PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Bruno Gabriel de Melo Rico
O papel da Controladoria-Geral da União
no Sistema de Integridade Brasileiro
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
SÃO PAULO
2014
2
BRUNO GABRIEL DE MELO RICO
O papel da Controladoria-Geral da União
no Sistema de Integridade Brasileiro
Mestrado em Ciências Sociais.
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência para a obtenção do título
de Mestre em Ciências Sociais, sob orientação do
Professor Dr. Edison Nunes.
São Paulo
2014
Errata: “O Papel da Controladoria-‐Geral da União no Sistema de Integridade Brasileiro” Página Onde se lê Deveria ler-‐se 4 Banda Examinadora Banca Examinadora 5 Nesta exposição, além de
observar tais atividades Nesta análise, além de observar tais atividades
12 Na expressão de Olivieri (2010, p. 112)
Na expressão de servidor entrevistado por Olivieri (2010, p. 11)
13 Ao longo desta exposição, seguiremos o seguinte roteiro
Ao longo desta análise, seguiremos o seguinte roteiro
13 Obs: 14 Jorge Hage Sobrinho,
ministro-‐chefe da CGU (ao vivo, em Brasília, no dia 01/10/13)
Jorge Hage Sobrinho, ministro-‐chefe da CGU (presencial, em Brasília, no dia 01/10/13)
14 Mário Spinelli, ministro da Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção (ao vivo, em São Paulo, no dia 02/04/14)
Mário Spinelli, ministro da Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção (presencial, em São Paulo, no dia 02/04/14)
14 Ronald Balbe, diretor de Planejamento da Secretaria Federal de Controle – (ao vivo, em Brasília, dia 01/10/13);
Ronald Balbe, diretor de Planejamento da Secretaria Federal de Controle – (presencial, em Brasília, dia 01/10/13);
16 “o monopólio do uso da força”
“o monopólio do uso legítimo da força”
31 Ao longo desta exposição, faremos primeiramente uma abordagem
Ao longo desta análise, faremos primeiramente uma abordagem
52 “a visão de que o importante, com a democratização, era se conhecer os 8 milhões de metros quadrados [do Brasil].
“a visão de que o importante, com a democratização, era se conhecer os 8 milhões de metros (sic) quadrados [do Brasil].
120 A exposição do capítulo 3 procurou reconhecer como o controle interno foi instrumentalizado para tais fins
A análise do capítulo 3 procurou reconhecer como o controle interno foi instrumentalizado para tais fins
125 BRESSER-PEREIRA,
Luiz Carlos. Prefácio. in:
LOUREIRO, M.;
ABRUCIO, Luiz
Fernando; PACHECO,
Regina S. V. M.;. (Org.).
Burocracia e política no
Brasil: Desafios para o
Estado Democrático no
século XXI. 1 ed. Rio de
Janeiro: Editora FGV,
2010.
3
BANCA EXAMINADORA
4
Aos meus pais, Elizabeth Rico e Luiz Gabriel Rico
5
AGRADECIMENTOS
A pesquisa que deu suporte a esta dissertação foi financiada pelo CNPQ
durante dois anos. Tal apoio, obviamente, foi fundamental para a execução deste
trabalho.
Diversas pessoas também contribuíram direta ou indiretamente. Entre elas,
meus amigos, com quem troquei informações e opiniões que me ajudaram a organizar
o raciocínio que apresento adiante.
Aos meus pais, que sempre quando precisei, me acolheram e me deram o
suporte necessário. Não apenas durante esta pesquisa.
Agradeço ao Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas da Universidade de
São Paulo, que adotou esta pesquisa como parte de seu projeto “Brasil, 25 anos de
democracia - Balanço Crítico: Políticas Públicas, Instituições, Sociedade Civil e
Cultura Política - 1988/2013.”. O excelente nível acadêmico dos pesquisadores, a boa
vontade em ajudar e a seriedade nos trabalhos inspiraram esta investigação. Em
especial, agradeço ao coordenador do núcleo, José Álvaro Moisés, que inspira pela
história de vida e pelo rigor.
Agradeço àqueles que compõem a Banda Examinadora deste trabalho, Cecília
Olivieri, Miguel Chaia e Edison Nunes, por acreditarem nesta investigação, e pelas
críticas durante a Banca de Qualificação, que balizaram com precisão os ajustes
finais.
Agradeço a meu orientador, Edison Nunes, por sua honestidade intelectual,
seu compromisso com a qualidade acadêmica, e por sempre me receber afavelmente,
seja para assuntos acadêmicos, seja para conversas descompromissadas, durante estes
pouco mais de dois anos.
6
RESUMO
Dado que o combate à corrupção em Estados Democráticos de Direito depende
profundamente da habilidade e da cooperação entre órgãos do próprio Estado para
prevenirem e responsabilizarem atos ilícitos, esta pesquisa foca uma destas
instituições sob a ótica dos “freios e contrapesos”, tentando compreender seu papel no
chamado Sistema de Integridade Brasileiro. Criada em 2003 enquanto órgão assessor
da Presidência da República e composta por servidores das carreiras de controle
interno, a Controladoria-Geral da União (CGU) emergiu com relativa rapidez no
cenário brasileiro como uma típica agência anticorrupção. Com competências para
trabalhos de prevenção da corrupção, promoção de responsabilizações
administrativas, ouvidoria e controle interno, este órgão teve participação direta ou
indireta em atividades de aprofundamento dos controles democráticos do Estado.
Entre os resultados atingidos, figuram um expressivo crescimento de sanções
administrativas no âmbito do Poder Executivo Federal, o estabelecimento de uma
sistemática cooperação com outras instituições de accountability horizontal, a
contribuição na elaboração de leis relacionadas, e a participação em fóruns
internacionais. Nesta exposição, além de observar tais atividades, pretendemos
compreender como e por quê tais resultados foram obtidos. Defendemos a
interpretação de que, para isso, a CGU catalisou dispositivos já anteriormente
existentes, sendo o principal deles o novo sistema de controle interno do Executivo
Federal, inaugurado com a criação da Secretaria Federal de Controle Interno (SFC)
em 1994. A CGU teria instrumentalizado parte desses trabalhos para o tema aqui
abordado, de modo que as auditorias do controle interno passariam a subsidiar o
aprimoramento da prevenção, sanções administrativas e também trabalhos
investigativos de outros órgãos de accountability horizontal. Nos dois últimos
capítulos, problematiza-se ainda o fato aparentemente incomum de um órgão
tipicamente de controle interno passar a exercer tão importante papel no cenário de
freios e contrapesos do Estado Brasileiro.
PALAVRAS-CHAVE: Accountability, Accountability Horizontal, Controladoria-
Geral da União, Controle Interno, Corrupção
7
ABSTRACT
Given that the fight against corruption in Democratic Law States depends greatly on
the ability and cooperation between organs of the state itself to prevent unlawful acts,
this research focuses on one of these institutions from the perspective of "checks and
balances", trying to understand their role in the Web of Accountability Institutions of
Brazil. Established in 2003 as an advisory body to the Presidency and composed of
servers of the careers in internal control, CGU emerged relatively quickly in the
Brazilian scene as a typical anti-corruption agency. With skills to prevent corruption,
promote administrative accountabilities, ombudsman (“ouvidorias”) and internal
control, this body had direct or indirect participation in deepening democratic control
of the state activities. Among them include a significant increase of administrative
sanctions under the federal executive branch, establishing systematic cooperation with
other institutions of horizontal accountability, the contribution in the development of
related laws, and participation in international forums. In this exhibition, apart from
finding the main results achieved, we intend to understand how and why those results
were obtained. We advocate the interpretation that, for this, CGU catalyzed
previously existing devices, the main one being the new internal control system of the
Federal Executive, which starts with the creation of the Federal Bureau of Internal
Control (SFC) in 1994. CGU would instrumental part of these works to the topic
discussed here, so that audits of internal control would subsidize the improvement of
prevention, of administrative penalties and also of the investigative work of other
bodies of horizontal accountability. In the last two chapters, we still problematize the
seemingly unusual fact of an organ of internal control exercising such an important
role in the role of checks and balances of the Brazilian State.
KEYWORDS: Accountability, Horizontal Accountability, Controladoria-Geral da
União, Internal Controls, Corruption
8
SUMÁRIO
Introdução.................................................................................................. 10
1. Marcos Teóricos e Metodologia.................................................................15
1.1 O que é corrupção? ....................................................................................15
1.2 Exemplos de corrupção...............................................................................18
1.3 O impacto da corrupção nas democracias................................................20
1.4 O combate da corrupção nas democracias................................................23
1.5 Avanços e déficits do combate à corrupção no Brasil ............................29
1.6 Objeto, objetivo e metodologia...................................................................31
2 O que é e o que faz a Controladoria-Geral da União...............................34
2.1 O contexto de criação do órgão..................................................................34
2.2 Estrutura e recursos ...................................................................................35
2.3 O que é e o que faz a secretaria Federal de Controle Interno.................43
3 A instrumentalização do controle interno para o combate à corrupção..51
3.1 Paradoxos do controle interno......................................................................51
3.2 A instrumentalização do controle interno para o combate à corrupção..57
4 Responsabilização administrativa da corrupção........................................62
4.1 Tomadas de Contas Especiais (TCEs) ........................................................62
4.1.2 O papel da CGU na certificação de TCEs...................................................71
4.1.3 O (baixo) ressarcimento à União..................................................................76
4.2 Processos Administrativo-Disciplinares (PADs) ........................................77
4.2.1 O que punem os PADs? ................................................................................82
4.2.2 Reversões judiciais de PADs.........................................................................84
4.2.3 O papel da Corregedoria-Geral da União...................................................85
4.3 Casos relacionados.........................................................................................88
4.4 Conclusões do capítulo...................................................................................91
9
5 Cooperação com outros órgãos.....................................................................92
6 CGU, agência anticorrupção......................................................................103
6.1 Dedesenvolvimento do tema.......................................................................103
6.2 O papel da vontade política........................................................................107
7 Conclusão.....................................................................................................120
8 Referências Bibliográficas..........................................................................124
10
INTRODUÇÃO
Focado no tema do combate à corrupção, este trabalho se dedica ao estudo de
um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União
(CGU). Criada em 2001 enquanto Corregedoria-Geral da União e rebatizada dois
anos depois com o atual nome, trata-se de órgão assessor da Presidência da República,
portanto situado na esfera do Executivo Federal, que desenvolve atualmente
atividades de controle interno, prevenção da corrupção, promoção da
responsabilização e ouvidoria.
A partir da compreensão de que o combate à corrupção em Estados
Democráticos de Direito depende profundamente da habilidade e da cooperação entre
órgãos do próprio Estado para prevenirem e responsabilizarem atos ilícitos, buscamos
interpretar as atividades deste órgão em relação à dinâmica política no interior do
Estado brasileiro.
Em comparação com outros órgãos que também exercem atividades de
accountability horizontal, dispõe de burocracia reduzida. Tem menor orçamento e
menos servidores que, por exemplo, o Ministério Público, a Polícia Federal e o
Tribunal de Contas da União. Além disso, diferentemente destes órgãos, não está
prevista na Constituição, tendo sido criada por Medida Provisória (2001)1 e Lei
Ordinária (2003)2. Também é menos poderosa em termos coercitivos. Suas
competências para instaurar processos de responsabilização resumem-se à dimensão
administrativa.
A despeito destas condições e dos poucos mais de dez anos de existência, se
tornou uma típica agência anticorrupção, sendo a principal porta-voz do tema no país
interna e externamente. É especialmente conhecida por seus trabalhos de fiscalização
in loco da execução de políticas públicas e pela implementação no âmbito do
Executivo Federal das leis de Transparência3 e de Acesso à Informação
4.
Internacionalmente, é a principal representante do país nos Fóruns internacionais,
tendo celebrado acordos junto à Organização das Nações Unidas (ONU), à
Organização dos Estados Americanos (OEA), à Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) e à Open Government Partnership.
1 Medida Provisória n° 2.143-31
2 Lei nº 10.683
3 Lei Complementar 131/2009
4 Lei nº 12.527
11
Entre os trabalhos de fiscalização, destaca-se o Programa de Sorteios, onde a
execução de recursos federais em Estados e Municípios é auditada in loco. Mas
também promove diversas outras auditorias através de sua Secretaria Federal de
Controle Interno, que congrega entre 70% e 80% dos servidores e do orçamento do
órgão. Nos dez anos analisados neste trabalho, entre 2003 e 2012, quase 120 mil
ordens de serviço relativas a auditorias foram processadas. Destas, 68% referem-se a
trabalhos majoritariamente in loco.
A despeito de suas competências para a promoção de responsabilização
resumirem-se à esfera administrativa, contribui diretamente nesta área. Entre 2003 e
2012, um total de R$ 9,17 bilhões em documentos foram encaminhados pelo
Executivo Federal ao Tribunal de Contas da União a título de pedidos de
ressarcimentos ao erário5, com participação decisiva da CGU. No mesmo período,
através de sindicâncias, fez crescer o número de expulsões de servidores a partir de
trabalho da sua Corregedoria-Geral. Ao todo, 4.125 foram demitidos
compulsoriamente da administração pública devido a irregularidades. Do total, 66%
relacionam-se a casos de corrupção.
Veremos ao logo deste trabalho que tais resultados não são fortuitos. A
principal contribuição da CGU para o combate à corrupção no Estado Brasileiro até
então parece ter sido a de catalisar estruturas e competências já existentes através da
articulação de secretarias e órgãos. Nesse sentido, dois movimentos especialmente
relevantes foram estudados. Em primeiro lugar, a articulação entre suas próprias
secretarias, em especial a Secretaria Federal de Controle Interno e a Corregedoria-
Geral da União. Em linhas gerais, auditorias da primeira passaram a subsidiar a
instauração de procedimentos de responsabilização pela segunda.
Em segundo lugar, estas mesmas auditorias passaram a contribuir com
trabalhos de outros órgãos de accountability horizontal, em especial do Ministério
Público e da Policia Federal, embora não exclusivamente. Em dez anos, a CGU
realizou 8.612 auditorias a pedido de ambos e incorporou-se a 122 operações
especiais, sempre a partir de seu expertise no controle de contas. Entre as
consequências destes trabalhos, há casos em que titulares de ministérios caíram após
5 Esses pedidos são processados através do mecanismo de Tomadas de Contas Especiais, que serão
analisados em detalhes no capítulo 4.
12
irregularidades flagradas. Entre eles, Alfredo Nascimento (Transportes/2011)6, Carlos
Lupi (Trabalho/2011)7, Wagner Rossi (Agricultura/2011)
8, Pedro Novais
(Turismo/2011), Orlando Silva (Esporte/2011)9, fora o secretário-executivo Paulo
Roberto Pinto (Trabalho/2013)10
e alguns flagrados em irregularidades que não
caíram, como Romero Jucá (Previdência/2005)11
.
Tais constatações trazem alguns desafios interpretativos. Em primeiro lugar,
não é comum, nas experiências internacionais, o controle interno se articular tão
ativamente nos trabalhos de combate à corrupção. Em geral, o trabalho é
descentralizado, realizando-se dentro dos próprios ministérios e agências, de modo
que o staff de auditores costuma se reportar ao titular das instituições que controlam,
dispondo de pouca autonomia perante o objeto controlado. No âmbito do Executivo
Federal Brasileiro, o quadro é diferente. O sistema tornou-se centralizado em torno da
Presidência e os auditores têm competências para fiscalizar a execução de quaisquer
recursos federais com mais autonomia, reportando-se apenas aos ministro-chefe da
CGU e à Presidência. Na expressão de Olivieri (2010, p.112), deixaram de ser
“homens do ministro” para serem “fiscais do ministro”. Este desenho, além
aprofundar a accountability governamental, estabeleceu a estrutura necessária para a
instrumentalização de parte das atividades de controle interno para o combate à
corrupção.
No entanto, para que semelhante lógica seja efetiva, veremos, que fora
fundamental o aval da Presidência da República, dado que é o titular do Executivo
Federal quem nomeia o ministro-chefe do órgão (podendo removê-lo a qualquer
momento sem entraves institucionais) e que descobertas de irregularidades podem
6 Folha de S. Paulo. Ministro dos Transportes cai após ser abandonado por Dilma no auge da crise. Jul.
2011. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,ministro-dos-transportes-cai-apos-
ser-abandonado-por-dilma-no-auge-da-crise,741565,0.htm. Acesso em: 05 Dez. 2013 7 O Globo. Carlos Lupi pede demissão do Ministério do Trabalho. Dez. 2011. Disponível em:
http://oglobo.globo.com/pais/carlos-lupi-pede-demissao-do-ministerio-do-trabalho-3382364. Acesso
em: Acesso em: 05 Dez. 2013 8 Congresso em Foco. Cai mais um ministro: Wagner Rossi, da Agricultura. Ago. 2011. Disponível em:
http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/manchetes-anteriores/cai-mais-um-ministro-wagner-rossi/ .
Acesso em: 05 Dez. 2013 9 O globo. Orlando Silva cai, mas Ministério do Esporte continua com o PCdoB. Out. 2011. Disponível
em: http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2011/10/orlando-silva-cai-mas-ministerio-do-esporte-
continua-com-o-pcdob.html . Acesso em: 05 Dez. 2013 10
Folha de S. Paulo. Número 2 do Ministério do Trabalho cai após ação da PF. Set. 2013. Disponível
em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/128461-numero-2-do-ministerio-do-trabalho-cai-apos-
acao-da-pf.shtml. Acesso em: 05 Dez. 2013 11
Folha de S. Paulo. CGU apura gestão temerária e complica Jucá. Abr. 2011. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2604200508.htm. Acesso em: 05 Dez. 2013
13
derrubar políticos da base aliada, como mencionado acima. A despeito deste fato,
apenas duas personalidades ocuparam o cargo desde a criação do órgão: Waldir Pires
e Jorge Hage Sobrinho, ambos com biografias marcadas pelo combate à corrupção e,
até o presente momento (2013), ilibadas. Durante três gestões consecutivas, a
Presidência da República optou por garantir a continuidade aos trabalhos, mesmo
quando estes revelaram irregularidades em grandes programas do governo, como o
Bolsa Família, o Minha Casa, Minha Vida, entre outros. Assim, a pergunta é simples:
Por quê? Afinal, não fora justamente o Partido dos Trabalhadores que perdera o status
de “partido da ética” durante as gestões Lula? Quais foram então os ganhos políticos
em torno da promoção do combate à corrupção durante as três gestões?
Ao longo desta exposição, seguiremos o seguinte roteiro: na primeira parte,
analisaremos se de fato os trabalhos da CGU contribuíram com o aprimoramento do
combate à corrupção no Estado Brasileiro. Nesta etapa, observaremos alguns dos
principais resultados atingidos, observando quão eficazes se demonstraram, e
tentaremos compreender como foram atingidos, pautando-se pelo argumento da
instrumentalização do controle interno para o combate à corrupção.
Na segunda etapa, observaremos as consequências destes trabalhos para o
arranjo político brasileiro. Primeiramente, buscaremos compreender o papel da CGU
sob o ponto de vista da lógica dos “freios e contrapesos” do Estado, relacionando o
controle interno à prática de combate à corrupção. Em segundo lugar, a partir da
literatura que estuda a “vontade política”, abordaremos a relação da CGU com os
principais determinantes institucionais e fatos históricos relativos ao equilíbrio
político das gestões.
Obs: Esta pesquisa desenvolveu-se por cerca de dois anos no Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da PUC-SP, com financiamento CNPQ e apoio
institucional do Núcleo de Pesquisas em políticas Públicas da USP (NUPPS), no qual
este autor figura como “pesquisador associado” (2012/ - ). Os dados e informações
obtidos são provenientes de relatórios de gestão, relatórios de auditoria, consultas aos
portais da CGU e da Transparência, pedidos através da Lei de Acesso à Informação, e
diversas entrevistas presenciais ou por telefone, incluindo: o ministro-chefe da CGU
(2006-2014), o ministro da Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção
(2010-2013), a Secretária Federal de Controle Interno - Adjunta, o Diretor de
Planejamento e Coordenação das Ações de Controle, o à época vice-Corregedor-Geral
14
da União (03/2013), e um membro do Conselho de Transparência Pública e Combate
à Corrupção, presidido pela CGU 12
.
12
As entrevistas realizadas foram: Jorge Hage Sobrinho, ministro-chefe da CGU – (ao vivo, em
Brasília, no dia 01/10/13); Mário Spinelli, ministro da Secretaria de Transparência e Prevenção da
Corrupção (ao vivo, em São Paulo, no dia 02/04/14); Marlene Alves de Albuquerque, Secretária
Federal de Controle Interno – Adjunta (por telefone, em 03/2013); Ronald Balbe, diretor de
Planejamento da Secretaria Federal de Controle – (ao vivo, em Brasília, dia 01/10/13); Roberto Vieira
Medeiros, à época vice-Corregedor-Geral da União (por telefone, em 03/2013)); e Claudio Weber
Abramo, diretor da ONG Transparência Brasil e membro do Conselho de Transparência Pública e
Combate à Corrupção
15
1 MARCOS TEÓRICOS E METODOLOGIA
1.1 O QUE É CORRUPÇÃO?
A corrupção não pode significar outra coisa senão o assalto da coisa pública.
Esteja esta coisa pública na condição de dinheiro, esteja na condição de poder. Seja
ela a coisa assaltada, seja ela mesma o assalto.
Popularmente, a corrupção é sinônimo de desvio de recursos públicos para
fins privados. É o roubo do dinheiro do povo! Certamente. Mas esta definição, ainda
que correta, é limitada. Desde a Antiguidade, a teoria política relaciona o conceito a
um movimento mais amplo, não exclusivamente monetário, onde o próprio Estado se
corrompe, perde sua virtude, sua direção, sua racionalidade.
Filgueiras (2007) nos lembra que, para Aristóteles, haveriam seis tipos
possíveis de governos, sendo três deles as versões injustas, corrompidas, dos
originais. Degenerada, a monarquia travestir-se-ia em tirania, onde o rei oprime o
povo para atender aos seus caprichos pessoais; a aristocracia travestir-se-ia em
oligarquia, onde poucos expropriariam o bem comum em benefício privado; e a politia
transformar-se-ia em democracia corrompida, onde, como nos casos anteriores, o bem
comum é expropriado por alguns indivíduos desejosos de mais poder do que os
outros. Em todos os casos, o movimento é um só: “a sobreposição das vantagens
pessoais (desejos) à eudamonia (bem comum) torna o governo corrompido”
(FILGUERIAS, 2007, p. 6). Assim, sob esta ótica (sob essa ética), a corrupção é o
fracasso dos governos a partir da sobreposição das vantagens privadas sobre o bem
comum.
Fornazieri (2006), por exemplo, realiza uma leitura de Maquiavel onde
observa que o sucesso de um bom governo (“pressuposta a excelência do Estado
misto”) dependa centralmente da confrontação entre virtù e corrupção (e não entre
virtù e fortuna), de modo que a relação entre os dois “servirá de critério não só para
comparar as diversas formas de governo, mas também para comparar os diferentes
governos de uma mesma forma” (Fornazieri, 2006, p 14). Assim, ainda que em tese,
no raciocínio de Maquiavel, uma república seja melhor do que uma monarquia, uma
monarquia não corrupta pode ser melhor do que uma república corrompida. Um
monarca virtuoso poderia conduzir a fortuna de um povo ao bom governo, enquanto
governantes republicanos poderiam não ter a mesma sorte, se corrompidos. Nessa
16
leitura, corrupção é antagonista de bom governo, ou, ainda, a versão tirânica dos
governos.
Mas, se a corrupção é a “sobreposição das vantagens privadas sobre o bem
comum” e o bom governo é aquele que realiza o bem comum, então o que é o bem
comum? Certamente este é terreno que não nos interessa adentrar sem que haja forte
motivação, dado que séculos da melhor filosofia dedicaram-se ao tema e não
queremos derrapar já nas primeiras páginas de um trabalho que tem um objeto de
pesquisa bastante específico. Mas o trato correto do assunto praticamente nos obriga a
ao menos depararmo-nos com o paradoxo que o tema impõe.
A definição de o que seja o bem comum passa necessariamente pela definição
de quais sejam as finalidades do Estado. Atualmente, o debate acerca da qualidade das
democracias apresenta o bom governo (“democracias de alta performance”) como
aquele que “provê aos cidadãos um alto nível de liberdade, igualdade política, e
controle popular sobre as políticas públicas e os dirigentes públicos (“policy makers”)
a partir de instituições legítimas e em acordo com a lei” (DIAMOND; MORLINO,
2005, p. xi)13
.
Nunes (2008) nos lembra que, em Maquiavel, o bem comum define-se por
uma temporalidade específica. Para o florentino, parte do bem comum seria a
obtenção da paz na região da Itália, condição possível para o desenvolvimento das
cidades e das virtudes dos homens naquele contexto. Mas nos lembra que o poder
político caracteriza-se “pela guerra e pelo domínio” (Nunes, 2008, p. 109), e cita
Agostinho, relativizando o significado desta paz: “sua vontade não é que não haja paz,
e sim que a paz seja segundo a sua vontade” (Idem).
No seu artigo “Política como vocação”, Max Weber afirma que
“sociologicamente, o Estado não pode ser definido em termos de seus fins” (1974, p.
97), donde, a partir de Trotski (“Todo Estado se fundamenta na força”), deriva sua
clássica definição: “o monopólio do uso da força”. Pois, qualquer definição de o que
seja um bom governo, pressupõe as finalidades éticas deste governo e, se focamos
aqui a corrupção também na sua dimensão política, entendida como a dispersão da
ação política para outras finalidades que não o bem comum, enfrentamos o problema
de compreender o que sejam estas finalidades.
13
Tradução livre do autor
17
Weber, ao estudar a ação política e elaborar os conceitos de “ética das últimas
finalidades” e “ética da responsabilidade”, afirma que “não é certo que o bem só pode
vir do bem e o mal só pode vir do mal, mas que com freqüência ocorre o inverso.
Quem deixar de perceber isso é, na realidade, um ingênuo em política” (Weber, 1974,
p. 147). Traduzindo para o nosso tema, um ator político que vise o bem comum (e
responsabilize-se pelas conseqüências de suas ações) pode, eventualmente, agir em
contradição com aquilo que a sociedade entende como bem, e ainda assim pode
produzir efeitos positivos.
Quer isso dizer que eventuais atos corruptos possam contribuir com o bem
comum, caracterizando-se como éticos? Na literatura recente, Nye (1967), por
exemplo, avalia os “custos e benefícios” do impacto da corrupção sobre os governos,
e observa alguns ganhos. Afirma que a corrupção pode produzir desenvolvimento
econômico, integração nacional e capacidade governamental, embora reconheça que
também produza desperdício de recursos e que possa gerar instabilidade política e até
perda de capacidade governamental. Ou seja, a partir da concepção que Nye tem de
um bom governo ou de bem comum, corrupção e bons governos podem se
retroalimentar!
Diferentes autores podem ter diferentes concepções sobre o que seja bem
comum, e, por extensão, sobre o que seja corrupção, bom governo e ética. Este fato
expressa que o termo em questão varia de acordo com a interpretação dos autores, e,
ainda, de acordo com um dado povo, em um dado território e em um dado contexto.
Ainda assim, autores que marcadamente tiveram influência no desenho das
constituições republicanas atuais recorrentemente relacionam corrupção ao abuso de
poderes e à perda de liberdade de um governo. Ao debater o risco da tirania da
maioria sobre minorias, Montesquieu utiliza-se justamente do termo que debatemos
aqui:
“Corrompe-se o espírito da democracia não somente quando se perde o
espírito de igualdade, mas ainda quando se quer levar o espírito de
igualdade ao extremo, procurando cada um ser igual àquele que escolheu
para comandá-lo. Então o povo, não podendo suportar o próprio poder que
escolheu, quer fazer tudo por si só: deliberar pelo senado, executar pelos
magistrados e destituir todos os juízes” (MONTESQUIEU, 1748, pg. 113).
18
Montesquieu relaciona, portanto, corrupção ao abuso de poder, seja de um, de
poucos ou de muitos. Relaciona-a à perda de liberdade, à tirania dos governos, onde
algum ou alguns sobrepõem as vantagens privadas ao bem comum. Aliás, não é
novidade para a Ciência Política que esta preocupação (contra a tirania) moldaria os
Estados Democráticos atuais. Atualmente, inúmeros são os dispositivos de “freios e
contrapesos” previstos nas mais variadas constituições contemporâneas. Afinal, como
postularam os federalistas norte-americanos, “como todo poder tende naturalmente a
estender-se, é preciso colocá-lo na impossibilidade de ultrapassar os limites que lhe
são prescritos” (MADISON, 2003, p. 305). O temor frente a corrupção está, pois, no
centro dos debates sobre o melhor desenho institucional.
Por hora, não precisamos nos estender mais. Dada a corrupção como a
sobreposição das vantagens privadas sobre o bem comum, acreditamos seguir pelo
caminho correto, sem restringir o conceito à noção de “roubo do dinheiro do povo”
mas também sem expandi-la para noções onde não pudéssemos articular.
1.2 EXEMPLOS DE CORRUPÇÃO
Antes de apresentarmos alguns exemplos de corrupção atuais, é importante
fazer uma breve reflexão. A despeito de compreendermos que o conceito de
corrupção possa variar de acordo com a interpretação que se tenha do que seja o bem
comum, e, ainda, de que esta compreensão refira-se a um contexto específico, desde a
criação do Direito Público leis foram elaboradas diferenciando o espaço público do
privado, estabelecendo limites à atuação do Estado frente os cidadãos (SUNDFELD,
2009). Pois é apenas a partir da definição positiva de o que sejam as esferas privada e
pública que potenciais casos de corrupção poderiam ser julgados como lícitos ou
ilícitos. Dado que o Brasil estrutura-se enquanto Estado de Direito14
e que não
pretendemos realizar o debate sobre o que seja (ou deva ser) o bem público,
adotamos as normas jurídicas vigentes como referência para a observância do
fenômeno da corrupção. Fazemos isso não apenas por objetivos práticos, mas também
por entendermos que o Estado Democrático de Direito Brasileiro disponha de um rol
suficiente para o devido combate à corrupção (salvo algumas exceções). Sendo assim,
14
O Estado de Direito é aquele em que, entre outros aspectos, vigora o chamado "império da lei", onde
as leis são criadas pelo próprio Estado através de seus representantes politicamente constituídos, e onde
o próprio Estado deve cumprir as regras e respeitar os limites por ele mesmo impostos (SUNDFELD,
2009).
19
observamos que o Direito Brasileiro prevê punições quer seja para desvio de recursos
públicos, quer seja para práticas como “vantagens ou ganhos pecuniários”, suborno ou
peculato. Entre as leis mais importantes figuram aquelas que definem como ilícitas
práticas de peculato, corrupção passiva, corrupção ativa, apropriação indébita, gestão
fraudulenta, concussão, improbidade administrativa, e, relacionadas, formação de
quadrilha, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
Vejamos pois exemplos de como a corrupção se manifesta concretamente nos
dias atuais. Armstrong (2002) nos lembra que o caso mais comum é o de um
funcionário público aceitando ou solicitando suborno para a realização de uma ação
(ou para a não realização de uma ação) relacionada às suas competências. Este
suborno pode ter a forma de dinheiro, facilitação, presentes etc. Tais situações
costumam ocorrer nos casos de "grande corrupção", por exemplo durante a
privatização de áreas estatais ou durante a realização de grandes licitações. Mas
também fazem-se presentes em casos de "pequena corrupção", por exemplo na
facilitação de procedimentos burocráticos, no fornecimento de informações sigilosas
ou no arrefecimento dos procedimentos de controle e sanção, seja em uma abordagem
policial seja no julgamento de contas ou durante inquérito criminal. Juridicamente,
podem ser enquadrados através de leis como as de corrupção passiva e ativa, gestão
fraudulenta, concussão, improbidade administrativa e formação de quadrilha.
Mas a corrupção também pode fazer-se presente em atividades que não
envolvam diretamente desvio de recursos financeiros do Estado. Nos casos acima,
sem recursos financeiros, apenas através de trocas de favores, ter-se-ia corrupção.
Mas também podem se expressar através do nepotismo, do clientelismo, da cobrança
de taxas não autorizadas, da falsificação ou destruição de registros etc. Assim, em vez
de a burocracia e os políticos servirem ao interesse público, tornam-se eles mesmos
instrumentos de opressão e injustiça.
Além disso, práticas corruptas podem se manifestar também no Poder
Judiciário. Quando sentenças são influenciadas pelo pagamento de juízes é o próprio
Estado de Direito que entra em cheque, abalando a igualdade dos cidadãos (perante a
Justiça). Nestas situações, aqueles que pagam não são punidos, ao contrário daqueles
que não se dispõem ou não podem fazer o mesmo.
Sob Democracias, as campanhas eleitorais também são terreno fértil para a
prática de corrupção. De um lado, há situações em que empresas interessadas em
participações privilegiadas no governo fazem doações não declaradas aos partidos –
20
prática conhecida como “caixa dois”. De outro, práticas como compra de votos e
fraude eleitoral também são entendidas como corrupção, a despeito de não
necessariamente envolverem desvios de recursos públicos.
1.3 O IMPACTO DA CORRUPÇÃO NAS DEMOCRACIAS
Certamente a corrupção não é um problema específico das democracias. É um
problema da relação entre súdito e soberano, onde as regras do jogo político figuram
desrespeitadas. Mas, sob democracias, onde “o poder emana do povo”, parece atingir
ainda mais dramaticamente a legitimidade do regime.
Para observar tal fenômeno, precisamos primeiramente definir o que
entendemos por democracia. A primeira característica de uma democracia política
atual (representativa) é que os cidadãos escolhem quem vai governá-los e podem
concorrer e expressar livremente suas opiniões e reivindicações. Tal regime pode ser
identificado a partir parâmetros definidos originalmente por Robert Dahl15
. Estes
aspectos fundamentais seriam: 1) autoridades eleitas; 2) eleições livres e justas; 3)
sufrágio inclusivo; 4) direito de se candidatar aos cargos eletivos; 5) Liberdade de
expressão; 6) Informação alternativa; e 7) Liberdade de associação. Dahl partiu do
princípio de que a democracia plena é um ideal a ser alcançado, mas não identificável
concretamente na História. Por isso, para diferenciá-los de regimes autoritários,
preferiu chamar os regimes que apresentam eleições, liberdade de expressão,
liberdade de associação, entre outros aspectos, de poliarquias.
Os Estados democráticos atuais equilibram-se, sob determinado ponto de vista
político (O‟DONNEL, 1996), sobre três fundamentos: o liberalismo, a democracia e o
republicanismo. Se, para a democracia, o demos é o centro do poder e deve poder
deliberar sobre qualquer coisa a partir do princípio majoritário, para o liberalismo o
centro do poder é o indivíduo, e nada, principalmente o Estado, deve ferir seus
direitos individuais. Para o republicanismo, a principal área de desenvolvimento
humano é pública. Mas, diferentemente da democracia, que acredita que qualquer
cidadão deva legitimamente ocupar funções públicas, o republicanismo entende que
estes cargos devam ser ocupados por homens virtuosos, superiores, ou seja, por uma
aristocracia.
15
DAHL, Robert. Poliarquia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005.
21
Nas recentes décadas, estimulada pela emergência de novas democracias (ou
poliarquias) especialmente na America Latina, a Ciência Política deu ênfase ao
problema da corrupção, agora contextualizada no debate democrático. Importantes
autores como Diamond, Morlino e O‟Donnell observaram que grande parte dos países
do mundo já enquadravam-se nas características mínimas de uma democracia mas não
necessariamente correspondiam a boas democracias (ou, na correlata expressão dos
autores, a “democracias liberais”). Para O‟Donnell, a principal característica destas
democracias pouco desenvolvidas, “delegativas”, residiria na fragilidade dos
componentes liberal e republicano. “Alguns países continuam sob mandatos
autoritários e outros, mesmo tendo realizado eleições, não satisfazem as condições de
competição livre e justa estipulada pela definição de poliarquia” (O‟DONNELL,
1997, p. 27). Ou seja, mais uma vez, o problema do abuso do poder e a ausência de
freios - o déficit republicano – parecem atrasar o desenvolvimento dos Estados:
A existência da accountability vertical assegura que esses países
são democráticos, no sentido específico de que os cidadãos podem exercer
seu direito de participar da escolha de quem vai governá-los por um
determinado período e podem expressar livremente suas opiniões e
reivindicações. Mas a fragilidade da accountability horizontal significa que
os componentes liberais e republicanos de muitas novas poliarquias são
frágeis. (O‟DONNELL, 1997, p. 30)
Sob Estados de Direito, a corrupção afeta a igualdade política, uma vez que
desequilibra a relação entre os cidadãos que podem (ou se dispõem) pagar propinas e
aqueles que não podem (ou não se dispõem). Sob Democracias, abalam também a
competição política: aqueles que se valem de práticas ilícitas na disputa pelo poder
durante as eleições obtêm vantagem competitiva:
[...] este procedimento [a corrupção] afeta a igualdade, pois nem todos os
indivíduos têm como pagar subornos e daí estaríamos segregando os
indivíduos em duas classes, os da alta classe, que são privilegiados pelo
bem publico, pois teriam como „comprá-lo‟, e os da baixa classe, que se já
sofrem com a baixa renda, ainda seriam afetados também pela
impossibilidade de usufruir do bem publico. [...] podemos pensar que a
competição também estaria limitada, pois alguns grupos poderiam usar a
corrupção como uma forte vantagem comparativa, com relação a outros
22
grupos e daí, a equidade na competição estaria abalada. (MIGNOZZETTI,
2008, p. 11)
Warren (2006) argumenta que, a despeito de a corrupção não ser o maior dos
problemas da política – não é tão perigosa como uma guerra, ou tão “urgente” como o
terrorismo -, torna-se uma das principais preocupações dos cidadãos especialmente
quando os regimes e governos não vão bem. Quando os índices de aprovação são
baixos, quando a confiança nas instituições é baixa, a corrupção costuma ganhar o
topo das preocupações do cidadão.
Sob democracias, o problema se torna mais dramático pois essencialmente o
“monopólio do uso da força” figura enquanto uma concessão dos cidadãos aos
governantes. “Você é meu funcionário”, costuma dizer o manifestante ao policial que
reprime um ato público. Se este monopólio é mau utilizado, se as finalidades que
movem a ação política corrompem-se, mais agitação e instabilidade é gerada. Afinal,
súditos de um senhor feudal não se viam no direito de questionar o poder
estabelecido, diferentemente dos contextos democráticos atuais. Além disso, fundados
na compreensão de que o poder emana do povo, e da conseqüente igualdade política,
tais regimes supõem que os cidadãos devam ter informações suficientes seja para
realizarem suas escolhas durante as eleições seja para controlarem aqueles que estão
no poder. Entre os princípios que regulam a vida pública em democracias figura por
exemplo, no Estado Democrático Brasileiro, o princípio da Publicidade, que
estabelece que nenhum ato público (salvo raras exceções) devam ser objeto de sigilo.
Assim, o cidadão atento simplesmente não aceita não saber o que o Estado faz, e
pressiona os governantes a prestarem contas.
Expressão desta condição, pelo extremo oposto, são os resultados de pesquisa
realizada por Moisés (2010), que aponta que a aceitação da corrupção diminui a
adesão ao regime, estimula a aceitação de escolhas autoritárias, influencia
negativamente a submissão à lei e a confiança interpessoal, e inibe tendências de
participação política.
Atualmente, no Brasil, 81% da população acredita que os partidos são
corruptos, 72% pensa o mesmo dos congressistas, 70% acredita que a polícia é
corrupta ou extremamente corrupta, sendo os números altos também para os serviços
23
médicos e de saúde (55%) e para o Poder Judiciário (50%)16
. Ou seja, para a maior
parte dos brasileiros, as principais instituições reativas à representação política, à
segurança e à justiça não são confiáveis. O problema não poderia ser pior, tendo em
vista que segurança e justiça representam as primeiras promessas de qualquer Estado,
e representação política, a característica-primeira de qualquer democracia moderna.
Diamond e Morlino, sob clara inspiração do princípio de igualdade das
democracias, observam ainda um recorte de classe nos impactos da corrupção,
especialmente do ponto de vista da igualdade política:
quando o primado da lei é fraco, a participação dos pobres e
marginalizados é suprimida; Liberdades individuais tornam-se tênues e
frágeis; associações civis podem não conseguir se organizar e defender
seus interesses; ricos e bem relacionados têm acesso mais vasto à justiça e
ao Estado; [...] a competição política se torna distorcida e injusta [...].
(DIAMOND; MORLINO, 2005, p. xv)17
A literatura da “Qualidade da Democracia” destaca três dimensões através das
quais se pode estudar o regime: a) a qualidade de procedimentos, relacionada à
qualidade dos principais mecanismos institucionais através dos quais a democracia se
processa. Entre eles, por exemplo, as eleições; b) a qualidade do conteúdo, balizada
por sua relação com os princípios de igualdade e liberdade, onde, tendo em vista que
“liberdade” aproxima-se do conceito político liberal e “igualdade”, do democrático,
busca-se compreender se as liberdades e direitos relacionados a estes temas são
respeitados e figuram equilibrados; c) e a qualidade dos resultados, relacionada aos
outputs deste arranjo institucional, observando se são “responsivos” aos interesses e
preferências da população. Neste sentido, tratar do combate à corrupção é tratar
especialmente de um aspecto procedimental da democracia, onde a observância das
leis, e, mais especialmente, das regras do jogo político, são os melhores produtos
esperados.
1.4 COMBATE À CORRUPÇÃO EM DEMOCRACIAS
16
International Transparency Global Corruption Barometer. 2013. Disponível em:
http://www.transparency.org/gcb2013/country/?country=brazil. Acesso em: 03 Nov. 2013 17
Tradução livre do autor
24
Na Ciência Política contemporânea, a literatura dá o nome de accountability
às atividades de prestação de contas, responsividade (“answerability”) e
responsabilização (“responsability”) de políticos e burocratas frente o soberano –
palavra sem tradução exata para o português.
Especialmente a partir da década de 1990, devido à emergência de países
democráticos, o conceito passou a ocupar o centro dos debates em torno da qualidade
das democracias. Isso porque, a despeito de ser originário de teorias da Economia, foi
reinterpretado a partir de significados políticos, passando a caracterizar a relação do
Estado e dos políticos com o cidadão. Basicamente, o conceito sugere que aqueles que
ocupam o poder devem prestar contas àqueles que os delegaram este mesmo poder.
Deste ponto de vista, a atividade-primeira das democracias, as eleições, passa
a ser interpretada como uma atividade de accountability, através da qual políticos
prestam contas do que fizeram e o eleitor os responsabiliza por tais atos, decidindo
quem serão seus governantes. Da mesma forma, quando um novo político se
apresenta, o povo julgará se concorda e confia nas suas promessas mediante o voto.
Mas, fora do período de eleições, o que controla ou constrange os políticos e
burocratas nos intervalos de quatro anos (no Brasil)? Fora o período de disputas por
votos (diga-se, fortemente influenciados pelo montante de dinheiro envolvido
(SPECK, 2012)), porque agentes públicos (políticos, dirigentes públicos e burocratas)
simplesmente não fazem o que querem, usurpando o poder, corrompendo as
finalidades do Estado?
Como já mencionado, a preocupação com a tirania dos governantes pautou
parte da literatura da Ciência Política durante séculos. A defesa da liberdade,
entendida como ausência de opressão, impulsionou o raciocínio em torno do melhor
desenho institucional, capaz de frear o abuso do poder, ou de “traçar de tal maneira a
construção do governo, que todas as suas diferentes partes possam reter-se umas às
outras nos seus lugares respectivos” (MADISON, 1993, p. 317). Um perspicaz
realismo, seja em Maquiavel, seja em Montesquieu, seja nos federalistas norte-
americanos, observaria, cada um à sua maneira, que o os homens não são anjos e que
estão suscetíveis à falta de virtude, e que portanto o poder requer freios para não se
corromper. Afinal, como nos lembra Nunes (2008), a política é o terreno do
contingente, do profano, da corrupção. Por isso, onde há poder público desprotegido e
25
homens de “carne e osso” 18
, há risco de corrupção. “É desgraça inerente à natureza
humana a necessidade de tais meios”, afirmaria Madison:
“Se os homens fossem anjos, não haveria necessidade de governo; e se os
anjos governassem os homens, não haveria necessidade de meio algum
externo ou interno para regular a marcha do governo: mas quando o
governo é feito por homens e administrado por homens, o primeiro
problema é por o governo em estado de poder dirigir o procedimento dos
governados e o segundo obrigá-lo a cumprir suas obrigações. A
dependência em que o governo se acha do povo é certamente o seu
primeiro regulador, mas a insuficiência desse meio está demonstrada pela
experiência.”(MADISON, 1993, p. 318)
Imediatamente antes, no mesmo parágrafo, Madison escreveria um dos trechos
mais reproduzidos de seus artigos, quando praticamente postula a lógica dos “freios e
contrapesos” (“checks and balances”) dos Estados:
Mas o verdadeiro meio de embaraçar que os diferentes poderes não se vão
sucessivamente acumulando nas mesmas mãos, consiste em dar àqueles
que os exercitam meios suficientes e interesse pessoal para resistir às
usurpações. Nesse caso, como em todos os outros, os meios de defesa
devem ser proporcionados aos perigos do ataque; é preciso opor ambição à
ambição e travar de tal modo o interesse dos homens, com as obrigações
que lhes impõem os direitos constitucionais dos seus cargos, que não
possam ser ofendidas as últimas sem que os primeiros padeçam” (IDEM).
Atualmente, inúmeros são os dispositivos observáveis nos Estados
Democráticos que respondem à lógica proposta por Madison. Entre eles, por exemplo,
a existência de um Poder Judiciário autônomo com o poder de controle de
constitucionalidade das leis criadas pelo Legislativo, o controle do Poder Legislativo
sobre a gestão do Executivo, através, entre outros mecanismos, das atividades das
comissões parlamentares de inquérito, da aprovação ou não das contas presidenciais e
do assessoramento de Tribunais de Contas, e diversas outras instituições de controle
18
A expressão “homens de carne e osso” é de Tomás de Aquino, citada por: NUNES, Edison. A
política à meia luz: Ética, retórica e ação no pensamento de Maquiavel. São Paulo: EDUC, 2008, p. 37
26
democrático, como Ministérios Públicos, Defensorias, Policias, órgãos de ombudsman
etc.
Ainda assim, poder-se-ia questionar se, sob democracias, o povo, através das
eleições, não poderia ser ele mesmo o principal controlador dos governos. No entanto,
grande parte da literatura da Ciência Política é cética quanto a esta hipótese. Bernard
Manin, Adam Przeworski e Susan C. Stokes (1999), por exemplo, afirmam que “as
eleições são inerentemente um instrumento nada acurado de controle: os eleitores têm
apenas uma decisão para fazer no que diz respeito a um pacote inteiro de políticas
governamentais (1999, p. 132). Com apenas um voto em mãos para cada cargo, o
cidadão tenderia a não definir seu voto apenas a partir de observações sobre a
corrupção. Mesmo agindo racionalmente, define-se em torno da observação das
gestões passadas, das promessas de campanha, do partido em que o político está, do
seguimento social que representa etc. Sob seu rol de informações, pode, inclusive,
preferir políticos que sabe que roubam, mas que acredita serem melhores19
.
Assim, para além das eleições, o desenho institucional das democracias
modernas prevê a existência de órgãos internos ao Estado que atuam para garantir que
as leis sejam respeitadas e que o poder não seja usurpado, garantindo justiça no pacto
firmado entre súdito e soberano. Nesse sentido, uma característica central destes
órgãos é disporem de mecanismos de punição de irregularidades (ou de provocação
para a punição das mesmas). Afinal, é o temor da punição que constrange os
indivíduos a agirem de acordo com a lei, ou, na clássica expressão de Hobbes, “os
pactos sem a espada não passam de palavras” (HOBBES, 1999, pg. 141). Assim, para
garantir a manutenção das regras do jogo, agentes (com “espadas”) distribuem-se nas
diferentes esferas do Estado, controlando as ações públicas.
Pois ao conjunto de leis e atores que protegem o bem público dá-se atualmente
o nome de web of accountability institutions (MAINWARING, 2003) ou Sistema de
Integridade (POPE, 2000).
O‟Donnell abordou o tema em 1988, indicando que o grupo de atores e
procedimentos relacionados à accountability poderia ser bem compreendido a partir
19
Entre os exemplos, impossível não mencionar o do ex-prefeito e ex-governador de São Paulo Paulo
Maluf, conhecido pelo slogan “rouba, mas faz”. Após inúmeras denúncias de corrupção, o político
candidatou-se e conquistou a terceira maior votação da História para o cargo de deputado federal em
2006 (com 739.827 votos, atrás apenas de Enéas Ferreira Carneiro (2002) e Tiririca (2010)). Outro
caso marcante é o da reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2006, cerca de um ano após
a deflagração do caso do “Mensalão”, que atingiria a cúpula de seu governo, condenando a pena de
reclusão inclusive o então chefe da Casa Civil, José Dirceu.
27
da seguinte subdivisão: aqueles de incidência “vertical” (de fora para dentro do
Estado) - como as eleições, a mídia, ONGs e outras associações civis – e aqueles de
incidência “horizontal” (próprios do Estado). Essencialmente, a noção de
horizontalidade responde aos ensinamentos de Madison, opondo ambição à ambição,
remetendo ao fato de que os órgãos em questão desfrutam de status institucional
semelhante, de modo que um também controla as ações do outro. Nesse sentido,
O‟Donnell define accountability horizontal como:
“a existência de agências estatais que têm o direito e o poder legal e que
estão de fato dispostas e capacitadas para realizar ações, que vão desde a
supervisão de rotina a sanções legais ou até o impeachment contra ações
ou emissões de outros agentes ou agências do Estado que possam ser
qualificadas como delituosas” (O‟DONNELL, 1998, p. 40)
Importante notar que O‟Donnell frisa que tais trabalhos dedicam-se ao
controle de ações “qualificadas como delituosas”. Observando algumas ambiguidades
na literatura, o autor escreveu anos depois, em 2003, que “esta categoria (“controle
mutuo entre agências”) não é o que, de acordo com minha definição, refere-se a
accountability horizontal”. Ele esclareceria, então, que o controle entre poderes
através da dinâmica dos freios e contrapesos configuraria accountability horizontal
apenas quando o objeto controlado fosse algo ilícito. Em outros casos, por exemplo
como em uma derrubada de veto presidencial por parte do Legislativo, reconhece que
há “checks and balances” mas não accountability horizontal. Ou seja, “freios e
contrapesos” não é sinônimo de accounatbility horizontal – só o é quando incide
sobre ilicitudes. A confusão observada pelo autor talvez tenha ocorrido devido ao
duplo significado que a palavra corrupção carrega. Como já debatido, corrupção pode
significar, de um lado, desvio de recursos públicos, e de outro, abuso de poderes. No
primeiro caso, o combate restringe-se à garantia da legalidade. No segundo, dá-se por
meio do controle dos poderes, seja através do controle da legalidade, seja através do
controle da tirania. Naturalmente, há situações em que os dois fenômenos podem ser
observados conjuntamente - como por exemplo durante o caso do Mensalão do PT,
quando políticos foram acusados de terem pago parlamentares para aprovarem
projetos do governo. Nesse caso, a observância das normas legais contribuiu
diretamente para o controle do abuso de poder, e, portanto, atores da accountability
28
horizontal passam a ser responsáveis, ao mesmo tempo, pelo controle da legalidade e
pelo equilíbrio de poderes, protegendo o Estado, de um lado, do desvio de recursos
públicos, e, de outro, do despotismo.
Este debate tem importância direta para esta investigação. Não apenas porque
incide sobre o tema da corrupção, mas também porque um dos argumentos que
conduzirá nossa argumentação é o de que a CGU teria tornado-se agente de
accountability horizontal ao instrumentalizar o controle interno para as atividades de
combate à corrupção. Ora, para isso, teria que ter poder para produzir
responsabilizações, competência que, em geral, não desfrutam auditores de controle
interno. Mainwaring (2003) dedicou-se a compreender a relação entre controle interno
e accountability horizontal, afirmando que ainda que seus trabalhos não produzam
diretamente responsabilização, se há a possibilidade da sanção ainda que indireta,
então tem-se um trabalho de accountability. Afinal, sem responsabilização, não há
accountability, afirma o autor. Neste trabalho, observaremos portanto se os trabalhos
de controle interno da CGU produzem (ainda que indiretamente) responsabilização,
de modo a bem compreender se este órgão pode ser considerado um agente de
accountability horizontal.
Na esfera federal do Estado brasileiro, algumas das principais instituições
relacionadas à accountability horizontal são:
- Ministério Público;
- Tribunal de Contas da União;
- Policia Federal;
- Poder Legislativo
- Poder Judiciário
- Controladoria Geral da União;
- Conselho Nacional de Justiça;
- Conselho de Controle de Atividades Financeiras;
Em comparação com os procedimentos de accountability vertical, estes órgãos
destacam-se por disporem de importantes competências para o controle e a
responsabilização, mas reforçamos: nenhum deles acumula todas as competências
para sozinhos conduzirem um ciclo completo de responsabilização. Isso porque o
desenho institucional brasileiro visa, em concordância com os teóricos apresentados,
29
afastar o risco da tirania. Afinal, mesmo sob órgãos que controlam a vida pública, que
supostamente vivem sob o ethos republicano da ética e da idoneidade, políticos e
burocratas, “homens de carne e osso”, podem ver-se tentados a abusar do poder. Pois,
se é desejável que haja punição da corrupção – afinal, “pactos sem a espada não
passam de palavras” - também é desejável que aqueles que detém o poder de punição
não abusem deste mesmo poder. Assim, a título de exemplo, vemos que não basta que
o Ministério Público conclua que determinada pessoa é responsável por um crime.
Para que haja responsabilização, todo um ciclo deve ser percorrido, envolvendo a
identificação das irregularidades (possivelmente, através de auditorias ou inquéritos),
o inquérito (da Polícia), a persecução judicial (do Ministério Público), e o julgamento
do Poder Judiciário. O fato de haver a necessidade de que todos esses atores
convirjam torna os procedimentos de combate à corrupção mais lentos do que seriam
se todo o poder de investigação e punição estivesse concentrado em apenas um órgão,
mas, mais uma vez, o risco de este mesmo órgão se corromper tornar-se-ia maior,
senão incontornável.
Este fato também configura tais atores como veto players do Sistema de
Integridade – onde um não age conclusivamente sem o outro. Uma das conseqüências
deste estado de coisas é que as instituições relacionadas à accountability horizontal
precisam se articular e, eventualmente, cooperar. Por isso, a articulação da CGU com
outros órgãos do Sistema de Integridade brasileiro é questão de primeira importância
para o sucesso dos trabalhos e para a boa saúde da república brasileira, e será objeto
de estudo nos capítulos 6 e 7.
1.5 AVANÇOS E DÉFICITS DO COMBATE À CORRUPÇÃO NO BRASIL
A despeito de o Brasil dispor de um rol abrangente de leis para o combate à
corrupção, pouca punição é produzida, o que reforça a preocupação da literatura em
torno da dinâmica de accountability horizontal no Estado.
Ainda assim, a Ciência Política observa importantes avanços recentes no que
tange a tais atividades. Em primeiro lugar, a Constituição de 1988 fortaleceu os
poderes de órgãos relacionados ao controle, investigação, persecução e julgamento da
corrupção, como o Poder Legislativo, o Ministério Público (MP), além de criar
formalmente o Departamento da Policia Federal (PF), responsável por investigações
criminais.
30
Importante marco deste processo foram os poderes persecutório e
investigativo adquiridos pelo Ministério Público para agir em proteção do interesse
social, coletivo e difuso (ARANTES, 1997). Na mesma linha, o Poder Judiciário,
entre outros aspectos, ampliou o seu acesso em relação à sociedade e a estes mesmos
direitos (VERÍSSIMO, 2008), bem como passou a ter certo protagonismo nas
decisões políticas (quando provocado).
A Polícia Federal, por sua vez, aprofundou a articulação de seus trabalhos com
outros órgãos do Sistema de Integridade, em especial com o Ministério Público, com
a Controladoria-Geral da União e com a Receita Federal, promovendo o aumento do
número de operações especiais relacionadas ao combate à corrupção, em grande
medida favorecida pelo crescimento de seu orçamento e quadro de funcionários na
última década, especialmente durante as gestões Lula (ARANTES, 2011).
Do ponto de vista do controle de contas, o Tribunal de Contas da União, órgão
de controle externo vinculado ao Poder Legislativo, estreitou seus laços com o
Congresso Nacional, especialmente através das comissões parlamentares, que teriam
passado a demandar mais intensas fiscalizações (LOUREIRO, 2012). Ainda assim, o
vínculo político de seus ministros, indicados pelo Congresso Nacional e pela
Presidência da República, parece reduzir o rigor do órgão. Entre os fatos sintomáticos,
figura o de que as contas prestadas pela Presidência da República nunca tenham sido
rejeitadas durante o recente período democrático (IDEM).
O controle interno, encabeçado atualmente pela Controladoria-Geral da União,
nosso objeto de estudo nesta dissertação, consolidou um novo sistema de controle,
através do qual realiza sistematicamente auditorias in loco, observando, além da
regularidade no uso dos gastos, a performance dos gestores durante a execução de
políticas públicas (OLIVIERI, 2010). Isso, como veremos adiante, tem implicâncias
diretas sobre o combate à corrupção, na medida em que, através do controle de gastos,
também previne-se desvios e irregularidades são reveladas.
Entre as principais deficiências do Sistema de Integridade brasileiro, Avritzer
(2011) e Speck (2012) apontam que o sistema eleitoral brasileiro é altamente
permissivo à corrupção, estabelecendo vínculos pouco democráticos entre políticos,
empresas e grupos de interesse. Entre os indicadores, Speck observa que mais da
metade (53%) dos recursos de campanha de 2010 foram provenientes de empresas
privadas, sendo a distribuição dos mesmos extremamente desigual.
31
Corrêa (2011) observa que, apesar dos avanços, o Brasil ainda não consolidou
um verdadeiro Sistema de Integridade, e carece, entre outras medidas, de maior
articulação entre os órgãos. Vemos ainda que os maiores avanços parecem se
concentrar na esfera Federal, em detrimento dos Estados e municípios, onde os
controles são mais frágeis (OCDE, 2011).
Ainda assim, no nível federal, observa-se que as instituições “são fortes, ativas
e relativamente bem estruturadas (muitas são independentes e seus funcionários são
bem formados e remunerados), mas o resultado final é fraco, pois muitos casos só são
descobertos depois de grandes prejuízos ao erário, a punição demora ou não acontece,
e os casos de corrupção se repetem [...]” (OLIVIERI, 2011, p. 100).
Parte deste problema relaciona-se com o diagnóstico de Corrêa, quando esta
afirma que “o Brasil ainda é um dos países que fornecem as maiores possibilidades de
protelações das ações, o que, necessariamente, leva à sensação de impunidade”
(CORRÊA, 2011, p. 187). Tal estado de coisas leva ao seguinte paradoxo: “O
Controle no Brasil democrático aumentou; a sanção permanece baixa; e a corrupção
se reproduz e pauta negativamente a opinião pública” (FILGUEIRAS, 2011, p. 150).
1.6 OBJETO, OBJETIVO E METODOLOGIA
Este trabalho tem dois enfoques. O primeiro busca conhecer o desempenho da
Controladoria-Geral da União (CGU) nas atividades relacionadas ao combate à
corrupção no Estado Brasileiro. O segundo, busca interpretá-lo à luz da dinâmica de
“freios e contrapesos” do Estado.
Ao longo desta exposição, faremos primeiramente uma abordagem sobre a
estrutura da CGU, expressando o tamanho do órgão, seus recursos, seus servidores, e
as atividades que cada uma das suas quatro secretarias realizam. Afinal, para
analisarmos este órgão precisamos saber o que de fato ele tem condições de realizar.
Isto será feito no capítulo seguinte.
Na sequência, apresentaremos um dos argumentos que conduzem esta
exposição. Basicamente, observamos que os trabalhos da Secretaria federal de
Controle Interno, secretaria da CGU, foram determinantes para os trabalhos de
combate à corrupção. Foram especialmente as auditorias as responsáveis pela
identificação de irregularidades que posteriormente subsidiariam procedimentos
sancionadores. O movimento de instrumentalização do controle interno para o
32
combate à corrupção será abordado observando a articulação desta secretaria com as
outras secretarias da CGU (capítulos 4 e 5) e também entre a própria CGU e outros
órgãos do Sistema de Integridade (capítulo 6).
No capítulo 5, dados relacionados à responsabilização administrativa da
corrupção serão abordados. Para estes casos, buscaremos acompanhar o que, na falta
de outro nome, chamamos de “ciclos completos de responsabilização”. O objetivo é
observar não apenas o que a CGU fez, mas também os efeitos de tais práticas,
identificando os desdobramentos de tais trabalhos nas dinâmicas de accountability
horizontal do Estado, atentos à eficácia dos trabalhos para a real responsabilização da
corrupção.
Ilustrativamente, um ciclo ideal de responsabilização começa e termina da
seguinte forma20
:
.
Os dados que serão analisados são relativos a:
- Sanções derivadas de sindicâncias administrativo-contraditórias no âmbito do
Executivo Federal
- Sanções derivadas de Tomadas de Contas Especiais (TCEs).
O segundo enfoque desta pesquisa retoma o título do trabalho, e desenvolve-se
nos capítulos 5 e 6. Objetiva-se compreender o papel da CGU no Sistema de
Integridade Brasileiro. Em primeiro lugar, no capítulo 5, recolhemos dados que nos
permitissem conhecer a intensidade da articulação da CGU junto a outros órgãos de
accountability horizontal do Estado Brasileiro e realizamos algumas entrevistas21
. Os
dados referem-se a:
20
Naturalmente, se se observa que não há irregularidade ou crime, então também faz parte do ciclo
ideal a absolvição dos suspeitos. 21
Como mencionado na Introdução, as entrevistas realizadas foram: Jorge Hage Sobrinho, ministro-
chefe da CGU – (ao vivo, em Brasília, no dia 01/10/13); Mário Spinelli, ministro da Secretaria de
Transparência e Prevenção da Corrupção (ao vivo, em São Paulo, no dia 02/04/14); Marlene Alves de
Albuquerque, Secretária Federal de Controle Interno – Adjunta (por telefone, em 03/2013); Ronald
Balbe, diretor de Planejamento da Secretaria Federal de Controle – (ao vivo, em Brasília, dia
01/10/13); Roberto Vieira Medeiros, à época vice-Corregedor-Geral da União (por telefone, em
03/2013)); e Claudio Weber Abramo, diretor da ONG Transparência Brasil e membro do Conselho de
Transparência Pública e Combate à Corrupção
33
- Auditorias realizadas a partir de demandas externas;
- Acordos de cooperação com órgãos do Sistema de Integridade;
- Operações especiais junto à Policia Federal e ao Ministério Público.
Estas informações devem nos ajudar a interpretar os trabalhos da CGU à luz
da dinâmica de “freios e contrapesos” do Estado, relacionando uma articulação pouco
comum entre os trabalhos de controle interno a práticas de combate à corrupção.
No capítulo seguinte, realizaremos uma interpretação sobre como a CGU se
enquadra frente os principais paradigmas políticos do Estado Brasileiro.
Primeiramente, qual é a relação da CGU com a Presidência da República? E, em
segundo lugar, tendo em vista que muitos dos órgãos do Executivo Federal são
conduzidos por políticos da base aliada ou do próprio partido da Presidência, como os
trabalhos da CGU afetam ou podem afetar a relação da Presidência da República
junto à coalizão? Para esta abordagem, utilizaremos as entrevistas realizadas e,
naturalmente, a literatura especializada.
Na apresentação deste trabalho já foram expressas as entrevistas realizadas ao
longo da pesquisa. Mas vale reforçar. Os entrevistados foram: Jorge Hage Sobrinho,
ministro-chefe da CGU – (ao vivo, em Brasília, no dia 01/10/13); Mário Spinelli,
ministro da Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção (ao vivo, em São
Paulo, no dia 02/04/14); Marlene Alves de Albuquerque, Secretária Federal de
Controle Interno – Adjunta (por telefone, em 03/2013); Ronald Balbe, diretor de
Planejamento da Secretaria Federal de Controle – (ao vivo, em Brasília, dia
01/10/13); Roberto Vieira Medeiros, à época vice-Corregedor-Geral da União (por
telefone, em 03/2013)); e Claudio Weber Abramo, diretor da ONG Transparência
Brasil e membro do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção (ao
vivo, em São Paulo, em 09/2013).
34
2 O QUE É E O QUE FAZ A CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO
2.1 O CONTEXTO DE CRIAÇÃO DO ÓRGÃO
Aparentemente, a criação da CGU em 2001, ainda enquanto Corregedoria-
Geral da União22
, respondeu mais a eventos conjunturais do que estratégicos. O
presidente Fernando Henrique Cardozo já estava há seis anos no comando do
Governo Federal quando criou o órgão. À época, havia acusações de desvio de verbas
na Sudam (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia), na Sudene
(Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), na Telebrás, no Banpará (Banco
do Estado do Pará), no Ministério dos Transportes23
, entre outras instituições. E o
Governo era acusado de não reagir aos escândalos. De acordo com pesquisa
Datafolha, 56% da população achava que o Governo não estava combatendo
efetivamente a corrupção, e 84% eram a favor da criação de uma CPI para investigar
as denúncias24
.
A principal fonte das denúncias de corrupção fora o então senador Antônio
Carlos Magalhães (PFL-BA). Ele havia rompido com o governo após ser retirado da
presidência da Casa, em favor de Jader Barbalho (PMDB-PA), principal suspeito das
denúncias. Chegara a afirmar inclusive que a criação do órgão era apenas uma
resposta às suas investiduras25
.
Ironicamente, o partido dos Trabalhadores, que comandaria a chefia do
Executivo Federal nos doze anos seguintes e que ampliaria os poderes e recursos da
CGU, também creditaria a criação do órgão a fatores conjunturais. José Dirceu, então
presidente nacional do partido afirmou: “Por que criar uma Corregedoria se tem uma
Procuradoria que deveria apurar tudo? Uma das causas desse festival de denúncias é o
[Procurador-Geral da República, Geraldo] Brindeiro não investigar nada”26
. Dirceu
referia-se ao fato de Brindeiro ter se tornado famoso por “engavetar” inúmeras
denúncias ao longo da gestão FHC. A despeito de não ser o primeiro nome na lista
22
Medida Provisória n° 2.143-31 23
Portal Veja. Caso Sudam. Disponível em: http://veja.abril.com.br/infograficos/rede-escandalos/rede-
escandalos.shtml?governo=fhc&scrollto=39. Acesso em: 09 Abr. 2014 24
Folha de S. Paulo. FHC cria cargo de corregedor para apurar denúncias de corrupção. 02 Abr. 2001.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u17936.shtml. Acesso em 08 Abr. 2014 25
Folha de S. Paulo. “ACM afirma ser causa de criação de órgão”. Pg A11. 03 Abril 2001. 26
Idem.
35
dos procuradores27
, fora conduzido ao cargo quatro vezes seguidas pela Presidência
da República (com aval do Congresso Nacional), compondo os oito anos de governo
tucano. Entre outros fatos, Brindeiro foi responsável por ter arquivado a denúncia da
suspeita de compra de votos para a reeleição de FHC e algumas outras relacionadas às
privatizações do período28
.
De acordo com o jornalismo político da época, a ideia de criar a Corregedoria-
Geral fora do então Advogado-Geral da União, Gilmar Mendes29
. Mendes, que seria
empossado ministro do Supremo Tribunal Federal um ano depois, em 2002,
aparentemente não queria a criação de uma CPI. Entre outros fatos relacionados,
havia visitado a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil pedindo que não
apoiassem a criação da comissão.
Ao empossar Anadyr Rodrigues na titularidade do órgão, FHC afirmou que a
Corregedora-Geral teria carta branca para atuar com status de ministra “de forma que
o presidente não tenha de vir explicar o que já vem sendo feito e para que quem gosta
de fazer barulho não faça com o trabalho dos outros"30
.
2.2 ESTRUTURA E RECURSOS
A Corregedoria-Geral foi criada por Medida Provisória31
e recebeu
competências para “dar o devido andamento às representações ou denúncias
fundamentadas que receber, relativas a lesão, ou ameaça de lesão, ao patrimônio
público”32
. Sem poderes para abrir inquéritos, quebrar sigilos ou realizar a persecução
criminal dos casos, lhe coube a tarefa de “requisitar a instauração de sindicância,
procedimentos e processos administrativos outros [...] promovendo a aplicação da
penalidade administrativa cabível”.
27
Os procuradores sugerem o Procurador-Geral através de lista tríplice, mas é a Presidência quem
define a nomeação 28
De acordo com levantamento da imprensa, entre 1995 e 2001, o Procurador-Geral da República,
Geraldo Brindeiro, teria recebido 626 inquéritos. Deste total, 242 não teriam recebido nenhum parecer
do Procurador, enquanto 217 teriam sido arquivados e 88 haviam sido devolvidos à Justiça. Apenas 60
haviam sido denunciados e outros 19 figuravam em investigação. Além disso, em seis anos, apresentou
apenas seis contestações ao governo Federal. (O antecessor, Aristides Junqueira, durante os seis anos
de mandato de Fernando Collor e Itamar Franco, apresentou 56). FONTE: Revista VEJA. Quase
Parando. 06 Jun. 2001. Disponível em: http://veja.abril.com.br/060601/p_125.html. Acesso em 12 Abr.
2014. 29
Folha de S. Paulo. “Corregedoria a corrigir”. Pg. A3. 03 Abr. 2001. 30
IDEM. 31
Medida Provisória n° 2.143-31 32
Art. 14 da Medida Provisória n° 2.143-31
36
Com os anos, o órgão cresceu, ampliou a estrutura e o número de servidores.
Menos de um ano após a criação da Corregedoria, ainda sob a gestão FHC, seria
integrada à estrutura a Secretaria Federal de Controle Interno (SFC)33
, órgão cerca de
dez vezes maior que a Corregedoria em termos de servidores. Junto com ela, a
Corregedoria-Geral agregou também as competências de Ouvidoria-Geral, até então
vinculadas ao Ministério da Justiça.
Em 2003, na troca da gestão FHC para a gestão Lula, seria criada a
Controladoria-Geral da União, que incorporaria as funções da então Corregedoria-
Geral da União34
. Institucionalmente, não verificam-se grandes alterações frente o
legado anterior. O órgão ainda não parecia-se com aquele que hoje é caracterizado
como a principal agência anticorrupção brasileira.
De acordo com a lei de 200335
(alterada algumas vezes nos anos posteriores),
compete à CGU:
“[...] assistir direta e imediatamente ao Presidente da República no
desempenho de suas atribuições quanto aos assuntos e providências que,
no âmbito do Poder Executivo, sejam atinentes à defesa do patrimônio
público, ao controle interno, à auditoria pública, à correição, à prevenção e
ao combate à corrupção, às atividades de ouvidoria e ao incremento da
transparência da gestão no âmbito da administração pública federal [...]”
Completando o quadro, em 2006 criou-se a Secretaria de Prevenção da
Corrupção e Informações Estratégicas (SPCI), que, recentemente, em 2013, passaria a
ser chamada de Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção (STPC)36
,
ampliando a estrutura.
Eis o organograma atual da CGU (2014):
33
Decreto n° 4.177 34
Lei nº 10.683 35
Lei 10.683 36
Decreto nº 8.109, de 17 de setembro de 2013
37
FIGURA: Organograma da Controladoria-Geral da União
Fonte: CGU/reprodução
Frente as competências adquiridas, é lógico deduzir a necessidade de um
mínimo de recursos e servidores, como destacam Diamond e Morlino:
[O escrutínio] requer diversos recursos: auditores, investigadores e
advogados treinados para saber como a riqueza é desviada, acumulada e
escondida, junto a especialistas em computação e uma equipe de suporte.
Não apenas uma comissão anti-corrupção precisa de uma equipe bem
treinada, mas também precisa pagá-los o suficiente para deter a tentação e
estabelecer um espírito de equipe (“esprit de corps”). (DIAMOND;
MORLINO, 2005, p.xxii)37
.
A CGU dispõe de 2.729 servidores ativos (em 2013)38
, dos quais 2.480 (cerca
de 90%) são provenientes das carreiras de finanças e controle (Técnicos e Analistas
de Finanças e Controle39
). Destes, a maior parte vinculam-se à Secretaria Federal de
Controle Interno. Estima-se que correspondam a “entre 70% e 80%” do total40
. Ou
37
Tradução livre do autor 38
Dados obtidos através da Lei de Acesso à Informação. Fonte: CGU 39
Decreto nº 4.321 40
Relato de auditor
38
seja, cerca de 2.000. Destes, cerca de metade distribuem-se nas regionais dos Estados,
sendo o principal motivo disso as atividades de controle in loco (ainda que muitos
dediquem-se às atividades das outras secretarias).
GRÁFICO: Distribuição dos servidores ativos lotados na Controladoria-geral da
União41
Fonte: CGU / Lei de Acesso à Informação.
A princípio, desde 200242
, o órgão disporia de exatos 3.000 cargos de Analista
de Finanças e Controle e 2.000 mil de Técnico de Finanças e Controle. No entanto,
por falta de recursos, apenas metade das vagas (2.466) estão ocupadas43
. Os Técnicos
recebem de R$ 7.583,04 a R$ 9.780,92 e os Analistas, de R$ 17.335,39 a R$
21.391,1044
- salários que podem ser interpretados como atrativos, ou suficientes
“para deter a tentação e estabelecer um espírito de equipe (“esprit de corps”)”.
Em termos comparativos, o órgão tem tamanho próximo ao Tribunal de
Contas da União, órgão também de controle, porém externo, mas bem menor do que o
41
Dados relativos a 31 Dez. 2012. Fonte: CGU/Lei de Acesso à Informação. 42
Decreto nº 4.321/2002 43
Fonte: CGU/Lei de Acesso à Informação 44
Lei 11.890. Valores relativos a 1o de Janeiro de 2014.
51254 31
86
162
713
1162
GABINETE DO MINISTRO
SECRETARIA-EXECUTIVA
OUVIDORIA-GERAL
SECRETARIA DA PREV. ANT. CORRUP.
CORREGEDORIA-GERAL DA UNIÃO
SECRETARIA FEDERAL DE CONTROLE INTERNO
REGIONAIS
39
Departamento de Policia Federal e o Ministério Público da União – o que parece
lógico.
GRÁFICO: Servidores ativos por órgão (Sistema de Integridade do Executivo
Federal)45
Fonte: Elaboração do autor a partir de dados obtidos junto ao Ministério do Planejamento, da
controladoria-Geral da União, do Tribunal de Contas da União
Importante notar que a Controladoria-Geral da União conta com 404 cargos
em comissão, de livre nomeação (DAS)46
. Todavia, em respeito à Lei nº 10.180, os
ocupa preferencialmente com servidores efetivos da carreira de Finanças e Controle.
Há apenas 13 servidores comissionados sem qualquer vínculo com a Administração
Pública Federal. Entre eles, o atual ministro-chefe, Jorge Hage Sobrinho, juiz
aposentado. Isso quer dizer que os cargos da CGU não parecem ser utilizados como
moeda de troca política entre a Presidência e a base aliada, como ocorre com outros
ministérios e agências (em acordo com a lógica do “presidencialismo de coalizão”
45
Para o cálculo do total da lotação efetiva foram somados os cargos ocupados pelos servidores
estatutários (próprios e requisitados), com o total de cargos de livre provimento ocupados por
servidores em vínculo (pois os demais, que possuem cargo efetivo, já estão computados no primeiro
item) e o total de terceirizados
46
Decreto nº 5.683/2006, com alterações pelo Decreto nº 7.547, de 04.08.2011
2.729 2.657
13950
9.167
48
7468
0
2.000
4.000
6.000
8.000
10.000
12.000
14.000
16.000
CGU TCU DPF MPU (Servidores
federais)
COAF AGU
40
(ABRANCHES, 1988; LIMONGI, 2007)). (Retomaremos o dado no último capítulo
desta pesquisa).
Para manter esta estrutura e realizar as atividades previstas, a CGU viu seu
orçamento crescer consideravelmente desde a sua criação, atingindo nos recentes três
anos uma média de cerca de R$ 650 milhões gastos por ano.
GRÁFICO: Gastos diretos por órgão executor por ano (Órgãos do Sistema de
Integridade do Executivo Federal)47
Fonte: Elaboração do autor a partir de dados obtidos junto à Lei de Acesso à Informação, ao Ministério
do Planejamento e à Controladoria-Geral da União
Trata-se de orçamento cerca de seis vezes menor que o da Policia Federal e do
Ministério Público – número proporcional tendo em vista o quantitativo de servidores.
Ainda assim, diante das atribuições que tem, a CGU reclama enfaticamente, ano após
ano, da falta de recursos, como se observa no “Relatório de Atividades 2011”:
As principais dificuldades encontradas para a realização dos objetivos
traçados pela CGU para o exercício de 2011 decorreram da escassez
47
Legenda: CGU, gastos diretos por órgão executor/Portal da Transparência; DPF, gastos diretos por
órgão executor/Portal da Transparência; MPU, orçamento executado/PLOA; AGU gastos diretos por
órgão executor/Portal da Transparência
0
500.000.000
1.000.000.000
1.500.000.000
2.000.000.000
2.500.000.000
3.000.000.000
3.500.000.000
4.000.000.000
4.500.000.000
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
CGU
DPF
MPUAGU
41
crônica de recursos humanos em face da perda de servidores e da reposição
insuficiente, assim como dos limites orçamentários e para despesas com
diárias e passagens impostos, fatores recorrentes em relação a exercícios
anteriores. (CGU, 2012)48
Fora a Secretaria Federal de Controle Interno (SFC), que será analisada em
detalhes abaixo, as outras três secretarias da CGU são a Corregedoria-Geral da União
(CRG), a Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção (STPC) e a
Ouvidoria-Geral da União.
A Corregedoria-Geral da União (CRG) responde pela coordenação das
atividades de correição administrativa no âmbito do Executivo Federal. Na sede, em
Brasília, dispõe de 162 servidores, fora outros nas regionais, para os quais não temos
dados. Entre suas atividades corretivas, promove especialmente as de sindicâncias.
Como mencionado, em dez anos, entre 2003 e 2012, 4.115 servidores foram expulsos
da administração através deste mecanismo. (Este e o outros dados serão analisados em
detalhes no capítulo 5).
A Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção (STPC) é
responsável por centralizar as ações de prevenção da corrupção. As atividades são
variadas. Envolvem desde a articulação com organizações internacionais, elaboração
de projetos de lei, criação e manutenção de portais de transparência até capacitação de
servidores e cidadãos para o controle social. Entre outros trabalhos, é a responsável
pela implementação da Lei de Acesso à Informação no âmbito do Executivo Federal e
pelo Portal da Transparência. Criado em 2004, disponibiliza em tempo real
informações sobre a execução orçamentária e financeira da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios. No âmbito do Executivo Federal, atualmente, há
R$ 11,4 trilhões registrados em despesas, R$ 8,2 trilhões em receitas, e R$ 298
bilhões em convênios49
50
.
48
CONTROLADORIA-GERAL DA UNIAO. “Relatório Geral de atividades 2011”, p. 13. 2012. 49
Dados do Portal da Transparência. Disponível em: http://www.portaldatransparencia.gov.br/#.
Acesso em 12 Nov. 2013. 50
As informações do Portal da Transparência são extraídas do Sistema Integrado de Administração
Financeira do Governo Federal (SIAFI), da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), sendo a
responsabilidade pelos registros no sistema não da CGU, mas das unidades gestoras. A SIAFI foi
criado em 1987 e representa, nas palavras de Olivieri, “a morte da contabilidade artesanal” no
Executivo Federal (2010, p. 92).
42
A Lei de Acesso à Informação51
representa um primeiro passo na direção da
chamada “transparência passiva” – quando o governo responde a pedidos do cidadão.
A lei regulamentou o acesso à informação pública, determinando prazos para a
resposta a pedidos do cidadão. Desde a sua vigência, o órgão ou entidade que recebe
um pedido deve respondê-lo em 20 dias (prorrogáveis por mais 10), sob pena de
responsabilidade. Se a informação solicitada existir e não for sigilosa52
, deverá ser
fornecida53
. O responsável pela resposta ao cidadão é o órgão ou entidade acionado,
de modo que, no âmbito do Executivo Federal, tem-se buscado mediá-los através das
ouvidorias, coordenadas pela Ouvidoria-Geral da União. Em um ano de vigência, a
partir de maio de 2012 até maio de 2013, recebeu 92.894 pedidos de informação
(média de 7145,7/mês).
Completa a estrutura da CGU a Ouvidoria-Geral da União, que é responsável
por receber, examinar e encaminhar denúncias, reclamações, elogios, sugestões e
pedidos de informação referentes a procedimentos e ações de agentes, órgãos e
entidades do Poder Executivo Federal. A secretaria também tem a competência de
coordenar tecnicamente o segmento de Ouvidorias do Poder Executivo Federal, bem
como de organizar e interpretar o conjunto das manifestações recebidas e produzir
indicativos quantificados do nível de satisfação dos usuários dos serviços públicos
prestados.
Importante observar que, diferentemente de outras experiências do mundo –
como, por exemplo, as de Suécia, Reino Unido e Peru –, as ouvidorias do Brasil não
dispõem de competências nem para a promoção e defesa dos direitos fundamentais,
nem para controle, investigação e persecução de irregularidades. Em verdade, nestes
51
Lei nº 12.527/11 52
Art. 23, da Lei nº 12.527/11: “São consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do
Estado e, portanto, passíveis de classificação as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito
possam: I - pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional; II -
prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que
tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais; III - pôr em
risco a vida, a segurança ou a saúde da população; IV - oferecer elevado risco à estabilidade financeira,
econômica ou monetária do País; V - prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos das
Forças Armadas; VI - prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou
tecnológico, assim como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional; VII -
pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus
familiares; ou VIII - comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização
em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações”. Disponível em:
http://www.acessoainformacao.gov.br/acessoainformacaogov/acesso-informacao-brasil/legislacao-
integra-completa.asp#10 Acesso em 07 Nov. 2013 53
Se a informação não existir ou exigir trabalho específico para a produção, o órgão ou entidade fica
isento da responsabilidade
43
países as ouvidorias caracterizam-se como órgãos de ombudsman: realizam o controle
externo da administração, em alguns casos com condições de promover ações
judiciais. No Brasil, a Constituição de 1988 reservou este papel ao Ministério Público
e, em parte, às defensorias. Assim, as ouvidorias no Brasil são entidades vinculadas à
administração pública, aproximando-se mais do papel de promoção do controle
interno, da transparência e do controle social, do que propriamente de ombudsman.
2.3 O QUE É E O QUE FAZ A SECRETARIA FEDERAL DE CONTROLE
INTERNO
A Secretaria Federal de Controle Interno representa o centro gravitacional dos
trabalhos da CGU. Como vimos, responde por cerca de 70% a 80% dos funcionários.
Seus Analistas e Técnicos de Finanças e Controle são responsáveis por preparar a
prestação de contas da Presidência da República ao Congresso Nacional e controlar a
execução de políticas públicas, comprovando a legalidade e avaliando os resultados
do ponto de vista da eficácia, eficiência e economicidade.
Qualquer gasto público do Executivo Federal pode ser objeto das auditorias da
SFC, inclusive aqueles derivados de convênio, contrato de repasse ou instrumento
congênere junto a Estados, municípios, autarquias, empresas públicas, fundações,
institutos, ONGs etc. Incidem por exemplo desde sobre as políticas públicas
promovidas pelo Governo Central, através de seus ministérios, até repasses para o
Bolsa Família, para o “Sistema S”54
, ou mesmo para bolsas de estudo, como a que
este autor recebe através do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPQ), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Para se ter uma ideia, em 2012, os recursos arrecadados pelo Executivo
Federal somaram R$ 1,029 trilhão55
. Eis o espectro do controle da SFC. Sob o
federalismo brasileiro, ganham ainda maior relevância. Isso porque quase um quinto
do arrecadado é repassado a Estados e Municípios, e a SFC é a responsável por
controlar tais gastos. Em 2012, foram R$ 198 bilhões (19% do total).
54
O “Sistema S” abarca instituições como SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio)
e o SESI (Serviço Social da Indústria). 55
Reportagem de O Estado de S. Paulo, 23 de janeiro de 2013, disponível em:
http://economia.estadao.com.br/noticias/economia+geral,receita-federal-arrecada-r-1029-trilhao-em-
2012,141649,0.htm. Acesso em: 03 Nov. 2013
44
Historicamente, o controle interno restringiu-se à verificação da legalidade e à
elaboração da prestação de contas para o controle externo (SPINELLI, 2008)56
,
realizando-se enquanto trabalho de escritório, com contadores e auditores analisando
documentos. No entanto, há cerca de 20 anos, um reordenamento do sistema, a partir
da criação da Secretaria Federal de Controle Interno, em 1994, permitiu ao Executivo
Federal iniciar um controle sistemático in loco da execução de políticas públicas,
observando a “materialidade terrestre”57
do trabalho dos ministérios e agências.
Este movimento não foi ocasional. Ocorreu em acordo com uma ampla
modificação no paradigma da gestão pública, que de “burocrática” passou a buscar ser
“gerencial”, especialmente partir dos anos 80 (BRESSER-PEREIRA, 2010), tendo
como objetivo municiar gestores com informações úteis ao aprimoramento das
gestões (OLIVIERI, 2010).
Do ponto de vista do combate à corrupção, interessa o respeito à legalidade58
.
Quer sejam auditorias de legalidade, quer sejam de “avaliação”, observam a
regularidade do uso do recurso público, identificando desvios e mal-usos. Ainda
assim, a auditoria in loco traz um diferencial: amplia o escopo do controle. Se, por
exemplo, um prefeito presta contas corretamente sobre a distribuição de remédios
prevista no repasse da União, mas na prática não entrega o serviço, só pode ser
efetivamente comprovado o dano mediante observação direta, nos postos de saúde
locais. O mesmo vale para uma empresa comprometida com a construção de uma
rodovia. Se de fato cumpriu o acordo, se a espessura do asfalto corresponde à
prometida, se há sinalização etc., só é possível comprovar mediante auditoria in loco.
A SFC classifica em três tipos as atividades de controle interno:
- Avaliação da Execução de Programas de Governo
- Avaliação da Gestão dos Administradores
- Ações Investigativas
56
Tecnicamente, na Administração Pública Federal, pode-se interpretar que o controle interno é
articulado em torno dos seguintes órgãos/atividades: Planejamento e orçamento: Ministério do
Planejamento; Administração Financeira e Contabilidade: Secretaria do Tesouro Federal; e
propriamente “controle interno” (auditorias e fiscalizações): Secretaria Federal de Controle. 57
Expressão de auditor durante entrevista a este autor. 58
Como as auditorias não visam avaliar o mérito das políticas, mas a qualidade da execução dos gastos,
fundamentam-se nos textos dos programas de governo e principalmente nos Planos Orçamentário
Plurianual (PPA) e Orçamentário Anual (POA).
45
A Avaliação da Execução de Programas de Governo refere-se às auditorias in
loco. Em conjunto com as unidades regionais, a SFC realiza em todo o território
nacional verificações sobre a execução de recursos públicos federais, permitindo o
aprimoramento das gestões.
Entre as atividades, a mais publicizada é o Programa de Sorteios. De tempos
em tempos, a CGU sorteia, por meio das loterias da Caixa Econômica Federal,
Municípios e Estados que serão objeto de auditoria. Os recursos monitorados,
naturalmente, restringem-se àqueles provenientes do Executivo Federal – mas, como
vimos, trata-se de montante considerável. A fiscalização ocorre no período de uma
semana, focando em geral os recursos da área social. Criado em 2003, já auditou
1.965 cidades (35% dos municípios brasileiros), fiscalizando recursos totais da ordem
de R$ 18,4 bilhões59
.
Fatalmente, irregularidades são encontradas. Embora não tenhamos nos
debruçado sobre todos os quase 2 mil relatórios nos dez anos analisados, é
sintomático observar que em quase todos há problemas. Um exemplo recente refere-
se ao Programa Bolsa Família60
. Em 2013, a 36ª edição dos Sorteios apontou ao
menos 2,8 mil irregularidades no execução da política. Todos os 24 municípios
fiscalizados apresentaram pelo menos uma irregularidade, sendo o principal problema
a entrega do benefício a pessoas com renda superior à estabelecida61
. (No capítulo
seguinte, veremos quais desdobramentos podem ser adotados para a devida
responsabilização).
O segundo tipo de atividades do controle interno é a Avaliação da Gestão dos
Administradores, que aproxima-se do modelo clássico de auditorias, ocorrendo na
maior parte em através de análise de documentos, em escritório. Subdividem-se em
sete tipos:
- Auditorias Anuais de Contas
- Auditorias de Acompanhamento da Gestão
59
Fonte: CGU. 60
O Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em situação
de pobreza (renda familiar per capita de R$ 70,01 a R$ 140,00) e de extrema pobreza (renda familiar
per capita de até R$ 70,00). Em 2012, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome (MDS), a transferência direta de renda alcançou 13,9 milhões de famílias 61
Contas Abertas. CGU aponta irregularidades no Bolsa Família de 24 municípios fiscalizados. Jan.
2013. Disponível em: http://www.contasabertas.com.br/website/arquivos/883. Acesso em: Abr. 2014.
46
- Auditorias nos Contratos e Financiamentos Externos e nos Projetos de
Cooperação Técnica Internacional
- Tomadas de Contas Especiais
- Monitoramento dos Gastos de Pessoal
- Prestação de Contas do Presidente da República
- Relatório de Gestão Fiscal
As Auditorias Anuais de contas voltam-se em especial à instrução do processo
de prestação de contas dos ministérios que subsidiará o julgamento pelo Tribunal de
Contas da União. As Auditorias de Acompanhamento da Gestão objetivam manter um
acompanhamento contínuo e sistemático dos atos de gestão. Nas Auditorias nos
Contratos e Financiamentos Externos e nos Projetos de Cooperação Técnica
Internacional, a CGU realiza auditorias de avaliação de desempenho e conformidade
dos contratos de empréstimo e doação firmados com organismos internacionais de
financiamento, bem como de projetos de cooperação técnica internacional executados
por órgãos e entidades da administração pública federal em parceria com organismos
internacionais cooperantes.
Já as Tomadas de Contas Especiais são instrumento para obtenção de
ressarcimento frente eventuais prejuízos causados a partir de irregularidades e serão
analisadas no capítulo 5, quando nos debruçaremos sobre os trabalhos de
responsabilização da corrupção promovidos pela CGU.
O Monitoramento dos Gastos de Pessoal visa verificar a legalidade dos
pagamentos dos servidores públicos federais no âmbito do Poder Executivo. Como
destaca a CGU, “a despesa com pessoal representa o segundo maior dispêndio da
União, perdendo apenas para a Previdência Social, o que requer da CGU atenção
especial para a correta aplicação dos recursos públicos nesta área”62
.
Já a Prestação de Contas do Presidente da República é o documento que
apresenta o desempenho do Poder Executivo Federal ao Congresso Nacional, que,
após avaliação prévia do Tribunal de Contas da União, pode ser aprovado, rejeitado
ou aprovado com ressalvas pelos parlamentares federais.
62
Trecho reproduzido do portal da CGU. Disponível em: http://www.cgu.gov.br/. Acesso em 07. Fev.
2014
47
Por último, o Relatório de Gestão Fiscal, consolidado a cada quatro meses,
contém informações relativas à despesa total com pessoal, dívida consolidada,
concessão de garantias e operações de crédito63
.
O último tipo de auditorias, as Ações Investigativas, consistem em trabalhos
focados diretamente no efetivo combate à corrupção, e envolvem cooperação com
outros órgãos, tais como Polícia Federal, Ministério Público, Tribunal de Contas da
União, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), entre outros. São três
os tipos de Ações Investigativas:
- Auditorias Especiais
- Operações Especiais
- Demandas Externas
As Auditorias Especiais são realizadas, em geral, nos órgãos públicos federais.
“Os trabalhos têm origem nas solicitações de autoridades dentro do próprio governo
ou de decisão da própria CGU, tendo em conta as denúncias veiculadas na imprensa
ou a avaliação de risco desenvolvida pelo órgão central de Controle Interno do Poder
Executivo Federal”64
.
As operações especiais, por sua vez, são ações específicas em conjunto com o
Departamento da Polícia Federal (DPF/MJ) e o Ministério Público. Serão tratadas no
capítulo 5, junto com as Demandas Externas.
As Demandas Externas, por sua vez, representam as auditorias realizadas a
partir de pedidos ou denúncias encaminhadas à CGU. Por lei, é responsabilidade do
Controle Interno do Poder Executivo Federal dar o devido tratamento às
representações ou denúncias relativas à lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio
público recebidas65
. Atendem tanto a requisições de autoridades responsáveis por
órgãos da Administração Pública, como representantes de entidades e cidadãos. O
63
A Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, que estabelece normas de finanças públicas
voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, exige, em seu art. 54, a emissão, ao final de cada
quadrimestre, pelos titulares dos Poderes e órgãos referidos no art. 20, do Relatório de Gestão Fiscal
assinado pelo respectivo Chefe e pelas autoridades responsáveis pela administração financeira e pelo
controle interno, bem como por outras autoridades que vierem a ser definidas por ato próprio de cada
Poder ou órgão 64
Trecho reproduzido do portal da CGU. Disponível em: http://www.cgu.gov.br/. Acesso em 07. Fev.
2014 65
Lei n.º 10.683/2003
48
produto destes trabalhos, o relatório das auditorias, são enviados ao Tribunal de
Contas da União e, ainda, se for o caso, à Polícia Federal e ao Ministério Público.
No gráfico abaixo, vemos a distribuição dos tipos de auditorias realizadas pela
CGU nos dez anos estudados.
GRÁFICO: Tipos de auditorias realizadas pela SFC, medidas por ordens de
serviço
Fonte: CGU
Primeiramente, antes de analisarmos os dados, uma ressalva deve ser feita.
Entrevistas junto a servidores do órgão apontam que a forma de mensuração das
auditorias, através de “ordens de serviço”, se alterou ao longo dos anos. De acordo
com os relatos, nos primeiros anos, a CGU emitia uma ordem de serviço para cada
ação específica. Nos anos seguintes, tais ordens teriam passado a condensar uma
0
2000
4000
6000
8000
10000
12000
14000
16000
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Ações Investigativas
Avaliação da Execução de programas de governo
Avaliação da Gestão dos Administradores
Auditorias nos Contratos e Financiamentos Externos
Programa de Sorteios em municípios
49
quantidade maior de atividades, reduzindo o valor total mensurado. Essa mudança na
unidade de media parece causar distorções em alguns dados que analisaremos ao
longo desta dissertação. Infelizmente, não conseguimos precisar quando esta mudança
começou a ocorrer e nem exatamente quanto distorce os dados obtidos.
No gráfico, observa-se que a maioria das atividades correspondem a auditorias
in loco. Se somarmos o total das auditorias de “Avaliação da Execução de Programas
de Governo” e “Programa de Sorteios em Municípios”, teremos 81.491 auditorias
dentre um total de 119.152, ou pouco mais de 2/3. Por outro lado, vemos que nos
recentes anos essa porcentagem cai. Em 2012, de um total de 9.275 auditorias, cerca
de metade (4.619) correspondem às auditorias in loco, de modo que, a despeito da
queda, seguem representando parte considerável dos trabalhos. (Ainda assim, é
importante salientar que, entre as Ações Investigativas, também ocorrem fiscalizações
in loco, mas não temos os dados discriminados).
Interessante notar também que não há grandes variações ao longo dos dez
anos observados, à exceção dos dois tipos de auditorias in loco. Vemos que as
auditorias em programas do governo praticamente não existiam (fora no ano de 2003,
que parece um ponto fora da curva). Seu crescimento começa a ocorrer mais
aceleradamente entre 2006 e 2007, em movimento inverso ao das auditorias do
Programa de Sorteios (gráfico abaixo), que são reduzidas.
Gráfico: Número de municípios auditados pela SFC no Programa de Sorteios
Fonte: CGU
281
400
300
180 180
120
180 180
120
84
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
50
Aparentemente, o governo passou a focar mais o controle sobre a própria
gestão em detrimento dos municípios e Estados. “Primeiro, tivemos uma entrada
maior do acompanhamento de programas de governo, com outra técnica, de
roteirização. [...] Fizemos outros tipos de fiscalizações, ordinárias, ou até por
demandas. E por questões operacionais. Como já estávamos operando em outras
frentes, a gente diminuiu o número de municípios fiscalizados”66
.
Neste cenário, a área mais segura parece ser a de pessoal. “Hoje é muito difícil
ter um pagamento com inconsistência. Fizemos um trabalho conjunto com o
Ministério de Planejamento”67
. Entre as menos cobertas, avalia-se que há “um
problema com as compras governamentais. Não existe hoje no executivo um sistema
de preço. Funciona por itens, não por atacado. [...] É lógico que tem gordura. Se as
compras fossem centralizadas, seria mais fácil. Mas cada órgão faz suas compras. É
impossível cobrir tudo isso”68
.
Tendo em vista este cenário, avaliaremos nos capítulos seguintes como este
sistema de controle interno pôde ser utilizado para o combate à corrupção.
66
Relato da Secretária de Controle Interno-adjunta, Marlene Alves Albuqerque, em 2013. 67
Idem. 68
Idem.
51
3 A INSTRUMENTALIZAÇÃO DO CONTROLE INTERNO PARA O
COMBATE À CORRUPÇÃO
3.1 PARADOXOS DO CONTROLE INTERNO
Em apenas dez anos, a CGU se tornou reconhecida pelo seu papel no combate
à corrupção. Um certo ethos relacionado ao tema parece caracterizar a imagem desta
agência. O órgão tornou-se fonte obrigatória de jornalistas de política em busca de
casos de corrupção, seu ministro-chefe é praticamente um porta-voz nacional e
internacionalmente do tema, fora outros fatos já relatados, como a formalização de
acordos junto a órgãos internacionais e a participação direta na elaboração e
implementação das leis da Transparência e de Acesso à Informação. Mas é
sintomático observar que sua gênese remete a um paradigma mais amplo, de
democratização do Estado. Assim, a estruturação do novo sistema de controle interno,
que hoje a CGU coordena e que correspondem à maior parte dos trabalhos, objetivava
o aprofundamento da accountability governamental, através do incremento de seu
aspecto gerencial, e não o combate à corrupção.
Durante a década de 1990, observa-se o início da transição “de um lado, do
Estado do regime autoritário para o democrático, e, de outro, do aparelho do Estado
de uma administração pública burocrática para uma administração pública gerencial”
(BRESSER-PEREIRA, 2010, p. 8). Neste movimento, o controle interno passou a
cumprir funções de accountability entre a burocracia e os gestores e também entre os
gestores e a chefia do Executivo Federal, controlando não apenas a regularidade no
uso dos recursos públicos, mas também a performance dos gestores na execução de
políticas públicas.
Neste sentido, quando Wood e Waterman (1991), citados por Olivieri (2006),
relacionam accountability a tais trabalhos, a accountability observada não é aquela
accountability horizontal de O‟Donnell (que debatemos no capítulo 1), mas a que
recai na relação entre políticos e burocratas e, mais especificamente, na possibilidade
de comando e controle por parte dos políticos eleitos sobre a máquina pública,
permitindo que as promessas de campanha transformem-se em políticas públicas.
52
Certamente, uma das muitas virtudes deste novo paradigma é reconhecer que,
desde Max Weber, a burocracia configurara-se como “um dos grupos de poder mais
estratégicos do mundo contemporâneo” (LOUREIRO; ABRÚCIO; PACHECO, 2010,
P. 13). No caso brasileiro, onde a Administração Pública Federal direta e indireta
conta com cerca de um milhão de servidores ativos no Executivo Federal69
, como
pode o titular da Presidência da República mover a máquina em vista dos anseios do
eleitor? Se, neste caso, a Presidência não tem mecanismos para implementar as
políticas prometidas, então a burocracia o fará, isolada, “insulada” (NUNES. 1999),
sem responder e responsabilizar-se perante o cidadão. Ou seja, sem accountability.
Nesse sentido, a democratização do Estado e o aprofundamento da accountability
passam necessariamente pelo aprofundamento do controle da performance das
gestões.
Não vamos nos aprofundar no histórico do controle interno neste trabalho
(dado que não é o tema a que nos propomos), mas alguns processos relacionados são
importantes para a devida compreensão do objeto que estudamos. A literatura
evidencia que o reordenamento do controle interno do Executivo Federal respondeu
ao interesse do aprimoramento das gestões (BALBE, 2008; OLIVIERI, 2010). Houve
um movimento de centralização organizacional e descentralização geográfica dos
trabalhos com o objetivo principal de viabilizar o controle in loco, da “verdade
terrestre”, da “materialidade dos fatos”70
, relacionados à execução de políticas
públicas (BALBE, 2008). Este processo se deu em oposição ao modelo anterior, das
Cisets, onde o sistema se caracterizava pelos trabalhos de escritório, focados na
regularidade das contas, e por ser centralizado geograficamente e descentralizado
organizacionalmente.
Ao longo da década de 1990, um importante debate ocorreu entre os auditores
das ainda existentes Cisets e da SFC. De um lado, havia defensores da “auditoria”, e
de outro, da “fiscalização” (termos que atualmente não carregam diferenças). O
argumento daqueles que defendiam o modelo antigo, mais focado na verificação da
legalidade, era de que o controle poderia se desvirtuar e perder qualidade com as
novas tarefas. A outra parte, defendia “a visão de que o importante, com a
69
MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO. Tabela 2.28 do “Boletim
Estatístico de pessoal”, Dezembro de 2012. Disponível em:
http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/servidor/publicacoes/boletim_estatistico_
pessoal/2012/Bol200_Dez2012.pdf
70
Expressões de servidores entrevistados
53
democratização, era se conhecer os 8 milhões de metros quadrados [do Brasil]. Com o
processo de descentralização das políticas, de municipalização, o SUS estava
nascendo... era a visão de que o controle não deveria ser meramente formal,
meramente contábil”71
.
O produto deste debate foi a extinção das Cisets em 2000 e o fortalecimento
do controle in loco, voltado ao aprimoramento das gestões. Entre as conseqüências
deste movimento, vemos que o número de ações de controle se multiplicou72
e o papel
de assessoramento ao controle externo teve importância reduzida. Sob Estados
Republicanos, o Poder legislativo é a primeira e talvez a mais importante instituição
de controle do Poder Executivo. Além de sua participação na elaboração das políticas
públicas, dispõe de alguns mecanismos de verificação da legalidade dos atos da
administração, como as Comissões Parlamentares de Inquérito e o poder de aprovar
ou não as contas presidenciais. Pois “apoiar o controle externo no exercício de sua
missão institucional” é tarefa constitucional do controle interno do Executivo. O que
observa-se, no entanto, com a expansão das tarefas do controle interno para além do
controle de legalidade é, ao mesmo tempo, a manutenção deste assessoramento e, pela
primeira vez, o subsídio sistemático ao aprimoramento das gestões. “Com o
nascimento da Secretaria Federal de Controle, com a prevalência da atividade de
Avaliação de Programas, a atividade de apoio ao controle externo, que até então
ocupava talvez 90% da nossa atividade, deixou de ser a atividade prevalente”73
.
Assim, com a SFC, o controle interno passou a atender tanto a demandas do Poder
Legislativo como do Poder Executivo.
Como observa Olivieri (2010), ainda que simbolicamente, a Constituição
Federal já havia sugerido a mudança de enfoques ao trazer para o primeiro inciso do
artigo constitucional que trata do controle interno a avaliação da execução de
programas de governo, ao reforçar o enfoque na avaliação dos resultados
(mencionando o enfoque na “eficácia e eficiência”) e ao relegar o assessoramento ao
controle externo do 1o para o 4
o inciso:
71
Relato de auditor da SFC a este autor em 2013. 72
De acordo com Olivieri, “o volume total de ações de controle aumentou quase quatro vezes entre
1995 e 2000, passando de 5.199 ações de controle para 19.008 (SFC, 2000, p. C-284). Paralelamente
ao aumento quantitativo das ações de controle, ocorreu o aumento da quantidade de programas e do
volume de recursos fiscalizados. Entre 1995 e 2000 a quantidade de projetos e atividades fiscalizados
mais que dobrou (passando de 73 para 200 projetos), e o volume de recursos auditados mais que
decuplicou (passando de 11 para 118 bilhões de reais)” (OLIVIERI, 2010, p. 9). 73
Entrevista de Ronald Balbe, Diretor de Planejamento da SFC, a este autor, em Novembro de 2013.
54
Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de
forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:
I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a
execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;
II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e
eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e
entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos
públicos por entidades de direito privado;
III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem
como dos direitos e haveres da União;
IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.
A título de comparação, na Constituição de 1967, o assessoramento ao
controle externo figurava em primeiro lugar, da seguinte forma:
Art 72 - O Poder Executivo manterá sistema de controle interno, visando a:
I - criar condições indispensáveis para eficácia do controle externo e
para assegurar regularidade à realização da receita e da despesa;
II - acompanhar a execução de programas de trabalho e do orçamento;
III - avaliar os resultados alcançados pelos administradores e verificar
a execução dos contratos.
Além deste, um outro importante debate de paradigmas se estabeleceu no
interior do órgão em 2002. Nesta data, como já exposto, a SFC foi transferida para o
interior da Corregedoria-Geral da União74
. Aparentemente, sob o calor de acusações
de corrupção, o governo FHC simplesmente submeteu um órgão que hoje tem cerca
de 2.000 servidores a um com cerca de 200, e os trabalhos de controle interno
passaram a conter a rubrica da “Corregedoria”.
À época, esta manobra não foi bem aceita por parte dos auditores. “A visão
daquele órgão era de que tinha o perfil punitivo, diferente do controle até então”75
.
Entendiam que, quando um auditor aproxima-se de qualquer instituição já com a
intenção de encontrar irregularidades e indicar procedimentos punitivos, não é bem
recebido. A tendência é que o órgão fiscalizado dificulte o acesso aos documentos e
74
Decreto n° 4.177 75
Relato de Ronald Balbe, Diretor de Planejamento da SFC (2013), e auditor da SFC desde 1996.
55
setores, e que esta reação, além de atrapalhar os trabalhos de auditoria, inviabilizaria o
objetivo de contribuir com o aprimoramento das gestões.
Talvez se tratasse apenas de um problema de interpretação. “No preto branco,
essa dicotomia não é completamente verdadeira”76
. Afinal, quando um auditor da SFC
realiza seu trabalho, necessariamente observa tanto a eficácia e eficiência da execução
das políticas públicas como possíveis irregularidades. Em termos técnicos, não
necessariamente há um “trade-off” entre combate à corrupção e aprimoramento da
gestão durante os trabalhos dos auditores.
Apesar disso, o ex-Secretário de Prevenção da Corrupção da CGU, Mário
Spinelli, observa que, a despeito de os trabalhos poderem se referir aos dois objetivos,
a responsabilidade do auditor em discernir um caso do outro é fundamental:
PERGUNTA: Há um trade-off entre o aprimoramento da gestão e o
combate à corrupção [nos trabalhos de controle interno]?
Mário Spinelli: Não. Acho que o grande desafio de um órgão de controle é
saber separar o bom gestor – que eventualmente pode cometer falhas
menores, pontuais – do gestor que de fato se beneficia da corrupção. Essa
distinção é essencial [...] Ter uma postura incisiva frente o gestor que se
beneficia indevidamente dos recursos públicos daquele outro que tem boas
intenções e que precisa de um apoio. Ou seja, de um órgão que tem uma
atuação transversal que pode checar todo e qualquer ato de gestão.
PERGUNTA: Então cumpre um papel importante o discernimento do
auditor...
Mário Spinelli: Acho que tem que ter as duas formas de ação. Tem
momentos em que tem que ter de fato o que a gente chama de “auditor
farejador” [...], e tem momentos em que você tem que ter o auditor que é
uma pessoa mais moderada, mas sempre tendo a percepção de que se
detectar um caso de corrupção, ele tem que aprofundar. Acho que dá para
fazer muito bem as duas coisas. Um auditor com certa experiência, com
“felling”, já percebe se há má-fé. [...]
Por outro lado, um simples problema de interpretação talvez pudesse ensejar
um vício cultural no interior do Estado, de modo que órgãos fiscalizados rejeitassem
76
Idem.
56
sistematicamente o trabalho da SFC. Para o primeiro Controlador-Geral da União,
esta confusão não era saudável. Não por outro motivo, na troca de gestões
Presidenciais em 2003, a SFC deixou de fazer parte da Corregedoria para fazer parte
da recém-criada Controladoria-Geral da União, e Pires assim se expressou em seu
discurso de posse:
Não gostava do titulo Corregedoria [...]. Penso, quem sabe?!, poderemos,
um pouco mais adiante, conseguir no Legislativo uma nomenclatura mais
explicitamente democrática, que encerre, nela mesma, a mensagem
valorosa da cidadania, da dignidade da condição humana, que é a essência
do Estado Democrático de Direito. Nesse caso, então, chegaríamos à idéia
do chefe da Controladoria chamar-se Ministro de Estado do Controle e da
Transparência. (trecho do Discurso de posse de Waldir Pires, reproduzido
de livro de Olivieri (2010, p. 169)).
No capítulo anterior, vimos que ao longo dos últimos dez anos houve o
crescimento do controle in loco sobre os programas de governo (“Avaliação da
Execução de Programadas de Governo”) em detrimento do controle sobre municípios
(“Programa de Sorteios”). Isso sugere (mas certamente não confirma) que nos últimos
dez anos a SFC passou a focar mais o aprimoramento da gestão do que o combate à
corrupção. Esse também é o discurso oficial do órgão. Ainda assim, uma
compreensão maior sobre a existência ou não de algum trade-off requereria um
trabalho mais aprofundado.
De qualquer forma, a aproximação entre a Corregedoria-Geral e a SFC traria
importantes consequências para o combate à corrupção. Ao mesmo tempo em que os
trabalhos da SFC contribuiriam objetivamente em muitas melhorias nas gestões, como
mostra em muitos exemplos Olivieri (2010), as irregularidades flagradas também
passariam a ensejar a instauração de procedimentos sancionadores e a contribuir com
investigações da Polícia Federal e do Ministério Público. Pois este expertise
instrumentalizado para o combate à corrupção seria a “moeda” da CGU ara tornar-se
um importante ator na dinâmica de accountability horizontal do Estado.
Neste momento, é importante fazer a seguinte distinção: o nosso tema, ainda
que volte sua atenção às mesmas atividades, não é o do aprimoramento da gestão.
Tratamos da integridade do Estado, ou seja, não de uma questão de governos e
preferências políticas, mas da qualidade da república brasileira. Tratamos de
57
accountability horizontal. Mas eis o fato: não é coincidência que atualmente o
controle interno esteja desempenhando importante papel nas duas pontas. O
aprofundamento do controle interno nos moldes apresentados pode servir às duas
causas:
Combate à corrupção e controle interno são duas atividades diferentes, mas
que podem confluir na medida em sejam realizadas por um mesmo órgão,
ou que a auditoria verifique irregularidades que possam ser enquadradas
como ilícitos, ou seja, como atos de corrupção. No Brasil, a mesma
instituição, a CGU, realiza o controle interno e tem atribuições de combate
à corrupção. (OLIVIERI, 2011, p. 104)
3.2 A INSTRUMENTALIZAÇÃO DO CONTROLE INTERNO PARA O
COMBATE À CORRUPÇÃO
O que chamamos neste trabalho de instrumentalização do controle interno
para o combate à corrupção não é nada mais do que a utilização sistemática de
informações produzidas por auditorias do controle interno a respeito de
irregularidades flagradas para a instauração de processos sancionadores. Este
movimento se desenvolveu através de dois processos. O primeiro, dentro da própria
CGU, através da coordenação das quatro secretarias do órgão em torno dos trabalhos
de correição administrativa. O segundo, através da articulação da CGU com outros
órgãos do Sistema de Integridade brasileiro.
Em primeiro lugar, vemos que a Secretaria Federal de Controle Interno e a
Corregedoria-Geral da União estabeleceram padrões sistemáticos de trabalho. Com a
criação da CGU, os relatórios de auditorias passaram a buscar relacionar as
irregularidades flagradas às leis correlatas e aos autores, facilitando a produção de
conjuntos probatórios convincentes para a efetiva condução de processos
administrativos sancionadores. O ministro da CGU, Jorge Hage, nos descreveu o
processo:
O primeiro grande esforço nosso foi integrar essas duas áreas. Fazer com
que a produção da SFC, que basicamente são relatórios de auditorias e
fiscalizações, contendo constatações de irregularidades, fraudes, [fosse]
encaminhado para a Corregedoria, para que a partir dali ela instaurasse
58
sindicâncias e processos disciplinares [...] e punisse os responsáveis por
esses ilícitos.
Os dois procedimentos administrativos mais eficazes para o combate à
corrupção disponíveis no Direito Administrativo Brasileiro são os Processos
Administrativo-Disciplinares (PADs) e as Tomadas de Contas Especiais (TCEs). Os
primeiros indicam sanções disciplinares sobre servidores públicos envoltos em
irregularidades, podendo resultar até em expulsão com perda de aposentadoria. Os
segundos indicam sanções sobre irregularidades em contas, podendo resultar até em
pedidos de ressarcimento, multas ou declaração de inidoneidade. Ambos serão
abordados em detalhes no capítulo seguinte.
Como já relatado, o número de expulsões aplicadas a partir de PADs quase
dobrou entre 2003 e 2012, subindo de 272 em 2003 para 528 em 201277
. No caso das
TCEs, vemos crescimento ainda maior. A soma dos montantes relacionados aos
processos era de R$ 404 milhões em 2003 e passou para R$ 1,45 bilhão em 2012.
Além disso, entre 2005 e 2012, 684 pessoas passaram a ser consideradas inabilitadas
para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança, e 466 empresas foram
declaradas inidôneas para licitar com a Administração Pública Federal78
.
Antes de recomendar a instauração dos procedimentos, a CGU afirma
privilegiar o saneamento do problema junto aos gestores. Assim, antes de serem
publicados os relatórios, os gestores são notificados sobre as irregularidades, de modo
que haja a real possibilidade de ajustes antes da publicação e que a justificativa possa
constar no documento. Nossa análise sobre os relatórios confirma que esta prática é
padrão. Não observamos um caso em que não figure ou a justificativa do gestor, ou já
o saneamento adotado ou, eventualmente, simplesmente a recusa em responder.
Em alguns casos, verificam-se apenas irregularidades formais, de modo que o
saneamento do problema antes mesmo da publicação do relatório pode evitar
constrangimentos maiores, contribuindo para a eficiência do Estado. Em outros,
irregularidades concretas são observadas, mas o dano observado é irrisório, de modo
77
Entende-se “pena capital” como “demissão”, “destituição” e cassação de aposentadoria” 78
O banco de dados de empresas declaradas inidôneas e de pessoas consideradas inabilitadas para o
exercício de cargo em comissão ou função de confiança está disponível no Portal da Transparência
(alimentado pela CGU) - http://www.portaldatransparencia.gov.br/ceis/Consulta.seam, e no portal do
TCU - http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/responsabilizacao/inidoneos.
Acesso em: 03 Nov. 2013
59
que a instauração de procedimentos sancionadores poderia ser até antieconômica.
(Estima-se que a condução de um processo administrativo-disciplinar custe até R$
150 mil, devido ao deslocamento de ao menos três servidores para as funções de
comissão sindicante durante meses, fora os custos operacionais – abordaremos o caso
no capítulo 479
). Nestes casos, privilegia-se a sanção do problema junto à
administração, cientes de que o poder coercitivo pode servir inclusive como moeda de
negociação para que ajustes sejam realizados:
Antes da (criação da) Corregedoria, o Controle Interno recomendava e
ficava por isso mesmo. O gestor poderia dizer: “Não vou implementar”.
Como falei, nós não temos força para apenar. A criação da Corregedoria
veio dar conseqüências às ações de controle80
.
Ou seja, dependendo de como o mecanismo é operado, não apenas o controle
interno pode subsidiar o combate à corrupção, como o risco de punição pode forçar
ajustes na gestão pública, dando “dentes” às ações de controle e contribuindo com o
aprimoramento das gestões.
No entanto, quando a CGU desconfia que há conluio ou má-fé, pode
aprofundar a auditoria, cruzando outros dados. Se confirma a hipótese de corrupção,
requisita então a instauração de procedimentos administrativos e/ou convoca outros
órgãos do Sistema de Integridade para que instaurem inquéritos (Polícia Federal) e
realizem a persecução judicial dos casos (Ministério Público).
Sabemos que a CGU não tem poder para apreender documentos e
computadores, realizar prisões preventivas, pedir quebras de sigilos bancários, fiscais
ou telefônicos, inquirir testemunhas etc. Por isso, a interpretação sobre se determinada
irregularidade caracteriza-se como corrupção, e que portanto requer a instauração de
procedimentos sancionadores, envolve a observância de alguns indícios. Por
exemplo, se as mesmas irregularidades são regra da empresa que realizou as obras, eis
um indício. Se a empresa tem vínculos com familiares do administrador, eis outro
indício. Se o montante envolvido é muito alto, também desconfia-se.
Para a instauração de procedimentos administrativos, a partir do recebimento
dos relatórios, cabe a cada ministério tomar as medidas corretivas em sua área. Mas
79
Estimativa informal realizada por auditor da Corregedoria-Geral da União. 80
Relato de Marlene Alves de Albuquerque, Secretária Federal de Controle Interno – Adjunta, dada a
este autor em Marco de 2013.
60
não fica totalmente a critério do gestor a decisão. A revelação da irregularidade e sua
notificação praticamente forçam a instauração dos procedimentos, sob pena de
responsabilidade solidária. Portanto, quando a CGU notifica o gestor, praticamente
instaura o procedimento.
Além disso, na ausência de reação, a Controladoria tem competência para
instaurar ela mesma os procedimentos. No caso dos PADs, foram 410 casos em dez
anos. Entre eles, por exemplo, um envolvendo a ex-chefe do Gabinete Regional da
Presidência da República em São Paulo, Rosemary Nóvoa de Noronha, que estava
envolvida em irregularidades investigadas pela Operação Porto Seguro, da Polícia
Federal. À época, afirmou-se que era “amiga íntima” do então ex-presidente Lula81
.
Como ocupava cargo de livre nomeação, foi exonerada à época. Mas com o PAD sua
exoneração foi convertida em destituição de cargo público, pena que equivale à
demissão para servidores sem vínculo com o serviço público82
.
No caso das TCEs, como veremos no capítulo seguinte, as auditorias da SFC
são as principais responsáveis pela descoberta de irregularidades e pela posterior
instauração do procedimento. Além disso, pelo menos desde 2007 a CGU deve, por
lei83
, manifestar-se sobre a adequada apuração dos fatos antes da certificação ao
Tribunal de Contas da União, de modo que todos os processos desde então passaram
por ela. No período, a CGU analisou cerca de 9 mil processos.
As denúncias provenientes de cidadãos também passaram a ser processadas
através de um padrão sistemático. Uma vez recebidas pelas Ouvidorias da
Administração Pública Federal (ou, eventualmente, pelos canais de comunicação de
outras secretarias da CGU), são repassadas à Ouvidoria-Geral e avaliadas. Se há
mínima materialidade, repassa à SFC, que estuda sua consistência, de modo a
descartá-la ou somá-la à agenda de auditorias. Se é de natureza grave, dá prioridade.
Em dez anos, 3.347 auditorias foram realizadas a partir de denúncias do cidadão.
De acordo com a Secretária Federal de Controle Interno – Adjunta, tal
sistemática é produto dos trabalhos da CGU:
81
Folha de S. Paulo. Relação com Lula explica influência de ex-assessora. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/81121-relacao-com-lula-explica-influencia-de-ex-
assessora.shtml. Acesso em: Abr. 2014. 82
CGU. CGU aplica pena de destituição de cargo público a Rosemary Noronha. Disponível em:
http://www.cgu.gov.br/Imprensa/Noticias/2013/noticia11213.asp. Acesso em: Abr. 2014. 83
Instrução Normativa TCU 56/2007
61
A questão de denúncias sempre existiu. Lógico que sem esse canal com o
cidadão. Não existia essa sistemática [...] Com a criação da CGU, quando
se estruturou da forma como é hoje, com a Ouvidoria-Geral, com a
Secretaria de Prevenção da Corrupção [...], essa relação ficou mais forte.
Finalmente, vemos que a CGU também aprofundou a cooperação junto a
outros órgãos, como Ministério Público e Policia Federal. Em dez anos, 4.526
auditorias foram realizadas a partir de demandas destes dois órgãos. Além disso, a
própria CGU, quando identifica irregularidades graves, as repassa para os órgãos
competentes para a devida investigação e persecução, muitas vezes cooperando em
operações especiais. Em dez anos, a CGU participou de 122 operações desta natureza.
De acordo com Hage,
[A articulação com outras instituições de defesa do Estado] foi uma das
diretrizes definidas por nós desde que chegamos. Articulação
interinstitucional. Isso está em todos os nossos planos de ação anuais. Ou
seja, partindo do entendimento de que nenhum instituição sozinha pode dar
conta do enfrentamento deste problema, de corrupção [...] Do mesmo
modo que o crime organizado, a bandidagem organizada, a fraude é
organizada, o conluio é uma combinação entre os fraudadores. Os órgãos
de defesa do Estado tem que se organizar também. Isso foi uma diretriz
explícita. E aí passamos a celebrar convenio com a Policia Federal e com
os Ministérios Públicos desde 2003, 2004.
Cada um desses processos será analisado em mais detalhes nos dois capítulos
seguintes. Acreditamos que devem reforçar o argumento da instrumentalização do
controle interno para o combate à corrupção 1) o crescimento de sanções
administrativas e os trabalhos realizados pela CGU em torno destes resultados
(capítulo 4); 2) o crescimento da participação do controle interno em trabalhos de
outros órgãos do Sistema de Integridade (capítulo 5); e 3) a deliberada vontade
política dos gestores em aprofundar esta instrumentalização (capítulo 6).
62
4 RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DA CORRUPÇÃO
Desde a Redemocratização, como apontado na introdução, importantes
avanços têm sido atingidos no Brasil no que tange às atividades de “accountability
horizontal”, de modo que pode-se afirmar que o Sistema de Integridade que o Brasil
tem hoje é melhor do o que tinha logo após a promulgação da Carta de 1988. Por
outro lado, uma das pontas falhas do combate à corrupção reside na baixa
responsabilização dos casos. Não por outro motivo, o diagnóstico apresentado pela
literatura é paradoxal: “O Controle no Brasil democrático aumentou; a sanção
permanece baixa; e a corrupção se reproduz e pauta negativamente a opinião pública”
(FILGUEIRAS, 2011, p. 150).
Entre os motivos para este estado de coisas figura a baixa celeridade do Poder
Judiciário, que prevê inúmeros recursos e protelações – embora concorram também
questões pertinentes aos Códigos de Processo, à baixa transparência e a suspeitas de
altos índices de corrupção entre os magistrados. O problema é crônico e afeta não
apenas o combate à corrupção mas também o fundamento primeiro do Estado de
Direito: o primado da lei. Infelizmente, este contexto tende a favorecer ricos que
podem pagar por bons advogados, e prejudicar os pobres, que dependem dos serviços
públicos para se defenderem – reforçando o estigma onde a Justiça reprime mais
aqueles que já estão em condições desfavorecidas.
De acordo com o Balanço Anual do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
havia “quase 90 milhões” de processos correndo na Justiça brasileira em 2012 (CNJ,
2012, P. 33). Quase um para cada dois cidadãos. Durante o ano de 2012, 28 milhões
de processos foram iniciados, enquanto 26 milhões foram baixados, sendo proferidas
23,7 milhões de sentenças e decisões84
. Ou seja, a Justiça brasileira está cada vez mais
congestionada. Em relação a 2010, o total de casos novos cresceu 8,8%85
.
Por isso, aprimorar a celeridade do Judiciário é tarefa secular e incontornável
da Democracia Brasileira, necessária inclusive para o combate à corrupção. Ainda
assim, complementar a esta demanda, o contexto reforça a importância também do
84
CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Relatório Anual CNJ 2012. Disponível em:
http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/relatorio2012.pdf. Acesso em: 03 Nov. 2013
85
IDEM.
63
aprimoramento de outros procedimentos às vezes esquecidos que podem contribuir
com a responsabilização da corrupção. Entre eles, as responsabilizações por vias
administrativas.
De imediato, vale sublinhar: sob a perspectiva do Direito, responsabilizações
administrativas, cíveis e penais são coisas diferentes. Em seu “Manual de Processo
Administrativo Disciplinar”, a CGU indica as diferenças:
Falta do cumprimento dos deveres no exercício da função pública ou em
razão de transgressão de deveres ou proibições dão margem à
responsabilidade administrativa; danos patrimoniais causados à
Administração Pública ou a terceiros ensejam a responsabilidade civil; e a
prática de crimes funcionais e contravenções, a responsabilização penal.
(CGU, 2013, p. 21)
Para que as responsabilizações administrativas representem efetivo impacto
para o tema aqui tratado é necessário que prevejam sanções minimamente impactantes
e que sejam justas. Justas porque o desejo de punir corruptos não deve operar sem
freios, respeitando diretos individuais. E impactantes porque a pena deve tornar alto o
custo da corrupção perante os benefícios do risco.
Entre os procedimentos mais impactantes previstos no Direito Brasileiro
figuram os Processos Administrativo-Disciplinares (PADs) e as Tomadas de Contas
Especiais (TCEs). Além da cooperação com outros órgãos do Sistema de Integridade,
são esses os principais mecanismos utilizados pela CGU no período estudado que
garantiram o aprofundamento da responsabilização da corrupção no Estado.
Os primeiros podem resultar até em expulsão de servidores com perda de
aposentadoria. Os segundos, em pedidos de ressarcimento, multas, declaração de
inidoneidade etc. Nesse sentido, vale notar: ainda que declarações de inidoneidade
devam desagradar empresas que prestam serviços ao Estado, nem as TCEs nem os
PADs representam punições impactantes para empresários, doleiros ou mesmo altos
políticos. Servem antes para afastar as más práticas da administração.
Um dos aspectos positivos destes procedimentos é a celeridade. Os PADs
devem durar até 140 dias, e as TCEs devem ser instauradas em até 180 dias após a
entrega da prestação de contas anual.
64
Enquanto a TCE visa à recomposição do erário, o PAD busca a correta
observância de normas de conduta, sendo que os elementos de um processo podem
inclusive subsidiar a análise do outro.
Se, por exemplo, uma prefeitura não usa adequadamente ou simplesmente
desvia os recursos repassados pela União, e este fato é identificado através do
controle interno, o gestor responsável (digamos, o titular do Ministério da Educação)
pode iniciar uma Tomada de Contas Especiais (TCE) em vista de recuperar o recurso.
Pode também, simultaneamente, instaurar um Processo Administrativo-Disciplinar
(PAD), em vista de responsabilizar disciplinarmente os servidores públicos federais
envolvidos.
4.1 TOMADA DE CONTAS ESPECIAIS
Tomada de Contas ou Prestação de Contas são procedimentos anuais
obrigatórios que têm o objetivo de demonstrar a movimentação dos bens e recursos
geridos pelos órgãos e entidades públicas. Entre as atividades desta natureza que a
SFC realiza, figuram a Auditoria Anual de Contas, a Prestação de Contas do
Presidente da República e os Relatórios de Gestão Fiscais.
A Tomada de Contas Especiais, por sua vez, objetiva apurar os fatos
específicos relativos a eventual prejuízo causado ao erário, identificar o(s)
responsável(is) e quantificar o dano. Qualquer unidade jurisdicionada, pessoa jurídica
ou civil, da Administração Direta ou Indireta, pode ser objeto de responsabilização
via TCE. No caso da Administração Pública Federal, envolvem desde ministérios até
municípios, OSCIPs, ONGs etc.
Os fatos motivadores de instauração de TCE são86
:
- Omissão no dever de prestar contas;
- Irregularidades na aplicação dos recursos;
- Não cumprimento do objeto conveniado;
86
De acordo com Enunciado de Súmula nº 187 do TCU, para ocorrer a responsabilização
necessariamente deve ser verificado que um agente público tenha agido em descumprimento à lei ou
que tenha deixado de atender ao interesse público, quando da omissão no dever de prestar contas, da
não comprovação da aplicação de recursos, da ocorrência de desfalque, alcance, desvio ou
desaparecimento de dinheiros, bens ou valores públicos, ou de prática de ato ilegal, ilegítimo ou
antieconômico de que resulte dano à administração pública federal.
65
- Prejuízos causados por servidor ou empregado público;
- Não aprovação da prestação de contas.
As TCEs só são instauradas quando esgotadas as medidas administrativas
cabíveis. Objetivamente se, por exemplo, uma auditoria da CGU em determinado
município observa que os repasses federais para a obtenção de determinados
medicamentos não foram corretamente aplicadas, o gestor responsável – no caso, o
ministro da Saúde – contata o prefeito local cobrando explicações. Digamos que os
remédios foram adquiridos mas por alguma falha de gestão não estavam nas estantes
dos postos de saúde. Neste caso, o prefeito toma medidas administrativas para
disponibilizá-los à população, sanando o problema e dispensando a instauração de
TCE. O mesmo pode ocorrer, por exemplo, frente uma prestação de contas mal-
executada, uma obra inacabada que deveria estar pronta, ou junto à manutenção de
equipamentos. Nestes casos, quando não há dolo nem prejuízos substanciais, o
interesse expresso do controle interno é o “aprimoramento da gestão”:
O principal destinatário das ações de controle é o ministério gestor. O que
se espera é que produza melhorias ou, eventualmente, sanções
administrativas [...] O resultado nasce com a adoção das providências.
Todo o nosso foco tem sido voltado para isso. [...] As auditorias de
desempenho não tem o objetivo de multar, sancionar [...](BALBE,
ENTREVISTA)
Se, no entanto, observa-se que a irregularidade é grave, que houve desvios,
dolo e/ou não execução da atividade prevista, a autoridade competente deve
providenciar auditoria para caracterizar o dano e instaurar a Tomada de Contas
Especial87
, sob pena de responsabilidade solidária.
Mas a TCE também pode ser instaurada por recomendação dos órgãos de
controle interno88
ou por determinação do próprio Tribunal de Contas, nos casos de
omissão na prestação de contas ou inércia na instauração da TCE pelo gestor. A TCE
pode ser, ainda, oriunda de conversão de outros processos de controle externo, tais
87
Instrução Normativa/TCU n° 71, de 28/11/2012
88
Art. 50, III, da Lei 8.443/92
66
como denúncia, representação, inspeção e processos de registro de atos de pessoal89
.
As TCEs só devem ser instauradas se o dano ao erário, atualizado
monetariamente, for de valor igual ou superior à quantia estabelecida pelo Tribunal,
atualmente fixada em R$ 23.000,0090
. Se o dano for de valor inferior, a autoridade
administrativa federal competente, além de buscar a execução de medidas
administrativas internas visando ao ressarcimento pretendido, deve providenciar a
inclusão do nome do responsável no Cadastro Informativo dos débitos não quitados
de órgãos e entidades federais (Cadin) e em outros cadastros afins91
.
No TCU, os processos poderão ser julgados regulares (dando quitação plena
aos responsáveis), regulares com ressalva (falhas formais) ou irregulares. Podem
ainda ser considerados iliquidáveis (trancamento das contas por impossibilidade de
julgamento) ou arquivados sem apreciação do mérito92
. Quando as contas são
julgadas irregulares, há sanções que podem ser aplicadas, decisão que tem eficácia de
título executivo extrajudicial93
. As possíveis penalidades são:
- Pedido de ressarcimento
- Multa;
- Declaração de inabilitação do responsável para o exercício de cargo em
comissão ou função de confiança na Administração Pública Federal (de cinco
a oito anos);
- Declaração de Inidoneidade de Licitante94
;
- Arresto de Bens95
;
- Registro no Cadastro de Contas Irregulares (Cadirreg)96
e /ou no Cadastro
Informativo dos Débitos não Quitados de Órgãos e Entidades Federais (Cadin)
89
Art. 47 da Lei 8.443/92 90
IN/TCU 56/2007, art. 11 91
Art. 1º, §3º, c/c art. 5º, §2º, da Instrução Normativa TCU 56/2007 92
Arts. 197 a 213 do Regimento Interno do TCU 93
Art. 71, § 3º, da CF/88 e art. 585, VII, do CPC 94
Verificada a ocorrência de fraude, o Tribunal declarará a inidoneidade do licitante para participar,
por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal.
95
O Tribunal não tem o poder de, por si, executar tal medida, que se dá em âmbito judicial. A
competência do Tribunal é a de requerer a medida à Advocacia-Geral da União ou a dirigentes de
entidades que lhes são subordinadas via Ministério Público. Uma vez decretada a medida, a liberação
dos bens arrestados depende de uma prévia autorização do Tribunal. Artigo 61 da Lei nº 8.443/92
96
O Cadirreg é o cadastro mantido pelo TCU daqueles que tiveram suas contas, ordinárias,
extraordinárias ou especiais, julgadas irregulares
67
Após o julgamento, o responsável é notificado para, no prazo de quinze dias,
recolher o valor devido. Se não pagar, é formalizado um processo de cobrança
executiva, o qual é encaminhado ao Ministério Público para, por meio da Advocacia-
Geral da União (AGU) ou das unidades jurisdicionadas ao TCU, promover a cobrança
judicial da dívida ou o arresto de bens.
Além disso, o próprio julgamento das contas pela irregularidade já apresenta,
como conseqüência, a inclusão em cadastro a ser enviado à Justiça Eleitoral, a partir
do qual o responsável poderá figurar na lista de inelegíveis. Assim, seja através da
inclusão no Cadin, no Cadirreg ou entre a lista de não elegíveis, as TCEs contribuem
com o aprimoramento funcional da gestão, afastando mau-feitos.
As TCEs estão previstas em legislação pelo menos desde 196797
. Mas ao
menos desde 200798
, o controle interno, por meio da SFC, é responsável por produzir
um relatório e um certificado de auditoria sobre todas as TCEs, manifestando-se sobre
a adequada apuração dos fatos antes da certificação ao Tribunal de Contas da União.
Assim, ilustrativamente, um ciclo completo de responsabilização através de
TCE figuraria da seguinte forma:
97
Decreto-Lei n° 200
98
Instrução Normativa TCU 56/2007
68
Fonte: Elaboração do autor.
No período estudado, entre 2003 e 2012, 9.339 TCEs foram notificadas pelo
Executivo Federal ao TCU, no valor total de R$ 9,17 bilhões, distribuídos da seguinte
forma:
GRÁFICO: CGU e TCU – Número de Tomadas de Contas Especiais (TCEs) por
ano e por etapa de tramitação
69
Fonte: Elaboração do autor a partir de dados apresentados pela CGU (baseados nos sistemas Ativa e
Novo Ativa) e dos Relatórios de Gestão do TCU
Embora o número de TCEs certificadas ao TCU não apresente crescimento
estável ao longo dos anos analisados, cresceram os montantes envolvidos (gráfico
abaixo). Em 2003, eram da ordem de R$ 404 milhões. Em 2012, saltaram para R$
1,45 bilhão. Cresceram também os montantes relativos aos pedidos de ressarcimento.
Em 2005, o TCU requereu R$ 348 milhões em ressarcimentos ao erário. Em 2012, R$
1,24 bilhão.
GRÁFICO: Valores totais anuais dos pedidos de ressarcimento e multas
determinados pelo TCU a partir de Tomadas de Contas Especiais (TCEs) (em
R$) x Retorno Potencial calculado pela CGU
0
500
1.000
1.500
2.000
2.500
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012CGU - TCEs analisadas CGU - Certificadas ao TCU Apreciados pelo TCU
70
Fonte: Elaboração do autor a partir de dados apresentados pela CGU (baseados nos sistemas Ativa e
Novo Ativa) e dos Relatórios de Gestão do TCU
Legenda: Não há dados relativos às atividades do TCU entre os anos de 2003 e 2004
O principal fato motivador de certificação de TCE por parte da CGU ao TCU
é a “omissão no dever de prestar contas” – evento não necessariamente relacionado ao
mal-uso do recurso público ou à corrupção (embora tal hipótese não esteja
descartada). No entanto, somadas, “Irregularidades na aplicação dos recursos”, “Não
cumprimento do objeto conveniado” e “Prejuízos causados por servidor ou
empregado público” representam quase metade do total (47%). Ou seja, havendo dolo
ou não, estes casos configuram claros prejuízos ao erário que estão sendo combatidos
através das TCEs.
GRÁFICO: Fatos motivadores de certificação de Tomadas de Contas Especiais
(TCEs) pelo Executivo Federal ao Tribunal de Contas da União (TCU) entre
2003 e 2012
0,00
200.000.000,00
400.000.000,00
600.000.000,00
800.000.000,00
1.000.000.000,00
1.200.000.000,00
1.400.000.000,00
1.600.000.000,00
1.800.000.000,00
2.000.000.000,00
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012Total do retorno potencial a partir de TCEs apresentadas pela CGU (Em R$)
Pedidos de ressarcimento realizados pelo TCU (total em R$)
71
Fonte: Elaboração do autor a partir de dados apresentados pela CGU
A partir destes procedimentos, além das sanções pecuniárias, outras medidas
foram adotadas. Entre 2005 e 2012, 684 pessoas passaram a ser consideradas
inabilitadas para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança, e 466
empresas foram declaradas inidôneas para licitar com a Administração Pública
Federal99
.
4.1.2 O PAPEL DA CGU NA CERTIFICAÇÃO DE TCES
Infelizmente, não dispomos de indicadores sobre a procedência das
identificações das irregularidades que redundaram em TCEs. Não sabemos, portanto,
quanto do total das TCEs certificadas pelo Executivo Federal ao TCU referem-se a
irregularidades flagradas a partir de auditorias da CGU.
No entanto, primeiramente, sabemos que a CGU teve ativo papel pelo menos
desde 2007 manifestando-se sobre a adequada apuração dos fatos antes da certificação
ao Tribunal de Contas da União100
.
99
O banco de dados de empresas declaradas inidôneas e de pessoas consideradas inabilitadas para o
exercício de cargo em comissão ou função de confiança está disponível no Portal da Transparência
(alimentado pela CGU) - http://www.portaldatransparencia.gov.br/ceis/Consulta.seam, e no portal do
TCU - http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/responsabilizacao/inidoneos.
Acesso em: 03 Nov. 2013
100
Instrução Normativa TCU 56/2007
4297
2956
2149
950
1168
478505
173 Omissão no dever de prestar contas
Irregularidades na aplicação dos recursos
Não cumprimento do objeto conveniado
Prejuízos causados por servidor ou empregado público
Não aprovação da prestação de contas
Irregularidade praticada por bolsista ou pesquisador
72
Em segundo lugar, a origem das TCEs instauradas pelo Poder Executivo
podem nos dar uma pista. No período estudado, observa-se que mais da metade foram
instauradas pelos Ministérios da Saúde, da Educação e da Previdência Social,
principais focos do Programa de Sorteios.
73
GRÁFICO: Distribuição das Tomadas de Contas Especiais por Ministério
instaurador - Entre 2003 e 2012.
FONTE: CGU
3.788
3.280
MS - Ministério da Saúde
MI - Ministério da Integração Nacional
MEC - Ministério da Educação
MF - Ministério da Fazenda
MTE - Ministério do Trabalho e Emprego
MP - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
MMA - Ministério do Meio Ambiente
MinC - Ministério da Cultura
MCT - Ministério da Ciência e Tecnologia
MPS - Ministério da Previdência Social
MAPA - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MT - Ministério dos Transportes
MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário
ME - Ministério do Esporte
MJ - Ministério da Justiça
MCid - Ministério das Cidades
MTUR - Ministério do Turismo
74
Se observarmos a mesma distribuição do ponto de vista do total dos montantes
envolvidos, a lógica também não se altera significativamente. Os ministérios mais
auditados pela SFC são os sobre os quais mais TCEs foram notificadas:
GRÁFICO: Distribuição dos montantes envolvidos nas Tomadas de Contas
Especiais certificadas pelos Ministérios instauradores - Entre 2003 e 2012.
75
FONTE: CGU
MS - Ministério da Saúde
MI - Ministério da Integração Nacional
MEC - Ministério da Educação
MF - Ministério da Fazenda
MTE - Ministério do Trabalho e Emprego
MP - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.MMA - Ministério do Meio Ambiente
MinC - Ministério da Cultura
MCT - Ministério da Ciência e Tecnologia
MPS - Ministério da Previdência Social
MAPA - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à FomeMT - Ministério dos Transportes
MDA - Ministério do Desenvolvimento AgrárioME - Ministério do Esporte
MJ - Ministério da Justiça
MCid - Ministério das Cidades
MTUR - Ministério do Turismo
MC - Ministério das Comunicações
MDIC - Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio ExteriorMET - Ministério do Esporte e Turismo
MPAS - Ministério da Previdência e Assistência SocialPR - Presidência da República
MME - Ministério das Minas e Energia
MPA - Ministério da Pesca e Aquicultura
76
Desde o surgimento do programa de Sorteios, em substituição ao programa de
Fiscalização em Municípios, o foco dos trabalhos passou a ser a “área social”, em
especial saúde, educação e previdência social, como aponta Balbe:
Tínhamos, primeiro, que concentrar esforços onde os problemas eram mais
graves, onde era passível tomar decisões estruturantes. Passamos a
concentrar na área social. [...] Concentramos nos Ministérios da Saúde, da
Educação e da Previdência Social.
Portanto, ainda que não se possa afirmar com 100% de certeza que o
crescimento dos montantes relacionados às TCEs tenha sido causado pelo trabalho
das auditorias in loco da SFC, observa-se uma forte coincidência entre as áreas mais
frequentes que são objeto de TCEs e o foco dos trabalhos da CGU.
Por outro lado, curiosamente áreas onde é mais recorrente a “grande
corrupção” quase não aparecem no gráfico. Enquanto o Ministério da Saúde
representa 34% dos montantes relativos a TCEs no período, e Educação, 11%,
Cidades e Transportes não ultrapassam 1% cada um. Tentaremos tratar do assunto no
capítulo 6, mas antecipamos que nos faltam dados para compreender conclusivamente
o motivo de tais disparidades.
4.1.3 O (BAIXO) RESSARCIMENTO À UNIÃO
Responsável pela representação judicial da União, a Advocacia-Geral da
União (CGU) calcula que, enquanto os pedidos de ressarcimento de bens
determinados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2011 somaram R$ 2,14
bilhões, apenas R$ 330 milhões foram recuperados no mesmo período – ou seja,
15,3%101
.
O órgão tem, entre suas metas expressas, “garantir a recomposição e a
manutenção do patrimônio e das finanças públicas” e “aprimorar a coordenação e
101
Alem disso, R$ 338,63 milhões foram bloqueados ou penhorados, e R$ 30 milhões retornaram
através de acordos. ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. Relatório de Gestão 2011. Disponível em:
http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateTexto.aspx?idConteudo=186877&id_site=9544&ordena
cao=1 Acesso em: 06 Nov 2013.
77
especialização da atuação em questões patrimoniais e financeiras”102
. Apesar disso, a
AGU comemorara o índice, uma vez que nos anos anteriores fora bem menor:
GRÁFICO: Taxa de recuperação de recursos da União a partir de ações
promovidas pela Advocacia-Geral da União
Fonte: Relatório de Gestão de 2012 da Advocacia-Geral da União
A despeito das aparentes melhorias, fica evidente a baixa eficácia deste
mecanismo para o devido ressarcimento do patrimônio público. Por outro lado,
registros nas listas de inadimplentes e inelegíveis representam importantes medidas
para afastar más-práticas das gestões.
Após a exposição sobre os Processos Administrativo-Disciplinares,
exploraremos alguns casos concretos relacionados a ambos os procedimentos.
4.2 PROCESSOS ADMINISTRATIVO-DISCIPLINARES (PADs)
102
ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. Relatório de Gestão 2011. Disponível em:
http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateTexto.aspx?idConteudo=186877&id_site=9544&ordena
cao=1 Acesso em: 06 Nov 2013.
0,06%0,79%
1,64% 1,70%
6,28%
2,58%
6,93%
15,39%
0,00%
2,00%
4,00%
6,00%
8,00%
10,00%
12,00%
14,00%
16,00%
18,00%
1 2 3 4 5 6 7 8
78
O procedimento mais eficaz para a responsabilização na esfera administrativa
do Executivo Federal parece ser o processo Administrativo-Disciplinar (PADs).
Previsto na Lei do Servidor Público (8.112/90), é um tipo de sindicância
administrativa (“contraditória”) que destina-se a responsabilizar disciplinarmente
servidores públicos envoltos em ilicitudes. As penalidades podem chegar à demissão
com cassação de aposentadoria, corriqueiramente tratadas na administração pública
como “penas capitais”, embora não sejam produto de ações penais.
As penalidades revistas são as seguintes:
I - advertência;
II - suspensão;
III - demissão;
IV - cassação de aposentadoria ou disponibilidade;
V - destituição de cargo em comissão;
VI - destituição de função comissionada.
Nesses casos, a demissão será aplicada mediante alguma das seguintes
verificações (art. 132):
I - crime contra a administração pública;
II - abandono de cargo;
III - inassiduidade habitual;
IV - improbidade administrativa;
V - incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição;
VI - insubordinação grave em serviço;
VII - ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima
defesa própria ou de outrem;
VIII - aplicação irregular de dinheiros públicos;
IX - revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo;
X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;
XI - corrupção103
;
103
Inciso XI do art. 117, da Lei 8.112/1990: “Atuar, como procurador ou intermediário, junto a
repartições públicas, salvo quando se tratar de benefícios previdenciários ou assistenciais de parentes
até o segundo grau, e de cônjuge ou companheiro”.
79
XII - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;
No caso de infração relativa aos incisos IX e XI do art. 117 (“revelação de
segredo” e “corrupção”), a demissão ou a destituição de cargo em comissão
incompatibiliza o ex-servidor para nova investidura em cargo público federal pelo
prazo de cinco anos. Nos outros casos, a tipicidade da infração é de natureza
gravíssima e o servidor, se demitido, não poderá retornar ao serviço público. Se for
identificado dano financeiro, o artigo 46 prevê formas de indenização na própria
esfera administrativa104
.
Como se nota, alguns dos incisos citados relacionam-se a outras leis, como,
por exemplo, “improbidade administrativa” (Lei 8.429/92), ou ainda “corrupção”.
Adiante, observaremos a que outras leis se relacionam e como são interpretadas no
julgamento dos PADs. Além disso, como se nota, o conteúdo de alguns dos incisos
não correspondem propriamente a corrupção. “Insubordinação” ou “ofensa física” são
exemplos. No item “O que punem os PADs?”, isolaremos os casos que nos
interessam. Por ora, vamos focar os detalhes do rito procedimental, fundamental para
a observância do respeito aos diretos do sindicado.
Os PADs são instaurados a partir de pedido da autoridade do órgão, agência
ou Poder no qual o servidor público105
está lotado, dando origem a um ciclo de
instauração, inquérito administrativo e julgamento106
. O processo dura, a princípio,
oitenta dias, não podendo passar de 140 dias, após os quais prescreve. São sessenta
dias para o prazo inicial, mais sessenta dias de prorrogação, mais 20 dias do
julgamento.
Na fase de instauração, uma “autoridade instauradora” – o ministro ou algum
gestor de cargo superior ao do sindicado - cria o processo e estabelece uma Comissão
Disciplinar. Esta comissão deverá ter dois ou mais servidores estáveis, sendo que no
caso dos PADs, recomenda-se que sejam compostas por no mínimo três. A autoridade
104
A indenização ocorre mediante desconto em folha de pagamento, podendo ser parcelada em até 60
dias, sendo que cada parcela não pode ser superior a 10% da remuneração do servidor . A não quitação
do débito no prazo previsto implica inscrição em dívida ativa para cobrança por meio de ação de
execução judicial, apresentada ao Judiciário, no caso do Poder Executivo Federal, pela Advocacia-geral
da União. Ainda assim, vencimentos, remunerações o proventos de servidores não podem ser objeto de
arresto, sequestro ou penhora. 105
De acordo com o Direito Administrativo, servidor público é “a pessoa legalmente investida em
cargo público”. 106
O rito sumario ocorre apenas em casos de abandono de cargo, inassiduidade habitual e acumulação
ilícita de cargos.
80
instauradora indica, ainda, o presidente da comissão, que deve ter nível de
escolaridade igual ou superior ao do servidor sindicado. (Quando é a própria
Corregedoria-Geral que instaura o processo, a convocação para a composição da
Comissão Disciplinar é “irrecusável”).
Na fase seguinte, de inquérito administrativo, a Comissão Disciplinar colhe as
provas e formula a acusação, se for o caso, para julgamento. Em 2001, duas leis
complementares (104 e 105) estabeleceram ainda que, mediante decisão da comissão,
pode ser feito o pedido de quebra dos sigilos fiscal e bancário do sindicado. Tais
informações são protegidas, sendo utilizadas exclusivamente no processo, embora
sejam acessíveis em relatórios parciais e finais, aos quais o Ministério Público tem
acesso.
Como qualquer outro processo legal contraditório, de acordo com a
Constituição Federal, deve respeitar o direito da ampla defesa, do contraditório e da
presunção da não culpabilidade. Nesse sentido, fica assegurado ao servidor o direito
de acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, arrolar e
reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se
tratar de prova pericial.
Na fase de Julgamento, a Comissão Disciplinar, em seu relatório conclusivo,
sugere a aplicação da pena ou a absolvição, e a Autoridade Julgadora – que pode ser
composta pelos mesmos membros da Autoridade Instauradora – define o veredicto.
Em casos de suspensão de 90 dias, demissão ou cassação de aposentadoria, a decisão
deverá ser necessariamente referendada por um dos seguintes atores, de acordo com o
Poder onde ocorreu o processo: Presidente da República, Presidentes das Casas do
Poder Legislativo e dos Tribunais Federais, Procurador-Geral da República e
Presidente do Conselho Nacional de Justiça. No caso do Poder Executivo federal, a
Presidência da República autorizou, por meio de decreto107
, aos respectivos ministros
de Estado de cada pasta e ao Advogado-Geral da União as mesmas atribuições.
Assim, um ciclo completo de responsabilização através de PADs realiza-se da
seguinte forma:
107
Decreto nº 3.035/99
81
Fonte: Elaboração do autor
Tais normatizações, apesar de preverem respeito aos direitos individuais,
revelam certa preponderância de uma das partes envolvidas, com prejuízo para o
sindicado. A mesma autoridade que define quem compõe a comissão sindicante
também pode julgar o processo. Embora o veredicto do PAD esteja sujeito a controle
externo do Judiciário, o tempo entre o final do processo e o julgamento jurídico bem
como possíveis danos à imagem do sindicado são potenciais consequências de um
processo administrativo contraditório enviesado. Ainda assim, em acordo com os
princípios do Direito Administrativo, tal prática objetiva primeiramente afastar más-
práticas da administração, sem redundar em condenações penais – motivo pelo qual
este desequilíbrio não nos parece exatamente injusto. Ainda assim, adiante,
observaremos um dado de controle: a porcentagem de reversões das punições no
Poder Judiciário.
82
4.2.1 O QUE PUNEM OS PADs?
Como vimos, os PADs podem punir desde casos de “lesão aos cofres
públicos” até “agressão física”. Para validar o argumento apresentado na introdução
deste artigo – o de que os PADs representam uma forma eficaz de responsabilização
da corrupção -, é necessário que uma quantidade substantiva de “penas capitais”
sejam relativas a casos de corrupção.
Entre as leis que abarcam ilícitos relacionados à corrupção, figuram, por
exemplo, as de corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, lavagem de dinheiro,
formação de quadrilha e improbidade administrativa. É a partir destas normas
jurídicas que os PADs tipificam os casos envoltos na palavra “corrupção” (inciso XI)
e na palavra “improbidade administrativa” (inciso IV). A principal delas são as leis
4.878/65, a lei 8.429/92 (“Improbidade Administrativa”) e, naturalmente, a Lei
8.112/90, do Servidor Público.
A Lei de Improbidade Administrativa é bastante completa e prevê inúmeras
situações passíveis de sanção. No caso da lei 4.878/65, o artigo 43, que dispõe sobre o
que são “transgressões disciplinares”, elenca 63 casos. Entre eles, figuram desde
“simular doença” até “receber propinas”. Enfrentamos, a partir de agora, portanto, o
problema de isolar o que seja responsabilização da corrupção de o que seja
responsabilização de outros casos de irregularidades. Felizmente, em trabalho com a
Corregedoria-Geral da União, realizamos esta tarefa, obtendo a determinação
normativa utilizada nos PADs na esfera do Executivo Federal. São considerados
corrupção os seguintes casos:
Lei 4.878, artigo 43, inciso IX: “Receber propinas, comissões, presentes ou
auferir vantagens e proveitos pessoais de qualquer espécie e, sob qualquer
pretexto, em razão das atribuições que exerce;
Lei 4.878, artigo 43, inciso LXI: “Cobrar carceragem, custas, emolumentos ou
qualquer outra despesa que não tenha apoio em lei”
Lei 8.112, artigo 117, inciso IX: “Valer-se do cargo para lograr proveito
pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública”
83
Lei 8.112, artigo 117, inciso XII: “Receber propina, comissão, presente ou
vantagem de qualquer espécie, em razão de suas atribuições;
Lei 8.112, artigo 117, inciso XIII: “Aceitar comissão, emprego ou pensão de
estado estrangeiro”;
Lei 8.112, artigo 117, inciso XVI: “Utilizar pessoal ou recursos materiais da
repartição em serviços ou atividades particulares”;
Lei 8.112, artigo 131, inciso X: “Lesão aos cofres públicos e dilapidação do
patrimônio nacional;
Lei 8.112, artigo 131, inciso XI: “Corrupção;
Lei 8.429 (“Lei de Improbidade Administrativa”) 108
No gráfico abaixo, todas as penas expulsivas aplicadas a partir de PADs na
Administração Pública Federal entre 2003 e 2012 estão reunidas, discriminadas pelo
tipo do ilícito flagrado. Se somarmos os casos relativos aos incisos acima destacados,
veremos que os PADs de fato incidem majoritariamente sobre a corrupção. São 2.714
casos em um total de 4.125, ou seja, 66%, ou 2/3 do total.
GRÁFICO: PADs: principal motivação para expulsão e cassação de
aposentadoria (2003-2012)109
108
As apurações da prática de atos de improbidade administrativa podem desenrolar-se
administrativamente por ensejarem conduta indisciplinar prevista no art. 132, IV, da Lei nº 8.112/90.
Podem também desenrolar-se penalmente, quando implicar a prática de tipo criminal previsto na
legislação penal. E podem, também, desenrolar-se civilmente, nos moldes da própria Lei nº 8.429/92.
Enquanto a administrativa apura a falta funcional (ilícito administrativo) pela prática de ato de
improbidade administrativa, de um lado a instância civil vai apurar o mesmo ato e suas repercussões
civis, aplicando as sanções previstas na Lei nº 8.429/92, e do outro, a instância penal vai apurar a
eventual prática de crime, de acordo com o rito do processo penal. 109
Fora os casos já descritos, relativos à corrupção, o gráfico ilustra outros. Veja a legenda: Gerencia:
Art. 117, inciso X (participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não
personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário; Desídia:
servidor que age de forma desleixada, descuidado ou desatento (Art. 117, inciso XV);
Inassiduidade/abandono : Art. 132, inciso III (inassiduidade habitual). Tal infração caracteriza-se pela
ausência ao serviço por 60 ou mais dias, em um período de 12 meses, sem causa justificada. Tratam-se
de dias úteis, não incluindo fins de semana, feriados e dias de ponto facultativo intercalados entre os
dias de ausência; Acúmulo: Art. 132, inciso XII (acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções
públicas)
84
FONTE: Controladoria-Geral da União
4.2.2 REVERSÕES JUDICIAIS DOS PADs
Como exposto, decisões tomadas nos PADs podem ser questionadas no Poder
Judiciário. Afinal, injustiças podem ser cometidas e o respeito aos direitos individuais
pede que haja alguma forma controle externo. Além disso, dados sobre reversões
judiciais também servem de indicador sobre a qualidade da fundamentação dos
processos. Se houver muitas reversões, reforça-se um indício de baixa eficiência e/ou
de abuso de poderes. Mas não é o que ocorre. De um total de 4.125 “penas capitais”
aplicadas em dez anos, houve, no mesmo período, 389 reversões no Judiciário –
pouco menos de 10%. (Não dispomos de dados das ações em curso):
GRÁFICO: PADs: Punições Expulsivas aplicadas x Reintegrações no Judiciário
926
2421
87
125 45293
227Abandono, Inassiduidade ou Acumulação
Corrupção (Leis 4878 e 8112)
Desconhecido
Desídia
Gerência
272
324289
374
445
378
438
519558
528
39 35 49 36 4626
4729 30
52
0
100
200
300
400
500
600
2003200420052006200720082009201020112012
Punições Expulsivas Aplicadas
Reintegrações no Judiciário
85
Fonte: Corregedoria-Geral da União
Tais dados expressam, por um lado, que os inquéritos dos PADs parecem bem
realizados e, por outro, que existe a real possibilidade de reversão. Ou seja, o sistema
não parece viciado: se há ingerência contra indivíduos, parece ser empiricamente
baixa. E, nesses casos, se há punições injustas, um “contrapeso” consequente pode ser
provocado. Assim, apesar do desbalanceamento observado entre as partes em um
procedimento de PAD, este dado de controle reforça o relativo bom equilíbrio entre a
prática do processo e os princípios republicanos e liberais do Estado Democrático de
Direito brasileiro.
Mas como tais resultados foram atingidos? No ítem seguinte, faremos uma
inversão do enfoque Ciência Política/Direito para um enfoque Ciência
Política/Administração Pública.
4.2.3 O PAPEL DA CORREGEDORIA-GERAL DA UNIÃO
Observando ano a ano, vemos que o número de “penas capitais” aplicadas a
partir de PADs quase dobrou, subindo de 272 em 2003 para 528 em 2012110
. O
período coincide com a criação da Corregedoria-Geral da União, em 2001, e com a
criação da Controladoria-Geral da União, em 2003. Infelizmente, não há dados
anteriores a este ano. Não há informações também, diga-se, em relação à aplicação de
PADs nos poderes Legislativo e Judiciário111
. Ainda assim, a própria ausência de
dados e depoimentos de servidores ativos no controle interno e correição desde antes
de 2001 indicam que os PADs eram instaurados em quantidade menor:
Quero acreditar que antes da criação da CGU, o que havia é que o chefe ou
o gestor da área onde ocorria o fato buscava outras saídas que não
apuração e responsabilização, como prevê a lei, para resolver aquela
contenda. Deslocava o servidor, instaurava o procedimento para
recuperação do prejuízo, por exemplo uma TCE (Tomada de Contas
110
Entende-se “pena capital” como “demissão”, “destituição” e cassação de aposentadoria” 111
Dados dessa natureza foram requisitados aos Poderes Legislativo e Judiciário. No caso do Poder
Legislativo federal, apenas a Câmara dos Deputados apresentou informações, e mesmo assim,
incompletas. Não há dados sobre servidores expulsos através de PADs, apenas dos processos
instaurados. No período 2003-2012, foram 415 processos. No caso do Poder Judiciário, há apenas
dados dos PADs instaurados no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, e apenas para o período
2006-2012. Foram 77.
86
Especiais), mas efetivamente não punia o servidor. Nos casos mais graves,
em que não tinha como se furtar a isso, aí sim, ele instaurava o
procedimento. Como o caso era grave e estava saltando aos olhos, no mais
das vezes o resultado teria sido a demissão112
.
A principal razão para o crescimento das responsabilizações através de PADs,
alem da revelação de irregularidades pelo controle interno, parece ter sido a
capacitação de funcionários para comporem a Comissão Disciplinar e a Comissão
Julgadora. Em 9 anos, entre 2004 e 2012, a Corregedoria-Geral da União capacitou
10.357 funcionários da administração direta e indireta através do “Manual de
Processo Administrativo Disciplinar”, elaborado pelo próprio órgão (gráfico abaixo).
GRÁFICO: Servidores capacitados pela CGU para a condução de PADs
FONTE: Controladoria-Geral da União
Este trabalho respondeu ao fato de que, antes das atividades de capacitação,
embora qualquer órgão do Poder Público já pudesse instaurar um PAD, havia poucos
funcionários com conhecimento suficiente para realizar esta tarefa. Além disso, não
havia disposição dos servidores e gestores em iniciar tais processos, pois, de acordo
com os relatos, os colegas de trabalho dos envolvidos em irregularidades tendiam a
112
Depoimento dado por servidor público da Corregedoria-Geral da União a este autor em Fevereiro de
2013.
845 833
1070
1258
1070
1439
1779
771
1292
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
1600
1800
2000
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
87
não querer compor a comissão, constrangidos por possíveis represálias posteriores.
Depoimento de servidor da Corregedoria expressa a situação:
O órgão dizia o seguinte: apurar nossas atividades não é nossa atividade
fim. Por ser meio, nós não temos funcionários para conduzir essa apuração.
E se tivesse, eles não estariam capacitados para bem conduzir essas
atividades a ponto de ela não vir a ser anulada no Judiciário113
A solução criada pela CGU foi deslocar funcionários de outros órgãos para
compor as comissões. Com funcionários capacitados e cadastrados em um sistema
eletrônico (CGU-PAD), isso se tornou ainda mais fácil. Assim, quando a própria
CGU observa a existência de irregularidades, age para garantir a instauração do
processo. Um exemplo citado foi o seguinte: se há indícios de irregularidades, por
exemplo, no INSS, a CGU convoca servidores de outro órgão, por exemplo, da
Imprensa Nacional, de modo que possam realizar o trabalho sem constrangimentos
entre os funcionários. Vale observar que, esse movimento, além de viabilizar a
instauração dos processos, tende a dar maior imparcialidade para os julgamentos.
Um fator que concorre contra a instauração de PADs é o custo. Levantamento
da CGU calculou os valores: R$ 150 mil, em média. Isso porque são no mínimo três
funcionários deslocados, por um período que pode chegar a 140 dias, mais as
despesas de deslocamento dos membros da Comissão, do sindicado, das testemunhas
etc. Assim, se a irregularidade identificada tiver causado prejuízo pequeno, então o
processo tornar-se-á mais oneroso do que o próprio fato investigado. Em resposta a
esta situação pouco racional, criou-se o Termo Circunstanciado Administrativo
(TCA), exclusivamente para casos de extravio ou dano a bem público que impliquem
prejuízo igual ou inferior ao limite legal estabelecido como de licitação dispensável,
atualmente de R$ 8.000,00114
. Nesses casos, o responsável pela irregularidade, se
aceitar, assina o termo, paga o valor devido, e susta o débito com o Poder Público.
Caso contrario, instaura-se a sindicância.
Como afirmado, a CGU também pode conduzir PADs. Isso ocorre quando ela
mesma identifica irregularidades através das suas outras três secretarias ou a partir de
denúncias externas ou quando, reconhecendo irregularidades nas conduções, arrola
113
IDEM 114
Lei nº 8.666/93, art. 24, inc. II
88
para si o processo. A prática, embora não expresse números robustos – foram 410 em
nove anos - incide às vezes sobre casos de repercussão.
Quando a CGU suspeita que um PAD não está sendo bem aplicado, quer seja
por desrespeitar fundamentos legais, quer seja por privilegiar alguma das partes,
realiza inspeções de legalidade. Em sete anos, foram 303.
Todo este trabalho não era realizado antes da criação da Corregedoria-Geral
da União. Embora não possamos afirmar com 100% de certeza que foi este trabalho o
único responsável pelo aumento do número de responsabilizações aplicadas,
certamente foi o principal protagonista.
4.3 CASOS RELACIONADOS
Dadas as proporções administrativas dos PADs e das TCEs, não se pode
esperar que tais procedimentos configurem punição efetiva para grandes casos de
corrupção. Como apontado, servem antes para afastar más-práticas da administração.
Ainda assim, e em acordo com a compreensão de que não substituem processos
penais, servem de complemento. De um lado, podem incidir sobre casos individuais,
de “pequena corrupção”, contribuindo com o aprimoramento funcional da
administração. De outro, podem complementar movimentos de responsabilização da
grande corrupção.
No capítulo anterior, citamos o caso da ex-chefe do Gabinete Regional da
Presidência da República em São Paulo, Rosemary Nóvoa de Noronha, que fora
expulsa da administração através de PAD. Eis um caso de “grande corrupção”. De
acordo com a Polícia Federal, o esquema elaborava pareceres fraudulentos em favor
de interesses privados, com o aval de diretores de agências reguladoras. Além de
empresários e advogados, estavam envolvidos no esquema servidores da Agência
Nacional de Aviação Civil (Anac), Agência Nacional de Águas (ANA), Advocacia-
Geral da União (AGU) e Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Noronha teria
indicado ao cargo dois dos principais envolvidos no esquema: o advogado Rubens
Carlos Vieira, procurador da Fazenda Nacional e ex-corregedor da Anac (Agência
Nacional de Aviação Civil), que foi tomou posse como diretor na área de regulação
econômica da Anac; e seu irmão, Paulo Rodrigues Vieira, também advogado e ex-
ouvidor da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), que foi indicado
para uma diretoria da Ana (Agência Nacional de Águas). Ela foi acusada formalmente
89
por formação de quadrilha, tráfico de influência e corrupção passiva. Mas, enquanto
não finalizasse o trânsito em julgado, poderia permanecer no cargo. Verdade que fora
exonerada, mas com o PAD, a exoneração foi convertida em destituição de cargo
público, pena que equivale à demissão para servidores sem vínculo com o serviço
público.
Outro caso que foi punido através de PADs relaciona-se ao estopim do
Mensalão do PT – outro caso de “grande corrupção” -, que, de acordo com a acusação
do Ministério Público, envolveu o pagamento de parlamentares para que votassem a
favor dos projetos do Governo Federal. Eduardo Medeiros de Morais, ex-diretor de
Tecnologia e Infra-estrutura da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos fora
flagrado, em 2005, por um vídeo quando Maurício Marinho cobrava propina de R$ 3
mil115
. De acordo com a CGU, ele foi punido porque determinou a “dispensa
indevida” de licitação e a “prorrogação ilegal” de contrato administrativo, o que teria
gerado lesão aos cofres públicos. Juridicamente, foi expulso por “improbidade
administrativa”.
Entre os muitos casos de corrupção revelados pelos trabalhos da SFC, figura
também o da chamada “Máfia das ambulâncias” ou “Máfia dos Sanguessugas”. O
esquema envolvia desvios de recurso provenientes de emendas parlamentares do
Orçamento Anual através de direcionamento de licitação, simulação e fraudes em
processos licitatórios, superfaturamento, falsificação de documentos fiscais, entre
outros fatos.
Através das fiscalizações, observou-se a repetição de um mesmo modus
operandi na compra de unidades móveis de saúde por parte de mesmo um grupo de
empresas para diversas prefeituras. Em 2004, a CGU a informou a Polícia Federal,
que, em maio de 2006, deflagrou a “Operação Sanguessuga”, prendendo 48 pessoas e
executando 53 mandados de busca e apreensão.
De acordo com estimativas feitas à época, o grupo teria movimentado R$ 110
milhões, causando prejuízo de pelo menos R$ 15,5 milhões aos cofres públicos.
Segundo a CGU, houve superfaturamento em 70% dos convênios analisados. No
Congresso, a operação policial resultou ainda na abertura da “CPI das Ambulâncias”.
72 deputados e senadores foram ouvidos, mas nenhum foi cassado.
115
O Estado de S. Paulo. 25 de Setembro, 2006. “CGU demite diretor dos Correrios por justa causa”.
Disponível em: http://www.estadao.com.br/arquivo/nacional/2006/not20060925p58949.htm
90
Nossa pesquisa observou que em 2009 tramitavam 158 TCEs que
explicitamente citavam a “Operação Sanguessuga” no TCU116
. Salvo duas exceções,
todas haviam sido instauradas entre 2006 e 2009. Ou seja, realmente eram derivadas
do caso em questão. Deste total, apenas 55 estavam encerradas em 2009, sobrando
103 para julgamento. Resumo: nove anos após o ocorrido (ou seis anos após a
identificação das irregularidades), apenas um terço das TCEs haviam sido julgadas.
Primeiramente, o caso expressa a importância da CGU no caso. Foram as
auditorias in loco as responsáveis pela identificação das irregularidades, que, além de
motivarem a instauração de 158 TCEs, movimentaram grande parte do Sistema de
Integridade Brasileiro. Tanto Policia Federal atuou como o Congresso Nacional.
Por outro lado, é necessário constatar a demora na instauração dos processos.
Se a CGU identificou as irregularidades em 2003, por que apenas em 2006 o TCU as
computou? Teriam os gestores do Executivo evitado a instauração e, somente após a
operação da Polícia, constrangidos pela cobertura da imprensa, instaurado os
processos? Ou, ao contrário, teria o Executivo certificado os processos imediatamente
em 2003, e o TCU é que demorara para reconhecê-los?
Fato é que, ainda que sejam julgadas, um novo ciclo no Judiciário
provavelmente se iniciará. Se os responsabilizados se recusarem a pagar os
ressarcimentos e multas, Ministério Público ou Advocacia-Geral da União terão que
realizar a cobrança judicial117
. Quanto tempo isso demora? Claramente, as punições
impostas pelas TCEs não vão incidir sobre a gestão que as causou. Um auditor da
CGU entrevistado por nós chegou a afirmar inclusive que a punição “só deve incidir
na próxima geração, talvez sobre o filho do prefeito da época”.
Tal estado de coisas é extremamente problemático. Primeiro porque ou os
recursos não voltam à União ou, se voltam, voltam muito tarde, não permitindo
qualquer planejamento financeiro. Em segundo lugar, porque são injustos. Apesar de
punirem as empresas, punem também o gestor futuro, e não o verdadeiramente
responsável.
116
Dados obtidos através do portal do TCU. Disponível em:
http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/contas/tce/conheca_a_tce. Acesso em:
12. Fev. 2014 117
Após o julgamento, o responsável é notificado para, no prazo de quinze dias, recolher o valor
devido. Se não pagar, é formalizado um processo de cobrança executiva, o qual é encaminhado ao
Ministério Público para, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU) ou das unidades
jurisdicionadas ao TCU que detêm essa competência, promover a cobrança judicial da dívida ou o
arresto de bens.
91
4.4 CONCLUSÕES DO CAPÍTULO
Acreditamos que os resultados apresentados reforçam a importância do
aprofundamento da responsabilização administrativa no interior do Poder Público
brasileiro, compreendendo-a como complemento aos processos judiciais.
Vimos que as Tomadas de Contas Especiais poderiam ser um importante
mecanismo de proteção do erário. Em dez anos, R$ 9,17 bilhões foram requeridos
pelo Executivo Federal ao TCU a título de ressarcimento. No mesmo período, o TCU
requereu R$ 7,5 bilhões. No entanto, parte destes títulos extrajudiciais não são pagos,
de modo que novos ciclos se iniciam no Poder Judiciário, tornando o mecanismo
lento e pouco eficaz.
Por outro lado, vimos que os Processos Administrativo-Disciplinares se
tornaram uma importante ferramenta de responsabilização da corrupção no nível
federal. Nada menos que 2.714 servidores foram expulsos por irregularidades
relacionadas à corrupção em processos céleres, que duram até 140 dias.
Observou-se também que o crescimento das sanções aplicadas não foi fortuito.
Concorreu diretamente o trabalho realizado pela Corregedoria-Geral, através do
programa de capacitações, das inspeções de legalidade e da condução direta de alguns
PADs. Isso, como vimos, contribuiu também para solucionar problemas internos,
como o constrangimento entre colegas de um mesmo órgão para compor as
comissões.
Além disso, a articulação dos trabalhos da Corregedoria com a Secretaria
Federal de Controle favoreceu a identificação de irregularidades e o fornecimento de
provas consistentes, de forma a instrumentalizar a correição. Indicador disto são os
relatos de funcionários e os baixos índices de reversão das decisões no poder
Judiciário.
Tais fatos evidenciam que ocorreu uma instrumentalização dos trabalhos de
controle interno para o combate à corrupção. No capítulo seguinte, veremos outro
aspecto desta instrumentalização. Veremos como o controle interno passou a se
articular com outros órgãos do Sistema de Integridade, impulsionando os trabalhos
dentro da dinâmica dos “freios e contrapesos” do Estado.
92
5 COOPERAÇÃO COM OUTROS ÓRGÃOS
O desenvolvimento dos Sistemas de Integridade passa necessariamente pela
consolidação de eficazes processos punitivos que tornem alto o custo da corrupção e
baixo o retorno. No capítulo anterior, vimos que a responsabilização da corrupção por
vias administrativas está não apenas prevista no Direito Público brasileiro como vem
ocorrendo sistematicamente na Administração Pública Federal nos últimos dez anos.
No entanto, muitas dos casos de corrupção configuram irregularidades mais
graves, de tipo civil ou penal. Nestas situações, como a CGU não dispõe de
competências para persecutar e nem para realizar inquéritos, apenas a cooperação
com outros órgãos pode garantir que haja responsabilização judicial. Afinal, é apenas
a partir do enquadramento através de crimes como “peculato”, “prevaricação”,
“corrupção passiva”, “corrupção ativa”, ou correlatos, como “formação de quadrilha”
ou “lavagem de dinheiro”, que sanções mais graves podem ser impostas. Entre elas,
penas de reclusão. E, como a função da pena é desestimular o ato ilícito, interessa-nos
observar se os casos em que a CGU tem parte podem redundar em persecuções de tais
naturezas.
Além disso, como debatido no capítulo 2, a dinâmica dos órgãos de
accountability horizontal é termômetro da qualidade da república em questão. Se
estes órgãos são proativos, se cooperam, é sintoma que as leis e o poder estão
protegidos de abusos. Se o contrario ocorre, a despeito das boas qualidades
observadas no desenho institucional brasileiro, a probabilidade de a corrupção tornar-
se regra e de o poder tornar-se instrumento de opressão cresce.
Para que um evento de corrupção desdobre-se em processo judicial é
necessário que o Ministério Público realize a persecução do caso. Para isso, é
necessário que provas sejam coletadas, e, portanto, que as Polícias Civil ou Federal
atuem através dos inquéritos. Mas, como já sugerido, a CGU pode ter influência
nesses casos. Quando identifica irregularidades que lhes parecem crimes, deve
encaminhá-las ao Ministério Público. Ou, na outra ponta, pode servir aos trabalhos
investigativos através de seu expertise no controle de contas. Nessas situações, a CGU
atende não apenas às polícias e ao Ministério Público, mas também a demandas do
Congresso Nacional (a partir de pedidos das comissões) e dos Tribunais de Contas,
respeitando o seu dever constitucional de assessorar o controle externo.
93
Além disso, as normas jurídicas brasileiras obrigam algumas articulações entre
os órgãos de accountability horizontal. Vimos por exemplo os casos das Tomadas de
Contas Especiais e dos Procedimentos Administrativo-Disciplinares. No primeiro, o
simples flagrante de irregularidade praticamente obriga o gestor, a SFC e o Tribunal
de Contas a agirem, sob o risco do crime de responsabilidade. E, uma vez realizado o
julgamento, se houver pedido de ressarcimento ou multa, a Advocacia-Geral da União
deve ser acionada. No caso dos PADs, se houver pena de expulsão, o processo deve
ser enviado ao Ministério Público.
No entanto, a maior parte destes procedimentos não prevêem prazos e
punições para quem não coopera. Entre uma etapa e outra, informações e ações
específicas (como auditorias, apreensão de bens, pedidos de quebra de sigilo etc.) são
solicitadas de um órgão para outro, de modo que não apenas a decisão em “adotar”
um caso ou responder a um pedido de informação como também a celeridade dos
procedimentos são determinantes para o sucesso dos trabalhos. Assim, além de
normas, vontade política parece ser um elemento relevante para o sucesso dos
trabalhos de combate à corrupção. Nesse sentido, mais uma vez, a articulação entre os
órgãos de accountability horizontal é termômetro da qualidade da República
brasileira.
Como aponta Arantes,
“de certo modo, nossa teia de instituições de accountability evoluiu muito
mais pela via da conquista de autonomia e de atribuições por parte de
instituições individuais (burocráticas, administrativas e judiciais) voltadas
para o papel do controle, que propriamente pela ideia de um sistema
integrado e racionalizado do ponto de vista de procedimentos e processos. O
que há de articulação entre elas, quase sempre, se deve ao voluntarismo de
seus integrantes” (ARANTES, 2011, p. 103).
Afinal, quando o Procurador-Geral da República recebe um inquérito das
polícias Federal ou Civis, cabe a ele mesmo, a partir de suas convicções, decidir se (e
quando) dará andamento à investigação e persecução do caso. Ou, no caso da CGU,
cabe à cúpula do órgão a decisão sobre realizar determinada auditoria demandada por
órgãos externos.
Em 2013, por exemplo, um grande caso de corrupção no Ministério do
Trabalho foi revelado pela CGU e culminou na queda do então secretário-executivo
94
Paulo Roberto (PDT). Durante a Operação Esopo, deflagrada pela Policia Federal, ele
fora acusado de ter ajudado a tirar do cadastro de inadimplentes do governo o
Instituto Mundial do Desenvolvimento da Cidadania, entidade que teria desviado,
segundo a polícia, R$ 400 milhões nos cinco anos precedentes118
. Dadas as
características do “presidencialismo de coalizão”, onde, para obter governabilidade, a
Presidência da República distribui cargos aos partidos da base aliada, semelhante
situação poderia constranger o chefe do Poder Executivo, que, por sua vez, poderia
(mesmo que discretamente) pedir à CGU que abafasse o caso. Neste caso,
aparentemente, não foi o que ocorreu. Em entrevista a este autor, o ministro-chefe da
CGU, Jorge Hage Sobrinho, afirmou ter sido a CGU a responsável pela identificação
das irregularidades e pelo acionamento da Policia Federal. “Nossa regional de Minas
consultou o Delegado Superintendente da Policia Federal em Minas [para saber] se
tinha alguma coisa e pediu que, se não tivesse, que abrisse um inquérito. Foi daí que
nasceu [a operação]”. Roberto deixou o cargo alguns dias após a deflagração da
operação.
Neste e em outros casos, figuras como o Procurador-Geral da República, os
ministros do Tribunal de Contas da União, os ministros de Tribunais Superiores de
Justiça, os Delegados de polícia e mesmo o ministro-chefe da CGU ganham
importância política. Ou seja, há um campo extenso e importante de
discricionariedade por parte dos “homens de carne e osso” que ocupam as altas
hierarquias públicas dos órgãos de accountability horizontal. Trata-se de um ponto
fora da curva institucionalista onde a vontade política é determinante para a sorte dos
trabalhos de combate à corrupção.
A cooperação entre a CGU e outros órgãos pode ser dividida em três tipos:
uma primeira de natureza legal e constitucional, já mencionada. Por exemplo, quando
ocorre uma expulsão através de PADs, a Corregedoria-Geral da União deve
encaminhar a documentação relativa ao Ministério Público para que este observe se,
além da irregularidade administrativa, algum crime foi cometido. Algumas obrigações
dessa natureza caracterizam o Sistema de Integridade brasileiro; Uma segunda
118
Folha. Número 2 do Ministério do Trabalho cai após ação da PF. 11 Set. 2013. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/128461-numero-2-do-ministerio-do-trabalho-cai-apos-acao-
da-pf.shtml. Acesso em 01. Fev. 2014
95
tipifica-se por ser mais de natureza formal, onde os órgãos estabelecem compromissos
de troca de documentos e informações, a partir em geral da articulação entre os
titulares das instituições em questão; e, ainda, uma terceira, de natureza mais prática,
quando os atores efetivamente trabalham articulados.
O segundo tipo, mais formal, geralmente indica intercâmbios de dados,
informações e tecnologia, além da promoção da capacitações de servidores, reuniões
regulares etc. Podem se dar desde junto a órgãos relacionados ao combate à
corrupção, ou a órgãos internacionais, ministérios, executivos estaduais e municipais,
universidades, organizações da sociedade civil etc. Em pouco mais de dez anos de
existência, a CGU firmou 216 acordos desta natureza, além de algumas dezenas de
convênios119
. Praticamente todos simplesmente reforçam a necessidade de
articulação, mas não determinam prazos ou sanções a possíveis descumprimentos.
Ainda assim, carregam importância. Expressam que os titulares destas instituições
debateram formas de aprofundar a articulação e reforçaram tais compromissos
formalizando o contato. Alem disso, facilitam a troca de documentos e informações –
questão fundamental para o rápido andamento dos procedimentos.
Dos 216 acordos, 26 foram junto a órgãos federais, 2 junto a órgãos
internacionais, 165 junto a órgãos Estaduais, 10 junto a ministérios e 13 junto a
instituições de ensino. O Convênio número 03/2004, entre a CGU e o Ministério
Público Federal, por exemplo, estabelece as “pretensões dos partícipes”. Entre elas,
por parte do MPF, a de requisitar documentos e informações, a de requisitar
diligências de caráter informativo, a de propor e acompanhar a instrução de
procedimentos sancionadores, e a de “apoiar, dentro de suas atribuições institucionais,
os auditores da secretaria Federal de Controle Interno e das unidades Regionais da
Controladoria nos Estados, na execução das ações de controle nos Municípios e nos
Estados”.
Ainda mais relevantes para o nosso tema, no entanto, são as cooperações em
torno de casos objetivos. Estas podem ocorrer em duas direções: mediante provocação
da CGU frente outros órgãos ou mediante pedidos externos. No primeiro caso, é a
CGU quem, a partir das irregularidades flagradas através dos trabalhos de controle
interno, convoca agências com competências para realizar inquéritos e persecuções
119
Todos os acordos de cooperação firmados foram enviados a este autor em 2013 mediante pedido
através da lei de Acesso à Informação. Já os convênios podem ser identificados nos Relatórios de
Gestão da CGU.
96
judiciais nas esferas civil e criminal. No segundo caso, em geral, a partir de
investigações em andamento, órgãos externos pedem à CGU que realize auditorias
para reforçar os conjuntos probatórios e confirmar ou descartar suspeitas.
Nesses casos, a “moeda de troca” da CGU é seu expertise no controle interno
e sua capacidade de realizar verificações in loco. Os principais demandantes são o
Ministério Público e a Polícia Federal, mas a CGU também contribui com trabalhos
do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, da Advocacia-Geral da União, do
Congresso Nacional (a partir de pedidos das comissões parlamentares) e do Tribunal
de Contas da União.
Geralmente, de acordo com relatos, é requisitada a observar a regularidade de
processos licitatórios, conferir prestações de contas ou realizar auditorias in loco.
Eventualmente, também acompanha as Polícias Federal ou Civis em operações
ostensivas, quando, durante apreensões de bens, auditores selecionam os arquivos a
serem apreendidos – em geral, documentos e computadores120
. Em entrevista a este
autor, o ministro-chefe da CGU, Jorge Hage Sobrinho, elenca alguns procedimentos
típicos, dando ênfase à cooperação com a Policia Federal:
A parceria com a Policia Federal não se traduz apenas em atender a pedidos.
Muitas vezes começa de uma auditoria nossa, onde nós mapeamos um
determinado tipo de ocorrência, que nos chamou a atenção pelo modus
operandi, por parecer que há alguma organização criminosa, porque se
repete [...] em diferentes municípios ou Estados, ou por alguma outra
peculiaridade das empresas envolvidas (com ligações societárias entre elas)
[...] Aí nós provocamos a Policia Federal, perguntamos se ela tem alguma
coisa sobre aquilo. Ou se não tem, perguntamos se ela quer abrir um
inquérito.
[...]
Tipicamente, o que depende de auditoria é mandado a nós. Analisar um
processo de licitação, ver se houve direcionamento, se houve restrição de
competitividade, distorções de qualquer tipo no edital e na execução da
concorrência ou do pregão presencial ou eletrônico. Outra: irregularidade no
contrato. Outra: verificação in loco de uma ocorrência de, digamos,
pagamento a uma empresa fantasma. (Claro que essa é uma investigação
120
Relato do ministro-chefe da CGU, Jorga Hage Sobrinho, a este autor em novembro de 2013.
97
também típica da Polícia Federal. Também pode fazer. Muitas vezes a
Policia pede a nós porque a nós porque já temos uma unidade regional que já
estava atuando na área).
[...]
Outra coisa tipicamente solicitada a nós: quando já no final de um processo
investigativo, que começou aqui, depois teve o inquérito policial, e depois
vai fechar com uma operação ostensiva. [...] Neste momento, normalmente a
Polícia pede a colaboração da CGU para que um determinado número de
funcionários nossos acompanhem os policiais. Porque o nosso pessoal tem
mais expertise para identificar quais documentos são relevantes, para não
precisar levar aquele mundo de papelada de [por exemplo] um órgão de uma
prefeitura.
[...]
Outra atividade típica nossa: depois da operação, a Polícia nos pedir para
analisar o material recolhido.
Como apontado anteriormente, para que tais cooperações ocorram, uma
importante dose de vontade política é necessária. Para confirmar este fato,
perguntamos: quem determina se a CGU irá acatar pedidos externos por auditorias?
Na citada entrevista, o ministro Hage não deixa dúvidas: “o pedido só é acatado
depois de analisado [...] pelo órgão central”. Vejamos o trecho completo:
Não há um acordo formal aberto para cada caso. Preexiste o convênio de
cooperação. Em cada caso, os pedidos ou as provocações podem surgir de
nós para eles como deles para nós. Quando vem deles para nós, os canais
de entrada variam. Ás vezes o delegado pede à nossa unidade Regional, no
Estado. Às vezes pede diretamente aqui [na sede, em Brasília]. Ás vezes
vem diretamente a mim. Às vezes vai para o Secretário [de Controle
Interno]. Os caminhos podem ser os mais diversos.
Pergunta: Mas tem que ter algum status para acatar o pedido?
HAGE: Sim. O pedido só é acatado depois de analisado aqui, na SFC, ou
seja pelo órgão central.
98
Felizmente, a CGU computa a parte que lhe cabe dos trabalhos de cooperação.
Quando é ela quem age a partir de demandas externas, as ordens de serviço
relacionadas são registradas no Sistema Novo Ativa, da Secretaria Federal de
Controle Interno.
Do total de 124.747 auditorias realizadas pela SFC (medidas por “ordens de
serviço”) nos dez anos estudados, 8.612 foram atendimentos a demandas desta
natureza. Ou seja, 6,9%121
. Vemos ainda, na Tabela 5, que os principais demandantes
atendidos foram Ministério Público, Polícia Federal e “cidadão” (através de denúncias
em ouvidorias). Os números são substantivos. Variam entre pouco menos de 200 e
pouco mais de 400 por ano para estes três atores.
GRÁFICO: Origem das demandas externas por ações de controle atendidas pela
secretaria Federal de Controle (por número de ordens de serviço executadas)
Fonte: Dados dos sistemas Ativa e Novo Ativa - 08/03/2013
Em primeiro lugar, o gráfico confirma que, sim, há cooperação entre a CGU e
outros órgãos, e que esta cooperação não é ocasional. Ocorre sistematicamente. Em
segundo lugar, o gráfico expressa que os principais e mais poderosos atores do
combate à corrupção na esfera federal do Estado – Ministério Público e Polícia
federal - são os mais atendidos.
121
Fonte: CGU/Dados dos sistemas Ativa e Novo Ativa - 08/03/2013
0
100
200
300
400
500
600
700
800
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
AGU Câmara dos Deputados Denúncia (Cidadão)
Investigação (DPF) Ministério Público TCU
99
Apenas estes dois fatos já são de extrema relevância para o tema do combate à
corrupção no Brasil. Expressam que, sob a égide do Estado Democrático de Direito,
onde a lógica do freios e contrapesos e fundamentos liberais tornam mais sinuoso o
caminho para a responsabilização, a CGU criou, desde o seu surgimento, um padrão
sistemático de cooperação.
Em segundo lugar, o gráfico demonstra que as denúncias dos cidadãos,
captadas principalmente através das Ouvidorias, podem obter consequências,
desdobrando-se em auditorias. Somadas, em dez anos, totalizam 3.347 ordens de
serviço. Tendo em vista que a participação do cidadão no controle democrático dos
poderes e das leis é fenômeno de extrema relevância para o bom desenvolvimento de
uma democracia, os dados são positivos. No entanto, no mesmo período, a Ouvidoria-
Geral da União contabiliza um total de 69.649 manifestações recebidas classificadas
como denúncias122
. Ou seja, apenas 4,8% desdobram-se em auditorias. Será um
número baixo? Difícil interpretar, uma vez que, em primeiro lugar, podem haver
casos duplicados – onde várias denúncias apontam para o mesmo fato -, e, em
segundo lugar, de acordo com auditores entrevistados, muitas das denúncias têm
pouco ou nenhum fundamento. Por outro lado, no período, a CGU promoveu a
criação de Ouvidorias na Administração Pública Federal, fazendo saltar de 40 para
174 o total de unidades123
e o número de denúncias por ano cresceu de 4.617 para
6.424124
, mas, estranhamente, o número de ordens de serviço derivadas de denúncias
caiu. Talvez a resposta esteja, mais uma vez, na unidade de medida. Talvez
simplesmente a CGU não esteja dando conta de processar a quantidade de denúncias.
Não saberemos. Para tais casos, uma análise mais acurada seria necessária.
Além disso, o gráfico indica que, antes de 2006, não havia parceria entre a
CGU e a Policia Federal. Neste caso, não há dúvidas. O sistema não computou as
atividades. Há outros registros de operações conjuntas da CGU com a Policia Federal
entre 2003 e 2006, nas chamadas “Auditorias e operações especiais”. Entre 2003 e
2006, foram 17 operações desta natureza125
, e obviamente envolveram “ordens de
122
Dados do Sistema Novo Ativa/CGU, obtidos através de pedido através da Lei de Acesso à
Informação em 2013. 123
Fonte: CGU 124
Idem. 125
As operações Especiais realizadas entre 2003 e 2006 foram: Auditoria Especial Corpo de
Bombeiros Militar do Distrito Federal CEFET/PA; Auditorias Especiais FINAM e FINOR; Comission
Andina de Fomento (CAF); Operação Vampiro; Operação Gafanhoto; Operação Mamoré; Auditoria
Especial nos Correios; Operação Guabiru; Operação Pororoca; Operação Campus Limpo; Operação
Confraria; Fiscalização realizada no Município de Dourados (MS); Fiscalização realizada no
100
serviço”. Entre elas, por exemplo, a Operação Gafanhoto, que, em parceria com a
Polícia Federal e o Ministério Público Federal, identificou um esquema envolvendo a
contratação de funcionários “fantasmas” com recursos federais.
Vemos ainda, no gráfico abaixo, que, ano a ano, tais parcerias tenderam a
crescer:
GRÁFICO: Operações Especiais realizadas pela CGU em conjunto com o
Departamento da Polícia Federal e o Ministério Público
Fonte: CGU
Infelizmente, não há dados compilados sobre as consequências judiciais das
operações especiais entre a CGU e a Polícia Federal. Em verdade, não há dados
compilados em geral sobre o trabalhos de combate à corrupção na esfera judicial no
Brasil (apesar de recentes esforços do Conselho Nacional de Justiça). Assim, embora
tais dinâmicas sejam determinantes para o sucesso dos trabalhos, pouco se conhece
empiricamente sobre sua efetividade.
De qualquer forma, quando a CGU incorpora-se a ações investigativas junto à
Polícia Federal, costuma noticiar os casos, ainda que de forma sintética. Citamos
abaixo dois casos. São de 2013, ou seja, não correspondem aos dados do gráfico
Município de Águas Belas (PE); Fiscalização realizada no Município de Itaíba (PE); Operação
Galiléia; e Operação Sanguessuga. Fonte: CGU. Disponível em:
http://www.cgu.gov.br/ControleInterno/AcoesInvestigativas/OperacoesEspeciais/2003_2006.asp.
Acesso em: 01 Fev. 2014.
17
9
1211
24 2425
0
5
10
15
20
25
30
2003 a 2006
2007 2008 2009 2010 2011 2012
101
acima, mas acreditamos serem igualmente expressivos. Um deles foi resultante de
reportagem de 2013 do jornal O Globo126
, que revelou um esquema de fraudes no
programa Minha Casa, Minha Vida, o principal programa de moradia popular do
Governo Federal de então. Segundo a Polícia Federal esquema envolvia instituições
financeiras, correspondentes bancários, empresas de fachada e seus respectivos
responsáveis, e teria desviado recursos destinados à construção de casas em
municípios com menos de 50 mil habitantes. Haveria indícios de que ex-servidores do
Ministério das Cidades, valendo-se do conhecimento adquirido e da suposta
influência junto ao órgão, estariam atuando junto ao programa prestando serviços
inexistentes e, em alguns casos, recebendo uma espécie de “pedágio”, a partir da
cobrança de empresas contratadas para a construção das unidades habitacionais. A
CGU cooperou com dois servidores da CGU durante a execução de oito mandados de
busca e apreensão nas cidades de São Paulo/SP, Brasília/DF e Fortaleza/CE, todos
expedidos pela Justiça Federal.
Outra cooperação da CGU com a Polícia Federal ocorreiu durante a Operação
Teto de Vidro, no Mato Grosso do Sul, também em 2013. De acordo com a policia,
prefeituras do interior do Estado estariam praticando crimes de fraudes em licitações,
desvio de recursos públicos e corrupção. à época, havia duas investigações em curso,
e observou-se que uma empresa figurara em ambos os casos, o que ampliou as
suspeitas. De acordo com a CGU, ambas as investigações haviam sido iniciadas a
partir de auditorias do controle interno, que apontaram fraudes em licitações e
contratações. No caso, observou-se a “montagem de processos licitatórios sem que
houvesse real competição entre as empresas concorrentes”. Os fatos foram então
comunicados à Polícia Federal, que deu andamento às investigações. A operação
contou com oito servidores da CGU, dando cumprimento a 18 mandados de busca e
apreensão, cumpridos em seis cidades do Estado, inclusive na capital, Campo Grande.
Ao todo, no período estudado, houveram 122 casos, sendo desnecessário
relatá-los todos. Infelizmente, neste trabalho não tivemos fôlego suficiente para
analisá-los todos, de modo que pudéssemos observar que áreas foram mais cobertas e
obtiveram maior atenção por parte dos órgãos de accountability horizontal. Ainda
assim, vemos que mesmo áreas onde, no capítulo anterior, vimos que há pouca
126
O Globo. Ex-servidores do Ministério das Cidades fraudaram o Minha Casa. Abr. 2013. Disponível
em: http://oglobo.globo.com/brasil/ex-servidores-do-ministerio-das-cidades-fraudaram-minha-casa-
8107417#ixzz383sMC2YH/ . Acesso em: Abr 2014.
102
incidência de auditorias ou mesmo de TCEs, como o Ministério das Cidades, observa-
se a existência de algum controle, com consequências relevantes. Trata-se de bom
sinal, embora inconclusivo.
Ainda assim, o objetivo traçado, de identificar se houve cooperação entre a
CGU e outros órgaos do Sistema de Integridade foi realizado. Além disso, como
vimos, um parte importante importante desta cooperação não teria ocorrido se não
houvesse disposição das altas cúpulas em “adotar” os casos, proceder com as
apurações e dar consequências às irregularidades flagradas, mesmo em áreas mais
delicadas para o Governo Federal. Esta constatação desemboca no tema do capítulo
seguinte, que completa este trabalho: afinal, quais foram e são as bases institucionais
e políticas que garantiram à CGU atuar proativamente no combate à corrupção no
Brasil?
103
6 CGU, AGÊNCIA ANTICORRUPÇÃO
6.1 DESENVOLVIMENTO DO TEMA
A Controladoria-Geral da União foi criada sob o vácuo de uma agência
brasileira anticorrupção. Apesar de alguns inegáveis avanços terem ocorrido desde a
Constituição de 1988, não havia até então um órgão de fato disposto a promover e
articular as mais diversas atividades de prevenção, controle e responsabilização da
corrupção no âmbito do Executivo Federal.
Pope definiu, em 2000, uma típica agência anticorrupção a partir do modelo
de Honk Kong, onde uma instituição deste tipo “serve não apenas para aceitar e
investigar alegações de corrupção (mas não persecutar), mas também para executar
campanhas de sensibilização pública e para auditar os sistemas de departamentos
governamentais e agências individuais de gestão, a partir de uma perspectiva anti-
corrupção” (POPE, 2000, p. 95)127
. De acordo com Pope, para operar com sucesso,
uma agência anticorrupção deve ter:
- Apoio político do mais alto nível de governo;
- Recursos adequados para a sua missão;
- Independência política e operacional para investigar até mesmo os mais altos
níveis dos poderes públicos;
- Poderes adequados de acesso à documentação e para a inquirição de
testemunhas;
- Leis “faceis de manejar” (“user friendly”); e
- Liderança vista como da mais alta integridade
O autor defende o fato de que, além de agências com competências para a
investigação e a persecução, os Sistemas de Integridade devam ter um órgão disposto
a promover atividades de aprimoramento da integridade, catalizando os poderes dos
órgãos, capacitando servidores, e sensibilizando a sociedade civil para o tema da ética
e do combate à corrupção.
127
Tradução livre do autor.
104
A partir desta definição, o órgão que mais se aproxima de uma agência
anticorrupção no Brasil é a CGU. Além dos dados referentes à investigação e
responsabilização da corrupção analisados ao longo deste trabalho, o órgão teve ativa
participação na promoção do controle social, na “sensibilização” de setores
empresariais e na articulação entre os órgãos do Sistema de Integridade.
Fora a articulação com outros órgãos, que observamos a partir de dados
quantitativos no capítulo anterior, vejamos algumas atividades e características da
CGU que convergem para as sugestões de Pope.
Em 2004, criou o Portal da Transparência, instrumentalizando o controle
social, através do qual qualquer cidadão tem acesso online à maior parte dos recursos
públicos federais movimentados desde então. Atualmente, há R$ 11,4 trilhões
registrados em despesas, R$ 8,2 trilhões em receitas, e R$ 298 bilhões em
convênios128
. Trata-se, nos termos da administração pública, da chamada
“transparência ativa” - quando o próprio governo divulga seus atos.
Na mesma perspectiva, recentemente, em 2011, regulamentou-se na esfera
federal também a chamada “transparência passiva”, através da lei de Acesso à
Informação129
– quando o cidadão é quem demanda informações específicas. O
embrião do projeto foi elaborado pelo seu Conselho de Transparência Pública e
Combate à Corrupção, a partir de sugestão da ONG Transparência Brasil130
. Entre
outros elementos, a norma determinou prazos para a resposta aos pedidos,
estabelecendo sanções administrativas a quem não cumpri-la. Em um ano de vigência,
a partir de 16 de maio de 2012 até 31 de Maio de 2013, recebeu 92.894 pedidos de
informação (média de 7145,7/mês)131
.
Além disso, a CGU iniciou um projeto de constituição de um “sistema federal
de ouvidorias”, com o objetivo de integrar os fluxos de trabalho e de banco de dados,
e de padronizar as informações através de “uma política de gestão da informação e do
conhecimento” (PAULINO, 2013, p. 5). O primeiro passo foi multiplicar o número de
ouvidorias na esfera do Executivo federal, fazendo-as saltar de 40 para 177. Este
movimento redundou no crescimento do número de manifestações apresentadas pelos
128
Dados do Portal da Transparência. Disponível em: http://www.portaldatransparencia.gov.br/#.
Acesso em 12 Nov. 2013. 129
Lei nº 12.527/11 130
Relato de Claudio Weber Abramo, presidente da ONG Transparência Brasil, a este autor. 131
Fonte: Ouvidoria-Geral da União.
105
cidadãos, de 1.719 para 11.553, entre 2003 e 2012132
. Destas, a maior parte são
denúncias. Cresceram de 1.603 para 10.364. Apesar de já termos notado no capítulo
anterior que tais manifestações não resultaram necessariamente em mais auditorias e
mais responsabilização, expressam, ainda que embrionariamente, um movimento de
maior articulação entre sociedade civil e instituições do Estado em vistas da
integridade.
Desde 2003, o Programa Olho Vivo no Dinheiro Público, capacita cidadãos
para o monitoramento da aplicação dos recursos públicos. O foco são conselheiros
municipais, lideranças locais, agentes públicos municipais, professores e alunos, que
recebem orientações sobre transparência na administração pública, responsabilização
e cumprimento dos dispositivos legais. Entre as orientações, ensinam por exemplo
como o orçamento público é planejado, através do Plano Plurianual (PPA)133
, da Lei
de Diretrizes orçamentárias (LDO)134
e da Lei Orçamentária Anual (LOA)135
.
Ensinam também quais são as regras para que as despesas não se realizem
arbitrariamente136
. Em oito anos, entre 2004 e 2011, 44.515 cidadãos foram
capacitados137
.
A CGU também se tornou um ativo ator no cenário internacional, firmando
acordos juntpo à OGP (Parceria para Governo Aberto), à ONU (Organização das
132
IDEM. 133
O PPA representa o planejamento das políticas públicas e programas de governo para o período de
quatro anos (quadriênio). Também indica os meios para se atingir os objetivos de um programa,
podendo assumir a forma de projetos, atividades ou operações especiais (Ações). Projetos são trabalhos
específicos, com prazo e produto final. Atividades são operações de um trabalho continuado, a fim de
manter ações já desenvolvidas. Operações especiais são ações que, em tese, não contribuem para a
manutenção das ações do governo, como, por exemplo, o pagamento de servidores inativos (CGU,
2010). 134
A LDO orienta ano a ano como as políticas e programas devem ser realizados. Dispõe sobre as
metas e prioridades para a Administração Pública, os critérios para a elaboração da LOA, as alterações
da legislação tributária e as formas de financiamento do orçamento. Dispõe ainda sobre política salarial
e concursos públicos e estabelece os percentuais de recursos que serão descentralizados para os
Poderes e Administração Indireta, como fundações, autarquias e sociedades de economia mista. Elege,
a partir do PPA, os programas e metas físicas a serem executados, sempre no exercício seguinte ao de
sua elaboração (IDEM, 2010). 135
A LOA define a alocação dos recursos necessários anualmente para a concretização das metas
estabelecidas. A LOA se ocupa de definir as fontes de arrecadação, estimar as receitas e prever as
despesas para o ano seguinte ao de sua elaboração. É nela que o Programa de Trabalho do governo se
apresenta de forma mais detalhada e objetiva, a ponto de seu não encaminhamento ao Congresso
Nacional até 31 de agosto implicar em crime de responsabilidade do Presidente da República,
conforme previsto no inciso III do § 2º do art. 35 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
(ADCT), combinado com o art. 10 da Lei 1.079/50. Esses dispositivos também atingem os
governadores e prefeitos. (IDEM, 2010). 136
As principais leis relacionadas são a Lei das Finanças Públicas, a Lei nº 4.320/64, na Lei das
Licitações, a Lei nº 8.666/93 e na Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei Complementar nº 101/2000. 137
Fonte: CGU
106
Nações Unidas), à OEA (Organização dos Estados Americanos), e à OCDE
(Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômicos). Tais acordos
estabeleceram compromissos entre os Estados que, além de contribuirem para o
aperfeiçoamento da inteligência, muitas vezes servem de pressão sobre os
parlamentares em torno da aprovação de leis necessárias. Este foi o caso, por
exemplo, das aprovações das lei de Acesso à Informação138
e da Lei de
responsabilização jurídica por atos de corrupção empresarial139
.
Esta última fora elaborada conjuntamente pela CGU e pelo Ministério da
Justiça140
, propondo novas formas de punição para empresas envolvidas em
corrupção, como fraude em licitações, pagamento de propina a servidores públicos,
lavagem de dinheiro ou maquiagem de serviços e produtos fornecidos ao governo.
Entre as novas punições previstas para pessoas jurídicas figurou uma multa (de 1% a
30% do faturamento bruto), o impedimento de receber benefícios fiscais, e o
fechamento temporário ou mesmo extinção, dependendo da gravidade praticada. Até
então, a principal sanção aplicável às pessoas jurídicas era a declaração de
inidoneidade, mencionada no capítulo 4 como uma das consequências possíveis das
Tomadas de Contas Especiais. Questionado sobre os benefícios de o Brasil participar
de fóruns internacionais, o ministro Jorge-Hage assim se expressou:
Começo pela mais recente das leis: a Lei de responsabilização jurídica por
atos de corrupção empresarial. Na mobilização junto ao Congresso,
usamos muito fortemente o argumento da exigência da OCDE
[Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico]. A
cobrança que fazia ao país, com ameaça real de o Brasil levar uma nota
ruim na próxima avaliação [...] por falta desta lei. Que era a última lei que
faltava ao Brasil para atender plenamente às exigências da OCDE do ponto
de vista normativo. [...] O fato de que a OCDE nos cobrar essa lei nos
ajudou muito a obter a aprovação dela.
Para o caso da Lei da Acesso à Informação, Hage utiliza-se do mesmo
argumento: “Tinha lá um item, que era a LAI [Lei de Acesso à Informação], que o
Brasil não tinha: a regulamentação para o cidadão saber como pedir acesso a
138
Lei nº 12.527/2011 139
LEI Nº 12.846/2013. 140
Projeto de Lei 6826/2010
107
documento especifico que ele quer e não só o que o país quer mostrar
espontaneamente. Mas o documento que eles [da Open Government Partnership]
queriam (com prazo) não tinha. E começamos a usar este argumento fortemente até
que conseguimos esse ganho também”.
Ou seja, no caso da proposta e aprovação de ambas as leis, a CGU teve
participação ativa, articulando diversos seguimentos da sociedade, inclusive
internacional, aproveitando-se de lideranças marcadas pela “alta integridade”.
Outra iniciativa importante é a criação do Sistema Eletrônico de Prevenção de
Conflitos de Interesses (SeCI). O sistema torna mais ágil o trabalho de recebimento,
trâmite e análise de “pedidos de autorização para exercício de atividade privada e de
consultas sobre existência de conflito de interesses de servidores e empregados
públicos federais”141
. Além disso, permite acompanhar as solicitações em andamento
e interpor recursos contra as decisões emitidas. Objetivamente, as consultas e pedidos
de autorização, que eram realizadas somente em papel, passam a ocorrer por meio
eletrônico. Com o sistema, os agentes públicos encaminham, via web, as solicitações
diretamente aos órgãos e entidades de exercício, que por sua vez fazem a análise
preliminar e podem encaminhar os pedidos eletronicamente à CGU.
Por estes e outros motivos, e em concordância com alguns autores da literatura
(CORREA, 2011, por exemplo), a CGU parece ter se consolidado como a principal
agência anticorrupção do país.
6.2 O PAPEL DA VONTADE POLÍTICA
O fato de a CGU ter se consolidado como a principal agência anticorrupção do
Brasil, no entanto, tende a contrastar com algumas outras característas mencionadas
por Pope. Entre elas, a exigência de que semelhante instituição tenha “independência
política e operacional para investigar até mesmo os mais altos níveis dos poderes
públicos”, e ainda que tivesse “poderes para acesso a documentações e para a
inquirição de testemunhas”. Por isso, nos questionamos: como um órgão tipicamente
de controle interno, que controla o mesmo Poder em que está situado, assessor da
141
Trecho reproduzido do portal da CGU. CGU lança sistema eletrônico de prevenção de conflito de
interesses. Jul 2014. Disponível em: http://www.cgu.gov.br/Imprensa/Noticias/2014/noticia08814.asp.
Acesso em: Jul. 2014.
108
Presidência da República, e não previsto constitucionalmente, pode se tornar a
principal agência anticorrupção do Brasil?
No seu clássico artigo “Accountability horizontal e novas poliarquias” (1997),
O‟Donnell apresenta “algumas sugestões modestas” para o aprimoramento da
accountability horizontal nas novas democracias, afirmando, no item dois, que
[...]não seria menos importante que as agências que desempenham um
papel essencialmente preventivo, tais como os Tribunais de Contas
(General Accounting Offices ou Controladorias), fossem altamente
profissionalizadas, dotadas de recursos tanto suficientes quanto
independentes dos caprichos do Executivo, e o mais isoladas que seja
possível do governo. (O‟DONNELL, 1997, p. 47)
Em se tratando de um órgão majoritariamente de controle interno e “assessor
da Presidência da República”, parece que, ou escolhemos a abordagem errada para
adotar a CGU como a principal agencia anticorrupção do país, ou escolhemos a
agência errada. Afinal, como um órgão situado no gabinete da presidência pode ser
“independente dos caprichos do Executivo”?
Sintomaticamente, experiências em outros países indicam que, dependendo de
outras características, o fato de uma agência anticorrupção figurar próxima ao
Governo pode até contribuir com o sucesso dos trabalhos. Em determinado momento
de seu famoso trabalho “Confronting Corruption: The elements of a national Integrity
System”, Pope (2000) se questiona: “onde deve estar situada a agência
[anticorrupção]? E cita os exemplos de Cingapura e Honk Kong, semelhantes ao
brasileiro:
O sucesso [da agência anticorrupção] em Cingapura se deve muito à
determinação de seu ex-Primeiro-Ministro e Chefe do Governo, Lee Kuan
Yew. Alguns escritores têm apontado para a colocação da agência no
gabinete do primeiro-ministro como sendo um fator importante para seu
sucesso. A localização da agência de Honk Kong também foi um fator-
chave, onde figura no gabinete do Governo, mas de onde, ao mesmo
tempo, se reporta ao Poder Legislativo, e sua separação do serviço público
109
e sua autonomia foram, e são, consagrados no direito e na prática. (POPE,
2000, p. 94, grifos nossos)142
.
O autor destaca que o fato de as agências anticorrupção de Cingapura e Honk
Kong estarem situadas no gabinete do primeiro-ministro e do governo é “fator-chave”
para o sucesso de ambas! No entanto, destaca que tal sucesso, no caso de Cingapura,
se deve muito à “determinação” de seu chefe do Governo, à existência concomitante
de “apropriados mecanismos de accountability” e ao controle do Legislativo de outros
tribunais:
No entanto, se esta característica particular é um modelo para outros
seguirem isso depende em grande medida se há apropriados mecanismos
de accountability vigentes. Uma agência deste tipo pode ser usada de
forma corrupta para atacar adversários políticos. A criação de qualquer
agência deve se proteger contra esta possibilidade. [...]. Os piores excessos
da "grande corrupção" podem ocorrer em torno do Gabinete do Presidente.
Uma agência anticorrupção situada em semelhante situação dificilmente
estará em posição de enfrentar as altas hierarquias a menos que seja
apoiada por outros mecanismos de accountability. Assim, a agência deve
responder ao Legislativo e aos tribunais, da mesma forma que uma
instituição de ombudsman. (POPE, 2000, p. 94, grifos nossos)143
.
Em acordo com Pope, Avritzer afirma que o combate à corrupção não deva ser
um “monopólio da burocracia”, mas sim uma questão de Estado:
é que é necessário discutir o problema do controle da corrupção no Brasil
não como uma questão administrativa, alicerçada no monopólio
burocrático. A questão do controle da corrupção no Brasil deve ser
pensada, precipuamente, como uma política de Estado, tendo em vista a
relação entre Estado e sociedade, de um lado, e a relação entre os três
poderes da República, de outro. Isto quer dizer que é fundamental pensar e
identificar as deficiências do controle, as dificuldades organizacionais, os
pontos de vulnerabilidade e as práticas institucionais relacionadas ao
controle da corrupção. Ou seja, é fundamental pensar a corrupção no Brasil
na discussão dos controles públicos como política de Estado e não na
142
Tradução livre do autor, do inglês para o português. 143
Tradução livre do autor, do inglês para o português.
110
lógica do escândalo, como muitas vezes tem sido feita na experiência
brasileira. (AVRITZER, 2011, p. 23)
O caso brasileiro traz algumas semelhanças e algumas diferenças frente estas
características. A primeira semelhança é a já observada por nós. A CGU também se
situa no gabinete da Presidência da República, enquanto “órgão assessor”. Do ponto
de vista do controle, esta característica garante o status necessário para a agência
controlar quaisquer atos do Executivo Federal, em especial suas execuções
financeiras, embora também a performance das gestões. Afinal, é o próprio gabinete
quem, responsável pelo seu governo, promove o controle. Este fato foi analisado no
capítulo 3, quando abordamos a reestruturação do sistema de controle interno do
Executivo Federal, quando os auditores deixaram de ser “homens dos ministros” para
serem “fiscais dos ministros” (OLIVIERI, 2010, p. 112).
Outra semelhança frente os cenários de Cingapura e Honk Kong diz respeito à
existência de “apropriados mecanismos de accountability”. Como vimos no capítulo 1
deste trabalho, a despeito de sérias lacunas, o Sistema de Integridade que o Estado
brasileiro dispoe hoje, especialmente na esfera federal, é razoável e vem se
desenvolvendo constantemente. Citamos alguns exemplos do ponto de vista formal,
além de alguns dados sobre a estrutura dos órgãos. Mas, dadas as mínimas estruturas
e competências e um desenho institucional que respeite a lógica dos “freios e
contrapesos”, o melhor termômetro para este parâmetro só pode ser a observância
histórica de casos concretos. Isso porque entendemos que a “determinação” do chefe
do Governo é fundamental para que os mecanismos de accountability horizontal
operem de forma apropriada. Em verdade, como afirmado no capítulo anterior, a
importância de tal determinação não se restringe ao chefe do Poder Executivo, mas a
todas as altas hierarquias das principais agências de combate à corrupção, bem como
a alguns delegados, procuradores, juízes ou auditores. Nesses casos, onde “homens de
carne e osso” tomam decisões seja para acatar determinado caso, para incorporar-se a
operações de outros órgãos, ou para facilitar o acesso a determinadas informações, a
vontade política é aspecto determinante.
Ainda assim, especialmente a Presidência da República tem importantância
determinante, sob o desenho institucional brasileiro, para o sucesso dos trabalhos. Isso
ocorre por vários motivos, sendo o primeiro deles o fato de recair sobre o titular deste
111
órgão o poder de indicar grande parte dos titulares das principais agências de
accountability horizontal do Estado brasileiro. No caso do Ministério Público, o art.
128 da Constituição Federal determina que o órgão
tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente
da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos,
após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do
Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução.
No caso do Tribunal de Contas da União, o art. 73 estabelece que os ministros
serão escolhidos:
I - um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado
Federal, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do
Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo
Tribunal, segundo os critérios de antigüidade e merecimento;
II - dois terços pelo Congresso Nacional.
No caso dos ministros dos Tribunais Superiores de Justiça, o art. 84 estabelece
que
compete privativamente ao Presidente da República: [...] XIV - nomear,
após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal
Federal e dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o
Procurador-Geral da República, o presidente e os diretores do banco
central e outros servidores, quando determinado em lei;
Já o Departamento de Polícia Federal (DPF), enquanto subordinado ao
Ministério da Justiça, tem seu Diretor-Geral indicado pelo ministro – o que pode-se
traduzir por, indiretamente pela Presidência da República. E, diga-se, a mesma
estrutura se reproduz nos estados, recaindo sobre os governadores poder semelhante.
Nos casos dos Tribunais Superiores de Justiça e dos Tribunais de Contas, o
nomeado desfruta de estabilidade, o que garante maior independência, pois o indicado
não presta contas àquele que o indicou. Presta Contas à Constituição e às outras
normas jurídicas, controladas, do ponto de vista da legalidade, pelo Ministério
Público e, eventualmente, pela Policia Federal.
112
No entanto, para a Policia Federal, o Ministério Público e a CGU o mesmo
não ocorre. No caso da CGU, já apontamos: a Presidência da República pode
substituir seu ministro-chefe sem entraves institucionais, à exemplo de qualquer
ministério. No caso da Policia Federal, pode fazê-lo por meio de seu Ministro da
Justiça. E no caso do Ministério Público, há estabilidade, porém apenas de dois anos
após a nomeação. Ou seja, após esse período, o Procurador-Geral da República sabe
que será mantido ou não no cargo de acordo com o desejo ou não da Presidência –
ainda que esta disponha de apenas três opções indicadas pelos “integrantes da
carreira”.
Além de a Presidência fazer valer sua vontade política no ato na nomeação,
este poder se faz presente também ao longo dos mandatos. Representa uma moeda de
troca, onde os indicados, cientes de que a estabilidade no cargo depende diretamente
do chefe do Poder Executivo, podem orientar o trabalho ao longo da gestão em acordo
com os interesses de seu superior. Naturalmente, qualquer ato público deve ser
balizado pelas leis, mas a celeridade e a proatividade dos mesmos dependem, mais
uma vez, de vontade política. Por isso, verificamos aqui, conjuntamente, a existência
de apropriados mecanismos de accountability horizontal e de determinação política
das altas cúpulas do poder, cientes de que o primeiro depende, na prática, ainda que
em parte, do segundo. Além disso, dada a proximidade da CGU com a Presidência da
República, interessa saber se há outros órgãos garantindo algum controle sobre esta
mesma Presidência da República, de modo que não recaia sobre a CGU tarefa
aparentemente irrealisável. E também porque, se não houvesse uma efetiva
accountability horizontal sobre a chefia do Executivo Federal, a própria CGU, sem
freios, poderia sofrer ingerência.
Durante entrevista com o ministro-chefe da CGU, Jorge Hage Sobrinho,
questionamos quais eram os entraves para a livre atuação do órgão. Ressaltamos que
entendíamos a posição da Presidência e as dificuldades inerentes à composição e
coordenação da base aliada (dadas as características do “presidencialismo de
coalizão”). O ministro respondeu:
A única coisa que é decisiva a meu ver... e que cabe... e que eu me
perguntei antes de aceitar esse cargo... e periodicamente me refaço a
pergunta para continuar nele é a seguinte: o presidente da República ou a
presidenta da Republica está disposta a bancar o que quer que seja que nós
113
venhamos a constatar a identificar e a comunicar a ele? Se estiver e
enquanto estiver, eu aqui continuo acreditando que é possível fazer esse
trabalho. No momento em que eu tiver a menor dúvida de que não seguram
a onda, aí a porta está aberta para ir embora. Ou seja, tudo depende de uma
prévia definição e decisão política da autoridade maior. Se a autoridade
maior se dispõe a ter um órgão sério, a colocar pessoas que ela sabe que
não vão tergiversar, é porque querem enfrentar o que vier. Se não, não
adianta. Não adianta sonho, não adianta poesia de quem quer que seja
dizendo “eu sou o bom, eu faço, eu aconteço”. Não importa. Importa saber
quem está acima de você. O Presidente da República: ele vai aguentar a
parada ou não vai? Se não vai, por melhor que você seja, pode ir embora
porque não vai segurar. Porque o primeiro a ser tirado vai ser você.
O relato do ministro é ao mesmo tempo revelador e redundante. Redundante
porque replica o que já está previsto nas normas: a CGU não dispõe de autonomia
institucional, não é um órgão permanente, e, como um ministério qualquer, pode ter
seu titular retirado do cargo sem entraves institucionais. Além disso, foi criada
enquanto Corregedoria em 2001 através de Medida Provisória, e, dois anos depois,
convertida em Controladoria através de lei ordinária. Até o presente momento, não
dispoe de lei orgãnica.
Por outro lado, o relato é revelador simplesmente porque dá “carne e osso” a
um estado de coisas onde o aval da Presidência da República é determinante para o
sucesso dos trabalhos.
Entrevista junto ao atual Controlador-Geral do Município de São Paulo
(2014), ex-Secretário da Prevenção da Corrupção da CGU entre 2010 e 2013, Mário
Spinelli, reforça o argumento:
PERGUNTA: Os Tribunais de Contas teriam condições de fazer esse
controle (típico de uma agencia anticorrupção)?
Sim.
PERGUNTA: Então por que que teve que surgir um órgão como a CGU?
Porque para fazer isso você tem que ter vontade política. A CGU tinha um
corpo diretivo que identificou o que era importante para o pais. Jorge
Hage, [Luiz] Navarro [Secretário-Executivo, Secretário de Prevenção da
114
Corrupção e Corregedor-Geral da CGU entre 2003 e 2012], enxergaram
que era importante. Viram que era isso que o mundo desenvolvido faz.
Como já mencionado, durante as três gestões presidenciais apenas duas
personalidades ocuparam o cargo de ministro-chefe da CGU, sendo que o primeiro,
Waldir Pires, deixou o posto apenas em 2006 para se aposentar, conduzindo seu
sucessor, Jorge Hage, à época secretário-executivo. É inegável, portanto, que para a
CGU se constituir enquanto uma agência anticorrupção houve vontade política das
gestões petistas na Presidência da República (2003 – 2014).
Reforçam nossa percepção alguns posicionamentos públicos do partido dos
Trabalhadores enquanto representante da Presidência da República. O programa de
governo da campanha de Lula em 2002 afirmava que “a criação da Corregedoria-
Geral da União revelou-se insuficiente para responder ao complexo desafio de
prevenir a corrupção na extensa máquina de governo federal”. Como resposta,
propunha “reestruturar e fortalecer a Corregedoria-Geral da União, dotando-a de
instrumental e competência para o pleno exercício de sua vocação”, bem como
“articular as ações da Receita Federal, da Polícia Federal, do Ministério Público, do
Banco Central, do Poder Judiciário, do Tribunal de Contas da União e do Sistema de
Controle Interno do Poder Executivo. Este último deve ser reforçado em suas
competências e capacidade operacional”144
.
Em maio de 2003, meses após a troca de gestões, a CGU dera ainda mais
destaque às auditorias in loco ao criar o modelo de escolha dos municípios através de
sorteio através da Caixa Econômica Federal. Lula foi ao evento e fez discurso. Um
mês depois, foi ao IV Fórum Global de Combate à Corrupção. Em 2006, durante
discurso para o Dia Internacional contra a Corrupção, reforçou os papeis justamente
dos órgãos que mais diretamente lhe são vinculados:
No âmbito do Governo Federal Brasileiro, duas instituições assumem hoje
a liderança dessa frente de luta: a Controladoria-Geral da União e a Polícia
Federal. Ao longo dos últimos quatro anos, essas duas instituições
ganharam prestígio, nacional e internacional, e receberam meios e recursos
para travar uma luta tenaz contra a corrupção, empreendendo uma cruzada
incessante contra esse crime, de forma absolutamente impessoal e
144
Programa de Governo da Coligação Lula Presidente (PT/PCdoB/PL/PMN/PCB)
115
republicana, sem qualquer interferência de caráter político-partidário que
pudesse comprometer sua atuação.
Como observado, o melhor termômetro para observar se as palavras de Lula
representam a realidade só pode ser a observância histórica de casos concretos. Nesse
sentido, os dados apresentados ao longo desta pesquisa são bons indicadores.
Apontam que, sim, a CGU assumiu alguma “liderança” nesta “luta tenaz contra a
corrupção”, seja contribuindo com prevenção e informação, seja promovendo
sanções.
Por alguma razão que desconhecemos, as gestões do partido dos
Trabalhadores durante os dois governos Lula (2003 – 2010) e Dilma (2010 – 1014)
parecem ter se comprometido não apenas com o fortalecimento da CGU, mas com o
Sistema de Integridade como um todo. O tema do combate à corrupção não parece ter
sido tratado como “resposta a escândalos” , mas como questão de Estado.
Arantes (2011) mostra, por exemplo, que a Policia Federal multiplicou o
número de operações especiais entre 2003 e 2009, fazendo-as saltar de 15 para 288.
Em grande medida, isso ocorreu mediante a quase duplicação de seu orçamento e
quadro de servidores promovidos pelo Poder Executivo. Em seu artigo, descreve a
profundidade que os trabalhos adquiriram, evidenciando que, em alguns casos, a
Policia Federal desfrutou de fato de “independência política e operacional para
investigar até mesmo os mais altos níveis dos poderes públicos”.:
Até as altas cúpulas da República estiveram na mira e nas escutas dos
federais: o irmão do presidente Lula esteve envolvido na operação Xeque-
Mate, ministros de Estado caíram por operações da Policia Federal, juízes do
Supremo Tribunal Federal tiveram conversas telefônicas grampeadas,
senadores e deputados viram-se enredados por diversas ações e até a Policia
Federal teve seu segundo homem na hierarquia preso na Operação Toque de
Midas. (ARANTES, 2011, p. 107)
Adiante, credita à vontade política da Presidência tais feitos:
Não cabe dúvida de que o fortalecimento recente da organizacão está na
raiz de seu maior ativismo dos últimos anos, mas, dado o baixo grau de
institucionalização prévio, tais avanços somente podem ser creditados à
116
decisão política do Poder Executivo de realizar esse investimento.
(ARANTES, 2011, p. 116).
Neste caso, vale notar que a CGU, ainda que possa dar suporte aos trabalhos,
é, desde sempre, suspeita a ser convocada. Seu ministro-chefe é muito próximo à
Presidência, despachando recorrentemente com o próprio presidente e com ministros
influentes, como o chefe da Casa Civil e o ministro das Relações Institucionais145
.
Informações sigilosas da investigação poderiam ser trocadas, dificultando os trabalhos
da polícia. No caso da Operação Xeque-Mate, ocorrida ao longo de 2007, o ministro
Hage foi questionado por um jornalista se a CGU iria investigar o possível
envolvimento do irmão do presidente Lula, Genival Inácio da Silva, o Vavá, em casos
de tráfico de influência ligados ao governo federal. A investigação buscava
desarticular uma quadrilha que contrabandeava componentes eletrônicos para a
utilização em máquinas caça-níqueis e tráfico de drogas, além de pagar propina para
evitar fiscalizações policiais. Hage então reafirmou a "ampla liberdade" de
investigação da Polícia Federal na operação e disse que que poderiam atuar se fossem
chamados, mas que isso não teria acontecido até então. "Tráfico de influência é crime
tipificado no código penal brasileiro. Como todo crime, a investigação cabe à Polícia
Federal e ao Ministério Público Federal"146
, disse.
Ou seja, ainda que a CGU não desfrute ela mesma de “independência política
e operacional para investigar até mesmo os mais altos níveis dos poderes públicos”,
há pelo menos um órgão com tais competências e que de fato tem exercido esse papel
(ao menos em alguns casos). Este cenário não é de forma alguma contrstante com as
sugestões de Pope. Ao contrário. A lógica sugere ser melhor que tais características
residam em um órgão de controle externo, dada a proximidade da CGU com a
Presidência, garantindo o correto funcionamento da dinâmica de “freios e
contrapesos” do Estado.
No caso do Ministério Público, há poucas informações que nos permitam
observar a existência de vontade política em prol do combate à corrupção em suas
atividades. O fato de os procuradores disporem de ampla autonomia para trabalharem
145
Constatação do autor a partir de leitura da “agenda de atividades” do ministro-chefe da CGU.
Disponível em: http://www.cgu.gov.br/Agenda/Autoridades/index.asp. Acesso em Jul. 2014. 146
Diário Comercio, Indústria e Serviços. Jorge Hage reafirma ampla liberdade de investigação da
Polícia Federal. Jun 2007. Disponível em: http://www.dci.com.br/politica/jorge-hage-reafirma-ampla-
liberdade-de-investigacao-da-policia-federal-id110268.html. Acesso em Abr. 2014.
117
dificulta a organização de dados, embora alguns pesquisadores simplesmente apontem
falta da transparência no órgão. De qualquer forma, alguns fatos indicam um
movimento republicano no interior do órgão. Entre eles, a persecução do chamado
“Mensalão do PT” durante a gestão Lula. A despeito de o caso ter vindo à tona a
partir de reportagens da imprensa (e não a partir de investigações dos órgãos de
accontability horizontal) – primeiro a partir da Revista Veja, no caso dos Correios, e
depois, pelo jornal Folha de São Paulo, no caso da denúncia do então deputado
federal Roberto Jefferson -, expressou evidente autonomia por parte do Ministério
Público e de seu Procurador-Geral da República, que elaboraram a acusação que
culminaria na condenação criminal de 25 dos 38 réus acusados, incluindo altos
dirigentes do PT, como o ex-chefe da casa Civil, José Dirceu. À época, Cláudio
Lemos Fonteles ocupava o posto de Procurador-Geral da República, a partir de
nomeação do Presidente da República, que, acatando a indicação da categoria,
conduzio-o ao cargo. Meses após a denúncia de Jefferson, Antonio Fernando Barros e
Silva de Souza seria conduzido à titularidade do Ministério Público, que figurara vago
após os dois anos previstos, também em respeito à indicação da categoria. Lula
poderia ter forçado a nomeação de alguma personalidade mais atrelada ao partido,
mas não foi o que ocorreu. E, a partir de 2009, Roberto Monteiro Gurgel Santos seria
o novo nomeado. Dado o fato que trata-se de cargo de indicação da Presidência (ainda
que dependa de referendo do Congresso Nacional), fortes suspeitas sobre a real
autonomia da instituição recaíram sobre o caso. Some-se ainda ao caso o fato de que,
durante o julgamento, oito dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal haviam
sido conduzidos ao posto ou pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou por Dilma
Rousseff, ambos do PT. Ou seja, ainda que não fosse de interesse do PT a condenação
de quadros do partido, o espírito republicano se impôs, e políticos foram condenados.
Ainda não está claro se o caso do Mensalão do PT é uma exceção esporádica
que por algum motivo que não pretendemos investigar teria ocorrido a despeito da
baixa probabilidade, ou se, ao contrário, é expressão de vontade política em favor de
um Sistema de Integridade cada vez mais forte e autônomo. De qualquer forma, trata-
se de indicador positivo para talvez a área mais delicada do combate à corrupção, o
“ponto cego”, a saber: o controle das altas hierarquias da política. Nesse sentido, a
real possibilidade de políticos poderosos serem condenados criminalmente pode ser
considerada como bom termômetro da existência ou não de “apropriados mecanismos
de accountability”.
118
Outro caso que reforça a existência de autonomia entres os órgãos de controle
e as altas cúpulas do poder é o já mencionado caso da ex-chefe do Gabinete Regional
da Presidência da República em São Paulo, Rosemary Nóvoa de Noronha. A despeito
das suspeitas de desfrutar de intimidade com o ex-presidente Lula, Noronha está
sendo acusada criminalmente e fora expulsa da Administração através de PAD
conduzido pela própria CGU. Neste caso, dada a alta publicidade do caso na
imprensa, a CGU apenas fez acontecer um procedimento administrativo que as leis
indicavam, sem grande proatividade. De qualquer forma, seja para proteger sua
reputação de “alta integridade”, seja constrangida pelas leis, operou como deveria.
Além disso, alguns casos, como o da Operação Teto de Vidro, no Ministério
das Cidades, citado no capítulo anterior, abalaram a imagem do principal programa
para habitação do Governo Federal, o Minha Casa, Minha Vida, com participação
decisiva da CGU. Fora a Controladoria-Geral quem descobrira as irregularidades,
encaminhando os indícios à Policia Federal, dando origem ao inquérito que culminou
com o cumprimento a 18 mandados de busca e apreensão.
No caso dos Tribunais de Contas, alguns fatos concorrem contra nosso
argumento. Consentino (2013) observa que os pareceres do TCU sobre as contas
Presidenciais sugeriram, desde o início da pesquisa, em 1995, a aprovação de todas
elas (embora a maioria “com reservas”). Já o Congresso Nacional, responsável por
dar a decisão final, deixou para 2002 a aprovação em bloco de todas as contas dos
oito anos de mandato de FHC. E, até 2010, não havia proferido nenhuma decisão
sobre as contas das duas gestões de Lula.
Além disso, relatório de 2014 da Transparência Brasil mostra que dos 238
conselheiros e ministros de todo o país, 47 (20%) têm ocorrências na Justiça ou nos
próprios Tribunais de Contas147
. Destes, 12 já foram condenados na Justiça ou nos
Tribunais de Contas, sendo um deles por homicídio e seis por improbidade
administrativa. Os dados coletados expressam também forte politização do órgão.
64% dos conselheiros ou ministros têm ou tiveram atividade política antes de serem
nomeados.
De qualquer forma, vemos que especialmente a Polícia Federal e o Ministério
Público são ativos atores da accountability horizontal e que, inclusive, controlam atos
147
Transparência Brasil. “Quem são os conselheiros dos Tribunais de Contas”. Disponível
em: http://www.excelencias.org.br/docs/tribunais_de_contas.pdf. Acesso em 10 Mai. 2014
119
do Executivo Federal e da própria Presidência da República. Naturalmente,
compreender a profundidade deste controle requereria um novo trabalho, que
observasse historicamente, e com maior detalhamento, mais casos concretos. No
entanto, o cenário apresentado sugere ter havido condições institucionais e políticas
para a emergência de uma típica agência anticorrupção no interior do Gabinete
Presidencial, com decisiva vontade política da Presidência.
120
7 CONCLUSÃO
Ao longo dos capítulos anteriores, tentamos interpretar o papel que a CGU
cumpre no Sistema de Integridade brasileiro. Em primeiro lugar, vimos que, através
da Secretaria Federal de Controle Interno, é a responsável pelo controle e prestação de
contas da Presidência da República. Mas não só. Controla também contas de
quaisquer gastos do Executivo Federal visando, além da legalidade dos gastos, o
aprimoramento das gestões. Como demonstra Olivieri (2010), tais trabalhos
contribuem enquanto mecanismo gerencial da Presidência para controlar ministérios e
agências governamentais. A CGU, por meio da SFC, funciona portanto, em primeiro
lugar, como um mecanismo de accountability governamental, entre os gestores e a
Presidência.
Mas o enfoque desta pesquisa deu-se sobre outro tipo de accountability, a
accountability horizontal (O‟DONNELL, 998). Neste sentido, vimos que as
atividades de controle interno cumpriram importante papel também para o combate à
corrupção.
A exposição do capítulo 3 procurou reconhecer como o controle interno foi
instrumentalizado para tais fins. Isso foi possível, em primeiro lugar, a partir da
reestruturação do sistema, iniciado com a criação da Secretaria Federal de Controle
Interno, em 1994. Entre as mudanças observadas entre o sistema anterior – das Cisets
– e o atual, figura o foco sistemático no “desempenho” das gestões, observando in
loco a execução de gastos públicos. Nos dez anos analisados, cerca de 120 mil ordens
de serviço foram executadas, sendo mais da metade referente a auditorias in loco.
Ainda assim, do ponto de vista do combate à corrupção, tais trabalhos só
passariam a ter maiores relevâncias quando integrados ao Sistema de Integridade
brasileiro. Em uma primeira escala, através das secretarias internas da própria CGU.
Em uma segunda, através da cooperação com outros órgãos do Sistema.
No primeiro caso, o controle interno serviu 1 - como fonte de descoberta de
irregularidades para a instauração de processos administrativos sancionadores, e 2 -
como expertise para o aprimoramento da prevenção (através, por exemplo, da
capacitação de agentes públicos e de cidadãos, da elaboração e implementação de leis
de transparência e combate à corrupção, e da criação de sistemas mais aperfeiçoados
de controle de contas).
121
Deste ponto de vista, focamos mais em detalhes aquelas atividades
relacionadas à responsabilização da corrupção, analisando em especial dois
procedimentos administrativos: os Processos Administrativo-Disciplinares e as
Tomadas de Contas Especiais. Vimos que ambos cumprem importante papel de
responsabilização: o primeiro incidindo sobre o aspecto disciplinar de servidores
públicos federais e o segundo sobre a regularidade dos gastos públicos, podendo
redundar em pedidos de ressarcimento e multas. Especialmente os PADs
demonstraram-se uma importante ferramenta de garantia de alguma sanção, com mais
de 2.700 servidores expulsos em dez anos. As TCEs também vêm cumprindo
importante papel: são o mecanismo por excelência para a notificação ao controle
externo de irregularidades nos gastos, embora menos efetivos – devido à dificuldade
para a obtenção do ressarcimento.
Em uma segunda escala de abordagem, relacionada à articulação com outros
órgãos do arranjo de “freios e contrapesos” do Estado, o expertise em controle interno
figurou com a “moeda” da CGU para sua inserção nos trabalhos de accountability
horizontal. Lhe foram demandadas, com considerável regularidade, auditorias em
vistas da identificação de irregularidades. Ministério Público e Policia Federal foram
os principais demandantes atendidos, demonstrando o claro enfoque no combate à
corrupção. A CGU também cooperou em Operações Especiais da Polícia Federal, ora
durante os trabalhos ostensivos, ora na análise da documentação e das contas. E
firmou 216 acordos de cooperação com instituições das três esferas federais e dos três
poderes.
Os principais números em que a CGU teve participação direta ou indireta
entre 2003 e 2012 foram:
- Expulsão de 2700 servidores envolvidos em corrupção
- Pedidos de ressarcimento de mais de R$ 9 bilhões. No mesmo período, o TCU
aprovou o ressarcimento de cerca de R$ 7,5 bilhões.
- Realização de 8.612 ordens de serviço requeridas por órgãos de accountability
horizontal ou cidadãos;
- 122 operações especiais da Policia Federal, resultando, entre outros casos, na
queda de 7 ministros e um secretário-executivo.
- Instauração de 134 ouvidorias no Executivo Federal
- Elaboração e implementação da Lei de Acesso à Informação na esfera federal
122
- Criação e manutenção do Portal da Transparência, onde o destino de cerca de
R$10 bilhões estão acessíveis online
- Capacitação de mais de 40 mil agentes públicos para o controle social dos
gastos públicos
Na abertura deste trabalho, nos questionamos sobre o significado da palavra
corrupção. Observamos que, para além da popular compreensão do fenômeno
enquanto “roubo do dinheiro do povo”, a palavra remete também ao desvirtuamento
do Estado, que dispersa-se de suas finalidades em prol de interesses particulares. Não
por outro motivo, Aristóteles dividira os tipos de governo entre aqueles corrompidos e
aqueles não corrompidos, virtuosos. No centro deste debate, figurara o problema da
usurpação do poder, que atingira uma das melhores soluções a partir dos principais
teóricos das repúblicas modernas, em especial Montesquieu e os federalistas norte-
americanos. Opor ambição à ambição. Eis o ensinamento apreendido. Nesse sentido,
procuramos observar não apenas os resultados atingidos pela CGU no período, mas
também a dinâmica de “freios e contrapesos” onde se insere, de modo a compreender
como a CGU pôde emergir enquanto principal agência anticorrupção do Estado
Brasileiro e, ainda, suas limitações.
Vimos que concorreu para isso a existência de “determinação” da Presidência
da República frente o tema do combate à corrupção. Afinal, “não adianta sonho, não
adianta poesia de quem quer que seja [...]. Importa saber quem está acima de você. O
Presidente da República: ele vai aguentar a parada ou não vai?”148
. Mas não apenas.
Vontade política mostrou-se aspecto determinante para o bom trabalho de todo o
mecanismo de accountability horizontal do Estado brasileiro. Este fato, embora
analisado superficialmente, nos pareceu necessário de ser observado pois, no
raciocínio de Pope (2000), para que uma agência anticorrupção tenha sucesso quando
situada no Gabinete do chefe do Poder Executivo, seriam necessários “apropriados
mecanismos de accountability horizontal”. No caso brasileiro, isso faz sentido
porque, sendo a CGU órgão assessor da Presidência, para que a própria Presidência
não figure descoberta de quaisquer controles, é desejável que haja instituições com
“independência política e operacional para investigar até mesmo os mais altos níveis
dos poderes públicos”. Isso responde, de um lado, à óbvia preocupação de haver
148
Trecho de entrevista junto ao ministro-chefe da CGU, Jorge Hage Sobrinho.
123
controle sobre tão importante instância de poder e, de outro, para que a própria CGU
não seja objeto de ingerência por parte do Gabinete de Governo. Assim, em
concordância com a lógica dos “freios e contrapesos”, vimos que outros órgãos, em
especial Ministério Público e Policia Federal, “escoraram” a CGU para que emergisse
como típica agência anticorrupção.
Neste último parágrafo, vale notar que, se, por um lado, o quadro traçado em
torno da CGU é positivo, por outro, é também expressivo de uma fina ironia da
República Brasileira (e de muitas outras do mundo). Grande parte das atividades de
accountability horizontal, em especial aquelas que incidem sobre a “alta corrupção”,
que dependem do bom comando das altas hierarquias, e que correntemente se
confundem com as funções de “freios e contrapesos”, dependem largamente da boa
inclinação daqueles mesmos que sofrem o controle – seja para indicar os titulares dos
órgãos, seja para mantê-los. Dado que não é desejável que os titulares dos principais
órgãos que atuam no combate à corrupção sejam escolhidos por voto popular (devido
ao pouco conhecimento sobre o tema), um desconcertante paradoxo se impõe àqueles
que estudam a accountability horizontal. Após os federalistas norte-americanos, o
paradoxo deixou de ser “quem controla os controladores”, passando a ser: quem
indica, sustenta e garante recursos suficientes para os controladores? É saudável
depender tanto de vontade política em tais atividades? Sem saídas, deixamos o
problema em aberto.
124
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Disponível em www.cgu.gov.br. Acesso em: 03 Nov. 2013
__________________. Orientações para a implantação de uma unidade de
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http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/relatorio2012.pdf. Acesso em: 03 Nov. 2013
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