UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE DE LETRAS
O TEMA DA LIBERDADE DA MULHER BURGUESA NO CONTO LECCIÓN DE COCINA DE ROSARIO CASTELLANOS
Thámara Lorena da Silva Amaral
RIO DE JANEIRO
2016
THAMARA LORENA DA SILVA AMARAL
O TEMA DA LIBERDADE DA MULHER BURGUESA NO CONTO “LECCIÓN DE COCINA” DE ROSARIO CASTELLANOS
Monografia submetida à Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção do título de Licenciado em Letras na habilitação Português/Espanhol.
Orientador: Prof. Doutor Victor Manuel Ramos Lemus
RIO DE JANEIRO
2016
FOLHA DE AVALIAÇÃO
THÁMARA LORENA DA SILVA AMARAL
DRE: 110095391
O TEMA DA LIBERDADE DA MULHER BURGUESA NO CONTO LECCIÓN DE COCINA DE ROSARIO CASTELLANOS
Monografia submetida à Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção do título de Licenciado em Letras na habilitação Português/Espanhol.
Data de avaliação: ____/____/____
Banca Examinadora:
______________________________________________________ NOTA: ______Nome completo do Orientador – Presidente da Banca ExaminadoraProf. Doutor Victor Manuel Ramos Lemus
______________________________________________________ NOTA: ______Nome completo do Leitor CríticoProf. Doutor Luis Alberto Nogueira Alves
MÉDIA: ______
Assinatura dos avaliadores: ________________________________________________
________________________________________________
Agradecimentos
Aos meus familiares, meus primeiros professores, em especial àquelas que cuidaram de
mim por muitos anos e nunca desistiram dessa tarefa árdua que é ser mãe, mamis
Alessandra, dinda Janaina, tia Adila e vó Flor. Não posso me esquecer do meu irmão
Caique, que sempre foi meu primeiro amigo. E meus irmãozinhos Julia, Juan e Andrey.
Amo muito todos vocês.
Aos meus amigos, que levo comigo em pensamento e em consideração. Conviver com
eles me ensinou o que é respeito, empatia e amizade. Um salve para minha amiga de
longa data Michelle e aos meus queridos da faculdade: Mariana, Guilherme, Yalis,
Daniel, Marianne e Rayza (Barramente). Incluo também um abraço e gratidão para
meus colegas do Amister, espaço para aprender sobre diferenças e se (re)conhecer como
pessoa. Viva a diversidade!
Aos meus professores, não apenas os da faculdade, mas também os do colégio (ou
colégios porque estudei em vários). Minhas professoras de Português, Telma Esteves e
Flávia Oliveira, que me ensinaram o amor por uma profissão tão bela que é o
magistério. Meus professores da UFRJ, Victor Lemus, Elena Palmero, Silvia Cárcamo,
Leticia Rebollo, mamãe Maluh, que conseguem, apesar dos pesares, serem excelentes
profissionais e levam para cada um de nós, seus eternos alunos, um novo ânimo para
sermos professores sempre melhores. Obrigada, queridos!
Ao meu cachorro, o Senhor Cão, que me ensina o que é amor, amizade e carinho sem
dizer uma única palavra em meu idioma. Lambe-beijos!
Ao meu noivo, futuro marido e pai de meus seis filhos, Diogo Lirio, que foi o melhor
presente que essa faculdade poderia me conceder. Com ele, eu me conheci e me
reconheci em alguém. Com ele, eu ganhei uma família maravilhosa novinha, com
direito a duas sogras. Com ele, eu consigo pensar em um futuro feliz. E nós sabemos
que esse amor não é só para essa vida. Te amo muitos muito!
Hace un año yo no tenía la menor idea de su existencia y ahora
reposo junto a él con los muslos entrelazados, húmedos de
sudor y de semen. Podría levantarme sin despertarlo, ir
descalza hasta la regadera. ¿Purificarme? No tengo asco.
Prefiero creer que lo que me une a él es algo tan fácil de borrar
como una secreción y no tan terrible como un sacramento.
(Rosario Castellanos)
SUMÁRIO
I. Introdução ………………………………………………………………... 8
II. Sobre Rosario Castellanos............................................................................ 9
II.I Rosario Castellanos, mulher escritora ….............................................. 9
II. II Rosario Castellanos, a mulher que sabe latim .................................... 12
III. Sobre a liberdade ......................................................................................... 15IV. Sobre a concepção de mulher ...................................................................... 17V. Sobre feminismo e luta de classes ............................................................... 22
VI. Sobre os contos ............. .............................................................................. 26VI.I Lección de Cocina ................................................................................ 26
VII. Conclusão ………………………………………………………………… 36
Bibliografia ………………………………………………………………..38
I. Introdução
Ainda que ainda seja pouco estudada no Brasil, Rosario Castellanos possui uma
vasta obra literária com ensaios, romances, teatro e poesia. Desses seus trabalhos
literários, o livro Album de familia (2003), composto por quatro contos, apresenta uma
reflexão acerca o tema da liberdade da mulher burguesa do México pós-revolucionário.
A obra de Rosario Castellanos discute a situação da mulher no México no
período pós-revolucionário, tanto a mulher indígena, como no romance Balún Canán
(1968), quanto a mulher burguesa dos contos de Album de familia. Podemos, pois,
constatar que obra de Castellanos apresenta uma diversidade de personagens femininas
de diferentes classes sociais e culturais, assim como em Balún Canán, as relações entre
mulher burguesa e mulher indígena são constantemente destacadas, a mulher indígena
serviçal à mulher branca burguesa, a mulher branca serviçal ao homem branco, além da
mulher indígena subserviente ao homem indígena.
Dessa forma, destacaremos o tema da liberdade, já que esse é fundamental na
obra da autora para entender esses personagens. Entendemos, pois, que Castellanos
escreve em uma época em que o Existencialismo sartreano está em profunda expansão,
com o a trilogia Los caminos de la libertad e Existencialismo é um humanismo (1970) e
as ideias de Simone Beauvoir disseminadas em seu livro O segundo Sexo (2009), obras
muito influentes para os intelectuais ocidentais da época. A partir desses dois autores,
tentaremos compreender a ideia de liberdade e como essa se relaciona para com a
mulher.
Ademais, é importante apresentar os conceitos de Karl Marx presentes no livro
Manifesto Comunista (2002) acerca do conceito de burguesia para entendermos como
essa classe opera nas transformações que ela mesma cunhou no mundo moderno, como
também relacioná-lo com o movimento feminista assim como o fez Alejandra Kollontai.
Segundo Kollontai, a luta do movimento feminista antes de tudo deveria ser um luta de
classes para que assim conseguissem atingir seu objetivo.
Por fim, ressaltamos o caráter crítico da obra de Rosario Castellanos, pois
observamos que através do tema da liberdade, a autora consegue destacar a dificuldade
das mulheres se colocarem como sujeitos absolutos através de uma perspectiva
existencialista, tanto a trabalhada por Sartre quanto por Simone de Beauvoir. Esse fato
se deve a que as mulheres ainda estão intrinsicamente conectadas às antigas imagens
que criaram para que seguissem dificultando, dessa maneira, a transcendência do mito
em Ser.
II. Sobre Rosario de Castellanos
Rosario Castellanos escreveu demasiadamente tanto textos literários quanto
textos ensaísticos. Além disso, elaborou inúmeras cartas para Diego Guerra, pai de seu
filho. Nessas, particularidades de história pessoal são descritas e as encontramos em
seus livros. Dessa maneira, é importante apresentar os aspectos de ordem cronológica e
biográfica da vida da autora como também sua pesquisa sobre a mulher, já que ambos
estão relacionados.
II.I Rosario Castellanos, uma vida em cartas
Para apresentar a vida e a pesquisa de Rosario Castellanos, utilizaremos dois
livros como referência: o primeiro, Las siete Cabritas (2001) de Elena Poniatowska; e o
segundo, La mujer que sabe latín (1984) de Rosario Castellanos. O livro de
Poniatowska reúne sete biografias de autoras mexicanas essenciais, segundo a autora, à
cultura desse país, entre elas, Rosario Castellanos.
A autora de Album de Familia foi professora, embaixadora e, é claro, escritora.
Sua obra possui uma vasta quantidade de gêneros como livros de poesia, contos,
romances, teatro, ensaio e, além disso, escrevia artigos para o jornal “Excélsior”. Nela
percebemos reflexos de leituras que marcaram sua formação, tais como Simone de
Beauvoir, Virginia Wolf e Simone Weil. Rosario Castellanos trabalhou com temas que
perpassam a vida do campo e da cidade, descrevia com um tom realista tanto a situação
da mulher mexicana pós-revolução quanto a violação dos direitos dos índios,
principalmente os de Chiapas onde a autora possuía maior intimidade, pois tinha
residência nessa região. Sobre a sua literatura, José Joaquín Blanco aponta:
Rosario Castellanos escribió mucho y sus textos son acaso más valiosos por los obstáculos a los que se atreve que por sus resultados. Sus retos narrativos y poéticos fueron grandes y los realizó con una actitud admirable tanto en la crítica a la vida en Chiapas como a la situación opresiva de la mujer mexicana en los cincuentas que ella padeció, ninguneada en los medios
culturales por gente harto inferior a ella. (Jpsé Joaquín Blanco apud Elena Poniatowska, p.109)
Poniatowska destaca a importância das correspondências, um total de setenta e
sete, entre Castellanos e Ricardo Guerra, seu eterno amor, para uma maior compreensão
sobre a autora, já que nelas estão seus medos, suas certezas e sua história de vida.
Quando passou a escrever de Tuxtla e Comitán, suas primeiras cartas falam de Chiapas,
onde passou sua infância. Nessas percebemos a relação que Rosario tem com sua terra,
já que é uma branca no meio de índios, uma “terrateniente” em um lugar sem herdeiros.
Rosario é a única herdeira das terras de seus pais, pois como conta a Ricardo: “Usted
sabe que tuve un hermano y que se murió y que mis padres, aunque nunca me lo dijeron
a entender que era una injusticia que el varón de la casa hubiera muerto y que en cambio
yo continuara viva y coleando” (CASTELLANOS apud PONIATOWSKA, 2001,
p.113). A epístola datada de 7 de agosto de 1950, pode-se ler o relato do índio que fica
pendurado na roda da fortuna como acontece no livro Balún Canán. Após voltar da
Europa, em 1952, Castellanos começa a trabalhar pelos indígenas. Castellanos não
queria ser nomeada uma autora indigenista, ainda que trabalhasse sobre o tema em suas
obras. De acordo com ela, os índios são exatamente como os brancos, não são maus,
nem ruins, e assim como esses últimos podem torna-se violentos. Segundo
Poniatowska, a proximidade de Rosario com os índios e o tema indigenista está além da
vivência em regiões ocupadas por esses, mas está por identificar neles abandono e
solidão.
Com o retorno a Chiapas, Rosario trabalha no Instituto Indigenista, dirigido por
Alfonso Caso. Rosario e Guerra se reencontram em 1957 e levam apenas três meses
para casarem. Sobre o casamento, “Una Rosario vestida de blanco por dentro y por
fuera, con blancura de alma que a pocos les es dada. Graciosa, aguda, seria o profunda;
invariablemente de cristal” (DUEÑAS apud PONIATOWSKA, 2001, p.116).
No mesmo ano do nascimento de seu filho, recebe o prêmio Xavier Villaurrutia.
Já no ano seguinte, recebe o prêmio Sor Juana Inés de la Cruz. Rosario trabalhou na
Faculdad de Filosofía y Letras da UNAM, foi chefe de Imprensa e Informação da
universidade, e publicava regularmente artigos para o jornal Excélsior. Antes de mudar-
se para Winsconsin, no ano de 1966, onde foi atuar como professora convidada na
Universidade de Madison, Rosario já havia publicado: Balún Canán (1957); Oficio de
Tinieblas (1962); e os livros de contos Ciudad Real (1960) e Los convidados de Agosto
(1964). Em poesia já havia publicado: Trayectoria del polvo (1948), Apuntes para una
declaración de fe (1949), De la vigilia estéril (1950), El rescate del mundo (1952),
Poemas (1953-1955 e 1957), Al pie de la letra (1959), Judith y Salomé (1959) e Lívida
luz (1960).
Gabriel passa a visitar a sua mãe em Madison e converte-se em um informante e
uma certeza sobre as mulheres que passam na vida de seu pai, Ricardo. Contudo,
Rosario segue se correspondendo com Guerra usando, genialmente, o humor: “Bueno, a
Gabriel, que no sé por qué lo persiguen los bichos y lo pican sin cesar. Ponemos
insecticidas de una marca y otra y amanece con unos conatos de cuernos en la frente
(han de ser herencia de su mamá) porque algo le pica en la noche.” (CASTELLANOS
apud PONIATOWSKA, 2001, p.122). As aulas de Rosario na Universidade ficam
lotadas de alunos e o reitor se vê obrigado a dividir o grupo e passa-lo a outro professor,
porém seus alunos protestam e conseguem permanecer com a professora da turma.
Ainda que tenha um grupo de seguidores, alunos seus, Castellanos não abandona um
discurso de derrota. No conto Album de Familia, narra-se o encontro de um grupo de
ex-alunas com a sua professora de velha data. Essa professora apresenta uma crise
nervosa e não acredita na sua competência literária. Os traços psicológicos dessa
professora, seu problema com os nervos, poderiam ser descritos como os vividos por
Castellanos, como se observa nas cartas.
Para Rosario, o ser que trabalha merece o respeito dos demais, como afirma em
um discurso no Museu Nacional de Antropologia, e acrescenta que no México as
mulheres não têm o mesmo tratamento que os homens. A autora de Balún Canán nasceu
desvalorizada e somente ao final de sua vida deixa de acusar-se. Nas cartas conhecemos
os motivos, na poesia encontramos a busca de racionalização e tentativa de reconstrução
de sua imagem para si mesma. No processo de revalorização, pede o divórcio e se
separa de Guerra. Rosario afirma em entrevista que nunca o trabalho lhe feriu como o
amor e a convivência.
Rosario morreu de maneira inesperada, um dia antes de regressar ao México, e
seu último artigo foi dirigido a seu filho Gabriel: “...Yo por ejemplo, borro todas las
cicatrices del pasado, desatiendo todas las pressiones del presente, me olvido de todas
las amenazas del porvenir con sólo mirar una tarjeta postal a colores que representa el
Calendario Azteca y que dice ‘estoy muy contento. Saludos’. Y firma: Gabriel”
(CASTELLANOS apud PONIATOWSKA, 2001, p.125).
II. II Rosario Castellanos, a mulher que sabe latim
No livro La mujer que sabe latín (1984), Rosario apresenta uma visão geral
sobre o processo de “domesticação” da mulher. O homem, desde o princípio da
humanidade, utiliza ferramentas para que a mulher seja subjugada a ele. De acordo com
Castellanos, a mulher, ao longo da história, é mais que um fenômeno da natureza, ela é
um mito. Simone de Beauvoir destaca que “el mito implica siempre un sujeto que
proyecta sus esperanzas y sus temores hacia el cielo de lo trascendente” (BEAUVOIR
apud CASTELLANOS, p. 7). Assim, o homem converte a mulher em um receptáculo
de expectativas com variadas formas, mas com um simples significado.
El creador y el espectador del mito ya no ven en la mujer a alguien de carne y hueso, con ciertas características biológicas; fisiológicas y psicológicas; menos aún perciben en ella las cualidades de una persona que se les semeja en dignidad aunque se diferencia en conducta, sino que advierten sólo la encarnación de principio, generalmente maléfico, fundamentalmente antagónico. (CASTELLANOS, p. 7-8)
Para que o homem triunfe de maneira absoluta, ele necessita exterminar o seu
contrário. Como não é possível, qualquer manifestação do outro é visto como ameaça,
cada gesto é interpretado uma proposta de fuga, qualquer intenção uma revolta. E isso
leva ao homem sentir medo, o que leva ele a ser mais “cuidadoso” com aqueles que
incitam esse sentimento e, também, o torna violento. Embora essas atitudes pareçam
extremas e ambíguas, carregam diferentes objetivos e acontecem de várias maneiras. De
acordo com Rosario Castellanos, o homem apresenta ações de dominação para com a
mulher, essas perpassam o plano estético, o plano ético e o plano intelectual.
Segunda a autora, a beleza é definida pelo homem:
Supongamos, por ejemplo, que se exalta a la mujer por su belleza. No olvidemos, entonces, que la belleza es un ideal que compone y que impone el hombre y que, por extraña coincidencia, corresponde a una serie de requisitos que, al satisfacerse, convierten a la mujer que los encarga en una inválida, si es que no queremos exagerar declarando, de un modo mucho más aproximado a la verdad, que en una cosa. (CASTELLANOS, 1984, p.9)
Além disso, há o método de projetar na mulher um espírito puro. Transformam o
corpo feminino em um objeto frágil, vulnerável, o mais distante da realidade.
Entretanto, nem todas as mulheres possuem as qualidades adequadas. Almejando-as
usam faixas que comprimem o corpo na tentativa de esconder aquilo que é abundante,
fazem dietas exaustantes. Essa mulher não consegue fazer simples atividades do dia a
dia, pois está muito debilitada. Sua energia está esgotada e permanece assim para que
seja comtemplada pelo homem. Assim, a mulher é transfigurada pelo homem a ser uma
estátua. Não tem mais ação, não tem chance de revoltar-se.
Rosario, a partir desse momento, escreve em seu ensaio sobre as mudanças que
provocam na mulher através do plano ético. Primeiramente, trabalha o conceito de “fada
do lar” cunhado por Virginia Woolf
es extremamente comprensiva, tiene un encanto inmenso y carece del menor egoísmo. Descuella en las artes difíciles de la vida familiar. Se sacrifica cotidianamente. Si hay pollo para la comida se sirve de muslo. Se instala en el sitio preciso donde atraviesa una corriente de aire. En una palabra, está constituida de tal manera que no tiene nunca un pensamiento o un deseo proprio sino que prefiere ceder a los pensamientos y deseos de los demás. Y, sobre todo, - ¿es indispensable decirlo? – el hada del hogar es pura. Su pureza es considerada como su más alto mérito, sus rubores como su mayor gracia. (Virginia Woolf apud Rosario Castellanos, p. 12-13)
Por outro lado, a pureza é tida como ignorância, sobretudo, ignorância absoluta,
inclusive sobre o ser mulher. A ideia é criar um mecanismo para a permanência dessa
ignorância, desse modo, é elaborada uma moral muito rigorosa e complexa para a
mulher seguir. Uma dama, por exemplo, não pode conhecer seu corpo nem por
referências, nem pelo tato, já que ao banhar-se utiliza uma vestimenta que cubra
totalmente o seu corpo. A tentativa de compreender sua existência é reprimida e a
mulher é castigada. A única qualidade que pode ter é a espera.
Esta situación de confinamiento, que se llama por lo común inocencia o virginidad, es susceptible de prolongarse durante largos años y a veces durante una vida entera.
La osadía de indagar sobre sí misma; la necesidad de hacerse consciente acerca del significado de la propia existencia corporal o la inaudita pretensión de conferirle un significado la propia espiritual es duramente reprimida y castigada por el aparato social. Éste ha dictaminado, de una vez y para siempre, que la única actitud lícita de la feminidad es la espera.
Por eso desde que nace una mujer la educación trabaja sobre el material dado para adaptarlo a su destino y convertirlo en un ente moralmente aceptable, es decir, socialmente útil. Así se le despoja de la espontaneidad de para actuar; se le prohíbe la iniciativa de una ética que le es absolutamente ajena y que no tiene más justificación ni fundamentación que la de servir a los intereses, a los propósitos y a los fines de los demás.” (CASTELLANOS, 1984, p.14)
Dessa forma, o homem converte-se em um meio pelo qual a mulher pode
conhecer a si mesma. Contudo, não é um homem qualquer, mas o homem que a tome
como esposa em matrimônio.
Além disso, a maternidade é vista como um milagre e atenua as características
negativas da mulher. Como carrega um milagre, não pode fazer movimentos bruscos,
deve ser o mais cautelosa possível e permanecer nove meses de repouso. Assim, a
gravidez torna-se uma doença a progenitora. E está condenada a parir com dor, como
diz a Bíblia. Por outro lado, se a dor não vem, ela deve estimula-la a vir com gemidos,
gritos, reclamações e lamentações. O nascimento não termina esse ciclo, agora a mulher
deve abnegar-se.
No que diz respeito ao plano intelectual, a mulher é anulada quanto a ser: “Si la
ignorancia es una virtud, resultaría contradictorio que, por una parte, la sociedad la
preconizara como obligatoria y, por la otra, pusiera los medios para destruirla.”
(CASTELLANOS, 1984, p.17)
No dia a dia, costuma-se chamar de inteligente aquele que discorre bem. Por
outro lado, estúpido é aquele que lhe falta capacidade de crítica. No caso da mulher, a
anatomia explicaria a falta de aptidão intelectual. Segundo Rudinger, o cérebro da
mulher é menor em volume e tamanho, logo sua habilidade intelectual, comparada ao
do homem, é menor. Essa seria a justificativa científica para não ensinar a mulher, pois
ela não tem a capacidade biológica natural para compreensão de conteúdos, quaisquer
que sejam. Em contrapartida, M.A Neuville contradiz o argumento de Rudinger listando
uma série de inventos criados por mulheres:
De acordo com Rosario, a mulher não busca aprimorar a memória, a criatividade e não espera que sejam generosos para com ela:
Con una fuerza a la que no doblega ninguna coerción; con una terquedad a la que no convence ningún alegato; con una persistencia a la que no disminuye ante ningún fracaso, la mujer rompe los modelos que la sociedad le propone y le impone para alcanzar su imagen auténtica y consumarse- y consumirse- en ella.” (CASTELLANOS, 1984, p.19)
Após muita perseverança a mulher vem mudando os modelos impostos pela
sociedade e se impõe para alcançar sua imagem autêntica e consumir-se nela. Para
chegar a esse período de transição, esse momento de autoconhecimento, a mulher
necessita passar por uma situação limite, como diz Sartre:
Para elegirse a sí misma y preferirse por encima de lo demás se necesita haber llegado, vital, emocional o reflexivamente a lo que Sartre llama una situación límite. Situación límite por su intensidad, su dramatismo, su desgarradora densidad metafísica. (CASTELLANOS, 1984, p.19)
Por fim, Rosario conclui que a mulher precisa romper com as imagens impostas
pelo homem, a fim de transcender como sujeito absoluto e pleno. Dessa forma, a mulher
encontrará finalmente sua essência como ser.
La hazaña de convertirse en lo que se es (hazaña de privilegiados sea el que sea su sexo y sus condiciones) exige no únicamente el descubrimiento de los rasgos esenciales bajo el acicate de la pasión, de la insatisfacción o del hastío sino sobre el rechazo de esas falsas imágenes que los falsos espejos ofrecen a la mujer en las cerradas galerías donde su vida transcurre.
[…]
Pero hubo un instante, hubo una decisión, hubo un acto en que la mujer alcanzó a conciliar su conducta con sus apetencias más secretas, con sus estructuras más verdaderas, con su última sustancia. Y en esa conciliación su existencia se insertó en el punto que le corresponde en el universo, evidenciándose como necesaria y resplandeciendo de sentido, de expresividad y de hermosura. (CASTELLANOS, 1984, p.20 -21)
II. Sobre a liberdade
Como visto na seção anterior, Rosario Castellanos acredita que para que a
mulher se faça existir, ela precisa passar por uma situação limite. A noção de situação
limite é trabalhada na perspectiva do Existencialismo. Além disso, o tema da liberdade é
um ponto de discussão e reflexão dentro da obra de Jean Paul Sartre.
No livro O existencialismo é um humanismo, Sartre defende que o
existencialismo não leva as pessoas à inércia do desespero, como o acusam. Segundo o
existencialismo, o homem é o ser que a sua existência precede a essência, ou seja, é um
ser que existe antes de ser definido por qualquer conceito. Essa afirmação significa que
o “homem existe, encontra a si mesmo, surge no mundo e só posteriormente se define”
(SARTRE, 1970, p.4). Dessa forma, “se a existência precede a essência, nada poderá
jamais ser explicado por referência a uma natureza dada e definitiva; ou seja, não existe
determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade”. (SARTRE, 1970, p.7)
Dessa maneira, o homem é aquilo que ele projeta ser e tem consciência de seu
projeto de futuro. Para o existencialismo, “a consciência não se produz como exemplar
singular de uma possibilidade abstrata, mas que, surgindo no bojo do ser, cria e sustenta
sua essência, quer dizer, a ordenação sintética de suas possibilidades” (SARTRE, 1970,
p.26). Sendo assim, a consciência é intencional. Cabe ressaltar, também, que todo ato
deve ser intencional para poder ser considerado um ato, sendo esse uma expressão de
sua liberdade.
O conceito de ato, com efeito, contém numerosas noções subordinadas que devemos organizar e hierarquizar: agir é modificar a figura do mundo, é dispor de meios com vistas a um fim, é produzir um complexo instrumental e organizado de tal ordem que, por uma série de encadeamentos e conexões, modificação efetuada em um dos elos acarrete modificações em toda série e, para finalizar, produza um resultado previsto. Mas ainda não é isso o que nos importa. Com efeito, convém observar, antes de tudo, que uma ação é por princípio intencional. (SARTRE, 1970, p. 536.)
Por outro lado, como a existência precede a essência, o homem é consciente
sobre o que é. Na obra Satreana, a noção de liberdade é importante, pois o homem está
condenado a ser livre, isto é, a liberdade é uma condição da existência humana. E é a
partir dessa liberdade que o homem se define como Ser. Além disso, o homem é
responsável pelos outros homens devido a sua subjetividade. Dessa maneira, toda ação
particular reflete no mundo, assim, o homem agindo em pró da sua liberdade, age pela
liberdade dos outros. Segundo Sartre,
A palavra subjetivismo tem dois significados, e os nossos adversários se aproveitam desse duplo sentido. Subjetivismo significa, por um lado, escolha do sujeito individual por si próprio e, por outro lado, impossibilidade em que o homem se encontra de transpor os limites da subjetividade humana. É esse segundo significado que constitui o sentido profundo do existencialismo. Ao afirmarmos que o homem se escolhe a si mesmo, queremos dizer que cada um de nós se escolhe, mas queremos dizer também que, escolhendo-se, ele escolhe todos os homens. (SARTRE, 1970, p.5)
Com isso, cada ato que o homem dá é uma criação de uma imagem que ele quer
ser, e ao mesmo tempo, uma imagem que ele julga que deva ser. Logo, como o homem
escolhe aquilo que é bom para ele, concomitantemente, é bom para todos. Dessa forma,
a responsabilidade pelos seus atos é enorme, pois envolve toda a humanidade.
O homem existencialista sente desespero, pois reconhece que “só podemos
contar com o que depende de nossa vontade ou com um conjunto de probabilidades que
tornam a nossa ação possível” (SARTRE, 1970, p.10). Por sua vez, os pensadores
contemporâneos não analisam mais a noção de natureza humana, mas condição
humana, “Por condição, eles entendem, mais ou menos claramente, o conjunto dos
limites a priori que esboçam a sua situação no universo” (SARTRE, 1970, p.13). As
condições as quais o homem está exposto mudam, o que não varia é que o homem
sempre deve se expor nesse mundo, trabalhar e conviver com os demais. Assim, todos
os projetos de ser são tentativas de transpor os limites. Como cada ato implica na
subjetividade, e essa possui um traço universal, ao ultrapassar os limites, o sujeito não
age de maneira individual.
Sartre defende o posicionamento de que é impossível não escolher, isto é, até
nos momentos que o homem opta por não escolher alguma situação, ele escolheu não
escolher. Logo, o homem não está pronto desde o início e é determinado de acordo com
seu engajamento.
Por fim, concluímos que, de acordo com a corrente existencialista de
pensamento, o homem é uma busca constante de transcendência de Ser, pois tem como
objetivo a sua liberdade e, consequentemente, a liberdade dos outros. O homem está
condenado a viver sobre as suas atitudes e escolhas, e através dessas projeta seu futuro e
sua essência, já que somente com a ação o homem pode se afirmar no mundo como Ser
absoluto de existência.
Queremos a liberdade através de cada circunstância particular. E, querendo a liberdade, descobrimos que ela depende integralmente da liberdade dos outros, e que a liberdade dos outros depende da nossa. Sem dúvida, a liberdade enquanto definição do homem, não depende de outrem, mas, logo que existe um engajamento, sou forçado a querer simultaneamente, a minha liberdade e a dos outros; e que a liberdade dos outros; não posso ter como objetivo a minha liberdade a não ser que meu objetivo seja também a liberdade dos outros. De tal modo que, quando, ao nível de uma total autenticidade, reconheço que o homem é um ser que a essência é precedida pela existência, que ele é um ser livre que só pode querer a sua liberdade, quaisquer que sejam as circunstâncias, estou concomitantemente admitindo que só posso querer a liberdade dos outros. (SARTRE, 1970, p.16)
IV. Sobre a concepção de mulher
Como vimos anteriormente, Rosario Castellanos foi leitora de Simone de
Beauvoir. Ademais, em seu ensaio, Mujer que sabe latin, a autora de Lección de
Familia adota uma perspectiva existencialista para abordar a questão da mulher. Assim,
essa seção tem como objetivo complementar a visão que a Castellanos possui no que diz
respeito à mulher e o existencialismo. Para tanto, tomaremos como referência alguns
apontamentos de Simone de Beauvoir em seu livro O Segundo Sexo.
Primeiramente, Beauvoir apresenta uma pergunta chave que irá orientar todas as
discussões na primeira parte de seu livro: “que é uma mulher?” (BEAUVOIR, 2009,
p.7). Questões biológicas, como possuir útero, por exemplo, têm valor fraco, pois
algumas mulheres não possuem útero, mas continuam a ser mulher. Em contrapartida,
nem toda mulher que possui útero é considerada mulher. Sendo assim, a feminilidade é
um fator determinante para o enquadramento nesse grupo mulher.
O modelo do ser mulher foi criado em um imaginário que conduz a uma
essência, isto é, a essência de ser mulher. Contudo, com o advento das Ciências Sociais
e Biológicas, o conceitualismo perde força e, por sua vez, não consideram mais a
existência de entidades imutáveis, tais como a mulher, o negro ou o judeu, por exemplo.
Logo, para esses estudiosos, o caráter depende de uma situação. Assim, se a
feminilidade deixou de existir, só comprova que nunca houve.
Em seguida, a autora mostra que para um homem não há a necessidade de
afirmar-se como homem, mas se uma mulher quiser definir-se deve declarar “sou uma
mulher”. O homem assimila o vocábulo vir e homo tanto para dizer “os homens” quanto
“os seres humanos”. Em oposição, a mulher é limitação sem reciprocidade. O homem
determina a mulher em relação ao seu corpo, “a mulher possui útero, ovários”, mas não
se determina a partir de seu próprio corpo. O homem encara o seu corpo com relação
direta e normal, mas o corpo da mulher é uma prisão, um obstáculo. Assim,
A humanidade é masculina e o homem define a mulher não em si, mas relativamente a ele; ela não é considerada um ser autônomo. [...] A mulher determina-se e diferencia-se em relação ao homem e não este em relação a ela; a fêmea é o inessencial perante o essencial. O homem é Sujeito, o Absoluto; ela é o Outro” (BEAUVOIR, 2009, p.10).
Segundo a autora, a alteridade é uma categoria indispensável ao pensamento
humano. Pensar em alteridade é, consequentemente, pensar em coletividade, já que
“nenhuma coletividade se coloca como Uma sem colocar outra diante de si”
(BEAUVOIR, 2009, p.11). Para Hegel, toda consciência é uma hostilidade à outra. Com
isso, o sujeito se põe opondo, afirmando-se como essencial e faz do outro inessencial. E
a outra consciência é recíproca. Entretanto, no que diz respeito aos sexos, essa
reciprocidade não existe.
Por que as mulheres não contestam a soberania do macho? Nenhum sujeito se coloca imediata e espontaneamente como inessencial; não é o Outro que definindo-se como Outro define o Um; ele é posto como Outro pelo Um definindo-se como Um. Mas para que o Outro não se transforme no Um é preciso que se sujeite a esse ponto de vista alheio. De onde vem essa submissão na mulher? (BEAUVOIR, 2009, p.12)
Alguns casos de dominação de um grupo sobre o outro é devido à desigualdade
numérica, mas a mulher não é uma minoria comparada aos homens. Além disso, algum
fato histórico pode determinar a supremacia sobre outro, mas isso não o que ocorre com
o homem e a mulher. Dessa forma, “sua dependência não é consequência de um evento
ou de uma evolução, ela não aconteceu” (BEAUVOIR, 2009, p.13). Com isso, a
alteridade aparece com caráter absoluto.
Se a mulher se enxerga como o inessencial que nunca retorna ao essencial é porque não opera, ela própria, esse retorno. [...] As mulheres – salvo em certos congressos que permanecem manifestações abstratas – não dizem “nós”. Os homens dizem ‘as mulheres’ e elas usam essas palavras para se designarem a si mesmas: mas não se põem autenticamente como Sujeito. [...] a ação das mulheres nunca passou de agitação simbólica; só ganharam o que os homens concordaram em lhes conceder; elas nada tomaram; elas receberam. Isso porque não têm os meios concretos de se reunir em uma unidade que se afirmaria se opondo. (BEAUVOIR, 2009, p.13)
As mulheres vivem ligadas aos homens compartilhando interesses em comum a
eles. Mulheres brancas são confidentes dos homens brancos e não das mulheres negras,
mulheres burguesas são confidentes dos homens burgueses e não das mulheres
proletárias, por exemplo. Assim, “o laço que a une a seus opressores não é comparável a
nenhum outro” (BEAUVOIR, 2009, p. 13). Logo, não é admissível um corte na
sociedade tomando o sexo como referência. A mulher é “o Outro dentro de uma
totalidade cujos dois termos são necessários um ao outro” (BEAUVOIR, 2009, p.14).
Ainda que a que o homem tenha uma necessidade recíproca pela mulher, desejo
sexual e desejo de posterioridade, a mulher não atingiu sua liberdade social. Homem e
mulher não compartilham um mundo de igualdade de condições, são escassos os países,
por exemplo, que o estatuto para ambos os sexos é o mesmo. Contudo, mesmo com os
seus direitos reconhecidos, o costume se mostra como impedimento concreto de sua
realização. No que diz respeito à economia, os homens possuem as melhores condições
de salário e maior probabilidade de sucesso. Os homens estão mais representados na
indústria e na política, onde ocupam os cargos mais altos. Como o presente envolve o
passado, e todo ele foi construído pelos homens, assim o mundo pertence a eles. Assim,
mulheres encontram dificuldades para tomar parte de sua elaboração, pois “Recusar ser
o Outro, recusar a cumplicidade com o homem seria para elas renunciar a todas as
vantagens que a aliança com a casta superior pode conferir-lhes” (BEAUVOIR, 2009, p.
15). Dessa maneira, a mulher chega a uma passividade que inibe a sua liberdade:
Efetivamente, ao lado da pretensão de todo indivíduo de se afirmar como sujeito, que é uma pretensão ética, há também a tentação de fugir de sua liberdade e de constituir-se em coisa. É um caminho nefasto porque passivo, alienado, perdido, e então esse indivíduo é presa de vontades estranhas, cortado de sua transcendência, frustrado de todo valor. Mas é um caminho fácil: evitam-se com ele a angústia e a tensão da existência autenticamente assumida. O homem que constitui a mulher como Outro encontrará, nela, profundas cumplicidades. Assim, a mulher não se reivindica como sujeito, porque não possui meios concretos para tanto, porque sente o laço necessário que a prende ao homem sem reclamar a reciprocidade dele, e porque, muitas vezes, se compraz no seu papel de Outro. (BEAUVOIR, 2009, p.15)
A pergunta “como essa dominação começou?” ainda não é passível de resposta.
Contudo, são verificados mecanismos que os homens, ao longo dos séculos, utilizam
para perpetuar a sua dominação sobre as mulheres. Desde a Antiguidade, filósofos,
sacerdotes, legisladores trabalharam para demonstrar a inferioridade da mulher, seja
religiosa, política ou biológica. Apenas no século XVIII, há a tentativa de considerar a
mulher assim como o homem um ser humano.
Com o advento da Revolução Industrial e, com isso, a inserção das mulheres no
mercado de trabalho, suas reivindicações saem do plano teórico e encontram
fundamento econômico. A burguesia se vê incomodada, pois apegada às velhas morais,
vê na solidez da família a garantia da propriedade privada. Desse modo,
[...] exige a presença da mulher no lar tanto mais vigorosamente quanto sua emancipação torna-se uma verdadeira ameaça; mesmo dentro da classe operária os homens tentaram frear essa libertação, porque as mulheres são encaradas como perigosas concorrentes habituadas que estavam a trabalhar por salários mais baixos. (BEAUVOIR, 2009, p. 17)
Além disso, não somente as questões econômicas são importantes. Com a
opressão, um grupo se sente superior a outro. A mulher é inferior ao homem e até
mesmo o mais medíocre dos homens se sente superior à mulher.
[...] quando um indivíduo ou um grupo de indivíduos é mantido numa situação de inferioridade, ele é de fato inferior; mas é sobre o alcance da palavra ser que precisamos entender-nos; a má-fé consiste em dar-lhe um valor substancial quando tem o sentido dinâmico hegeliano: ser é ter-se tornado, é ter sido feito tal qual se manifesta. Sim, as mulheres, em seu conjunto, são hoje inferiores aos homens, isto é, sua situação oferece-lhes possibilidades menores: o problema em saber se esse estado de coisas deve perpetuar-se. (BEAUVOIR, 2009, p.18)
Para a mulher não apresentar-se como Sujeito único é preciso abnegar-se
completamente. Com o advento dos ideais democráticos de igualdade, criam-se
situações que a mulher estaria em igualdade com o homem: dentro de sua família, a
mulher possui o mesmo status dos homens diante das crianças e jovens, assim o homem
pode criar a imagem de que ambos possuem a mesma igualdade dentro da sociedade.
Todavia, ao entrar em conflito com a mulher, ele traz à tona a desigualdade existente e
tira da mulher sua autoridade negando a igualdade abstrata existente.
Assim é que muitos homens afirmam quase com boa-fé que as mulheres são iguais aos homens e nada têm a reivindicar, e, ao mesmo tempo, que as mulheres nunca poderão ser iguais aos homens e que suas reivindicações são vãs. É que é difícil para o homem medir a extrema importância de discriminações sociais que parecem insignificantes de fora e cujas repercussões morais e intelectuais são tão profundas na mulher que podem parecer ter suas raízes numa natureza original. Mesmo o homem mais simpático à mulher nunca lhe conhece bem a situação concreta. Por isso não há como acreditar nos homens quando se esforçam por defender privilégios cujo alcance não medem. (BEAUVOIR, 2009, p.20)
Dessa forma, as mulheres, por conhecerem o mundo feminino, são as mais
indicadas para elucidar a situação que vivem, já que é nesse universo que têm suas
raízes: “apreendemos mais imediatamente o que significa para um ser humano o fato de
pertencer ao sexo feminino e preocupamo-nos mais com o saber” (BEAUVOIR, 2009,
p. 21-22).
Através da moral existencialista, o sujeito projeta a sua transcendência e alcança
sua liberdade pela superação com objetivo a outras liberdades; “o presente é senão sua
expansão para um futuro indefinitivamente aberto” (BEAUVOIR, 2009, p.23). Quando
a transcendência torna-se imanência, não há existência em si, sendo essa uma falha
consentida pelo próprio sujeito. A mulher está situada de maneira particular no mundo,
pois como uma liberdade autônoma, encontra-se num mundo em que os homens lhe
impõem a condição de Outro. Por fim, esse é o drama da mulher: “esse conflito entre a
reivindicação fundamental de todo sujeito que se põe sempre como essencial e as
exigências de uma situação que a constitui como inessencial.” (BEAUVOIR, 2009,
p.23).
V. Sobre feminismo e luta de classes
De acordo com Karl Marx e Friedrich Engels em Manifesto Comunista, “A
história de todas as sociedades até hoje existentes é a história da luta de classes”
(MARX & ENGELS, 2002, p.40). Além disso, “[A sociedade burguesa moderna] Não
fez mais do que estabelecer novas classes, novas condições de opressão, novas formas
de luta em lugar das que existiram no passado” (MARX & ENGELS, 2002, p.40).
Sendo assim, o feminismo está além da luta de mulheres para conseguirem os mesmos
direitos dos homens, o feminismo tem que ser visto e entendido, fundamentalmente,
como uma luta de classes.
Aparentemente, a luta de igualdade de direitos entre gêneros está aquém da luta
de classes; porém, se não pensarmos em uma igualdade de classes, podemos isolar
determinados seguimentos que lutam dentro do feminismo, prevalecendo privilégios de
alguns grupos e perpetuando a desvalorização de outros. Logo, luta do feminismo é
complexa, já que nesse movimento há uma diversidade de grupos, cujos interesses são
distintos. Mulheres brancas podem desejar ainda manter seus privilégios sobre as
mulheres negras, mulheres burguesas querem que permaneçam seus direitos sobre as
mulheres proletárias, mulheres religiosas podem rechaçar grupos de mulheres ateias,
etc. A fragmentação dentro do movimento ajuda a perpetuação da supremacia do Um
sobre o Outro, isto é, o homem mais facilmente mantém o controle sobre o grupo das
mulheres.
Cabe ressaltar que o movimento feminista está longe de requisitar uma
supremacia das mulheres sobre os homens. As mulheres feministas não querem que as
mulheres ocupem a posição dos homens. Elas não desejam, de maneira alguma, inverter
os papéis entre homens e mulheres, logo não querem adquirir a posição de opressor
colocando os homens como vítimas. A luta do feminismo visa igualdade de gêneros,
exterminando, inclusive, opressões que os homens se veem “obrigados a seguir”, tal
como o alistamento obrigatório – tomando o Brasil como exemplo.
Entretanto, ainda que dentro da luta do feminismo haja essa tentativa de
repreender e acabar com as opressões tanto as que acontecem com homens, que são
poucas, já que nossa sociedade é machista, como as que tocam as mulheres, que são
inúmeras, o feminismo prega o protagonismo das mulheres dentro dessa luta. Não que
os homens não possam apoiar o movimento, mas as conquistas devem ser dadas pelas
próprias mulheres. Assim, ao longo dos séculos, as conquistas das mulheres foram
sempre concedidas pelos homens. As mulheres ganharam o direito de trabalhar,
ganharam o direito de votar, ganharam o direito de estudar. Todos esses direitos
passaram pelo aval do homem.
Quanto ao direito do trabalho, o Manifesto Comunista deixa bem nítido a
introdução do trabalho da mulher dentro das indústrias:
O crescente emprego de máquinas e a divisão do trabalho despojaram a atividade do operário de seu caráter autônomo, tirando-lhe todo o atrativo. O operário torna-se um simples apêndice da máquina e dele só se requer o manejo mais simples, mais monótono, mais fácil de aprender. Desse modo, o custo do operário se reduz, quase exclusivamente aos meios de subsistência que lhe são necessários para viver e perpetuar a espécie. (MARX & ENGELS, 2002, p.46).
E conclui:
Quanto menos habilidade e força o trabalho manual exige, isto é, quanto mais a indústria moderna progride, tanto mais o trabalho dos homens é suplantado pelo de mulheres e crianças. As diferenças de idade e de sexo não têm mais importância social para a classe operária. Não há senão instrumentos de trabalho, cujo preço varia segundo a idade e o sexo. (MARX & ENGELS, 2002, p.46).
Dessa forma, a introdução da força de trabalho da mulher não acontece de
maneira igualitária com os homens, sua força de trabalho é comparada a das crianças,
pois passam a realizar atividades que ATÉ crianças podem fazer. Por outro lado, com a
necessidade de lucro imediato, a burguesia adota o labor das mulheres em suas fábricas,
já que essas recebem menos que os homens. Devido à conjuntura da época, o homem
proletário se vê forçado a autorizar que sua mulher (e filhos) trabalhe, pois se trabalha
muito, se ganha pouco e já não possui a propriedade própria. Agora eles estão presos no
ciclo do capitalismo, sujeitos a um senhorio, a um banco, a um penhorista etc.
Com isso, percebemos outro ponto importante dentro da questão da introdução
do trabalho da mulher nas indústrias. Devido a esse tipo de inserção no universo laboral,
a mulher, até hoje, tenta inverter o quadro de desvalorização salarial em relação aos
homens, mesmo ocupando o mesmo cargo. O estudo “New Century, Old Disparities:
Gender and Ethnic Wage Gaps in Latin American”1 realizado pelo Instituto
Interamericano de Desenvolvimento – BID – revela que apesar das políticas para o
combate das desigualdades entre os gêneros, ainda persiste uma disparidade entre
salários entre homens e mulheres. Segundo o “Observatório Brasil da igualdade de
gênero”,
As diferenças salariais variam muito também entre os 18 países pesquisados. O Brasil apresenta um dos maiores níveis de disparidade salarial. No país, os homens ganham aproximadamente 30% a mais que as mulheres de mesma idade e nível de instrução, quase o dobro da média da região (17,2%), enquanto na Bolívia a diferença é muito pequena. O resultado é o mesmo no que diz respeito à disparidade por raça e etnia, que chega também a 30%.
[http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/noticias/homens-recebem-salarios-30-maiores-que-as-mulheres-no-brasil/]
A partir desses apontamentos, trazemos a seguinte reflexão: “como fortalecer um
movimento tão múltiplo?”. Acreditamos, pois, em unificar o movimento quanto ao seu
objetivo em comum. As mulheres feministas não devem exclusivamente olhar o
movimento para a causa que está mais diretamente ligada a seu grupo, por exemplo,
mulheres negras não devem apenas lutar pela causa da mulher negra ou mulheres
mulçumanas não podem somente combater o preconceito sofrido por mulheres
mulçumanas. No ensaio El día de la mujer2, Alejandra Kollantai apresenta uma visão
sobre a importância do dia da mulher e ressalta a questão da luta de classes pelo
movimento feminista.
A primeira parte do ensaio consiste numa breve descrição do cenário da época e
destaca o crescente número de operárias sindicalizadas na Europa, são quase um milhão
de mulheres socialistas/sindicalizadas que começam a luta por melhores condições de
trabalho, direito ao seguro maternidade e por uma legislação para proteger as
trabalhadoras. Kollantai ressalta que houve um tempo em que os homens acreditavam
que apenas eles deveriam lutar contra o capital, sem a ajuda de suas companheiras.
Entretanto, com a inserção “forçada” das mulheres no mercado de trabalho, já que
tiveram que buscar um emprego, pois seus pais e/ou maridos estavam desempregados,
1 Documento disponível no site http://idbdocs.iadb.org/wsdocs/getdocument.aspx?docnum=2208929 2 Disponível no site: https://www.marxists.org/espanol/kollontai/1913mujer.htm
os proletários perceberam que não conscientizar as mulheres era prejudicar a sua causa
e não progredir.
E assim, aponta Kollantai:
La socialdemocracia extranjera no encontró la solución correcta inmediatamente. Las organizaciones obreras estaban abiertas a las mujeres, pero sólo unas pocas entraban. ¿Por qué? Porque la clase trabajadora al principio no se percató de que la mujer trabajadora es el miembro más degradado, tanto legal como socialmente, de la clase obrera, de que ella ha sido golpeada, intimidada, acosada a lo largo de los siglos, y de que para estimular su mente y su corazón se necesita una aproximación especial, palabras que ella, como mujer, entienda. Los trabajadores no se dieron cuenta inmediatamente de que en este mundo de falta de derechos y de explotación, la mujer está oprimida no sólo como trabajadora, si no también como madre, mujer. Sin embargo, cuando los miembros del partido socialista obrero entendieron esto, hicieron suya la lucha por la defensa de las trabajadoras como asalariadas, como madres, como mujeres. (KOLLANTAI, 2002)
Logo, a partir desse momento, as mulheres perceberam que a luta socialista
também abarcava a luta por seus direitos, tanto os de mulher, de mãe e trabalhadora.
Ahora el peso del trabajo para atraer a las trabajadoras al movimiento socialista reside en las mismas trabajadoras. Los partidos en cada país tienen sus comités de mujeres, con sus secretariados y burós para la mujer. Estos comités de mujeres trabajan en la todavía gran población de mujeres no conscientes, levantando la conciencia de las trabajadoras a su alrededor. También examinan las demandas y cuestiones que afectan más directamente a la mujer: protección y provisión para las madres embarazadas o con hijos, legislación del trabajo femenino, campaña contra la prostitución y el trabajo infantil, la demanda de derechos políticos para las mujeres, la campaña contra la subida del coste de la vida… (KOLLANTAI, 2002)
Com isso, as mulheres dentro de uma causa comum, a luta de classes,
conseguem buscar respostas para as necessidades que afetam diretamente à mulher.
Así, como miembros del partido, las mujeres trabajadoras luchan por la causa común de la clase, mientras al mismo tiempo delinean y ponen en cuestión aquellas necesidades y sus demandas que les afectan más directamente como mujeres, amas de casa y madres. El partido apoya esas demandas y lucha por ellas… Estas necesidades de las mujeres trabajadoras son parte de la causa de los trabajadores como clase. (KOLLANTAI, 2002)
Kollontai apresenta o dia da mulher como uma ferramenta para as mulheres
organizadas se manifestarem contra a falta de direitos que possuem. Ademais, a autora
contrapõe, nesse ponto, que algumas pessoas não conseguem perceber a diferença entre
a luta das mulheres sufragistas burguesas e das mulheres trabalhadoras. Esses dois
grupos têm objetivos diversos. Segundo a autora, as mulheres burguesas buscam os
mesmos direitos que possuem seus maridos, pais e irmãos. Já as mulheres proletárias
lutam para acabar com os privilégios de nascimento e da riqueza. Enquanto aquelas
demandam igualdade de direitos para seu grupo e direitos políticos para assegurar suas
vantagens sobre outros grupos, essas demandam por igualdade de direito para todos os
cidadãos, sejam eles homens ou mulheres, e buscam assistência do Governo por
melhores condições para a criação de seus filhos.
Por fim, o movimento feminista deve se construir a partir de um objetivo em
comum, e esse não pode privilegiar certos grupos ou uma elite específica.. A luta do
feminismo deveria estar atrelada à luta do movimento da luta de classes, pois ambos
buscam meios de criar uma sociedade de direitos para todos os cidadãos, sendo esses
homens ou mulheres. Dessa forma, as mulheres conseguiriam mudar a situação em que
estão inseridas no mundo e, assim, talvez a sua condição de ser inessencial pudesse ser
invertida.
VI. Sobre Lección de cocina
O livro Album de Familia de Rosario Castellanos está composto por quatro
contos: Lección de Cocina, Domingo, Cabecita Blanca e Album de Familia,
respectivamente. Todos eles têm como protagonistas mulheres burguesas do México
pós-revolucionário. Através do conto Lección de cocina, único dos quatro que possui
como narrador a própria personagem (narrador-personagem), o tema da liberdade da
mulher burguesa é discutido na perspectiva da própria protagonista.
VI. Lección de cocina
Por se tratar de um conto, esse texto possui um eixo temático trabalhado ao
longo dele, e esse é: a reflexão de uma mulher acerca de sua função e seu ser. Nele, a
narradora-personagem discorre sobre uma série de questionamentos sobre a sua vida,
sobre a sua função e sobre a abnegação. Todas as reflexões que a narradora faz de seu
papel e sobre quem é ocorrem durante a preparação de um jantar para o marido.
Não conhecemos o nome da narradora-personagem, o que leva a ideia de que
poderia ser qualquer mulher em sua posição. Além disso, o texto está elaborado numa
lógica de fluxo de pensamento, isto é, o texto não segue uma linha contínua e exata de
ordenamento; alguns elementos aparecem e conduzem a outros pensamentos e nem
todos são finalizados, pois são interrompidos por novos. As reticências aparecem como
elemento gráfico que simboliza a ruptura de ideias. Todavia, nem toda mudança na
linha de raciocínio é marcada pelo uso desse elemento gráfico.
Yo también soy una consciencia que puede clausurarse, desamparar a otro y exponerlo al aniquilamiento. Yo… La carne, bajo la rociadura de la sal, ha acallado el escándalo de su rojez y ahora me resulta más tolerable, más familiar. Es el trozo que vi mil veces, sin darme cuenta, cuando me asomaba, de prisa, a decirle la cocinera que... (CASTELLANOS, 2003, p.10)
Desde o princípio, a narradora reconhece que seu lugar é esse: a cozinha.
Qué me importa. Mi lugar está aquí. Desde el principio de los tiempos ha estado aquí. En el proverbio alemán la mujer es sinónimo de Küche, Kinder, Kirche. Yo anduve extraviada en aulas, en calles, en oficinas, en cafés; desperdiciada en destrezas que ahora he de olvidar para adquirir otras. Por ejemplo, el menú”. (CASTELLANOS, 2003, p. 7)
Entretanto, o reconhecimento de ocupação “legítima” desse espaço parece uma
ironia, pois nos leva ao seguinte pensamento: “meu lugar é aqui, mas eu não pertenço a
esse lugar”. Viveu em outro mundo e agora é obrigada a estar em um totalmente novo.
Deve esquecer sua antiga vida para se adequar às novas experiências. A mulher deve
converter-se em “fada do lar”, como dito por Virginia Wolf. Seguindo a lógica
existencialista, o sujeito condenado a permanecer em um lugar não é livre para
transcender e projetar seu Sujeito no mundo. Logo, a mulher está sentenciada a não
transcender, a não ser livre, a não ser Sujeito. Entretanto, para mudar essa situação e
tornar-se livre necessitaria apenas de um ato consciente.
A narradora-personagem enxerga contradições presentes nas revistas de receita,
tais como, magreza e gula, refinamento e economia. Ela percebe que nos receituários há
uma tendência de criar uma mulher idealizada, uma mulher que conhece todas as
técnicas culinárias e todos os ingredientes que podem ser utilizados em uma receita.
Uma mulher que não é ela.Pero parten del supuesto de que todas estamos en el ajo y se limitan a enunciar. Yo, por lo menos, declaro solemnemente que no estoy, que no he estado ni en este ajo que ustedes comparten ni en ningún otro. Jamás he entendido nada de nada. Pueden ustedes observar los síntomas: me planto, hecha una imbécil, dentro de una cocina impecable y neutra, con el delantal que usurpo para hacer un simulacro de eficiencia y del que seré despojada vergonzosa pero justicieramente. (CASTELLANOS, 2003, p.8)
Como vimos, Rosario Castellanos destaca em seu ensaio alguns mecanismos
criados pelos homens para perpetuarem sua dominação em relação às mulheres.
Algumas dessas estratégias perpassam o plano estético, isto é, certas características que
a mulher deve ter para ser considerada verdadeiramente bela, como pés e mãos
pequenas, corpo magro ou obeso (a depender da cultura), por exemplo, enquanto aos
homens estes aspectos não são impostos. A mulher, nossa narradora, vive a experiência
de estar no mundo em que é conduzida a seguir padrões de beleza e padrões sociais.
A aparência da carne, vermelho vivo como se começasse a sangrar, faz a
narradora lembrar-se da cor que estavam suas costas na viagem a Acapulco que fez com
seu marido em sua lua de mel. Mesmo que essas estivessem doloridas devido ao sol, ela
devia manter-se na posição clássica para fazer amor com seu marido.
Él podía darse el lujo de ‘portarse como quién es’ y tenderse boca abajo para que no le rozara la piel dolorida. Pero yo, abnegada mujercita mexicana que nació como la paloma para el nido, sonreía a semejanza de Cuauhtémoc en el suplicio cuando dijo ‘mi lecho no es de rosas y se volvió a callar’. Boca arriba soportaba no sólo mi propio peso sino el de él encima del mío. La postura clásica para hacer el amor. Y gemía, de desgarramiento, de placer. El gemido clásico. Mitos, mitos.” (CASTELLANOS, 2003, p.9)
A mulher deve desempenhar sempre o seu papel de mulher, ou melhor, o papel
que lhe impõem. Apesar de machucada, ela sem hesitar exerce aquilo que lhe ensinaram
a ser. No caso do sexo, especificamente, o marido converte-se em professor da mulher,
ele conduz a mulher a sua função, buscando sempre pelo seu prazer – e não o dela. Já a
satisfação da mulher são “Mitos, mitos”.
Era quando seu marido dormia o melhor para suas queimaduras. Seus dedos que
antes eram acostumados com a datilografia encontram-se sob o corpo dele. Aproveitava
para apreciar os adornos que lhe tornavam tão feminina, ainda que estivesse escuro.
Observava a pureza simbólica que representava as suas roupas. Pureza essa que teve
algum significado para seu marido. Aparentemente não para ela.
Yo jugueteaba con la punta de los botones y esos otros adornos que hacen parecer tan femenina a quien los usa, en la oscuridad de la alta noche. La albura de mis ropas, deliberada, reiterativa, impúdicamente simbólica, quedaba abolida transitoriamente. Algún instante quizá alcanzó a consumar su significado bajo la luz y bajo la mirada de esos ojos que ahora están vencidos por la fatiga. (CASTELLANOS, 2003, p.9-10)
Sobre o viés existencialista, a narradora-personagem faz uma reflexão sobre
quem é.
Pero es mentira. Yo no soy el sueño que sueña, que sueña, que sueña; yo no soy el reflejo de una imagen en un cristal; a mí no me aniquila la cerrazón de una conciencia o de toda conciencia posible. Yo continúo viviendo con una vida densa, viscosa, turbia, aunque el que está a mi lado y el remoto, me ignoren, me olviden, me pospongan, me abandonen, me desamen.
Yo también soy una conciencia que puede clausurarse, desamparar a otro y exponerlo al aniquilamiento. Yo… (CASTELLANOS, 2003, p.10)
Ainda que ela se considere uma consciência, o homem se articula (ignorando-a,
esquecendo-a, colocando-a como inferior, abandonando-a e desamando) para mostrar a
ela que é apenas Outro, um ser inessencial. Nessa citação, encontramos claramente o
drama da mulher apontado por Simone de Beauvoir. A mulher é um Sujeito tentando
encontrar-se e projetar-se em um mundo que tenta a todo o momento mostrar-lhe que
ela é um ser inessencial, o Outro.
Ao pensar sobre o casamento de apenas um ano, ela não sabe se tudo aconteceu
por um azar feliz, porque ainda é cedo para dizer. Conheceram-se devido ao acaso,
encontros casuais e uma pergunta, elaborada por algum dos dois, mostrou que tinham
propósitos sérios e interesses em comum, “¿usted trabaja o estudia?”. Nossa
protagonista prefere pensar que estão unidos por um fio que pode ser rompido mais
facilmente que o sacramento. Logo, o casamento é visto como uma sentença de
cumprimento perpétuo.
Hace un año yo no tenía la menor idea de su existencia y ahora reposo junto a él con los muslos entrelazados, húmedos de sudor y de semen. Podría levantarme sin despertarlo, ir descalza hasta la regadera. ¿Purificarme? No tengo asco. Prefiero creer que lo que me une a él es algo tan fácil de borrar como una secreción y no tan terrible como un sacramento. (CASTELLANOS, 2003, p.11)
Com o casamento, deseja manter sua insónia, marca de sua solteirice, “la única
joya de soltera que he conservado y que estoy dispuesta a conservar hasta la muerte”
(CASTELLANOS, 2003, p.11) Até seu nome é outro e ainda não está acostumada com
o novo. Pergunta-se se o sentimento que arrebata seu coração é a angústia. Ela mesma
responde que não: é a presença de seu marido.
¿Es la angustia la que oprime mi corazón? No, es su mano la que oprime mi hombro. Y sus labios que sonríen con una burla benévola, más que de dueño, de taumaturgo.
Y bien, acepto mientras nos encaminamos al bar (el hombro me arde, está despellejándose) es verdad que en el contacto o colisión con él he sufrido una metamorfosis profunda: no sabía y sé, no sentía y siento, no era y soy. (CASTELLANOS, 2003, p.12)
O existencialismo aponta o homem como angústia, porque o sujeito se
reconhece como único responsável de sua liberdade. Com ele, percebe que já não é a
mesma que fora outrora. A ideia é ainda mais densa: ela não existia antes dele. Dessa
forma, podemos considerar que a vida de uma mulher só é plena e aceita quando essa
está casada. Logo, a vida de solteira é uma fase sem importância para a mulher, pois
quando solteira, ela não sabia, não sentia e não era.
Em seguida, a narradora agradece ao seu marido pela vida que agora tem.
Entretanto, observamos um tom de sarcasmo durante todo agradecimento.
Gracias, murmuro, mientras me limpio los labios con la punta de la servilleta. Gracias por la copa transparente, por la aceituna sumergida. Gracias por haberme abierto la jaula de una rutina estéril para cerrarme la jaula de otra rutina que, según todos los propósitos y las posibilidades, ha de ser fecunda. Gracias por darme la oportunidad de lucir un traje largo y caudaloso, por ayudarme a avanzar en el interior del templo, exaltada por la música del órgano. Gracias por… (CASTELLANOS, 2003, p.12)
Novamente, a mulher tem seu destino traçado. A certeza sobre seu futuro é um
impedimento para sua transcendência como sujeito. Ela apenas existe e não é livre. Não
há um projeto em aberto na tentativa de tornar-se um Sujeito absoluto e único. Ela é
mais uma mulher como tantas outras.
Nossa protagonista lembra-se de como se sentiu quando seu atual marido, antes
namorado, descobriu sobre a sua virgindade. Não teria ele que agradecer por essa
pureza? Quando seu marido tomou conhecimento, ela sentiu-se como um animal em
extinção.
¿Y tú? ¿No tienes que agradecerme? Lo has puntualizado con una solemnidad un poco pedante y con una precisión que acaso pretendía ser halagadora pero que me resultaba ofensiva: mi virginidad. Cuando la descubriste yo me sentí como el último dinosaurio en un planeta del que la especie había desaparecido. Ansiaba justificarme, explicar que si llegué hasta ti intacta no fue por virtud ni por orgullo ni por fealdad sino por apego a un estilo. No soy barroca. La pequeña imperfección en la perla me es
insoportable. No me queda entonces más alternativa que el neoclásico y su rigidez es incompatible con la espontaneidad para hacer el amor. Yo carezco de la soltura del rema, del que juega al tenis, del que se desliza bailando. No practico ningún deporte. Cumplo un rito y el ademán de entrega se me petrifica en un gesto estatuario.” (CASTELLANOS, 2003, p.13)
A mulher é convertida em estátua, algo sem vida, que não tem autonomia e que
deve ser contemplado. O status virgem transforma-a em uma deusa que merece todas as
homenagens, para ela, o casamento. Ela tem os elementos necessários para ser
considerada pura. Entretanto, a narradora se mantinha virgem por gostar de permanecer
em um estilo. Dessa forma, percebemos que não almejava se casar, mas sabia que seu
destino era casar-se e estar na cozinha preparando o jantar para seu marido.
Em sua primeira relação sexual, não sabe com deve se portar. Seu marido é
aquele que a interpreta como passividade a sua natureza e sente-se como um santo nessa
posição de hierarquia. Reconhece que não é a primeira pessoa que faz sexo com ele,
essa não é a primeira vez dele e que nunca será a única dele. Ela deve permanecer assim
como uma estátua, quieta e imóvel. Assim como uma lápide que ao ser talhada recebe
todas as informações do finado.
Yo permaneceré como permanezco. Quieta. Cuando dejas caer tu cuerpo sobre el mío siento que me cubre una lápida, llena de inscripciones, de nombres ajenos, de fechas memorables. Gime inarticuladamente y quisiera susurrarte al oído mi nombre para que recuerdes quién es a la que posees. (CASTELLANOS, 2003, p.14)
Ao escolher pela inação, a narradora se condena a não ser livre. Se, pelo viés
existencialista, o homem é liberdade e tal liberdade conduz sempre a um futuro em
aberto, a narradora optando por permanecer onde está, projeta o seu futuro a uma
existência condenada pela certeza.
O seu nome de casada é uma marca que diz sobre ela, isto é, uma propriedade
que pertence ao seu marido, é sua esposa. Apesar dessa marca, seu marido tem
desconfiança dela. Ela agradece por ele ter uma imagem tão ativa e autêntica dela. “No
estoy tejiendo una red para prenderte. No soy una mantis religiosa. Te agradezco que
creas semejante hipótesis. Pero es falsa.” (CASTELLANOS, 2003, p.14)
Ademais, ela percebe que está sentenciada a uma vida de dois mundos distintos:
a criada da casa, ama de casa, escrava, vassala a um suserano; e a perfeita dama da
sociedade. A ama de casa terá que manter a casa em ordem, roupas, alimentação e não
receberá nenhum salário para isso, nenhum reconhecimento e não pode trocar de amo.
Por outro lado, em seu mundo como dama da sociedade, deve oferecer jantares,
comparecer a ópera, assistir reuniões e se preservar inteiramente atrativa pela beleza.
Reconhece que sabe das outras mulheres de seu marido, mas sabe que é a oficial.
Yo rumiaré, en silencio, mi rencor. Se me atribuyen las responsabilidades y las tareas de una criada para todo. He de mantener la casa impecable, la ropa lista, el ritmo de la alimentación infalible. Pero no se me paga ningún sueldo, no se me concede un día libre a la semana, no puedo cambiar de amo. Debo, por otra parte, contribuir al sostenimiento del hogar y he de desempeñar con eficiencia un trabajo en el que el jefe exige y los compañeros conspiran y los subordinados odian. En mis ratos de ocio me transformo en una dama de sociedad que ofrece comidas y cenas a los amigos de su marido, que asiste a reuniones, que se abona a la ópera, que controla su peso, que renueva su guardarropa, que cuida la lozanía de su cutis, que se conserva atractiva, que está al tanto de los chismes, que se desvela y que madruga, que corre el riesgo mensual de la maternidad, que cree en las juntas nocturnas de ejecutivos, en los viajes de negocio y la llegada de clientes imprevistos; que padece alucinaciones olfativas cuando percibe la emanación de perfumes franceses (diferentes de los que ella usa) de las camisas, de los pañuelos de su marido; que en sus noches solitarias se niega a pensar por qué o para qué tantos afanes y se prepara una bebida bien cargada y lee una novela policiaca con ese ánimo frágil de los convalescientes.” (CASTELLANOS, 2003, p.15)
Antes sabia que era inocente, agora é estúpida. Quando jovem, lia coisas
escondidas, tentava conhecer o seu corpo, e experimenta tudo com muita emoção e
vergonha. Sentia que iria para o inferno, mas o padre rogava penitencias, cumpria-as,
mas novamente está retornando pelo mesmo erro. Ainda casada, segue cometendo o
crime. No ensaio Mujer que sabe latín, Rosario diz que as mulheres estão condenadas a
não conhecerem sua própria intimidade e sentem culpa se tentam de algum modo
descobri-las, pois foram criadas e moldadas para pensarem dessa forma. E a única
maneira de conhecerem a si mesmas é através do matrimônio, conduzidas pelo marido.
Pero, niñita, tú no eres la única. Todas sus compañeras de colegio hacen lo mismo, o cosas peores, se acusan en el confesionario, cumplen la penitencia, las perdonan y reincide. Todas. Si yo hubiera seguido frecuentándolas me sujetaría ahora a un mismo a un interrogatorio. Las casadas para cerciorarse, las solteras para averiguar hasta dónde pueden aventurarse. Imposible defraudarlas. Yo inventaría acrobacias, desfallecimientos sublimes, trasportes como se les llama Las mil y una noches, récords. ¡Si me oyeras entonces no te reconocerías, Casanova! (CASTELLANOS, 2003, p.16)
A narradora satiriza a vida de casal romantizada e eternizada pelos filmes
hollywoodianos. “Y un día tú y yo seremos una pareja de amantes perfectos y entonces,
en la mitad de un abrazo, nos desvaneceremos y aparecerá en la pantalla la palabra ‘fin’.
(CASELLANOS, 2003, p.17). Se sua vida fosse um papel de cinema, queria ser uma
nova-iorquina, estilista, com poucos sentimentos e possuir affaires, mas que não alteram
seu status.
Na rua é acossada por outros homens, ela adverte que é casada, que seu marido é
ciumento. Contudo, mesmo assim, segue assediada nas vias públicas. Não responde aos
assédios. Tirano, seu marido a persegue e é juiz da situação. É culpada. Está cansada,
quer o divórcio. Mas não pede. Como mulher, aceita as imagens anteriormente postas e
que deve segui-las, não pode pedir divórcio, deve ser a perfeita dona de casa, sabe que é
traída e não faz nada para mudar sua situação. Essa é sua condição.
Ao preparar a ceia, aparentemente a refeição não está bem encaminhada e ela
adverte a carne: “A esta carne su mamá no le enseñó que era carne y que debería
comportarse con conducta” (CASTELLANOS, 2003, p.18). Esse enunciado evidencia
metaforicamente como a mulher foi criada, ou seja, a mulher é um pedaço de carne que
deve sempre portar-se bem. Sendo assim, a mulher não tem essência, é apenas uma
existência que é sempre conduzida para um caminho, e é moldada ao longo de sua
existência para seguir certos pensamentos.
Mesmo cansada pela elaboração do jantar, pois é difícil para uma jovem casada
preparar uma refeição para seu marido, sabe que vai recebê-lo junto à porta quando
chegar do trabalho, como uma verdadeira dama da sociedade. A protagonista pensa em
soluções para disfarçar sua inexperiência. Primeiramente, parece-lhe conveniente
esconder a carne carbonizada, para não ser penalizada como irresponsável, e jantarem
fora, e, assim, poder projetar a imagem de bela esposa que deseja projetar. “Ésta es la
única imagen pública que proyecto y he de mantenerme después consecuente con ella,
aunque sea inexacta.” (CASTELLANOS, 2003, p.19)
Por outro lado, pode não fazer nada para apagar seu erro de jovem esposa e dona
de casa, sabendo que seu marido vai condena-la por sua inutilidade. Penalizando-a.
Entretanto, reconhece que esse é um fato que perpassa a vida das jovens casadas,
inclusive sua sogra, que ainda está na fase amiga porque se conhecem há pouco tempo,
lhe conta que já cometeu muitos enganos quando jovem casada. Todavia, a narradora
mantém uma falsa amizade com a mãe de seu marido, ironizando chamando-a de “viuda
fabulosa”.
A narradora-personagem tenta perceber o momento que errou na ação de
cozimento da carne. Ao fazer a recapitulação, repassa todas as fases que a carne sofreu.
Novamente, percebemos uma metáfora sobre a mulher e a tentativa de projetar uma
condição de existência em um mundo que a põe como inessencial, ou seja, o drama da
mulher, como apontou Simone de Beauvoir.
Aparece, primero el trozo de carne con color, una forma, un tamaño. Luego cambia y se pone más bonita y se siente una muy contenta. Luego vuelve a cambiar y ya no está tan bonita. Y sigue cambiando y cambiando y cambiando y lo que uno no atina es cuándo pararle el alto. Porque si yo dejo este trozo de carne indefinidamente expuesto al fuego, se consume hasta que no daba la impresión de ser algo tan sólido, tan real, ya no existe. (CASTELLANOS, 2003, p.20)
A carne nunca vai deixar de existir porque vai operar em sua consciência, em
sua memória e vai modificando-a e estabelecendo uma direção para o seu futuro. Nossa
narradora vivencia a situação limite que pode conduzi-la para a liberdade, pode se tornar
Sujeito. “Yo seré, de hoy en delante, lo que elija en este momento”. (CASTELLANOS,
2003, p.21) Cogita suas opções. Primeiramente, pode impor-se como sujeito e criar as
regras para dominar seu marido. Entretanto, se ele cede a sua dominação, vai trata-lo
com desprezo, mas se não corresponder, não será capaz de perdoa-lo.
Em contra partida, pode agir como o caso típico, ou seja, com feminilidade,
arcando com seus erros. Dessa forma, a balança da justiça tomba a favor de seu
antagonista, conduzindo-a a derrota. Por sua vez, essa derrota é aparente, pois essa
postura, assim como suas antepassadas que aceitaram todas as consequências, não as
leva a mudança de seu status.
Contudo, essas atitudes não representam sua autenticidade verdadeiramente
interna. Prefere que a classifiquem como neurótica. Não age por não saber seu futuro.
Não é senhora de sua liberdade. Não deve atormentar seu marido com esse tipo de
conflitos. Reconhece que a percepção que ambos têm de lar é diferente. Para ele, a casa
é a representação de paraíso, refugio da realidade. Já para ela, é esse ambiente dubio e
certo. Portanto, vive em um ambiente que não leva a transcendência e ruptura de
valores.
A narradora-personagem reconhece a situação que vive, porém não age para
mudar sua experiência de vida. Cede e sempre vai ceder, porque para ela é mais fácil e
adequado permanecer sobre a nominação de mulher burguesa. Ainda que tenha todos os
empecilhos que a impedem de ser um sujeito pleno e absoluto, ou seja, tornar-se um ser
livre, ela opta pela conveniência, prefere continuar com seus privilégios de mulher
burguesa.
Se destacássemos os apontamentos de Marx e Engels, essa jovem senhora será a
mantenedora dos privilégios da burguesia, isto é, o fortalecimento da família burguesa é
a garantia das vantagens para esse grupo sobre os demais, pois é a preservação da
propriedade privada e de seus bens capitais. Um dia, essa mulher, terá como função ser
progenitora e, assim, com o nascimento do filho homem, se perpetuará a hereditariedade
dos privilégios dessa família.
A narradora-personagem em nenhum momento do conto reivindica para que seja
aceita como um ser pleno, ela apenas aceita. A protagonista é uma pessoa abnegada para
cumprir a função que foi desempenhada por toda a sua existência a ser, uma dona de
casa. Como o conto segue a lógica dos pensamentos da personagem, ela não apresenta
sua voz ativa, apenas pensa e idealiza, não age. Nessa perspectiva, não busca os meios
para tornar-se um Ser absoluto.
Segundo Beauvoir e Castellanos, ainda que a situação da mulher seja a de
anulação de ser, a mulher pode inverter essa lógica através da transcendência,
encontrando, dessa forma, sua liberdade. Ademais, vale ressaltar que o sujeito, na
perspectiva existencialista, é condenado a ser livre. A mulher que não tenta, de algum
modo, inverter esse universo que lhe impõem, está fadada a não permanência em um
universo que a considera inessencial.
Por outro lado, a mulher burguesa, particularmente, pode aceitar melhor as
condições que lhe são impostas de anulação, por considerarem alguns privilégios
concedidos pelos homens mais importantes do que a necessidade de se fazer plena como
sujeito. A mulher burguesa poderia tornar-se, também, uma estratégia para a
perpetuação do poderio dos homens sobre as mulheres de todas as classes.
Portanto, nessa protagonista burguesa, há perpetuação de um pensamento de
abnegação de vontades e sentimentos das mulheres. Essa abnegação acontece, pois essa
mulher foi criada ao longo da sua vida para ser uma “fada do lar” e excelente dama de
sociedade. Ainda que não seja livre, possui privilégios em relação a outros grupos de
mulheres, como as negras e as proletárias, por exemplo. Sendo assim, para ela, é mais
fácil continuar a ocupar esse papel que durante toda vida foi moldada para estar.
VII. Conclusão
Tentamos apresentar, ainda que de maneira bem resumida, a questão da
liberdade na perspectiva da mulher burguesa, a partir do conto de Rosario Castellanos.
Percebemos que essa mulher burguesa é uma mulher que tem sua voz anulada. No
conto, por exemplo, a protagonista não apresenta um discurso direto em nenhum
momento, apenas se manifesta através do pensamento.
O ser que não age é um ser que nega a sua característica principal, e essa é sua
liberdade. O ser, como aponta o existencialismo, é essencialmente liberdade. E para ser
liberdade, precisa agir. A mulher burguesa não age com autenticidade, ela opta por
seguir os velhos modelos que já lhe foram mostrados, será como as velhas que a
antecederam.
Ao negar sua liberdade, nega, também, a liberdade dos outros, já que, segundo o
existencialismo, através da subjetividade o sujeito escolhe para si e para o outro, toda
atitude é universal, ou seja, o sujeito ao fazer uma decisão, decide por ele e por todos os
outros. Dessa forma, a mulher que não busca por sua autenticidade nega a autenticidade
das outras mulheres enquanto grupo.
Ainda que a mulher esteja inserida num mundo em que o homem a torna
inessencial, Beauvoir assegura que é o papel da mulher romper com os estereótipos até
então impostos. A mulher precisa ser desmitificada.
A mulher burguesa prefere anular-se como sujeito para permanecer com os
privilégios concedidos pelos homens. Assim, mantém-se acima das mulheres
subalternas a ela. Por esse motivo, a luta do movimento feminista deveria ser pautada na
luta de classes, porque através dela se busca verdadeiramente a igualdade de direitos,
sejam eles para homens ou para mulheres.
Portanto, esse trabalho será a primeira parte para uma análise mais detalhada do
tema da liberdade nas obras de Rosario Castellanos. Buscaremos, em breve, aumentar as
reflexões sobre esse assunto a partir de outros textos da autora mexicana, a fim de
perceber como o drama da mulher se articula com o existencialismo. Ademais,
tentaremos contrastar a visão de mundo de mulheres de diferentes classes sociais e essas
são: a mulher burguesa branca, a mulher branca e subalterna e a mulher indígena. Todas
essas trabalhadas ao longo das obras de Rosario Castellanos.
BIBLIOGRAFIA
BEAUVOIR, Simone de. “O Segundo Sexo”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
CASTELLANOS, Rosario. “Álbum de Familia”. México D.F: Editorial Joaquín Mortiz,
2003.
______________. “La mujer que sabe latín”. México D.F: Fondo de Cultura
Económica, 1984.
KOLLANTAI, Alejandra. “El día de la Mujer”. Disponível em:
https://www.marxists.org/espanol/kollontai/1913mujer.htm. Acesso em: 03/03/2016
MARX, Karl. & ENGELS, Friedrich. “Manifesto Comunista”. São Paulo: Editorial
Boitempo, 2002.
PONIATOSKA, Elena. “Las siete cabritas”. México D.F: Editorial Txalaparta/
Ediciones Era, 2001.
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