UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS
Comunicação Social - Jornalismo
Setembro de 2015
O instante (não) decisivo
Pâmela Oliveira
Confesso que hesito ao deparar com a expressão o instante decisivo, cunhada por
Henri Cartier-Bresson em seus anos sob os holofotes. Embora reconheça a relevância do
momento para a fotografia, reluto em aceitar a máxima que engrandece um flagrante às
custas dos demais. Parece-me presunçoso o conceito, quando não impertinente. O que
seria do sim ao altar se antes não houvesse acontecido o encontro pelo olhar, a conquista
pelo toque e mesmo a reconciliação pela lágrima? E o que seguiria do encontro, da
conquista e da reconciliação se estes não decorressem primeiro da vontade manifesta?
Não seriam, portanto, todos os instantes decisivos? Eis o porquê de minha resistência.
Parto dessa nota introdutória para chegar ao ensaio de abertura do livro Images à
la sauvette (Editions Verve, 1952). Intitulado O instante decisivo e traduzido por Samuel
Titan Jr., o texto conduz uma passagem particular pela fotografia — são as letras, e não
as imagens de Cartier-Bresson, que se sobressaem — e dita imperativos a respeito da
prática. “É necessário ultrapassar esse estágio [o da necessidade de dissertar sobre as
operações manuais do equipamento]”; “É preciso respeitar os valores da tomada”; “É
preciso restabelecer o equilíbrio entre sombra e luz”. Até aí, tudo bem. Estamos falando,
afinal, de cuidados imprescindíveis para toda pessoa com câmera na mão.
No ensaio, Cartier-Bresson compartilha tanto sua experiência profissional quanto
suas certezas e angústias em relação ao campo. Dos filmes que o ensinaram a ver, na
infância, à descoberta da Leica que seria o prolongamento do olho; do embate com a
reportagem à criação da cooperativa fotográfica Magnum; da percepção do ritmo
orgânico das formas à relação com o objeto. Nada escapa ao relato do autor. Detalhes
que alteram uma composição (manuseio do equipamento, contraste de cor, leitura da
luz, interpretação da cena) aparecem tão introjetados na narrativa quanto nas
fotografias de quem a escreve. Cartier-Bresson faz escola. E, como bom professor,
inspira os alunos a seguirem seus passos.
Convidada a abraçar essa filosofia, concordo com muitas das palavras do
fotógrafo francês, sobretudo no que diz respeito à singularidade do olhar à espreita,
atento e delicado. Entretanto, não posso negar o estranhamento que sinto diante do
instante decisivo, pois entendo que a mensagem está no todo, no contato durável, no
encontro sistêmico, e raramente cabe em um fragmento isolado. Seria tentar apreender
a primavera pela forma de uma única flor. Que instante é esse que não conversa com o
anterior, tampouco acolhe o seguinte? Que potencial divisor de águas é esse que
carrega? O próprio Cartier-Bresson reconhece o dilema:
Há ocasiões em que uma única foto, cuja forma tem rigor e riqueza e cujo conteúdo tem ressonância, pode bastar por si só; mas isso raramente se dá; muitas vezes, os elementos do tema que fazem saltar a faísca estão dispersos; não temos o direito de reuni-los à força, encená-los seria uma trapaça (CARTIER-BRESSON, 1952, p.147).
Como o momento só pode ser considerado decisivo em referência ao clique — e
não ao objeto, que era e continua a ser, independentemente da ação fotográfica —,
acredito que pensar o instante como alinhamento do conjunto, e não decisão, sugere
uma saída plausível para o impasse, talvez até um comportamento menos pretensioso
por parte do fotógrafo. Essa crença pessoal, porém, não configura crítica a
Cartier-Bresson. Quando muito, trata-se de breve revisão do conceito, uma leitura sem
qualquer ambição maior. Afinal, importa lembrar que a ciência, assim como a arte, é
orgânica e se refaz. Todo conhecimento está sujeito à revisitação. E todo instante pode
ser decisivo.
REFERÊNCIA
CARTIER-BRESSON, Henri. O instante decisivo. In.: Revista ZUM São Paulo: IMS, 2011,
n.1.
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