O exerccio das responsabilidades parentais por terceiros
Orientadora: Doutora Sandra Passinhas
Dissertao apresentada Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no mbito do
2. Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), na Especialidade em
Cincias Jurdico-Forenses
Rita Isabel Batista Barbosa
Coimbra, 2016
1
Agradecimentos
Coimbra, ai quem me dera
Parar o tempo e ficar...
Nos teus braos vejo o Mundo
In Illo Tempore
Aos meus pais a quem devo, mais do que a vida, tudo aquilo que sou e tudo aquilo que serei.
Me, Pai, meus alicerces, obrigada por nunca me deixarem desanimar e por estarem sempre
do meu lado. S com vocs faz todo o sentido celebrar conquistas, ultrapassar obstculos e
realizar sonhos.
minha irm, Ana, companheira de sempre e para sempre, a minha guia, o meu exemplo a
seguir. Obrigada por nunca me abandonares, este percurso no teria sido igual se no te
tivesse comigo em todos os momentos.
Ao Tiago, pelo otimismo e pela motivao nos momentos mais crticos, pelo carinho e pela
cumplicidade. Obrigada por me confortares e me fazeres acreditar sempre.
Aos meus amigos, cujos nomes me escuso a mencionar pois eles sabem quem so, pelo
incentivo, pela disponibilidade e pela amizade de todos os dias e todos os momentos.
Doutora Sandra Passinhas, minha orientadora, pela disponibilidade, pelos conselhos e pela
inspirao para a elaborao desta dissertao.
2
Resumo
A presente dissertao surge com o intuito de estudar as vrias situaes em que, ao contrrio
do que seria ideal e desejvel do ponto de vista do desenvolvimento equilibrado e feliz dos
filhos, o exerccio das responsabilidades parentais compete no a ambos os progenitores,
mas sim, por razes vrias, a terceira pessoa. E esta pode ser um familiar (v.g., av/av,
tio/tia), uma instituio ou outra pessoa/casal (v.g., candidato a adotante ou a padrinho
civil). Esta uma rea que tem sofrido alteraes ao longo do tempo, em parte devido
consciencializao da realidade de tantas crianas e jovens que crescem afastadas do calor
de um pai e de uma me e que, nesse sentido, exigem uma maior e mais eficaz proteo.
Esta possibilidade de um terceiro vir a exercer as responsabilidades parentais em relao a
uma criana ou jovem, corresponde ao facto de a existncia de laos biolgicos nem sempre
corresponder capacidade parental e, por isso, nestes casos, o crescimento das crianas e
jovens, alheios a essa incapacidade, encontra-se numa situao de perigo e, como tal, no se
pode permitir o seu comprometimento.
Para tal, o nosso legislador tem munido o ordenamento jurdico portugus com os meios
necessrios para atingir essa meta. O principal objetivo desta dissertao a anlise do
regime do art. 1907. do CC, passando pelas diversas medidas previstas na Lei de Proteo
de Crianas e Jovens em Perigo e, finalmente, o recente e virtuoso instituto do
apadrinhamento civil.
Concluda essa tarefa, aponta-se que, mesmo que o caminho se faa caminhando1, h muito
para fazer. Por um lado, o nmero de crianas e jovens institucionalizados ainda muito
elevado e, depois, por outro lado, muitos so os candidatos a adotantes, mas o reduzido
nmero de adoes realizadas no acompanha essa realidade. No mesmo sentido, o instituto
do apadrinhamento civil ainda no conseguiu ter a aplicao que foi idealizada, mas isso no
pode constituir motivo de desnimo: a semente de hoje ser o fruto de amanh.
Palavras-chave: Superior Interesse do Menor, Exerccio das Responsabilidades Parentais
por Terceiros, Perigo, Promoo e Proteo de Crianas e Jovens, Apadrinhamento civil.
1 Se hace camino al andar. Verso do poema Proverbios y cantares de Antnio Machado.
3
Abreviaturas
AA.VV. Autores Vrios
Al(s). Alnea (s)
Art(s). Artigo (s)
CASA - Caracterizao Anual da Situao de Acolhimento das Crianas e Jovens
CC Cdigo Civil
CEJ Centro de Estudos Judicirios
Cfr. - Confirmar
CPCJ Comisso de Proteo de Crianas e Jovens
CRP Constituio da Repblica Portuguesa
DL Decreto-lei
I.e. Isto
LAC Lei do Apadrinhamento Civil (Lei n. 103/2009, de 11 de setembro e alterada pela
Lei n. 141/2015, de 8 de setembro)
LPCJP - Lei de Proteo de Crianas e Jovens em Perigo (Aprovada pelo DL n. 147/99, de
01 de setembro e sucessivas alteraes)
Ob. Cit. Obra citada
OTM Organizao Tutelar de Menores (Aprovada pelo DL n. 314/78, de 27 de Outubro
e revogada pela Lei n. 141/2015, de 8 de setembro)
TEDH - Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
V.g. Verbi gratia
4
ndice
INTRODUO .................................................................................................................... 6
PARTE I - EXERCCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS ....................... 9
1. Exerccio das responsabilidades parentais na constncia do matrimnio e quando a
filiao se encontra estabelecida quanto a ambos os progenitores que vivam em condies
anlogas s dos cnjuges ....................................................................................................... 9
2. Exerccio das responsabilidades parentais fora da constncia do matrimnio ou quando a
filiao se encontra estabelecida quanto a ambos os progenitores que no vivem em
condies anlogas s dos cnjuges .................................................................................... 12
3. Exerccio das responsabilidades parentais por um dos progenitores ............................... 15
3.1. Impedimento de um dos pais .................................................................................... 15
3.2. Morte de um dos progenitores .................................................................................. 17
3.3. Filiao estabelecida apenas quanto a um dos progenitores ..................................... 17
PARTE II - EXERCCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS POR
TERCEIROS ...................................................................................................................... 19
1. Regime do art. 1907. do Cdigo Civil ............................................................................ 21
2. Regime da Lei de Proteo de Crianas e Jovens em Perigo .......................................... 24
2.1. Medidas de promoo e proteo na LPCJP ............................................................ 27
2.2. Processo nas CPCJ .................................................................................................... 30
2.3. Procedimentos de urgncia ....................................................................................... 31
2.4. Processo judicial de promoo e proteo ................................................................ 32
2.5. Durao, reviso e cessao da medida .................................................................... 33
3. Regime jurdico do apadrinhamento civil ........................................................................ 35
3.1. O afilhado ..................................................................................................................... 40
5
3.2. O padrinho .................................................................................................................... 43
3.3. Processo de constituio da relao de apadrinhamento civil ...................................... 47
3.3.1. Iniciativa ................................................................................................................ 47
3.3.2. Designao e habilitao dos padrinhos ................................................................ 48
3.3.3. Constituio ........................................................................................................... 53
3.4. Dinmica da relao de apadrinhamento ...................................................................... 54
3.5. Modificaes da relao de apadrinhamento ................................................................ 55
CONCLUSO .................................................................................................................... 57
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................. 60
Monografias, publicaes peridicas e e-books: ................................................................. 60
Jurisprudncia ...................................................................................................................... 63
Outras fontes ........................................................................................................................ 64
6
Introduo
O exerccio das responsabilidades parentais termo inserido na alterao ao Cdigo Civil,
operada pela Lei n. 61/2008, de 31 de outubro, sintomtico do entendimento do
compromisso dirio dos pais para com as necessidades fsicas, emocionais e intelectuais
dos/as filhos/as e est de acordo com o princpio da igualdade, no discriminando ou
excluindo as mes, com a designao poder paternal2 corresponde ao efeito mais
proeminente do estabelecimento da filiao que, nos termos do art. 1878. do CC, consiste
numa verdadeira obrigao dos pais de alimentarem e proverem segurana e sade,
educao, sustento, representao e administrao dos bens dos seus filhos, mesmo que
ainda nascituros. Ou seja, engloba poderes/deveres quer quanto s pessoas quer quanto ao
patrimnio dos filhos menores, tendo sempre ou quase sempre como fito a realizao do
superior interesse destes, suprimindo a incapacidade de exerccio de direitos por parte da
criana3, tendo, portanto, um carcter altrusta, sendo o prprio Cdigo Civil que, no seu art.
1874., reconhece que a filiao no estabelecida apenas no interesse dos filhos, mas
tambm no interesse dos pais, mediante a previso de deveres mtuos entre pais e filhos de
respeito, auxlio e assistncia. Acontece, porm, que no contexto da relao e, tendo em
conta a especial vulnerabilidade dos filhos durante esse perodo da sua vida [a menoridade],
os deveres dos pais apresentam uma maior densidade4.
A consagrao desta obrigao de tamanha importncia que vem inclusivamente prevista
na Constituio da Repblica Portuguesa.
O seu art. 36., n. 5, consagra como princpio geral a igualdade dos pais na educao dos
filhos e, neste sentido, independentemente da relao familiar que une os progenitores
(matrimnio, unio de facto ou mesmo numa situao de ausncia de coabitao) e mesmo
2 Maria Clara SOTTOMAYOR, Regulao do exerccio das responsabilidades parentais nos casos de
divrcio, 6. ed., Almedina, 2014, pg. 280. Tambm Jorge Duarte Pinheiro defende que esta alterao
procurou afastar a ideia de que os filhos menores esto ao dispor dos pais; e de que os cuidados incumbem ao
pai (pater). Cfr. Jorge Duarte PINHEIRO, As crianas, as responsabilidades parentais e as fantasias dos
adultos, in Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Vol. VI, Coimbra Editora, 2012, pg. 535. 3 Art. 124. do CC. 4 Rosa MARTINS, Responsabilidades Parentais no Sc. XXI: A tenso entre o direito de participao da
criana e a funo educativa dos pais, in Lex familiae, Ano 5, n. 10, julho-dezembro 2008, pg. 40.
7
numa situao de dissociao familiar, o exerccio das responsabilidades parentais
exercido em conjunto por ambos.
Tal como se depreende do art. 1882. do CC, aos pais est vedada a possibilidade de
renunciar s responsabilidades parentais, pelo menos no lapso temporal5 que medeia o
nascimento ou o estabelecimento da filiao e a maioridade6 ou a emancipao7.
Excecionalmente pode-se prolongar, na medida em que seja razovel8, enquanto os filhos
maiores ou emancipados estejam a terminar a sua formao escolar.
Em virtude da alterao introduzida pela Lei n. 122/2015, de 1 de setembro9, com entrada
em vigor a 1 de outubro de 2015, foi aditado o n. 2 ao art. 1905. do CC, que passou a prever
para efeitos do art. 1880. do CC, respeitante s despesas com filhos maiores ou
emancipados, a manuteno para depois da maioridade e at que o filho complete 25 anos
de idade e se encontre em formao profissional, da penso fixada em seu benefcio durante
a menoridade, exceto se o processo de educao ou formao profissional do filho se
concluir antes dessa data, se tiver sido livremente interrompido ou se o obrigado prestao
de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua existncia.
A regra, na constncia do matrimnio, a da presuno do exerccio em comum das
responsabilidades parentais (art. 1901. do CC). Numa situao de separao de facto, a par
do que acontece em caso de divrcio em virtude da remisso do art. 1909. do CC para os
arts. 1905. a 1908. do mesmo Cdigo, as questes de particular importncia so decididas
por ambos os progenitores. Por seu turno, as questes relativas aos atos da vida corrente do
filho cabem ao progenitor com quem ele reside habitualmente ou ao progenitor com quem
se encontre temporariamente.
Ainda assim, o aumento do nmero de divrcios e outras razes ponderosas resultantes do
respeito pelo superior interesse da criana, revelam que, na prtica, nem sempre so os
progenitores que exercem as responsabilidades parentais. Desde logo, com a alterao
introduzida pela Lei n. 61/2008, de 31 de outubro cujo objetivo foi garantir um maior
5 Art. 1877. do CC. 6 Arts. 122. e 130. do CC 7 Arts. 132. e 133. do CC 8 Art. 1880. do CC 9 Disponvel em:
http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2421&tabela=leis&ficha=1&pagina=1& e
consultado a 31 de dezembro de 2015.
http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2421&tabela=leis&ficha=1&pagina=1&
8
envolvimento dos pais na vida dos filhos o nosso legislador, no art. 1907. do CC,
consagrou a possibilidade de, por acordo ou mediante deciso judicial ou por verificao de
alguma das circunstncias do art. 1918. do CC, o filho pode ser confiado a terceira pessoa
e a esta a quem cabem os poderes e deveres dos pais.
No acrdo datado de 04 de fevereiro de 201010, o Supremo Tribunal de Justia concluiu
que por mais que aceitemos a existncia de como um direito subjetivo dos pais a terem
os filhos consigo, no entanto o denominado interesse superior da criana conceito
abstrato a preencher face a cada caso concreto que deve estar acima de tudo. Se esse
interesse subjetivo dos pais no coincide com o interesse superior do menor, no h
outro remdio seno seguir este ltimo interesse.
Neste sentido e uma vez que este estudo tem como objetivo especfico a anlise do exerccio
das responsabilidades parentais a cargo de terceiros, debruar-nos-emos, na parte II, sobre o
regime previsto no art. 1907. do CC, das medidas de promoo e proteo das crianas e
dos jovens envolvidos em situaes que constituam perigo para a sua segurana, sade,
formao, educao ou desenvolvimento, tal como vem previsto LPCJP e, finalmente, de
forma especial, sobre o regime do apadrinhamento civil introduzido no nosso sistema
jurdico no ano de 2009.
10 Todas as decises judiciais que se mencionam no texto esto disponveis em http://www.dgsi.pt/ data de
31 de dezembro de 2015.
http://www.dgsi.pt/
9
Parte I
Exerccio das responsabilidades parentais
1. Exerccio das responsabilidades parentais na constncia do matrimnio e quando a
filiao se encontra estabelecida quanto a ambos os progenitores que vivam em
condies anlogas s dos cnjuges
O princpio da igualdade entre os cnjuges, previsto no art. 1671. do CC, acaba tambm por
se refletir no exerccio das responsabilidades parentais e, desse modo, no contexto do
casamento e nos casos em que a filiao se encontra estabelecida em relao a ambos os
progenitores que vivam em condies anlogas s dos cnjuges, como o caso da unio de
facto, o exerccio das responsabilidades parentais compete igualitariamente a ambos os
progenitores e de comum acordo (arts. 1901., n.s 1 e 2, e 1911. do CC).
A igualdade dos progenitores est consagrada em legislao supranacional, como o caso
da Conveno dos Direitos da Criana11 e dos princpios europeus do direito da famlia em
matria de responsabilidades parentais12.
Quanto s situaes urgentes, o legislador foi omisso, ao contrrio do que fez no art. 1906.
do CC. Esta omisso no pode ser entendida como inteno do legislador em no permitir a
possibilidade de exerccio apenas por um dos progenitores casados e demais situaes ali
tratadas, pois se o permite aos pais quando estes no sejam casados nem vivam em
condies anlogas s dos cnjuges, por maioria de razo teria de permitir aos pais que
vivam nestas [naquelas] condies pois at de esperar que, no seio de um casamento, haja
um maior consenso nas solues a adotar. Parece-nos que o legislador simplesmente no
previu a possibilidade de no estarem ambos os pais disponveis para prestar o
consentimento quando estes sejam casados, uma vez que normalmente vivem sob o mesmo
teto13.
11 Art. 18., n. 1. 12 Princpio 3:11. 13 Hugo Manuel Leite RODRIGUES, Questes de particular importncia no exerccio das responsabilidades
parentais, 1. ed., Coimbra Editora, 2011, pg. 90.
10
O n. 2 do art. 1901. do CC prev, na sua parte final, que perante desacordos pontuais sobre
questes de particular importncia para a vida do menor, qualquer dos progenitores pode
submeter, excecional e subsidiariamente, ao tribunal14 a resoluo do desacordo, que
procurar primeiramente a conciliao e, na eventualidade de esta no ser possvel, o tribunal
decidir, podendo ouvir o menor antes de decidir15. Esta soluo est em consonncia com
a ideia do menor como titular de direitos e como pessoa que se vai desenvolvendo e
autonomizando16.
Pese embora tenha sido vontade do legislador atribuir um mbito restrito ao conceito de
questes de particular importncia, pois a soluo contrria resultaria num constante
impasse para a vida do menor e comprometedora da exequibilidade deste regime, a lei no
prev uma definio e na Exposio de Motivos do Projeto de Lei n. 509/X, que esteve na
origem da Lei n. 61/2008, de 31 de outubro, afirma-se inclusivamente que caber
jurisprudncia e doutrina definir este mbito, esperando que estes assuntos se resumam a
questes existenciais graves e raras17. De facto, a doutrina logrou j um elenco de situaes
que integram sempre questes de particular importncia. o caso de intervenes cirrgicas
de relativa gravidade, exerccio de uma atividade laboral por parte do jovem ou criana (v.g.,
publicidade, produo de filmes), opo pelo ensino pblico ou privado18, localizao do
14 Este processo de recurso ao tribunal j se encontrava previsto no art. 184. da OTM, agora revogada pela Lei
n. 141/2015, de 8 de setembro (Regime Geral do Processo Tutelar Cvel), a qual prev o recurso aos tribunais
em caso de diferendo relativamente a questes de particular importncia no seu art. 44., disponvel em:
https://dre.pt/application/file/70215156 e consultado a 31 de dezembro de 2015. 15 Em virtude da alterao operada pela Lei n. 61/2008, de 31 de outubro, a possibilidade de audio do menor
deixou de estar condicionada idade mnima de catorze anos, deixando ao juiz a ponderao da convenincia
ou inconvenincia da audio do menor em funo das circunstncias do caso concreto. Com efeito, o Regime
Geral do Processo Tutelar Cvel prev a audio da criana com idade superior a 12 anos ou com idade inferior,
mas com capacidade de compreenso dos assuntos em discusso, tendo em conta a sua idade e maturidade, nos
termos dos seus arts. 4., al. c) e 5.. 16 Rita Lobo XAVIER, Recentes alteraes ao regime jurdico do divrcio e das responsabilidades
parentais: Lei n. 61/2008, de 31 de Outubro, Almedina, 2009, pg. 64. 17 Exposio de motivos do Projeto de Lei n. 509/X apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido
Socialista, p. 15, disponvel em
http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67
774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c316776644756346447397a4c334271624455774f5331
594c6d527659773d3d&fich=pjl509-X.doc&Inline=true e consultado a 31 de dezembro de 2015. 18 A ttulo de exemplo acerca da qualificao da escolha pelo ensino pblico ou pelo ensino privado como
questo de particular importncia, o entendimento do acrdo do Tribunal da Relao de vora de 19 de junho
de 2008 (Proc. 1469/08-2), o de que a inscrio e matrcula em estabelecimento de ensino pblico constitui,
em princpio, ato de importncia normal que, se praticado apenas por um dos progenitores, beneficia da
presuno de acordo do outro e, por outro lado, a inscrio e matrcula em estabelecimento de ensino
particular constitui, ao invs, ato de particular importncia que, se praticado apenas por um dos progenitores
no beneficia dessa presuno de acordo.
https://dre.pt/application/file/70215156http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c316776644756346447397a4c334271624455774f5331594c6d527659773d3d&fich=pjl509-X.doc&Inline=truehttp://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c316776644756346447397a4c334271624455774f5331594c6d527659773d3d&fich=pjl509-X.doc&Inline=truehttp://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c316776644756346447397a4c334271624455774f5331594c6d527659773d3d&fich=pjl509-X.doc&Inline=true
11
centro de vida, sobretudo se implicar uma mudana geogrfica para local distante19,
celebrao de casamento, exerccio do direito de queixa, etc..
Conclui-se, com facilidade, que questes de particular importncia constitui um conceito
indeterminado, causador de dificuldades sua aplicao prtica pois este conjunto de
questes de particular importncia variar consoante o caso concreto e as caractersticas
particulares de cada menor. Neste pressuposto, entende-se que um menor com necessidades
especiais, v.g., a nvel da sade, o conjunto de questes consideradas como de particular
importncia ser mais alargado que o da generalidade das crianas.
Na eventualidade de apenas um dos progenitores praticar um ato que integre o exerccio das
responsabilidades parentais, presume-se que age de acordo com o outro, salvo no caso de a
lei exigir o consentimento de ambos ou se trate de ato de particular importncia, situao
que torna a atuao individual como ilegtima e no oponvel a terceiro de boa f, exceto
se no for possvel presumir a aquiescncia do outro progenitor ou se o terceiro conhecer a
oposio deste20. Trata-se de uma presuno ilidvel que admite prova em contrrio a cargo
do progenitor que no deu o seu consentimento.
A previso desta presuno j remonta alterao dada ao Cdigo Civil pelo Decreto-Lei
n. 496/77, de 25 de novembro, que se manteve inalterada depois da reviso de 2008,
procurando evitar que a vida do menor fique em suspenso devido s diferentes
disponibilidades dos progenitores e garantir que estes tenham confiana em que o outro aja
da maneira que ambos agiriam.
Hugo Rodrigues discorda desta argumentao defendendo que a opo pelo ensino privado como a opo
pelo ensino pblico so questes de particular importncia. So questes que no se enquadram nas decises
quotidiana e sem relevo fundamental para a vida futura do menor. Cfr. Hugo Manuel RODRIGUES, Ob. Cit.,
pg. 154 e tambm Helena Gomes de MELO et al., Poder paternal e responsabilidades parentais, 2. ed., Quid
Juris, 2010, pg. 146. 19 Acrdo da Relao de Lisboa de 14 de julho de 2011, Proc. 8395/10.1TBCSC.L1-7: A retirada do menor
da convivncia com a me com quem residia e o seu afastamento para o outro pas constitui necessariamente
uma questo de particular importncia. () A deciso unilateral do requerido, de retirar o menor da
convivncia da me com quem este residia em Inglaterra, trazendo-o para Portugal para aqui passar a residir
consigo, contra a vontade da me, necessariamente ilcita, por violadora do n. 2 do art. 1901. do CC.
Tambm neste sentido, o acrdo do Supremo Tribunal de Justia de 28 de setembro de 2010, Proc.
870/09.7TBCTB.C1.S1, afirma que, mesmo quando a criana est confiada a um dos progenitores, a definio
do local de residncia do filho impe a participao do progenitor que no tem a guarda. 20 Art. 1902. do CC.
12
2. Exerccio das responsabilidades parentais fora da constncia do matrimnio ou
quando a filiao se encontra estabelecida quanto a ambos os progenitores que no
vivem em condies anlogas s dos cnjuges
A Exposio de Motivos que acompanhou o Projeto de Lei da reforma operada pela Lei n.
61/2008, de 31 de outubro, chama a ateno para um conjunto de transformaes na
sociedade portuguesa a partir do incio dos anos 80, considerando que a realizao pessoal,
no plano do casamento, traduz-se na valorizao das relaes afetivas em detrimento das
imposies institucionais e na aposta no bem-estar individual como condio necessria para
o bem-estar familiar.21
Neste sentido, o legislador pretendeu dar a mo quele cnjuge que permanece casado contra
a sua vontade e, assim, se este considerar que a manuteno da vida conjugal se tornou
insustentvel e que a esperana mesmo sendo a ltima a morrer de reconciliao
muito remota, ele deve pr termo relao conjugal.
Associada a esta evoluo legislativa e evoluo social surge a diversidade de razes que
levam os progenitores de um menor a cessar a vida marital, mas, como observam Helena
Gomes de Melo e outros autores, esta circunstncia no pode nem deve traduzir-se numa
separao dos filhos.22
Posto isto, tendo como princpio vetor que o desenvolvimento harmonioso da criana
depende de ambos os progenitores e que as relaes paterno-filiais se situam num nvel
diferente do das relaes conjugais, o regime da Lei n. 61/2008, de 31 de Outubro prev o
ideal dois pais no casamento, dois pais no divrcio23, de modo que o art. 1906. do CC
estabelece que, no que respeita a questes de particular importncia, a regra a do exerccio
conjunto das responsabilidades parentais, abolindo as referncias explcitas e diretas a um
poder paternal/maternal nitidamente identificador de um gnero predominante24, exceto
21 Exposio de motivos do Projeto de Lei n. 509/X apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido
Socialista, pg. 2, disponvel em
http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67
774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c316776644756346447397a4c334271624455774f5331
594c6d527659773d3d&fich=pjl509-X.doc&Inline=true e consultado a 31 de dezembro de 2015. 22 Helena Gomes de MELO et al., Ob. Cit., pg. 139. 23 Jorge Duarte PINHEIRO, Ob. Cit., pg. 537. 24 Acrdo do Tribunal da Relao de Lisboa de 28 de junho de 2012, Proc. 33/12.4TBBRR.L1-8.
http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c316776644756346447397a4c334271624455774f5331594c6d527659773d3d&fich=pjl509-X.doc&Inline=truehttp://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c316776644756346447397a4c334271624455774f5331594c6d527659773d3d&fich=pjl509-X.doc&Inline=truehttp://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c316776644756346447397a4c334271624455774f5331594c6d527659773d3d&fich=pjl509-X.doc&Inline=true
13
quando, por juzo fundamentado do tribunal, existirem razes ponderosas para julgar que
esse exerccio em comum contrrio aos interesses do filho, situao em que o exerccio
atribudo em exclusivo a um dos progenitores25 (art. 1906., n. 2 do CC).
A previso deste regime prende-se com a necessidade de co-responsabilizar e co-envolver
ambos os progenitores na vida e educao da criana, acompanhando o seu desenvolvimento
e crescimento. Deste modo, o que tambm se salvaguarda a proteo dos direitos da criana,
sobretudo o da convivncia com o seu pai e a sua me, impedindo o afastamento de um deles
da vida da criana26.
Os atos de urgncia manifesta podem ser exercidos por qualquer dos progenitores sozinho,
prestando informaes ao outro progenitor assim que for possvel (art. 1906., n. 1, in fine
do CC). Esta exceo remete para situaes cuja principal caracterstica consiste, justamente,
na urgncia e, nesse sentido, no so compaginveis com demora na execuo, entendendo-
se como tal aquelas que, de forma evidente para a generalidade das pessoas, configuram
situaes que no admitem qualquer adiamento ou compasso de espera27, seja por
impossibilidade de contactar o outro progenitor para obter o seu acordo ou por ausncia de
tempo necessrio para recorrer ao tribunal para resoluo do diferendo.
Relativamente aos atos da vida corrente, isto , atos que se relacionam com o quotidiano do
menor e, por isso, iniciativas de pouca importncia, frequentes e de deciso rpida28 (v.g.,
tipo de alimentao, ocupao dos tempos livres, higiene diria, vesturio, uso do telemvel,
etc.), o exerccio das responsabilidades parentais relativas a estes atos cabe ao progenitor
com quem ele reside habitualmente (por ser com este com quem o menor mantm uma
relao de maior proximidade) ou cabe ao progenitor com quem o menor se encontre
temporariamente no decurso do perodo de visita, com a ressalva de que este no deve
contrariar as orientaes educativas definidas pelo outro, em razo da estabilidade do prprio
filho (n. 3 do artigo supra referido).
25 Veja-se o que diz no sumrio do acrdo da Relao de Lisboa de 02 de dezembro de 2010, Proc.
526/08.8TBBRR.L1-8: I O critrio concreto a ter em conta na deciso de atribuir ou repartir o exerccio das
responsabilidades parentais o que garante o desenvolvimento harmonioso da criana ou jovem, tendo em
conta as necessidades bem como a capacidades dos pais para as satisfazer e ainda os valores dominantes no
meio comunitrio que os envolve. 26 Acrdo do Supremo Tribunal de Justia de 28 de setembro de 2010, Proc. 870/09.7TBCTB.C1.S1. 27 Helena Gomes de MELO et al., Ob. Cit., pg. 154. 28 Acrdo do Tribunal da Relao de vora de 19 de junho de 2008, Proc. 1469/08-2 e acrdo do Tribunal
da Relao de Coimbra de 18 de outubro de 2011, Proc. 626/09.7TMCBR.C1.
14
O n. 4 deste normativo prev a possibilidade de o progenitor a quem cabe o exerccio das
responsabilidades parentais relativas a estes atos poder exerc-las por si ou delegar o seu
exerccio. Com esta opo o legislador pretendeu permitir que, por exemplo, quando o
progenitor a quem cabe o exerccio das responsabilidades relativas a atos da vida corrente se
encontra momentaneamente ausente por razes de ordem profissional e a criana ficar aos
cuidados de uma ama ou de um familiar, estas pessoas possam exercer as responsabilidades
parentais relativas a estes atos e a tomar as decises que lhes so inerentes. Guilherme de
Oliveira refere que esta delegao pretende firmar a importncia do papel educativo
assumido pelos padrastos e madrastas em situaes de reconstituio familiar29 que, em
grande parte dos casos, desempenham papis fundamentais no cuidado, educao e formao
das crianas. Abre-se, assim, uma janela para as novas formas de famlia.
O mais desejvel, perante a dissoluo conjugal, ser a existncia de acordo entre os
progenitores pois isso indiciar que estes o vo cumprir, a priori. Quando no for possvel
atingir este acordo, as sentenas de regulao do exerccio das responsabilidades parentais
no devem limitar-se a reproduzir a letra da lei do art. 1906. do CC em virtude do seu
carcter imperativo, devendo, por outro lado, estabelecer que questes, no caso concreto
daquela famlia e criana, so entendidas como de particular importncia, visto que
praticamente impossvel a enumerao cabal destas questes.
O art. 1909. do CC prev a aplicao deste regime (o dos arts. 1905. a 1908. do CC) para
as situaes em que os casais, no obstante ainda se encontrarem casados, esto separados
de facto. Em rigor, nesta situao, o regime a aplicar deveria ser o dos arts. 1901. a 1904.
do CC por o casamento ainda no se encontrar dissolvido. Porm, essa no seria a situao
mais aconselhvel do ponto de vista formal e, por isso, configura-se como se tivesse ocorrido
o divrcio30.
Por seu turno, o art. 1912. do CC remete tambm a aplicao deste regime para os casos em
que a filiao se encontra estabelecida quanto a ambos os progenitores que no vivem em
condies anlogas s dos cnjuges e, desse modo, quanto ao exerccio das
responsabilidades parentais que carea da atuao comum dos progenitores, aplicam-se os
29 Guilherme de OLIVEIRA, A nova lei do divrcio, in Revista Lex Familiae, Ano 7, n. 13, janeiro-junho
2010, pg. 26. 30 Jos Alberto GONZALEZ, Cdigo civil anotado, Vol. V Direito da famlia (artigos 1576. a 2023.),
Quid Juris, 2014, pg. 340.
15
arts. 1901. a 1903. do CC e quanto ao demais tudo se passa como se estivessem separados
de facto e, portanto, aplicam-se as regras dos arts. 1904. a 1908. do CC.
Maria Clara Sottomayor do entendimento que a atribuio do exerccio das
responsabilidades me, quando os pais no vivem em unio de facto, confere mais
estabilidade vida da criana. Uma lei que obriga a me a um acordo com um progenitor
ausente, para a tomada de decises de particular importncia, torna a mulher e a criana
dependentes da obteno de um consentimento de um progenitor que no se interessa por
esta e que tender, ou a no exercer os seus direitos-deveres, criando impasse na organizao
da vida da famlia monoparental, ou a exerc-los de forma abusiva, como se fosse o
proprietrio da criana31. Rita Lobo Xavier questiona como se poder acreditar que,
atravs da imposio legal da partilha das responsabilidades parentais, seja possvel obter
o envolvimento do progenitor masculino na vida de um filho que, presumivelmente, no quis
ter e, provavelmente, foi obrigado a reconhecer?32-33
3. Exerccio das responsabilidades parentais por um dos progenitores
3.1. Impedimento de um dos pais
Alm de admitir que apenas um dos progenitores pode praticar um ato que integre as
responsabilidades parentais, o legislador previu a hiptese de um dos progenitores ou de
ambos, independentemente de culpa, se encontrarem numa situao que no lhes permita o
exerccio dessas responsabilidades sobre o seu filho menor.
31 Maria Clara SOTTOMAYOR, Ob. Cit., pg. 302. 32 Rita Lobo XAVIER, Ob. Cit., pgs. 69-70. 33 Tendo em conta que a relao entre me e filho muito mais forte, em virtude, sobretudo, do processo
gestacional, do que a relao entre o filho e o progenitor que no coabita com a me nem com a criana, pensa-
se que deve ter sido por este motivo que o legislador alemo, no 1626 a) do Brgerliches Gesetzbuch (BGB)
disps que, no sendo os progenitores casados um com o outro, o exerccio das responsabilidades parentais
pertence a ambos apenas quando o declarem em comum acordo nesse sentido ou quando contraiam casamento.
Nos restantes casos, o exerccio das responsabilidades parentais cabe em exclusivo me.
16
Assim, o art. 1903. do CC prev que, quando por ausncia, incapacidade ou outro
impedimento decretado por tribunal34, o exerccio das responsabilidades parentais caber ao
outro progenitor35 ou, se tambm este se encontrar impedido, a algum familiar de qualquer
um dos progenitores, desde que o tenham acordado previamente e com validao legal,
rectius judicial.
Em virtude da publicao da Lei n. 137/2015, de 7 de setembro36 - com entrada em vigor a
1 de outubro de 2015 este preceito foi alterado e, na nova redao, foi acrescentada uma
ordem preferencial (art. 1903., n. 1, als. a) e b) do CC) a quem caber o exerccio das
responsabilidades parentais na eventualidade de ambos os progenitores se encontrarem
impedidos: a) ao cnjuge ou unido de facto de qualquer dos pais; b) a algum da famlia de
qualquer dos pais. De facto, este regime inovador, mas residual pois, no fundo, uma
terceira via: necessrio que, face a uma criana, um dos progenitores esteja impedido do
exerccio das responsabilidades parentais e, nesse sentido, ser ao outro que cabe este
exerccio, que, agora, se v tambm ele impedido. S nesta situao que o cnjuge ou unido
de facto, ou qualquer familiar, dos progenitores podem vir junto dos tribunais pugnar por
uma relao prxima dos pais.
Ou seja, tal como j tinha acontecido outrora em 2008, o legislador preocupou-se em
responder aos desafios que vo surgindo no contexto sociofamiliar, atualizando o Cdigo
Civil, mas sempre com o mesmo objetivo: a satisfao do superior interesse da criana.
A preocupao desta nova lei a de assegurar a supremacia das relaes que a criana vai
construindo ao longo da vida e inscreveu o cnjuge ou unido de facto os pais de afeto
de qualquer dos progenitores por se entender que estas so as pessoas que constroem
vnculos afetivos mais fortes e duradouros, resultante de um convvio mais regular, nos
ltimos anos, com a criana.
34 Ana Sofia Gomes defende entender-se por ausncia como a falta de contacto com o domiclio legal, sem
que do ausente se saiba parte e a incapacidade pode envolver diversas situaes, v.g., cegueira, alcoolismo,
toxicodependncia, prodigalidade (desde que no haja uma declarao de inabilitao ou interdio.
Finalmente, outro impedimento decretado por tribunal refere-se aos previstos no art. 1913. do CC. Cfr. Ana
Sofia GOMES, Ob. Cit., pgs. 33 e 34. 35 A ttulo de exemplo, no acrdo da Relao de vora de 13 de outubro de 2011 (Proc. 2364/09.1TBSTR.E1),
decidiu este douto tribunal afastar o regime do exerccio comum das responsabilidades parentais relativas s
questes de particular importncia, em virtude do pai da criana se encontrar incontactvel e no lhe ser
conhecido o seu paradeiro, atribuindo o exerccio unilateral dessas responsabilidades me. 36 Disponvel em: https://dre.pt/application/conteudo/70196964 e consultado a 31 de dezembro de 2015.
https://dre.pt/application/conteudo/70196964
17
3.2. Morte de um dos progenitores
Na eventualidade de um dos progenitores falecer, o exerccio das responsabilidades parentais
ficar a cargo do progenitor sobrevivo. Assim o determina o atual n. 1 do art. 1904. do CC,
cujo contedo se poderia extrair por extenso em decorrncia do estabelecido no artigo
1903. do CC.
O seu n. 2 aditado pela lei supra mencionada remete para a aplicao do n. 1 do art.
1903. do CC. Isto , na morte de um dos progenitores e se o outro se encontrar impedido,
tambm nesta situao o cnjuge ou o unido de facto de qualquer dos pais, ou um familiar
destes, pode requerer que lhe seja atribudo o exerccio das responsabilidades parentais, no
obstante o tribunal dever ter em conta a disposio testamentria do falecido onde designe
tutor para a criana, podendo aceitar ou no, mas ter sempre de atender a esta ltima
vontade do progenitor falecido.
importante ainda referir o preceituado no art. 1908. do CC, de acordo com o qual, sempre
que, verificada alguma das hipteses descritas no art. 1918. do CC (perigo para a segurana,
sade, formao moral e educao do menor), o tribunal pode decidir que, se o progenitor a
quem o menor foi entregue falecer, a guarda pode no ser automaticamente atribuda ao
progenitor sobrevivo, devendo designar-se a pessoa a quem o menor ficar provisoriamente
confiado at a definio da sua situao, atendendo ao seu superior interesse37.
3.3. Filiao estabelecida apenas quanto a um dos progenitores
37 Merecedora de louvor a deciso do Tribunal de Famlia e Menores e de Comarca de Cascais, de 6 de julho
de 2010, na qual se atendeu ao interesse da criana, em detrimento dos ideais biologistas, atribuindo av
materna a guarda e cuidados da menor, situao que j se verificava desde o seu nascimento, uma vez que a
sua me falecera cerca de dois anos mais tarde e a convivncia com o pai revelou-se penosa. Cfr. AA.VV.,
Responsabilidades Parentais, 5. Bienal de Jurisprudncia - Direito da Famlia, Centro de Direito da Famlia,
Coimbra Editora, 2013, pgs. 34 a 37.
18
Tal como vem descrito na Exposio de Motivos do Projeto de Lei n. 786/XII38, por maioria
de razo, este novo regime tambm aplicvel, com as devidas adaptaes, na circunstncia
de a filiao se encontrar estabelecida apenas quanto a um dos progenitores. Esta a letra
do atual art. 1903., n. 2 do CC.
Em rigor, esta situao j existia uma vez que possvel a adoo dos filhos do cnjuge ou
do unido facto do adotante (art. 7. da Lei n. 7/2001, de 11 de maio e arts. 1979., n. 2 e
1980., n. 1 do CC).
Como fora do casamento39 no se aplica a presuno legal de paternidade (pater is est quem
nuptiae demonstrant)40, quando a filiao se encontra estabelecida apenas relativamente a
um dos progenitores, o exerccio das responsabilidades parentais cabe, obviamente, ao
progenitor que conhecido41.
38 Disponvel em:
http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67
774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c31684a535339305a58683062334d76634770734e7a67
324c56684a5353356b62324d3d&fich=pjl786-XII.doc&Inline=true e consultado a 31 de dezembro de 2015. 39 Mesmo quando a mulher casada pode afastar a entrada em funcionamento da presuno de paternidade,
nos termos do art. 1832. do CC, declarando que o filho cujo nascimento pretende registar no pertence a quem
era seu marido no perodo legal da conceo ou no instante do nascimento. Esta situao pretende abranger os
casos em que, por exemplo, a mulher casada, separada de facto do marido, tem um filho j fora da constncia
do seu casamento. 40 Art. 1826. do CC 41 Art. 1910. do CC
http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c31684a535339305a58683062334d76634770734e7a67324c56684a5353356b62324d3d&fich=pjl786-XII.doc&Inline=truehttp://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c31684a535339305a58683062334d76634770734e7a67324c56684a5353356b62324d3d&fich=pjl786-XII.doc&Inline=truehttp://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67774c336470626d6c7561574e7059585270646d467a4c31684a535339305a58683062334d76634770734e7a67324c56684a5353356b62324d3d&fich=pjl786-XII.doc&Inline=true
19
Parte II
Exerccio das responsabilidades parentais por terceiros
Por imposio constitucional art. 36., n. 6 da CRP (garantia de no privao dos filhos)
s excecionalmente e perante situaes srias devidamente comprovadas que o tribunal
deve no entregar o filho aos pais, mas sim a terceira pessoa. A realidade mostra-nos que
nem sempre a procriao biolgica corresponde capacidade para o exerccio de todas as
responsabilidades inerentes.
As restries a este direito (dos pais) esto sob reserva da lei, uma vez que a esta que
compete o estabelecimento dos casos em que os filhos podero ser separados dos pais, ou
sob reserva de deciso judicial, no caso de se tratar de separao forada. De facto, o Cdigo
Civil nos seus arts. 1915. (inibio do exerccio das responsabilidades parentais) e 1918.
(perigo para a segurana, sade, formao moral e educao do filho) determina os casos em
que o tribunal pode confiar os filhos a terceira pessoa ou a estabelecimento de educao ou
assistncia.
Como j se teve oportunidade de referir neste trabalho, o critrio norteador na regulao das
responsabilidades parentais o superior interesse da criana que, tendo em conta a sua
natureza e gravidade, pode suplantar o j supramencionado direito subjetivo dos pais para
o exerccio das responsabilidades parentais42 e, uma vez que a lei tambm no esclarece o
que entende por interesse superior da criana, tratando-se por isso de um conceito que s em
concreto se materializa, urge a indicao de critrios objetivos e funcionais para a boa
deciso da questo. Neste sentido, perante uma situao de ponderao entre o vnculo
biolgico de parentalidade e a chamada paternidade scio-afetiva, haver que determinar
com quem que a criana mantm uma relao afetiva mais profunda e quem , para a
42 Acrdo do TEDH Pontes v. Portugal, n. 19554/09, 75, disponvel para descarregamento em lngua
portuguesa em http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-119146 e consultado a 31 de dezembro de 2015.
http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-119146
20
criana, a figura primria de referncia (ou Primary Caretaker43-44), sendo esta aquela com
quem a criana mantm uma relao afetiva recproca e estvel, quem lhe presta os cuidados,
que a ama e protege, quem lhe proporciona condies para o seu desenvolvimento fsico e
psquico, que a integrou na sua vida familiar e no meio que a circunda45.
Ou seja, o desrespeito pela relao afetiva estabelecida entre a criana e a pessoa de
referncia provoca naquela o dano da separao, gerador de instabilidade, uma vez que
coloca em perigo a sua sade e desenvolvimento e, por conseguinte, colide com o seu
superior interesse, sendo, portanto, de evitar. neste sentido que deve ser interpretada a
noo de perigo prevista no art. 3. da LPCJP, no qual se encontra uma enumerao
exemplificativa.
Por exemplo, com o propsito de responder questo relativa ao direito de visita a favor do
padrinho da menor, com quem estabeleceu uma relao prxima filiao, o acrdo da
Relao de Coimbra de 20 de junho de 2012 fundamenta que no se extrai da aludida norma
[o art. 1887.-A do CC], ou de qualquer outra, que distintas relaes, outros afetos, ainda
que relativos a terceiros, no possam merecer relevo regulatrio no momento da deciso
incidente sobre o exerccio das responsabilidades parentais nem esta expresso
(parentais) nos deve afastar desta concluso j que exprime apenas o ncleo e a origem do
instituto e no fala da felicidade e dos interesses da criana, que tudo dominam46.
43 Este critrio foi utilizado pela primeira vez pelo Supremo Tribunal de West Virginia (caso Garska v. McCoy,
68, 278, S.E. 2d, 1981), de acordo com o qual o Primary Caretaker aquele progenitor que tem a
responsabilidade pelo desempenho inter alia dos seguintes deveres de cuidado e sustento de uma criana: 1)
preparao e planeamento de refeies; 2) banho, higiene, vesturio; 3) compra, limpeza e cuidado com as
roupas; 4) cuidados mdicos, incluindo enfermagem e transporte para os mdicos; 5) planos para interao
social com amigos depois da escola, por exemplo, transportar a criana para a casa dos amigos ou para
encontros de escuteiros; 6) planeamento de cuidados alternativos, i.e., babysitting, infantrios, etc.; 7) deitar a
criana na cama noite, atender criana a meio da noite; acord-la de manh; 8) disciplina, i.e., ensino de
boas maneiras e de hbitos de cuidados pessoais; 9) educao religiosa, moral, social e cultural, etc.; 10) ensino
de capacidades elementares, i.e., ler, escrever e contar. Disponvel em http://law.justia.com/cases/west-
virginia/supreme-court/1981/14962-3.html e consultado a 31 de dezembro de 2015. 44 Este foi tambm o critrio que o Tribunal da Relao de Coimbra utilizou recentemente para justificar que,
hodiernamente, as mulheres assumem uma maior participao no mundo do trabalho e, por isso, ser de afastar
o critrio da preferncia maternal e aplicar o [critrio] do progenitor que possa assumir o papel de maior
protetor do filho e seja para ele a figura primria de referncia Primary Caretaker , e/ou que com ele
mantenha e possa manter uma relao afetiva referencial e propiciadora de um desenvolvimento estvel, so,
harmonioso, e familiar e socialmente abrangente (critrio da figura primria de referncia). Acrdo do
Tribunal da Relao de Coimbra de 06 de outubro de 2015, Proc. 3079/12.9TBCSC.C1. 45 Acrdo do Tribunal da Relao do Porto de 07 de maio de 2012, Proc. 758/04.8TBVFR-B.P1. 46 Acrdo do Tribunal da Relao de Coimbra de 20 de junho de 2012, Proc. 450/11.7TBTNV.A.C1.
http://law.justia.com/cases/west-virginia/supreme-court/1981/14962-3.htmlhttp://law.justia.com/cases/west-virginia/supreme-court/1981/14962-3.html
21
A par disso, Maria Clara Sottomayor relembra que os Tribunais devem ter em conta que as
crianas no so adultos em miniatura. As crianas, ao contrrio dos adultos, no so capazes
de lidar com as incertezas da vida atravs da razo. As suas atividades so comandadas pelo
lado irracional da mente humana47.
1. Regime do art. 1907. do Cdigo Civil
Do preceituado no n. 1 do art. 1907. do CC retira-se que, mediante acordo entre os pais,
por deciso judicial ou ainda porque se verificou alguma das circunstncias previstas no art.
1918. do mesmo diploma, o menor pode ser confiado a terceiro, isto , a algum que no
seja progenitor, que recebe os poderes e deveres que forem indispensveis para o adequado
desempenho das suas funes e ao tribunal cabe decidir em que termos os progenitores
exercem as responsabilidades parentais relativamente parte no atribuda ao terceiro (n.s
2 e 3).
No mbito da ao de formao Regulao do exerccio das responsabilidades parentais48,
organizada pelo CEJ, Rui Amorim49 defende que, tendo em conta o estatudo no n. 2 do art.
1907. do CC, a concluso a de que se deve atribuir ao cuidador o poder-dever de deciso
sobre questes de particular importncia, sempre que a situao concreta o justifique. Para
sustentar esta posio, apresenta, como exemplo, que parece evidente, que no caso de uma
criana com problemas de sade, carente de tratamentos hospitalares semanais, as decises
relativamente a esta situao devem ser entregues terceira pessoa que a acompanha sob
pena de ser, desse modo, colocada em perigo. Por seu turno, nada impede que os progenitores
cheguem a acordo com o cuidador acerca da transmisso de determinados poderes-deveres
e, nesse caso, desde que no seja prejudicial para a criana o que parece um contrassenso
pois quem cuida da criana e com ela convive diariamente saber o que melhor para ela
o tribunal dever homologar esse acordo. No obstante, tambm o respeito pelo superior
interesse da criana pode reclamar que o poder decisrio seja atribudo ao terceiro cuidador.
47 Maria Clara SOTTOMAYOR, Ob. Cit., pg. 82. 48 CEJ, A tutela cvel do superior interesse da criana - Tomo I, 2014, pgs. 524 e ss., disponvel em
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/Tutela_Civel_Superior_Interesse_Crianca_TomoI.pdf e
consultado a 31 de dezembro de 2015. 49 Procurador da Repblica na Procuradoria-Geral Distrital do Porto.
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/Tutela_Civel_Superior_Interesse_Crianca_TomoI.pdf
22
Em todo o caso, alerta o orador que a deciso de regulao do exerccio das
responsabilidades parentais, que confie a criana a terceira pessoa tem de elencar quais os
poderes-deveres que lhe so atribudos, de forma a se compreender a extenso desses
poderes e tambm para delimitar a competncia residual dos progenitores.
Poder-se-ia levantar o problema da inconstitucionalidade do art. 1907. do CC face ao art.
36., n. 6 da CRP. A este propsito, mister salientar que, apesar deste normativo
constitucional findar com a sua exceo, tambm o art. 18., n. 2 da Constituio fixa que
as restries (devem) limitar-se ao necessrio para salvaguardar outros direitos ou
interesses constitucionalmente protegidos que, no caso, se trata da prossecuo do superior
interesse da criana.
A este propsito, Maria Clara Sottomayor afasta a tese da inconstitucionalidade defendendo
o direito da criana continuidade das vinculaes afetivas precoces, visto que nos
conflitos entre pais biolgicos, que no exercem o poder paternal nem cuidam da criana, e
terceiros com a guarda de facto50, o critrio decisivo resulta da perspetiva da criana em
relao situao e do seu interesse em no ser separada da famlia afetiva, que de facto se
responsabiliza por ela 51. Em muitos casos, o interesse do menor aponta claramente para a
sua confiana a uma terceira pessoa e os decisores no devem ter receio de aplicar esta
soluo52.
No acrdo do Tribunal da Relao de Lisboa de 10 de abril de 2014, o Tribunal, apesar de
julgar parcialmente procedente a apelao relativamente omisso de fundamentao do
julgamento de facto, manteve em tudo o resto a deciso recorrida que consistia na
autorizao para o menor se ausentar para o Brasil com a av materna, uma vez que esta se
deslocou do Brasil para Portugal, pretendendo assumir a responsabilidade sobre o neto,
tirando-o da instituio onde se encontrava devido ao facto de a progenitora ter reconhecido
que no tinha condies para continuar a responsabilizar-se pelo filho, por se encontrar
descompensada e perturbada psicologicamente e o progenitor estar a cumprir pena de priso,
com termo previsto para o ano de 2016 e, como no dispe de ttulo de residncia, ser
50 A figura da guarda de facto vem definida no art. 5., al. b) da LPCJP como a relao que se estabelece entre
a criana ou o jovem e a pessoa que com ela vem assumindo, continuadamente, as funes essenciais prprias
de quem tem as responsabilidades parentais. 51 Maria Clara SOTTOMAYOR, Ob. Cit., pgs. 78 e 79. 52 AA.VV., Responsabilidades Parentais, 4. Bienal de Jurisprudncia - Direito da Famlia, Centro de Direito
da Famlia, Coimbra Editora, 2008, pg. 209.
23
conduzido para o Servio de Estrangeiros e Fronteiras para ser expulso para o seu pas de
origem (Angola):
O menor tem um relacionamento efetivo com a av materna e no com
qualquer dos progenitores e tem sido a av materna a cuidar do menor
nos ltimos anos, de tal maneira que esta voltou a Portugal
exclusivamente para retirar o menor da instituio em que este se
encontrava, passando a cuidar do mesmo. Sendo certo que a av materna
revela possuir as necessrias competncias parentais, o mesmo no
podendo dizer-se dos progenitores, nem sequer se prefigurando qualquer
projeto de vida desta criana com os progenitores ().53
Neste sentido, com a entrada em vigor da Lei n. 61/2008, de 31 de outubro, o art. 1907.,
n. 1 do CC passou a prever expressamente a salvaguarda dos interesses dos menores sem
necessidade de verificao do perigo a que alude o art. 1918. do CC, ao passo que na
vigncia do regime anterior, perante a impossibilidade de os progenitores proverem
segurana, sade, formao moral ou educao do menor, em resultado de um
comportamento ativo ou omissivo, impunha-se a regulao do exerccio do poder paternal,
de modo a atribuir a terceira pessoa a guarda e cuidado, mediante a propositura de ao
prpria.
O art. 1918. do CC regula a situao de limitao das responsabilidades parentais quanto
pessoa do filho. Quando perante uma situao que no seja caso de inibio do exerccio
das responsabilidades parentais (a qual tratada pelo art. 1915. do CC) e se verifique que
a segurana, a sade, a formao moral ou a educao de um menor se encontre em
perigo54, mediante um requerimento do Ministrio Pblico ou de qualquer parente do menor
ou outra pessoa a quem ele esteja confiado, de facto ou de direito, ao tribunal que cabe a
deciso das providncias adequadas ao caso concreto, nomeadamente a confiana a terceira
pessoa ou a estabelecimento de educao ou assistncia, sendo fixado um regime de visitas
53 Acrdo do Tribunal da Relao de Lisboa de 10 de abril de 2014, Proc. 21150/09.2T2SNT-D.L1-1. 54 Importa frisar que, alegado o perigo, urge fazer dele prova, de modo a que no se contrarie a
constitucionalidade desta norma, em virtude de a separao dos filhos de seus pais ser excecional (art. 36., n.
6 da CRP).
24
aos progenitores, a no ser que, excecionalmente, o interesse do filho o desaconselhe (art.
1919., n. 2 do CC).
Ou seja, perante uma situao de comprovado perigo, a preferncia ser, ou dever ser, pelas
medidas limitativas, i.e., no obstante os progenitores conservarem a titularidade das
responsabilidades parentais (que nunca iro perder), eles deixam de as poder exercer
normalmente porque, por exemplo, o filho menor passou a residir com uma tia materna e,
nesse sentido, conservam o exerccio na medida em que possa concorrer razoavelmente com
a providncia decretada.
Helena Bolieiro e Paulo Guerra, metaforicamente, referem-se s responsabilidades parentais
como um elstico que deixar de ser esticado na sua totalidade quando os pais tm atitudes
para com o filho suscetveis de o colocar em perigo. Nessa eventualidade, o exerccio das
responsabilidades parentais a cargo de ambos os progenitores ou apenas de um deles pode
ser limitado e, sendo reversvel, o elstico tornar a esticar na sua totalidade, aquando do
levantamento da limitao55.
Como se v, a inibio das responsabilidades parentais fica relegada para as situaes mais
graves, em virtude de ser tambm interesse dos menores manter a sua relao com os
respetivos pais.
Finalmente, a providncia pode ser revogada ou alterada a todo o tempo, pelo mesmo
tribunal que a proferiu, a requerimento do Ministrio Pblico ou de qualquer dos pais (art.
1920.-A do CC).
2. Regime da Lei de Proteo de Crianas e Jovens em Perigo56
Tanto a sociedade civil como o Estado tm o dever de proteger a famlia, de modo a assegurar
a realizao pessoal de todos os seus membros57. Reconhecendo que a criana, para o
55 Helena BOLIEIRO e Paulo GUERRA, A Criana e a Famlia: Uma Questo de Direito(s) - Viso Prtica
dos Principais Institutos do Direito da Famlia e das Crianas e Jovens, 2. ed., Coimbra Editora, 2014, pg.
297. 56 Lei n 147/99, de 1 de setembro, alterada pela Lei n 31/2003, de 22 de agosto e pela Lei n. 142/2015, de 8
de setembro. 57 Art. 67., n. 1 da CRP
25
desenvolvimento harmonioso da sua personalidade, deve crescer num ambiente familiar, em
clima de felicidade, amor e compreenso58. Compreende-se que o Estado e a sociedade civil
tenham o especial dever de tomar as medidas necessrias de proteo da criana59, desde
logo dada a particular fraqueza inerente aos menores perante as adversidades do mundo e,
alm disso, tambm porque as crianas mudam constantemente de um estdio de
desenvolvimento para outro, precisando, por isso, da estabilidade das condies externas da
sua vida para ultrapassarem com sucesso cada um dos estdios de desenvolvimento60.
Quando o modelo de proteo61 em vigor data entrou em crise e acabou mesmo por ser
abandonado, surgem novos modelos de justia de menores que visam no s a proteo da
infncia, mas tambm a promoo e proteo dos direitos das crianas e dos jovens,
culminando com a publicao no ordenamento jurdico portugus da LPCJP que visa
garantir a promoo dos direitos e a proteo das crianas e dos jovens em perigo, por forma
a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral, at que perfaam dezoito anos ou,
quando solicitada a continuao da interveno, at aos vinte e um anos62, em complemento
ou em substituio da ao dos pais ou de quem competente pela sua proteo. Tendo em
conta o mbito de proteo que esta lei pretende atingir, esta aplicar-se- a todas as crianas
ou jovens, com nacionalidade portuguesa, ou no, desde que residam ou se encontrem,
mesmo que temporria e provisoriamente, em territrio nacional63.
Para efetivar esta proteo, no necessrio que o ambiente em que a criana se insere e no
qual se deve sentir protegida e integrada a coloque em perigo, basta, por isso, a criao de
um real ou muito provvel perigo, ainda longe de dano srio64, resultante de ao dos pais,
do representante legal ou de quem tenha a guarda de facto que ponha em perigo a segurana,
a sade, a formao, a educao ou o desenvolvimento da criana ou do jovem, ou quando
58 Prembulo da Conveno sobre os Direitos da Criana, adotada pela Assembleia Geral nas Naes Unidas
em 20 de novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de setembro de 1990. 59 Assim o determina o art. 69., n. 1 da CRP. 60 Maria Clara SOTTOMAYOR, Ob. Cit., pg. 81 apud Joseph GOLDSTEIN, Anna FREUD e Albert J.
SOLNIT, No interesse da criana?, (traduo brasileira de Beyond the best interests of the child, Free Press,
1979), So Paulo, 1987, pg. 18. 61 Baseado, fundamentalmente, na Lei de Proteo Infncia de 27 de maio de 1911 e pela primeira
Organizao Tutelar de Menores, surgida em 1962. 62 Arts. 1. e 5., al. a) da LPCJP 63 Art. 2. da LPCJP 64 Tom dAlmeida RAMIO, Lei de Proteco de Crianas e Jovens em Perigo Anotada e Comentada, 3.
ed., Quid Juris, 2004, pg. 26
26
o perigo resulte da ao ou omisso de terceiros ou da prpria criana ou do jovem a que
aqueles no se oponham de modo adequado a remov-lo65.
Estas aes sero capazes de influenciar negativamente o bem-estar e o desenvolvimento da
criana ou do jovem de tal modo que, para evitar avaliaes erradas e constrangimentos
futuros, de afastar o critrio do homem mdio, prevendo a lei uma enumerao, ainda que
exemplificativa, no n. 2 do art. 3. da LPCJP de vrias situaes enquadrveis como
situaes de perigo. o caso, por exemplo, de abandono, de maus tratos fsicos ou psquicos
e, tambm, comportamentos que afetem o seu bem-estar fsico, psquico ou emocional.
A verificao de qualquer uma dessas situaes, ou de outra, legitima o processo de
interveno previsto na LPCJP, tendo como base o conjunto de princpios orientadores
previsto no seu art. 4., cujo objetivo a garantia dos direitos da criana ou do jovem.
Encabeando esta lista, surge o princpio do interesse superior da criana e do jovem. A
opo pela previso deste princpio imediatamente como o primeiro permite concluir que
constitui o critrio prioritrio e prevalente relativamente adoo de medidas tendentes ao
afastamento do perigo, apresentando-se como objetivo ltimo a realizao desse interesse,
tal como j se teve oportunidade de referir neste trabalho a propsito da regulao das
responsabilidades parentais.
Todos os demais princpios so concretizaes deste. Assim, o momento de interveno deve
ser logo que se conhea a situao de perigo (al. c)), respeitando sempre a privacidade da
criana ou do jovem, a sua imagem e a reserva da sua vida privada (al. b)), na medida que
se revelar proporcional, isto , necessria e adequada situao de perigo em que a criana
ou o jovem se encontram (al. e)), procurando que os pais continuem a exercer os seus deveres
(al. f)), a manuteno das relaes afetivas estruturantes (al. g)) e a prevalncia em famlia
mediante a adoo de medidas que privilegiem a integrao na sua famlia biolgica ou outra
forma de integrao familiar estvel (al. h)). A criana ou o jovem, os pais, os representantes
legais ou a pessoa que tenha a sua guarda de facto, tm direito a ser informados dos seus
direitos, do motivo da interveno e do modo como esta se processar e a ser ouvidos e a
participar nos atos e na definio da medida a aplicar (als. i) e j)). Por ltimo, a interveno
deve ser exercida pelas entidades e instituies cuja ao seja indispensvel para a efetiva
promoo dos direitos e proteo da criana e do jovem em perigo (al. d)) e em observncia
65 Art. 3., n. 1 da LPCJP
27
do princpio da subsidiariedade (al. k)) que determina um critrio sequencial, de acordo com
o qual a interveno no judiciria deve ser prioritria em virtude dessas entidades as
entidades com competncia em matria de infncia e juventude66 (arts. 5., al. d) e 7. da
LPCJP) e as comisses de proteo de crianas e jovens (art. 8. da LPCJP) disporem de
agentes com uma maior ligao e proximidade comunidade, recorrendo apenas em ltima
instncia aos tribunais (art. 100. da LPCJP).
Isto , de acordo com este ltimo princpio, a interveno das comisses de proteo de
crianas e jovens tem lugar quando no seja possvel s entidades com competncia em
matria de infncia e juventude atuar de forma adequada e suficiente a remover o perigo em
que se encontram, caracterizando-se, deste modo, esta interveno como preventiva. Assim
se l no art. 8. da LPCJP. A interveno judiciria, por seu turno, ocorre quando se verificar
alguma das eventualidades previstas no art. 11. da LPCJP.
Recorrendo a uma figura piramidal, cabe s entidades com competncia em matria de
infncia e juventude o primeiro patamar de interveno, s comisses de proteo de
crianas e jovens o segundo patamar e, no topo, os tribunais.
Qualquer pessoa que tenha conhecimento de uma das situaes de perigo previstas no art.
3. da LPCJ pode proceder respetiva denncia, mas esta reveste carcter de obrigatoriedade
quando essa situao seja suscetvel de colocar em risco a vida, a integridade fsica ou
psquica ou a liberdade da criana ou do jovem (art. 66., n.s 1 e 2 da LPCJP). Tambm as
entidades policiais, as autoridades judicirias e as entidades com competncia em matria de
infncia e juventude tm a responsabilidade de proceder comunicao da situao de perigo
quando dela tiverem conhecimento (arts. 64. e 65. da LPCJP). O destinatrio da denncia
pode ser as entidades com competncia em matria de infncia ou juventude, as entidades
policiais, as comisses de proteo, a autoridade policial e at mesmo o tribunal.
2.1. Medidas de promoo e proteo na LPCJP
66 o caso, por exemplo, das autarquias, das instituies particulares de solidariedade social, linha SOS
Criana, hospitais, etc
28
No rol de definies previstas no art. 5. da LPCJP, a al. e) diz respeito s medidas de
promoo dos direitos e de proteo, nos termos da qual estas consistem na providncia
adotada pelas comisses de proteo de crianas e jovens ou pelos tribunais, nos termos do
presente diploma, para proteger a criana e o jovem em perigo.
Da leitura conjunta desta definio e do art. 38. do LPCJP retira-se que est expressamente
vedada a possibilidade de as entidades com competncia em matria de infncia e juventude
aplicarem qualquer uma das medidas mencionadas no art. 35. da LPCJP. Por seu turno, a
aplicao de medida de promoo e proteo de confiana a pessoa selecionada para a
adoo, a famlia de acolhimento ou a instituio com vista adoo (al. g) do art. 35. da
LPCJP) da competncia exclusiva dos tribunais67.
A aplicao de uma medida de promoo e proteo, seja esta definitiva ou provisria, tem
como finalidade68, desde logo, o afastamento do perigo que originou a sinalizao da criana
ou jovem, proporcionar as condies necessrias para proteger e promover a segurana,
sade, formao, educao, bem-estar e desenvolvimento integral das crianas ou jovens e
garantir a recuperao fsica e psicolgica das crianas ou jovens vtimas de qualquer forma
de explorao ou de abuso.
Quando a gravidade da situao reclamar uma interveno em tempo til, ou seja, em
situaes de emergncia, considerando-se como tal situaes de perigo atual ou iminente
para a vida ou integridade fsica da criana ou do jovem ou enquanto se procede ao
diagnstico da situao da criana e definio do seu encaminhamento subsequente, as
comisses podem aplicar, provisoriamente, qualquer medida de promoo e proteo pelo
prazo mximo de seis meses, devendo ser revistas no prazo mximo de trs meses (arts. 5.,
al. c) e 37. da LPCJP).
Estas medidas de promoo e proteo vm previstas nos arts. 35. e ss. da LPCJP,
tipificadas de forma taxativa, inviabilizando a possibilidade de aplicao de qualquer outro
projeto e esto organizadas em dois tipos de medidas.
O primeiro medidas a executar no meio natural de vida , por motivos bvios, so de
aplicao prioritria69, cujo mbil para a aplicao o regresso famlia biolgica. J o
67 Art. 38., in fine da LPCJP 68 Art. 34. da LPCJP 69 Em virtude da previso do princpio da prevalncia da famlia, previsto no art. 4., al. h) da LPCJP.
29
segundo grupo as medidas de colocao so medidas alternativas70 aplicveis apenas
quando se esgotarem as possibilidades de manter a criana no seu meio natural, pelo menos
a curto e mdio prazo.
i) Medidas a executar no meio natural de vida:
i.i) Apoio junto dos pais: Consiste em proporcionar criana ou ao jovem
apoio psicopedaggico e social e, se necessrio, financeiro (art. 39. da LPCJP). Embora seja
omissa, tendo em conta o esprito da lei, tambm se deve estender ao representante legal ou
a pessoa que tem a guarda de facto;
i.ii) Apoio junto de outro familiar: A criana ou o jovem ficaro sob guarda
de um familiar com quem resida ou a quem seja entregue, proporcionando, igualmente, apoio
psicopedaggico, social e, eventualmente, financeiro (art. 40. da LPCJP);
A aplicao destas duas medidas pode ser complementada com programas de educao
parental e pode estender-se ao agregado familiar visando o melhor exerccio das funes
parentais (arts. 41. e 42. da LPCJP).
i.iii) Confiana a pessoa idnea: Aqui, a criana ou o jovem ficaro guarda
de uma pessoa com quem tenha estabelecido relao de afetividade recproca, mesmo no
sendo seu familiar. Pode ser tambm acompanhada de apoio psicopedaggico, social e
financeiro, se se mostrar necessrio (art. 43. da LPCJP);
i.iv) Apoio para a autonomia de vida: Proporcionar ao jovem com idade
superior a 15 anos apoio econmico e acompanhamento psicopedaggico e social, de modo
a o habilitar e lhe permitir viver por si s, adquirindo progressivamente autonomia de vida.
Pode tambm ser aplicada a mes com idade inferior a 15 anos, quando assim se revelar
aconselhvel (art. 45. da LPCJP);
70 Aline Cardoso Siqueira e Dbora Dalbosco DellAglio defendem, a propsito do impacto da
institucionalizao na infncia e na adolescncia, que o ambiente institucional no se constitui no melhor
ambiente de desenvolvimento, pois o atendimento padronizado, o alto ndice de criana por cuidador, a falta
de atividades planejadas e a fragilidade das redes de apoio social e afetivo so alguns dos aspetos relacionados
aos prejuzos que a vivncia institucional pode operar no indivduo, vide Aline Cardoso SIQUEIRA e Dbora
Dalbosco DELLAGLIO, O Impacto da Institucionalizao na Infncia e na Adolescncia: Uma reviso da
literatura. In Psicologia & Sociedade, vol. 18, n. 1, pgs. 71-80, disponvel em http://www.scielo.br/pdf/psoc/v18n1/a10v18n1.pdf e consultado a 31 de dezembro de 2015.
http://www.scielo.br/pdf/psoc/v18n1/a10v18n1.pdf
30
i.v) Confiana a pessoa selecionada para a adoo: Quando se verificar
alguma das situaes enumeradas no art. 1978. do CC, com a aplicao desta medida a
criana ou o jovem so colocados confiana de candidato a adotante selecionado pelo
competente organismo de segurana social (art. 38.-A, al. a) da LPCJP).
ii) Medidas de colocao:
ii.i) Acolhimento familiar: A criana ou o jovem so entregues a uma pessoa
singular ou a uma famlia, de modo a proporcionar a sua integrao em meio familiar e a
prestao de cuidados adequados s suas necessidades e bem-estar e a educao necessria
ao seu desenvolvimento integral (art. 46. da LPCJP)71;
ii.ii) Acolhimento residencial: A criana ou o jovem ficam aos cuidados de
uma entidade que disponha de instalaes e equipamento de acolhimento permanente e de
uma equipa tcnica que lhes garantam os cuidados adequados para satisfazer as necessidades
fsicas, psquicas, emocionais e sociais das crianas e jovens, promovendo a sua educao,
bem-estar e desenvolvimento integral (art. 49. da LPCJP);
ii.iii) Confiana a famlia de acolhimento ou a instituio com vista adoo:
Tambm perante a verificao de alguma das situaes do art. 1978. do CC, a criana ou o
jovem podem ser colocados guarda de famlia de acolhimento ou de instituio com vista
a futura adoo (art. 38.-A, al. b) do LPCJP).
2.2. Processo nas CPCJ
Depois de corrido todo o processo na CPCJ72, mediante a realizao de todas as diligncias
necessrias a fim de comprovar os factos de que teve conhecimento atravs da comunicao
que lhe foi feita por qualquer das entidades supra referidas quanto denncia ou atravs da
solicitao da criana ou do jovem, dos seus pais, representante legal ou das pessoas que
tenham a sua guarda ou por sua iniciativa relativamente a situaes de que teve
conhecimento no exerccio das suas funes (art. 93. da LPCJP), a comisso restrita reunir,
71 Os arts. 14. e ss. do DL n. 11/2008, de 17 de Janeiro estabelecem os requisitos da famlia de acolhimento. 72 Arts. 97. e ss. da LPCJP
31
no mnimo, quinzenalmente, salvo no caso das situaes de urgncia j referenciadas,
eventualidade em que poder reunir independentemente da hora e do dia73 e pode decidir
arquivar o processo, quando a situao de perigo no se confirmar ou j no subsistir ou
decidir aplicar a medida que se apresentar como mais adequada para aquele caso concreto74.
Se, no prazo de seis meses aps a comunicao ainda no tiver sido proferida qualquer
deciso, a CPCJ dever comunicar esta situao ao Ministrio Pblico75, legitimando a
interveno judicial, como prev o art. 11., al. g) da LPCJP.
2.3. Procedimentos de urgncia76
Dada a gravidade da situao em que a criana muitas vezes se encontra, pode exigir uma
interveno rpida, em tempo reduzido que no compatvel com o decurso de um processo
judicial.
A interveno de urgncia exige a existncia de um perigo que deve ser atual ou iminente
para a vida ou de grave comprometimento da integridade fsica ou psquica da criana ou
jovem. Alm disso, pressuposto dos procedimentos de urgncia a manifestao da oposio
interveno por parte dos que detm as responsabilidades parentais ou de quem tenha a
guarda de facto.
Para este efeito, a primeira iniciativa para a proteo imediata da criana cabe s comisses
de proteo, ou s entidades com competncia em matria de infncia e juventude, que
tomaro as medidas consideradas como necessrias e solicitam a interveno do tribunal, a
fim de ser desencadeado o processo previsto no art. 92. da LPCJP, ou das autoridades
policiais quando no possvel acionar o procedimento judicial ou se revelar necessria a
73 Art. 22. da LPCJP 74 Quando a medida aplicada tiver como consequncia a separao da criana ou do jovem dos seus pais,
representante legal ou das pessoas que tenham a sua guarda de facto, o art. 68., al. e) da LPCJP determina que
deve ser comunicada ao Ministrio Pblico a aplicao dessa medida. 75 Art. 68., al. d) da LPCJP. No obstante, esta comunicao no implica nem impe a remessa ao Ministrio
Pblico, devendo o processo continuar a sua tramitao (art. 71., n. 1 da LPCJP e ponto 3 Diretiva Conjunta
Procuradoria-Geral da Repblica e Comisso Nacional de Proteo de Crianas e Jovens em Risco de 23 de
junho 2009, disponvel em
http://www.pgdlisboa.pt/docpgd/files/Directiva%20Conjunta%20PGR%20CNPCJR.pdf e consultada a 31 de
dezembro de 2015). 76 Arts. 91. e 92. da LPCJP
http://www.pgdlisboa.pt/docpgd/files/Directiva%20Conjunta%20PGR%20CNPCJR.pdf
32
adoo de medidas mais drsticas como a retirada da criana do local em que se encontra e
a coloca em perigo, caso em que a proteo desta ser assegurada em casa de acolhimento
(v.g., um CAT Centro de Acolhimento de Temporrio), nas instalaes das entidades com
competncia em matria de infncia e juventude ou noutro local que se mostrar adequado a
essa finalidade. Alm disso, como Antnio Clemente Pinto defende, tendo em conta o
carcter de persuaso sobre os cidados, qualquer deslocao com vista a uma interveno,
dever ser acompanhada de agentes das autoridades policiais, prevenindo at situaes em
que pode ocorrer alguma violncia, decorrente do consumo de lcool ou outros estados de
impulsividade/agressividade77.
Nos termos do art. 92. da LPCJP, o procedimento judicial de urgncia tem incio a
requerimento do Ministrio Pblico e, depois de tomadas as diligncias necessrias, a
deciso, que vir tornar solene uma deciso j anteriormente tomada por uma entidade
externa ao poder judicial, no dever ultrapassar o prazo mximo de quarenta e oito horas.
2.4. Processo judicial de promoo e proteo
Relativamente ao processo judicial de promoo e proteo, visto por algumas Comisses
como um fracasso per se78, da competncia das seces de famlia e menores da instncia
central do tribunal de comarca e, nas reas no abrangidas por estas seces de famlia, cabe
s seces cveis da instncia local79. A iniciativa processual80 cabe ao Ministrio Pblico,
tal como descrito no art. 73. da LPCJP81 e os pais, o representante legal, as pessoas que
tenham a guarda de facto e a criana ou jovem com idade superior a 12 anos, tm tambm
legitimidade quando, decorridos seis meses aps o conhecimento da situao pela CPCJ, no
tenha sido proferida qualquer deciso.
77 Antnio Clemente PINTO, Guia de Procedimentos do Processo de Promoo e Proteco, 3. ed.,
Almedina, 2011, pgs. 86 e 87. 78 Ana Rita ALFAIATE e Geraldo Rocha RIBEIRO, Sistema de Promoo e Proteco de Crianas e Jovens.
Debate com as Comisses: Relatrio (2008 e 2009), in Lex Familiae, Ano 7, n. 13, Coimbra Editora, janeiro-
junho 2010, pg. 136. 79 Art. 101. da LPCJP 80 Art. 105. da LPCJP 81 Acrdo do Tribunal da Relao de Lisboa de 16 de novembro de 2006, Proc. 9237/2006-6: 4 Assim, a
iniciativa do processo judicial de promoo dos direitos e de proteo por parte do Ministrio Pblico depende
taxativamente da verificao de alguns dos requisitos enunciados no artigo 73 da Lei 147/99.
33
Encerrada a instruo, que no deve exceder o prazo de quatro meses82 e depois de ouvido
o Ministrio Pblico, o juiz adotar uma de trs atitudes possveis: i) decide pelo
arquivamento do processo83; ou ii) pela designao de data para conferncia para obteno
de acordo de promoo e proteo que, se obedecer s formalidades exigidas pelo art. 113.
da LPCJP, homologado por deciso judicial84; ou iii) quando considerar manifestamente
improvvel uma soluo negociada, determina o prosseguimento do processo para realizao
de debate judicial85. Finda a prova, o juiz concede a palavra ao Ministrio Pblico e aos
advogados para alegaes86, assim concluindo todos os trmites processuais deste debate. O
tribunal decide por maioria de votos, votando primeiro os juzes sociais (por ordem crescente
de idade) e, por fim, o juiz presidente87.
A deciso composta por quatro partes88: i) relatrio (que consiste na identificao da
criana ou jovem, os seus pais, representante legal, ou a pessoa que tem a guarda de facto e
uma descrio sucinta da tramitao do processo), ii) fundamentao (na qual consta a
enumerao dos factos provados e no provados, assim como da sua valorao e exposio
das razes que sustentam a deciso tomada), iii) dispositivo (i.e., conjunto de normas
jurdicas aplicveis) e, por ltimo, iv) a deciso final a aplicar no processo.
Posto isto, o processo judicial terminar ou no na fase dos recursos, admitida nos termos
dos arts. 123. a 126. da LPCJP.
2.5. Durao, reviso e cessao da medida
A aplicao de uma das medidas a executar no meio natural de vida ter o prazo estabelecido
no acordo89 ou na deciso judicial, no podendo ter durao superior a doze meses, ou
dezoito meses em caso de prorrogao, se o interesse superior da criana ou do jovem assim
o aconselhar e desde que se mantenham os consentimentos e acordos legalmente exigidos,
82 Art. 109. da LPCJP 83 Arts. 110., n. 1, al. a) e 111. da LPCJP 84 Arts. 110., n. 1, al. b) e 113. da LPCJP 85 Arts. 110., n. 1, al. c) e 114. da LPCJP 86 Art. 119. da LPCJP 87 Art. 120. da LPCJP 88 Art. 121. da LPCJP 89 Arts. 5., al. f) e 36. da LPCJP
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assim como, excecionalmente, a medida de apoio para a autonomia de vida pode ser
prorrogada at aos 21 anos de idade90.
J quanto s medidas de colocao, estas tm a durao prevista no acordo ou na deciso
judicial91. Se no for estabelecido qualquer limite temporal, deve ter-se como limite mximo
os 18 anos ou 21 anos, conforme decorre da al. a) do art. 5. da LPCJP. Em derrogao deste
regime, o art. 62.-A da LPCJP, relativamente apenas medida de confiana a pessoa
selecionada para adoo, a famlia de acolhimento ou a instituio com vista a adoo,
determina que esta durar at ser decretada a adoo.
No que respeita reviso das medidas92, com o intuito de avaliar a situao atual da criana
ou do jovem e os resultados da execuo da medida, a regra geral dita que sero revistas
findo o prazo fixado no acordo ou na deciso judicial ou decorridos no mais de seis meses
aps a aplicao da medida. Excecionalmente, a reviso pode ocorrer antes de decorrido o
prazo previsto de reviso, desde que ocorram factos que a justifiquem, oficiosamente ou a
requerimento dos pais, do representante legal, da pessoa que tenha a guarda de facto, do
menor com idade igual ou superior a 12 anos e do Ministrio Pblico93. O art. 62.-A da
LPCJP comea por prever que a medida de confiana a pessoa selecionada para adoo, a
famlia de acolhimento ou a instituio com vista a adoo no est sujeita a reviso, a no
ser que o projeto de vida da criana ou do jovem se altere, seja porque, por exemplo, a
medida foi substituda ou porque atingiu a idade limite para a adoo e esta no se tenha
concludo entretanto (n. 2).
Facilmente se afere que da reviso da medida pode suceder a sua cessao94 mediante a
verificao de qualquer uma das circunstncias do art. 63. da LPCJP, a sua substituio por
90 Art. 60. da LPCJP 91 Art. 61. da LPCJP 92 Art. 62. da LPCJP 93 Art. 72. da LPCJP 94 No se pode deixar de considerar que, embora possa parecer contraditrio com a sua finalidade, ao
estabelecer um prazo mximo de durao das medidas de promoo e proteo cuja verificao causa a
cessao destas, o legislador f-lo em observncia do interesse da criana e do jovem, uma vez que, o que o
legislador pretende obstar a que as prorrogaes ad infinitum criem a iluso de uma interveno promotora
do interesse do menor onde apenas se verifica impotncia, inadequao ou inrcia. Por isso o legislador assinala
um prazo que entendeu bastante. Pugnar pelos interesses do menor, em tal situao, deve levar as autoridades
envolvidas a agir proactivamente na anlise da situao, o que diverso de prolongar a medida. Assim foi o
entendimento do Tribunal da Relao de Lisboa, no Acrdo de 27 de maro de 2014, Proc. 2333/11.1
TBTVD.L1-6.
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outra medida mais adequada ou a continuao ou prorrogao da execuo da medida. Em
qualquer destes casos deve ser fundamentada de facto e de direito95.
Em jeito de concluso, em cumprimento de todos os princpios que subjazem interveno
para a promoo dos direitos e proteo da criana e jovem, nos termos da LPCJP e dos
quais sobressai o do interesse superior da criana e do jovem, de forma a no agravar a
situao de perigo que fundamenta aquela interveno, importa definir com a brevidade
possvel um slido projeto de vida daqueles, assegurando assim a estabilidade que qualquer
ser humano sobretudo em fase de definio de personalidade necessita.
3. Regime jurdico do apadrinhamento civil96
Uma das apreciaes feitas ao regime da adoo no Relatrio das audies efetuadas no
mbito da avaliao dos sistemas de acolhimento, proteo e tutelares de crianas e jovens,
a de que aquele carece de dinamizao, essencialmente porque o empate na ponderao
entre adoo e reunificao familiar, provoca prolongamento de permanncia em instituio
sem que o seu projeto de vida seja definido em tempo til. Conclui, assim, pela necessidade
de pensar e (re)criar outras formas de acolhimen
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