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Nerize Portela Madureira Leôncio1

O ESTUDO DA ARTE E SUAS DIFERENTES VISÕES

Num primeiro momento, convém destacar o que, para Xavier Parral em História

da Arte (1994), significou o estudo da arte, de acordo com os vários tipos de orientações

e concepções de diferentes autores, dado sua época e influências. Feito isso,

prosseguiremos comparando três destes autores: Heinrich Wolfflin em Conceitos

Fundamentais de Historia da Arte (1915); Erwin Panofsky em Significado nas Artes

Visuais (2002) e Arnold Hauser em Historia Social da Arte e da Literatura (2000).

A partir do humanismo da Renascença e da inauguração por Giorgio Vasari

(1511-1574) da descrição histórica da arte - a partir da biografia dos artistas

antecessores até os contemporâneos de sua época - nota-se uma crescente preocupação

dos estudiosos que se seguiram, em definí-la através de diferentes pontos de vista.

Alguns autores traduziram a arte de forma descritiva: biográfica e evolutiva, como

Vasari; caracterização dos estilos com G. Bellori (1672); observação atenta das obras,

permitindo sua classificação por catálogos em Winckelman (1717-1768). Houve,

também, as correntes filosóficas: Em Hegel :“O espírito de cada época reflete-se no

estilo, enquanto a arte é uma das componentes do desenvolvimento do espírito.”

(PARRAL, pg. 16); o posicionamento contrário, o positivismo de Taine (1865), segundo

o qual a obra está ligada ao seu meio.

Estes exemplos ilustram a eterna busca pela transformação da história da arte em

verdadeira ciência, através da qual, seria possível definir e conceituar a arte em si e sua

heterogeneidade, complexidade e diversidade. De acordo com o contexto histórico e

social, pontuaremos a necessidade de explicá-la de formas distintas, pelos autores

Wolfflin, Panofsky e A. Hauser, destacando as principais características de suas teorias.

A transição do séc. XIX para o séc. XX foi um período revestido de discussões

acerca da arte - empreendidas principalmente por Jacob Buckhardt – que contrariava as

correntes filosóficas anteriores, pois defendia a unidade da civilização, tendo a arte

1 Graduanda em Artes Visuais pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

como um de seus componentes. Então surge Wolfflin, que, tendo se formado neste

círculo de influência, rompe com Buckhardt. Ao dar importância à arte em sua forma -

ao formalismo da obra – ele o faz, não apenas, como objeto de análise desta, mas, para

empreender numa verdadeira contraposição do Barroco frente ao Renascimento. Isto se

codifica em sua obra Princípios fundamentais de historia da arte, onde ele enuncia suas

proposições acerca dos elementos que compõem as obras de arte. Primeiramente, numa

observação do caráter individual, segundo o qual, cada artista tem sua maneira de

retratar determinados aspectos. Depois, correlacionando estes aspectos, organizando-os

em grupos maiores segundo sua escola ou pais. Mas, é no estilo de uma época, que

Wolfflin se atém, através de minuciosa observação, ele elabora os conceitos que

caracterizam a passagem Renascimento/Barroco: da linha à pintura (do linear ao

pictórico); do plano a profundidade; da unidade a pluralidade; da forma fechada à forma

aberta; da claridade absoluta à claridade relativa. É desta forma, que ele consegue

diferenciar e principalmente identificar características comuns à uma época.

Concomitantemente, devido à repercussão de sua obra, surgem escolas Formalistas,

introduzindo novos conceitos: o estudo formal dos motivos do artista, com A. Riegl; e

Henri Focillon, que defende a independência da arte, e suas transformações (forma e

plástica), em relação às mudanças sociais ou políticas.

As tendências de reprodução de catálogos, e proliferação de experts na Europa

(herança de Winckelman), trazendo a reunião de obras, comparações e atribuições,

enfim, diversos parâmetros de estudo, passam a ser substituídas pelo interesse na

contextualização cultural das mesmas. Este panorama se inicia com Êmile Male, a partir

da pesquisa iconográfica, mas é Erwin Panofsky que consolida, em 1940, estas

abordagens através de sua obra A historia da Arte como disciplina Humana. Ele

contribui de forma incisiva, ao investigar intelectualmente a partir do universo histórico

e social, a arte e sua significação e simbologia.

Vimos que, Wolfflin, analisava as obras do ponto de vista puramente formal:

questões de traçado, linha, luz, planificação, para então, definir os estilos de época.

Panofsky valia-se da iconografia e iconologia, para entender o significado intrínseco da

obra em contraposição á sua forma, e indo mais adiante, traduzia-a de acordo como o

contexto social, cultural, histórico. A despeito desta disparidade, nota-se que, ambos

utilizavam abordagens formais e análise dos motivos artísticos, em suas caracterizações,

porém, em medidas diferentes. O primeiro, apesar de ater-se o caráter formalista da

obra, também analisava questões de personalidade e contexto cultural. Enquanto o

segundo utilizava a forma, apenas como uma etapa da análise, pressupondo uma

pesquisa mais profunda da arte em suas origens. Em Panofsky havia, ainda, a

preocupação com a elaboração de conceitos mais gerais, visto que são aplicáveis a

qualquer obra, conquanto se pretenda avaliá-las. Wofflin direcionava seus estudos,

principalmente, buscando diferenciar dois períodos.

A partir do séc. XX, Arnold Hauser, orientado para a função social das artes, a

partir de correntes filosóficas herdadas do pensamento marxista, publica Historia Social

da Arte e da Literatura. Nesta obra, o autor analisa a arte desde seus primórdios, até a

contemporaneidade, sob o ponto de vista social e econômico. Exemplo disso é quando

ele relaciona os modos de vida dos primeiros artistas paleolíticos e neolíticos, com o

significado das pinturas rupestres, por eles produzida. É justamente neste quesito, que

ele encontra seu argumento chave:

“Quanto mais desenvolvido é o nível de cultura cuja arte estamosexaminando, mais complexa é a rede de relações e mais obscuro éo background social em que elas se inserem. (....) Quando, porém,como nos tempos pré-históricos tudo se encontra ainda vinculadodiretamente à vida corrente, quando ainda não existem formasautônomas nem diferenças, em principio, entre o velho e o novo,entre a tradição e a modernidade , nesse caso a explicaçãosociológica dos fenômenos culturais ainda é comparativamentesimples e francamente exeqüível.” (HAUSER, 2000, pg. 23)

O que significa que, para Hauser, sua teoria social da arte se justifica, a partir do

momento no qual, se consegue estabelecer um paralelo, entre o contexto simplificado da

vida dos homens paleolíticos com suas representações de caráter naturalista, e suas

formas de caça, coleta e permanência na terra, a priori. E em seguida, relacionar a

fixação na terra e seu cultivo, e a vida mais socializada do homem neolítico, às

características não-naturalistas, geométrica, expressional, manifestações de um ideal,

nas pinturas. Apesar de sua obra ter tido ótima aceitação, ele não estabelece nem

prioriza o devido lugar do artista e seu trabalho, contrariando seu antecessor B. Croce,

que empreendeu numa pesquisa das personalidades e monografias de artistas.

Em ultima análise, Hauser diferencia-se dos autores anteriormente explanados,

basicamente, pela primazia em explicar a arte, através do seu contexto social e

produtivo. Porém há uma semelhança, em relação à Wolfflin, quanto a analisar a

formalidade (naturalismo, geometrismo) das pinturas. Assim como acaba utilizando um

dos conceitos de Panofsky, ao buscar o significado intrínseco das artes, remontando

certo estado social dos homens. Mas, ao deixar de lado outros conceitos igualmente

interessantes, devido sua orientação marxista, acaba não estabelecendo uma pesquisa

completa da história das artes.

Conclui-se a partir das considerações feitas, que, dos três autores que se

seguiram, o que empreendeu em uma jornada mais completa do estudo das obras de arte

como um todo, foi Panofsky, por utilizar diversos parâmetros: formais, simbológicos,

sociais e históricos, não apenas para análise das obras de arte, mas também, para uma

síntese interpretativa das mesmas.

ETAPAS DE ANÁLISE DE UMA OBRA PARA PANOFSKY:

Para a análise do significado de uma obra de arte, são necessárias três etapas de

desenvolvimento, segundo Panofksy. Na primeira etapa: identifica-se o tema primário

ou natural, as formas puras, ou seja, características de traçado, cor, objetos, seres

humanos, plantas, animais, sua interação e o ambiente em que estão inseridos. Esta

primeira constatação é chamada fatual, pois apreende os acontecimentos. Em seguida,

passa-se a uma análise expressional dos objetos, como suas atitudes e trejeitos, as

características da atmosfera em que a cena de desenrola, ou seja, todo um apanhado de

informações que consistem nos motivos artísticos, esta seria a primeira etapa também

chamada de análise pré-iconográfica. Na segunda etapa, passa-se ao tema secundário

ou convencional, que é a ligação feita entre os motivos artísticos com conceitos e idéias

gerais, exemplo: percepção de que um homem crucificado é a representação de Jesus

Cristo, ou seja, apreensão do significado de uma figura, de acordo com informações

previamente, estabelecidas. Esta constatação pressupõe certos conhecimentos

adquiridos em nossa vivência, de acordo com nossa cultura, crença e sociedade. Seria o

domínio da iconografia (apreensão da estória ou alegoria). A terceira etapa consiste no

significado intrínseco ou conteúdo da obra de arte, que requer uma identificação dos

motivos mais profundos, quando da sua realização, como atitude social, crença, religião,

filosofia. Estas características emocionais, de personalidade, ou de uma nação, são

traduzidas numa obra através de seu conteúdo e simbologia, e são interpretadas a partir

dos subsídios da analise iconográfica. A descoberta desses caracteres simbólicos é o que

se denomina iconologia em contraposição à iconografia. Enquanto as duas primeiras

etapas têm um objetivo mais descritivo, a segunda busca a essência da arte, e sua

realização como forma simbólica de transmitir idéias, conceitos, sentimentos, ou seja, a

sua lógica.

A MUDANÇA NO ESTILO DE PINTURA, DO PALEOLÍTICO PARA O NEOLÍTICO:

Segundo Arnold Hauser, esta mudança ocorreu, de acordo com o primeiro fator:

a partir do momento em que, os primeiros homens, que eram caçadores, nômades,

coletores (não havia reposição de consumo), desenvolviam características ligadas à

percepção, sentidos apurados, e manifestavam através de suas pinturas, um caráter

naturalista. Enquanto que os camponeses neolíticos, já assentados, cultivadores, e

produtores, já não desenvolviam seus sentidos apurados, e por isso, a arte deixa de ser

naturalista passando a ser mais geométrica, expressional, estilizada e formalista. Há um

trecho em Hauser que diz “Deixa de ser imitadora para se tornar antagonista da

Natureza.” No que diz respeito ao segundo fator: a concepção monista do homem

paleolítico devia-se à tentativa de reprodução da natureza, através de suas formas de

arte, como um ritual de magia, que servia apenas a um objetivo concreto de caça e

coleta. Para a concepção dualista de animismo, ha divisão entre dois mundos,

fenomenal e espiritual, realidade e supra-realidade, corpo e alma. Por isso, essa

passagem se dá quando, para o homem neolítico, sua economia depende de certos

fenômenos da Natureza, crendo em um mundo para além da realidade, passando ao

culto de deuses. Daí o geometrismo de suas pinturas caracterizadas pela esquematização

e abstração.