Entre matéria e divindades: é assim que vivemosDenísia Martins Borba
Centro de Convergênica de Novas mídias
Universidade Federal de Minas Gerais
Resumo
A história não é muito antiga, a contribuição da diáspora negra na formação do povo
brasileiro é um fato ainda recente e estamos distantes apenas três séculos de histórias,
que ainda podemos encontrar partes desses fragmentos que sustentam e narram como
foi construída e mantida a idéia de uma nação africana.
Palavras chave: Cultura, Yorùbá, nação, africanos, Brasil.
O idioma: língua dos deuses e dos homens
O idioma Yorùbá é complexo e ainda se mantém arraigado nas tradições
ancestrais. É o maior idioma da Nigéria, e em várias organizações religiosas difundidas
pelo mundo, entre estes estão a República do Benin, Costa do Marfim, Cuba, Brasil,
Venezuela, Colômbia, Trinidad e Tobago, República Dominicana, Porto Rico, Haiti,
Nicarágua, Jamaica, Estados Unidos, entre outros.
Os estudos realizados ainda não concluíram sobre origem deste idioma e não
existe nenhuma evidência conclusiva que comprove onde tenha se originado. Alguns
pesquisadores apontam que sua origem pode estar ligada ao povo egípcio, baseando-se
no fato de que um grande número de palavras Yorùbá é bastante parecido com as
egípcias, contudo, os estudos lingüísticos ainda não chegaram a uma explicação formal
para o idioma mais falado na Nigéria.
Os Yorùbá formam um dos mais importantes grupos étnicos da Nigéria, donos
de uma história e cultura muito rica. Existem várias teorias sobre a origem do povo
Yorùbá, estas informações se agrupam cuidadosamente em declarações presentes na
tradição oral.
A religião tradicional Yorùbá envolve adoração e respeito à Olódùmarè, o
criador de todas as coisas, e cultuam 401 deidades; a maior parte desses Òrìsà são
figuras antropomorfas, que são associadas às características da natureza. As pessoas
rezam e fazem oferendas, de acordo com suas necessidades e situação, bem como as
orientações de Ifa. Cada divindade tem suas regras, ritos e oferendas próprias.
Os Yorùbá, também, crêem que os antepassados interferem diariamente nos
eventos da terra. Em algumas cidades são feitos anualmente festivais, mesmo na
contemporaneidade, onde cada eégúngún distribui seu asè, dança, e é festejado.
Os Yorùbá sustentados por cultura consistente superaram muitos obstáculos para
alcançar o ponto que estão hoje, inclusive aqui no Brasil. Sua cultura e história podem
ser vistas ao longo do mundo, por meio de seu idioma, culinária, vestuário, culinária e
arte em geral.
O africano introduziu à nossa cozinha vários ingredientes que misturados aos
nativos deram origem à culinária afro-brasileira. Confirmou a excelência da pimenta
malagueta sobre a do reino, deu ao Brasil o feijão preto, o quiabo, ensinou a fazer
vatapá, caruru, mungunzá, acarajé, fez valer os seus temperos, os verdes, a sua maneira
de cozinhar. Modificou os pratos portugueses e indígenas, substituiu ingredientes,
ensinou a fazer pratos com camarão seco e a usar as panelas de barro e a colher de pau.
Os sudaneses fizeram muito pela nossa cozinha porque eram mais aceitos como
domésticos do que os africanos do sul, o povo de Angola, a maioria de língua banto, ou
do que os negros cabindas do Congo, ou os minas, ou os do Moçambique, gente mais
aproveitada para o serviço pesado.
O africano contribuiu com a difusão do inhame, da cana de açúcar e do
dendezeiro, do qual se faz o azeite-de-dendê. O leite de coco, de origem polinésia, foi
trazido pelos negros, assim como a galinha d’ angola.
Visão de mundo: Mitologia da criação A origem da humanidade não é tratada de forma diferente pelo povo Yorùbá,
que também tem sua explicação cosmogônica para o surgimento da terra e do homem.
Para esse povo o início de tudo veio das mãos e do desejo de Olódùmarè.
Deus na terra Yorùbá, possui muitos nomes; o primeiro e o mais antigo é
Olódùmarè, que é uma contração de Ol’(oni) odu mare (marè), e siginfica:
Ol’(oni) – senhor de líder absoluto, chefe, autoridade;
Odu – grande, extenso, pleno;
Marè – aquele que permanece, aquele que sempre é; aquele que tem autoridade
absoluta sobre, tudo o que há no céu e na terra e é incomparável; ou aquele que é
absolutamente perfeito, o supremo em qualidade.
Olódùmarè é o nome mais utilizado para designar o ser superior no idioma
Yorùbá, tal como o conceito da maioria das religiões ele é o criador de todas as coisas,
onipotente, onipresente e onisciente. Ele vive num universo paralelo ao nosso, por nós
denominado Òrun. Ele incumbiu Òrínsànlá, (Òrìsà-nlá, o grande Òrìsà, também
conhecido por Obàtálá), de criar o futuro Àyé: a terra, ou seja, o mundo em que
vivemos. Olódùmarè entregou a Òrínsànlá o Àpò-Iwá (o saco da existência) o qual
continha todas as coisas necessárias para a criação.
Igba – odù - dois elementos genitores e o elemento procriado:
Três termos e a unidade dinâmica.
Igbá
cabaça
Àyé – òrun Igbá odú
Mundo – Além universo
Ilé – Sanmo Ará-àiye
Terra – céu habitante do mundo
9 espaços do orun e òpó-orun
4 partes do mundo
Sanmo Ará-òrun
céu/atmosfera habitante do além
Olódùmarè, o criador sempre invocado em benções e em determinadas
obrigações, mas nenhum santuário ou sacerdócio organizado é dedicado
especificamente para ele. Poucos sacerdotes falam de Olódùmarè, muitas vezes por
desconhecimento, pois não se tem conhecimento de nenhum altar ou assentamento
específico dedicado a Ele e nenhum filho ou filha lhe é consagrado.
A religião é parte essencial da cultura dos povos africanos, e acreditam que
Olódùmarè seja o ser supremo, é o Oba Òrun, (rei do céu). É ele acima de tudo,
onipresente, ele é Olòrun Alagbara, (o Deus Poderoso), e sua supremacia são
absolutamente inquestionáveis. Olódùmarè é onipotente, para Ele, nada é impossível, é
o rei cujos trabalhos são feitos para perfeição, portanto é imortal. Olódùmarè é
onisciente, sabe tudo, não existe nada que possa se esconder dele; é sábio e tudo está ao
seu alcance. Alguns estudiosos dizem que a religião Yorùbá é a religião monoteísta
mais antiga da humanidade.
Para o ato da criação Olódùmarè deu a Obàtàlá: terra, ave e metal, mas a água
primordial que recebeu a terra trazida do Òrun e a sustenta gerando vida, já existia e é
identificada com a divindade: Yemonja = Ìyá-nla (grande mãe) – aquela que permitiu a
criação do mundo. Esta divindade representada pelas águas primordiais recebeu o poder
da fertilidade para que pudesse sustentar o mundo recém criado.
Segundo a mitologia Yorùbá, Olódùmarè, junto com a criação do céu e da terra,
trouxe para a existência as outras divindades Òrìsà, para ajudá-lo a administrar sua
criação, e a importância de cada divindade depende da posição dentro do panteão
Yorùbá.
Como manda a tradição, para todos os seres do òrun e do ayé, antes de iniciar a
viagem, para cumprir sua missão, Obàtàlá foi consultar o oráculo de Ifá, com Òrúnmìlà,
que lhe orientou a fazer oferendas ao Òrìsà Èsù, para evitar que infortúnios
acontecessem na efetivação de sua missão. Òrúnmìlà é o senhor dos destinos, aquele
que tudo sabe e tudo vê em todos os mundos que estão sob a tutela de Olódùmarè, ele
sabe tudo sobre o passado, o presente e o futuro de todos habitantes do àyé e do òrun, é
o regente responsável e detentor dos oráculos, foi o guardião de Odùduwà no ato da
criação e fundação de Ilé Ìfé. É normalmente invocado das seguintes formas: Elérí Ìpín
(o testemunho de Deus), Ibìkéjì Olódùmarè (o vice de Deus), Gbàyégbòrún (aquele que
está no céu e na terra), ou Òpitan Ìfé (o historiador de Ìfé).
Acredita-se que Olódùmarè confiou de maneira especial a Òrúnmìlà toda a
sabedoria e conhecimento possível, imaginável e existente entre todos os mundos
habitados e não habitados, fazendo com que desta forma o tornasse seu representante
em qualquer lugar que estivesse.
Mesmo ciente de todo conhecimento e poder de Òrúnmìlà, Òrínsànlá que era
orgulhoso e prepotente, se recusou a fazer tais oferendas. De posse do Àpò-Iwá, pôs-se
a caminhar pelo Òrun, tendo como meta primeira chegar ao "portal do espaço", até
aquele momento apenas um imenso vazio, que futuramente, por meio de suas ações
viria a ser o àyé.
Aqui, antes de continuar a narrativa vale ressaltar a importância de Èsù, no
panteão Yorùbá.
Olódùmarè representa o princípio da existência genérica.
Uma massa infinita de ar que se deslocou, e do seu respirar uma parte de ar
transformou-se em uma massa condensada de água, neste momento nascia Òrínsànlá.
Do movimento de ambos, uma parte virou lama. Um pequeno montículo de lama
avermelhada, com forma de um torrão bem lamacento, que atraiu atenção de Olódùmarè
que o soprou, enchendo o torrão de lama de seu hálito deu-lhe vida. Èsù é o resultado da
soma da água + terra (masculino + feminino) = terceiro elemento procriado, dinâmico
de expansão, princípio de existência e matéria individualizada. O torrão de laterita é o
Yangi. E foi dessa mesma lama que foi modelado o primogênito da humanidade.
Èsù é, portanto, o princípio existência, princípio dinâmico, propulsor do sistema,
Mito e Elemento, símbolo de força, símbolo de multiplicação, símbolo de crescimento.
Logo, se a existência individualizada de Èsù é o resultado da união de dois
elementos, que são signos bióticos da natureza, cada um deles é fundamental para
sobrevivência de todos os seres vivos. Ele é o elemento resultante dessa união, e ao
mesmo tempo torna-se princípio individualizado de cada ser presente neste ciclo de
vida. Se a cabaça é a representação do útero é ao mesmo tempo símbolo mítico do àyé.
Èsù é o senhor da existência individualizada, sendo também força e eixo de equilíbrio
de tudo que há no àyé.
Èsù é a multiplicação de UM ao infinito, sem tempo e espaço definido. Cada ser
vivo desse sistema tem seu Èsù. Esse ser vivo, tem seu tempo e espaço, definidos até a
morte, mas o elemento individualizado que carrega não deixa de existir, porque se junta
ao infinito.
Durante a cerimônia do Ipadé temos todas as funções citadas anteriormente que
são atribuídas a Èsù. Colocadas em forma de alimentos, e com representação signica,
fazendo desse momento um encontro do panteão de Èsù para acompanhar e receber sua
oferenda e suas honrarias.
No momento, que o alimento símbolo de força, acrescido de pedidos e
agradecimentos torna-se condutor da dinâmica e existência, Èsù se faz presente de
forma quântica, fazendo do tempo e do espaço uma unidade. Provavelmente esta forma
quântica só é sentida quando realmente estamos diante de algo que carrega ou hospeda a
sua existência. Nesse momento, podemos compreender o quanto Ele é diferente dos
demais, está sempre à frente, sendo condutor de tudo ao òrun.
Èsù para provar sua existência permitiu que as previsões de Òrúnmìlà se
concretizassem. Durante o caminho Òrínsànlá sentiu sede, e acabou se defrontando com
o igi-òpè (árvore do dendêzeiro) e utilizando o seu òpásóró perfurou o caule da árvore
da qual começou a jorrar o “emu” (vinho de palma), Òrínsànlá não se contendendo pôs-
se a beber, a tal ponto, que caiu totalmente embriagado aos pés da palmeira e dormiu
profundamente.
O infortúnio, previsto pelo oráculo começava a acontecer e Òrínsànlá nem se
dava conta de que a sua imprudência diante das orientações de Ifá estava–no levando-o
à ruína.
Odùduwà, outro Òrìsà, por conceito irmão mais novo de Òrínsànlá, ficou
enciumado, devido à escolha de Olódùmarè, e o estava seguindo pelos caminhos do
Òrun, na expectativa de que ele cometesse algum deslize, o que de fato aconteceu.
Odùduwà encontrou Òrínsànlá embriagado e adormecido, apoderou-se do Àpò-Ìwà e
levou-o até Olódùmarè, narrando o acontecido. Por este fato, Olódùmarè delegou a
Odùduwà o poder de criar o Ayé e deixou para Òrínsànlá o privilégio de modelar os
seres que povoariam o ayé sob sua supervisão, proibindo terminantemente de beber o
emu em quaisquer circunstâncias. Odùduwà, então, cumpriu as determinações de
Olódùmarè, tornando-se o progenitor do àyé: Olófin Odùduwà, o Àjàlayé.
Odùduwà chegou ao vazio universal e criou o Ayé, em tudo semelhante ao que
já existia no Òrun, delegou poderes aos outros Òrìsà que o seguiram conhecidos como
os àgbà, para governarem a criação, e volta ao Òrun. Odùduwà só retornaria quando
tudo estivesse realmente concluído. Òrínsànlá, que tinha ficado no Òrun com seus
seguidores, já tinha moldado corpos suficientes para dar início à povoação do Ayé e vai
então para o novo mundo recém criado, com seus seguidores, fato que ocorre antes da
volta de Odùduwà para o ayé.
Em síntese Òrínsànlá não conseguiu concluir sua tarefa inicialmente confiada a
ele por Olódùmarè: a de criação da terra, tendo sido substituído por Odùduwà, que
conseguiu com sucesso cumprir as determinações do criador supremo. Òrínsànlá,
também conhecido como o Alámòrere – Oba-Igbò foi transformado no modelador de
seres humanos, que ganham vida por meio do sopro divino de Olódùmarè.
Contudo o Odù Ofun Irete já havia apresentado essa possibilidade ao caminho
de Òrínsànlá: - Segundo o mito: Quando Orì e os erinwo Irunmle estavam caminhando
rumo ao Òrun para saber quem conseguiria abrir o Obi ase (para saber qual deles era a
energia mais poderosa), Ogbon (cérebro) disse a eles que deveriam fazer ebo. (...).
Apenas o Orì fez o ebo recomendado e, portanto apenas ele conseguiu abrir o Obi ase
conseguindo toda primazia e se afirmando como o mais poderoso. Mesmo com tal
confirmação os Irunmole não queriam obedecer a Orì e o primeiro deles a se rebelar foi
Òrìsà-nlá. Como punição à sua desobediência Orì o mandou para o Ajalamo (lugar de
modelar cabeças). Òrínsànlá aprendeu todas as tarefas e tornou-se o melhor aluno da
escola de modelar cabeças.1
De um Império forte e consolidado, formado pela descendência de Odùduwà,
vários foram os fatores que levaram a Nação Yorùbá ao declínio, dentre esses
destacamos como o mais forte a traição de Àfònjá, que é erroneamente confundido, aqui
no Brasil, com o Òrìsà Sango (Òrìsà, que tem o fogo como elemento é o símbolo da
justiça, para o povo Yorùbá). Segundo a história oficial Yorùbá, ele foi um general
militar, morto pelos muçulmanos após ter traído Oba Awole Arogangan, durante o seu
reinado.
No período do reinado de Awole Arogangan travou-se uma das maiores batalhas
entre Hausas e Yorùbá pela conquista de Ilorin.
O chefe militar Hausa, Usman dan Fodio, fez uma negociação com Àfònjá, o
Kakanfo, Cargo da hierarquia militar correspondente ao general ou ministro da guerra
na sociedade ocidental contemporânea, do governo de Awole Arogangan. A negociação
consistia no seguinte: caso Àfònjá permitisse que Usman dan Fodio conquistasse a
cidade de Ilorin, ele permitiria que Àfònjá tornasse o rei de Òyò.
1 CORPUS DE IFA, (Oráculo Yorùbá) domínio público.
Durante as negociações Awole Arogangan descobriu, por meio da lealdade de
alguns soldados de sua guarda, a traição de Àfònjá, e decidiu que não entregaria seu
trono a um impostor e nem seria feito escravo por nenhum povo.
O Alafin governava com a ajuda de seus conselheiros, os Òyó Mesi, que eram
numericamente sete e que tinham também a seu cargo a escolha do novo Alafin, entre
os filhos do rei anterior. O chefe dos Òyó Mesi, o Basorun, tinha como funções: chefiar
o estado e a de conselheiro principal do Alafin, enquanto que o exército de Òyó era
chefiado durante uma guerra por um grupo de nobres conhecidos por Eso, o chefe dos
quais era o Are-Onakakanfo, termo que pode ser comparado ao de general do exército
do mundo contemporâneo.
Para tal efeito Arogangan utilizou-se do mecanismo de controle2 pertencente a
todos os Oba das terras Yorùbá. Mas antes desse gesto final, realizou um ritual: atirou
três flechas para o alto e rogou uma praga para Àfònjá e toda sua descendência, qual
seria? – que nem ele, Àfònjá, e nenhum membro de sua família ocupariam nenhum
cargo de confiança e/ou destaque em terras Yorùbá e iriam ser odiados para sempre por
todo o povo daquela nação.
Após a conquista do território de Ilorin o exército de Usman dan Fodio matou
Àfònjá com tantas flechas que ele permaneceu de pé, mesmo depois de morto.
E foi assim que Àfònjá conseguiu destronar o rei, contudo, não conseguiu
ocupar o seu lugar. Conforme trecho do verso do Odù Ògúndábèdè: “Eke a maa pa
eleke; Odale a maa pa odale”.(A mentira mata o mentiroso; A traição mata o traidor).
O nascimento: A importância do nomeO nascimento de uma pessoa é um evento de bastante relevância para o Yorùbá.
Dar nome a um filho envolve a participação de toda comunidade, que dá boas vindas ao
recém nascido, felicitando os pais e fazendo pedidos em conjunto para que o filho tenha
um futuro feliz e afortunado.
A família, primeiramente, sugere o nome apropriado ao filho, que geralmente é
escolhido de acordo com as circunstancias do nascimento da criança, observando as
tradições de família e até fenômenos naturais que aconteceram em torno da nascimento
do bebê. Depois do nome ter sido escolhido, o membro mais velho da família anuncia o
dia de apresentar o bebê à sociedade, que é chamado Ísomolóruko (cerimônia de
batismo). Na ausência dos avós ou alguém mais velho, um Babalawo é chamado, 2 O mecanismo de controle, também conhecido pelo temo (Sígbá = sí + ígba = abrir a cabaça) utilizado
no caso específico de Awole Arogangan foi o suicídio.
contudo o pai da criança nunca preside essa cerimônia. Tradicionalmente, Ísomolóruko
acontece sempre no sétimo dia, exceto para gêmeos, que é realizada no oitavo dia de
nascimento.
A cerimônia chamada de Ísomolóruko → Cerimônia de Batismo, não é
conhecida em nossos Terreiros, se conhecida pelo menos não é freqüentemente
praticada. No Brasil, o Bàbálórìsà não se sente responsável e, portanto não assume
qualquer compromisso para com a gravidez do casal. Ao mesmo tempo os casais
praticantes do Candomblé também, não procuram o Bàbálórìsà buscando qualquer
orientação, a menos que aja algum tipo de problema em que a gravidez corra algum tipo
de risco. Mas nesse caso a busca é mais pela magia do que qualquer outro motivo.
Quando a criança nasce nada em especial acontece buscando o seu bem estar.
Nenhum tipo de banho é oferecido, o Bàbálórìsà não é consultado para saber nada sobre
o destino da criança, assim os pais não recebem nenhuma orientação sobre quais os
cuidados devem ter com o bebê, os nomes são dados aleatoriamente sem não nenhuma
influência de Ifá. Outro dado importante: no Brasil as crianças até os seis anos de idade
são governadas exclusivamente por Òsun, e somente após essa idade torna-se possível
identificar qual o Òrìsà da criança. O Odù da criança talvez ela morra sem saber nada
sobre esse tema. Não se sabendo nada sobre o Odù também não se tem conhecimento
sobre o oríkì Odu, èwò ou qualquer outra coisa que possa tornar o akùnleyan, (destino)
mais ameno.
As ibi omo de nossos omo tuntun (bebês) transformam-se em produtos
cosméticos ao invés de serem enterradas por seus pais ou por alguém de sua confiança,
em lugar de terra fértil, como esperança de um futuro próspero.
Para os casos de Ìbeji também nunca tivemos conhecimento de nenhuma
cerimônia especial. Baseado no senso comum sempre se afirma que o mais velho é
aquele que nasce primeiro, que um deles desenvolve-se mais e melhor, por problemas
causados na gestação de gêmeos, pelo simples fato de dois fetos ocuparem um pequeno
espaço nos ventres femininos ou outras crendices populares. Ìbeji aqui no Brasil sempre
esteve vinculado ao cristianismo por meio das figuras “sacras” de São Cosme e São
Damião, que aparece com uma terceira criança, sempre menor: hoje então entendemos
que essas figuras foram apropriadas pelo cristianismo e são na verdade: Táyé, Kéhindé e
Ìdòwu.
As cerimônias aqui sempre foram bastante diferenciadas: No Candomblé de
tradição Bantu, bem como na Umbanda existe um ritual dedicado ao “Meninos de
Angola”, onde sempre são oferecidos muitos doces e derivados, bolos, refrigerante,
pipoca, etc; sempre acontece no mês de setembro, quando também se comemora a festa
de São Cosme e São Damião. Normalmente as cerimônias acontecem nas respectivas
casas de culto.
Também no dia 27 de setembro é comum a pessoa distribuir balas e patuás
pedindo proteção. Na Bahia acontece, também no mês de setembro, o “Caruru” uma
festa onde são preparadas várias iguarias, afro-baianas, onde encontramos como pratos
principais o èwa (feijão), o àkàrà (bolinho de feijão fradinho), a adie, ìreké (cana) e o ilá
obè (sopa de quiabo). Monta-se a mesa em uma esteira e oferece-se primeiramente a 07
crianças, depois para o restante dos convidados. Esse ritual é também feito como
promessa quando a criança sofre alguma doença grave em que a medicina tradicional
não consegue resolver. Nos terreiros de Candomblé de tradição Yorúbà esses são os
pratos oferecidos aos “ere”, que aqui no Brasil são erroneamente confundidos com
espíritos de crianças que os adultos incorporam, quando na verdade eles são também
manifestações dos òrìsà para que possamos entender suas mensagens.
Nas terras Yorúbà, a cerimônia, Ísomolóruko, acontece ao ar livre, a criança
deve estar com os pés descalços, e á a primeira vez que ela tem contato com a terra, é a
primeira vez que o filho sai fora de casa. Todos os parentes e membros da comunidade
têm interesse em dar boas vindas ao recém nascido, cada pessoa trará dinheiro, roupas e
outros presentes tanto para o filho quanto para aos pais. As mulheres entregam os
presentes à mãe e os homens dão os presentes ao pai. Depois de todos os presentes à
mãe entrega o filho a um Bàbálórìsà, um ancião, que exercerá os rituais; é apropriado
que um velho ancião seja o primeiro a guiar o filho.
Tudo começa quando um jarro de água é jogado sobre o telhado, de forma que o
recém nascido é seguro de baixo e recebe no corpo, parte da água que cairá de volta. Se
o filho se manifesta gritando é considerado de bom sinal, isto indica que ele veio para
ficar. A água é o primeiro dos muitos itens cerimoniais, seu uso reflete a importância do
filho para a família. Após o filho ser borrifado com água o Bàbálórìsà sussurra o nome
do recém nascido em seu ouvido molha o dedo na água e toca a fronte do bebê
anunciando o nome escolhido em voz alta para que todos ouçam. São colocadas as
vasilhas contendo os ingredientes necessários para continuação da formalidade, cada
ingrediente tem um significado especial. A primeira vasilha encontra-se a ataire,
(espécie de pimenta que para os Yorùbá é sinônimo de felicidade) da qual o Bàbálórìsà
dá uma prova ao omo tuntun. O ataire simboliza que o Omo tuntun será resoluto e terá
comando acima das forças da natureza. O ataire então é distribuído para o gosto da
comunidade reunida; depois do ataire o recém nascido experimenta água, significando a
pureza de corpo e espírito, que o deixará livre das doenças; logo depois o Bàbálórìsà a
oferece sal ao bebê, que simboliza a sabedoria, a inteligência desejando-lhe que nunca
lhe falte o sal, mas ao mesmo tempo em que, sua vida não seja salgada, que ele tenha
felicidade e doçura na vida, que tenha uma vida sem amarguras; depois é oferecido óleo
de palma (epô) que é tocado com os dedos nos lábios do bebê, num desejo de potência e
saúde. O filho então saboreia mel, e o Bàbálórìsà pede que ele seja tão doce quanto mel,
para a família e para a comunidade, que tenha felicidade. Depois é oferecido vinho, para
que o filho tenha fartura e prosperidade na vida; e finalmente o bebê recebe uma prova
de obi (iwo bi = iwo = você; bi verbo vomitar), portanto é como se dissesse ao bebê:
que você vomite hoje todo mal que tiver em seu caminho, simbolizando o desejo para
boa fortuna do filho; o orogbo também é oferecido à criança como desejo de
longevidade. O ancião, ou Babalawo pode adicionar mais ingredientes para fazer parte
da formalidade, pode ser objetos que representam as divindades que a família cultua,
como por exemplo, se a deidade da família é Ogum, o pai exige que uma faca ou espada
seja usada na formalidade, e assim por diante. Depois de o item final ser distribuído
para a comunidade, começa as festividades, e todos comem e dançam numa grande
alegria que dura por tempo indeterminado.
O nascimento mais festejado é o de ìbeji,Os Yorùbá acreditam que crianças gêmeas são portadores de grande felicidade e
prosperidade para toda a família. Os gêmeos são sempre saudados pelos transeuntes
quando saem à rua com sua família com o oríkì Ìbeji.
Èjírè ará isokùn - lugar do cosmos onde vivem os Ìbeji
Edun gbálájá orí igi - O macaco que pare gêmeos (Edun), brilha no topo da
árvore
Okan n bá bi - Eu daria a luz a um só filho
Èjí to mi wo’lé olúomo – Dois me acompanharam para casa
Wírín wírín l’ójú orogún- Fazendo brilhar os olhos das inimigas
Èjí wòrò l’ójú òun ìyá re – Dois mimos nos olhos de sua mãe
Ó wo ilé alákisa – Eles entraram na casa do pobre
Ó So alákisa di onígba aso – Eles tornaram o pobre o pobre rico
Ó wo ilé tálákà – Eles entraram na casa do pobre
So tálákà di olówó – Eles tornaram o pobre dono do dinheiro
Edun jo bi – (macaco maravilhoso)
Èjírè ará isokùn – Gêmeos povo do ìsokùn
Ó dé kí’lé kùn – Eles chegaram e a casa ficou cheia
Ó dé òdèdè t’eru t’eru – Eles chegaram ao quintal com muita riqueza
Àì tètè fi – Sem acordar cedo
B’onile gbàle – Ajuda o dono da casa a arrumá-la rapidamente
Edun a ma gba orí igi lóko lóko – Macaco varre até o topo da árvore na
floresta
Mo ki yin o! Eu cumprimento vocês!
Ainda tratando a questão do nascimento, não podemos deixar de apresentar
como possibilidade de nascimento de um Àbíkú. Tema que quase sempre fora tratado
como algo simples nas nossas comunidades-terreiro. Tradução/ explicação para o
conceito: aquele que trás a morte consigo, ou aquele que venceu a morte. Nunca fora
conceituado como aquele que nasce para morrer logo; como pessoas más que sempre
fazem chorar aqueles que os amam; são crianças que fazem pacto com seu egbé
determinando previamente o dia de sua morte, que está sempre ligado a fatos
importantes para suas famílias, como dia do seu aniversário, casamento, formatura. Eles
vêm ao ilè-àyé curtir a vida. Nascem, na maioria dos casos no seio de famílias ricas e
àqueles que têm permissão é possível vê-los entre as 12 e 16h procurando mulheres
grávidas, suas vítimas para entrarem em seus úteros e tomarem o lugar de doces e
meigas crianças esperadas com tanto afeto. Os lugares preferenciais habitados pelos
Àbíkú são: àkìtàn (depósitos de lixo/ caçambas), ònà oko (trilhas, caminhos estreitos),
òríta meta (encruzilhadas), èbá odo (margem de rios). Algumas mulheres, mais
sensíveis conseguem sentir quando os Àbíkú entram e saem dos seus ventres, um dos
sintomas podem ser os males sofridos por algumas mulheres durante toda a gestação e
que as levam aos prontos socorros pensando que estão abortando a gravidez, algo
semelhante. Normalmente quando nascem, os Àbíkú são crianças belas e inteligentes,
sempre se destacam entre seus pares, porque assim, quando morrerem muitos para
chorarão em seus velórios. Possivelmente nunca atingiram a maturidade, morrerão entre
os 16 e 20 anos. Suas famílias ficam sempre arrasadas com sua morte por seu enorme
destaque atingido nos poucos anos de vida.
Aqui no Brasil, para que nos livremos do espírito da morte nos casos de Àbíkú,
no momento das iniciações no Candomblé há um ebo específico e tudo ficará resolvido.
Hoje sabemos que esses casos são um pouco mais complexos que isso, porque para
evitar que os Àbíkú voltem, quando eles morrem em algumas providências drásticas,
muitas vezes serão necessárias. Eles podem em alguns casos ter seus dedos cortados, ou
ter seus corpos cortados, queimados e as cinzas jogadas na mata. Se ainda assim eles
insistirem em voltar podem nascer com alguns membros ou mesmo todo seu corpo com
marcas de queimado. Mesmo assim, caso eles insistam em voltar podem nascer com
deficiências mentais, comparadas com o mongolismo.
Nos casos de Àbíkú alguns nomes são importantes para tentar que eles desistam
do compromisso feito com seu Egbé e com seu mestre: Malomo = não volte mais;
Mayugbó = não volte para o mato; Durosinmi = fique para me enterrar; Durojaye =
fique para divertir-se; Jokotimi = sente-se comigo. Outros nomes já soam como
xingamentos: Òbo = macaco; Aja = cachorro; Pángolo = lata; Dadandini = bobo;
Kilanke = o que é que estamos cuidando; Omosáa = filho sem importância.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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