresário individual constituir uma empresa de responsabilidade limitada com um patrimônio afecto a uma determinada actividade desde que, no que se refere a essas empresas, se prevejam garantias equivalentes às impostas pela presente directiva bem como pelas outras disposições comunitárias aplicáveis às sociedades referidas no artigo 1º.163
O diploma comunitário ainda fixa, em seu artigo 8º, um prazo até 1º de
janeiro de 1992 para que os Estados-membros dêem cumprimento aos
preceitos da Diretiva, mas, como Portugal já regulamentava a questão, não
obstante de ser na forma não-societária, não precisou inovar seu corpo
legislativo. Apesar disso, a influência futura da Diretiva é inevitável. Em 1996,
Portugal também acata a forma societária, sob o título de Sociedades
Unipessoais por Quotas. Em consequência imediata às recomendações da
162 TOKARS, Fábio Leandro. A sociedade unipessoal em face da teoria da empresa . 1999. 221f. Dissertação (Mestrado em Direito das Relações Sociais) – Faculdade de Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1999, p. 177.
163 EUR – LEX. XII Diretiva da Comunidade Econômica Europeia (89/667/CEE). Disponível em:<http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:31989L0667:PT:HTML >. Acesso em: 03-05-2009.
86
Diretiva, passam a admitir a limitação da responsabilidade do empresário
individual, através das sociedades unipessoais a Holanda (1992), Luxemburgo
(1992), Reino Unido (1992), Itália (1993), Grécia (1993), Irlanda (1994) e
Espanha (1995)164.
A discussão sobre o instituto irradia-se mundialmente podendo-se
também citar a Inglaterra165, a Áustria166, os Estados Unidos da América167 e o
Japão168 entre os países do hemisfério norte que o regulamentam.
Na África, os Estados membros da OHADA (Organização para a
Harmonização na África do Direito dos Negócios) igualmente se obrigam a
aderir a esses preceitos a partir de 1988169.
Quanto à América do Sul, os estudos de Paul Carry e Roger Ischer,
publicados respectivamente em 1928 e 1939, são os principais responsáveis
pela transposição das concepções de Pisko e das normas da lei do
Liechtenstein para a literatura jurídica latina170.
Nos escritos argentinos têm-se Mario A. Rivarola e Esteban Lamadrid
como primeiros doutrinadores a se manifestarem sobre o tema. Em 1914,
Rivarola, ao estudar a sociedade anônima e os abusos da limitação da
responsabilidade por meio de sociedades fictícias, defende o reconhecimento
da destinação individual de parte do patrimônio de uma determinada empresa,
sem por em risco todo o patrimônio de seu titular. Lamadrid, apesar de
reivindicar para si a originalidade das ideias, segue a mesma proposta de
Rivarola ao propor, em 1937, a criação de uma nova instituição jurídica
“dedicada a estender à pessoa física o benefício da limitação da
responsabilidade, permitindo-lhe separar de seu patrimônio geral um ou vários
particulares, destinados à responsabilidade de determinado gênero de
164 BARBIERI, Fabrício de Vecchi, HENTZ, Luiz Antônio Soares. A sociedade unipessoal no direito português – considerações atuais. Disponível em:<http: www.franca.unesp.br/ FabricioBarbieri.pdf> Acesso em 16-05-09. p. 1-29.
165 MELO, 2005, p. 55.
166 IBID, p. 55.
167 NONES, 2001, p. 15.
168 IBID, p. 15. 169 Fazem parte da OHADA: Bénim, Burkina-Faço, Camarão, República Centro-Africana,
Comores, Congo, Costa do Marfim, Gabão, Guinée, Guiné Bissau, Guiné Equatoriale, Mali, Niger, Senegal, Chade e Togo, conforme BARBIERI, 2009, p. 3.
170 MACHADO, 1956, p. 63.
87
negócios”.171 Dentro do interstício entre as concepções de Rivarola e Lamadrid,
um projeto atinente à sociedade de responsabilidade limitada, por meio de um
aditivo oferecido pelo senador Guzmán, em 1929, sugere que as empresas ou
entidades formadas por uma só pessoa possam constituir-se com capitais
limitados. Contudo, a emenda foi considerada imprópria por se tratar de
comerciante individual e não de norma relativa às sociedades. No ano de 1940,
correram-se vários debates na Argentina em torno da configuração de um
patrimônio especial destinado às atividades do empresário individual oscilando
o parecer dos estudiosos em se atribuir ou não uma personalização especial
para a empresa dirigida por um único titular. No entanto revendo a positivação
do instituto na Argentina, apesar dos vários debates e conferências desde o
início do século XX, ainda não há inserção legal no país de normas sobre a
limitação da responsabilidade do empresário individual172. No Uruguai, a Lei
16.660, de 1989, referente às Sociedades Comerciais, impõe que na
constituição de uma sociedade se tenha a pluralidade de sócios e, por isso,
não admite a sociedade unipessoal, nem a empresa individual de
responsabilidade limitada173. Em contrapartida, em países vizinhos como
Paraguai (1983)174, Peru (1976)175 e Chile (2003)176 têm-se a formalização.
Em território brasileiro, a responsabilidade do empresário individual
permanece ilimitada, apesar das várias tentativas de inserção no ordenamento
jurídico através dos projetos de lei. Dentre os primeiros, tem-se o projeto de lei
apresentado em 1947, na Câmara dos Deputados, pelo Deputado Fausto de
Freitas e Castro, do PSD do Rio Grande do Sul. O Deputado, nas suas
justificativas, atenta para a necessidade do reconhecimento das empresas
individuais de responsabilidade limitada, como forma de incentivo ao
desenvolvimento econômico do país. Considera que apesar de o ordenamento
jurídico não permitir a existência de empresas individuais de responsabilidade
limitada, elas sobrevivem de forma mascarada. A união de pessoas para a
formação da sociedade, na verdade dirigida por um único sócio, é um meio fácil
171 MACHADO, 1956, p. 74. 172 BRUSCATO, 2005, p, 62. 173
SALOMÃO FILHO, Calixto. A sociedade unipessoal . São Paulo: Malheiros, 1995, p.10. 174 “Lei 1.034, de 22 de novembro de 1983, também conhecida como lei do comerciante”. In:
NONES, 2001, p. 28 (Cf. nota bibliográfica 18). 175 Decreto-lei n. 21. 621, de 14 de setembro de 1976. In: SALOMÃO FILHO, op. cit, p.10. 176 Lei 19. 857, de 11 de fevereiro de 2003. In: MELO, 2005, p. 54-55.
88
de burlar a responsabilidade ilimitada imposta pela lei à empresa individual.
Assim, esclarece não existir motivos ponderáveis em se estabelecer
diferenciação para que duas pessoas possam formar uma sociedade
empresária, sem arriscar o patrimônio pessoal, e o indivíduo isoladamente não
possa. Apesar de todo esforço político, tal projeto sequer chega a ser votado,
dados aos pareceres contrários da Comissão de Constituição e Justiça e da
Comissão de Economia, Indústria e Comércio177. Segundo Wilges Ariana
Bruscato, “o temor de inovar pesou mais que o medo da renovação”.178
Em 1950, as teses do brasileiro Antônio Martins Filho e do argentino
Salvador R. Perrotta surtem repercussão, por meio da realização do Congresso
Jurídico Nacional Comemorativo do Cinquentenário da Faculdade de Direito de
Porto Alegre. Um dos pontos categoricamente ressaltados em ambos os
estudos é a existência e generalização das sociedades fictícias ou unipessoais,
evidenciando a lacuna no quadro do direito positivo, que não responde às
exigências dos novos tempos. Sob essa perspectiva, Antônio Martins Filho
comenta a situação do Código Comercial brasileiro que, promulgado em 1850,
carece de urgente adaptação em consonância à realidade atual. Ao analisar a
empresa sob aspectos econômico e jurídico, salienta a importância de se
reconhecer o instituto da empresa individual de responsabilidade limitada.
Nesse esquema, adota nova classificação para as empresas mercantis
incluindo o comerciante individual, com limitação dos riscos, desde que lhe seja
atribuída a personalidade jurídica, como ocorre com relação às sociedades
comerciais.179 Hernani Estrella, um dos membros das comissões apreciadoras
da matéria, concorda com a relevância do assunto e a necessidade de inserção
legislativa, mas rejeita a utilização do termo empresa para a positivação futura,
por considerar tecnicamente mais correto que se diga responsabilidade do
comerciante singular ou individual. A doutrina relata ser o projeto em
explanação bem recepcionado no Brasil, mas com reservas e recomendações
de maior estudo sobre o assunto a fim de assegurar convenientemente os
direitos de terceiro180.
177 MACHADO, 1956, p. 90-93. 178 BRUSCATO, 2005, p. 65. 179 MACHADO, op. cit. p. 93-98. 180 IBID, p. 101.
89
A obra de Silvio Marcondes Machado (1953) é uma das primeiras
publicações, no Brasil, após a tese de Antônio Martins Filho, mais condensada
e aprofundada sobre o assunto.
Os anos se passaram e a expectativa de inserção do instituto
permanece com a reforma do Código Comercial de 1850 e, posteriormente,
com o advento de um novo Código Civil em 2002. Entretanto, tal positivação
não ocorreu. No que se refere ao texto civilista, Wilges Ariana Bruscato181
esclarece que, com a admissão polêmica de matéria comercial em seu bojo,
não seria oportuno levantar, ainda, toda a celeuma que a limitação da responsabilidade do empresário individual, certamente causaria, constituindo-se num compilador a mais para a aprovação do citado diploma legal. Demais disso, havia anteprojeto de lei que tencionava modificar a sociedade limitada (...) incluindo a criação da empresa individual de responsabilidade limitada.
Apesar de vários doutrinadores defenderem a adoção da limitação da
responsabilidade do empresário individual, uma discussão aprofundada sobre o
tema no Brasil ainda é escassa. Além disso, os projetos de lei, objeto de estudo
no item 2.4.1., não trazem em sua estrutura uma forma segura e convincente
para o reconhecimento do instituto. Conforme aduz Silvio Marcondes
Machado182, a maior parte dos projetos brasileiros, “não há coerência entre o
conceito perfilhado e a estrutura proposta”, pois princípios jurídicos adotados
misturam-se em preceitos contraditórios. Dessa forma, a redução do risco do
comerciante individual, vem sendo obtida com o desvirtuamento da sociedade
limitada. Esta, de sociedade tem apenas o nome, pois a gerência se concentra
absoluta nas mãos de uma só pessoa. Mesmo assim, pode-se notar que não
há uma justificativa sólida para se frear a adoção da responsabilidade do
empresário individual. Ainda que os projetos de lei apresentem imperfeições, é
necessária a positivação. Nem toda norma se insere no ordenamento jurídico
de forma perfeita. Cabe aos operadores do Direito interpretá-las de forma
adequada.
Para Othon Sidou,
181 BRUSCATO, 2005, p. 66. 182 MACHADO, 1956, p. 110.
90
Motivo de não se ter generalizado ainda, no direito universal, a empresa individual de responsabilidade limitada?
Receio da falsa quebra do tradicionalismo; insegurança de uma posição isolada no quadro do direito comparado. O mesmo ocorreu com a sociedade limitada, a qual, alvo também de relutantes reservas, cinquenta e sete anos depois de instituída, somente três países a aplicavam. O quarto país foi o Brasil, em 1919. Hoje é instituição universal.183
Por fim, resta esclarecer que o intuito dessa resenha é destacar os
primeiros trabalhos em defesa da limitação da responsabilidade do empresário
individual, responsáveis por provocar mudanças no cenário jurídico e
econômico empresarial. Na sucinta narrativa sobre a origem e evolução dos
primeiros institutos, procurou-se traçar as referências mais ressaltadas pelos
estudiosos do tema, sem a pretensão de se esgotar o assunto, que, pela
extensão e riqueza de detalhes, renderia, sem dúvidas, outra dissertação.
2.2. A APLICAÇÃO NORMATIVA DO INSTITUTO NO DIREITO COMPARADO
Um estudo sobre a dinâmica legal da responsabilidade limitada do
empresário individual nos sistemas jurídicos alienígenas serve não somente
para se encontrar subsídios em defesa do instituto, mas também para
desmitificar o receio de seus opositores.
Para isso, considera-se relevante utilizar como referência as normas
editadas em alguns países europeus como a Alemanha, a Espanha e a Itália,
dedicando-se atenção especial a Portugal, por apresentar uma legislação mais
detalhada e complexa frente aos demais.
A aceitação legal da responsabilidade limitada do empresário individual
em vários países, conforme anteriormente comentado, impede que o presente
trabalho faça um estudo aprofundado de direito comparado. Mesmo assim,
uma breve análise dos quatro países citados é o suficiente para se vislumbrar a
importância de seu reconhecimento no Brasil, bem como socorrer os juristas na
183 SIDOU, I. M. Othon. A revisão judicial dos contratos e outras figuras j urídicas. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 252.
91
construção de fundamentos satisfatórios para a adoção de uma norma
protetiva ao empresário singular, segura aos credores e, sobretudo,
economicamente eficiente para a sociedade.
Cumpre salientar que todas as legislações estrangeiras destacadas
abaixo sofreram influência da XII Diretiva da Comunidade Econômica Europeia
de forma mediata ou imediata. No entanto, seus principais objetivos não estão
voltados para a forma societária sugerida pela Diretiva, mas sim pelos efeitos
econômicos de seus preceitos.
2.2.1. A responsabilidade limitada do empresário in dividual na Alemanha 184
Em 4 de junho 1980, a Alemanha acresce à antiga Lei de Sociedades
de Responsabilidade, datada de 20 de abril de 1892, a modalidade “sociedade
unipessoal originária”, ao determinar que a existência de sociedade de
responsabilidade limitada pode se estabelecer por uma ou mais pessoas para
qualquer fim legalmente lícito.
Wilges Ariana Bruscato, ao interpretar a norma alemã, comenta que a
Alemanha modificou a normalização referente às sociedades anônimas e,
consequentemente, às sociedades limitadas, para tentar fortalecer sua
economia. Assim, alterou sua legislação segundo as diretrizes da Comunidade
Econômica Europeia, dando-lhe novos contornos:
A partir de então, não é mais possível a criação de uma sociedade anônima unipessoal originária, mas admite-se a superveniente, o que também é permitido para a sociedade limitada, com as seguintes exigências, que, se não atendidas, levam à dissolução da sociedade: que a redução à unipessoalidade seja, imediatamente, comunicada ao órgão competente – ela pode resultar da concentração total de quotas nas mãos de um único sócio ou também da transferência parcial de quotas para a própria sociedade; que tenha decorrido o prazo legal de três anos da constituição da sociedade; que a integralização das quotas – se ainda não estiver concretizada – se dê nos três meses subsequentes à unipessoalidade ou que o único sócio preste garantia ao mesmo tempo.
184 Cf. Anexo I.
92
No caso de sociedade limitada originária, é preciso que haja uma única cota e que se obedeça a um mínimo capital – embora possa ser integralizado apenas parcialmente. O único sócio responde, pessoalmente, por prejuízos de terceiros motivados por eventuais declarações falsas, sendo-lhe vedado contratar com a própria sociedade.185
O diploma legal, com o intuito de estabelecer garantias para os
credores da sociedade com sócio único, exige prévia autorização no contrato
social para que o sócio gerente e a sociedade celebrem contratos entre si, bem
como obriga o sócio único a registrar em ata todas as deliberações sociais186.
Importante destacar que a limitação da responsabilidade nas
sociedades unipessoais surte os mesmos efeitos das sociedades pluripessoais.
Caso seja demonstrado o desvirtuamento ou má-utilização da sociedade, o
sócio único passa a responder pessoalmente, por meio da aplicação do
instituto da desconsideração da personalidade jurídica187.
2.2.2. A responsabilidade limitada do empresário in dividual na Espanha 188
A Espanha, através da lei 2, de 23 de março de 1995, regulamenta a
limitação da responsabilidade da sociedade unipessoal titular de empresas de
pequeno, médio e grande porte. Assim, a normalização do fenômeno encontra-
se tanto nos ditames referentes às Sociedades Limitadas, como nos destinados
às Sociedades Anônimas.
185 BRUSCATO, 2005, p, 249. 186 SILVEIRA, Karla Polina. A responsabilidade do sócio único nas sociedades unipessoais. Jus
navegandi, Teresina, ano 13, n. 2146, 17 de maio 2009. Disponível em:<http://jus2.uol.com.br /doutrina/texto.asp?id=12896>. Acesso em: 18-05-2009, p.21.
187 Salomão Filho, em artigo dedicado ao estudo da sociedade unipessoal de responsabilidade limitada no Direito Alemão, discorre sobre a tentativa dos juristas alemães em desenvolver meios de proteção externa dos interesses dos credores que contratam com esta forma empresarial. Por isso, adotam a tese anglo-americana da desconsideração da personalidade jurídica, não apenas como meio de combater a fraude, mas também como meio de imputação de determinadas situações jurídicas reguladas por normas consideradas fundamentais para um acionista e não para a sociedade. SALOMÃO FILHO, Calixto. La societa unipersonale a responsabilita limitada nel diritto tedesco. In: Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeir o. São Paulo, v. 83, n. 30, 1991, p. 48-49.
188 Cf. Anexo II.
93
Nesse contexto de positivação da unipessoalidade para qualquer
classe de empresa, uma das preocupações do legislador espanhol é impor a
plena publicidade dos atos da sociedade unipessoal originária ou
superveniente, a fim de dar conhecimento a terceiros que tenham contato esse
tipo de empresário. Dessa forma, os atos tendentes à formação originária ou
superveniente das sociedades unipessoais e à perda dessa condição devem
constar na escritura pública inscrita no registro mercantil. Conforme se
depreende do comando legal, o status da unipessoalidade deve ser
formalizado, independente de sua causa e, enquanto subsista essa situação,
toda documentação, correspondência, notas, faturas ou anúncios publicados
por disposição legal ou estatutária da sociedade deve incluir expressamente tal
condição189.
As decisões do sócio único ostentam as competências de uma
Assembleia Geral e precisam ser registradas em ata, debaixo de sua firma ou
representante190. Os contratos celebrados entre o sócio único e a sociedade
devem ser por escrito, com a devida transcrição para um livro-registro da
sociedade, conforme o livro de atas das sociedades limitadas pluripessoais. No
balanço anual, os contratos precisam estar discriminados minuciosamente,
facilitando a averiguação de terceiros, quanto a sua existência, à natureza e às
condições, resguardando-os do risco de manipulação ou alteração posterior à
pactuação191.
Durante um período de dois anos, a partir da celebração dos contratos
citados, o sócio único responde perante a sociedade pelas vantagens obtidas
direta ou indiretamente em prejuízo da mesma, o que não sugere uma
responsabilidade ilimitada, mas uma responsabilidade civil do administrador
perante a sociedade192.
Se a unipessoalidade for superveniente, depois de transcorridos seis
meses, sem que o sócio único proceda à inscrição da nova condição no
Registro Mercantil, passa a ter responsabilidade pessoal, ou seja, ilimitada e
solidária pelas dívidas contraídas durante o período de unipessoalidade.
189 Art. 126 da Lei 2/1995. 190 Art. 127 da Lei 2/1995. 191 Art. 128 da Lei 2/1995. 192 Art. 128, 3, da Lei 2/1995.
94
Porém, quando o sócio providencia a publicidade da condição de
unipessoalidade, com a devida inscrição no órgão próprio, fica-lhe assegurado
não responder ilimitadamente pelas dívidas posteriores ao registro193.
2.2.3. A responsabilidade limitada do empresário in dividual na Itália 194
O Decreto legislativo 88, de 3 de março de 1993, altera o Código Civil
Italiano, inserindo normas atinentes ao reconhecimento da unipessoalidade na
sua forma originária e superveniente.
O regime italiano determina que todos os atos praticados pelas
sociedades de um único sócio devam ter publicidade, através do registro da
sociedade e da menção de sua condição unipessoal nos papéis da empresa195.
Assim, quando as quotas pertencem a um sócio ou se altera a pessoa
do sócio único, os administradores precisam constar no registro da empresa
uma declaração contendo o nome e o sobrenome, data e lugar de nascimento,
domicílio e nacionalidade do sócio único. Caso seja constituída ou reconstituída
uma pluralidade de sócios, os administradores também devem depositar nova
declaração por inscrição no registro da empresa196.
No que tange ao capital, o sócio da sociedade unipessoal originária
deve subscrevê-lo na totalidade e integralizar, em dinheiro, pelo menos trinta
por cento. Na unipessoalidade superveniente, o sócio único tem a obrigação de
proceder às integralizações ainda devidas no prazo máximo de seis meses197.
Os contratos entre o sócio único e a sociedade devem ser realizados
sob a forma escrita, caso não seja previsto ato público. Além disso, precisam
ser transcritos no livro de registros da sociedade e das deliberações do
conselho de administração. Quanto aos créditos do sócio único, não
193 Art. 129 da Lei 2/1995. 194
Cf. Anexo III. 195 Art. 2.250 do Código Civil Italiano. 196 Art. 2.475, bis. do Código Civil Italiano. 197 Art. 2.476. do Código Civil Italiano.
95
ilimitadamente responsável, não estão assistidos pelo direito de preferência em
relação aos demais credores198.
Em caso de insolvência da sociedade por falta ou irregularidade do
balanço ou quando não forem cumpridas as normas relativas à publicidade da
condição unipessoal, o sócio, ainda que pessoa jurídica, responde
ilimitadamente199.
Na Itália, a forma organizativa das sociedades limitadas pluripessoais
se estende à sociedade unipessoal de responsabilidade limitada, sendo
aceitável a permuta de pluripessoal para unipessoal, ou o inverso, em qualquer
situação200.
2.2.4. A responsabilidade limitada do empresário in dividual em Portugal
No direito lusitano, a regulamentação da limitação da responsabilidade
do empresário individual, pelas dívidas contraídas na exploração da atividade
empresarial, apresenta um extenso conjunto de regras e mais de uma forma
organizativa.
O legislador português cria mecanismos para minorar o risco que o
exercício profissional da atividade econômica possa acarretar ao empresário
individual e a sua família, com base na constituição de um patrimônio
separado, ou de afetação especial, para salvaguardar a sobrevivência da
empresa e os bens pessoais do titular, sem abalar a confiança dos credores.
Assim, tornam-se fontes de inspiração mundial as instituições legais do
Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada e da Sociedade
Unipessoal por Quotas.
A primeira não ganha aplicabilidade prática no mundo jurídico
português, mas a segunda forma vem conquistando espaço significativo na
dinâmica empresarial.
198 Art. 2.490, bis. do Código Civil Italiano. 199 Art. 2.497 do Código Civil Italiano. 200 NONES, 2001, p. 19.
96
2.2.4.1. O Estabelecimento Individual de Responsabi lidade Limitada 201
O Decreto-lei 248, de 25 de agosto de 1986, institui, em Portugal, o
regime do Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada (EIRL).
Tal tipo empresarial apenas pode ser constituído por uma pessoa
física202 que se torna a responsável por dirigir o empreendimento e goza da
prerrogativa de ter afetado apenas parte do seu patrimônio, ou melhor, apenas
aquilo que é destinado ao capital social da empresa. Essa forma de limitação
de responsabilidade do empresário individual não possui personalidade jurídica
e deve ser formalizada por escritura pública no registro de comércio203. A partir
desse procedimento, o empresário singular fica impossibilitado de assumir mais
de uma atividade com a mesma forma jurídica204.
Também, é necessário que a firma seja constituída pelo nome do
titular, com referência ou não da atividade comercial a ser desenvolvida,
constando obrigatoriamente a expressão E.I.R.L., abreviada ou por extenso205.
A documentação de constituição deve incluir a sede, o objeto, o capital do
estabelecimento, o prazo de duração do estabelecimento, dentre outros
elementos206.
Em relação ao capital social, a instituição não pode ser inferior a 5.000
euros207, sendo 2/3 em dinheiro, devidamente integralizado no ato da outorga
da escritura208. Esse patrimônio só responde pelas dívidas contraídas no
desenvolvimento da atividade profissional, salvo os débitos particulares
201 Cf. Anexo IV. 202 Art. 1o, n.1, do Decreto-lei 248/1986. 203 Art. 2o, n. 1, do Decreto-lei 248/86. Conforme preleciona José Engrácia Antunes: “(...) com a
revogação do art. 4o pelo Decreto-lei n. 76-A/2006, de 29 de março, o controle da regularidade da constituição do EIRL, por parte de oficiais que fazem fé pública, passou a competir exclusivamente ao conservador do registro comercial – quanto mais não seja na sua qualidade genérica de “guardião da legalidade” (Art. 47, CRC) – sem prejuízo da responsabilidade civil e penal do titular decorrente da prestação de quaisquer informações ou declarações inexatas ou deficientes (art. 7o e 34o)”. In: ANTUNES, José Engrácia. O estabelecimento individual de responsabilidade limitada: crônica de uma morte anunciada. Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto . Ano 3. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 411.
204 Art. 1o, n. 3, do Decreto-lei 248/86. 205 Art. 2o, n. 3, do Decreto-lei 248/86. 206 Art. 2o, n. 2, do Decreto-lei 248/86. 207 Art.3o, n. 2, do Decreto-lei 248/86. 208 Art. 3o, n. 3, do Decreto-lei 248/86.
97
assumidos antes da publicação do ato constitutivo. Se ficar provada a
inexatidão da separação patrimonial, em caso de falência, responde todo o
patrimônio do titular. O mesmo efeito é observado, se desrespeitada a
intangibilidade do capital social, competindo ao titular fazer a reposição do
mesmo, caso contrário, seu patrimônio particular passará a arcar com essa
obrigação. Ainda consoante ao capital social, a redução do patrimônio líquido a
menos de 2/3, se requerido por interessado, pode levar o EIRL à liquidação209.
É notória a preocupação do legislador em conservar o capital durante a
existência do EIRL. Dessa maneira, o estabelecimento fica obrigado à
constituição de uma reserva legal, através da afetação obrigatória mínima de
20% dos lucros anuais até que atinja um montante equivalente à metade do
capital. Essa reserva só poderá ser utilizada para cobrir as perdas e as
despesas refletidas no balanço anual ou a realização de aumento de capital por
incorporação210.
Ressalta-se que o capital social é um patrimônio autônomo, garantidor
das dívidas contraídas durante o exercício da empresa. Contudo, o EIRL pode
ter responsabilidade subsidiária, por dívidas não-relacionadas à sua
exploração, quando comprovado que os bens do titular são insuficientes para
satisfazer os credores211. Em relação a esse permissivo legal, José Engrácia
Antunes tece consideráveis críticas:
Consagrou-se assim aparentemente a regra segundo a qual os bens afectos ao estabelecimento respondem apenas pelas dívidas originadas na exploração deste, com exclusão das restantes dívidas do seu titular (v.g., dívidas pessoais ou familiares, dívidas contraídas na exploração de outras empresas). Todavia, vistas as coisas mais de perto, constata-se que este princípio comporta duas importantíssimas excepções que acabam por lhe retirar grande parte do alcance. Por um lado, os bens do estabelecimento responderão subsidiariamente por quaisquer dívidas do seu titular contraídas anteriormente à constituição daquele: com efeito, caso o titular do estabelecimento não possua no seu patrimônio geral bens suficientes para satisfazer os credores de dívidas contraídas antes da publicação do acto constitutivo daquele, estes credores poderão fazer pagar-se à custa dos bens do estabelecimento (artigo 10, n. 2). Por outro lado, os bens do estabelecimento poderão vir mesmo responder subsidiariamente por dívidas comuns do titular contraídas
209 Art. 10, n.1 e art. 11, n.1, n.2 e n.3, do Decreto-lei 248/86. 210 Art. 15 do Decreto-lei 248/86. 211 Nesse caso, é imperativo que se observe a preferência dos credores sociais sobre os bens
afetados.
98
posteriormente à respectiva constituição: na realidade, caso os credores comuns do titular do estabelecimento, em processo executivo movido contra este por dívidas estranhas à exploração empresarial, provem a insuficiência dos restantes bens do titular devedor, ser-lhes-á lícito penhorar os bens do estabelecimento (artigo 10º, n.1, “ab initio” e 22º). Em suma, dir-se-ia assim que, nesta sua primeira vertente ou dimensão, a autonomia patrimonial do EIRL se revela como assaz imperfeita: afinal, o acervo patrimonial afecto à sua exploração poderá ficar ao alcance da agressão dos credores comuns do titular do estabelecimento, respondendo assim por quaisquer dívidas ainda que estranhas à actividade deste, com a particularidade de o fazer numa posição de subsidiaridade relativamente ao restante do patrimônio do titular. (destaques do autor)212
Conforme já destacado, o empresário singular também pode ter
responsabilidade pelas dívidas sociais, caso venha à falência, desde que fique
comprovada a inobservância do princípio da separação patrimonial213. Assim,
Se o titular administrou o estabelecimento na escrupulosa observância do princípio da separação patrimonial, sobrevindo a insolvência deste último por qualquer outro tipo de razões (v.g., obsolescência dos bens produzidos ou serviços prestados pelo estabelecimento, concorrência feroz com outras empresas, gestão inábil, etc.) então, em homenagem à matriz teleológico-funcional do instituto (limitação da responsabilidade do comerciante individual), o patrimônio geral do titular do EIRL insolvente permanecerá a salvo das agressões dos credores de dívidas contraídas na exploração deste último. Totalmente diferente será já a solução no caso de insolvência do estabelecimento haver resultado de uma gestão desrespeitosa de tal separação patrimonial, situação em que o legislador considerou que o titular já responde com todo o seu patrimônio pelas dívidas contraídas nesse exercício (artigo 11º, n.2).214
Diante dessas considerações, verifica-se que o EIRL não é dotado de
uma autonomia patrimonial plenamente segura ao empresário individual. A
permissibilidade legal de que o patrimônio especial do estabelecimento pode
responder por dívidas do titular alheias à exploração daquele (artigo 10º, n. 2 e
22º) e, inversamente, o patrimônio geral do titular pode responder por dívidas
relacionadas com a atividade do estabelecimento (artigo 11º, n. 2 e 3) é uma
das principais razões de sua inaplicabilidade prática. Com o escopo de
proteger os interesses de terceiros que realizam negócios jurídicos com o titular
212 ANTUNES, 2006, p. 418-419. 213 Art. 21, 22 e 23 do Decreto-lei 248/86. 214 ANTUNES, op. cit. p. 419-420.
99
do estabelecimento, o legislador se excede nas hipóteses exceptivas e acaba
por positivar um regulamento sem atrativos e extremamente burocrático,
sobretudo, para os pequenos empreendedores.
Observe que o Decreto impõe ao agente econômico singular a
obrigação de realizar periodicamente a elaboração de contas anuais, com
esclarecimentos sobre a situação financeiro-patrimonial do estabelecimento,
incluindo-se o balanço, a demonstração dos resultados líquidos e a menção do
destino dos lucros apurados, dando-se publicidade com o seu depósito no
registro comercial, junto com o parecer do revisor oficial de contas215.
É relevante mencionar que o EIRL pode ser transferido por ato gratuito
ou oneroso ou dado em locação. Permite-se constituir sobre ele usufruto e
penhor, mas a penhora do EIRL apenas é aceita por dívidas estranhas à
exploração, subsidiariamente, provada a insuficiência de outros bens. A morte
do titular ou a sua separação, caso seja casado, não implica dissolução do
estabelecimento e deve ser levado à partilha216.
A breve exposição de algumas normas relativas ao decreto evidencia a
cautela do legislador, ao admitir a limitação da responsabilidade do titular do
estabelecimento com medidas visando à satisfação dos interesses de terceiros
que celebram negócios jurídicos com o empresário.
Todavia, o Dec. 248/86, mesmo fixando um capital mínimo para o
desempenho da atividade, estabelecendo a publicidade dos atos concernentes
à constituição, consagrando a autonomia patrimonial e impondo sanções ao
descumprimento de seus preceitos, dentre outras medidas, não é aplicado de
forma significativa no Direito Português, sendo alvo apenas de discussões
acadêmicas.
Outros esclarecimentos sobre sua ineficácia constituem objeto de
discussão adiante, após o estudo das sociedades unipessoais por quotas.
215 Art.12 do Decreto-lei 248/86. 216 Art. 21, 22 e 23 do Decreto-lei 248/86.
100
2.2.4.2. A sociedade unipessoal originária e superv eniente 217
O direito português reconhece a sociedade unipessoal originária e a
superveniente, com o advento do Decreto-lei 262, de 02 de setembro de 1986,
denominado Código das Sociedades Comerciais (CSC)218. A primeira depende
de lei que autorize a constituição de sociedade por uma única pessoa219. Já a
segunda ocorre, quando há a redução dos sócios ao número de um com a
possibilidade de permanecer com a mesma forma societária durante um
período razoável de tempo para regularizar a situação220.
Na realidade, antes da promulgação do CSC em 1986, já existiam
sociedades unipessoais originárias no direito Português em dois casos
específicos. Um referente às Sociedades Gestoras de Carteiras de Títulos,
conforme dispõe o artigo 14 do DL 271/72 e, o outro, em uma forma societária
unipessoal originária que o Estado prevê em seu benefício (artigo 1o do DL
65/76)221. Contudo, o estudo que se pretende traçar encontra-se adstrito no
CSC, especificamente na modalidade inserida em 1996 na dinâmica jurídica
lusitana, intitulada Sociedade Unipessoal por Quotas.
O CSC destaca duas formas de sociedade unipessoal originária: a
subsidiária integral222 e as Sociedades Unipessoais por Quotas223.
A subsidiária integral é composta por uma sócia única, representada
por uma sociedade, que a dirige e se responsabiliza pelo cumprimento de suas
217 Cf. Anexo V. In: PORTUGAL. Código das sociedades comerciais. Disponível em:<http:// www.stj.pt/nsrepo/geral/cptlp/Portugal/CodigoSociedadesComerciais.pdf>. Acesso em: 06-07-2009, p. 176.
218 “Admite-se, ainda, que, em termos limitados, e regulamenta-se não só a sobrevivência como a constituição das sociedades unipessoais”. Paulo Moreira da Cunha apud ISFER, 1996, p. 172.
219 Art. 7º n. 2. “O número mínimo de partes de um contrato de sociedade é de dois, excepto quando a lei exija número superior ou permita que a sociedade seja constituída por uma só pessoa.” In: PORTUGAL, 2009.
220 A sociedade unipessoal superveniente está discriminada no art. 142 do Código das Sociedades Comerciais de 1986. Ela pode ocorrer em virtude de várias situações como, por exemplo, o falecimento de um dos sócios sucedendo-lhe o sócio remanescente, a aquisição ou cessão de quotas a um mesmo sócio de todas as partes sociais, exclusão ou exoneração do sócio e transmissão de todas as quotas da sociedade para um terceiro.
221 SILVEIRA, 2009, p.07. 222 Art. 488 do CSC. “1. Uma sociedade pode constituir, mediante escritura por ela outorgada,
uma sociedade anônima de cujas acções ela seja inicialmente a única titular.” In: PORTUGAL, 2009.
223 O Decreto-lei 257, de 31 de dezembro de 1996, inseriu os artigos 270-A a 270-G no CSC relativos a essa matéria. Cf. Anexo V.
101
obrigações. Dessa forma, a subsidiária integral é uma sociedade subordinada à
outra. Na verdade, consiste numa espécie de unipessoalidade na sociedade
anônima, cuja responsabilidade fica limitada tanto ao patrimônio da sociedade
subordinada, como da sociedade dirigente, não chegando a interferir no
patrimônio do sócio. O Brasil adota esse sistema, apesar de não admitir a
figura do Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada, nem da
Sociedade Unipessoal por Quotas.
A Sociedade Unipessoal por Quotas originária é composta por um
sócio, pessoa singular ou coletiva, titular da totalidade do capital social, cuja
responsabilidade é limitada ao patrimônio social pelas dívidas decorrentes dos
negócios jurídicos celebrados pela sociedade224. Por revelar uma modalidade
que vem se sobressaindo na economia portuguesa, torna-se um bom modelo
para incentivar o legislador brasileiro a traçar normas limitadoras da
responsabilidade do empresário individual e, por isso, será objeto de análise
mais detalhada adiante.
No que diz respeito à unipessoalidade superveniente das sociedades
no CSC, deduz-se que seu intuito é a preservação da empresa, evitando sua
dissolução imediata pela simples redução dos sócios ao número de um. Dessa
forma, admite, temporariamente, a manutenção da sociedade com apenas um
sócio.
Na verdade, a provisoriedade do funcionamento da sociedade
unipessoal superveniente é tolerada por prazo indeterminado. O Código das
Sociedades Comerciais não arrola como causa de dissolução imediata da
sociedade a redução do número de sócios a um, mas como uma causa de
dissolução administrativa225. Ao se observar a redação do artigo 142, n. 1, a226,
224 Importante ressaltar que tal fenômeno pode se dar de forma superveniente, quando ocorrer a concentração das quotas nas mãos de um único sócio, após a constituição da sociedade. Considerações mais completas encontram-se no item 2.2.4.2.
225 Para se averiguar isso basta conferir a redação do artigo 141 do CSC que não arrola entre os casos de dissolução imediata da sociedade a unipessoalidade superveniente: “Art. 141 do CSC. A sociedade dissolve-se nos casos previstos no contrato e ainda: a) Pelo decurso do prazo fixado no contrato; b) Por deliberação dos sócios; c) Pela realização completa do objecto contratual; d) Pela ilicitude superveniente do objecto contratual; e) Pela declaração de falência da sociedade. f) Pela perda de metade do capital social, nos termos do n. 4 do artigo 35”. In: PORTUGAL,
2009.
102
do diploma legal em comento, o legislador destaca que “pode” ser requerida a
dissolução da sociedade, por período superior a um ano, caso o número de
sócios for inferior ao exigido por lei. Dessa forma, o verbo “pode” determina a
possibilidade, ou melhor, a faculdade, e não a obrigatoriedade, da dissolução
da sociedade. O artigo 84, n. 1, do CSC também evidencia a permissibilidade
da unipessoalidade, com a responsabilidade limitada do sócio, perdendo tal
prerrogativa apenas se a sociedade for declarada falida, e se, no período da
unipessoalidade, com a concentração da participação social nas mãos de uma
única pessoa, não for observada uma rigorosa separação de patrimônios227.
• As Sociedades Unipessoais por Quotas (SUQ)
As Sociedades Unipessoais por Quotas vêm se destacando entre os
empreendimentos mais utilizados em Portugal. Representam atualmente 41%
(30.537) dos tipos empresariais formalizados no país e assumem a segunda
colocação das empresas constituídas com pequena diferença para as
sociedades por quotas que, por ora, são a maioria228. Contudo, as SUQ não
desvelam necessariamente um tipo social diverso das sociedades por quotas,
226 Art, 142, n. 1, do CSC: Pode ser requerida a dissolução administrativa da sociedade com fundamento em fato previsto na lei ou no contrato e quando: a) por período superior a um ano, o número de sócios for inferior ao mínimo exigido por lei, excepto se um dos sócios for uma pessoa coletiva pública ou entidade a ela equiparada por lei para esse efeito”. Diante dessa norma, verifica-se que a sociedade não é necessariamente dissolvida depois de passado o período da unipessoalidade transitória. In: PORTUGAL, 2009.
227 Art. 84, n.1 do CSC. “Sem prejuízo da aplicação do disposto no artigo anterior e também do disposto quanto a sociedades coligadas, se for declarada falida uma sociedade reduzida a um único sócio, este responde ilimitadamente pelas obrigações sociais contraídas no período posterior à concentração das quotas ou das acções, contanto que se prove que nesse período não foram observados os preceitos da lei que estabelecem a afectação do patrimônio da sociedade ao cumprimento das respectivas obrigações.” In: PORTUGAL, 2009.
228 O Instituto dos Registros e do Notariado apresenta gráfico demonstrativo das empresas constituídas por natureza jurídica correspondente ao período de 14-07-2005 a 30-06-2009, onde se verifica que as sociedades por quotas unipessoal representam o percentual expressivo de 41% (30.537) dos tipos empresariais formalizados no país. Em primeiro lugar têm-se as sociedades por quotas com percentual de 58% (43.355) e em terceiro lugar as sociedades anônimas com um percentual acanhado de 1% (733). In: INSTITUTO DOS REGISTROS E DO NOTARIADO Disponível em:<http://www.irn.mj.pt/IRN/sections/noticias/ enh-estatisticas/>. Acesso em: 06-07-09. (Cf.: Planilha do Microsoft excel /no de empresas por natureza jurídica)
103
pois sua particularidade consiste apenas na presença de um único sócio,
sendo este pessoa singular ou coletiva.229.
A SUQ originária tem como característica principal a concentração
inicial da totalidade das quotas em poder de um único sujeito, sendo tal
condição declarada por escritura pública ou até mesmo documento particular,
caso não sejam efetuadas entradas em bens diferentes de dinheiro para cuja
transmissão seja necessária aquela forma230. A SUQ deve ser constituída com
a expressão “sociedade unipessoal” ou “unipessoal”, antes da palavra
“limitada” ou de sua abreviatura “Lda”231, o que possibilita a ciência dos
credores a respeito da unipessoalidade.
Às sociedades unipessoais por quotas aplicam-se, subsidiariamente,
as normas que regulam as sociedades por quotas, salvo as que pressupõem a
pluralidade de sócios232. Assim, em relação à constituição do capital social, não
pode ser inferior a 5.000 euros, devendo ser a metade desse valor realizada
inicialmente e a outra liberada em prazo não superior a 5 anos233.
No que tange aos efeitos da unipessoalidade desse tipo societário, a
pessoa singular não pode ser sócia de mais de uma SUQ, assim como uma
sociedade por quotas não pode ter como sócio único uma SUQ. Essas regras
estão arroladas do CSC234 que aceita, de forma inequívoca, uma pessoa física
como sócio único, mas veda sua participação em mais de uma SUQ. Dessa
forma, caso o sujeito singular pretenda desenvolver outras atividades
empresariais deve adotar formas diversas como, por exemplo, a sujeição ao
229 Nesse sentido, segue-se o posicionamento de Karla Polina Silveira (2009, p.04): “(...) o que ocorre nos casos das sociedades unipessoais não se encaixa numa situação de transformação, vez que a sociedade não passou a adotar um novo tipo social, ela continua a ser uma sociedade por quotas, com a particularidade de possuir apenas um sócio. Percebe-se também que a estrutura orgânica da sociedade unipessoal por quotas é a mesma das sociedades pluripessoais por quotas, sendo assim a unipessoalidade não interfere nas regras de divisão de poderes dentro da sociedade. Sendo assim, o sócio único possui os mesmos poderes que os exercidos pelos sócios na assembleia geral de uma sociedade pluripessoal. O nosso entendimento é no sentido de que a sociedade unipessoal por quotas consiste numa sociedade por quotas para a qual o legislador previu uma série de regras particulares que, entretanto, não são suficientes para alterarem o seu tipo social.”
230 Art. 270-A, n. 4 do CSC. 231 Art. 270-B do CSC. 232 Art. 270-G do CSC. 233 Art. 201; 202, 2; 203, 1 do CSC. In: PORTUGAL, 2009. 234 Art. 270-C, n.1 e n.2, do CSC.
104
regime do empresário individual, a constituição de EIRL ou a participação em
sociedade pluripessoal235.
A norma concernente à impossibilidade de uma sociedade por quotas
ter como sócio único uma sociedade por quotas unipessoal, decorre da
tentativa de se coibir a concentração de sociedades unipessoais sedimentadas
em um único sócio. Segundo Catarina Serra, caso tal impedimento não fosse
inserido no ordenamento jurídico,
poderíamos vir a deparar com a situação em que um sujeito seria único senhor de várias sociedades em cadeia, dirigindo confortavelmente em seu proveito todo um grupo de sociedades, sob a camuflagem da única sociedade de que, à luz do direito, era sócio e com a tranquilidade de, através dela, ter fixado os limites da sua responsabilidade. Tudo teria emergido direta ou indiretamente desse sujeito, tanto a base patrimonial da primeira sociedade, constituída com a sua entrada, como a da segunda sociedade, constituída com a entrada da primeira e assim sucessivamente. Tudo dependeria dele e só dependeria dele, seria só ele quem teria o poder de disposição sobre todos os patrimônios, seria só ele quem suportaria como só ele a quem aproveitariam as circunstancias da situação.236
Impende salientar que o descumprimento desses preceitos implica
direito de qualquer interessado requerer a dissolução da sociedade, podendo o
tribunal conceder um prazo de até seis meses para a regularização da
situação237.
Outra peculiaridade interessante da dinâmica das SUQ consiste na
viabilidade de modificação dessa forma em sociedade por quotas plural,
através de divisão e cessão da quota ou em virtude da ampliação do capital
social com a entrada de um novo sócio. Nesse caso, elimina-se a expressão
que identifica a unipessoalidade, não sendo necessária a modificação da firma
da sociedade por escritura, bastando o documento que consigne a divisão e
cessão de quota ou aumento do capital para o registro. A transformação para
235 Observe que as pessoas coletivas não ficam adstritas a essa restrição, podendo constituir mais de uma SUQ.
236 SERRA, Catarina. As novas sociedades unipessoais por quotas (algumas considerações a propósito do DL n. 257/96, de 31 de dezembro). Scientia Ivridica: Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro. Universidade do Minho, Braga: Codex, tomo XLVI, jan-jun, n. 265-267, 1997, p.136-137.
237 Art. 270-C, n.3 e n.4, do CSC.
105
modalidade plural dispensa o pagamento de emolumentos, o que incentiva os
empreendedores a formalizarem essa modificação238.
As decisões do sócio único, cuja natureza é equiparada às de
competência da assembleia geral, devem ser registradas em ata e
assinadas239. Esse procedimento facilita a prova e a possibilidade de controle
da formação da vontade social, assim como faz com que o deliberado se torne
formalmente um ato de sociedade, tomada por órgão especial e não pelo sócio
único na posição de pessoa singular. A publicidade dos atos praticados é um
importante meio de proteção aos credores, considerando que a decisão do
sócio pode conter irregularidades240.
Aduz-se que a SUQ não se sobressai somente na forma originária,
sendo também constituída de forma superveniente. Acontece que, nos casos
de unipessoalidade superveniente, a reunião da totalidade das quotas, nas
mãos de um sócio, não o obriga a adotar o regime das SUQ. A inércia do sócio
que se torna singular não acarreta a dissolução da sociedade, conforme já
ressaltado, muito menos implica a transformação automática em SUQ. Para o
aproveitamento desse instituto é imprescindível a formalidade, a fim de não se
aplicar mais as disposições do estatuto referente à pluralidade dos sócios.
Assim, o sócio único deve expressar sua vontade no sentido de transformar a
238 Art. 270-D do CSC. 239 Art. 270-E do CSC. 240 Em relação às decisões irregulares do sócio, Karla Polina Silveira comenta que a
possibilidade de se invocar sua anulabilidade é de difícil realização na prática: “No que se refere à nulidade nas deliberações, as alíneas a) e b) do art. 56 do CSC não se aplicam às sociedades por quotas unipessoais, visto que são regras que pressupõem uma pluralidade de sócios. Já em relação às deliberações anuláveis (art.58º do CSC), todas as disposições se aplicam às sociedades unipessoais, exceto a alínea b) do nº 1, vez que esta também pressupõe uma pluralidade de sócios. Nos casos de nulidade qualquer interessado tem legitimidade para arguí-la. Já nos casos de anulabilidade, embora seja fácil identificar vícios na decisão do sócio único que sejam passíveis de anulação, na prática é bastante difícil requerê-la relativamente a uma decisão do sócio único. O art. 59º, n.1, do CSC restringe os legitimados a invocar a anulabilidade de uma deliberação, quais sejam: o órgão de fiscalização ou qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente tenha aprovado a deliberação”. A autora explica que, como as sociedades unipessoais por quotas são comumente de pequeno porte, não possuem órgão fiscalizador e, por isso, não há legitimado para propor a ação de anulação de uma decisão de um sócio, ficando os credores sem respaldo legislativo hábil para se impugnar a decisão. Além disso, a concessão legal de prazo para se regularizar a situação faz com que a possibilidade de controle sobre os atos do sócio seja diminuta, gozando este de poderes praticamente ilimitados. In: SILVEIRA, 2009, p.11.
106
sociedade em unipessoal através da escritura de cessão de quotas ou por
escritura autônoma241.
Com o intuito de se coibirem fraudes por parte do titular da SUQ,
visando aos interesses pessoais, em detrimento do interesse da sociedade, o
legislador também estabelece condições para a realização do contrato do sócio
com a sociedade unipessoal. Nesse sentido, impõe que qualquer negócio
jurídico celebrado entre o sócio único e a sociedade tem que estar em
consonância com a atividade descrita no contrato social, ou melhor, deve
consistir nas atividades que a sociedade se propõe a prosseguir242. Os
negócios jurídicos também devem atender a forma legalmente prescrita e
serem realizados por escrito243, não se admitindo a forma verbal. Esse é um
procedimento importante para registrar todos os atos praticados entre o sócio e
a sociedade, de forma que qualquer interessado possa consultá-lo quando lhe
convier244. Assim, há possibilidade de controle por parte de terceiros que
desejam relacionar com a SUQ, tendo acesso a informações importantes
relativas à solidez do empreendimento, como a condição patrimonial ou
capacidade de crédito, aumentando-se a segurança para os contratantes e o
prestígio da sociedade.
A violação ou inobservância das regras do parágrafo anterior provoca a
nulidade dos negócios jurídicos celebrados e a responsabilidade ilimitada do
sócio245 pelo que foi praticado com a sociedade fora dos moldes por ora
descritos.
A síntese da normalização da SUQ ora descrita revela um modelo de
limitação da responsabilidade do empresário individual de extrema relevância e
aplicabilidade jurídica. Consiste não apenas em um seguro instrumento para
aqueles que pretendem contratar com a sociedade, mas também um benefício
para o empresário individual, visando-lhe resguardar o patrimônio pessoal que
não fica sujeito a afetação em face dos credores da sociedade unipessoal,
desde que respeitados os ditames legais.
241 Art. 270-A, n. 2 e n.3 do CSC. Para escritura autônoma basta documento particular, se da sociedade não fizerem parte bens para cuja transmissão seja imperativa a forma solene.
242 Art. 270-F, n.1, do CSC. 243 Art. 270-F, n.2, do CSC. 244 Art. 270-F, n. 3, do CSC. 245 Art. 270-F, n. 4, do CSC.
107
Os juristas portugueses admitem que a utilização da modalidade
societária unipessoal sempre ocorreu à margem do direito, sob a forma de
sociedade fictícia. A positivação desse fenômeno traz maior segurança para o
empresário individual e credores, já que incentiva a criação de novos
investimentos e a conservação da empresa.
Em virtude do expressivo número de SUQ formalizadas no país, não há
dúvidas de que o reconhecimento legal da limitação da responsabilidade do
empresário individual é de grande valia para o desenvolvimento das atividades
mercantis e para o crescimento econômico do país, pois empregam, recolhem
tributos e propiciam a circulação de riquezas.
2.2.4.3 Algumas justificativas para a inaplicabilid ade prática do Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limi tada (EIRL) em contraponto ao sucesso da Sociedade Unipessoal p or Quotas (SUQ)
Apesar do esforço do legislador em criar mecanismos para conter os
efeitos negativos do risco empresarial, estabelecendo a limitação da
responsabilidade do empresário individual e a proteção daqueles que celebrem
negócios jurídicos, a inserção do EIRL não alcançou, na prática, boa aceitação
dos empreendedores. Por isso, quando da promulgação do decreto-lei 248/86,
persistiu a constituição de sociedades fictícias,
O regime do EIRL foi implantado visando promover a limitação da responsabilidade ao comerciante individual. Procurou-se com isso evitar que os comerciantes se utilizassem de sociedades fictícias como forma de limitação da responsabilidade ou ainda que se mantivessem na realidade econômica portuguesa as sociedades reduzidas a um único sócio. Entretanto, a lei não previu a possibilidade da transformação de uma sociedade reduzida a um único sócio em EIRL, esta situação juntamente com a falta de sanções para os casos de unipessoalidade superveniente fez com que as sociedades fictícias subsistissem.246
246 SILVEIRA, 2009, p. 05.
108
Se a legislação portuguesa implicitamente permite, conforme já
comentado, a manutenção de uma sociedade unipessoal superveniente por
tempo indeterminado, sem a obrigatoriedade de conversão em EIRL ou sem as
sanções pelo simples exercício empresarial de forma singular, torna-se cômoda
a permanência da constituição dos tipos jurídicos societários em detrimento do
tipo individual. Dessa forma, o insucesso do EIRL é primeiramente apontado
pela desnecessária aplicabilidade das regras do seu instituto247.
Em segundo lugar, a complexidade na interpretação do amplo rol de
regras elaboradas pelo Decreto-legislativo 248/86 somada ao fenômeno, já
ressaltado, da existência de uma autonomia patrimonial imperfeita agravam a
eficiência da norma idealizada pelo legislador. Assim, a admissão de diversas
hipóteses para o afastamento da limitação da responsabilidade do empresário
individual provoca sua perda no confronto com o modelo societário concorrente
da SUQ.
Além disso, a constituição de EIRL não usufrui dos mesmos benefícios
fiscais extensivos às formas societárias. Sobre isso esclarece Catarina Serra:
Havendo entre o comerciante e os bens que ele pretende afetar à exploração comercial a interposição de um novo sujeito (sociedade comercial), há uma desafetação destes bens do comerciante em favor da sociedade, o que comporta, desde logo, o desdobramento em dois sujeitos passivos tributários. Depois, abre algumas possibilidades concretas de elisão fiscal, aliás comuns a todas as formas societárias, mas que, sendo sócio único e gerindo a sociedade em seu exclusivo interesse, ele terá mais liberdade para potenciar. Falamos, entre outras estratégias, da possibilidade de o sócio único imputar à sociedade despesas que ele próprio efetuou em seu proveito, com isso aumentando o passivo da sociedade e diminuindo o seu rendimento coletável, enfim, conseguindo uma atenuação considerável do montante da coleta da sociedade. Foi talvez esta a razão que justificou que os comerciantes continuassem a recorrer à simulação de contratos de sociedade, quase ignorando a nova possibilidade que a lei lhes concedera.248 249
247 COSTA, Ricardo Alberto Santos. Unipessoalidade societária. Coimbra: Almedina, 2003. 248 SERRA, 1997, p. 125. 249 Também em análise ao regime jurídico-tributário, Antunes (2006, p. 439-440) assevera: “(...)
recorde-se que os lucros apurados na exploração de um EIRL são tributados em IRS como rendimentos da categoria A do seu titular, sendo assim englobados, para os efeitos de determinação da matéria colectável, conjuntamente com os demais rendimentos daquela pessoa singular e seu agregado familiar. Ora, a mesmíssima substância econômica, desde que organizada sob a forma de uma sociedade unipessoal, poderá gerar apreciáveis poupanças fiscais, seja lá pela taxa mais favorável do IRC para idêntico volume de rendimentos (fixado actualmente, além da derrama autárquica, em 25%, o que dista bastante do tecto de 42% aplicável ao último escalão dos empresários individuais), seja já
109
Outra desvantagem na adoção do instituto é a dificuldade de
transmissão intervivos ou causa mortis em virtude da falta de personalidade
jurídica não diferenciar o seu titular250. Ao criticar a fórmula não-societária,
Calixto Salomão Filho prescreve:
A consequência das fórmulas não societárias é uma drástica redução da capacidade de circulação da empresa e sua liquidez. Esses problemas traduzem-se na impossibilidade de venda parcial da empresa sem transformação de sua forma, ou seja, sem transformá-la previamente em sociedade. Torna-se, portanto, mais difícil a venda parcial da empresa sem transformação de forma, ou seja, sem transformá-la previamente em sociedade. Torna-se, portanto, mais difícil a venda parcial com manutenção do controle, objetivando mera capitalização. De outro lado, reduz-se a possibilidade de preservação da empresa em caso de morte do empresário. Objeto da sucessão são diretamente os bens da empresa e não, como nas sociedades de capital, “os bens de segundo grau” representados pelas ações e pelas quotas.251
Ao se fazer um paralelo entre o EIRL e a SUQ, verifica-se que esta é
incentivada a se converter em sociedade pluripessoal, sendo inclusive
dispensado o pagamento de emolumentos para a alteração jurídica.
Salienta-se também o fato de que a SUQ, por ser pessoa jurídica
capaz de direitos e obrigações na ordem jurídica, ou melhor, por ter
personalidade jurídica, não se difere das demais sociedades empresárias
quanto aos benefícios fiscais supracitados e também não denota dificuldades
para a transmissão da propriedade intervivos ou causa mortis252. Esses fatores
não são vislumbrados na dinâmica do EIRL.
Dessa forma, o EIRL não se apresenta como um mecanismo de
incentivo ao exercício individual da empresa, pois, mesmo existindo a
possibilidade de responsabilidade limitada ao capital investido no
empreendimento, não tem o condão de superar os benefícios da forma
societária adotada em Portugal.
pelos diversos regimes especiais existentes (v.g., redução da taxa de imposto no caso de sociedades sediadas no interior), seja já pelos benefícios fiscais exclusivos aplicáveis (v.g., crédito de imposto ao investimento tecnológico, amplitude quantitativa e qualitativa das despesas e abatimento de relevantes para efeitos da determinação da matéria colectável, etc)”.
250 SILVEIRA, 2009, p.05. 251 SALOMÃO FILHO, 2006, p. 200. 252 Art. 270-D do CSC. Cf. Anexo V.
110
Calixto Salomão Filho explica que o legislador português introduziu o
EIRL no ordenamento jurídico por coerência sistemática, uma vez que o direito
societário, na época de sua promulgação, é fortemente influenciado pela teoria
contratualista. Como tal teoria entende por sociedade um acordo de vontades e
como todo acordo pressupõe a vontade de pelo menos duas pessoas,
“considerou-se muito menos traumática a introdução da limitação de
responsabilidade do comerciante individual, através de uma forma não-
societária de patrimônio separado, qual seja, o estabelecimento individual de
responsabilidade limitada”253.
De qualquer forma, a inserção legal do EIRL não deixa de ser uma
referência para a proteção do investidor individual na Europa, despertando o
operador jurídico para relevância do assunto. Mesmo sendo um regime
complexo e descartado da aplicação técnica, sem dúvida alguma, influenciou o
ordenamento jurídico na evolução de normas concernentes à limitação da
responsabilidade do empresário individual, como a das SUQ que atualmente
ganha espaço considerável no cenário jurídico e econômico português.
2.3. A RESPONSABILIDADE ILIMITADA DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL NO BRASIL
O Código Civil brasileiro, embora recentemente esculpido por técnicas
legislativas modernas, não estabelece mecanismos limitadores das perdas
para as atividades empresariais cujo titular seja uma pessoa natural.
Apesar de os micros e os pequenos empresários organizarem-se em
expressiva maioria, sob a forma individual, com participação significativa na
geração e na circulação de riquezas do país, vivenciam a álea inerente à
dinâmica empresarial, com tratamento jurídico desfavorável, quando
comparado aos das sociedades empresárias, sob a ótica da responsabilidade.
O ordenamento jurídico brasileiro prevê a limitação da responsabilidade
apenas para o exercício coletivo das atividades empresariais. O empresário
singular, aquele que individualmente possui determinada atividade econômica
253 SALOMÃO FILHO, 2006, p. 192.
111
organizada, responde ilimitadamente com seus bens pelas obrigações
contraídas em nome de sua empresa, sem nenhum benefício. Assim, aplica-se
a ele a regra do Direito Civil, em que cada sujeito responde por suas
obrigações com todo o seu patrimônio. Dessa forma, o risco da exploração da
atividade empresarial torna-se acentuado, pois o agente econômico individual
pode perder não apenas o patrimônio reservado à empresa, mas todo o
conjunto de bens conquistado com o trabalho de uma vida inteira e dedicado à
família.
Cinira Gomes Lima Melo, a fim de ilustrar sua indignação à distinção
normativa, sugere uma reflexão crítica de um caso hipotético em que se
encontram dois empresários. O primeiro é pessoa física, Empresário individual
“X”, cuja atividade consiste na prestação de serviços educacionais. Esse
empresário individual possui dez empregados e uma estrutura organizada com
faturamento mensal de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Já o segundo é
pessoa jurídica, Sociedade “Y” Ltda, composta por dois sócios que também
explora atividade empresarial de prestação de serviços educacionais. Tal
sociedade conta com o labor de dez empregados e uma estrutura organizada
com faturamento mensal de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Conforme
preleciona a autora, diante da plena similitude da dinâmica empresária
ressaltada, vislumbra-se, no Brasil, paradoxalmente, a aplicação de regimes
jurídicos diversos. O primeiro empresário, por exercer sua atividade
individualmente, tem responsabilidade ilimitada pelas obrigações contraídas no
exercício de sua empresa. Em contrapartida, os sócios da pessoa jurídica
respondem, subsidiária e limitadamente, pelas obrigações sociais254.
Conforme aludido, a limitação da responsabilidade patrimonial é um
direito reconhecido exclusivamente para as sociedades. Estas pressupõem
pluralidade de partes, onde duas ou mais pessoas congregam bens e esforços
a fim de desenvolver uma atividade lucrativa. Por isso, um sujeito que pretende
exercer individualmente atividade empresarial, para separar o seu patrimônio
do patrimônio da empresa, sem ter que assumir os riscos da responsabilidade
ilimitada, recorre às sociedades fictícias, utilizando, na sua formação, de sócios
“testas-de-ferro”, também chamados de “laranjas”, “homens de palha”,
254 MELO, 2005, p. 56.
112
“prestanomes”255 ou “sócios pintados”256. Estes podem ser pessoas da família,
amigos e outros, sem participação expressiva nas quotas da sociedade, ou
seja, sem capital e sem interesse na sociedade, mantendo-se a titularidade e a
totalidade das decisões relativas à gestão do negócio nas mãos de uma só
pessoa, ou seja, do idealizador do negócio jurídico. Nesse contexto, surgem e
disseminam-se as empresas formalmente definidas como sociedades de
responsabilidade limitada, mas que, na realidade, são sociedades “maquiadas”,
ou sociedades unipessoais “de fato”, já que constituídas por um único sócio
gerenciador257.
Outra situação “é aquela em que o sócio de palha já no momento da
constituição assina documentos que garantem a sua saída posterior, ou então,
que asseguram a transferência efetiva de seus direitos de sócio para o
outro”258. Nesse caso, considera-se a existência de uma “sociedade simulada”,
vez que não existe o animus contrahendi para a formação do vínculo social ou
então o vínculo é querido, mas há a intenção posterior de venda das ações ou
quotas, ou transferência dos direitos de sócio. Assim, quando se dá a retirada
do sócio da sociedade ou transferência de direitos, toda administração se
concentra em apenas uma pessoa física que pode se proteger na forma
societária para não expor seu patrimônio pessoal.
Não restam dúvidas de que a preferência pela forma societária
encontra-se principalmente no efeito que a personalidade jurídica destas
permite. A separação entre o capital de risco do negócio e o patrimônio pessoal
dos sócios é fator decisivo para se burlar a lei pelo empresário que deseja
atuar sozinho com o benefício da responsabilidade limitada.
Um dos princípios gerais da atividade econômica assegurado pela
Constituição Federal de 1988 é dar “tratamento favorecido para as empresas
de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede e
administração no País”259. Como essas empresas encontram-se, em
255 ISFER, 1996, p. 16 256 ANTUNES, 2006, p. 404. 257 Segundo Fábio Tokars, “tais formas de associação ganharam a alcunha de sociedades
unipessoais de fato por se contraporem às de direito”. TOKARS, 1999, p. 127. 258 SALOMÃO FILHO, Calixto. Sociedade simulada. Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro. n.36, v. 105, São Paulo: [s.ed.], p. 72, 1997. 259 Art. 170, IX da Constituição Federal de 1988. In: BRASIL. Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em:
113
expressiva maioria, sob a administração de um empresário singular, cabe ao
legislador editar normas a fim de desburocratizar a dinâmica de suas
atividades. Em vista disso, o reconhecimento da limitação da responsabilidade
do empresário individual é uma maneira de dar eficiência ao citado comando
jurídico instigador sugerido pela Carta Máxima.
Essa limitação é bem recepcionada por vários juristas brasileiros, mas
também é combatida por “francos opositores”, pelo temor da inviabilidade de
nítida separação entre o patrimônio das atividades empresariais e da vida
pessoal do empresário, assim como a possibilidade de fraudes em decorrência
da confusão patrimonial, colocando os credores comerciais em situação de
vulnerabilidade260. Mesmo assim, isso não deve ser fundamento para frear a
positivação do instituto, pois, de acordo com Antônio Martins Filho,
seria lógico condenar uma nova fórmula legislativa que, atendendo aos interesses da economia, objetiva disciplinar situações já existentes, só pela suposição de seu desvirtuamento na prática mercantil, por meio de atos de desonestidade?”261.
O receio da confusão patrimonial, como instrumento ensejador de
condutas fraudulentas, é problema que também pode ser vivenciado em
qualquer instituto jurídico societário. Como bem observa Luiz Antônio Soares
Hentz262, nada impede que a forma societária seja usada abusivamente para
limitar a responsabilidade dos sócios, erguendo-se como um véu protetor do
patrimônio pessoal dos indivíduos integrantes e prejudicando os credores, caso
a sociedade não disponha de patrimônio suficiente para honrar suas dívidas ou
no caso da falência da empresa.
Contudo, nesses casos, a regra do Código Civil sobre a
desconsideração da personalidade jurídica é eficaz para se afastar a limitação
da responsabilidade em qualquer modalidade societária, até mesmo não-
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 02-02-2009.
260 MARTINS FILHO, 1951, p. 302. 261 IBID, 1951, p. 312. 262 HENTZ, Luiz Antônio Soares. Notas sobre a desconsideração da personalidade jurídica: a
experiência portuguesa. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro . São Paulo: Malheiros, n. 101, jan-mar, v. 35, p. 109-113, 1996, p. 109.
114
societária263. Além do mais, não se pode “partir do pressuposto que limitar a
responsabilidade do empresário individual é franquear abusos de toda sorte,
com relação ao não pagamento de dívidas” 264, ou seja, não se pode encarar a
má-fé como postulado norteador das condutas do homem. A fraude não tem
como ser plenamente coibida e também não é regra de ação do ser humano.
Assim, não há razões para não se garantir a integridade do capital na ausência
de pluralidade.
Reitera-se que, apesar de o Direito brasileiro não contemplar a
limitação da responsabilidade da pessoa natural, a unipessoalidade do
empresário não é desconhecida da ordem jurídica. As sociedades anônimas
admitem a existência do tipo jurídico de forma originária e superveniente. A lei
6.404/76, regulamentadora das sociedades anônimas, menciona, no artigo 251,
a existência da subsidiária integral que se caracteriza como sociedade de um
único sócio, desde que seja uma pessoa jurídica brasileira. O artigo 206, I, d,
do mesmo diploma legal, normaliza a sociedade unipessoal incidental, com a
sobrevida temporária da sociedade anônima com um único acionista. Segundo
a lei, caso a singularidade do acionista permaneça até a realização da
Assembleia Geral Ordinária do ano seguinte, a sociedade deve ser dissolvida.
Compete salientar, ainda, que a tolerância da unipessoalidade pode ser
vislumbrada de forma excepcional nas sociedades em geral por força do artigo
1.033, IV do Código Civil de 2002. O texto civilista dá um prazo de cento e
oitenta dias para a sociedade com um sócio remanescente recomponha sua
pluralidade.
Em nenhuma dessas hipóteses legais o legislador objetiva limitar a
responsabilidade da pessoa física. Na primeira situação de unipessoalidade,
apesar da sua admissão de forma originária e permanente, nem existe a figura
da pessoa natural. Nas demais, a pretensão do legislador consiste em
preservar a vida da empresa, ou seja, evitar a dissolução incontinenti da
sociedade pelo simples fato da existência de um único sócio.
Por fim, resta mencionar uma situação permitida pelo legislador, que se
aproxima da tese ora defendida: o empresário individual é incapaz. Este,
263 HENTZ, 1996, p. 110. 264 BRUSCATO, 2005, p. 272-273.
115
mediante autorização judicial, dirige a empresa, mas o patrimônio pessoal,
anterior ao exercício dessa atividade, não é utilizado para solver as dívidas da
dinâmica empresarial. Tal comando, previsto no artigo 974§2o do Código Civil
de 2002, é exemplo da aceitação do princípio da segregação patrimonial,
combinada com os preceitos da responsabilidade limitada.
2.3.1. Projetos de lei referentes à limitação da re sponsabilidade limitada do empresário individual
A iniciativa de elaboração de projetos de lei a fim de limitar a
responsabilidade do empresário individual demonstra a tentativa de alguns
representantes do povo em não deixar que o Direito Empresarial brasileiro,
como um ramo ligado à economia, fique em uma situação atrasada perante os
mercados globais que a admitem.
Primeiramente, destaca-se a iniciativa do Deputado Freitas e Castro
(PSD-RS) na apresentação à Câmara, em 1947, de um projeto inspirado na
adoção de empresas individuais de responsabilidade limitada, atribuindo-lhe
personalidade jurídica265. Tal iniciativa ganha considerável discussão na tese
apresentada por Antônio Martins Filho, em 1950, contudo não chega a ser
inserido no ordenamento jurídico brasileiro266.
Após o advento do Código Civil de 2002, sem a positivação da
limitação da responsabilidade do empresário individual, tem-se registrado a
apresentação de alguns projetos no que reporta à matéria.
O projeto de lei 2.730/2003, de autoria do Deputado Almir Moura (PL-
RJ), cujo objetivo consiste na constituição de uma sociedade unipessoal,
formada por pessoa singular ou coletiva, titular da totalidade do capital social,
propõe a instituição do patrimônio social responsável exclusivamente pelas
obrigações assumidas pela sociedade unipessoal. Com regras sintetizadas em
um único artigo, composto por curtos parágrafos, o projeto alega em sua
265 MACHADO, 1956, p. 90. 266 MARTINS FILHO, 1951, p. 284-338.
116
justificação que as microempresas e as pequenas empresas apresentam-se,
na realidade, como sociedades unipessoais, “cujo arcabouço é o de sociedade
por cotas de responsabilidade limitada, que, na verdade, esconde, com o
manto da legalidade, a unipessoalidade no exercício da mercancia”267.
Em 2004, o Deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), no artigo 13 do
projeto de lei 3.667/2004, sugere o reconhecimento da sociedade limitada
constituída por um único sócio, desde que seja pessoa física residente no país.
Segundo o Deputado, o projeto visa à modernização do direito societário, vez
que tal comando jurídico há muito tempo encontra-se disciplinado em grande
parte do continente Europeu e nos Estados Unidos da América268.
Já o projeto de lei inscrito sob o n. 5.805/2005 defende a inserção da
figura do empresário individual com responsabilidade patrimonial limitada ao
montante do capital social, a partir da inscrição no Registro Público das
Empresas Mercantis. O projeto apresentado pelo Deputado Antônio Carlos
Mendes Thame (PSDB-SP) revela certa preocupação com o excesso de
exigências impostas pela Lei 10.406/2002 às microempresas e às empresas de
pequeno porte. Estas ficam adstritas ao cumprimento da mesma burocracia
exigida para as demais empresas e, por isso, sofrem uma concorrência
predatória diante dos empreendimentos de vulto e das empresas que operam
na informalidade. De acordo com as justificativas apresentadas no projeto de
lei, a restrição das obrigações do empresário individual ao capital social
possibilitaria maior equilíbrio de forças entre o pequeno negócio e as médias e
grandes empresas. Assim, dispensa as microempresas e as empresas de
pequeno porte a realizar reuniões e assembleias, assim como os empresários
e as sociedades abrangidas pelo projeto de lei da publicação de qualquer ato
societário269.
Uma tentativa recente de reforma legislativa atinente à matéria em
comento encontra-se no projeto de lei 4.605/2009, do Deputado Marcos
Montes (DEM-MG), levado à apreciação da Câmara dos Deputados em 04-02-
2009. Com o intuito de acrescer ao Código Civil de 2002 o artigo 985-A, o
projeto propõe a criação de empresa individual de responsabilidade limitada,
267 Cf. Anexo VI. 268 Cf. Anexo VII. 269 Cf. Anexo VIII.
117
constituída por um sócio, pessoa natural, detentor da totalidade do capital
social e titular de apenas uma única empresa dessa modalidade. Subdividida
em quatro parágrafos, a proposta para a inserção do artigo 985-A permite que
a constituição da empresa individual de responsabilidade limitada resulte da
concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio,
independentemente de motivação. Também ressalta que a firma da empresa
individual de responsabilidade limitada deve ser formalizada com a inclusão da
expressão "EIRL", após a razão social da empresa. A responsabilidade quanto
ao patrimônio social se limita às obrigações assumidas pela empresa, não se
confundindo, em qualquer situação, com o patrimônio pessoal do empresário,
de acordo com as ressalvas descritas na declaração anual de bens entregue à
Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda. Por fim, em seu último
parágrafo, permite a aplicação das normas concernentes às sociedades
limitadas, previstos nos arts. 1.052 a 1.087 desta lei, naquilo que couber e não
conflitar com a natureza jurídica da empresa individual270.
Apensado ao projeto de lei 4.605/2009, tem-se o projeto de lei
4.953/2009 do Deputado Eduardo Sciarra (DEM-PR), apresentado em 31-03-
2009, com vários pontos comuns, porém delineado de forma
consideravelmente mais detalhada do que os demais projetos ora comentados.
A terminologia sugerida ao empresário individual se desvela na forma de
Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada, denominado pela
sigla ERLI. Nesse projeto, encontram-se as seguintes propostas para
modificações do Código Civil:
artigo 44. (...)
VI – os Empreendimentos Individuais de Responsabilidade Limitada (ERLI).
CAPÍTULO III
Dos Empreendimentos Individuais de Responsabilidade Limitada
Seção I
Constituição
270 Cf. Anexo IX.
118
Artigo 980-A. Qualquer pessoa física que atenda ao disposto no artigo 972, que exerça ou deseje exercer, profissionalmente, a atividade de empresário, poderá pode constituir Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada (ERLI).
§ 1º O patrimônio do Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada é próprio e distinto do seu titular.
§ 1º Uma pessoa física só pode ser titular de um único Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada.
§ 2º O Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, subsidiariamente, pelas normas previstas para os empresários individuais e, no que couber, para as sociedades limitadas.
Seção II
Da Inscrição
Artigo 980-B. O Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada será constituído mediante registro no Registro Público de Empresas Mercantis de sua respectiva sede antes do início de sua atividade.
§ 1º A inscrição de que trata o caput será feita mediante requerimento que contenha:
I – a qualificação pessoal da pessoa física titular do Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada, contendo seu nome, nacionalidade, domicílio, estado civil e regime de bens, se casado;
II – a firma, o capital, a sede e o objeto do empreendimento;
III – a declaração de que procedeu ao depósito das quantias indicadas a título de capital social, em dinheiro, ou dos bens corpóreos suscetíveis de avaliação pecuniária, com seu respectivo valor;
IV – o prazo de duração, podendo ser de prazo determinado ou indeterminado.
§ 2º O Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada opera sob firma, constituída pelo nome, completo ou abreviado, de seu titular, acrescido da expressão Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada ou ERLI, podendo-se incluir descrição mais detalhada do ramo de atividade.
§ 3º Toda alteração do ato constitutivo deverá ser averbada no Registro Público de Empresas Mercantis à margem da inscrição do Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada.
Seção III
Do Capital
Artigo 980-C. O capital será realizado em moeda corrente nacional ou bens suscetíveis de avaliação pecuniária.
§ 1º O capital deve estar integralmente liberado no momento em que for requerido o registro do Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada e a parte em numerário deve encontrar-se depositada em instituição de crédito à ordem do titular do estabelecimento.
119
§ 2º O depósito referido no § 1o deve ser realizado em conta especial, que só poderá ser movimentada após o registro definitivo do Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada no Registro Público de Empresas Mercantis.
§ 3º O depositante poderá levantar o depósito referido no §1º se o registro da constituição do Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada não for pedido no prazo de três meses a contar do depósito.
§ 4º Na integralização de capital mediante bens, o pedido do registro deve ser instruído com a descrição pormenorizada de cada um deles, bem como de sua avaliação, por técnico especializado.
§ 5º Não se admite a constituição de Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada com capital a integralizar.
§ 6º Na integralização do capital, o titular de Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada responde, pelo prazo de cinco anos a contar da integralização, com seu patrimônio pessoal e de forma ilimitada:
I – pelas incorreções na avaliação dos bens transmitidos a título de domínio, posse ou uso;
II – pela solvência dos créditos utilizados.
§ 7º Não se admite contribuição mediante prestação de serviços.
Seção IV
Da Administração Artigo 980-D. A administração de Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada caberá, exclusivamente, ao seu titular.
§ 1º Em casos excepcionais, poderá o titular nomear mandatários especiais para a prática de atos determinados relativos ao objeto do Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada que não possa praticar.
§ 2º A nomeação de que trata o § 1º far-se-á mediante instrumento público a ser averbado à margem da inscrição do Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada no Registro Público de Empresas Mercantis.
Seção V
Da Responsabilidade do Titular de Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada
Artigo 980-E. Pelas dívidas resultantes de atividades compreendidas no objeto do Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada respondem apenas os bens pertencentes ao empreendimento.
§ 1º O disposto no caput não afasta as normas relativas a responsabilidade previstas em leis especiais.
§ 2º O titular do Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada responderá com seu patrimônio pessoal na hipótese de aplicação de bens do Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada em benefício próprio ou de terceiro, devendo restituí-los ao empreendimento, com todos os lucros resultantes, ou pagar o equivalente em dinheiro, com todos os lucros resultantes e, se houver prejuízo, por eles também responderá.
120
Seção VI
Da Prestação de Contas
Artigo 980-F. Ao término de cada exercício anual, o titular do Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada procederá à elaboração de balanço patrimonial e de resultado econômico, bem como à indicação do destino dos lucros e resultados obtidos para o próximo exercício.
Seção VII
Da Remuneração pela Atividade
artigo 980-G. O titular do Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada poderá retirar remuneração mensal pela atividade exercida, tendo por referência o trabalho desempenhado.
Parágrafo único. A remuneração de que trata o caput não será paga em prejuízo do capital do empreendimento.
Seção VIII
Da Dissolução e Liquidação
Artigo 980-H. O Empreendimento Individual de Responsabilidade Limitada será extinto:
I – pela vontade de seu titular;
II – pelo término de seu prazo de duração;
III – pela incorporação ou fusão;
IV – pela cassação de autorização para funcionamento;
V – pela falência;
VI – pela anulação do ato constitutivo;
VII – por morte de seu titular.
Parágrafo único. Na hipótese do inciso VII, os herdeiros poderão, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias designar um novo titular escolhido entre eles.271
Em análise comparativa aos projetos citados, considera-se que todos
se encontram com consideráveis falhas técnicas, ou omissões jurídicas
relevantes.
Nos projetos dos Deputados Freitas e Castro (1947), Marcos Montes
(2009) e Eduardo Sciarra (2009), existe certa confusão entre os conceitos
delineados pelo Direito referente à empresa, ao empresário individual e ao
instituto da personalidade jurídica. Para o ordenamento jurídico brasileiro, a
empresa e o empreendimento não são sujeitos de direito e, portanto, não
271 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projetos de lei. Disponível em:<http://www.camara.gov.br/ sileg/integras/ 643060.pdf>. Acesso em: 30-09-09.
121
possuem personalidade jurídica. No Brasil, a empresa sequer é tutelada pela
legislação civilista, sendo considerada como uma abstração272. Não há como
se estabelecer uma analogia com o empresário individual, pois este possui
personalidade jurídica e vontade própria, fenômenos não observados na
empresa ou no empreendimento. Assim, as formas sugeridas pelas propostas
de empresa individual de responsabilidade limitada e empreendimento
individual de responsabilidade limitada tecnicamente afrontam a construção
principiológica e doutrinária, a despeito do último projeto tentar afastar tal
problemática inserindo os “Empreendimentos Individuais de Responsabilidade
Limitada como pessoa jurídica de direito privado no artigo 44 do Código Civil.
Conforme exaustivamente asseverado, é plenamente desnecessária a
atribuição de nova personalidade jurídica ao empresário individual para se
separar o patrimônio pessoal do patrimônio da empresa. Para isso, basta que
no momento do registro do empresário individual o capital social esteja
integralizado, com a descrição pormenorizada dos bens destinados para os fins
empresariais.
Os projetos 2.730/2003 e 3.667/2004 utilizam-se da forma societária e
se respaldam na influência da XII Diretiva da Comunidade Econômica
Européia, em virtude de sua aceitação em diversos países europeus. Mesmo
assim, acredita-se que a forma societária não é a melhor saída para se delinear
o instituto, sendo ainda viável manter alguns traços da teoria contratualista273,
visando não ensejar mudanças bruscas de conceitos enraizados na
caracterização de uma sociedade. Além do mais, esses projetos de lei
condensam os termos sócio e sociedade como se fossem expressões
sinônimas, sendo que o primeiro (DL 2.730/03) sequer se preocupa com um
fator crucial: traçar um procedimento seguro para a proteção dos credores da
atividade econômica e dos credores pessoais do empresário singular.
Quanto ao projeto 5.805/2005, entende-se que o emprego do epíteto
“empresário individual de responsabilidade limitada” é o mais acertado, porém
deixa de regulamentar questões importantes para a constituição, a inscrição, a
integralização do capital, a responsabilidade do empresário, a administração, a
272 TOKARS, 2009. 273 Mais considerações sobre a teoria contratualista encontram-se no item 2.3.2. do presente
trabalho.
122
dissolução e a liquidação da atividade empresarial, instalando-se certa
insegurança jurídica em sua aplicabilidade.
Em virtude dessas ponderações, o último projeto de lei (4.953/2009)
apresenta-se, até o momento, como razoável. Não obstante tentar atribuir
personalidade jurídica ao empreendimento e forçosamente utilizar de uma
expressão cujo amplo sentido denomina tanto os empresários como os não-
empresários, é o que mais se assemelha à tese de limitação da
responsabilidade do empresário individual ora defendida. Em sua redação, há
identidade de várias regras com o decreto-lei 248/86 de Portugal, mas sem o
desnecessário excesso de burocracias da lei lusitana.
Quanto aos pontos mais relevantes do projeto de lei 4.953/2009, sem a
intenção de se fazer uma análise exaustiva, primeiramente ressalta-se sua
localização física no texto civilista. O projeto sugere sabiamente a inserção do
instituto dentro do Livro II (Do Direito da Empresa), Título I (Do empresário),
como Capítulo III, pois inadequada seria sua adoção no Título II, referente às
sociedades, já que se trata de uma pessoa física exercendo singularmente a
atividade de empresário.
Em segundo lugar, considera-se importante sua permissibilidade, em
caso de omissões, da utilização subsidiária das normas previstas no Código
Civil para os empresários e para as sociedades limitadas (980-A, §2º).
Em seguida, é imprescindível aduzir o estabelecimento das exigências
naturais para se fazer a inscrição do empresário no registro competente
destacadas no artigo 980-B. A firma precisa ser constituída pelo nome,
completo ou abreviado, do titular acrescido da expressão Estabelecimento
Individual de Responsabilidade Limitada (ERLI), cujo objetivo é caracterizar a
forma empresarial e noticiar a limitação da responsabilidade. Assim, a fim de
que o empresário possa operar com a proteção legal da limitação dos riscos,
ele deve comunicar o Registro do Comércio antes do início da sua atividade e
discriminar o objeto da empresa, o local, o investimento, o nome empresarial
sob o qual vai atuar, a data do início, o porte da empresa, além de fornecer
seus dados pessoais para a identificação e constatação de desimpedimento.
Ainda, no momento da inscrição, o empresário precisa declarar o capital
destinado a iniciar as atividades da empresa onde, ao contrário das exigências
123
do decreto-lei 248/86 vigente em Portugal, não se atribui um valor mínimo,
porém destaca-se a obrigatoriedade da integralização274.
Outro ponto respeitável do projeto refere-se às regras do artigo 980-C
sobre a realização do capital, salvo a necessidade imposta pelo §4º. Este, ao
exigir que a avaliação dos bens passe por um técnico especializado,
burocratiza e encarece o processo de constituição, desnecessariamente.
Obviamente que a valoração deve atender à realidade, mas basta aplicar a
responsabilidade ilimitada, bem como a responsabilidade penal, nos termos
dos artigos 171 e 299 do Código Penal, para se coibir os atos fraudulentos275.
As regras do artigo 980-E, que asseguram o patrimônio pessoal do
empresário individual dos riscos da empresa e também ressaltam a afetação
do patrimônio pessoal nos casos de irregularidade, são mais um ponto bem
elaborado no projeto. Em nada adianta limitar a responsabilidade, sem impor
sanções para seu descumprimento.
Em relação ao artigo 980-F, destinado a regrar a prestação de contas
ao término de cada exercício anual, considera-se que a elaboração de um
balanço patrimonial anual pode se mostrar incompatível com o porte das
empresas, todavia, esse requisito não deve ser afastado, a fim de se constatar
a integridade do patrimônio, fundamental para a garantia dos credores. Ainda
em relação ao patrimônio da empresa, um fato omisso no projeto é a criação
de um fundo de reserva. Este é obrigatório no E.I.R.L. lusitano com intuito de
preservar o empreendimento de possíveis prejuízos decorrentes da álea
mercantil. Para Wilges Ariana Bruscato, a formação do fundo de reserva “é
salutar e deve ser inserida na legislação que venha a regular o instituto”276.
Contudo, entende-se que essa iniciativa representa uma burocracia
desnecessária e também incompatível na prática para os empreendimentos
mais simples.
Por fim, considera-se que, mesmo existindo algumas imperfeições do
instituto da responsabilidade limitada do empresário individual nos projetos de
lei apresentados em 2009, a iniciativa é nobre e necessária.
274 Segundo Wilges Ariana Bruscato (2005, p. 286): “Mais importante que o montante do capital é a sua efetivação, porque, seja quanto for, constará da declaração, cujo teor é público”.
275 IBID, p. 287. 276 IBID, p. 291.
124
2.3.2. A adoção de uma forma não-societária em cont raponto à forma societária
Nos projetos de lei já citados, os juristas sugerem basicamente três
formas: a empresa (ou empreendimento) de responsabilidade limitada, a
sociedade unipessoal e o empresário individual de responsabilidade limitada.
Quanto à primeira e à segunda forma, há certa impropriedade. A
empresa é uma atividade e não um sujeito passível de direitos e obrigações.
Conforme já destacado no item 1.1, a empresa não se confunde com o
empresário. E a sociedade, apesar de ser um sujeito de direito, deve
representar uma pluralidade de pessoas em consonância com o próprio texto
do artigo 981 do Código Civil.
Uma das principais oposições ao termo “sociedade unipessoal”
originária respalda-se na exigência de pluralidade de sócios para se
caracterizar uma sociedade. Tal vertente compreende que a utilização da
expressão sociedade para definir um único sócio é inconciliável, não apenas
com a norma já positivada, mas também com a dinâmica empresarial simples
dos micros empreendedores.
O ordenamento jurídico brasileiro é fortemente influenciado pela teoria
contratualista. Segundo esta teoria, para se ter uma sociedade, é necessário o
estabelecimento de um contrato, pactuado com a união de pelo menos duas
pessoas para a realização de um fim. Essas pessoas se obrigam em relação
umas às outras e não em relação à sociedade. Na visão de Túllio Ascarelli, tal
contrato se caracteriza como plurilateral, pois as partes se apresentam
animadas por interesses unificados, ou seja, com uma finalidade em comum277.
Portanto, na hipótese de ausência de pluralidade de sócios, não se tem uma
sociedade, pois os interesses sociais se reduzem aos interesses do sócio
único. Assim, não há interesses contrastantes. O sócio único utiliza
singularmente do empreendimento como coisa própria.
277 Para Túllio Ascarelli, “Cada uma das partes obriga-se de fato, para com todas as outras, e para com todas as outras adquire direitos; é natural, portanto, coordená-los, todos, em torno de um fim, de um escopo em comum”. ASCARELLI, Túllio. Problemas das Sociedades anônimas e direito comparado . 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1969, p. 394.
125
Tendo em vista a necessária pluralidade de partes para a constituição
da sociedade ditada pela teoria contratualista, os defensores da forma
societária buscam a superação desse obstáculo teórico através das teorias
institucionalista e do contrato-organização.
Na teoria institucionalista, a sociedade não representa uma relação
contratual entre os sócios. Ela transcende os interesses dos sócios para
atender o interesse de toda coletividade. Na verdade, é formada pela
conjugação dos interesses dos sócios, trabalhadores e da coletividade em
busca da preservação da empresa. Dessa forma, a sociedade passa a ser um
ente autônomo, com vida própria e diversa dos sócios. Torna-se uma
instituição capaz de gerir a empresa, independente do número de sócios que a
constituam. Não obstante a possibilidade de se encarar a sociedade como uma
instituição, a unipessoalidade originária não estaria atrelada a ela. Nesse
sentido, dispõe Fábio Tokars:
Porquanto se mostre confortável, num primeiro momento, o caminho indicado apresenta um óbice relevante, qual seja a natural vinculação da instituição às empresas de maior porte, em que seja facilmente identificável a sua existência autônoma. E esta autonomia da instituição não seria verificável, como é evidente, numa estrutura de pequeno porte mantida por um empresário individual. De fato, soa abstrato e impróprio crer no caráter institucional das atividades de modesto porte278.
Como a teoria da instituição não se apresenta satisfatória, desponta-se
a teoria do contrato-organização ou contrato associativo. De acordo com seus
preceitos, a empresa representa uma condensação de contratos entre
trabalhadores, fornecedores, clientes etc, onde o interesse social repousa no
valor organização. Segundo essa teoria, desconsidera-se o número de sócios
que compõem a sociedade, mas leva-se em consideração o interesse de um
ou mais indivíduos na criação da organização. Para Calixto Salomão Filho, esta
é a melhor teoria para solucionar os problemas relativos às sociedades
unipessoais:
Na verdade, o que ocorre através da organização é a criação de um centro autônomo de decisões. A organização nada mais é que um
278 TOKARS, 1999, p. 161.
126
Apparat capaz de assegurar (ou de fazer presumir) a tomada autônoma de decisões. Vistas sob essa perspectiva, a atribuição de capacidades ao ente personificado e a consequente caracterização da pessoa jurídica como centro de imputação de direitos e deveres são mera decorrência do reconhecimento da organização279.
Fortes correntes doutrinárias seguem as premissas da teoria do
contrato-organização para justificar a forma societária unipessoal. Além disso,
seus adeptos consideram que os princípios e as regras já existentes para as
sociedades seriam de pronto aplicáveis ao empresário individual, na forma de
sociedade unipessoal, em caso de lacunas na lei. Assim, quando se adota a
forma não-societária, possíveis omissões ocasionam uma insegurança jurídica
aos envolvidos na dinâmica empresarial, pois provocam uma “excessiva
liberdade organizativa” às partes contratantes280.
Mesmo assim, entende-se que o epíteto sociedade unipessoal não é o
melhor meio para se formalizar o instituto em questão. A adoção de um modelo
de limitação de responsabilidade do comerciante individual deve ser a mais
simples, para não se confrontar com os preceitos já estabelecidos no
ordenamento jurídico e reduzir custos e burocracias para os pequenos
empreendedores. Além do mais, a forma “empresário individual de
responsabilidade limitada” é fiel à própria terminologia, sem contradições. Veja
que nas demais alternativas para se intitular o exercício individual da empresa
“a vontade que prevalece e determina a conduta e a assunção de obrigações é
a da pessoa física”281 e não a vontade de uma atividade (pessoa jurídica) ou de
uma coletividade (empresa).
Wilges Ariana Bruscato é incisiva quanto à predileção da tipificação
“Empresário Individual de Responsabilidade Limitada” (E.I.R.L.) e assevera
consideráveis desvantagens na admissão da sociedade como meio de
limitação. Uma delas consiste no aspecto tributário. Na composição do capital
do empreendimento têm-se transferência de bens entre a pessoa física e a
pessoa jurídica implicando em incidência do imposto intervivos282. Outra
desvantagem da forma societária é a duplicidade de sujeitos. Há possibilidade
279 SALOMÃO FILHO, 1995, p.61. 280 IBID, p.35. 281 BRUSCATO, 2005, p. 297. 282 IBID, p. 297.
127
de contratação entre a pessoa física titular do empreendimento e a sociedade,
aumentando-se os riscos de fraude283. No que se refere ao caráter
potencialmente fraudulento das sociedades unipessoais, como instrumento
para ludibriar terceiros, não é motivo satisfatório para rechaçar a forma
societária, pois, conforme aduz Calixto Salomão Filho, “tudo depende da
normativa escolhida para proteger os terceiros, que pode ser introduzida tanto
através do nomen iuris sociedade unipessoal quanto através da empresa”284.
Mesmo considerando ser este posicionamento bastante relevante, há mais
fatores que devem ser objeto de análise pelo legislador ao elaborar a norma
sob a forma societária. A declaração de falência do empresário individual, por
exemplo, impõe seu impedimento para o exercício da empresa o que dá mais
segurança aos credores. Já nas sociedades ou nos modelos de personalização
do estabelecimento ou da empresa, há a “falência sem falido”. O instituto da
falência impede que o comerciante se desvincule da atividade empresarial, pois
“se o comerciante pudesse sem outras sequelas cortar a todo o tempo o
vínculo que o liga ao E.I.R.L. e deixá-lo falir, a tentação de usar esse sistema
em prejuízo de terceiros seria grande demais”285. Por fim, quanto à dinâmica
administrativa do regime da sociedades limitadas, muitas vezes constituídas
por “sócios-de-palha”, as deliberações dos sócios devem ser documentadas
em registro. Caso o modelo adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro fosse
o do empresário individual de responsabilidade limitada esse custo seria
desnecessário.
Segundo destacado acima, o doutrinador Calixto Salomão Filho,
apesar de exímio defensor da modalidade societária, assume a irrelevância do
epíteto “empresa individual de responsabilidade limitada” ou “sociedade
unipessoal”, pois o que realmente deve ser elaborado é uma normalização que
ofereça total segurança às partes envolvidas na atividade empresarial. Assim,
283 Segundo a referida autora (BRUSCATO, 2005, p. 297): “(...) o E.I.R.L., ao contrário do que normalmente se proclama, dá menor oportunidade de fraudes do que as sociedades aparentes ou unipessoais, já, que havendo duplicidade de sujeitos, é possível a contratação entre eles. De fato, como existe uma só e única pessoa, não há como fazer contratação de locação, arrendamento de bens, alienação fiduciária etc. É preciso não esquecer que foi justamente o caso de contratação entre sócio e sociedade que originou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica”.
284 SALOMÃO FILHO, 1995, p.36. 285 ASCENÇÃO, José de Oliveira apud BRUSCATO, op.cit., p. 298.
128
pouco importa a adoção de nomenclatura societária ou não-societária, mas sim
a construção de uma lei capaz de tutelar os credores e ao mesmo tempo servir
como um incentivo à formalização do empresário individual, sem que este
tenha que se preocupar em recorrer às sociedade de fachada.
Calixto Salomão Filho286 ainda tenta respaldar a tese da forma
societária, afirmando que o sistema empregado por Portugal - Estabelecimento
Individual de Responsabilidade Limitada (EIRL) - com o objetivo de não
transgredir os ditames da teoria contratualista, não é capaz de justificar, por si
só, a forma não-societária. Tanto que posteriormente introduz em seu
ordenamento jurídico a Sociedade Unipessoal por Quotas (SUQ) de relevante
eficácia como forma de limitação da responsabilidade do sócio único e titular da
totalidade do capital social. Ocorre que, quando se analisam ambos os
modelos, EIRL e SUQ, verifica-se que o sucesso da última procede da eficácia
da lei em tutelar credores e incentivar a criação dos empreendimentos de
pouca monta, ou seja, nenhuma relação tem com sua nomenclatura.
Insta salientar que, como o EIRL surge em Portugal antes da XII
Diretiva da Comunidade Europeia em matéria societária e dez anos antes das
SUQ, natural que o legislador aperfeiçoasse as regras delineadas, depois de
verificadas as imperfeições técnicas, e criasse um novo diploma legal. O
cenário da promulgação da SUQ encontra-se sobre a influência política da
Diretiva que “recomenda”, mas não obriga aos países conformadores do bloco
a admissão da sociedade unipessoal para a limitação da responsabilidade do
empresário individual.
Calixto Salomão Filho também aposta na forma societária diante de
sua aplicação prática. De acordo com suas ideias, o empresário individual
utiliza a sociedade fictícia para se auferir de todas as vantagens que tal regime
põe à disposição do empresário. Obviamente que o interesse do empresário,
quando constitui uma sociedade, não é apenas ser beneficiado com a limitação
da responsabilidade, pois, para isso, a legislação brasileira já traz solução, com
a impossibilidade de afetação do bem de família.
É relevante essa asserção, já que no ordenamento jurídico brasileiro, o
bem de família ganha uma espécie de blindagem protetiva, não podendo servir
286 SALOMÃO FILHO, 1995, p.37.
129
como garantia para credores, desde que formalizada essa intenção pelo
proprietário mediante escritura pública ou testamento287. Mesmo assim, o que
impede a aceitação da forma não-societária se o legislador destinar-lhe a
aplicação subsidiária das regras destinadas à sociedade?
Tanto a forma societária como a não-societária permitem ao
empresário se organizar administrativamente e ter acesso ao crédito. Para a
forma não-societária comportar autonomia suficiente, a fim de que a
responsabilidade da atividade empresarial seja separada do titular, a lei precisa
estabelecer regras para definir os bens pertencentes ao empreendimento.
Dessa forma, todos os bens destinados ao objeto da empresa devem servir de
garantia exclusiva aos credores do empresário. Assim, ao exigir a
integralização do capital para o registro do empresário individual com a
descrição pormenorizada de cada bem destinado ao exercício da empresa,
bem como a elaboração anual de um balanço patrimonial e de resultado
econômico, possibilita a ciência do patrimônio empresarial aos credores
responsável por lhes assegurar das dívidas resultantes da atividade
empresarial.
A aceitação dessa dinâmica no direito estrangeiro demonstra que um
adequado comando normativo é capaz resolver a questão da garantia dos
credores, dando inclusive a desejada autonomia entre o patrimônio destinado à
empresa e o patrimônio não empregado nela.
Note-se que a Comissão da Comunidade Europeia recomenda a forma
societária como modelo base de organização da empresa individual para
incentivar a criação e a sobrevivência das pequenas e médias empresas, mas
287 Exemplos de alguns artigos relativos ao bem de família previstos no Código Civil de 2002: “Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial. Parágrafo único. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada.” “Art. 1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.” “Art. 1.713. Os valores mobiliários, destinados aos fins previstos no artigo antecedente, não poderão exceder o valor do prédio instituído em bem de família, à época de sua instituição.” “Art. 1.715. O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio.”
130
admite a forma não-societária para os ordenamentos que já a haviam aprovado
antes da emanação da Diretiva, como fez Portugal. Essa conduta corrobora o
entendimento acima exposto que a terminologia societária ou não-societária é
irrelevante, pois para se aplicar as regras e princípios do Direito das
Sociedades, basta que a legislação imponha a extensão de tais regras.
Ao se observar o Decreto-lei n. 257/96, que insere no Código das
Sociedades Comerciais as SUQ, o artigo 270-G determina: “Às sociedades
unipessoais por quotas aplicam-se as normas que regulam as sociedades por
quotas, salvo as que pressupõem a pluralidade de sócios”. O sucesso da SUQ
encontra-se na satisfação dos empreendedores e credores da forma legislada
e não em sua simples nomenclatura, que nada adiantaria se não fosse a
perspicácia do legislador em delineá-la. Essa mesma ressalva também se
encontra prescrita no projeto de lei brasileiro n. 4.953/2009, artigo 980-A, §2o.
Ante ao exposto, conclui-se que, independente do formato do instituto,
é possível se empregar a limitação. Contudo, a construção desse objetivo na
forma de “Empresário Individual de Responsabilidade Limitada” é a que menos
implica colisões teóricas, ou grandes modificações legislativas, pois o
empresário individual já é dotado de personalidade jurídica, capacidade e
vontade. Resta, assim, o bom senso dos legisladores para tracejar e aprovar a
norma limitadora.
131
3. A RESPONSABILIDADE ILIMITADA DO EMPRESÁRIO INDIV IDUAL SOB A PERSPECTIVA ECONÔMICA
Um dos primeiros arcabouços teóricos sobre os efeitos econômicos
das normas jurídicas surge, no século XVIII, dos estudos de Adam Smith.
Apesar disso, a relação entre o Direito e a Economia apenas se desenvolve no
meio acadêmico, em 1960, com movimento denominado Law and
Economics288.
Essa inter-relação disciplinar, a partir da avaliação ou análise
econômica, permite a formulação de normas mais eficientes e eficazes. De
acordo com Rachel Sztajn289, a ideia de eficiência deve estar associada à ideia
de eficácia, a despeito de apresentarem sentidos diversos. Enquanto a
eficiência significa a capacidade de se obter o melhor resultado ou rendimento
ou produtividade, com a menor perda ou dispêndio de esforços, a eficácia é a
aptidão para se produzir efeitos. O posicionamento da doutrinadora revela que
a combinação do binômio eficácia/eficiência deve ser meta de qualquer sistema
jurídico. Se uma norma não surte efeitos na vida social, não é eficaz e,
portanto, também não é eficiente. Por outro lado, se a norma é eficaz, mas não
é eficiente, pois gera reflexos negativos para a economia, a sociedade não
pode deixar que ela tenha eficácia.
Sob essa ótica, entende-se que a responsabilidade ilimitada do
empresário individual é norma cuja eficácia impede o desempenho eficiente da
atividade econômica. Dessa forma, busca-se nos fundamentos econômicos
subsídio para corroborar a necessidade de mudança do instituto jurídico
concernente à responsabilidade ilimitada do empresário individual, a fim de
corrigir as distorções geradas pela norma de Direito positivo para que se torne
eficiente e eficaz.
Uma pessoa física adquire o atributo de empresário individual, quando
profissionalmente realiza uma atividade econômica organizada, destinada à
produção e à circulação de bens e serviços, com intuito de obter de lucro. Todo
288 SZTAJN, Rachel. Law and Economics. Cap. 4. In: ZYLBERSTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel. Direito e economia . Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 74.
289 IBID, p. 81.
132
empresário vislumbra na dinâmica empresarial uma oportunidade para se
enriquecer. Sem dúvida, a busca por lucro é, por excelência, uma das
principais características da atividade empresária, apesar de tal objetivo nem
sempre se materializar. Sob esse enfoque, Alexandre Bueno Cateb290
esclarece que as circunstâncias alheias ou não à vontade do empresário
podem impedir que seu empreendimento seja lucrativo em determinado ou
determinados exercícios. Contudo, mesmo durante o exercício contábil
negativo da empresa, a atividade não se descaracteriza como empresária, pois
o que deve ser observado é intenção e não a efetiva obtenção de lucro.
Se o lucro é a consequência mais almejada no desempenho de uma
atividade empresarial, a pessoa natural que deseja se tornar empresária deve
investigar qual é a forma mais rentável para alcançar um satisfatório retorno do
seu investimento. Assim, o empresário, antes da realização de um negócio
jurídico, precisa considerar os custos embutidos nas transações, a fim de
planejar suas ações em busca de melhor e mais eficiente resultado econômico.
Aspectos legais, sociais, estruturais e governamentais interferem nos
custos do negócio jurídico a ser realizado, aumentando ou reduzindo a
capacidade competitiva entre as empresas. Schumpeter, citado por Porter291,
assevera ser a competitividade a grande responsável pelo surgimento de novos
produtos e métodos de produção, bem como novas maneiras de comercializar,
acarretando novos segmentos de mercado e o enriquecimento do país.
Segundo o autor, a competitividade é sempre dinâmica, pois “a eficiência
estática num ponto do tempo é rapidamente superada por índices de progresso
mais intensos”. No mundo globalizado, a capacidade competitiva das empresas
está atrelada à inovação e ao domínio das mudanças tecnológicas.
Conforme destacado, todo empresário precisa mensurar os custos dos
negócios jurídicos realizados para se auferir lucro, como também necessita
identificar os mecanismos para se tornar mais competitivo no mercado. Sob
essa perspectiva, apreende-se que o empresário individual com
responsabilidade ilimitada ao capital investido fica mais vulnerável às
intempéries da vida empresarial devido à possibilidade de ter todo o seu
290 CATEB, 2009. p. 2. 291 PORTER, Michael E. A vantagem competitiva das nações. Tradução Waltensir Dutra. Rio
de Janeiro: Campus, 1993, p. 21.
133
patrimônio afetado para cobrir dívidas atinentes às transações empresariais.
Em consequência, o empresário individual tem receio de se arriscar em
grandes investimentos, bem como também tem dificuldades para ofertar um
produto menos oneroso para os consumidores devido à concorrência entre as
sociedades que gozam da proteção da responsabilidade limitada ao capital
social. De acordo com Marcelo Andrade Féres292,
Fazendo-se uma análise econômica, pode-se dizer que, quando o empresário tem sua responsabilidade limitada, ou seja, quando ele tem controle de seus riscos, o produto de sua atividade torna-se menos oneroso ao mercado. As atividades de alto grau de risco demandam maior remuneração, o que repercute no elevado preço de produtos e serviços. Ademais, a limitação da responsabilidade concorre para que haja constantes investimentos em atividades econômicas, isto é, coopera para o progresso.
A limitação da responsabilidade dos sujeitos que exercem atividades econômicas de risco atua no sentido da distribuição social desses mesmos riscos. Ao se esquivar juridicamente da responsabilidade ilimitada sobre seus débitos, o sujeito tem como demandar menor remuneração do seu capital, revertendo-se o fato em benefício de toda a coletividade.
Em vista disso, acredita-se que a limitação da responsabilidade
contribui para que os empresários realizem suas atividades com menor custo e
aumentem seus investimentos no mercado, representando um incentivo ao
empreendedorismo da pessoa natural, cuja importância econômica é
significativa para o país.
Partindo-se desse raciocínio, imperiosa se torna a análise dos
preceitos econômicos relacionados às instituições, aos custos de transação e à
teoria da vantagem competitiva, a fim de destacar a importância do
reconhecimento legal da limitação da responsabilidade do empresário
individual para a maximização de seus lucros e, consequentemente, para o
desenvolvimento da economia.
292 FÉRES, 2003, p. 176.
134
3.1. AS INSTITUIÇÕES
As instituições representam um conjunto de regras que disciplinam
ações humanas e estruturam incentivos para trocas políticas, sociais e
econômicas entre os agentes. O conjunto de regras se desvela nas leis, nos
costumes, nos contratos, nos regulamentos, nas religiões, dentre outras fontes
normativas criadas pelo ser humano a fim de lhe impor limites para garantir a
convivência social.
Conforme observado por Rachel Sztajn293, instituição é palavra
polissêmica, originada do termo latino institutio, de instituire, e desvela diversas
acepções como instituir, criar, fundar, estabelecer alguma coisa duradoura,
organizar, ordenar. Também pode se referir a costumes ou a estruturas sociais
de determinada comunidade. Para a jurista, essa visão multifacetada da
instituição se converge em um “conjunto de princípios e regras (jurídicas ou
não), que configuram relações sociais ou grupo de relações sociais”.
Basília Aguirre294 reconhece os múltiplos significados da expressão,
mas busca a conceituação na Teoria Econômica a partir da análise crítica das
definições de North, Riker e Ostron. Para North295, as instituições representam,
no sentido figurativo, as regras do jogo e as organizações, as equipes
subordinadas ao regramento do jogo que “compõem-se de grupo de indivíduos
dedicados a alguma atividade executada com determinado fim”. Segundo o
doutrinador, as regras impostas pelas instituições definem o tipo de
organização a ser criada. Apesar de North ser um dos principais expoentes
sobre o assunto, Aguirre considera que tal conceituação deva ser interpretada
com cautela. Como as organizações decorrem de um conjunto de pessoas
trabalhando coordenadamente e com um objetivo em comum, a existência de
regras para que se relacionem harmonicamente é imprescindível. A interação
entre instituições e organizações é fundamental. Nesse sentido, os dizeres de
293 SZTAJN, Rachel. Mudanças institucionais. Cap. 9. Parte I. In: ZYLBERSTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel. Direito e economia . Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 228-229.
294 AGUIRRE, Basília. Mudanças institucionais. Cap. 9. Parte II. In: ZYLBERSTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel. Direito e economia . Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 235-236.
295 NORTH, Douglass C. Custos de transação, instituições e desempenho econ ômico . Tradução Elizabete Hart. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1994, p. 13.
135
North não deixam transparecer com clareza que na ausência de regras não há
organização. Quanto a essa observação, Aguirre296 exemplifica: “Se, no
futebol, o time não souber que, para vencer o jogo, é necessário chutar contra
o gol do adversário, não pode ser considerado uma organização”. A
doutrinadora menciona outros doutrinadores como Riker, que define as
instituições como regras de comportamento ao invés de regras do jogo, e
Ostron, que as conceitua como regras configuracionais, ou seja, regras que
dependem da configuração do ambiente no qual surtem efeitos. Essas regras
afetam indiretamente o comportamento das pessoas e diretamente a estrutura
de uma situação quando indicam um conjunto de resultados possíveis, pois
podem proibir ou permitir ações. O posicionamento de Ostron é bem
recepcionado por Basília Aguirre que acata a ideia de instituições como um
conjunto de regras estabelecedora de um conjunto de ações possíveis. Para a
autora,
Essa forma de ver as instituições tem aplicação importante para o estudo da mudança institucional uma vez que deixa aberto o espaço para mudanças no curso de uma ação que provoquem mudanças institucionais sem que, necessariamente, as regras formais sejam alteradas, apenas por induzir outro conjunto de escolhas de ação para os atores envolvidos297.
A interpretação da autora sobre mudanças institucionais pode explicar
a existência de sociedades empresárias fictícias no cenário empresarial. Como
a formalização da condição de empresário individual implica no gravame da
responsabilidade ilimitada, o agente econômico singular se junta a sócios que
não possuem interesse no empreendimento, mas lhe emprestam o nome
apenas para afastarem os riscos da afetação do patrimônio pessoal do
empresário. Esse comportamento revela a ação do empresário individual em
busca do instituto que lhe permita maior segurança e sobrevivência no
mercado. Seu comportamento não provoca mudança institucional formal, mas
revela necessidade, quando se analisam economicamente os efeitos da
responsabilidade ilimitada e os prejuízos que podem causar àqueles
296 AGUIRRE, 2005, p. 235-236. 297 IBID, p. 236.
136
empresários individuais que assumem sua real condição, sem camuflar-se na
forma societária.
Conforme comentado no decorrer desta dissertação, acredita-se que
as alterações do instituto legal com o reconhecimento da limitação da
responsabilidade do empresário individual não implicam mudanças formais que
venham a distorcer outros institutos como o da personalidade jurídica, da
separação do patrimônio pessoal do empresário individual do capital investido
na empresa ou da segurança de terceiros que realizam negócio jurídico com o
empresário individual.
Um dos principais atributos das instituições, segundo Douglass C.
North298, é a redução das incertezas. Para ele, as instituições existem porque
há incerteza. Assim, as instituições tentam estabelecer uma estrutura estável
para interação das ações entre os homens, buscando atender suas satisfações
pessoais e favorecer seu desempenho econômico. As instituições precisam ser
estáveis, ou seja, não podem ser alteradas discricionariamente ou
desobedecidas. Contudo, a estabilidade não garante a eficiência dos
resultados almejados pelas regras, o que provoca mudanças institucionais.
Mudanças institucionais radicais ou excessivas podem ocasionar resultados
desastrosos e a paralisia do desempenho econômico, caso essas alterações
não transmitam segurança para a sociedade. Em contrapartida, a estabilidade
das regras implica perda de oportunidades, ou seu desuso, caso não se adapte
às constantes mudanças sociais. Dessa forma, Basília Aguirre299 afirma que,
ao se modificarem os preceitos de um instituto, é necessário atingir um
equilíbrio para que se alcancem as potencialidades do sucesso econômico.
Sem dúvida, esse é o maior desafio, quando se provocam mudanças
institucionais.
As ações orientadas no sentido da produção e da distribuição de bens
indispensáveis ou úteis à vida coletiva são a razão de ser da Economia. Sob
essa perspectiva, pode-se afirmar que as instituições são responsáveis pela
solução dos problemas econômicos, ao constituírem regras e garantias às
transações realizadas entre os homens. O estabelecimento de regras que
298 NORTH, 1994, p. 17. 299 AGUIRRE, 2005, p. 238-239.
137
reduzem incertezas e ampliam a segurança entre as partes contratantes
afetam diretamente os custos de transação, estimulando o empreendedorismo
e a inovação, propulsores do desenvolvimento econômico.
Ao se fazer uma análise econômica da atual norma formal atinente à
responsabilidade ilimitada do empresário individual, considera-se que tal
instituição não traz eficiência para a dinâmica empresarial de tal agente. Os
riscos impostos pela lei não facilita a negociação entre as partes, podendo
acarretar reflexos nos custos de comportamento estratégico do empresário
individual.
3.2. OS CUSTOS DE TRANSAÇÃO
Os Custos de Transação têm como desígnio traçar um contrato
eficiente não apenas entre os contratantes, ou seja, em âmbito individual, mas
também social.
Conforme já ressaltado, a ideia de eficiência para a economia consiste
na relação entre os benefícios e os custos agregados a uma situação. Essa
situação, na visão de Vilfredo Pareto300 é favorável para um agente, mas
desfavorável a outro agente. O ótimo de Pareto implica que um determinado
ponto de equilíbrio, ou combinação de bens, é eficiente se qualquer movimento
a partir daquele ponto reduz o bem-estar de um dos agentes e aumenta o do
outro. Logo, são situações em que a partir delas um dos agentes receberá
benefícios em detrimento do benefício do outro. Para Pareto, uma dada
situação não é eficiente, sem que gere prejuízos a alguém. Por outro lado,
Kaldor e Hicks avaliam a eficiência de uma situação investigando a existência
de outras que gerem benefícios mais elevados. O princípio de Kaldor-Hicks se
diferencia ao de Pareto, pois considera a soma dos efeitos líquidos em todos
os agentes, e não em cada um deles individualmente. Kaldor e Hicks analisam
a eficiência como um sistema de compensação, “em que os custos como o
300 Apud FERGUSON, C. E. The Neoclassical Theory of Production and Distribut ion . London: Cambridge University Press, 1971.
138
pagamento do prêmio são inferiores aos benefícios gerados, o que explica por
que todos podem se encontrar em melhor posição”301.
Para Armando Castelar Pinheiro e Jairo Saddi302, a eficiência é um dos
principais objetivos a ser alcançado pelas partes contratantes que depende de
um sistema, caracterizado por ser,
maduro e comprometido com sua manutenção, no qual regras, usos e costumes já estão suficientemente sedimentados para garantir que, na ocorrência de adversidades graves, estas não serão internalizadas, nem causarão movimentos de ruptura. Por eficiência sempre se está entendendo a adequação dos meios aos fins.
O sucesso da atividade empresarial está sujeito à eficiência dos
negócios jurídicos celebrados. O risco a ela inerente representa o perigo atual,
iminente ou futuro, ao mesmo tempo incerto, mas mensurável. Nesse contexto,
os sobreditos doutrinadores explicam haver uma diferença entre o risco e a
incerteza, apesar de ambos traduzirem o caráter aleatório da vida empresarial
e, consequentemente, da economia. Enquanto a incerteza denota a falta de
garantias sobre o que pode ocorrer, o risco é uma incerteza estatisticamente
mensurável. A noção de risco pressupõe a “ideia acerca dos estados da
natureza que poderão ocorrer no futuro e alguma avaliação, que pode ser mais
ou menos robusta, a respeito da probabilidade de que cada um deles venha se
materializar”.303
No sentido econômico, o risco pode acarretar o lucro ou o prejuízo.
Dessa forma, quando o risco se vislumbra em uma transação, faz-se
necessário criar ou acionar mecanismos capazes de minorá-lo ou, se possível,
exterminá-lo, haja vista as possíveis consequências que ocasiona304. Por isso,
os economistas recorrem à teoria dos custos de transação, a fim de reduzir os
custos dos negócios jurídicos celebrados no mercado, incentivando o
empreendedorismo.
301 PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, economia e mercados. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier-Campos, 2005, p. 120-121.
302 IBID, p. 121-122. 303 IBID, p. 125. 304 GONÇALVES NETO, Francisco. Influência dos custos de transação na elaboração do
contrato. Disponível em: <http://www.abdir.com.br/doutrina/ver.asp?art_id=&categoria= Contratosmercantis>. Acesso em: 01-06-2009, p. 04.
139
Ronald Coase foi um dos pioneiros em analisar os custos das
transações dentro das empresas e dentro das organizações em geral. Segundo
o doutrinador,
Para que alguém realize uma transação, é necessário descobrir quem é a outra parte com a qual essa pessoa deseja negociar, informar às pessoas sobre sua disposição para negociar, bem como sobre as condições sob as quais deseja fazê-lo, conduzir as negociações em direção à barganha, formular o contrato, empreender meios de inspeção para se assegurar que os termos do contrato estão sendo cumpridos, e assim por diante. Tais operações são, geralmente, extremamente custosas.305
Douglass C. North306, partindo das mesmas premissas de Coase,
afirma que os custos de transação “podem ser definidos como aqueles a que
estão sujeitas todas as operações de um sistema econômico”. De forma mais
específica, os custos de transação são os custos para se mensurar aquilo que
é trocado por meio da execução dos contratos. Esses custos se subdividem
basicamente em três componentes: informação, negociação e execução
contratual.
Pinheiro e Saddi307 corroboram tais afirmações ao discorrerem que os
custos de transação consistem nos custos da atividade em busca de
informação para efetivá-la na negociação, na realização e na formalização dos
contratos, no monitoramento dos parceiros contratuais e na correta aplicação
do contrato. Os custos de informações consistem na obtenção de
conhecimentos necessários para se realizar a transação como os preços, a
qualidade dos bens e dos serviços, na identificação dos compradores e dos
vendedores em potencial, ou em qualquer outra informação que seja
importante para a efetiva satisfação do empreendedor. Os custos de
negociação se referem ao processo de planejamento e execução da
negociação. A realização e a formalização dos contratos revestem o ato de
garantias legais, dando segurança jurídica às partes envolvidas quanto aos
305 COASE, Ronald H. O problema do custo social. The Latin American and Caribbean Journal of legal studies. Disponível em:<http://services.bepress.com/lacjls/vol3/iss1/art9/>. Acesso em: 01-08-2009, p. 15.
306 NORTH, 1994, p. 10. 307 PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, economia e Mercados . 2. ed. Rio de
Janeiro: Elsevier-Campos, 2005, p. 62.
140
direitos de propriedade. Nessa dinâmica, o monitoramento das partes
contratantes é imprescindível para se averiguar se estão obedecendo aos
termos do contrato, ou se estão acarretando prejuízos quando falham em
observar as obrigações contratuais. Por fim, a correta aplicação do contrato
consiste na devida cobrança de indenização por prejuízos ou inadimplemento
da parte responsável.
Sob essa perspectiva, os custos de transação são os custos para se
realizar um negócio jurídico no mercado. Estes não devem ser restritos aos
fatores de produção ou aos bens e serviços em si, mas vincularem-se à
utilização dos mecanismos de produção e de trocas. Mais especificamente, os
custos de transação são os custos incorridos pelos agentes, quando trocam
direitos de propriedade por ativos econômicos.
Segundo Decio Zylbersztajn e Rachel Sztajn, os custos de transação
“são afetados pelo sistema legal e por normas não-positivadas, que recaem
sobre a alocação do direito de propriedade”308. O direito de propriedade para o
Direito e a Economia representa “um conjunto de direitos sobre um recurso,
que o dono está livre para exercer e cujo exercício é protegido contra
interferência por outros agentes”309. Dessa maneira, a ideia de propriedade
está primeiramente vinculada à relação entre pessoas e secundariamente a
uma coisa ou um bem. Esses direitos não são absolutos e dependem do
empenho do proprietário para defendê-los. Assim, representam uma forma do
indivíduo estabelecer autoridade para selecionar qualquer classe de uso não
proibido a um bem particular. Normalmente, o direito de propriedade se
desdobra em três: direito de usar um bem, direito de auferir renda de um bem e
o direito de transferir direitos. Bernando Mueller310 ressalta que, se esse
conjunto de direitos não for seguro, desestimula investimentos e traz
consequências no desempenho econômico.
Ante essas considerações, depreende-se que a responsabilidade
ilimitada do empresário individual é fator de insegurança para o empreendedor,
308 SZTAJN, Rachel. ZYLBERSTAJN, Decio. A economia dos direito de propriedade. Cap. 5. Parte I. In: ZYLBERSTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel. Direito e economia . Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 85.
309 MUELLER, Bernardo. Economia dos direitos de propriedade. Cap. 5. Parte II. In: ZYLBERSTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel. Direito e economia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 92.
310 IBID, p. 92.
141
uma vez que a propriedade dos seus bens particulares fica vulnerável à
afetação por dívidas contraídas pela atividade econômica. Dessa forma, seus
investimentos na empresa são mais cautelosos e de pequena monta, a fim de
se evitar o risco de ver os bens particulares comprometidos. Além disso, esse
fator pode implicar custos mais elevados na oferta de bens e serviços para o
mercado, acarretando uma margem de lucro reduzida do empresário individual,
principalmente se esta comparação transcender o microcosmo empresarial
nacional (em que suas correntes são as sociedades limitadas e as anônimas)
para ser encarada mediante uma concorrência global.
3.3. A COMPETITIVIDADE
Shumpeter311 ensina que a capacidade competitiva das empresas
encontra-se vinculada à inovação e à mudança tecnológica. As vantagens
competitivas são criadas a partir de inovações, ou melhor, a partir da
capacidade de se levar ao mercado formas inovadoras e eficazes para se
realizar negócios jurídicos de forma diferenciada dos demais
empreendimentos. Em sentido amplo, a competitividade consiste na
capacidade de as empresas desenvolverem vantagens que lhes permitam
enfrentar a concorrência, de forma duradoura e sustentável.
Para que uma empresa sobreviva em um cenário econômico
extremamente dinâmico, terá de se adaptar à criação de novas tecnologias e
de novas abordagens na comercialização, assim como às mudanças na
regulação governamental. Em um mundo globalizado, é fundamental que o
empresário tenha o domínio do conhecimento científico e tecnológico para que
sua atividade econômica seja competitiva.
Porter312 assevera que a competitividade não se baseia apenas em
fatores reais. No mundo real, as condutas empresariais não se restringem à
alocação racional de recursos, ou seja, à transferência passiva de recursos
para pontos onde os rendimentos são possivelmente mais elevados. Existe a
311 Apud PORTER, 1993, p. 21. 312 IBID, 1993, p. 21-24.
142
ideia de maximizar dentro de limites fixos, mas a questão principal é como as
empresas, em resposta às mudanças na economia, aumentam seus lucros
através da promoção de novos produtos e processos.
Para Esteves Filho313, a competitividade pode ser analisada sob duas
vertentes. Uma averigua o desempenho exportador e coeficientes de produção
das empresas para se diagnosticar o poder de competição entre elas no
mercado doméstico e internacional. A outra considera a competitividade como
a capacidade de empresas concorrerem no mercado em longo prazo. Nesta,
avalia-se a capacidade de sobreviver, desenvolver, ampliar e conquistar novas
posições competitivas. A primeira vertente se respalda em vantagens
comparativas reais; e a segunda, em vantagens competitivas.
O citado doutrinador314 também analisa a competitividade adstrita a um
amplo conjunto de fatores internos e externos às empresas. Os internos
consistem nas decisões estratégicas das empresas, em que se distinguem
seus competidores, definem as políticas de investimento, de marketing, de
qualidade, de produtividade dos recursos humanos, de gestão da produção,
das relações com clientes e com fornecedores, dentre outros fatores. Os
externos condicionam-se às políticas públicas. Nestes, estão vinculados fatores
econômicos (como a política de preços, monetária, cambial e fiscal que
definem as taxas de juros e de câmbio, de inflação e a oferta de crédito),
fatores político-institucionais (como políticas de intervenção por meio das
instituições de pesquisa, crédito, dentre outras), fatores regulatórios (como as
políticas de proteção à propriedade industrial, de defesa da concorrência e
proteção ao consumidor e preservação do meio ambiente), fatores
infraestruturais (como a capacidade de armazenamento, transporte, energia,
telecomunicações, sistemas portuários e serviços tecnológicos), fatores sociais
(como a qualificação de mão-de-obra, política salarial e de seguridade social e
grau de exigência de consumidores) e fatores internacionais (como as
tendências do comércio mundial, fluxos de tecnologia, capitais e investimentos
de risco, políticas de comércio exterior e acordos internacionais).
313 ESTEVES FILHO, Mário. (coord.). Competitividade: conceituação e fatores determinantes . Rio de Janeiro: DEESD/BNDES, Texto para Discussão n. 2, p. 8. (Mimeo. S.n.t.) mar de 1991.
314 IBID, p. 7.
143
Além dos fatores internos e externos, Coutinho e Ferraz315 destacam
os fatores estruturais como aqueles que estão parcialmente fora da área de
influência das empresas, mas que constituem os mais importantes
condicionantes do desempenho competitivo entre as mesmas. Esses fatores
consistem nas características dos mercados consumidores316, na configuração
da indústria em que a empresa atua317 e na política de concorrência318.
A influência dos fatores externos, internos e estruturais faz com que as
empresas estejam constantemente redirecionando seus rumos, por isso, o
estudo da vantagem competitiva é resultante das inter-relações de fatores
extremamente dinâmicos.
De modo geral, as empresas que obtêm lideranças tecnológicas,
associadas com economia de escala ou com alto grau de diferenciação de
produtos, são aquelas de melhor desempenho competitivo. Essas
características são resultantes dos efeitos interativos das condições da
demanda do produto, das condições da oferta de fatores, da estrutura do
mercado com a rivalidade entre as empresas, do desenvolvimento de indústrias
correlatas e de apoio e das estratégias empresariais. A combinação desses
quatro elementos, tomados como sistema, constitui o que Porter319 denomina
“diamante” de uma nação. Este modela o ambiente econômico no qual as
empresas operam, promovendo ou impedindo a criação da vantagem
competitiva.
O primeiro elemento, as condições de demanda, refere-se às
demandas internas e externas de produtos e, ou, de serviços produzidos por
uma determinada indústria. É o principal determinante da orientação
empresarial na formulação de seu programa de melhorias e inovações. A ação
da demanda sobre o processo de criação das vantagens competitivas ocorre
315 COUTINHO, Luciano G.; FERRAZ, João Carlos (Coord.). Estudo da competitividade da indústria brasileira . 2. ed. Campinas: Papirus, 1994.
316 Verificam-se as formas e os custos de comercialização predominantes, a oportunidade de acesso a mercados internacionais, a sofisticação e os demais requisitos impostos aos produtos.
317 Verificam-se o grau de verticalização e diversificação setorial, o atributo dos insumos, as escalas de operação, a origem e a direção do progresso técnico.
318 Refere-se às condutas e às estruturas empresariais, ao sistema fiscal-tributário incidente sobre as operações industriais, as práticas de importação e exportação e a propriedade dos meios de produção.
319 PORTER, 1993, p. 88-89.
144
mediante a identificação e atendimento da composição dessa demanda,
satisfazendo as necessidades do consumidor final, pelo empenho empresarial
em conquistar parcelas crescentes do mercado, pela adequação da oferta ao
padrão de crescimento do mercado e pelo domínio dos mecanismos pelos
quais as preferências internacionais são internalizadas dos diferentes sistemas
de produção domésticos.
O segundo elemento, as condições de oferta de fatores, representa as
possibilidades de satisfazer aos requerimentos de fatores e de insumos para
competir em qualquer indústria, como o trabalho especializado, abundância,
qualidade e acessibilidade dos recursos físicos, estoque de conhecimentos
científicos, técnicos e de mercado, os recursos de capital e a disponibilidade, a
qualidade e o tipo de infraestrutura.
As indústrias correlatas e de apoio, como terceiro elemento, consistem
naquelas que produzem suprimento de produtos intermediários que sejam
internacionalmente competitivas. A presença dessas empresas favorece a
criação de vantagens às demais empresas industriais como resultado de
acesso eficiente e rápido aos insumos economicamente rentáveis. Por outro
lado, as participações mútuas no desenvolvimento de tecnologias,
melhoramento de processos, distribuição e comercialização podem propiciar o
surgimento de novas indústrias competitivas.
O quarto elemento, estrutura do mercado e rivalidade das empresas,
versa no contexto em que as firmas são criadas, organizadas, dirigidas e
concorrentes entre si. De modo geral, os países tendem a ter êxito em
indústrias cujas estruturas empresariais e as formas organizacionais são
adequadas ao desenvolvimento de fontes de vantagens competitivas.
Porter320 ainda assevera que as vantagens competitivas são
resultantes da combinação da inter-relação de vários elementos que também
são influenciados por duas variáveis: o acaso e o governo. O acaso é um
evento que está fora do poder de interveniência das empresas, mas geram
reflexos em sua dinâmica como, por exemplo, os acontecimentos políticos, as
guerras, as descontinuidades tecnológicas etc. O governo é uma variável que
320 PORTER, 1993, p. 143-148.
145
pode influenciar a ação dos quatro elementos citados, facilitando ou não a
obtenção de vantagens competitivas pelas empresas.
Dentro desse cenário complexo e dinâmico de competitividade,
encontram-se os empresários individuais em condições desvantajosas perante
as organizações nacionais e estrangeiras, considerando-se os reflexos que a
responsabilidade ilimitada impõe aos fatores estruturais da empresa.
3.4. A INSTITUCIONALIZAÇÃO FORMAL DA RESPONSABILIDADE LIMITADA DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL COMO MEIO PROPULSOR DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Conforme recorrentemente salientado, uma das razões para o
empresário individual utilizar a forma societária é poder limitar sua
responsabilidade. Dessa maneira, as ações do empresário individual ficam
mascaradas em uma sociedade de “faz-de-conta”, composta por “sócios
laranjas” que não exercem nenhum tipo de direção sobre o empreendimento,
mas gozam da prerrogativa de incomunicabilidade do patrimônio pessoal para
a afetação de dívidas contraídas pela sociedade.
Mesmo existindo a possibilidade de se constituir sociedades fictícias,
os dados publicados pelo Departamento Nacional de Registro, já ressaltados
no item 1, demonstram que a forma jurídica empresarial mais adotada no Brasil
é a do empresário individual. Essas informações denotam que as sociedades
simuladas existem, mas não são utilizadas como solução para a limitação da
responsabilidade, pois a maioria dos empreendedores assume sua formação
real, enfrentando as intempéries da responsabilidade ilimitada.
O Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno
Porte, Lei Complementar 123/2006, ao estabelecer normas gerais relativas ao
tratamento diferenciado e favorecido a esses empreendimentos, tem
contribuído bastante para a formalização e a sobrevivência do empresário
individual que, normalmente, possui uma receita bruta anual significativamente
baixa em relação aos empreendimentos de vulto. Conforme dispõe o artigo 3o
do Estatuto, consideram-se microempresas, ou empresas de pequeno porte a
146
sociedade empresária, a sociedade simples e o empresário individual,
devidamente registrados, mediante aquisição das seguintes receitas:
I – no caso das microempresas, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais);
II – no caso das empresas de pequeno porte, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais).321
Com a aprovação dessa lei, institui-se um regime especial unificado
que contempla a maioria das microempresas e empresas de pequeno porte,
em diferentes segmentos de atuação no mercado, nominado “Simples
Nacional”. O sistema Simples Nacional ou Super Simples implica facilitar a
arrecadação de tributos, mediante documento único, reduzindo o custo
financeiro das empresas beneficiadas com pessoal qualificado especializado
em calcular tributo e preencher guias de pagamento. Nesse sentido, Cairon
Ribeiro dos Santos322 discorre:
O cálculo e recolhimento de tributos é extremamente complexo, dado a enorme quantidade e variedade das guias de recolhimento específicas para cada tributo, que obrigatoriamente devem ser preenchidas e recolhidas mensalmente pelas empresas. O custo financeiro e o custo com pessoal qualificado que calcula o tributo e preenche a guia para pagamento é muito elevado, inviabilizando a atividade das pequenas pessoas jurídicas. Resultado disso é que as empresas acabam gastando muito dinheiro com os departamentos responsáveis pelo cálculo e pagamento das guias de recolhimento, dinheiro esse que poderia ser aplicado na produção ou melhoria de condições gerais do negócio e do emprego.
A unificação das guias de recolhimento em uma só reflete na redução
dos custos de transação, aumentando o potencial competitivo entre as
empresas. Cairon Ribeiro dos Santos323, ao fazer uma análise econômica dos
efeitos da lei complementar, dispõe:
321 BRASIL. Lei Complementar 123, de 14 de dezembro de 2006. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LCP/Lcp123.htm>. Acesso em 07-08-2009.
322 SANTOS, Cairon Ribeiro. In: Comentários ao Estatuto da Microempresa e Empresa d e Pequeno Porte . Coordenador: Amador Paes de Almeida. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 37.
323 IBID, p. 37-38.
147
(...) é uma forma, senão a melhor, de simplificação do recolhimento dos impostos e contribuições devidos. Melhor ainda seria simplificar e reduzir significativamente a carga tributária do sujeito passivo, propiciando melhor ambiente econômico e de concorrência entre as microempresas e as empresas de pequeno porte.
Esse tratamento jurídico diferenciado é fruto do comando legal previsto
no artigo 179 da Constituição Federal, cujo objetivo é incentivar a simplificação
ou a redução ou a eliminação das obrigações administrativas, tributárias,
previdenciárias e creditícias destinadas às microempresas e às empresas de
pequeno porte.
No atual cenário jurídico, verifica-se que a ideia de desburocratização
da Constituição Federal de 1988 impõe ao empresário individual as mesmas
obrigações cabíveis à sociedade empresária. O empresário individual tem de
se inscrever no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, assim como tem a
obrigação de apresentar as demonstrações contábeis e de declarar o Imposto
de Renda como pessoa jurídica de forma distinta da que precisa declarar como
pessoa física. Da mesma forma, caso se enquadre nas regras do Estatuto das
microempresas e empresas de pequeno porte, não importa se sua
caracterização se dá na qualidade de empresário individual, sociedade
empresária ou simples, pois o procedimento é o igualitário para quaisquer dos
tipos empresariais.
Sob esse aspecto, Calixto Salomão324 assevera:
No Brasil, não existe qualquer forma para a limitação de responsabilidade do comerciante individual. Na própria definição das fattispeci sujeitas ao Estatuto da Microempresa, a igualdade de tratamento é evidente. Fala-se indistintamente de “pessoas jurídicas e firmas individuais”, ou seja, procura-se facilitar da mesma forma o tratamento creditício e econômico do empresário coletivo que goza de limitação de responsabilidade e do empresário individual, ilimitadamente responsável.
Diante de tal tratamento isonômico, questiona-se: por que o legislador
brasileiro não admite a responsabilidade limitada do empresário individual, mas
a reconhece para os sócios das sociedades limitadas? Se a lei facilita o
324 SALOMÃO FILHO, 1995, p. 69.
148
tratamento creditício e econômico das sociedades empresárias de pequeno
porte e do empresário individual, aplicando-lhes a mesma norma, por qual
motivo devem-se manter regras de responsabilidade diversas?
O regramento diferenciado e discriminatório imposto pela
responsabilidade ilimitada do empresário individual é fruto de uma instituição
normativa formal que necessita sofrer mudanças, a fim de tornar a vida do
agente econômico individual mais eficiente e competitiva.
A responsabilidade ilimitada do empresário individual se reflete nos
custos de transação e na concorrência entre as demais sociedades
prejudicando sua atividade econômica e afetando sua lucratividade e
sobrevivência no mercado. A consolidação dessas consequências provoca
significativa redução de oferta de postos de trabalho, de recolhimento dos
tributos, de aprimoramento tecnológico, dentre outros, observando-se que o
empresário individual apresenta-se, atualmente, como tipo jurídico formalizado
mais utilizado para o desenvolvimento das atividades econômicas organizadas.
Sem dúvida, a responsabilidade ilimitada é um gravame que minimiza o bem-
estar social reduzindo o potencial econômico do país. Como a efetividade das
regras depende da configuração do ambiente em que estão inseridas, as
normas empresariais que não atendem aos anseios sociais precisam sofrer
mudanças institucionais.
Os agentes econômicos precisam agir coerentemente dentro das
normas empresarias. No caso do empresário individual, seus recursos são
escassos em comparação ao poder de barganha e de negociação das
empresas de grande vulto. Dessa forma, se o objetivo do empresário individual
é a maximização de tais recursos, as instituições devem criar mecanismos para
que este possa ter o menor custo de transação na execução de seus contratos.
A busca por informações, a negociação e a execução contratual, quando
necessários para a realização de transações com transferência de direitos e de
propriedade entre indivíduos, impõe custos. Nesses custos, é acrescido o risco
vivenciado pelo empresário individual de ver seu patrimônio pessoal atingido
por dívidas contraídas com sua atividade empresarial.
As instituições têm como permitir o crescimento e o desenvolvimento
do mercado, delineando normas que limitam a responsabilidade do empresário
individual. Para Douglass Cecil North,
149
Nenhum país consegue crescer de forma consistente por um longo período de tempo sem que antes desenvolva de forma sólida suas instituições. Quando uso a palavra instituição, refiro-me a uma legislação clara que garanta os direitos de propriedade e impeça que contratos virem pó da noite para o dia. Refiro-me ainda a um sistema judiciário eficaz, a agências regulatórias firmes e atuantes. Só assim, com instituições firmes, um país pode estar preparado para dar o salto qualitativo, mudar de patamar325.
As instituições legais interferem diretamente no comportamento dos
agentes econômicos, pois são comandos de autoridade que impõe custos ou
benefícios aos participantes de uma dada transação e que sofrem incentivos
(positivos ou negativos) no processo de seu cumprimento. Nesse sentido,
Decio Zylberstajn e Rachel Sztajn326 afirmam:
O Direito, por sua vez, ao estabelecer regras de conduta que modelam as relações entre pessoas, deverá levar em conta os impactos econômicos que dela derivarão, os efeitos sobre a distribuição ou a alocação dos recursos e os incentivos que influenciam o comportamento dos agentes econômicos privados. Assim, o Direito influencia e é influenciado pela Economia, e as Organizações influenciam e são influenciadas pelo ambiente institucional.
(...)
As instituições, por seus efeitos sobre os custos de troca e produção, afetam decisivamente a performance econômica e, juntamente com a tecnologia empregada, elas, as instituições, determinam os custos de transação e transformação que formam os custos totais da atividade econômica em determinado ambiente.
Segundo Douglass C. North, as instituições e a competitividade são os
principais fatores de desenvolvimento de um país, ficando em segundo plano
as riquezas naturais, o clima favorável ou a agricultura. Obviamente que esses
fatores secundários contribuem para o crescimento econômico do país, mas
não são suficientes sem a presença de instituições eficazes. Para corroborar
esse entendimento, North327 exemplifica o caso da Venezuela e de Israel:
325 NORTH, Douglas Cecil. Para um país enriquecer. Entrevista. Revista Veja . Edição 1830. 26-11-2003. Disponível em: <http://desenvolvimentoemquestao.blogspot.com/2009/01/ douglass-cecil-north-entrevista-revista.html>. Acesso em: 03-08-2009.
326 ZYLBERSTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel. Análise econômica do direito e das organizações. Cap. 1. Direito e economia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 03.
327 NORTH, op. cit. 2009.
150
Veja o caso da Venezuela. Nos últimos dez anos, passei longos períodos lá e cheguei à triste conclusão de que a presença do petróleo não apenas não foi suficiente para mudar a situação socioeconômica dos venezuelanos como inclusive inibiu o desenvolvimento de outros setores. Isso porque eles concentraram forças nessa única atividade e, para piorar o quadro, não detinham o respaldo de boas instituições para turbiná-la. No outro extremo, gosto de colocar Israel, um país de terra pobre, pouquíssimos recursos naturais, mas que conseguiu dar um salto graças a um conjunto de instituições eficientes, especialmente na área econômica. A questão palestina atrapalha e evidencia certo atraso no campo da política, mas, no todo, Israel ultrapassou – e muito – países de natureza bastante mais promissora tendo partido do mesmo patamar.
Para o doutrinador, o governo precisa criar regras econômicas para
garantir a estabilidade. O país necessita de instituições eficazes e eficientes
que possibilitem o aumento da competitividade. Uma instituição estável
pressupõe a existência de uma regra eficaz, ou seja, de regras que surtem
efeitos na sociedade de forma eficiente. A eficiência decorre de regras que
incentivam a competitividade entre as empresas, dando-lhes condição de
enfrentar a concorrência, de forma duradoura e sustentável.
Conforme mencionado no item 3.3., a competitividade força uma
empresa a ser mais produtiva e a buscar soluções mais criativas. Em vista
disso, é fundamental a existência de instituições que proporcionem a redução
dos riscos da atividade econômica, como a limitação da responsabilidade dos
empresários individuais com o objetivo de tornar suas atividades menos
onerosas e mais competitivas.
Obviamente, há custos de transação dos quais não é possível
esquivar, assim como não é possível através do reconhecimento da
responsabilidade limitada do empresário individual, solucionar sua
hipossuficiência em relação aos empreendimentos de vulto com maior
capacidade de competitividade. Contudo, a limitação da responsabilidade do
empresário individual é uma forma de remediar um dos empecilhos presentes
na dinâmica empresarial.
Douglass C. North328 afirma que, quanto mais desenvolvido é um país,
maiores são os custos de transação, pois entre eles estão os gastos com
impostos, seguro e operações no sistema financeiro. Essas despesas fazem
328 NORTH, 2009.
151
crescer o preço final dos produtos; em contrapartida, compensa-se esse ônus
com o aumento da produtividade.
Veja o caso dos Estados Unidos. Em 1870, os custos de transação representavam 25% do PIB americano. Um século mais tarde, a fatia era de 45%, quase o dobro. Hoje um país precisa ser bastante mais produtivo para compensar esse tipo de gasto e poder competir, coisa que os EUA conseguiram com sucesso.329
Diante de um cenário econômico globalizado, encontram-se os países
em desenvolvimento que perdem na competitividade com as grandes
potências, pois, além dos custos de transação normais de todo negócio
jurídico, somam-se outros decorrentes de instituições frágeis como a da
responsabilidade ilimitada do empresário individual.
O ordenamento jurídico brasileiro precisa sofrer mudanças
institucionais para poder evoluir. Permitir que os empresários individuais
ingressem em um mundo de economia globalizada, cuja margem de lucro
encontra-se cada vez mais restrita, sem adotar mecanismos que melhorem
suas condições de competitividade é permitir o retrocesso econômico e a morte
daqueles que apenas buscam na vida empresarial a dignidade de ter seu
próprio negócio.
329 NORTH, 2009.
152
CONCLUSÃO
O desempenho de uma atividade econômica organizada, a partir da
direção privativa de uma pessoa física, é tendência natural em um cenário
econômico de restritas e precárias oportunidades de trabalho. As frustrações
vivenciadas na relação de emprego e o sonho de gerenciar o próprio negócio,
sem estar subordinado a outrem, acabam por conduzir o ser humano a buscar
no empreendedorismo oportunidades para satisfazer suas necessidades
pessoais.
Atualmente, os empresários individuais constituem o tipo jurídico mais
adotado no país e apesar de realizarem, em sua maioria, operações de
pequena monta, revelam suas potencialidades para a economia, em
decorrência da significativa capacidade de gerar empregos, recolher tributos e
ampliar a circulação de bens e serviços. Dessa forma, criar meios para
incentivar sua participação e sua sobrevivência no mercado é dar-lhes, não
apenas condições dignas para gerir o empreendimento, mas oportunidade para
otimizar o potencial econômico nacional.
Os elementos norteadores da condição empresária – exercício
profissional, atividade organizada, caráter econômico, produção ou circulação
de bens e serviços – são comuns ao empresário individual e à sociedade
empresária. Assim, a diferenciação entre a caracterização de ambos verifica-se
apenas quanto ao sujeito da atividade econômica. Um representa uma pessoa
física e o outro, pessoa jurídica.
Ocorre que a álea inerente à vida empresarial, fruto do caráter
econômico, prejudica o empresário individual e favorece aquelas pessoas que
investem seu capital na constituição de uma sociedade, quando se analisa a
responsabilidade de ambos pelo cumprimento das obrigações contraídas. O
risco para o exercício da empresa, intrínseco a cada procedimento produtivo, e
o risco econômico, concernente aos custos do trabalho, dos capitais
empregados e dos resultados dos bens e serviços produzidos, são suportados
de forma desigual entre o empresário singular e sócio que compõe a
sociedade. O primeiro não possui proteção do patrimônio pessoal em face dos
153
credores da empresa, já os sócios, independente da forma societária adotada e
ainda que possuam responsabilidade ilimitada, apenas são acionados para
responder às obrigações sociais, quando os bens da sociedade não forem o
bastante para saldar as dívidas, ou seja, apresentam-se para os credores em
uma condição semelhante à de um fiador.
Esse fenômeno decorre da personalidade jurídica atribuída ao ente
coletivo, tornando-o um sujeito de direito inconfundível com os sócios e com
plena autonomia para realizar suas atividades. Tal prerrogativa permite que os
bens destinados à sociedade pelo sócio não se confundam com os bens por
ele reservados à vida pessoal. Tem-se, assim, a segregação patrimonial que
tanto motiva os empreendedores a formalizarem as sociedades, em especial,
sociedades limitadas.
A limitação da responsabilidade que privilegia os sócios e não se aplica
ao empresário individual não tem fundamento lógico para se manter no
ordenamento jurídico e implica transtornos imediatos na dinâmica do
empresário singular. A tese da separação patrimonial deve ser a ele
aproveitada, desde que formalizada a condição de empresário individual no
órgão competente e integralizado o capital destinado ao exercício da empresa.
Dessa maneira, os bens que formam o ativo ficam responsáveis pela satisfação
das dívidas dos negócios empresariais, resguardando-se os bens pessoais do
sócio.
O reconhecimento legal dessa prerrogativa ao empresário individual
não pode ser encarada como um mecanismo ensejador de fraudes. O uso
abusivo da personalidade é fator que também pode ser concretizado em
sociedades, pois não há como ser plenamente coibido. Caso configurado, a
irregularidade do ato deve ser sanada com os mesmos efeitos da
desconsideração da personalidade jurídica aplicada aos sócios da sociedade,
ou seja, a afetação dos bens pessoais que não possuam finalidade
empresarial. Além do mais, não se pode simplesmente desaprovar uma
fórmula legislativa, que atenda aos interesses de desenvolvimento econômico
do país, partindo do pressuposto de que a má-fé é a conduta norteadora das
ações humanas.
Nada impede que uma pessoa física seja titular de dois patrimônios
distintos, sem que isso implique confusão patrimonial ou necessária criação de
154
um novo sujeito de direito. O próprio legislador brasileiro reconhece a
possibilidade da divisibilidade patrimonial ao permitir que o incapaz, mediante
autorização judicial, exerça a empresa resguardando seus bens pessoais,
estranhos ao acervo da atividade econômica e anteriores a sua atuação como
empresário, da afetação de credores por dívidas contraídas por atos
empresariais. O mesmo efeito opera ao empresário casado que pode, sem
necessidade de outorga conjugal, alienar os bens da empresa. Qualquer uma
das situações desvela a existência de um patrimônio especial que não se
mistura necessariamente com o patrimônio pessoal pelo simples fato de
pertencer a uma mesma pessoa natural.
A personalização da “empresa” ou do “estabelecimento” ou do
“empreendimento” para regulamentar o empresário individual de
responsabilidade limitada é uma alternativa inadequada. Perante o
ordenamento jurídico brasileiro, a empresa representa uma atividade e o
estabelecimento um complexo de bens de que o empresário necessita para
seu desempenho profissional, portanto, não são sujeitos de direito. Quanto ao
termo empreendimento, a amplitude de sua acepção permite denominar
atividades que estejam investidas dos elementos caracterizadores da condição
empresária, bem como o inverso. Assim, pode acarretar interpretações
errôneas do instituto em destaque.
Uma pessoa física possui personalidade jurídica desde o nascimento e
pode ser protagonista de vários papéis no microcosmo jurídico como o de pai,
mãe, consumidor, empregador, empresário individual, dentre outros. Isso não
pressupõe desdobramento de sua personalidade, muito menos na qualidade de
pessoa jurídica, o que seria uma “esquizofrenia” para o Direito. Atribuir-lhe um
nome empresarial, conforme imposto por lei, no momento do registro na Junta
Comercial, também não implica dupla personalidade. Por conseguinte, para o
exercício da atividade empresarial com aplicação da segregação patrimonial,
basta que a pessoa natural tenha capacidade para gerir seu próprio negócio e
para manter os compromissos pactuados.
A criação de uma norma que estabeleça regras para a integralização
do capital dedicado à atividade econômica, tornando-o de certa forma
intangível, é uma maneira de se ampliar a garantia aos credores e desmitificar
a suposta desvantagem da positivação da responsabilidade limitada para
155
estes. Após a integralização do valor declarado, torna-se viável limitar a
responsabilidade do empresário individual. Com esse procedimento, os
credores do empresário ficam tutelados, pois a publicidade do registro lhes
assegura ciência do potencial patrimonial do sujeito que estão contratando e
passam a ter a prerrogativa de afetar toda a riqueza destinada à empresa e
não apenas o valor declarado no momento da integralização. Além do mais, os
credores do empresário individual deixam de concorrer diretamente com os
credores das dívidas da pessoa natural. Para que isso seja viável, é
indispensável que o legislador venha a delinear critérios similares aos das
sociedades para a constituição e a administração do capital, inclusive
estabelecendo responsabilidade ao empresário individual pelas declarações
prestadas e pela estimativa dos valores conferidos dos bens entregues para a
composição do patrimônio inicial da atividade.
Ao se analisar a evolução da aplicação normativa do instituto no direito
comparado, verifica-se ser a limitação da responsabilidade um imperativo
econômico bastante efetivo. O intuito das nações que a reconhecem não
consiste apenas em formalizar um fato que já ocorria às margens do direito,
nominado como sociedades fictícias, mas, sim, em buscar mecanismos que
impulsionem o surgimento de pequenos e médios empreendedores, para
aumentar a circulação de riquezas no país.
As normas adotadas na Alemanha, na Espanha, na Itália e em Portugal
destacam a preocupação do legislador em dar publicidade à condição de
singularidade do empresário aos que com ele contratam, e atribuir a
responsabilidade ilimitada em caso de desvirtuamento dos preceitos legais
para a proteção dos credores.
No Direito Lusitano, a primeira regulamentação, sob a forma de
“Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada”, em 1986, não
alçou aplicabilidade prática, sendo atualmente alvo apenas de discussões
acadêmicas, em razão da complexidade de suas regras. Já as Sociedades
Unipessoais por Quotas, inseridas no ordenamento jurídico português em
1996, é bem recepcionada e ocupa atualmente a segunda colocação entre os
tipos empresariais formalizados, perdendo, por pouco, para a sociedade por
quota. A aceitação das Sociedades Unipessoais por Quotas não tem nenhuma
relação com o termo “sociedade”. A eficácia do comando legal provém da
156
criação de normas adequadas à realidade vivenciada pelos empreendedores
que necessitam de mecanismos menos burocráticos e seguros para se
aventurarem na vida empresarial.
O Direito Português corrigiu as imperfeições técnicas do primeiro
diploma permissivo da responsabilidade limitada, editando um novo dispositivo
que protege a sociedade contra atos que possam causar confusão com o
patrimônio do sócio único e o patrimônio social, assim como os credores,
procurando evitar o fim social, afastando condutas onerosas ao passivo e
incentivando as que majorem o ativo da sociedade. Assim, é a inteligência da
norma que a faz ser efetivamente aplicável e não a adoção pela forma
societária. Esta apenas é fruto da influência da XII Diretiva da Comunidade
Econômica Europeia que, com o intuito de uniformizar a aplicação do instituto
da responsabilidade limitada nos países que a integram, apenas sugere, mas
não impõe a modalidade “sociedade unipessoal”.
Os legisladores e juristas brasileiros devem despertar para o fato de
que a manutenção de comandos jurídicos que dificultam a atividade do
empresário individual coloca o país numa situação atrasada perante os
mercados globais. O Direito Empresarial, como ramo ligado diretamente à
economia, não pode retardar a promulgação de um instituto favorável à
atividade de seu maior contingente empresarial.
Os projetos de lei apresentados ao Congresso Nacional são exemplos
da tentativa de alguns representantes do povo em não deixar que a
responsabilidade ilimitada se sedimente na esfera jurídica e prejudique o
desenvolvimento econômico. Contudo, a grande maioria não oferece coerência
na denominação sugerida, assim como não desvela uma estrutura convincente
e eficiente para os empreendedores e seus credores.
Dos cinco projetos encaminhados à apreciação, após o advento do
Código Civil de 2002, todos possuem redações contraditórias que afrontam
conceitos já consolidados no campo jurídico, ou omissões importantes que
comprometem sua aplicabilidade. O último projeto de lei, n. 4.953/2009,
apresenta critérios razoáveis para a positivação do instituto, porém peca ao
tentar atribuir personalidade jurídica a um “Empreendimento Individual de
Responsabilidade Limitada”. Para isso, propõe ampliação do rol de
classificação das pessoas jurídica do Código Civil, a fim de tornar o
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empreendimento um sujeito de direito. Tal conduta é juridicamente absurda e
desnecessária.
Não obstante, o projeto de lei discorre sobre procedimentos eficientes
para a constituição, a inscrição, a integralização do capital, a administração da
atividade, a responsabilidade do empresário pelas dívidas resultantes de sua
atividade, a prestação de contas e a descrição exaustiva das situações de
liquidação e dissolução da atividade. Quanto a esses fatores, o projeto não é
tão burocrático como a lei portuguesa da “Empresa Individual de
Responsabilidade Limitada” que obriga, por exemplo, a atribuição de um valor
mínimo para a integralização do capital. Em contrapartida, comete mais uma
falha, além da tentativa de personalizar um empreendimento: exige a avaliação
dos bens destinados à empresa por técnico especializado. Esse método onera
de maneira prescindível os pequenos empreendedores, uma vez que estes
podem suprir o risco da avaliação equivocada fazendo uso de método similar
ao que se arroga às sociedades limitadas. Quaisquer declarações inverídicas
ou incorretas dos bens transmitidos para a composição do capital devem
implicar afetação do patrimônio pessoal do empresário individual. Em vista
disso, o legislador deve se atentar para não permitir a positivação de regras
que venham agravar a condição do empresário individual. Imputar ao ente
individual mais obrigações que ao ente coletivo é uma discriminação que vai de
encontro com o princípio da preservação da empresa preconizado pelo Direito
e incentivado pela Carta Máxima no artigo 179.
Ainda que detectado imperfeições no projeto de lei n. 4.953/2009,
considera-se ser a proposta mais segura e satisfatória em relação aos projetos
anteriores. Dificilmente uma norma se insere no ordenamento jurídico de forma
perfeita; caso seja promulgada, não deixa de ser uma conquista há muito
aguardada pela maioria dos juristas.
A forma “sociedade unipessoal de responsabilidade limitada” vem se
difundindo por vários países, principalmente na Europa, e tem fortes adeptos
na doutrina brasileira. Contudo, entende-se que a utilização da expressão
sociedade, para se definir um único sócio, é inconciliável em um ordenamento
fortemente influenciado pela teoria contratualista e, o mais importante, é
desfavorável, na prática, para normalizar micro e pequenos empresários em
158
aspectos tributários, econômicos e quanto à segurança entre as partes
envolvidas.
A positivação da forma mais simples e clara, ou seja, “empresário
individual de responsabilidade limitada”, juntamente com normas
regulamentadoras da inscrição, da constituição e administração do capital e do
ônus em casos de fraude, má-fé ou confusão patrimonial, é o mecanismo mais
eficiente para se trilhar uma equivalência justa entre o tratamento dispensado
ao empresário individual e ao sócio das sociedades, sem colidir com normas
jurídicas já materializadas.
Sob a ótica das teorias pertencentes ao ramo da economia, conclui-se
que a norma atinente à responsabilidade ilimitada provoca complicações no
comportamento estratégico do empresário individual, pois reflete nos custos de
transação e na competitividade, afetando sua lucratividade e sobrevivência no
mercado. A concretização dessas consequências também gera expressiva
redução do potencial econômico do país, por ser considerável a participação do
empresário individual na vida econômica do país.
As normas jurídicas precisam ser efetivas e eficazes no ambiente em
que estão inseridas. Essas qualidades não se vislumbram quanto à
responsabilidade ilimitada do empresário individual. O ordenamento jurídico
precisa sofrer uma mudança institucional, assegurando a limitação da
responsabilidade para permitir que seu maior contingente de empreendedor
ingresse em um mundo de economia globalizada, regido de forma equânime
aos concorrentes.
159
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ANEXOS
167
ANEXO I
LEGISLAÇÃO ALEMÃ 330 Lei de Sociedades de Responsabilidade Limitada, de 20 de abril de 1892. Modificada pelas leis de 04 de junho de 1980 e de 18 de dezembro de 1991. Artigo 1º. Objeto social - Conforme as normas da presente Lei, podem constituir-se sociedades de responsabilidade limitada por uma ou várias pessoas para qualquer fim legalmente lícito. artigo 2º. Forma do contrato social - 1. O contrato social documentar-se-á em escritura pública que será subscrita por todos os sócios (...) artigo 7º. Notificação - 2. Somente se procederá à dita notificação quando, não se havendo acordado aportes não financeiros, se haja desembolsado a quarta parte de cada aporte. Em relação ao capital inicial, ter-se-á que desembolsar, no mínimo, a quantidade necessária para que a soma total dos aportes financeiros desembolsados alcance, com relação à soma total dos aportes, incluindo os não financeiros, a cifra de vinte e cinco mil marcos alemães. Quando a sociedade tenha sido fundada por uma só pessoa, a notificação procederá unicamente quando se efetuem, ao menos, os desembolsos estabelecidos nos apartados 1 e 2 deste artigo e o sócio outorgue garantia para o restante do aporte financeiro (...). artigo 8º. Conteúdo da notificação. - 2. Na notificação se consignará que se efetuaram as prestações indicadas no artigo7º, parágrafos 2 e 3, e que seu objeto, definitivamente, é de livre disposição pelos administradores. Se a sociedade foi fundada por uma só pessoa, e não se desembolsou plenamente o aporte financeiro, deverá se consignar igualmente a garantia financeira requerida pelo artigo 7º, parágrafo 2º, inciso 3º (...). artigo 19. Desembolso dos aportes. - 4. Se o prazo de três anos desde a inscrição da sociedade no Registro Mercantil, passaram todas as participações sociais ao poder de um só sócio, ou da sociedade, o sócio terá um prazo de três meses a partir da concentração em uma mão do capital social para desembolsar plenamente todos os aportes financeiros, oferecer à sociedade uma garantia suficiente para o pagamento das quantidades pendentes ou transferir uma parte das participações sociais a um terceiro (...). artigo 35. Representação pelos administradores.- 4. Se todas as participações sociais se encontrarem concentradas em poder de um só sócio, ou em poder da sociedade, e ao mesmo tempo dito sócio é o único administrador, aplicar-se-á a seus negócios jurídicos com a sociedade o artigo 181 do Código Civil. artigo 40. Relação de sócios. - 1. Os administradores apresentarão anualmente, quando apresentarem o balanço do exercício no Registro Mercantil, a lista dos sócios, devidamente formada pelos mesmos, da qual contará nome, sobrenome, estado civil e domicílio dos sócios, assim como seus aportes. Se desde a apresentação da última lista não tiverem existido alterações na pessoa dos sócios e no que se refira à sua participação, bastará apresentar uma declaração análoga. 2. Os gerentes devem que entregar uma listagem com o conteúdo estabelecido na primeira frase do apartado 1 no registro Mercantil, assim que se hajam concentrados todas as ações nas mãos de seu sócio, ou em mãos da sociedade. artigo 48. Assembleia social. - 3. Caso todas as participações sociais se concentrem em poder de um só sócio, ou da sociedade, o sócio deverá protocolar e firmar o documento que compile os acordos imediatamente depois de sua adoção.
330 TOKARS, 1999, p. 202-203.
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ANEXO II
LEGISLAÇÃO ESPANHOLA 331 Um dos aspectos mais delicados da reforma é o relativo à sociedade unipessoal. Nesta matéria, enfrentam-se tradicionalmente duas concepções radicalmente diversas: para alguns, a sociedade unipessoal, seja originária ou derivada, unicamente deve ser suporte jurídico para as exigências da pequena e média empresa. Para outros, ao contrário, a admissibilidade geral da sociedade unipessoal não é outra coisa que não uma homenagem à sinceridade de que todo legislador deve se honrar quando se depara com um divórcio entre a realidade e o direito legislado – para utilizar as conhecidas palavras da Exposição de Motivos da Lei de 1951 -, de tal modo que o novo direito, a juízo desta segunda corrente, não somente deve admitir e regular a sociedade unipessoal de responsabilidade limitada, como também a sociedade anônima unipessoal, a qual deveria adquirir existência legal na própria Lei de Sociedades Anônimas para as de caráter público. Entre estas duas concepções, a lei se orienta decididamente pela segunda, admitindo a unipessoalidade originária ou derivada, tanto no âmbito das sociedades limitadas quanto no das anônimas. Ainda que o impulso que gerou a Diretiva 89/667/CEE, de 21 de dezembro, trate de satisfazer exigências das pequena e média empresas – como se reconhece no Preâmbulo – o texto da mesma, que pela presente lei se incorpora ao Direito interno, não impede que se alberguem sob a unipessoalidade iniciativas de grandes dimensões, servindo assim às exigências de qualquer classe de empresas. Em consonância com este delineamento da matéria admite-se expressamente que a sociedade unipessoal possa ser constituída por outra sociedade – ainda que a fundadora seja, de sua vez, unipessoal -, já que se amplia o conceito da unipessoalidade aos casos em que a titularidade de todas as ações ou participações sociais correspondam ao sócio e à própria sociedade. artigo 125. Classes de sociedades unipessoais de responsabilidade limitada. – Entende-se por sociedade unipessoal de responsabilidade limitada:
a) A constituída por um sócio, seja pessoa natural ou jurídica. b) A constituída por dois ou mais sócios quando todas as participações hajam passado a
ser de propriedade de um único sócio. Consideram-se de propriedade do sócio único as participações sociais que pertençam à sociedade unipessoal.
artigo 126. Publicidade da unipessoalidade. 1. A constituição de uma sociedade unipessoal de responsabilidade limitada, a declaração de tal situação como conseqüência de haver passado um único sócio a ser proprietário de todas as participações sociais, a perda de tal situação ou a mudança do sócio único como conseqüência de haver transmitido alguma ou todas as participações, far-se-ão constar de escritura pública que será inscrita no Registro Mercantil. Nesta inscrição será necessariamente expressa a identidade do sócio único. 2. Enquanto subsista a situação da unipessoalidade, a sociedade fará constar expressamente a sua condição de unipessoal em toda a sua documentação, correspondência, notas de pedido e faturas, assim como em todos os anúncios que deva publicar por disposição legal ou estatutária. artigo 127. Decisões do sócio único. – Na sociedade unipessoal de responsabilidade limitada o sócio único exercerá as competências da assembleia geral, consignando-se suas decisões em alta, debaixo de sua firma ou de seu representante, podendo ser formalizadas e executadas pelo próprio sócio ou pelos administradores da sociedade. artigo 128. Contratação do sócio único com a sociedade unipessoal. – 1. Os contratos celebrados entre o sócio único e a sociedade deverão constar por escrito ou na forma documental exigida pela lei de acordo com a sua natureza, e serão transcritos em um livro-registro da sociedade que deverá ser legalizado conforme o disposto para os livros de atas das sociedades. No balanço anual far-se-á referência expressa e individualizada a estes contratos, com indicação de sua natureza e condições. 2. Em caso de insolvência provisória ou definitiva do sócio único ou da sociedade, não serão oponíveis à massa aqueles contratos compreendidos pelo apartado anterior que não sido
331 TOKARS, 1999, p. 199-201.
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transcritos no livro-registro e não forem referidos no balanço anual ou tenham sido em balanço não depositada de acordo com os termos legais. 3. Durante o prazo de dois anos a contar da data de celebração dos contratos a que se refere a apartado 1, o sócio único responderá frete à sociedade quanto às vantagens que direta ou indiretamente tenha obtido em prejuízo desta como conseqüência dos ditos contratos. artigo 129. Efeitos da unipessoalidade superveniente. - Transcorridos seis meses desde a aquisição pela sociedade de caráter unipessoal sem que essa circunstância fosse inscrita no Registro Mercantil, o único sócio responderá pessoal, ilimitada e solidariamente pelas dívidas sociais contraídas durante o período de unipessoalidade. Inscrita a unipessoalidade, o sócio único não responderá pelas dívidas contraídas posteriormente. Segunda disposição adicional. – 23. Introduz-se um novo capítulo que, com o número XI e sob o título “da sociedade anônima unipessoal”, estará integrado pelo seguinte artigo: “artigo 311. Sociedade anônima unipessoal – Será aplicado à sociedade anônima unipessoal o disposto no capítulo XI da Lei de Sociedades de Responsabilidade Limitada. Quinta disposição adicional. Sociedades unipessoais. – O apartado 2 do artigo 126, os apartados 2 e 3 do artigo 128 e o artigo 129 da presente Lei não serão aplicados às sociedades anônimas ou de responsabilidade limitada cujo capital seja de propriedade do Estado, comunidades autônomas ou corporações locais, ou de organismos ou entidades destes dependentes. Oitava disposição transitória. Sociedades unipessoais preexistentes. – 1. Antes do dia 1º de janeiro de 1986, as sociedades anônimas ou de responsabilidade limitada que à entrada em vigor da presente lei se acharem em alguma das situações a que se refere o artigo 125, deverão apresentar no Registro Mercantil para a sua inscrição, uma declaração subscrita por pessoa com faculdade certificante e firma reconhecida em que se indicará a identidade do sócio único. 2. Em caso de descumprimento do disposto no apartado anterior, o sócio único responderá nos termos do artigo 129.
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ANEXO III
LEGISLAÇÃO ITALIANA 332 Artigos do Código Civil alterados pelo Decreto 88, de março de 1993. Artigo 2.250. (...) Nos atos e na correspondência das sociedades de responsabilidade limitada deve ser indicado se estas têm um único sócio. Artigo 2.475. A sociedade deverá constituir-se mediante escritura pública. A escritura deverá conter a indicação de: 1) o nome e sobrenome, a data e lugar de nascimento, o domicílio e a ocupação de cada
sócio; 2) a denominação social, o domicílio social e as possíveis sucursais; 3) objeto social; 4) a cifra do capital subscrito e integralizado; 5) a quota de participação de cada sócio e o valor dos bens e créditos integralizados; 6) as normas segundo as quais deverão repartir-se os benefícios; 7) o número, o nome e sobrenome, a data e lugar de nascimento dos administradores,
indicando quais ostentam poderes de representação da sociedade; 8) nos casos do artigo 2.488, o número, o nome e sobrenome, a data e lugar de nascimento
de cada um dos membros do colégio sindical; 9) a duração da sociedade. Aplicam-se às sociedades de responsabilidade limitada as disposições dos artigos 2.328, último apartado, 2.329, 2.330, 2.330 bis, 2.332, primeiro e segundo apartados, 2.332, com exclusão do número 8, e 2.341. A sociedade pode ser constituída por ato unilateral. Em tal caso, pelas obrigações assumidas em nome da sociedade antes de sua inscrição é responsável, em solidariedade com aqueles que atuaram, o sócio fundador. Artigo 2.475 bis. Quando as participações pertencerem a um só sócio ou altere-se a pessoa do sócio único, os administradores devem depositar para sua inscrição no registro da empresa uma declaração que contenha a indicação do nome e sobrenome, data e lugar de nascimento, domicílio e nacionalidade do sócio único. Quando se constitui ou reconstitui a pluralidade de sócios, os administradores devem depositar a declaração para a inscrição no registro da empresa. O sócio único ou aquele que cesse de sê-lo pode proceder a publicidade prevista nos apartados precedentes. As declarações dos administradores devem ser depositados dentro dos 15 dias seguintes à inscrição no livro de registro de sócios e devem indicar a data de tal inscrição. Artigo 2.476. Às integralizações dos sócios são aplicáveis as disposições dos artigos 2.342 e 2.343. Em caso de constituição da sociedade com ato unilateral a integralização em dinheiro deve ser totalmente desembolsada de acordo com o artigo 2.329, 2, do Código Civil. Em caso de aumento de capital efetuado no período em que existe um só sócio, a integralização em dinheiro deve ser totalmente desembolsada no momento da subscrição. Se se reduz a pluralidade de sócios, as integralizações ainda devidas devem ser efetuadas dentro de seis meses. Artigo 2.490, bis. Os contratos entre a sociedade e o sócio único ou as operações em favor do sócio único devem, ainda que não tenha sido efetuada a publicidade prevista no artigo 2.475 bis, ser transcritos no livro indicado no n.3 do primeiro apartado do artigo 2.490 ou resultar de ato inscrito.Os créditos do sócio único não ilimitadamente responsável nas relações da sociedade não estão assistidos de causa legítima de preferência.
332 TOKARS, 1999, p. 206-207.
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Artigo 2.497. À dissolução e liquidação da sociedade serão aplicáveis as disposições dos artigos 2.448 a 2.457. A maioria necessária para a designação dos liquidantes é a exigida no artigo 2.486 para junta extraordinária. Em caso de insolvência da sociedade, sobre as obrigações sociais surgidas no período em que as participações pertenciam a um único sócio, este responde ilimitadamente: a) quando seja uma pessoa jurídica ou seja sócio único de uma sociedade de capitais; b) quando as integralizações não tenham sido efetuadas segundo o previsto pelo artigo 2.476, segundo e terceiro apartados. c) desde que não tenha sido efetuada a publicidade prevista no artigo 2.475 bis.
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ANEXO IV
LEGISLAÇÃO PORTUGUESA 333 DL n.º 248/86, de 25 de Agosto (versão actualizada) ESTABELECIMENTO MERCANTIL INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA SUMÁRIO Cria o estabelecimento mercantil individual de responsabilidade limitada __________________________ 1. Através do presente diploma cria-se e regulamenta-se um instituto até agora desconhecido entre nós: o estabelecimento mercantil individual de responsabilidade limitada. Como é geralmente sabido, vem sendo defendida há várias décadas por importante sector da doutrina a limitação da responsabilidade do comerciante em nome individual pelas dívidas contraídas na exploração da sua empresa. Contra essa solução tem sido, porém, invocados vários argumentos. Assim, observa-se que a concessão desse favor colocaria terceiros (credores comerciais e particulares do comerciante) sob a ameaça de graves prejuízos. Aduz-se depois que a responsabilidade ilimitada patrimonial do comerciante é o factor que melhor o pode ajudar a obter o crédito de que necessita. Pondera-se ainda ser justo que quem detém o domínio efectivo de uma empresa responda com todo o seu património pelas dívidas contraídas na respectiva exploração. Tais argumentos não parecem decisivos. Quanto ao primeiro, a réplica surge de imediato: tudo vai do regime a que se submeta o novo instituto. Não constitui, na verdade, dificuldade insuperável incluir nele normas adequadas a assegurar a terceiros uma tutela eficaz. E esta é justamente uma das linhas dominantes e uma das ideias-força do presente diploma. Relativamente aos outros dois argumentos, ambos são contraditados pela larga difusão que encontrou o tipo das sociedades de responsabilidade limitada (entre nós chamadas sociedades por quotas), criado pelo legislador alemão em fins do século passado como resposta a necessidades sentidas na prática. Ora, em numerosíssimos casos, os poderes de gerência na sociedade por quotas competem a todos os sócios, o que prova, como se escreveu recentemente, que a limitação da responsabilidade de quem tem nas mãos as alavancas do comando da empresa não prejudica, afinal, o recurso ao crédito, não entorpece, pois, o comércio. «Por outra via, todos sabemos como o rigor da lei, ao denegar ex silentio o favor da limitação da responsabilidade ao empresário individual, é por toda a parte facilmente iludido, graças ao expediente das sociedades unipessoais», um fenómeno, como também se sabe, hoje vulgaríssimo na prática de todos os países. 2. Apontaram-se, e contraditaram-se, as principais razões que poderiam condenar a admissão do novo instituto. Enunciem-se agora os mais importantes argumentos em seu favor. Como também já se aduziu, o exercício profissional da actividade mercantil implica pesados riscos: é a álea inerente ao comércio. Para alcançar benefícios, importa correr o risco de suportar graves prejuízos. Prejuízos que no limite podem acarretar a ruína da empresa, sendo certo que, no quadro do direito vigente, é muito difícil que a ruína da empresa não arraste consigo a do próprio empresário (individual) e virtualmente a da sua família: de facto, é princípio acolhido na generalidade dos sistemas jurídicos o de que o devedor responde com todo o seu património pelas obrigações validamente assumidas. Por outro lado, a regulamentação a que o nosso direito sujeita as dívidas comerciais dos devedores casados em regime de comunhão [v. Código Civil, artigo 1691.º, n.º 1, alínea d), e Código Comercial, artigos 15.º e 10.º], associada à realidade sociológica portuguesa (são poucos entre nós os casamentos em que vigora o regime de separação de bens), torna pouco provável que a falência do comerciante não consuma o melhor do património familiar. O juízo favorável à limitação de responsabilidade do empresário singular, que daqui emerge, não se altera se forem perspectivadas as coisas do ponto de vista do interesse da própria organização mercantil, ou seja, da empresa. Certo é que os credores da empresa perdem agora a
333 MINISTÉRIO PÚBLICO, 2009.
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vantagem de poderem executar a totalidade do património do empresário e do seu casal, mas ganham em troca a de verem os bens investidos no estabelecimento rigorosamente afectados ao pagamento das dívidas contraídas na respectiva exploração. Efectivamente, qualquer que seja a opção tomada quanto ao enquadramento jurídico do novo instituto, sempre ela há-de ter por base a constituição de um património autónomo ou de afectação especial, com o regime característico (bem conhecido) desta figura. Ponto é que, ao delinearem-se os contornos jurídicos do instituto, efectivamente se acautelem os vários interesses envolvidos, quer exigindo a destinação ao escopo mercantil de uma massa patrimonial de valor suficientemente elevado, quer instituindo os necessários mecanismos de controle da afectação desse património ao fim respectivo. 3. De resto, a inovação legislativa de que se trata não representará um salto no desconhecido por parte do legislador português, antes tal actuação alinhará com a de outras legislações que, frequentemente, têm sido fonte de inspiração da nossa. Com efeito, razões idênticas ou próximas das atrás apontadas levaram a que, recentemente, na Alemanha (GmbH-Novelle de 1980) e na França (Lei n.º 185-697, de 11 de Julho de 1985) fosse dada resposta legislativa favorável à pretensão do empresário individual de afectar ao giro mercantil unicamente uma parte do seu património. A solução adoptada pelos legisladores alemão e francês - admissibilidade da criação ab initio da sociedade unipessoal de responsabilidade limitada - é, de facto, uma das duas vias possíveis para enquadrar juridicamente a situação em causa. A outra é representada pela criação de uma nova figura jurídica - a empresa (rectius: o estabelecimento) individual de responsabilidade limitada (com ou sem personalidade jurídica). Qualquer destas soluções tem a seu favor e contra si vários argumentos. Examine-se a primeira, que é a da sociedade unipessoal. 4. Consistirá esta na admissibilidade da constituição de uma sociedade comercial de responsabilidade limitada com um único sócio. Por ela enveredaram, como já foi dito, os legisladores alemão e francês. Certo que, tanto nos países europeus (mormente nos de cultura jurídica germânica) como em algumas nações latino-americanas, não se desconhece a específica problemática inerente à solução frontal da questão, ou seja, a admissão da figura do estabelecimento (empresa) mercantil individual de responsabilidade limitada. Pelo contrário, o assunto tem sido repetidamente objecto de profundas análises doutrinais e, até, de vários projectos legislativos. No entanto, não foi essa a solução que prevaleceu nos referidos países. Por quê? 5. Foram duas, no essencial, as razões que levaram o legislador alemão a optar pela solução consagrada na GmbH-Novelle de 1980: a) A grande difusão que a «Gesellsschaft mit beschrankter Haftung» unipessoal conhecia na prática: há longo tempo admitida pela doutrina e jurisprudência, o próprio legislador a tinha já reconhecido (assim, o § 15 da Umwandlungsgesetz, de 6 de Novembro de 1986). Mas há mais. A praxis não legitimava apenas a sociedade de responsabilidade limitada que em certo momento, em virtude de vicissitudes normais da sua existência jurídica, ficara reduzida a um único sócio: ia bastante mais longe, pois coonestava as próprias sociedades ab initio constituídas por um único sócio verdadeiro, secundado (por via das aparências) por um ou mais testas-de-ferro (Strohmanner); b) A maior facilidade em delinear um regime jurídico para esta situação: com efeito, a admissão da sociedade de responsabilidade limitada de um único sócio (Einmann-GmbH) apenas implicaria a adaptação de algumas normas do regime da GmbH, ao passo que a outra opção - criação da empresa individual de responsabilidade limitada - levantaria muito mais graves dificuldades. Assim se pensou e escreveu na Alemanha. E não foram por certo diferentes das referidas as razões que pesaram no espírito do legislador francês e o levaram a admitir a constituição da sociedade de responsabilidade limitada com um único sócio (aliás, curiosamente, a lei em questão intitula-se «loi relative à l'entreprise unipersonnelle à responsabilité limitée»). Assim procedendo, renunciou-se ao conceito tradicional da sociedade como contrato Dogmaticamente, a sociedade é contrato e é instituição. Entretanto, as duas citadas leis pressupõem, ambas uma construção dogmática em que aquela primeira componente (a ideia de contrato) é obliterada, ficando a sociedade reduzida à sua vertente institucional. E isto porque, bem atentas as coisas, e perspectivada agora a matéria a outra luz, a sociedade passa a ser preferentemente olhada como uma técnica de organização da empresa. O número daqueles que podem tirar proveito dessa técnica passa a não interessar. A sociedade de uma única pessoa não deixa de ser sociedade.
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6. Quanto, porém, ao nosso país, as coisas não se apresentam do mesmo modo: as razões apontadas no número anterior não valem aqui com a mesma intensidade. É certo que a ideia da sociedade com um único sócio encontra hoje aceitação generalizada tanto na doutrina como na prática, e até o novo Código das Sociedades Comerciais, vencidas algumas hesitações, lhe dará consagração igual àquela que um importante sector da doutrina nacional de há muito vinha preconizando. Mas, em contrapartida, não deixa de ser verdade que entre nós (diferentemente do que acontece na Alemanha) nunca se admitiu - entre outras razões, por fidelidade à ideia da sociedade-contrato - a unipessoalidade originária. E não menos certo é, por outro lado, que (e também ao invés do que se passa naquele país) as contribuições doutrinais portuguesas sobre a regulamentação jurídica específica das sociedades de um único sócio são escassas. A hipótese configurada no artigo 488.º daquele novo Código repercute um regime excepcional, que não altera esta forma de ver as coisas. Eis porque, tudo pesado, não parece que a figura da sociedade unipessoal, nos latos termos em que passou a ser emitida no direito alemão e francês, seja em Portugal o instrumento jurídico mais apropriado para a solução do problema da limitação de responsabilidade do empresário individual. Mais lógico e mais conforme com os princípios tradicionais do nosso direito se apresenta o outro caminho apontado: a criação de um novo instituto jurídico - o estabelecimento mercantil individual de responsabilidade limitada. Esta se afigura ser a solução preferível, apesar da inovação que representa e das acrescidas dificuldades de regulamentação que determina. 7. Dilucidado este problema, outra questão desponta, que é a de saber se a disciplina legal da empresa individual de responsabilidade limitada deve assentar na construção desta empresa como pessoa jurídica, ou ter como ponto de referência a ideia de património autónomo ou de afectação especial. O projecto de lei recentemente apresentado ao Parlamento Belga, que contém uma proposta de regulamentação bastante minuciosa na presente matéria, orienta-se expressamente no sentido da empresa-pessoa jurídica. Tal construção parece, em rigor, desnecessária. Sobre este assunto escreveu-se, não há muito tempo, numa revista jurídica portuguesa, o seguinte: Alguns dos autores que dão a sua adesão à ideia da criação legal da E. I. R. L. - em detrimento da administração da sociedade unipessoal (lato sensu) - propõem que àquela seja atribuída a personalidade jurídica, vendo no fenómeno um acto jurídico unilateral, semelhante ao acto pelo qual se institui uma fundação - com a diferença de o fim social previsto na lei ser aqui substituído pelo fim económico lucrativo. Outros, porém, rejeitam uma tal construção, pronunciando-se antes pela solução que concebe a E. I. R. L. como um património separado ou autónomo ou, de outro ângulo de vista, como um património de afectação. Por nossa parte, não reconhecemos a este ponto uma importância fundamental, pois qualquer das vias apontadas poderá conduzir a resultados satisfatórios. Necessário é que o legislador, optando por uma delas, consagre uma instituição estruturada de molde a servir os interesses do comerciante, sem, contudo, descurar a protecção dos interesses de terceiros (contendo normas destinadas a evitar ou reprimir abusos que a introdução dessa instituição no ordenamento jurídico poderia propiciar). No entanto, sempre diremos que a primeira das alternativas que se depara ao legislador nos parece representar, em relação à segunda, um processo mais complicado e, simultaneamente, mais artificial Efectivamente, se o que se pretende consagrar é um expediente técnico legal que permita ao comerciante em nome individual destacar do seu património geral uma parte dos seus bens, para a destinar à actividade mercantil, então o meio mais directo (e também o único despido de ficção) será o de conceber a E. I. R. L. como um património separado. Esta análise parece correcta, sendo aceitável, nas suas linhas gerais, a conclusão que propõe. Ela servirá, pois, de base à disciplina jurídica acolhida no presente diploma. De resto, a limitação de responsabilidade do agente económico individual tem tradições muito antigas no direito mercantil. Referimo-nos à possibilidade desde cedo reconhecida ao armador de limitar a sua responsabilidade pelos riscos da expedição marítima à chamada «fortuna de mar», ficando a salvo deles a «fortuna da terra». 8. Certo que contra a solução adoptada militaria o chamado princípio da unidade e da indivisibilidade do património, se tal princípio valesse com o carácter absoluto que por alguns autores mais antigos (como Aubry e Rau) lhe foi atribuído: cada pessoa apenas pode ter um único património, o qual não é susceptível de ser dividido - e quem se obriga tudo quanto é seu. Isto é realmente assim em princípio, mas de há muito é reconhecida pelo direito constituído a possibilidade de formação de massas patrimoniais distintas, afectas a fins especiais, dentro do património geral do titular. Basta pensar na massa falida e na herança. É
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verdade que esta separação patrimonial só existe em casos contados - aqueles em que o legislador considerou dever seguir esse caminho por atenção a interesses julgados especialmente relevantes e que devem prevalecer sobre aquele de que é expressão entre nós e artigo 601.º do Código Civil. Mas justamente do que se trata é de saber se o interesse que está a ser encarado não deverá ser tutelado legislativamente de modo análogo. Ora, as razões invocadas logo de início - as razões susceptíveis de justificarem a limitação da responsabilidade do comerciante singular - levam a responder afirmativamente a esta questão. 9. Isto posto, há que acentuar uma ideia que, como se evidenciou (n.º 1), está no espírito de todos quantos têm aderido à tese da admissibilidade da limitação da responsabilidade do empresário individual. Trata-se do seguinte: se o interesse do comerciante leva a admitir aquela limitação, importa, por outra via, acautelar, através de medidas apropriadas, o interesse de terceiros que entram em relação com o estabelecimento. Neste sentido devem figurar no estatuto da empresa ou estabelecimento de responsabilidade limitada normas que assegurem a efectiva realização do capital com que o mesmo estabelecimento se constitui; que fixem um capital inicial mínimo suficientemente elevado para evitar o recurso à limitação de responsabilidade em empreendimentos que, pelo seu porte, a não justifiquem; que garantam a adequada publicidade dos vários actos concernentes à constituição, funcionamento e extinção da empresa ou estabelecimento de responsabilidade limitada; que consagrem a autonomia patrimonial dos bens destinados pelo comerciante à empresa, em termos de estes só virem a responder pelas dívidas contraídas na respectiva exploração e de, por outro lado, tais dívidas serem unicamente garantidas por esses bens; que assegurem a efectividade da separação patrimonial, prevendo, designadamente, que o comerciante passe a responder com a totalidade dos seus bens pelas dívidas comerciais, sempre que não respeite aquela separação; que imponham ao comerciante a obrigação de manter uma escrituração e contabilidade adequadas a revelar, ano a ano, com exactidão e verdade, os resultados da sua exploração. 10. Resta dizer uma palavra sobre a denominação do novo instituto: empresa ou estabelecimento individual de responsabilidade limitada? Os vocábulos «empresa» e «estabelecimento» são muitas vezes tomados como sinónimos; o que está certo, desde que a palavra «empresa» surja, em determinado contexto, para aludir a um objecto de direitos, a um valor no património de alguém. Mas a Palavra «empresa» serve também para referir a própria actividade do empresário - a actividade organizada para a produção ou circulação de bens e a prestação de serviços, com vista ao mercado e à obtenção de um lucro. Coisa diversa, pois, do que usualmente se entende por estabelecimento comercial; este é o conjunto organizado de meios através dos quais o comerciante explora a sua empresa. Vistas as coisas deste modo, o que pretende autonomizar-se em relação ao património geral do titular não é certamente a empresa - uma actividade - mas sim o estabelecimento. Daí que se tenha preferido para a figura que ora se cria a designação de estabelecimento individual de responsabilidade limitada. 11. Como vai disposto no lugar próprio, nenhuma pessoa física poderá ter mais do que um estabelecimento sujeito ao regime instituído por este diploma Nada obsta, porém, a que a um mesmo estabelecimento ou organização mercantil correspondam várias unidades técnicas. Claro está que pode constituir delicado problema averiguar, em determinado caso, se se está em presença de estabelecimentos autónomos ou de simples formas de descentralização de um mesmo estabelecimento. Tornando-se extremamente arriscado formular em tal matéria critérios precisos, prefere deixar-se neste momento a solução em termos gerais do problema à doutrina e à jurisprudência. A optar-se aqui pela via da definição legislativa, a ocasião própria para o fazer será a da regulamentação global da matéria mercantil e, desiignadamente, do estabelecimento comercial, regulamentação que, aliás, está prevista. Assim: O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
CAPÍTULO I Constituição Artigo 1.º (Disposições preliminares) 1 - Qualquer pessoa singular que exerça ou pretenda exercer uma actividade comercial pode constituir para o efeito um estabelecimento individual de responsabilidade limitada.
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2 - O interessado afectará ao estabelecimento individual de responsabilidade limitada uma parte do seu património, cujo valor representará o capital inicial do estabelecimento. 3 - Uma pessoa só pode ser titular de um único estabelecimento individual de responsabilidade limitada. Artigo 2.º (Forma do acto constitutivo) 1 - A constituição do estabelecimento individual de responsabilidade limitada deve ser reduzida a escrito, salvo se forma mais solene for exigida para a transmissão dos bens que representam o capital inicial do estabelecimento. 2 - O documento de constituição deve conter: a) A firma, sede, objecto e capital do estabelecimento; b) A declaração de que se procedeu ao depósito das quantias liberadas, nos termos do artigo 3.º, e de que foram feitas as entradas em espécie, se as houver; c) O nome, a nacionalidade e o domicílio do titular do estabelecimento e ainda a firma, se a tiver; d) A data em que o estabelecimento inicia a sua actividade e o respectivo prazo de duração, se não for constituído por tempo indeterminado; e) O montante aproximado dos impostos ou taxas a cujo pagamento o titular fique sujeito em virtude da constituição do estabelecimento individual de responsabilidade limitada. 3 - A firma do estabelecimento será constituída pelo nome do titular, acrescido ou não de uma referência ao objecto do comércio nele exercido, e incluirá sempre o aditamento «estabelecimento individual de responsabilidade limitada» ou a sigla «E. I. R. L.». Artigo 3.º (Capital - Sua formação) 1 - O montante do capital é sempre expresso em moeda com curso legal em Portugal. 2 - O capital mínimo do estabelecimento não pode ser inferior a 5000 euros. 3 - O capital será realizado em numerário, coisas ou direitos susceptíveis de penhora, não podendo a parte em numerário ser inferior a dois terços do capital mínimo. 4 - O capital deve estar integralmente liberado no momento em que for requerido o registo do estabelecimento e a parte em numerário, deduzidas as quantias referidas na alínea e) do n.º 2 do artigo 2.º, encontrar-se depositada numa instituição de crédito à ordem do titular do estabelecimento há menos de três meses. 5 - O depósito referido no número anterior deve ser realizado em conta especial, que só pode ser movimentada após o registo definitivo do acto constitutivo. 6 - O depositante pode dispor livremente das quantias depositadas se o registo da constituição do estabelecimento não for pedido no prazo de três meses a contar do depósito. 7 - Se houver entradas em espécie, o pedido do registo da constituição do estabelecimento deve ser instruído com um relatório elaborado por revisor oficial de contas em que se descreva o seu objecto e se indiquem os critérios da respectiva avaliação e o valor atribuído a cada uma delas. 8 - Se os bens referidos no número anterior determinarem, pela sua natureza, forma mais solene para a constituição do estabelecimento, o referido relatório deve ser apresentado no momento do acto constitutivo. Artigo 4.º (Controle) (Revogado pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março). Artigo 5.º (Registo e publicação do acto constitu tivo) 1 - O pedido de registo de constituição do estabelecimento individual de responsabilidade limitada no registo comercial deve ser instruído com: a) O documento comprovativo do acto constitutivo; b) O relatório a que se refere o n.º 7 do artigo 3.º, se for caso disso; c) Documento comprovativo do cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 3.º 2 - Compete à conservatória do registo competente, nos termos da legislação que lhe é aplicável, promover a publicação do acto constitutivo.
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Artigo 6.º (Eficácia do acto constitutivo em rela ção a terceiros) O acto constitutivo do estabelecimento individual de responsabilidade limitada é eficaz em relação a terceiros a partir da sua publicação, nos termos do n.º 2 do artigo anterior, não impedindo a falta de publicação que o referido acto constitutivo seja invocado por e contra terceiros que dele tivessem conhecimento ao tempo da criação dos seus direitos. Artigo 7.º (Responsabilidade pela constituição) O titular do estabelecimento individual de responsabilidade limitada responde nos termos gerais, perante qualquer interessado, pela inexactidão e deficiências das indicações e declarações prestadas com vista à constituição do estabelecimento, designadamente pelo que respeita à realização das entradas e ao cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 3.º CAPÍTULO II Administração e funcionamento Artigo 8.º (Administração) A administração do estabelecimento individual de responsabilidade limitada compete ao seu titular, ainda que seja casado e, por força do regime matrimonial de bens, o estabelecimento pertença ao património comum do casal. Artigo 9.º (Actos externos) Sem prejuízo de outras menções exigidas por leis especiais, em todos os contratos, correspondência, publicações, anúncios, sítios na Internet e de um modo geral em toda a actividade externa, os estabelecimentos devem indicar claramente, além da firma, a sede, a conservatória do registo comercial onde se encontrem matriculados, o número de matrícula nessa conservatória, o número de identificação de pessoa colectiva e, sendo caso disso, a menção de que o estabelecimento se encontra em liquidação. Artigo 10.º (Dívidas pelas quais responde o patri mónio do estabelecimento individual de responsabilidade limitada) 1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 22.º, o património do estabelecimento individual de responsabilidade limitada responde unicamente pelas dívidas contraídas no desenvolvimento das actividades compreendidas no âmbito da respectiva empresa. 2 - Se os restantes bens do titular forem insuficientes e sem prejuízo da parte final do artigo 6.º, aquele património responde unicamente pelas dívidas que este tenha contraído antes de efectuada a publicação a que se refere o n.º 2 do artigo 5.º Artigo 11.º (Responsabilidade pelas dívidas do es tabelecimento individual de responsabilidade limitada) 1 - Pelas dívidas resultantes de actividades compreendidas no objecto do estabelecimento individual de responsabilidade limitada respondem apenas os bens a este afectados. 2 - No entanto, em caso de falência do titular por causa relacionada com a actividade exercida naquele estabelecimento, o falido responde com todo o seu património pelas dívidas contraídas nesse exercício, contanto que se prove que o princípio da separação patrimonial não foi devidamente observado na gestão do estabelecimento. 3 - No caso previsto no número anterior, a responsabilidade aí cominada recai sobre todo aquele que, tendo exercido anteriormente a administração do estabelecimento individual de responsabilidade limitada, haja transgredido nessa administração o princípio da separação de patrimónios. Se forem vários os obrigados, respondem solidariamente. CAPÍTULO III
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Elaboração das contas anuais Artigo 12.º (Elaboração das contas anuais) 1 - Em cada ano civil, o titular elabora as contas do estabelecimento individual de responsabilidade limitada. 2 - As contas referidas no número anterior são constituídas pelo balanço e demonstração dos resultados líquidos e são elaboradas nos termos da lei. 3 - No documento que contém as contas anuais ou em anexo a este, deve mencionar-se o destino dos lucros. 4 - O titular do estabelecimento individual de responsabilidade limitada deve submeter as contas a parecer de revisor oficial de contas por ele escolhido. 5 - A informação respeitante aos documentos previstos nos n.os 2 a 4 está sujeita a registo comercial, nos termos da lei respectiva. 6 - O titular do estabelecimento deve disponibilizar aos interessados, no respectivo sítio da Internet, quando exista, e na sede do estabelecimento cópia integral do parecer do revisor oficial de contas. Artigo 13.º (Remuneração) A remuneração que o titular do estabelecimento individual de responsabilidade limitada pode atribuir-se, como administrador, não excederá em caso algum o correspondente ao triplo do salário mínimo nacional. Artigo 14.º (Intangibilidade do capital) 1 - O titular do estabelecimento individual de responsabilidade limitada não pode desafectar do património do estabelecimento, para fins não relacionados com a actividade deste, quantias que não correspondam aos lucros líquidos acusados pelo balanço anual. 2 - Pode, contudo, levantar quantias por conta dos lucros líquidos do exercício em curso. Se, no fim do exercício, tais quantias excederem o montante dos lucros referidos no número anterior, será o excedente restituído ao património do estabelecimento no prazo de seis meses a seguir ao fecho das contas. Pelo cumprimento desta obrigação o titular responde com todo o seu património. Artigo 15.º (Reserva legal) 1 - Será obrigatoriamente criado um fundo de reserva, ao qual o titular destinará uma fracção dos lucros anuais não inferior a 20%, até que esse fundo represente metade do capital do estabelecimento. Este fundo deve ser reintegrado sempre que se encontre reduzido. 2 - O fundo de reserva previsto no número anterior só pode ser utilizado: a) Para cobrir a parte do prejuízo acusado no balanço anual que não possa ser coberta pela utilização de outras reservas; b) Para cobrir a parte dos prejuízos transitados do exercício anterior que não possa ser coberta pelo lucro do exercício nem pela utilização de outras reservas. c) Para incorporação no capital. CAPÍTULO IV Alteração do acto constitutivo Artigo 16.º (Requisitos de forma e publicidade) 1 - As alterações do acto constitutivo do estabelecimento individual de responsabilidade limitada devem ser reduzidas a escrito, porém, se a alteração envolver aumento de capital com entradas em bens diferentes de dinheiro para cuja transmissão a lei exija forma mais solene, deve revestir essa forma. 2 - A alteração será inscrita no registo comercial, devendo juntar-se ao requerimento de inscrição uma certidão ou fotocópia autenticada da escritura de alteração. O conservador do registo comercial promoverá, nos termos da legislação a este aplicável, a publicação da alteração no Diário da República. 3 - É aplicável à alteração do acto constitutivo o disposto no artigo 6.º
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SECÇÃO I Aumento do capital Artigo 17.º (Aumento do capital mediante novas entradas) 1 - As entradas correspondentes ao aumento do capital do estabelecimento individual de responsabilidade limitada podem ser em numerário, coisas ou direitos susceptíveis de penhora. 2 - Ao aumento de capital são aplicáveis, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.os 4 a 6 do artigo 3.º e no artigo 7.º Artigo 18.º (Aumento do capital mediante incorporação de reserv as) 1 - O aumento do capital do estabelecimento individual de responsabilidade limitada pode ser também efectuado mediante incorporação de reservas disponíveis. 2 - Este aumento só pode ser efectuado depois de elaboradas as contas do último exercício; se, porém, já tiverem decorrido mais de seis meses sobre a elaboração dessas contas, a existência das reservas a incorporar só pode ser provada por um balanço especial, organizado nos termos previstos para o balanço anual. 3 - O balanço anual, ou o balanço especial a que se refere o número anterior, acompanhado de um parecer elaborado por um revisor oficial de contas devem ser depositados na conservatória do registo competente. SECÇÃO II Redução do capital Artigo 19.º Redução do capital 1 - Após a redução do capital, a situação líquida do estabelecimento tem de exceder o novo capital em, pelo menos, 20%. 2 - O capital pode ser reduzido para um montante inferior ao mínimo fixado no artigo 3.º, não produzindo a redução efeitos enquanto não for efectuado um aumento do capital que o eleve ao mínimo exigido. 3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, qualquer credor do estabelecimento individual de responsabilidade limitada pode, no prazo de um mês após a publicação do registo da redução do capital, requerer ao tribunal que seja vedado ao titular retirar do estabelecimento quaisquer verbas provenientes da redução, ou a título de reservas disponíveis ou de lucros, durante um período a fixar, a não ser que o crédito do requerente seja satisfeito, se já for exigível, ou adequadamente garantido, nos restantes casos. 4 - A faculdade conferida aos credores no número anterior apenas pode ser exercida se estes tiverem solicitado ao titular do estabelecimento a satisfação do seu crédito ou a prestação de garantia adequada, há pelo menos 15 dias, sem que o seu pedido tenha sido atendido. 5 - Antes de decorrido o prazo concedido aos credores sociais nos números anteriores, o titular do estabelecimento fica sujeito à proibição referida no n.º 3, valendo a mesma proibição a partir do conhecimento de que algum credor requereu a providência ali indicada. Artigo 20.º (Redução do capital para compensar perdas) (Revogado pelo Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro.) CAPÍTULO V Negociação, oneração e penhora do estabelecimento individual de responsabilidade limitada Artigo 21.º (Negócios jurídicos e direitos sobre o estabelecime nto)
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1 - O estabelecimento individual de responsabilidade limitada pode ser transmitido por acto gratuito ou oneroso, ou dado em locação. Pode ainda sobre ele constituir-se um usufruto ou um penhor, produzindo este os seus efeitos independentemente da entrega do estabelecimento ao credor. 2 - Os actos referidos no número anterior, enquanto actos entre vivos, estão sujeitos às condições de forma e de publicidade previstas no artigo 16.º 3 - Ao locatário e ao usufrutuário do estabelecimento individual de responsabilidade limitada, durante o período de duração da locação e do usufruto, é aplicável o disposto neste diploma sobre os poderes e deveres do titular do estabelecimento. 4 - Se o adquirente do estabelecimento individual de responsabilidade limitada for já titular de um estabelecimento da mesma natureza, será nula a aquisição, sem prejuízo, porém, dos direitos de terceiros de boa fé. Artigo 22.º (Penhora do estabelecimento individual de responsab ilidade limitada) Na execução movida contra o titular do estabelecimento individual de responsabilidade limitada por dívidas alheias à respectiva exploração, os credores só poderão penhorar o estabelecimento provando a insuficiência dos restantes bens do devedor. CAPÍTULO VI Liquidação do estabelecimento individual de responsabilidade limitada Artigo 23.º (Morte do titular ou separação patrimonial dos cônj uges) 1 - A morte do titular do estabelecimento individual de responsabilidade limitada ou, nos casos em que ele for casado, qualquer outra causa que ponha fim à comunhão de bens existentes entre os cônjuges não implica a entrada em liquidação do estabelecimento, mantendo-se a afectação do respectivo património nos termos do acto constitutivo. 2 - Se os herdeiros do titular do estabelecimento individual de responsabilidade limitada ou os cônjuges não chegarem a acordo sobre o valor a atribuir ao estabelecimento ou sobre a quota-parte que deve ingressar no património de cada um, qualquer deles pode pedir ao tribunal que fixe esse valor ou essa quota-parte. 3 - Decorridos 90 dias sobre a morte do titular do estabelecimento ou sobre o acto constitutivo da separação patrimonial dos cônjuges, se os herdeiros ou os cônjuges não vierem a acordo sobre o destino do estabelecimento, qualquer interessado pode pedir a sua liquidação judicial. 4 - Se o titular de um estabelecimento individual de responsabilidade limitada adquirir por sucessão mortis causa a propriedade de um outro estabelecimento da mesma espécie, deverá alienar ou liquidar um deles, ou transmitir a respectiva exploração. 5 - O herdeiro ou o cônjuge não titular do estabelecimento individual de responsabilidade limitada que, em virtude dos factos referidos no n.º 1, venha a assumir a titularidade do estabelecimento, deve dar publicidade à ocorrência nos termos previstos no n.º 1 do artigo 167.º do Código das Sociedades Comerciais, bem como requerer a inscrição da alteração verificada no registo comercial, apresentando, com o requerimento de inscrição, os documentos que atestem a mudança de titularidade do estabelecimento individual de responsabilidade limitada. Artigo 24.º (Casos de liquidação imediata) O estabelecimento individual de responsabilidade limitada entra imediatamente em liquidação: a) Por declaração do seu titular, expressa em documento particular; b) Pelo decurso do prazo fixado no acto constitutivo; c) Pela sentença que declare a insolvência do titular; d) Pela impossibilidade de venda judicial na execução movida por um dos credores do titular, ao abrigo do artigo 22.º Artigo 25.º
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Liquidação por via administrativa 1 - A liquidação por via administrativa do estabelecimento individual de responsabilidade limitada pode ter lugar se algum interessado a requerer com um dos seguintes fundamentos: a) Ter sido completamente realizado o objecto do estabelecimento individual de responsabilidade limitada ou verificada a impossibilidade de o realizar; b) Encontrar-se o valor do património líquido reduzido a menos de dois terços do montante do capital. 2 - Na hipótese prevista na alínea b) do número anterior, o conservador pode fixar ao titular um prazo razoável, a fim de que a situação seja regularizada, suspendendo-se o procedimento. 3 - A liquidação por via administrativa do estabelecimento individual de responsabilidade limitada é iniciada oficiosamente pelo serviço do registo competente nos seguintes casos: a) Quando, durante dois anos consecutivos, o seu titular não tenha procedido ao depósito dos documentos de prestação de contas e a administração tributária tenha comunicado ao serviço de registo competente a omissão de entrega da declaração fiscal de rendimentos pelo mesmo período; b) Quando a administração tributária tenha comunicado ao serviço de registo competente a ausência de actividade efectiva do estabelecimento, verificada nos termos previstos na legislação tributária; c) Quando a administração tributária tenha comunicado ao serviço de registo competente a declaração oficiosa da cessação de actividade do estabelecimento, nos termos previstos na legislação tributária. Artigo 26.º (Publicação da liquidação) 1 - O titular deverá requerer a inscrição no registo comercial da entrada em liquidação do estabelecimento individual de responsabilidade limitada. 2 - No caso previsto na alínea a) do artigo 24.º, a inscrição faz-se com base no documento ali mencionado. 3 - Nos casos previstos no n.º 3 do artigo 23.º e na alínea c) do artigo 24.º deve o tribunal notificar o serviço de registo competente do início do processo de liquidação judicial ou da sentença que declare a insolvência, respectivamente, para efeitos de promoção pela conservatória, a expensas do titular, do registo de entrada em liquidação do estabelecimento. 4 - Nos casos previstos no artigo 25.º, a inscrição é lavrada oficiosamente, com base no requerimento ou no auto que dá início ao procedimento administrativo de liquidação. 5 - O serviço de registo competente deve promover a publicação da entrada em liquidação do estabelecimento individual de responsabilidade limitada, nos termos da legislação do registo comercial. 6 - A entrada em liquidação do estabelecimento individual de responsabilidade limitada produz efeitos em relação a terceiros a partir do momento em que seja publicada, nos termos do número anterior. Artigo 27.º (Processo de liquidação) 1 - A liquidação do estabelecimento individual de responsabilidade limitada será feita nos termos dos artigos seguintes. Na hipótese de falência, os termos da liquidação são os da lei de processo, devendo respeitar-se sempre a preferência dos credores do estabelecimento em relação aos credores comuns do falido. 2 - A firma do estabelecimento individual de responsabilidade limitada em liquidação deverá ser seguida das palavras «em liquidação». Esta menção e o nome do liquidatário devem figurar em todos os actos e documentos destinados a terceiros. Artigo 28. (Liquidatário) 1 - O liquidatário é o titular do estabelecimento individual de responsabilidade limitada, determinando o modo da liquidação.
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2 - Nas hipóteses de liquidação por via administrativa ou de liquidação judicial, o serviço de registo competente ou o tribunal podem designar outra pessoa como liquidatário, bem como regular o modo da liquidação. Artigo 29.º (Responsabilidade do liquidatário) O liquidatário responde em face de terceiros, nos termos gerais de direito, pelos prejuízos resultantes de irregularidades cometidas no desempenho das suas funções. Se o liquidatário não for o titular do estabelecimento individual de responsabilidade limitada, responderá nos mesmos termos perante este. Artigo 30. (Devem e poderes do liquidatário) 1 - O liquidatário deve ultimar os negócios pendentes, cumprir as obrigações e cobrar os créditos do estabelecimento individual de responsabilidade individual. 2 - O liquidatário pode ainda: a) Continuar temporariamente a actividade anterior do estabelecimento; b) Contrair empréstimos ou empreender outros negócios necessários à efectivação da liquidação; c) Proceder à alienação em globo do estabelecimento individual de responsabilidade limitada. 3 - Se o liquidatário for pessoa diferente do titular do estabelecimento, só com autorização judicial pode praticar os actos referidos no número anterior. Artigo 31. (Liquidação do passivo do estabelecimento individua l de responsabilidade limitada) 1 - O liquidatário pagará todas as dívidas do estabelecimento, exigíveis ou não exigíveis, ainda mesmo que os prazos tenham sido estabelecidos em benefício dos credores. 2 - Os credores serão avisados pelo liquidatário, através de um dos jornais mais lidos na localidade da sede do estabelecimento, de que este se encontra em liquidação e de que deverão apresentar-se a reclamar os seus créditos. 3 - No caso de se verificarem as circunstâncias previstas no artigo 841.º do Código Civil, deve o liquidatário proceder à consignação em depósito do objecto da prestação. 4 - Relativamente às dívidas litigiosas, os liquidatários acautelarão os eventuais direitos do credor por meio de caução, prestada nos termos do Código de Processo Civil. Artigo 32.º (Contas anuais da liquidação) O liquidatário depositará na conservatória do registo comercial competente, nos três primeiros meses de cada ano civil, as contas anuais da liquidação, acompanhadas de um relatório pormenorizado do estado em que esta se encontra. Artigo 33.º (Relatório e contas finais - Inscrição no registo c omercial) 1 - Terminada a liquidação, o liquidatário elabora um relatório final completo e apresenta as contas e documentos àquela relativos. Requer depois a inscrição do encerramento da liquidação no registo comercial, com base no relatório referido. 2 - Ao serviço de registo competente compete promover a publicação do encerramento da liquidação, nos termos da legislação do registo comercial. 3 - Da publicação referida no número anterior devem constar as seguintes menções: a) Firma do estabelecimento individual de responsabilidade limitada; b) Identidade do liquidatário; c) Data do encerramento da liquidação; d) Indicação do lugar onde os livros e documentos estão depositados e conservados pelo prazo mínimo de cinco anos; e) Indicação da consignação das quantias previstas no n.º 3 do artigo 31.º
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4 - O estabelecimento individual de responsabilidade limitada considera-se extinto pela inscrição no registo comercial do encerramento da liquidação. CAPÍTULO VII Disposições finais Artigo 34.º (Declarações feitas para a constituição, alteração ou registo do acto constitutivo do estabelecimento individual de responsabilidade limi tada) O titular que, com vista à constituição do estabelecimento individual de responsabilidade limitada, à sua alteração ou dos respectivos registos, prestar ao conservador do registo comercial ou ao notário falsas declarações ou ocultar factos importantes sobre o montante e realização do capital, natureza das entradas e despesas de constituição, ou atribuir fraudulentamente às entradas em espécie valor superior ao real, será punido nos termos de legislação especial a publicar. Artigo 35.º (Infracções relativas aos documentos que sirvam de base às contas anuais) O titular do estabelecimento individual de responsabilidade limitada ou o seu liquidatário, que conscientemente elaborar quaisquer documentos que sirvam de base às contas de exercício em que se omita, aumente ou diminua, sem fundamento legalmente admissível, qualquer elemento do activo ou do passivo, ou que adopte qualquer outro procedimento susceptível de induzir em erro acerca da composição, valor e liquidez do património, será punido nos termos de legislação especial a publicar. Artigo 35.º-A Capital mínimo Os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada cujos titulares não tenham procedido ao aumento do capital do estabelecimento até ao montante mínimo previsto no n.º 2 do artigo 3.º entram em liquidação, através de procedimento administrativo iniciado oficiosamente no serviço de registo competente. Artigo 36.º (Vigência) Este diploma entra em vigor 60 dias após a sua publicação e aplica-se aos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que se constituam e tenham a sede principal e efectiva em Portugal. Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 10 de Julho de 1986. - Aníbal António Cavaco Silva - Mário Ferreira Bastos Raposo. Promulgado em 29 de Julho de 1986. Publique-se. O Presidente da República, MÁRIO SOARES. Referendado em 30 de Julho de 1986. O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.
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ANEXO V
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS PORTUGUÊS 334 CAPÍTULO X SOCIEDADES UNIPESSOAIS POR QUOTAS Artigo 270.º - A (Constituição) 1. A sociedade unipessoal por quotas é constituída por um sócio único, pessoa singular ou colectiva, que é o titular da totalidade do capital social. 2. A sociedade unipessoal por quotas pode resultar da concentração na titularidade de um único sócio das quotas de uma sociedade por quotas, independentemente da causa da concentração. 3 - A transformação prevista no número anterior efectua-se mediante declaração do sócio único da sua vontade de transformar a sociedade em sociedade unipessoal por quotas, a qual deve constar: a) Da própria escritura de cessão de quotas por força da qual passe a ser o titular da totalidade do capital social; b) De escritura autónoma, sendo, no entanto, suficiente documento particular se da sociedade não fizerem parte bens para cuja transmissão seja necessária a referida forma solene. 4 - A constituição originária da sociedade unipessoal por quotas deve ser celebrada por escritura pública, sendo suficiente documento particular se não forem efectuadas entradas em bens diferentes de dinheiro para cuja transmissão seja necessária aquela forma. 5 - Por força da transformação prevista no n.º 3 deixam de ser aplicáveis todas as disposições do contrato de sociedade que pressuponham a pluralidade de sócios. 6 - O estabelecimento individual de responsabilidade limitada pode, a todo o tempo, transformar-se em sociedade unipessoal por quotas, mediante escritura pública, salvo se do seu património não fizerem parte bens para cuja transmissão seja necessária aquela forma, caso em que é suficiente documento particular. 7 - As transformações previstas nos n.os 3 e 6 do presente artigo, que sejam tituladas por documento particular, bem como a constituição originária da sociedade unipessoal por quotas por documento da mesma natureza, nos casos em que esta forma é considerada suficiente, não produzem quaisquer efeitos antes de efectuado o registo e respectiva publicação. Artigo 270.º - B (Firma) A firma destas sociedades deve ser formada pela expressão "sociedade unipessoal" ou pela palavra "unipessoal" antes da palavra "Limitada" ou da abreviatura "Lda". Artigo 270.º - C (Efeitos da unipessoalidade) 1. Uma pessoa singular só pode ser sócia de uma única sociedade unipessoal por quotas. 2. Uma sociedade por quotas não pode ter como sócio único uma sociedade unipessoal por quotas. 3. No caso de violação das disposições dos números anteriores qualquer interessado pode requerer a dissolução das sociedades. 4. O tribunal pode conceder um prazo até seis meses para a regularização da situação. Artigo 270.º - D (Pluralidade de sócios) 1. O sócio único de uma sociedade unipessoal por quotas pode modificar esta sociedade em sociedade por quotas plural através de divisão e cessão da quota ou de aumento de capital
334 PORTUGAL. Código das sociedades comerciais. Disponível em:
<http://www.stj.pt/nsrepo/geral/cptlp/Portugal/CodigoSociedadesComerciais.pdf> Acesso em: 06-07-2009.
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social por entrada de um novo sócio, devendo, nesse caso, ser eliminada da firma a expressão "sociedade unipessoal", ou apalavra "unipessoal", que nela se contenha. 2. A escritura de divisão e cessão de quota ou de aumento de capital é título bastante para registo da modificação. 3. Se a sociedade tiver adoptado antes o tipo de sociedade por quotas, passará a reger-se pelas disposições do contrato de sociedade que, nos termos do n.º4 do artigo 270.º - A, lhe eram inaplicáveis em consequência da unipessoalidade. 4. No caso de concentração previsto no n.º 2 do artigo 270.ºA, o sócio único pode evitar a unipessoalidade se, no prazo legal, restabelecer a pluralidade de sócios. Artigo 270.º - E (Decisões do sócio) 1. Nas sociedades unipessoais por quotas o sócio único exerce as competências das assembleias gerais, podendo, designadamente, nomear gerentes. 2. As decisões do sócio de natureza igual às deliberações da assembleia geral devem ser registadas em acta por ele assinada. Artigo 270.º - F (Contrato do sócio com a sociedade unipessoal) 1. Os negócios jurídicos celebrados entre o sócio único e a sociedade devem servir a prossecução do objecto da sociedade e a respectiva autorização tem de constar da escritura de constituição da sociedade ou da escritura de alteração do contrato de sociedade ou da de aumento do capital social. 2. Os negócios jurídicos entre o sócio único e a sociedade obedecem à forma legalmente prescrita e, em todos os casos, devem observar a forma escrita. 3. Os documentos de que constam os negócios jurídicos celebrados pelo sócio único e a sociedade devem ser patenteados conjuntamente com o relatório de gestão e os documentos de prestação de contas; qualquer interessado pode, a todo o tempo, consultá-los na sede da sociedade. 4. A violação do disposto nos números anteriores implica a nulidade dos negócios jurídicos celebrados e responsabiliza ilimitadamente o sócio. Artigo 270.º - G (Disposições subsidiárias) Às sociedades unipessoais por quotas aplicam-se as normas que regulam as sociedades por quotas, salvo as que pressupõem a pluralidade de sócios.
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ANEXO VI
PROJETO DE LEI Nº 2.730, DE 2003335
Dispõe sobre a sociedade unipessoal. O Congresso Nacional decreta: Art. 1º A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 985-A: “Art. 985-A. A sociedade unipessoal será constituída por um único sócio, pessoa singular ou coletiva, que é o titular da totalidade do capital social. § 1º A sociedade unipessoal também poderá resultar da concentração das quotas da sociedade num único sócio, independentemente da causa da concentração. § 2º A firma da sociedade deverá ser formada pela expressão "Sociedade Unipessoal" ou "Unipessoal" antes da palavra "Limitada" ou da abreviatura "Ltda.". § 3º Somente o patrimônio social responderá pelas dívidas da sociedade unipessoal.” Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
A criação da sociedade unipessoal visa a colocar sob o abrigo da proteção legal os comerciantes individuais, que não têm meios de constituir grandes empresas ou delas participar na qualidade de sócios. Com esta medida, facilita-se o estabelecimento de pequenos negócios, estimulando-se a economia do País. A Sociedade Unipessoal é uma solução jurídica que vem ao encontro do anseio do comerciante individual, principalmente contemplando a divisão ente o patrimônio da pessoa física e o da pessoa jurídica. Podemos até mesmo dizer que, no caso de micro e pequenas empresas, a realidade aponta para a existência de uma forma de sociedade unipessoal, cuja arcabouço é o de sociedade por cotas de responsabilidade limitada, que, na verdade, esconde, com o manto da legalidade, a unipessoalidade no exercício da mercancia. A sociedade unipessoal já existe em outros ordenamentos jurídicos, atendendo às exigências da sociedade moderna. O Direito brasileiro não pode ficar alheio a esse fato social, que está a reclamar do Legislador uma tomada de posição, no sentido de adequar a legislação vigente às necessidades e aspirações dessa classe de comerciantes, que representam uma parcela importante de nossa economia. Para tanto, contamos com o apoio de nossos ilustres Pares, a fim de propiciarmos a aprovação deste Projeto de Lei. Sala das Sessões, em de de 2003. Deputado ALMIR MOURA
335 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projetos de lei. Disponível em:<http://www.camara
.gov.br/sileg/MontarIntegra.asp?CodTeor=189037.pdf> . Acesso em: 30/09/09
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ANEXO VII
PROJETO DE LEI Nº 3.667, DE 2004336 Altera o Código Civil e dispõe sobre as sociedades empresárias. O CONGRESSO NACIONAL decreta: (...) Art. 13. A sociedade limitada pode ser constituída e existir regularmente por um único sócio, que seja pessoa física residente no País. Parágrafo único. Este dispositivo aplica-se às sociedades simples (arts. 997 a 1.038 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, Código Civil) e de advogados (arts. 15 a 17 da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, Estatuto da Advocacia). Art. 14. A pessoa jurídica de direito privado, inclusive a sociedade unipessoal, que praticar ato ou promover atividade ilegais será dissolvida a pedido do Ministério Público. JUSTIFICAÇÃO Dois são os objetivos do presente Projeto de Lei: O primeiro é alterar as disposições da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) referente às sociedades limitadas que não têm se mostrado adequadas à disciplina da matéria. O segundo é o de atualizar as normas sobre as ações de rompimento dos vínculos societários nas sociedades empresárias, que vigoram ainda em dispositivos do antigo Código de Processo Civil de 1939. (...) No art. 13, o projeto propõe modernizar o direito societário brasileiro, emparelhando-o aos muitos que já incorporaram a sociedade limitada unipessoal, isto é, que admite a constituição e funcionamento de uma sociedade limitada com um único sócio pessoa física residente no País. A figura já existe na Alemanha, França, Portugal, Inglaterra, Itália, Áustria, Espanha, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Grécia e na maioria dos estados dos Estados Unidos da América. Também poderão ser unipessoais, se aprovado o projeto, as sociedades simples e as sociedades de advogados. O art. 14 reproduz, com alterações, a norma hoje abrigada no art. 670 do Código de Processo Civil de 1939, que atribui ao Ministério Público a legitimidade para pedir em juízo a dissolução de sociedades ou pessoas jurídicas de direito privado que incorrerem em práticas ilegais. Proposta a revogação dos dispositivos do CPC de 1939 referentes à dissolução, para manter-se a disposição, é necessária sua previsão. Por fim, o art. 15 estabelece a revogação dos arts. 655 a 674 do Código de Processo Civil de 1939, medida legislativa reclamada há pelo menos 30 anos, quando da aprovação da legislação processual de 1973. Sala das Sessões, 26 de maio de 2004. LUIZ CARLOS HAULY PSDB-PR
336 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projetos de lei. Disponível
em:<http://www.camara.gov.br/sileg/integras/222684.pdf>. Acesso em: 30-09-09.
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ANEXO VIII
PROJETO DE LEI Nº 5.805, DE 2005337 Define “pequeno empresário”, institui o “empresário individual de responsabilidade limitada” e estabelece normas para o tratamento favorecido das microempresas e empresas de pequeno porte, nos termos dos arts. 170, IX, e 179 da Constituição Federal, e 970 e 1.179, § 2°, da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. O Congresso Nacional decreta: Art. 1º Esta lei define a expressão “pequeno empresário” para os fins de aplicação da legislação civil, institui a figura do “empresário individual de responsabilidade limitada” e estabelece normas para o tratamento favorecido das microempresas e empresas de pequeno porte, em atendimento ao disposto nos arts. 170, IX, e 179 da Constituição Federal. Art. 2º Para fins do disposto nos arts. 970 e 1.179 da Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002, considera-se pequeno empresário a pessoa jurídica enquadrada na condição de microempresa cujo faturamento não seja superior ao limite previsto no art. 2°, I e § 3°, da Lei n° 9.841, de 5 de outubro de 1999. Art. 3º Fica criada a figura do empresário individual de responsabilidade limitada, enquadrado na forma do inciso II do art. 2º da Lei nº 9.841, de 5 de outubro de 1999, com responsabilidade patrimonial limitada ao montante do capital social, o que deverá ser anotado em sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis. § 1º O empresário individual de responsabilidade limitada poderá ser constituído pela concentração de todas as quotas da sociedade empresária sob titularidade de apenas um sócio, por meio de procedimento de conversão, perante o Registro Público de Empresas Mercantis. Art. 4º As microempresas e as empresas de pequeno porte são desobrigadas da realização de reuniões e assembléias em qualquer das situações previstas na legislação civil, sendo suas decisões tomadas por deliberações simples de sócios cujas quotas representam, no mínimo, o primeiro número inteiro superior à metade do capital social, salvo disposição contratual em contrário. Parágrafo único. Para a exclusão de sócio por justa causa, na hipótese em que um ou mais sócios ponham em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, sempre se exigirá reunião ou assembléia, na forma prevista no contrato social. Art. 5º Os empresários e as sociedades abrangidas por esta lei ficam dispensados da publicação de qualquer ato societário. Art. 6º As sociedades de que trata este lei poderão adotar firma ou denominação, integradas pela palavra final “Limitada” ou sua abreviatura “Ltda.” após as expressões “ME”, no caso de microempresa, ou “EPP”, no caso de empresa de pequeno porte, conforme o caso, sendo facultativa a inclusão do objeto da sociedade. Art. 7º Publicada a presente lei: I - no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios editarão as leis necessárias à adaptação ao aqui disposto, para assegurar o tratamento jurídico diferenciado, simplificado e favorecido às microempresas e às empresas de pequeno porte; II - até que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios editem nova legislação, na forma do inciso anterior, ficam vigentes as atuais leis estaduais, distritais e municipais em favor das microempresas e das empresas de pequeno porte.
337 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projetos de lei. Disponível em
:<http://www.camara.gov.br/sileg/integras/ 335400.pdf>. Acesso em: 30-09-09.
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Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
As microempresas e empresas de pequeno porte são agentes de inclusão econômica e social, e, segundo dados do IBGE, em 2002, eram responsáveis pela ocupação de 57,2% da população economicamente ativa no meio urbano, além de representarem 99,2% das empresas estabelecidas no país. Apenas com estas informações, já se percebe a grandeza do setor, que tem importante papel na mobilidade e estabilidade social. No Brasil, a participação desse seguimento no PIB situa-se em torno de 20%, diferentemente dos países desenvolvidos e com melhor distribuição de renda, onde há um equilíbrio de forças entre o pequeno negócio e as médias e grandes empresas. Analisando pelo lado da competitividade, concluímos que não existe uma relação de equilíbrio entre as grandes e as pequenas empresas, visto que estas se expõem, também, à concorrência predatória daquelas que operam na informalidade. A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – o novo Código Civil -, não define o micro e pequeno empresário, estabelece que o empresário individual responde com seus bens pessoais pelas dívidas da empresa e impõe às ME’s e EPP’s o cumprimento da mesma burocracia exigida para as demais empresas, o que configura um fator que dificulta o crescimento dos pequenos negócios. O presente projeto de lei cria a figura do Empresário Individual de Responsabilidade Limitada, restringindo a sua obrigação perante terceiros ao valor do capital social, estabelece como serão aplicados os dispositivos do novo Código Civil que tratam do pequeno empresário, além de desobrigar as ME’s e EPP’s da realização de reuniões e assembléias, bem como da publicação de quaisquer atos societários. Diante do exposto, esperamos que a nossa iniciativa conte com o apoio dos ilustres pares do Congresso Nacional, para o seu aperfeiçoamento e aprovação. Sala das Sessões, em de de 2005. Deputado Antonio Carlos Mendes Thame
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ANEXO IX
PROJETO DE LEI No 4.605, DE 2009338 Acrescenta um novo artigo 985-A à Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, para instituir a empresa individual de responsabilidade limitada e dá outras providências. O Congresso Nacional decreta: Art. 1º A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 985-A: “Art. 985-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por um único sócio, pessoa natural, que é o titular da totalidade do capital social e que somente poderá figurar numa única empresa dessa modalidade. § 1º A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração. § 2º A firma da empresa individual de responsabilidade limitada deverá ser formada pela inclusão da expressão "EIRL" após a razão social da empresa. § 3º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio pessoal do empresário, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue à Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda. § 4º Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada os dispositivos relativos à sociedade limitada, previstos nos arts. 1.052 a 1.087 desta lei, naquilo que couber e não conflitar com a natureza jurídica desta modalidade empresarial.” Art. 2º Esta lei entra em vigor no prazo de 180 (cento e oitenta) dias de sua publicação oficial.
JUSTIFICAÇÃO
Para justificar a importância de apresentarmos o presente projeto de lei, que tem o objetivo de instituir legalmente a “Sociedade Unipessoal”, também conhecida e tratada na doutrina como “Empresa Individual de Responsabilidade Limitada”, tomamos a liberdade de reproduzir o ótimo artigo publicado na Gazeta Mercantil de 30 de junho de 2003, pág. 1 do caderno “Legal e Jurisprudência”, sob o título “Sociedade limitada e a nova lei”, de autoria do Prof. Guilherme Duque Estrada de Moraes, que é Diretor Vice-Presidente do Instituto Hélio Beltrão e um estudioso da matéria: “Pelo menos desde os primeiros anos da década de 80, discute-se, no Brasil, a instituição da figura da “empresa individual de responsabilidade limitada” ou, simplesmente EIRL. A idéia foi analisada no âmbito do Programa Nacional de Desburocratização, conduzido à época por seu criador, o saudoso Ministro Hélio Beltrão. Na ocasião, tinha-se em mente aplicar o conceito apenas às microempresas, cujo estatuto estava sendo então concebido pela equipe do programa. A prioridade no tratamento da questão tributária fez com que o exame da proposta de criação das EIRLs fosse adiado. Já na década de 90, no âmbito do Programa Federal de Desregulamentação, com o apoio e a colaboração dos então dirigentes do Departamento Nacional do Registro do Comércio, tive a oportunidade de apresentar ao governo um anteprojeto sobre o assunto. O propósito era permitir que o empresário, individualmente, pudesse explorar atividade econômica sem colocar em risco seus bens pessoais, tornando mais claros os limites da garantia oferecida a terceiros. A essa altura, o conceito de "sociedade unipessoal de responsabilidade limitada", adotado na França e em outros países (ou de "estabelecimento individual de responsabilidade limitada", utilizado em Portugal) já estava inserido no direito europeu. O próprio Conselho da Comunidade Européia havia publicado uma diretriz com o objetivo de harmonizar o conceito no âmbito comunitário.
338 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projetos de lei. Disponível
em:<http://www.camara.gov.br/sileg/integras/631421.pdf>. Acesso em: 30-09-09.
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Mas, apesar de rapidamente consagrado na Europa, o conceito não havia sido absorvido por alguns juristas brasileiros, que continuavam a ver a limitação da responsabilidade indissoluvelmente associada ao conceito de sociedade, esse último exigindo, com aparente lógica, a reunião de pelo menos duas pessoas. Pareceres conservadores, nesse sentido, impediram que o Poder Executivo encaminhasse o projeto ao Congresso Nacional. Outros anteprojetos criando as EIRLs chegaram a ser oferecidos ao governo. Destaca-se, entre eles, o anteprojeto de nova lei das limitadas, recentemente produzido por uma comissão de eminentes juristas, coordenada pelo Professor Arnold Wald, em que se admitia expressamente a EIRL. Esse anteprojeto, entretanto, acabou sendo atropelado pelo novo Código Civil e a limitação da responsabilidade ao capital da empresa está, ainda hoje, no Brasil, condicionada à existência de uma sociedade. O fato é que uma grande parte das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, designadas sociedades limitadas pelo novo Código Civil, foi constituída apenas para que se pudesse limitar a responsabilidade do empresário ao valor do capital da empresa. A rigor, o que existe, nesses casos, é uma "sociedade faz-de-conta": uma firma individual vestida com a roupagem de sociedade. Basta ver o número de sociedades em que um único sócio detém a quase totalidade do capital social ou em que os dois sócios são marido e mulher, casados em regime de comunhão universal de bens, situação que, aliás, poderá exigir grande número de alterações contratuais, já que o novo Código Civil não a admite. O artifício de se criar uma "sociedade-faz-de-conta" gera enorme burocracia, pois, além de tornar mais complexo o exame dos atos constitutivos, por parte das Juntas Comerciais, exige alterações nos contratos, também sujeitas a um exame mais apurado das Juntas, para uma série de atos relativos ao funcionamento da empresa. Além disso, causa, também amiúde, desnecessárias pendências judiciais, decorrentes de disputas com sócios que, embora com participação insignificante no capital da empresa, podem dificultar inúmeras operações. Ao transferir para o novo Código Civil as normas sobre a matéria, o legislador preocupou-se, justificadamente, em proteger os interesses dos sócios minoritários das sociedades limitadas. É inegável, porém, que o cumprimento dos dispositivos do novo código também trará conseqüências burocráticas e custos administrativos adicionais para essas empresas, bem como para as Juntas Comerciais. É razoável que assim seja no caso das sociedades em que há, efetivamente, interesses minoritários a proteger. Não é o caso, porém, das sociedades constituídas apenas para efeitos de limitação da responsabilidade do empreendedor, titular, na prática, da totalidade das quotas. Questão mais complexa é a das sociedades limitadas que passaram a ter um único sócio por motivo da morte ou retirada dos demais. Trata-se de situação aceita pela jurisprudência, mas agora limitada a seis meses pelo novo Código Civil, que exige a admissão de um novo sócio ou a dissolução da sociedade ao fim desse prazo. Não seria mais simples a sua transformação em uma empresa individual de responsabilidade limitada? Claro, mas é difícil espanar a poeira do nosso proverbial formalismo jurídico. Quase vinte anos de experiência em diversos países do primeiro mundo são o suficiente para atestar não haver contra-indicações para a aceitação das empresas individuais de responsabilidade limitada. E não são poucos esses países: França, Espanha, Portugal, Itália, Bélgica, Países Baixos, Alemanha, Reino Unido, a pioneira Dinamarca ... Sem falar de outros continentes. Aqui mesmo, na América do Sul, o Chile acaba de introduzir em seu ordenamento jurídico a empresa individual de responsabilidade limitada. Não faltarão, assim, referências ao legislador brasileiro, que poderá cercar-se dos cuidados necessários, como, por exemplo, determinar que uma mesma pessoa física ou jurídica não possa ser titular de mais de uma empresa individual de responsabilidade limitada. O novo Código Civil concedeu um prazo de apenas um ano para que as sociedades limitadas existentes adaptem-se às suas normas. Prazo que se encerrará em janeiro de 2004. É um bom pretexto para tomarmos logo as medidas destinadas a acabar com as "sociedades faz de-conta", que só contribuem para aumentar a burocracia, dificultar a gestão empresarial e estimular a economia informal. A inserção da figura da EIRL no direito brasileiro pode proporcionar, certamente, uma grande desburocratização na criação e no funcionamento das empresas. Sobretudo das micro, pequenas e médias empresas, que ficarão livres de diversos trâmites administrativos inerentes às sociedades e dos possíveis percalços provocados pela existência de um sócio com participação fictícia no capital da empresa. Por que esperar mais?” Pois bem, Senhores Parlamentares, valho-me das palavras finais do Prof. Guilherme Duque Estrada de Moraes para indagar por que esperamos tanto nesta Casa para disciplinar esse
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novo modelo de sociedade empresária em nosso País, que, por certo, trará grandes contribuições e incentivará a formalização de milhares de empreendedores que atuam em nossa economia de maneira desorganizada e sem contribuir devidamente para a arrecadação de impostos. Diante desse disciplinamento legal, que ora propomos, acreditamos que o Estado terá grandes ganhos no aumento da arrecadação e a economia como um todo evoluirá com a formalização e melhor organização de um segmento importante dos negócios, que responde por mais de 80% da geração de empregos neste país, conforme dados do próprio SEBRAE. Sendo assim, apelamos à compreensão de nossos ilustres Pares e contamos com o indispensável apoio necessário à aprovação dessa importante proposição nesta Casa. Sala das Sessões, em de de 2008. Deputado MARCOS PONTES
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