UNIVERSIDADE DOS AORES
Carolina da Encarnao Silva Ferreira
Sentimento de Segurana e Sentido de Comunidade numa
Comunidade Teraputica
2 Ciclo de Estudos em Psicologia da Educao com
Especialidade em Contextos Educativos
Orientadora: Professora Doutora Suzana Nunes Caldeira
Ponta Delgada
2011
Carolina da Encarnao Silva Ferreira
Sentimento de Segurana e Sentido de Comunidade numa
comunidade teraputica
Relatrio apresentado na Universidade dos
Aores, para obteno do grau de Mestre
em Psicologia da Educao, Especialidade
em Contextos Educativos
Orientadora: Professora Doutora Suzana Nunes Caldeira
2
RESUMO
Este projecto de investigao exploratrio-descritivo teve como objectivo
principal conhecer se a percepo sobre sentimento de segurana na famlia se
relacionava com a percepo do sentido de comunidade em utentes da Villa dos
Passos - Centro de Tratamento e Recuperao de Toxicodependentes e Alcolicos.
O sentimento de segurana foi definido em torno de trs dimenses, a familiar,
a social e a emocional. A dimenso familiar subdividiu-se no sistema de valores da
famlia e a sua funcionalidade, avaliada atravs do grau de exigncia e disponibilidade
de resposta parental e coeso e adaptabilidade familiar. Em termos da dimenso
social, colocou-se o enfoque no apoio social percebido pelo utente no seu contexto
familiar. A dimenso emocional enfatizou o apego, especificamente o apego com as
figuras de ligao e as representaes de apego do sujeito. No que diz respeito ao
sentido de comunidade, este foi conceptualizado de acordo com a definio de
McMillan e Chavis (1986), sendo composto por quatro dimenses, o estatuto de
membro, as ligaes emocionais partilhadas, a influncia e a integrao e satisfao
de necessidades.
Aplicou-se um questionrio para avaliar o sentimento de segurana e a escala
Sense of Community Index II a 25 utentes da Villa dos Passos, 21 do sexo masculino
e 4 do sexo feminino, com idades entre os 17 e os 48 anos.
Os resultados registaram que a percepo dos utentes da Villa dos Passos
acerca do sentimento de segurana proveniente da sua famlia seria baixa na
dimenso familiar e alta na dimenso emocional e social. Os resultados nestas duas
ltimas dimenses poderiam dever-se ao trabalho teraputico exercido na
comunidade. Estes utentes apontaram um forte sentido de comunidade pela
comunidade teraputica, demonstrando um forte sentimento de pertena a esta. Por
ltimo, registou-se inexistncia de correlaes significativas entre as variveis em
estudo, apontando, assim, para a eventual falta de relao entre a percepo do
sentimento de segurana na famlia e construo do sentido de comunidade dos
utentes da Villa dos Passos.
Palavras-chave: Sentimento de segurana; Sentido de comunidade; Famlia;
Comunidade relacional;
3
ABSTRACT
This exploratory descriptive research project aims at knowing whether the
perception of the sense of security within the family is, somehow, related to the
perception of the sense of community in the patients of the therapeutic community
Villa dos Passos a rehabilitation centre for alcoholics and drug addicts.
The feeling of security was established according to three dimensions- family,
social and emotional. The family dimension was divided into the family values system
and its functionality, which was measured by the level of parental demand and
availability of response and cohesion and family adaptability. The social dimension
focused the social support perceived by the patient within his family context. The
emotional dimension emphasized the attachment, specifically the attachment with the
bonding figures and the representations of the subjects attachment. Regarding the
sense of community, this was conceptualized according to the definition of McMillan
and Chavis (1986), composed by four dimensions: membership, shared emotional
connection, influence, integration and fulfillment of needs.
A questionnaire to assess the feeling of security and the scale of Sense of
community Index II was carried out on 25 patients of Villa dos Passos 21 male and
4 female aged between 17 and 48 years old.
The results showed that the perception of the patients of Villa dos Passos
regarding the sense of security coming from their families was low in the family
dimension and high in the social and emotional dimension. The results in these two
dimensions might be related to the therapeutic work carried out in the community.
These patients showed a strong sense of community for the therapeutic community,
which demonstrates a strong feeling of belonging. Finally, there were no significant
correlations among the variables under study suggesting, thus, the lack of relationship
between the perceived feeling of safety within the family and the building of the sense
of community of the patients from Villa dos Passos.
Key-words: Sense of security; Sense of community; Family; Community of interest;
4
AGRADECIMENTOS
Professora Doutora Suzana Caldeira, minha orientadora, pelo seu inabalvel
rigor e competncia cientfica. Tantas vezes encorajando-me a seguir em frente,
orientando-me de maneira incansvel em todo este percurso.
Professora Doutora Isabel Estrela Rego, que teve um contributo essencial
neste trabalho, e por toda a fora e dedicao transmitida.
Aos restantes Professores envolvidos no meu percurso acadmico pela
transmisso de conhecimentos.
Aos meus colegas de curso pela partilha de conhecimento, troca de sugestes
e boa disposio. Em particular minha amiga Marlia por ser incansvel comigo, por
todo o carinho, apoio incondicional, positivismo e amizade ao longo destes anos.
equipa da Villa dos Passos pela colaborao, inteira disponibilidade, troca de
ideias e importante contributo para o meu desenvolvimento profissional. Aos utentes
desta comunidade teraputica que com um sorriso se disponibilizaram a participar, e
me fizeram crescer profissionalmente mas acima de tudo pessoalmente.
Aos meus pais que ao longo de todo o meu percurso acadmico e pessoal
sempre acreditaram em mim, apoiando-me em todos os momentos e ajudando a
tornar-me uma melhor pessoa. Ao meu pai, pela contnua transmisso de valores
sbios, constante motivao e grande pilar da minha vida. minha me, tambm
importante e grandioso pilar, meu exemplo de mulher de garra e de fora e que
sempre caminha ao meu lado.
Aos meus irmos, Bette por ser uma irm fantstica, apoiar-me em tudo e
ainda ter contribudo estatisticamente para este trabalho; Tixa, de quem me orgulho
muito por ser uma lutadora e encher a minha vida de melodia com a sua voz, e
tambm se auto-baptizar de meu dicionrio de sinnimos; ao Eduardinho, meu
irmozinho pequenino, grande guitarrista e rapaz repleto de perspiccia que me ajuda
em tudo.
tia Rosa, minha tia-me, fonte de apoio e de muito afecto que sempre me
conforta em todas as ocasies.
Sofia e Mnica (e Marlia novamente), minhas amigas, ouvintes, com quem
partilho gargalhadas, choros, expectativas entre muitas outras coisas. Obrigada por
todo o apoio, encorajamento em todos os momentos e pela confiana que depositam
em mim.
5
ABREVIATURAS
FACES III Family Adaptability and Cohesion Evaluation Scales
IRP Inventrio de Resoluo de Problemas
MSPSS Multidimensional Scale of Perceived Social Support
PVQ Portrait Values Questionnaire
RQ Relationship Questionnaire
SCI-II Sense of Community Index II
SPSS Statistical Packages for the Social Sciences
6
NDICE DE QUADROS
Quadro 1: Correspondncia de cada valor motivacional aos itens na PVQ 41
Quadro 2: Ligao entre os eixos do modelo de avaliao dos estilos de
educao parental de Baumrind (1971) e os itens da escala
42
Quadro 3: Sistema de valores dos utentes da Villa dos Passos - Mdia,
desvio-padro e amplitude, em cada valor do modelo de
Schwartz
48
Quadro 4: Sistema de valores dos utentes da Villa dos Passos - Mdia,
desvio-padro e amplitude, em cada dimenso bi-polar do
modelo de Schwartz
49
Quadro 5: Sistema de valores dos utentes da Villa dos Passos - Mdia,
desvio--padro e amplitude, em cada dimenso do modelo de
Schwartz
50
Quadro 6: Sistema de valores percepcionado pelo utente da Villa dos
Passos como sendo da sua famlia - Mdia, desvio-padro e
amplitude, em cada valor do modelo de Schwartz
50
Quadro 7: Sistema de valores percepcionado pelo utente da Villa dos
Passos como sendo da sua famlia - Mdia, desvio-padro e
amplitude, em cada plo do modelo de Schwartz
51
Quadro 8: Sistema de valores percepcionado pelo utente da Villa dos
Passos como sendo da sua famlia - Mdia, desvio-padro e
amplitude, em cada dimenso do modelo de Schwartz
51
Quadro 9: Relao entre os valores atribudos a si prprio e os valores
atribudos famlia, nos utentes da Villa dos Passos
52
Quadro 10: Relao entre os plos atribudos a si prprio e os plos
atribudos famlia, nos utentes da Villa dos Passos
53
Quadro 11: Relao entre as dimenses atribudas a si prprio e as
dimenses atribudas famlia, nos utentes da Villa dos Passos
53
Quadro 12: Exigncia e disponibilidade de resposta atribuda pelos utentes
da Villa dos Passos aos pais - Mdia, desvio-padro, mediana e
amplitude, em cada parmetro
54
Quadro 13: Estilos educativos ao nvel da exigncia, disponibilidade de
resposta e no global - Percentagens de famlias percepcionadas
com cada estilo educativo
55
Quadro 14: Coeso e adaptabilidade percepcionada pelos Utentes da Villa 57
7
dos Passos no seu contexto familiar - Mdia, desvio-padro e
amplitude da coeso e adaptabilidade familiar
Quadro 15: Tipos de famlias em funo da coeso e adaptabilidade familiar
percepcionada pelos utentes da Villa dos Passos - Percentagem
de cada tipo de famlia
58
Quadro 16: Apoio social percebido pelos utentes da Villa dos Passos em
relao famlia - Mdia, desvio-padro e amplitude do apoio
social percebido
59
Quadro 17: Tipos de apego com a figura de ligao nos utentes da Villa dos
Passos - Distribuio de frequncias e percentagens
60
Quadro 18: Tipos de apego com a figura de ligao nos utentes da Villa dos
Passos - Mdia, desvio-padro e amplitude
61
Quadro 19: Representaes de apego dos utentes da Villa dos Passos -
Mdia, desvio-padro e amplitude das crenas declarativas de
segurana
61
Quadro 20: Percepo do sentido de comunidade nos utentes da Villa dos
Passos - Mdia, desvio-padro e amplitude, por dimenso do
sentido de comunidade
64
Quadro 21: Percepo do sentido de comunidade nos utentes da Villa dos
Passos - Mdia, desvio-padro e amplitude do valor global de
sentido de comunidade
65
8
NDICE
Introduo 9
Captulo I Reviso de Literatura 11
1.1 - Sentimento de segurana 12
1.2 - Sentido de Comunidade 30
Captulo II Metodologia do Estudo 37
2.1 - Objectivo e Questes de investigao 38
2.2 - Design da investigao 38
2.3 - Caracterizao dos participantes 39
2.4 Instrumentos 40
2.4.1 Questionrio 40
2.4.2 - Sense of Community Index II 45
2.5 - Procedimento de Recolha e Tratamento de Dados 46
Captulo III - Anlise e Discusso dos Resultados 47
Concluses 68
Referncias Bibliogrficas 74
Anexos
Anexo 1 Questionrio
Anexo 2 Sense of Community Index II
Anexo 3 - Cotao linear da FACES-III adaptada de Farate (2000)
Anexo 4 Quadros referentes correlao entre o sentimento de
segurana e o sentido de comunidade
9
INTRODUO
A presente investigao teve como objectivo principal conhecer se a percepo
sobre sentimento de segurana na famlia se relacionava com a percepo do sentido
de comunidade em utentes da Villa dos Passos - Centro de Tratamento e
Recuperao de Toxicodependentes e Alcolicos. Durante o perodo de estgio
curricular nesta comunidade teraputica incrementou-se o interesse pela rea das
dependncias, condio que contribui para que esta investigao recasse sobre essa
temtica.
Na literatura, recorrentemente a famlia do adicto apontada como importante
fonte de apoio ao longo do seu tratamento (e.g. Bernichon, Ellis, Herrell, Roberts, &
Yu, 2004), sendo este um importante factor para que esta investigao se debruasse
sobre a percepo acerca do seu contexto familiar. Ao explorarmos aspectos
referentes a este contexto tenta-se contribuir para o conhecimento nesta rea como
forma de criar mais oportunidades para se proceder, futuramente, a intervenes
diferenciadas junto de famlias de adictos.
Nesta investigao, o sentimento de segurana foi definido em torno de trs
dimenses: a familiar, a social e a emocional. Por sua vez, a dimenso familiar foi
descrita atravs de dois eixos: o sistema de valores e a funcionalidade da famlia. No
quotidiano familiar, a famlia converte os valores em regras operacionalizadas atravs
de comportamentos (Corzo, 2001). Relativamente funcionalidade da famlia
consideram-se aspectos como a adaptabilidade, a coeso e os estilos educativos,
pois, de acordo com estudos a que se teve acesso, estes tendem a influir na
percepo de sentimento de segurana nestas famlias (Arajo, 2003; Chau, Choquet,
Falissard, Hassler, & Morin, 2008; Fleming, 2001; Fonte & Magalhes, s.d.; Jesus &
Rezende, 2010; Paiva & Ronzani, 2009).
No que diz respeito dimenso social, esta foi estudada em funo da rede de
apoio, na medida em que o apoio social fornecido tem sido relacionado a um maior ou
menor sentimento de segurana (Kruger et al., 2007; Ribeiro, s.d.).
Quanto dimenso emocional enfatizou-se o apego, que surge, na reviso de
literatura, associado ao desenvolvimento positivo do sentimento de segurana (e.g.
Pontes, Silva, Garotti, & Magalhes, 2007).
Por sua vez, o sentido de comunidade, ao longo da literatura (e.g. McMillan &
Chavis, 1986), tido como importante na recuperao de sujeitos com doena mental,
como o caso da toxicodependncia.
No mbito desta investigao adoptou-se o modelo de sentido de comunidade
de McMillan e Chavis (1986) composto por quatro dimenses, nomeadamente: o
10
Estatuto de Membro, as Ligaes Emocionais Partilhadas, a Influncia, e a Integrao
e Satisfao de Necessidades (McMillan & Chavis, 1986).
Averiguou-se que so escassos os estudos que deram foco a comunidades
relacionais, no se tendo acedido a estudos especficos no contexto de uma
comunidade teraputica (Obst, Smith, & Zinkiwicz, 2002).
Em termos de estrutura, o relatrio composto por trs captulos, uma
introduo e uma concluso (contando, ainda, com uma seco de anexos). O
primeiro captulo diz respeito reviso de literatura acerca das variveis sentimento de
segurana e sentido de comunidade, de modo a contextualizar as questes de
investigao que se colocam. O segundo captulo refere-se metodologia, onde se
expem as questes de investigao, o design desta, caracterizam-se os
participantes, apresentam-se os instrumentos utilizados, e o procedimento de recolha
de dados. No terceiro captulo so explicitados os resultados obtidos bem como
realizada a discusso que estes suscitam. Por ltimo, na concluso reflecte-se sobre
os principais aspectos emergentes do estudo, abordam-se limitaes do estudo e
tecem-se propostas para futuras investigaes.
11
Captulo I
Reviso de Literatura
12
Este captulo, relativo reviso de literatura efectuada nesta investigao,
incide na conceptualizao das variveis sentimento de segurana e sentido de
comunidade, constitudo por dois pontos. No primeiro expe-se o sentimento de
segurana e o levantamento de estudos e teorias que contribuem para a sua
construo. No segundo ponto abarca-se o sentido de comunidade, seus principais
contributos tericos e estudos realizados, que se debruaram sobre esta varivel.
1.1 - Sentimento de Segurana
Diversas reas acadmicas, como a psicologia e a sociologia, tm pesquisado
sobre segurana considerando-a uma necessidade bsica do ser humano (Maslow,
1987). Nesta investigao pretende-se estudar a percepo do sujeito adicto acerca
do sentimento de segurana proveniente da famlia. A famlia o agente mais
importante de socializao, sendo tambm percebida como essencial na reabilitao
de adictos em recuperao (Ribeiro, s.d.; Gideon, 2007).
A famlia entendida como um sistema, um todo, (...) como emergncia dos
elementos que a compem, definitivamente una e nica (Relvas, 2000). Dentro da
famlia existem outras totalidades mais pequenas, ou seja, cada membro que visto
como um subsistema (Relvas, 2000). necessrio ter em conta que a famlia uma
instituio em permanente evoluo e que a sua estrutura, as suas funes e as
relaes estabelecidas entre os seus membros sofrem modificaes ao longo do
tempo (Amaro, 2006).
Estas relaes estabelecidas asseguram a reproduo dos saberes, dos
comportamentos, dos valores indispensveis vida individual e colectiva (Ribeiro,
s.d.). A famlia ajuda aos seus membros a dar significado s suas experincias,
transformando-as em conhecimento, permitindo um maior nmero de oportunidades
de ateno individualizada (Tizard & Hughes, 1984 cit in Pedro, 1999). O contexto
familiar constitui-se, assim, como um contexto educativo de aprendizagem
diversificada, na medida em que desenvolve um vasto conjunto de actividades ligadas
ao contexto social no sentido de viabilizar a tarefa de aprendizagem e socializao do
sujeito (Tizard & Hughes, 1984 cit in Pedro, 1999). A par disto est o desenvolvimento
da segurana visto que na rede de laos e de relaes ocorrem experincias de
encontro e de reencontro (Ribeiro, s.d.).
Durante a implementao desta tarefa de aprendizagem, anteriormente
mencionada, torna-se indispensvel a transmisso de valores que no mbito da
pesquisa do sentimento de segurana, parecem influenciar o desenvolvimento deste
13
sentimento no contexto familiar que abarca o seu prprio sistema de valores (Corzo,
2001; Tornara, 2000; Portieles, 2007).
Os valores so um fenmeno complexo e multifacetado que est relacionado
com todas as esferas da vida humana. Presumimos que os valores so elementos
centrais no sistema de crenas dos sujeitos e esto relacionados com ideais de vida
que respondem s necessidades do sujeito, oferecendo critrios para avaliar os outros
e a si prprio, bem como situaes (Corzo, 2001; Rokeach, 1973; Garcia, Ramirez &
Lima, 1998 cits in Tornara, 2000). Este sistema de crenas, transmitido primariamente
pela famlia, orienta e dirige a personalidade, concorrendo para que o sujeito incuta
valores que serviro como mecanismo de auto-regulao do comportamento social e a
assimilao do significado e importncia dos acontecimentos que lhes dizem respeito
(Portieles, 2007).
A famlia no o nico contexto onde se d a educao de valores, mas a
atmosfera de proximidade e intimidade que se d neste contexto torna-o
especialmente eficaz nesta tarefa (Tornara, 2000). No seio familiar, instrues
relacionadas com o propsito fundamental de assegurar a sobrevivncia so os
valores iniciais a serem instrudos ao sujeito, desde o que essencial fazer para
garantir isso, e o que pode constituir uma ameaa sua segurana (Corzo, 2001).
Posteriormente, o sujeito adquire as primeiras regras de conduta e de relacionamento,
ligadas ao que considerado um comportamento moralmente adequado (Corzo,
2001). Neste sentido, a definio de regras na famlia traduzir-se- como um
importante canal de comunicao de valores que vai contribuir para a gesto da
conduta dos membros da famlia (Corzo, 2001).
As regras familiares provm das famlias de origem sendo transmitidas de
gerao em gerao e podem funcionar como veculos de expresso de valores
especficos, traduzindo a importncia deste valores constituindo, assim, determinada
escala de valores, seja ela explcita ou no (Tornara, 2000). As regras na famlia so
indicadores comunicacionais por excelncia. Atravs destes indicadores determina-se
formas de apoio, competncias de tomada de deciso, de resoluo de conflitos,
punies atribudas, relacionamento com os outros, padro de comportamentos, etc.
(Tornara, 2000).
Desta feita, a famlia no seu espectro de aco converte em regras certos
valores que so operacionalizados atravs de comportamentos praticados no
quotidiano, regulando a relao intrafamiliar e projectando uma determinada atitude
para o contexto extrafamiliar (Corzo, 2001). Quando no seio familiar existe uma
violao na sua escala de valores, os membros tm a tendncia a omitir o sucedido ao
14
contexto extrafamiliar pois tal revelao constitui um risco ao prestgio da famlia
(Tornara, 2000).
Devido elevada presena da famlia na formao de sistemas de valores no
decorrer do desenvolvimento do sujeito, esta constitui um dos mediadores de todas as
influncias de avaliao fundamental mas no a nica, pois o sujeito tambm est
inserido em outros grupos recebendo outras influncias avaliativas (Corzo, 2001). A
realidade social a que pertence, muda, evolui e isso tambm afecta as mudanas no
seu sistema de valores subjectivo (Corzo, 2001). Mas o prprio indivduo no uma
entidade passiva sob ditames de valores externos, estando capaz de assumir atitudes
pessoais, criativas e diferenciadas em relao aos valores de todos os contextos onde
est inserido (Corzo, 2001).
Numa tentativa de aplicao do sistema de valores no mbito familiar de forma
a se perceber que posio o individuo apresenta, estando mais ou menos aproximado
do sistema de valores percepcionado na famlia, surge o modelo de valores de
Schwartz (1992), frequentemente indicado como um dos modelos mais robustos
teoricamente, (Bilsky, 2009; Campos & Porto, 2010; Porto & Tamayo, 2007).
O modelo de valores de Schwartz (1992, cit. Campos & Porto, 2010)
influenciado pela hierarquia de necessidades de Maslow (1954). Segundo Schwartz
(1992, cit. Bilsky, 2009), valores so crenas e metas conscientes que guiam a
seleco e avaliao de aces, objectivos, indivduos e situaes, podendo ser
interpretados como constructos motivacionais que transcendem situaes e aces
especficas.
Neste modelo identificam-se diversos valores agrupando-os em duas
dimenses bipolares bsicas: auto-promoo versus auto-transcendncia e abertura
mudana versus conservao (Bilsky, 2009). Na primeira dimenso, o plo auto-
promoo ressalva a busca de sucesso pessoal e poder sobre os outros indivduos em
contraste com a auto-transcendncia, que representa o bem-estar alheio, ou seja, o
altrusmo (Porto & Tamayo, 2007). Quanto segunda dimenso, a abertura
mudana enfatiza a independncia do sujeito para a aco em confronto com o
pensamento do indivduo auto-restrio e preservao da estabilidade em que se
encontra, isto , o plo da conservao (Porto & Tamayo, 2007).
Nestas duas dimenses, Schwartz (1992, cit. Bilsky, 2009) enquadra dez tipos
motivacionais de valores divididos em termos de objectivos. Na dimenso auto-
promoo versus auto-transcendncia situam-se, ligados auto-promoo: o poder
(status social sobre as pessoas e recursos), o hedonismo (prazer e senso de
gratificao para consigo) e a realizao (sucesso pessoal mediante a demonstrao
de competncia segundo critrios sociais); por sua vez os valores relacionados com a
15
auto-transcendncia so: o universalismo (compreenso, apreciao, tolerncia e
proteco do bem-estar de todas as pessoas e da natureza) e a benevolncia
(preservao e intensificao do bem-estar das pessoas com quem mantm contactos
pessoais frequentes) (Porto & Tamayo, 2007; Bilsky, 2009).
No que diz respeito, dimenso abertura mudana versus conservao
relativamente abertura mudana, d-se importncia novamente ao hedonismo,
estimulao (entusiasmo, novidade e desafio na vida) e auto-determinao
(pensamento independente e escolha da aco, criatividade e explorao). Quanto
conservao, esto associados os seguintes valores: a segurana (segurana,
harmonia e estabilidade, da sociedade, dos relacionamentos e de si mesmo), a
conformidade (restrio das aces, inclinaes e impulsos que podem perturbar e
ferir os outros ou violar as expectativas e normas sociais) e a tradio (respeito aos
costumes e ideias providos pela cultura tradicional e pela religio, comprometimento
com eles e sua aceitao) (Porto & Tamayo, 2007; Bilsky, 2009).
Estudos realizados no mbito familiar procuraram perceber o sistema de
valores na famlia, tendo-se verificado que quando se solicita s pessoas que
associem o conceito de famlia com um conjunto de valores que se relacionam com
bem-estar familiar destacam o valor da segurana, seguido pela tolerncia, respeito,
solidariedade, responsabilidade, etc. (Salcedo, 1992; Orizo, 1996; Garca & Ramrez,
1997; Garcia, Ramirez & Lima, 1998 cits in Tornara, 2000). Neste contexto familiar
realizaram-se estudos interculturais, com adolescentes de Espanha, Polnia, Portugal,
Inglaterra e Colmbia, sobre as representaes que aqueles formam dos valores dos
pais. Na anlise de resultados verificou-se que lares onde predominam a harmonia, o
bem-estar, o carinho reforam valores como a segurana, o universalismo, a
benevolncia e o conformismo nos cinco pases estudados (Musitu & Fontaine, 1998
cit in Tornara, 2000). A harmonia familiar, a compreenso e o apoio aparecem como
dimenses centrais para a formao de sistemas de valores que se referem a estados
finais de existncia e a comportamentos desejveis (Musitu & Fontaine, 1998 cit in
Tornara, 2000). Estes resultados ilustram a relao entre os valores caractersticos de
cada sociedade e os valores individuais dos seus membros (Musitu & Fontaine, 1998
cit in Tornara, 2000).
Outra varivel que na bibliografia surge ligada ao desenvolvimento do
sentimento de segurana no contexto familiar a funcionalidade da famlia (e.g.
Szymanski, 2004). A definio de famlia funcional emerge da considerao de famlia
como um contexto de desenvolvimento, sendo funcional quando oferecer condies
para que os seus membros desenvolvam o seu processo de socializao e identitrio
(Szymanski, 2004).
16
A capacidade de coeso e de adaptabilidade da famlia so dois parmetros
bsicos do funcionamento familiar que foram apontados por Olson e colaboradores
(1985) sendo apontados frequentemente na bibliografia consultada (Olson e cols.,
1985 cit in Aquino & Martinelli, 2010; Falceto, 1997).
A coeso refere-se ligao emocional que os membros da famlia tm uns em
relao aos outros (Agostinho, 2009; Aquino & Martinelli, 2010; Bozetti, Busnello, &
Falceto, 2000; Brs, 2009; Falceto, 1997; Green et al., 1991 cit in Symanski, 2004;
Lomando, Mosmann, & Wagner, 2010; Jnior & Rabello, 2007; Lopes & Salgueiro,
2010; Machado, 2008; Olson, 1985; Rodrigues, 2004). Tambm se distribui num
continuum, desde o desligamento entre os membros at ao superenvolvimento, ou
seja, estes laos emocionais resultam do equilbrio dinmico entre as necessidades de
individualizao-autonomia e as de afiliao-identificao (Lopes & Salgueiro, 2010).
O equilbrio est no meio-termo e l que as trocas afectivas fluem mais facilmente no
ambiente familiar. Deste modo, o foco desta dimenso baseia-se em como os
membros do sistema familiar se equilibram entre si, relativamente ao distanciamento e
proximidade (Olson, 2000; Brs, 2009). Minuchin (1982, cit. Symanski (2004) aponta
para a necessidade de limites bem estabelecidos entre os subsistemas (pais, filhos,
irmos), com papis e funes claramente definidos para um ambiente propcio ao
desenvolvimento. Algumas das variveis que podem ser utilizadas para avaliar a
coeso familiar, envolvem os laos emocionais, a ligao, o tempo, o espao, a
amizade, a tomada de deciso, os interesses e as actividades recreativas (Olson,
2000; Brs, 2009).
A adaptabilidade relaciona-se com a capacidade que o sistema familiar tem
para mudar a sua estrutura de poder e as regras da relao face ao stress natural
(relativo ao ciclo vital) ou acidental (Agostinho, 2009; Aquino & Martinelli, 2010;
Baptista 2005 cit in Machado, 2010; Bozetti et al., 2000; Brs, 2009 Falceto, 1997;
Jnior & Rabello, 2007; Lomando et al., 2010; Lopes & Salgueiro, 2010; Machado,
2008; Olson, 1985; Rodrigues, 2004). Os conceitos caractersticos desta dimenso
envolvem o controlo, a disciplina, os papis e as regras (Olson, 2000 cit in Brs, 2009).
O foco da adaptabilidade baseia-se em como o sistema familiar se equilibra entre a
mudana e a estabilidade (Olson, 2000 cit in Brs, 2009).
Para cada um dos parmetros bsicos da funcionalidade propostos por Olson
(1985), a coeso e a adaptabilidade, formam-se 4 tipos diferentes de famlias que
posteriormente se iro cruzar entre si e dar origem a 16 tipos distintos de famlias, que
por sua vez so classificados em 3 categorias de famlias.
Os quatro tipos inerentes dimenso de coeso so os seguintes:
desmembrada (muito baixo), separada (baixo/moderado), ligada (moderado/alto) e
17
emaranhada (Olson, 2000). No tipo desmembrado, verifica-se um distanciamento
emocional extremo e pouco envolvimento entre os membros familiares; a famlia
enfatiza preferencialmente a independncia; no existe interajuda e apoio entre os
elementos familiares (Olson, 2000). No tipo separada verifica-se algum grau de
distanciamento emocional mas existe alguma partilha de momentos com a famlia;
algumas das decises so tomadas em conjunto (Olson, 2000). No tipo ligado, existe
uma proximidade emocional entre os membros; o tempo partilhado mais valorizado
do que os momentos individuais; possuem interesses em comum, mas mantm
algumas actividades individuais (Olson, 2000). No ltimo tipo, emaranhada, as
relaes entre os membros caracterizam-se por uma proximidade emocional extrema
e uma grande dependncia; o sentido de lealdade entre os indivduos exigido; o foco
de interesse centra-se muito na famlia (Olson, 2000).
Importa referir que a noo de coeso conotada como equilibrada/moderada,
correspondendo a famlias do tipo separada e ligada, reflectem um funcionamento
familiar mais estruturado e saudvel ao longo do ciclo de vida, sendo que, os
indivduos so capazes de implementar um equilbrio entre a proximidade e o
distanciamento emocional relativamente s suas famlias (Olson, 2000). Pelo contrrio,
noes de coeso caracterizadas como desequilibradas, correspondendo a famlias do
tipo desmembrada e emaranhada, espelham um funcionamento familiar disfuncional,
na medida em que os membros da famlia no conseguem manter um tipo de coeso
saudvel e equilibrada (Olson, 2000).
Quanto dimenso adaptabilidade esto inerentes outros quatro tipos de
caracterizao das famlias so eles: rgida (muito baixo), estruturada
(baixo/moderado), flexvel (moderado/alto) e catica (muito alto) (Olson, 2000). O
primeiro destes tipos caracteriza-se pela existncia de um lder fixo, pela rigidez de
regras e papis e pela incapacidade de mudana extrema (Olson, 2000). O tipo
estruturada descreve-se pela presena de um lder democrtico, pela possibilidade de
negociao entre os membros da famlia, os papis so estveis, mas no rgidos e as
regras firmes mas passveis de alterao (Olson, 2000). O tipo flexvel determina-se
pela liderana igualitria e a democracia na tomada de decises, existe partilha de
papis, que se caracterizam pela sua fluidez se necessrio. Do quarto e ltimo nvel
subjacente a esta dimenso, o catico, caracterstica a ausncia total de liderana
ou pela sua existncia limitada, a impulsividade na tomada de decises e a tnue
definio de regras e papis (Olson, 2000).
Perante isto, conclui-se que as famlias consideradas mais funcionais se
inserem nos tipos estruturado e flexvel (Olson, 2000). Confirma-se que as famlias
estruturadas e flexveis reflectem um funcionamento familiar estruturado e funcional,
18
contribuindo para um relacionamento conjugal e familiar saudvel. Todavia, as famlias
que se inscrevem nos extremos podem ser consideradas rgidas ou caticas,
afectando o desenvolvimento das suas relaes ao longo da transio no ciclo de vida
(Olson, 2000).
Como j se referiu quando os quatro tipos de famlia de cada parmetro da
funcionalidade se cruzam entre si, obtemos um total de 16 tipos familiares diferentes,
que por sua vez, so classificados em trs categorias de famlias: equilibradas, meio-
termo, extremas. O tipo de famlia equilibrada pressupe nveis de coeso e
adaptabilidade mdios; o tipo de famlia meio-termo pressupe uma das dimenses
mdia e a outra extrema; o tipo de famlia extrema pressupe nveis de coeso e
adaptabilidade extremos (Lopes & Salgueiro, 2010).
Tendo em conta a funcionalidade no contexto familiar do ponto de vista da
coeso e da adaptabilidade foram realizados diversos estudos em famlias com
membros adictos (e.g. Jurich, et al., 1985 cits in Fleming, 2001).
Fleming (2001) efectuou um levantamento de investigaes realizadas em
famlias com adictos, e pde observar que muitas destas famlias so desarmoniosas,
criam um vcuo e um isolamento emocional, no havendo suporte afectivo entre os
seus membros. A coeso familiar fraca, sendo os membros pouco valorizados e
reconhecidos (Cannon, 1976; Jurich, et al., 1985 cits in Fleming, 2001).
Um estudo realizado por trs universidades internacionais, nomeadamente a
Fundao Osvaldo Cruz (Brasil), a Universidade do Pas Basco (Espanha) e a
Universidade de Los Andes (Colmbia), comparou adolescentes que usam drogas
com os que no usam. Neste estudo os resultados obtidos revelaram que os
adolescentes que no usam drogas possuem lares onde esto presentes aspectos
como o dilogo, o afecto e o aconchego que proporcionam ao adolescente segurana,
ou seja lares que manifestam maior coeso, contrariamente aos lares de dependentes
que se verifica baixa coeso pois so marcados pela falta de apoio mtuo, de espao
para expresso de sentimentos, alm de existirem menos interesses em comum
(Dieguez, 2000 cit in Pratta & Santos, 2006).
Stanton e Todd (1979, cit. Fleming, 2001) efectuaram um estudo no contexto
familiar com membros adictos, em que concluram que existem fronteiras ou limites
pouco claros entre os subsistemas familiares (membros da famlia), mas a existncia
de uma fronteira rgida entre a famlia e a comunidade social, revelando o medo de
separao entre os membros da famlia. Os autores supracitados referem uma
inverso da hierarquia familiar, em que o subsistema filial aparece to ou mais
influente do que o subsistema parental nas famlias de adictos. Confirmam ausncia
de limites e elos claros na dade pai-filho, sendo as relaes emaranhadas, distantes
19
ou demasiado difusas ou equvocas. Destaca-se, ainda, uma proximidade importante
entre um dos progenitores e o filho toxicodependente, mantendo o outro progenitor
numa posio perifrica (Medanes et al., 1980; Stanton & Todd, 1982 cits in Fleming,
2001). Este estudo demonstra que nas famlias de adictos existe grande dificuldade
em manter a estrutura de poder e regras havendo falta de estabilidade, estes
resultados revelam baixa adaptabilidade.
Blum et al. (1970, cit. Fleming, 2001), numa pesquisa com 211 famlias de
toxicodependentes de diferentes estatutos scio-econmicos verificam, a presena de
padres caractersticos nestas famlias, marcados pelo alcoolismo e abuso de drogas
pelos pais; separao precoce do meio familiar; antecedentes psiquitricos nos pais e
conflitos intrafamiliares em grande escala. Santon et al. (1978, cit. Fleming, 2001), ao
compararem famlias disfuncionais, encontram um padro familiar caracterstico em
famlias de toxicodependentes. Constataram nestas famlias maior frequncia, em
vrias geraes, de condutas de consumo e expresso arcaica e directa dos conflitos
intrafamiliares com alianas claras e no secretas entre o toxicodependente e o
progenitor mais prximo dele (Santon et al.,1978; Friesen, 1983 cits in Fleming, 2001).
Em ambas as investigaes mencionadas observa-se a baixa coeso e adaptabilidade
destas famlias.
Prosseguindo no contexto de funcionalidade familiar enquadrando o sentimento
de segurana, surgem estudos que se tm vindo a debruar sobre o estilo educativo
levado a cabo pela famlia (Paterna, s.d.; Hutz, 2002; Silva, 2009). Baumrind (1971)
citado por Paterna (s.d.) e Silva (2009) preconizou um modelo de avaliao dos estilos
de educao parental. Estes podem ser definidos como um conjunto de atitudes e
manifestaes dos pais relativamente aos seus filhos, que caracterizam a natureza da
interaco entre eles (Hutz, 2002; Silva, 2009). Baumrind (1971) mencionado por
Paterna (s.d.) e Silva (2009) usou duas dimenses psicolgicas: a exigncia e a
disponibilidade de resposta. A dimenso exigncia diz respeito ao controlo do
comportamento e ao estabelecimento de metas e padres de conduta (Silva, 2009).
Por outro lado, a dimenso disponibilidade de resposta est relacionada a melhores
ndices de bem-estar psicolgico, auto-estima e autoconfiana (Silva, 2009). A partir
da conjugao destas duas dimenses bsicas a autora distinguiu o estilo dos pais em
quatro categorias: autoritrio, democrtico, permissivo e negligente (Paterna, s.d.;
Hutz, 2002; Silva, 2009).
Os pais caracterizados como autoritrios manifestam a sua elevada exigncia
face aos seus filhos, apreciam a obedincia como uma virtude e valorizam a punio
quando o comportamento do filho no se conforma s suas normas (Silva, 2009). No
encorajam o dilogo, limitando assim, a capacidade de auto-regulao dos filhos na
20
medida em que no lhes proporcionam a possibilidade de compreender as situaes e
sentimentos vivenciados e a necessidade de modificao dos comportamentos
socialmente inadequados (Silva, 2009). Os filhos criados sob este estilo de
funcionamento familiar tendem a manifestar baixa auto-estima e auto-eficcia pessoal,
porm, em geral, apresentam um bom rendimento nas avaliaes escolares. Aponta-
se ainda, para sujeitos que se tornam dceis, disciplinados, mas pouco autnomos e
pouco sociveis (Paterna, s.d.). Reagem mal s frustraes, so ansiosos, retrados e
tristes (Silva, 2009). No entanto, as caractersticas positivas que os filhos desenvolvem
so a curto prazo e desaparecem muitas vezes com a idade (adolescncia) havendo
ambiguidade no sentirem-se (ou no) seguros nestas famlias (Paterna, s.d.).
No que diz respeito ao estilo educativo classificado como democrtico, os pais
manifestam um alto grau de disponibilidade de resposta e de exigncia. Estes pais
encorajam o desenvolvimento da autonomia e da auto-estima ao mesmo tempo que
impem disciplina e estabelecem limites (Silva, 2009). As famlias que seguem este
padro de socializao promovem um espao de interaco e acreditam ser possvel
modelar o comportamento dos filhos atravs de conselhos, regras e normas, mas no
de um modo intrusivo (Silva, 2009). Dirigem as suas actividades de forma racional,
encorajam a expresso verbal e discutem a disciplina (Silva, 2009). As implicaes
deste estilo traduzem-se numa maior confiana na criana ou adolescente, que se
reflecte na sua postura, na forma como se relaciona com os outros e como processa
as suas emoes. Tornando-se sujeitos responsveis, com um auto-conceito positivo
e manifestando segurana para com a famlia (Paterna, s.d.).
Quanto a pais percebidos como permissivos, estes aceitam de forma pacfica a
maneira de ser e os impulsos dos filhos e estes so consultados relativamente aos
assuntos familiares, mantendo assim o dilogo e no a fora (Silva, 2009). Este
padro familiar caracteriza-se pela ausncia de controlo, o que permite aos filhos
orientarem as suas prprias actividades (Silva, 2009). Os pais funcionam como
recursos para os desejos dos filhos, e no como modelos (Paterna, s.d.). Neste estilo
existe a ausncia de normas, no encorajando qualquer obedincia (Silva, 2009). H
geralmente calor afectivo e comunicao positiva, sem exigncias de maturidade
(Silva, 2009). Os indivduos criados nesse tipo de estilo educativo tm uma boa auto-
imagem e auto-confiana, mas falta-lhes exigncia prpria e auto-domnio (Paterna,
s.d.). Frequentemente, fracassam na escola e so mais propensos a deixar-se levar
pelo lcool e drogas do que os grupos anteriores (Paterna, s.d.).
O estilo negligente caracterizado como pouco cuidadoso e esta falta de
cuidado transmitida na assistncia emocional dada aos filhos (Hutz, 2002). Os pais
tm dificuldade em controlar o comportamento dos filhos assim como atender s suas
21
necessidades e demonstrar afecto (Silva, 2009). Caracterizam-se como sendo pais
pouco envolvidos, mais centrados nos seus prprios interesses (Silva, 2009). Desta
forma, os filhos tendem a ser dependentes, temperamentais e a possuir baixas
competncias sociais e de auto-controlo (Silva, 2009). Este estilo compromete o
desenvolvimento psicolgico de crianas e adolescentes, prejudicando a sua
competncia social e acadmica, e potencia a possibilidade de ocorrncia de
episdios depressivos, de ansiedade e somatizaes, tornando-se indivduos muito
vulnerveis dependncia de drogas e alcoolismo (Paterna, s.d.; Silva, 2009).
Independentemente do estilo que cada um dos pais assume para educar os
filhos, o objectivo principal perceber que quanto maior a autonomia, a exigncia e o
apoio que os pais fornecem, mais confiantes, persistentes e positivamente orientados
para o futuro os filhos se tornam (Silva, 2009). Desta feita, dos estilos educativos
enunciados os que representaro menor funcionalidade parental e proporcionaro um
menor desenvolvimento da segurana familiar sero o estilo negligente e o permissivo.
Concretizaram-se investigaes em famlias com membros adictos no sentido
de explorar os estilos educativos utilizados nestas, procurando perceber a forma como
geriam a disciplina bem como a afectividade (e.g. Jesus & Rezende, 2010).
Jesus e Rezende (2010) realizaram um estudo em que o objectivo era
comparar um grupo de toxicodependentes e um grupo de no toxicodependentes, no
que se refere interferncia dos estilos educativos parentais no aparecimento de
sintomas psicopatolgicos associados toxicodependncia. Os autores
supramencionados verificaram que os resultados dos grupos eram diferentes. No
primeiro grupo percebe-se uma ligao emocional fraca e/ou ausente com os pais
demonstrando, assim, baixa disponibilidade de resposta destes, e no que diz respeito
ao estabelecimento de regras se encontravam nos extremos, ou seja, ou teriam uma
imposio rgida ou ausente demonstrando inconsistncia na exigncia imposta,
sendo assim todas estas caractersticas parecem ir ao encontro do estilo negligente e
autoritrio (Jesus & Rezende, 2010).
Paiva (2009) aponta para estudos em que se averiguou que os estilos
educativos democrtico e no permissivo foram relacionados com o menor consumo
de lcool e drogas entre os adolescentes, diferenciando os resultados encontrados
entre os pais negligentes, autoritrios e indulgentes (Shucksmith, Glendlendinning &
Hendrry, 1997; Simons-Morton et. al., 2004 cits in Paiva, 2009).
Jurich et al. (1985, cit. Fleming, 2001), a partir de uma amostra emparelhada de
adolescentes utilizadores (uso pouco frequente ou ocasional de drogas legais e
ilegais) e abusadores (dependentes fsica ou psicologicamente de drogas
psicoactivas) de droga apuraram que o primeiro grupo provm menos de famlias onde
22
existe dificuldades comunicacionais e mais de famlias que usam estilos educativos
democrticos; o grupo de abusadores de droga deriva mais de famlias apresentando
um fosso comunicacional, usando uma disciplina do tipo permissivo ou autoritrio e
onde as pessoas fazem um recurso mais frequente aos comportamentos de
evitamento da responsabilidade (uso de drogas, denegao etc.) como forma de lidar
com o stress; constaram, ainda, no grupo de abusadores que o aspecto que lhes trazia
mais dificuldades estava relacionado com a forma que a famlia colocava em vigor a
disciplina, pois torna-se inconsistente (Jurich et al., 1985, cit. Fleming, 2001). Esta
inconsistncia de disciplina resultaria quer da definio pobre de regras quer da rigidez
de limites para os comportamentos, quer ainda do tipo de disciplina usado, na maior
parte das vezes de tipo permissivo ou autoritrio, ou ambos. Raramente se encontra
um estilo democrtico (Jurich et al., 1985, cit. Fleming, 2001).
Em relao ao papel da me e do pai no que diz respeito ao estilo educativo
usado por cada um, de acordo com Canetti et al. (1997, cit. Jesus & Rezende, 2010), a
figura paternal capaz de proporcionar uma maior autonomia, enquanto a figura
maternal percebida como mais prxima e protectora. Assim, os sujeitos esperam que
os pais se importem menos e que as mes tenham um comportamento mais restritivo
e de superproteco. A relao que o adicto mantm com a figura paternal
caracterizada por um sentimento de perda ou abandono, uma relao distante e
pouco segura, que dificulta a interiorizao de valores e normas de comportamento
(Carrilho, 1995 cit in Jesus & Rezende, 2010).
Outra das caractersticas frequentes do padro de ligao parental em sujeitos
adictos parece ser o marcado envolvimento com um dos pais e o distanciamento do
outro (Rezende, 1997 cit in Jesus & Rezende, 2010). Seldin (1972, cit. Fleming, 2001)
indica que a me do consumidor frequentemente percebida como a figura
dominante, conflituosa, imatura emocionalmente, muito indulgente e ambivalente
quanto ao papel a desempenhar na famlia. A relao entre a me e o filho descrita
como sendo altamente interdependente. Quanto ao pai ele aparece como uma figura
ausente, emocional ou fisicamente (Seldin, 1972 cit in Fleming, 2001). Nos estudos
realizados por Canetti et al. (1997) e Carrilho (1995) referidos por Jesus e Rezende
(2010) percebeu-se que enquanto a me mais associada ao lado emocional, o pai
visto como o agente responsvel pela excessiva imposio de regras.
Prestando ateno ao contexto familiar do adicto e mais especificamente sua
funcionalidade, ao longo da literatura verifica-se que aspectos como a adaptabilidade,
coeso e os estilos educativos influenciam a percepo de sentimento de segurana
nestas famlias (Arajo, 2003; Chau, Choquet, Falissard, Hassler & Morin, 2008;
Fleming, 2001; Fonte & Magalhes, s.d.; Jesus & Rezende, 2010; Paiva & Ronzani,
23
2009). As investigaes mostram, de forma consistente, que relaes caracterizadas
por insegurana, pouca proximidade emocional e estilos educativos parentais
marcados por falta de apoio, interesse e carinho, se associam a perturbaes
psicopatolgicas na idade adulta, como a toxicodependncia (Arajo, 2003; Chau et
al., 2008; Fleming, 2001; Fonte & Magalhes, s.d.; Jesus & Rezende, 2010; Paiva &
Ronzani, 2009).
Dando continuidade explorao da percepo do sentimento de segurana
considera-se pertinente analisar este no panorama social pois de acordo com Brito e
Koller (1999, cit. Mayer, 2002) e Griep (2003, cit. Magnilia, Santana, & Zanin, 2008) a
famlia vista como a estrutura social atravs da qual o apoio poder ser fornecido,
sendo assim concebida, como uma das redes de apoio do sujeito; e a bibliografia
referente segurana em termos sociais demonstra que a rede de apoio de um
indivduo influencia o sentimento de segurana deste (e.g. Kruger, Reischl & Gee,
2007). O apoio social fornecido nesta rede de apoio familiar poder cumprir o objectivo
de proporcionar segurana e bem-estar frente a determinada configurao e tem sido
relacionado a um maior ou menor sentimento de segurana (Kruger et al., 2007;
Ribeiro, s.d.).
Visto que o apoio social apontado como relevante para o desenvolvimento do
sentimento de segurana entende-se como essencial analisar este sentimento no
sentido da percepo que o sujeito tem do suporte disponvel na rede em que est
inserido, nomeadamente, a rede familiar. Esta percepo do suporte definida na
literatura como apoio social percebido, em que uma mensagem ou experincia
comunicativa no constitui suporte a menos que o receptor a veja como tal (Russell,
Booth, Reed & Laughlin, 1997 cit in Gonalves, 2009; Barerra, 1986 cit in Schwartz,
2005; Rizwan & Syed, 2010).
O apoio percebido seria influenciado pelo significado que o apoio assume para
a pessoa em uma dada situao, pela satisfao ou no com esse auxlio e pelo tipo e
qualidade do relacionamento que o sujeito mantm com o fornecedor de apoio
(Bandeira, Gonalves, Pawlowski & Piccinini, 2011).
Pierce e colaboradores (1996, cit. Mayer, 2002) revelam que indivduos que
tm relativamente bem formadas a percepo, as expectativas e as atribuies sobre
as relaes de apoio com indivduos especficos, apresentam uma boa avaliao
sobre os recursos e os indivduos disponveis nas suas vidas. Sarason, Shearin,
Pierce e Sarason (1987, cit. Mayer, 2002) verificaram que sujeitos com alto ndice de
apoio percebido atribuem a si mesmos mais qualidades positivas do que negativas,
alm de se relacionarem positivamente com seus pais, amigos e pares. Afirmam que
estes resultados contribuem para capacitar os sujeitos a desenvolver estratgias de
24
coping mais realistas e efectivas, sendo mais eficazes no confronto com desafios,
mesmo em uma situao de stress (Pierce & cols., 1996; Sarason & cols., 1987;
Sarason, Shearin, Pierce & Sarason, 1987 cits in Mayer, 2002). Desta forma, o apoio
percebido relaciona-se com caractersticas de personalidade e modos de
enfrentamento do indivduo, bem como com eventos de vida que podem afectar a
habilidade de requerer e aceitar o apoio (Blain, Thompson, & Whiffen, 1993; Bandeira
et al., 2011).
Alguns estudos tentaram perceber o papel do apoio social percebido no
tratamento e reinsero de adictos. Bernichon Ellis, Herrell, Roberts & Yu (2004)
verificaram que o apoio social poderia desempenhar um papel diferente antes da
entrada em tratamento de abuso de substncias do que durante ou aps. O contacto
com a famlia antes do tratamento parece ter um impacto negativo sobre os resultados
deste. Westreich, Heitner, Cooper, Galanter, e Guedj (1997, cit. Bernichon et al., 2004)
averiguaram que a baixa percepo de apoio proveniente da famlia no incio do
tratamento era levemente correlacionada com a concluso de um programa de
dependncia, enquanto os utentes que apresentavam maior percepo inicial do apoio
da famlia executavam menos bem o tratamento, havendo maior incidncia dos
mesmos em programas de dependncia. Richardson (1999, cit. Bernichon et al., 2004)
comprova que a presena de membros da famlia na rede social foi significativamente
relacionada abstinncia um ano aps a desintoxicao.
No estudo de Civita et al. (2000 cit. Souza, 2010) os membros da famlia, e
amigos de pacientes adictos foram questionados sobre suas experincias como fontes
de apoio e como poderiam participar no processo de tratamento. Os resultados desta
pesquisa elucidaram que os membros da famlia eram os mais empenhados
emocionalmente em proporcionar apoio permanente. Alm disso, identificaram que
fornecer apoio social na situao de dependncia de drogas culmina em desgaste
emocional devido s recadas que geram desesperana e frustrao influenciando os
apoiantes a cessar o seu envolvimento com o processo de tratamento (Civita et al.,
2000 cits in Souza, 2010).
Fazendo a comparao entre dois grupos (de dependentes e no
dependentes) acerca da percepo de disponibilidade de apoio social verificaram que
os resultados foram semelhantes em ambos os grupos (Civita et al., 2000 cits in
Souza, 2010). A percepo da existncia de pessoas que se interessam e tentam
ajudar quando necessrio pode ser a chave da eficcia do apoio social na promoo
da sade fsica e psicolgica. Tal percepo influencia o modo como as pessoas lidam
com os diversos acontecimentos na vida, isto , o indivduo que sente que algum o
25
valoriza, o protege e se preocupa com ele, e se sente pertencente a uma rede social
baseada na reciprocidade (Civita et al., 2000 cits in Souza, 2010).
Por fim, o estudo levado a cabo por Gideon (2007) analisou o papel da famlia
no processo de reabilitao e reinsero de adictos em priso e constatou que embora
a famlia possa fornecer apoio positivo, se no for auxiliada e orientada correctamente,
poder levar a conflitos com o adicto. Horwitz, McLaughlin e White (1998, cit. Gideon,
2007) afirmam que os mesmos laos ntimos que servem como fontes de suporte
social tambm podem ser fonte de misria, conflito, sofrimento e angstia. Mais
problemtico o facto de que a maioria das famlias dos adictos considerada como
parte do problema (Gideon, 2007). Sendo assim, constata-se que a relao do
indivduo com a fonte de apoio pode ser ambgua, ou seja, esta pode proporcionar
auxlio material, mas tambm stress emocional, ou ainda, apoio emocional, mas
cobranas comportamentais e isso diz respeito ao modo de proporcionar o apoio
(Civita et al., 2000 cits in Souza, 2010).
Ao longo da reviso bibliogrfica sobre o sentimento de segurana percebe-se
que a primeira base de segurana do sujeito para satisfazer necessidades evolui das
relaes de apego iniciais com a famlia fazendo reflectir a esfera emocional neste
contexto (e.g. Mayer, 2002). Desta forma, o conceito de apego aparece repetidamente
associado ao desenvolvimento positivo deste sentimento (e.g. Pontes, Silva, Garotti, &
Magalhes, 2007). De acordo com Bowlby (1990, cit. Yrnoz, Alonso-Arbiol, Plazaola,
& Murieta, 2001), apego definido como uma conduta instintiva, dinmica e modelada
atravs da interaco com os outros indivduos significativos por um longo perodo de
tempo. Caracteriza, ainda, o apego como um sistema de controlo, ou seja, um
mecanismo que favorece a adaptao de comportamentos com o objectivo de
alcanar as suas principais necessidades (Yrnoz et al., 2001). Countreras, Kerns,
Weimer, Gentzler e Tomich (2000, cit. Pontes et al., 2007) acrescentam que a teoria
do apego caracteriza os estilos de regulao de emoes como processos intrnsecos
e extrnsecos responsveis pela regulao, avaliao e modificao das reaces
emocionais.
A teoria supramencionada parte da proposio de que os seres humanos
formam laos afectivos com determinadas figuras significativas, sendo nos primeiros
anos de vida os pais, com quem desenvolvem um processo de aprendizagem por
imitao (Heilbrun, 1973 cit in Pontes et al., 2007).
Assim, as relaes de apego seguro concorrem para o desenvolvimento de
modelos internos caracterizados por valorizao e apoio por parte das figuras de
ligao. Nas relaes referidas, o indivduo apreende expectativas sociais positivas e
um entendimento primordial de trocas recprocas. Por outro lado, nas relaes de
26
apego inseguro no predominam o sentimento de segurana e a valorizao (Pontes
et al., 2007).
Seguindo a linha do apego com as figuras de ligao, o modelo de
Bartolomeu (1990) e Bartholomew e Horowitz (1991) surge consecutivamente na
literatura como relevante para se conseguir perceber de que maneira o sujeito se liga
s suas figuras de ligao deixando transparecer o nvel de segurana que sente
perante estas (e.g. Yrnoz et al, 2001).
Bartolomeu (1990) e Bartholomew e Horowitz (1991) citados por Yrnoz et al.
(2001) identificaram duas componentes na teoria do apego: imagem dos outros
(relacionada com a avaliao da figura de apego como algum que est disponvel e
em quem se pode confiar), e a auto-imagem ou avaliao de si mesmo (como algum
que vale a pena, ou no, e desperta, ou no, o interesse dos outros). Atravs do
cruzamento destas duas componentes, Yrnoz et al (2001) distinguem quatro tipos de
apego em relao figura parental: o seguro (que combina uma crena positiva de si
mesmo e dos outros); o evitamento-rejeio (havendo a crena positiva de si mesmo
mas uma imagem negativa dos outros indivduos); o preocupado (manifestando um
auto-conceito negativo de si mas uma crena positiva dos outros), e o evitamento-
temvel, (com a percepo de negatividade em relao a si e ao outro).
Levy, Blatt, e Shaver (1998, cit. Yrnoz et al., 2001), examinam a relao entre
os estilos de apego mencionados e as representaes que os filhos tm dos pais.
Encontram caractersticas parentais de elaborao, benevolncia e de punio em
sujeitos com apego seguro. Quanto aos pais dos sujeitos de tipo de apego evitamento-
rejeio, estes foram caracterizados com maior grau de punio, de forma
relativamente similar do tipo evitamento-temvel, enquanto os preocupados
caracterizam seus pais tanto punitivos como benevolentes.
Outro modelo terico que surge como estando conectado explicao do
desenvolvimento da dinmica do sistema de apego contribuindo para o panorama
conceptual do sentimento de segurana o modelo de Mikulincer e Shaver (2003).
Mikulincer e Shaver (2003, cit. Mikulincer & Shaver, 2005) propem um modelo
de funcionamento e dinmica do sistema de apego na vida adulta. Neste modelo de
apego, a avaliao da figura de apego automaticamente activa representaes
mentais de apego de segurana. Estas representaes incluem tanto o conhecimento
declarativo bem como o processual em torno de um prottipo ou relacional script
(Waters, Rodrigues, & Ridgeway, 1998 cit in Mikulincer & Shaver, 2005). Esse script
inclui proposies do tipo se X ento Y: Se eu encontrar um obstculo e/ou tornar-me
angustiado, eu posso abordar algum significativo para ajudar-me, ele ou ela
provvel que esteja disponvel a apoiar-me, vou sentir um alvio e conforto resultado
27
da proximidade com essa pessoa, ento eu posso voltar para outras actividades. Uma
vez activado este script servir como um guia para a regulao adaptativa dos
prprios processos cognitivos e afectivos (Mikulincer & Shaver, 2005).
Desta forma, como modo de verificar que representaes de apego o sujeito
apresenta, Mikulincer e Shaver (2005) criaram trs conjuntos bsicos de crenas
declarativas, que desempenham um papel central na manuteno da estabilidade
emocional e ajustamento pessoal.
O primeiro conjunto de crenas abarca a avaliao dos problemas da vida
como administrveis, ajudando, assim, uma pessoa a manter uma postura optimista e
esperanosa em relao gesto do stress. Estas crenas so o resultado de
interaces positivas com figuras de apego sensveis e disponveis, durante as quais
os indivduos aprendem que a angstia administrvel, obstculos externos podem
ser superados, e o curso e o resultado dos eventos vistos como ameaadores so
parcialmente controlveis. Estudos de apego no adulto fornecem amplo suporte para
uma conexo entre as representaes mentais de apego seguro e crenas optimistas
e esperanosos (Berant, Mikulincer & Florian, 2001, Mikulincer & Florian, 1995;
Radecki-Bush, Farrell & Bush, 1993 cits in Mikulincer & Shaver, 2005).
Especificamente, indivduos seguros, identificados atravs de medidas de auto-relato,
apreciam uma grande variedade de eventos stressantes em termos menos
ameaadores do que pessoas inseguras, ou ansiosas ou evitantes, e contm
expectativas mais optimistas sobre a sua habilidade de lidar com fontes de angstia
(Berant, Mikulincer & Florian, 2001, Mikulincer & Florian, 1995; Radecki-Bush, Farrell &
Bush, 1993 cits in Mikulincer & Shaver, 2005).
Quanto ao segundo conjunto de crenas declarativas includas nas
representaes de apego de segurana, relacionam-se com a percepo das
intenes e traos dos outros como positivos. Novamente, estas representaes
positivas so o resultado da interaco com figuras de apego disponveis, durante a
qual os indivduos aprendem acerca da sensibilidade, agilidade e boa vontade nos
seus principais relacionamentos (Mikulincer & Shaver, 2005). Numerosos estudos tm
demonstrado que indivduos que apresentam baixas pontuaes de ansiedade e
padro de evitao, possuem uma viso relativamente positiva da natureza humana
(Collins & Read, 1990; Hazan & Shaver, 1987 cits in Mikulincer & Shaver, 2005),
descrevem os parceiros de relao enunciando caracterstica positivas (Feeney &
Noller, 1991; Levy, Blatt & Shaver, 1998 cits in Mikulincer & Shaver, 2005),
percebendo-os como parceiros de suporte (Davis, Morris & Kraus, 1998; Ognibene &
Collins, 1998 cits in Mikulincer & Shaver, 2005), e sentem-se confiantes para estes
(Collins & Read, 1990; Hazan & Shaver, 1987; Simpson, 1990 cits in Mikulincer &
28
Shaver, 2005). Para alm disto, pessoas com apego seguro tm expectativas positivas
quanto ao comportamento dos seus parceiros (Baldwin et al, 1993;. Baldwin et al,
1996: Mikulincer & Arad, 1999 cits in Mikulincer & Shaver, 2005) e tendem a explicar o
comportamento negativo deste em termos relativamente positivos (Collins, 1996;
Mikulincer, 1998a cits in Mikulincer & Shaver, 2005).
Por fim, o terceiro conjunto reporta-se a crenas sobre o prprio valor,
competncia e mestria. Durante as interaces com figuras de apego sensveis e
disponveis, os indivduos aprendem a ver-se como activos, fortes e competentes, pois
podem efectivamente mobilizar o apoio de um parceiro e superar as ameaas que
activam o comportamento de apego. Alm disso, podem facilmente percepcionar-se
como valiosos, amveis e especiais - graas a serem valorizados, amados e
considerados especiais por uma figura de apego carinhosa. A pesquisa tem mostrado
consistentemente que essas auto-representaes positivas so caractersticas das
pessoas com segurana nos apegos. Em comparao s pessoas com ligaes de
ansiedade, as pessoas seguras relatam maior auto-estima (Bartholomew & Horowitz,
1991; Mickelson, Kessler & Shaver, 1997), vem-se como competentes e eficazes
(Brennan & Morris, 1997; Cooper, Shaver & Collins, 1998 cits in Mikulincer & Shaver,
2005), descrevendo-se a si mesmas em termos positivos (Mikulincer, 1995 cit in
Mikulincer & Shaver, 2005).
Mikulincer e Shaver (2003, cit. Mikulincer & Shaver, 2005) afirmam que uma
vez que o sistema de apego activado, o sujeito questiona o quanto uma figura de
apego suficientemente disponvel e responde ao solicitado. Uma resposta afirmativa
resulta no funcionamento adequado do sistema de fixao, caracterizada pelo reforo
das representaes mentais do apego de segurana e a consolidao de estratgias
de segurana baseadas na regulao das emoes (Mikulincer & Shaver, 2005). Estas
estratgias visam aliviar a angstia, promovendo apoio em relacionamentos ntimos, e
aumentando a percepo de ajuste real, pessoal e social.
Percepes de figuras de apego indisponveis ou insensveis resultam em
apego de insegurana, o que agrava o sofrimento j despertado pela ameaa
percebida. Este estado de insegurana fora uma deciso sobre a viabilidade da
proximidade como estratgia de proteco. Quando a busca de proximidade
avaliada como vivel ou essencial, devido s anteriores experincias de apego, auto-
conceito, temperamento, ou pistas contextuais, as pessoas adoptam estratgias de
apego hyperactivating, as quais incluem intensos recursos para figuras de apego e
contnua confiana nestas, sendo assim, vistas como uma fonte de conforto
(Mikulincer & Shaver, 2005).
29
Tendo em conta a reviso de literatura apresentada acerca do sentimento do
segurana e a preocupao fulcral desta investigao em compreender a percepo
dos adictos sobre o sentimento de segurana proveniente da famlia, neste trabalho
este foi definido em trs grandes dimenses a familiar, a social e a emocional.
A dimenso familiar foi definida em termos do seu sistema de valores pois
neste contexto que se do as primeiras aprendizagens de valor pertinentes para o
desenvolvimento do sentimento de segurana (Corzo, 2001). Utilizou-se nesta vertente
o modelo de valores de Schwartz (1992) frequentemente enunciado como um
importante contributo para a compreenso da posio que o sujeito se coloca face ao
sistema de valores familiar, estando mais ou menos prximo dele (Bilsky, 2009;
Campos & Porto, 2010; Porto & Tamayo, 2007). Ainda nesta dimenso a
funcionalidade da famlia parece contribuir para o crescimento do sentimento de
segurana neste contexto (e.g. Agostinho, 2009; Aquino & Martinelli, 2010; Bozetti et
al., 2000). Deste modo surgem a coeso e a adaptabilidade como parmetros bsicos
do funcionamento familiar propostos por Olson e cols (1985) sendo influentes para o
sentimento de segurana bem como o modelo de avaliao dos estilos de educao
parental de Baumrind (1971) que utiliza dois eixos como a exigncia e a
disponibilidade de resposta de maneira a compreender este sentimento no contexto
em foco (Silva, 2009; Paterna, s.d.). Ao longo da literatura encontra-se que aspectos
como a adaptabilidade, coeso e os estilos educativos influenciam a percepo de
sentimento de segurana nas famlias de adictos (Arajo, 2003; Chau, Choquet et al.,
2008; Fleming, 2001; Fonte & Magalhes, s.d.; Jesus & Rezende, 2010; Paiva &
Ronzani, 2009).
No que diz respeito dimenso social, visto que importa compreender a
percepo do sujeito sobre o sentimento de segurana provindo da famlia, o apoio
social percebido revelou ser o enquadramento mais adequado pois prope
compreender a percepo que o sujeito tem do apoio disponvel na rede em que est
inserido e o apoio social colabora para o aumento do sentimento de segurana (e.g.
Bandeira et al., 2011). Em estudos concretizados junto de famlias de adictos
percebeu-se que o papel do apoio da famlia pode ser ambguo, ou seja, poder
fornecer apoio positivo ou tornar-se uma fonte de sofrimento (e.g. Gideon,2007).
Do ponto de vista da dimenso emocional, o conceito de apego demonstrou-
se relevante no desenvolvimento positivo do sentimento de segurana (e.g. Pontes et
al., 2007), sendo assim, surgem modelos tericos consistentes no mbito do apego na
bibliografia (Yrnoz et al., 2001; Mikulincer & Shaver, 2005). O modelo de apego de
Bartolomeu (1990) e Bartholomew & Horowitz (1991) constitui-se pertinente nesta
investigao pois procura explicar a forma como o sujeito se liga s pessoas que o
30
circundam e o modelo de apego de Mikulincer & Shaver (2003) que avalia as
representaes mentais de apego de segurana activadas pela figura de apego
(Yrnoz, Alonso-Arbiol, Plazaola, & Murieta, 2001; Mikulincer & Shaver, 2005).
1.2 - Sentido de Comunidade
Diversas pesquisas tm encontrado relao entre o sentido de comunidade e o
bem-estar psicolgico, demonstrando que o sentido de comunidade contribui
positivamente para a sade (Davidson & Cotter, 1991 cit in Ahern & Hendryx, 1997).
Visto que, como j mencionado, a populao-alvo deste estudo um grupo de adictos
em fase de tratamento na comunidade teraputica Villa dos Passos - Centro de
Tratamento e Recuperao de Toxicodependentes e Alcolicos considerou-se
pertinente compreender qual o sentido de comunidade destes sujeitos nesta
comunidade.
O consenso para uma definio de comunidade parece estar longe dadas as
suas caractersticas e os processos que nela ocorrem (Marante, 2010). Sarason
(1974, cit. Ornelas, 2008) utilizou o termo comunidade para se referir a vrios
contextos e redes de relaes incluindo as localizaes, as organizaes comunitrias
ou profissionais, as instituies religiosas ou grupos mais pequenos.
Deste modo, possvel os sujeitos pertencerem a diversas comunidades em
simultneo, podendo ter uma forte ligao com vrias (Carapinha, 2010).
A proposta da definio de comunidade avanada por Gusfield (1975, cit.
Amaro, 2007; Anis, 2009; Marante, 2010; Ornelas, 2008) frequentemente apontada
por diversos autores. Gusfield (1975, cit. Ornelas, 2008) distingue comunidade
geogrfica e a comunidade relacional.
As comunidades geogrficas e as relacionais so semelhantes no sentido em
que ambas so compostas por indivduos, instituies, recursos e meios para a sua
divulgao (Amaro, 2007).
As primeiras so definidas pelos seus limites em termos de espao remetendo-
nos para uma noo territorial de cidade, zona ou bairro (Amaro, 2007; Anis, 2009;
Marante, 2010). A comunidade geogrfica criada em funo de um territrio
especfico e as relaes desenvolvem-se ao nvel da proximidade, no
necessariamente da escolha (Dalton, Elias & Wandersman, 2001 cit in Ornelas, 2008).
No que diz respeito a comunidades relacionais, definem-se pelos interesses,
propsitos comuns ou marcas culturais e onde as relaes se desenvolvem com base
na partilha de interesses e valores (Gusfield, 1975 cit in Ornelas, 2008). Actualmente,
as comunidades mais significativas para os sujeitos, onde encontram as suas fontes
31
de apoio e pertena so as comunidades relacionais e no as definidas em termos
geogrficos (Heller, 1989; Hunter & Riger, 1986; Rheingold, 1991 cit in Ornelas, 2008).
Numa comunidade relacional o sentido de comunidade implica a ligao e o
sentimento de pertena ao grupo (Ornelas, 2008). Os membros no contexto de uma
comunidade relacional sentem-na como um espao seguro, onde podem aprender
novas competncias, investem a sua energia e tempo na prossecuo dos objectivos
comuns, sentindo que podem fazer a diferena, e estabelecem uma ligao afectiva
com essa comunidade e com os seus membros (Ornelas, 2008).
A investigao em questo debruou-se na comunidade teraputica Villa dos
Passos que se enquadra na categoria de comunidade relacional, pois os membros
partilham experincias significativas desenvolvendo relaes interpessoais com base
na identificao de acontecimentos em comum.
O conceito de comunidade teraputica foi utilizado pela primeira vez no incio
dos anos 50 pelo psiquiatra Maxwell Jones, para assinalar um tipo especfico de
tratamento no qual a responsabilidade deste no nica e exclusivamente da equipa
mdica, mas tambm dos membros da comunidade (Borges & Filho, 2004; Fontaine,
Herv & Morel, 1997). Assim, em termos de conceitos fundamentais e de acordo com
Yaria (1992, cit. Borges & Filho, 2004), pode-se referir que a comunidade teraputica
um sistema social que deve facilitar a aprendizagem que em si mesma teraputica e
na qual ocorre a possibilidade de mudana. Neste sentido, e segundo o autor supra
referido, a comunidade teraputica vista como uma microsociedade, da qual fazem
parte normas de convivncia e de realizao de tarefas sendo os seus objectivos
principais a abstinncia de drogas, o voluntariado e a aprendizagem. Deste modo,
uma comunidade teraputica surge como um sistema social composto pelo poder da
influncia da interactividade em cada um dos seus participantes (Maturana, 1980 cit in
Perfas, 2004).
Uma comunidade teraputica pode, ainda, ser considerada um contexto
educativo pois o campo da educao pleno de possibilidades, no privilegiando
apenas o meio escolar, mas tambm outros agenciamentos educacionais activos no
mbito social (Maraschin, 2003 cit in Vieira, 2008). De acordo com Foulin e Mouchan
(2000), todas as comunidades tm um sistema de educao, simples ou complexo,
sistema este fundamental para que o ser humano prossiga com a mudana,
alcanando a satisfao das suas necessidades fsicas e biolgicas, pois a educao
visa modelar o comportamento, as atitudes, os saberes e os valores dos membros de
uma determinada comunidade.
A anlise psicolgica de todas as facetas da realidade educativa faz parte do
domnio da psicologia educacional, que tem como objectivo constatar ou compreender
32
e explicar o que se passa no seio da situao de educao (Coll, Palacios & Marchesi,
1996; Mialaret, 1999). A psicologia educacional vista como um campo de actuao
que articula diversas dimenses: individual, social, institucional e cultural, na qual se
encontram as necessidades identificadas em determinado universo. necessrio
articular diversos campos tericos para que se desenvolva a capacidade de produzir
respostas e intervenes que satisfaam as necessidades das diversas dimenses
(Alves & Silva, 2006). Assim por se considerar o sujeito e as suas relaes visualiza-
se um encontro da psicologia educacional com a psicologia social (Alves & Silva,
2006).
Nesta perspectiva, considera-se que o sujeito se constitui nas relaes com os
outros, via actividade humana, em que o outro tido como essencial no processo de
constituio do sujeito. De acordo com Ges (1993, cit. Andrada, 2002), a aco do
outro conhecida como uma aco partilhada, que ajuda no estabelecimento de
pontes, que d suporte ao sujeito da relao (Andrada, 2002). A mediao do outro
serve como elo para conexo com o espao cultural (Silva, 2004). O sujeito , assim,
concebido como um ser biopsicossocial que se desenvolve nas interaces
estabelecidas com o mundo e com seus semelhantes (Silva, 2004).
Deste modo, o que foi acima mencionado vai ao encontro dos objectivos
preconizados por uma comunidade teraputica vista como sistema social e pelo
prprio modelo utilizado pela Villa dos Passos, o modelo Minnesota, que se designa
biopsicossocial existindo a necessidade de haver um foco multidimensional no sujeito
e na aprendizagem de um novo estilo de vida. Nesta ligao entre a psicologia
educacional com a psicologia social, a ltima por sua vez ramifica-se na psicologia
comunitria que tem como um dos seus principais conceitos o sentido de comunidade,
varivel em explorao nesta investigao.
Sarason (1974, cit. Amaro, 2007; Anis, 2009; Armitage & Maya-Jariego, 2007;
Carapinha, 2010; Gen & Pendola, 2008; Marante, 2010; Ornelas, 2008) foi o primeiro
autor a avanar com a definio de sentido de comunidade que surgiu com a
finalidade de explicar a natureza dos laos estabelecidos entre os indivduos e grupos
sociais alargados, como a comunidade (Snchez-Vidal, 1991 cit in Carapinha, 2010).
Nesta sequncia, Sarason (1974, cit. Amaro, 2007, p. 25) descreveu o sentido
de comunidade como o sentimento de que somos parte de uma rede de
relacionamentos de suporte mtuo, sempre disponvel e da qual podemos depender,
ou seja, este conceito abarca o sentimento de pertena, em que o indivduo se
percepciona como parte integrante e significativa de uma colectividade maior e de uma
rede de relaes interdependentes e de suporte mtuo em que se pode confiar e da
qual se pode depender. De acordo com esta definio, o sentido de comunidade um
33
importante ncleo em torno de interaco social entre os membros de uma
colectividade, e complementado com a percepo de enraizamento territorial e uma
sensao geral de mutualidade e interdependncia (Snchez-Vidal, 1991 cit in
Carapinha, 2010). Sarason (1974, cit. Amaro, 2007), ainda, afirma que o sentido de
comunidade pode ser um processo facilitador da participao dos cidados e assim
prevenir sentimentos de anomia, isolamento e solido que potenciam dinmicas
destrutivas na vida dos sujeitos e o empobrecimento das sociedades.
Posteriormente, McMillan e Chavis (1986) criaram o modelo de sentido de
comunidade, amplamente eleito pelos diferentes autores e aceite ao nvel da
comunidade cientfica sendo por isso, o modelo adoptado neste estudo (Amaro, 2007;
Anis, 2009; Armitage & Maya-Jariego, 2007; Carapinha, 2010; Gen & Pendola, 2008;
Marante, 2010; Ornelas, 2008). Deste modo McMillan e Chavis (1986) definem sentido
de comunidade como um sentimento de pertena que os membros possuem, de que
os membros se preocupam uns com os outros e com o grupo, e uma f partilhada de
que as necessidades dos membros sero satisfeitas atravs do compromisso de
permanecerem juntos (p. 9).
Este modelo delineado por McMillan e Chavis (1986) pretende descrever a
dinmica do sentido de comunidade levando identificao dos vrios elementos
envolvidos e ao processo pelo qual estes cooperam para produzir a experincia de
sentido de comunidade (Marante, 2010). Os autores propuseram que este modelo
fosse composto por quatro dimenses: Estatuto de Membro (Membership), Ligaes
Emocionais Partilhadas (Shared Emotional Connection), Influncia (Influence), e
Integrao e Satisfao de Necessidades (Integration and Fulfillment of Needs).
O Estatuto de Membro o sentimento de pertena ou de partilhar um
relacionamento pessoal fazendo parte de um colectivo (Amaro, 2007, p.26). Define-se
como um sentimento de que se tem investido parte de si para se tornar membro e,
portanto, com o direito de pertencer (Anis, 2009) Este estatuto de membro traz
consigo direitos, mas tambm deveres ou responsabilidades, e disposio para os
membros se sacrificarem mutuamente, procurando a definio de relaes de lealdade
(McMillan & Chavis, 1986; Anis, 2009; Armitage & Maya-Jariego, 2007; Gen &
Pendola, 2008; Marante, 2010).
A dimenso Estatuto de Membro constituda por cinco atributos que
contribuem para perceber quem faz parte da comunidade e quem no faz,
designadamente: limites, segurana emocional, sentimento de identificao,
investimento pessoal e um smbolo comum (Carapinha, 2010). O autor mencionado
descreve os cinco atributos, da seguinte forma:
34
A pertena a um grupo define-se atravs de limites e critrios de
incluso/excluso de pessoas, que providenciam um sentimento de
segurana emocional, e que proporcionam s pessoas que estejam includas
no grupo, sentimentos de identificao com outras pessoas, pois estas
possuem caractersticas semelhantes. Estas caractersticas semelhantes so
depois ampliadas atravs de um smbolo comum que as define e identifique
perante outros grupos. Do mesmo modo, o investimento pessoal favorece a
dimenso de pertena na medida em que a pessoa merece o seu lugar como
membro do grupo devido ao esforo que encetou para alcanar esse
objectivo (Carapinha, 2010, p.7).
A dimenso Ligaes Emocionais Partilhadas destaca-se como sendo um
elemento fundamental que caracteriza uma verdadeira comunidade. Refere-se ao
sentimento de intimidade resultante do compromisso e crena de que os membros
partilharam e iro partilhar histria, lugares comuns, tempo juntos, e experincias
similares (McMillan & Chavis, 1986, p.9). Esta dimenso baseada, em parte, na
partilha da histria, no necessariamente uma histria comum, ou seja a vivncia das
mesmas situaes, mas uma histria na qual os sujeitos se identifiquem e incorporem
na sua histria pessoal (McMillan, 1996 cit in Carapinha, 2010). Esta histria pessoal
fundada na experincia, para a qual essencial o contacto com outros sujeitos
(McMillan, 1996 cit in Armitage & Maya-Jariego, 2007).
Dentro desta dimenso foram identificadas caractersticas como a quantidade e
qualidade da interaco; o desfecho positivo de acontecimentos; a partilha de eventos;
a importncia dos membros para a histria do grupo; o investimento no grupo; a
recompensa dos membros; e ligao espiritual comunidade e aos seus membros
(Anis, 2009; Marante, 2010).
McMillan (1996 cit. Marante, 2010; Wright, 2004) acrescenta que a comunidade
deve partilhar o destino das suas experincias comuns em algum sentido. Sugere-se,
assim, que as ligaes so fortalecidas atravs dos contactos positivos e prximos
entre os seus membros, e do reconhecimento e valorizao da participao dos
membros pela comunidade (Ornelas, 2008).
No que diz respeito Influncia, esta definida por McMillan & Chavis (1986)
como um sentimento de importncia, de fazer a diferena para o grupo e de o grupo
ser importante para os seus membros (McMillan & Chavis, 1986, p.9). Deste modo, a
influncia corresponde a um conceito bidireccional, em que o grupo capaz de
influenciar ou afectar os membros individualmente, assim como ser afectado pelos
seus membros, havendo duas direces na dinmica da influncia, sendo
representada por sentimentos de capacidade de afectao mtua (e.g. Wright, 2004).
35
Estas duas direces, apesar de contrrias, so compatveis e funcionam em
simultneo mantendo a estabilidade do grupo (Carapinha, 2010). Verifica-se que a
conformidade dos indivduos no grupo serve como fora de proximidade, bem como
indicador de coeso do grupo (Carapinha, 2010).
Deste modo, Influncia diz respeito a um processo de negociao entre a
identidade do grupo e a identidade de cada membro do grupo, criando uma esfera de
foras concorrentes (Marante, 2010). Nestas circunstncias actualizam-se funes e
redefine-se a estrutura de poder (Marante, 2010). Os sujeitos que reconhecem que as
necessidades dos outros, valores e opinies so importantes para eles, so
geralmente, os membros mais influentes do grupo; enquanto aqueles que tentam
dominar os outros e ignoram os desejos e as opinies deles so, muitas vezes, os
membros menos poderosos (Wright, 2004).
A ltima dimenso do sentido de comunidade a Integrao e Satisfao de
Necessidades, ou seja o sentimento de que as necessidades dos membros sero
satisfeitas pelos recursos recebidos pelo seu estatuto de membro no grupo (McMillan
& Chavis, 1986 p.9). Neste contexto, McMillan & Chavis (1986 cit. Marante, 2010)
referem que aps a satisfao das necessidades bsicas, no encontro com outros
indivduos e na partilha de valores, que os sujeitos delineiam novos objectivos e
prioridades. Desta forma, os indivduos ganham espao de integrao nas
comunidades de maneira a poderem ser satisfeitos.
Na Integrao e Satisfao de Necessidades destaca-se o conceito de reforo,
considerado um elemento que impulsiona as dinmicas entre os sujeitos e o grupo,
factor essencial para que se mantenha o sentimento de unio. O reforo, em conjunto
com a satisfao de necessidades, torna-se essencial para uma comunidade forte
(McMillan & Chavis, 1986 cit in Marante, 2010). Segundo a reviso de literatura
efectuada por McMillan & Chavis (1986), status, competncia e valores partilhados so
alguns dos reforos que favorecem um sentimento de Integrao e Satisfao de
Necessidades. O sucesso do grupo e o consequente status que a pertena ao mesmo
proporciona revela-se como um importante reforo (Anis, 2009; Carapinha, 2010).
Quanto ao reforo de competncia, este relaciona-se com as habilidades e
competncias especficas de um grupo e dos membros (Anis, 2009; Carapinha,
2010). Por ltimo, os valores partilhados entre o grupo e os seus membros definem um
espao de representao de necessidades e prioridades em comum. Este espao
comum limita a aco do grupo e auxilia na organizao e no estabelecimento de
prioridades para a realizao de actividades (Anis, 2009; Carapinha, 2010).
Atravs do sentimento de satisfao das necessidades individuais, o
sentimento de pertena ao grupo facilitado e os membros so motivados a manter o
36
seu envolvimento no grupo (Amaro, 2007). Desta forma, para McMillan e Chavis
(1986, cit. Marante, 2010; Amaro, 2007) a satisfao de necessidades e o reforo so
uma funo primria de uma comunidade forte. Esta deve ser capaz de enquadrar os
sujeitos num conjunto em que se desenvolve uma dinmica de satisfao e reforo,
onde algum satisfaz as necessidades de outros, enquanto satisfaz as suas prprias,
num ciclo de progressiva actualizao (Amaro, 2007; Ornelas, 2008).
Na reviso de literatura efectuada, observou-se que se realizou um nmero
considervel de estudos acerca do sentido de comunidade em comunidades
geogrficas, e so escassos os estudos que deram foco a comunidades relacionais
(Obst, Smith, & Zinkiwicz
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