O tracoma em viagem pelos trilhos da economia: uma análise sobre a primeira
comissão de tratamento e profilaxia do tracoma em São Paulo no início do século
XX.
Soraya Lódola1
Introdução
O tracoma ou conjuntivite granulosa é uma enfermidade oftálmica contagiosa que
causou grande número de enfermos no interior do Estado de São Paulo no período
compreendido entre o final do século XIX e primeiras décadas do século XX
(RIBEIRO, 1991; LUNA, 1993; TELAROLLI JR., 1996).
Provocada pela bactéria Chlamydia trachomatis, desencadeia inflamação crônica da
conjuntiva e da córnea e, em infecções recorrentes, podem ocorrer cicatrizes
provocando sequelas como a cegueira. A transmissibilidade ocorre de forma direta pelo
contato dos olhos e, de forma indireta, através de objetos contaminados ou por insetos
que atuam como vetores mecânicos (POLACK et. al., 2005; WHO, 2013; WHO, 2015).
Os números oficiais apresentados nos Relatórios da Secretaria de Negócios do
Interior apontam que, em 1907, dos 38.037 indivíduos examinados, 14.967 pessoas
estavam com tracoma em uma porcentagem de 39,35% de infectados. No ano seguinte,
a porcentagem chegou a 27,06% de enfermos (SÃO PAULO – ESTADO, 1908).
Neste período havia uma grande expansão da cafeicultura paulista2 o que tornava
o Brasil um dos maiores produtores mundiais do produto. Para manter o domínio deste
marcado, era necessário criar novos campos de plantação, transportar de maneira
otimizada a produção do interior para os portos e garantir mão de obra suficiente para a
produção.
A marcha do café foi iniciada em São Paulo pelo Vale do Paraíba no início do
século XIX e aos poucos foi se deslocando para as zonas interioranas do estado. Em
meados do mesmo século, a produção já havia passado pelas terras do centro-oeste e
1 Doutoranda do Programa de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Unicamp. 2 Apesar da crise do café no fim do século XIX e outra no início do século XX, a expansão para terras do oeste não cessaram. (SANCHES, 2015)
chegado à zona oeste paulista, região de terras roxas ideais pela o plantio. Na última
década de 1890 as regiões de São Carlos, Araraquara, Descalvado, Ribeirão Preto e
Jaboticabal já eram consideradas grandes centros produtores (MATOS, 1974).
Para o escoamento das safras cafeeiras do interior do estado para o porto de
Santos, a malha ferroviária desempenhou papel fundamental. Se anteriormente os trilhos
acompanhavam os cafezais, no final do século XIX, a malha passou a abrir caminhos
para a abertura de novas plantações (CAMPOS, 2011). Para Taunay (2004), a expansão
cafeeira só se configurou nas terras do oeste paulista, graças às linhas férreas da São
Paulo Railway e suas tributárias Mogiana, Sorocabana, Paulista e Ituana, que tornaram
o transporte mais rápido, seguro e com menor custo.
Em conjunto com a expansão das zonas produtoras e das ferrovias, houve uma
intensa mobilização pela busca de mão de obra. Com a crescente restrição de
trabalhadores escravos durante todo o século XIX, a imigração foi a solução encontrada.
O primeiro esforço para trazer colonos foi na década de 1840 quando, por iniciativas
particulares, entraram no país mais de 60 mil estrangeiros. Em 1886, surge a Sociedade
Promotora de Imigração (SPI) que tinha como propósito conduzir todo o processo
imigratório mediante financiamento público. Em dez anos de funcionamento, a SPI
agenciou mais de 220.000 imigrantes (RIBEIRO, 1996).
Concomitantemente, diversas doenças acompanharam o fluxo migratório
proveniente da Europa. Os imigrantes europeus ao ingressarem no país, agravaram a
proliferação de diferentes moléstias em solo brasileiro. Para ilustrar, podemos citar a
febre amarela, malária, febre tifóide, varíola, lepra, tuberculose, cólera e peste bubônica,
todas importadas por viajantes estrangeiros (SILVA L.J., 1986; BENCHIMOL, 1996;
CHALHOUB, 1996; TEIXEIRA, 2001; CABRAL, 2004; NASCIMENTO, 2011;
TASCO, 2013).
As enfermidades que encontraram no clima tropical condições favoráveis à
disseminação, não se fixaram somente nas zonas urbanas, inserindo-se também nos
campos acometendo a população rural.
Até meados da década de 1910 era eminente a preocupação das autoridades em
defender os centros urbanos das enfermidades de maior mortandade, despendendo altos
recursos financeiros em saneamento e implantação de medidas profiláticas nas cidades
(BLOUNT, 1972; MERHY, 1987).
Foram várias reformas do Serviço Sanitário até a definição, em 1917, do Código
Sanitário Rural que definiu uma legislação específica para as zonas rurais.
Podemos afirmar que esse processo de olhar para as enfermidades do
campesinato foi iniciado nos primeiros anos do século XX, por conta desses quadros
epidemiológicos surgidos após o período de grandes imigrações. Se pensarmos,
especificamente no tracoma, a enfermidade se disseminou para o oeste paulista pelos
imigrantes que, ao chegarem já infectados, passavam primeiro na Hospedaria dos
Imigrantes e, ao terem contato com recém-aportados disseminavam a doença
(TRENTO, 1989; RIBEIRO, 1991; CENNI, 2011).
A intensa transmissão do tracoma, que chegava a quase 40% dos examinados, fez
com que medidas preventivas e de tratamento fossem tomadas. Em 1906, o governador
do estado assinou um decreto criando “Comissões de Tratamento e Profilaxia do
Tracoma” para atender as diversas zonas atingidas pela enfermidade (SÃO PAULO –
ESTADO, 1906).
Essa medida foi pioneira, onerosa e audaciosa, dispendendo uma verba que não
havia sido prevista no orçamento do estado. Para Hochman (1998), o Serviço Sanitário
estadual criou uma “novidade com o estabelecimento de uma comissão para prevenção
e tratamento do tracoma, na população rural” (p. 217).
Com altos custos, as comissões foram extintas em 1908, dois anos após sua
fixação. Em 1911, observando ainda a endemia na zona rural, uma nova iniciativa
governamental decreta novamente a criação de postos de tratamento, porém com um
contingente médico mais restrito. Sob a justificativa de limitação orçamentária
acarretada pela guerra europeia, em 1914, a segunda comissão também foi extinta. A
terceira tentativa governamental para controlar a endemia ocorreu em 1917 perdurando
por oito anos até que, com a Reforma Paula Souza, as atividades das comissões passam
para a Inspetoria de Higiene (MERHY, 1987; MASCARENHAS, 1949).
Nesse sentido, nosso problema reside na seguinte questão: Interesses
econômicos pautaram as motivações governamentais para a formação do “Serviço de
Tratamento e Profilaxia do Tracoma” em São Paulo?
Apesar de notificarmos que as comissões até meados da década de 1920 foram
descontínuas, objetivaremos aqui analisar a relação entre o setor agroexportador e a
formação da primeira comissão.
Para atingir nosso objetivo, utilizamos como fontes relatórios governamentais da
Secretaria do Interior e do Serviço Sanitário, Relatórios Presidenciais de São Paulo,
Conjunto de leis e decretos estaduais, Revista Médica de São Paulo, Revista Brazil
Médico, Arquivos do Instituto Penido Burnier, Tese de medicina e jornais.
Tracoma
O tracoma é uma das patologias oculares mais antigas do mundo, sendo
identificada através dos escritos chineses desde o século XXVII a. c. (SCHELLINI, S ,
SOUSA, R, 2012; LUNA, 1993). A partir do século VI, a enfermidade se disseminou
pela Europa vitimando habitantes de vários locais do continente. Segundo Rosen
(1994), no período compreendido entre os anos de 543 até 1348, algumas doenças
arruinavam a região, como a lepra, peste bubônica, varíola, difteria, sarampo, influenza,
tuberculose, malária e dentre elas, o tracoma. Sem uma administração de saúde pública
estruturada como conhecemos hoje3, o tracoma passou por diversos períodos
endêmicos, sem que sua extinção tivesse ocorrido.
No início do século XIX, um novo surto de tracoma apareceu na Europa, tendo
sua propagação iniciada pela França. Conhecido como Egyptian Ophthalmia ou
Ophitalmia Militar do Egito, o tracoma se disseminou através das tropas napoleônicas
que, ao regressarem do Egito tomados pela doença, espalharam a enfermidade pela
Itália, Alemanha, Inglaterra, Bélgica, Suíça e Holanda (OTTONI, 1898; OLIVEIRA,
1927; AL-RIFAI, 1988; LUNA, 1993; SCHELLINI;SOUSA, 2012).
No Brasil o ingresso do tracoma não pode ser determinado com precisão.
Conforme afirmou Penido Burnier (1932), este mal foi importado da Europa quando
alguns ciganos infectados foram expulsos de Portugal e se instalaram no nordeste do
país. Burnier (1932) relata que em 1876, quando o médico Moura Brasil regressou do
continente europeu, observou focos endêmicos do tracoma no nordeste do país nas
3 Para Rosen (1994) o Renascimento foi o período em que houve o desaparecimento da civilização medieval dando lugar ao mundo moderno. Nesse contexto, a ciência passou a ser vista como elemento de profunda influência para as questões de Saúde Pública.
regiões que compreendiam do Vale do Cariri até o Crato no estado do Ceará
(BURNIER, 1932).
Como os meios de transporte que ligavam o norte ao sul do país eram precários, o
tracoma ficou restrito nas regiões limítrofes do Ceará até os últimos dois decênios do
século XIX, quando passou a se tornar observável também em outros estados
(OTTONI, 1898, p. 363).
Em São Paulo, o tracoma era inexistente antes da imigração massiva de 1887.
Em pouco mais de dez anos, a população paulista já se encontrava tomada por uma
intensa endemia como podemos cotejar pela experiência do médico paulista Eusébio
Mattoso que, em 1899 atestava que “era impressionante o número de tracômatosos tanto
na clínica civil como hospitalar” (OLIVEIRA, 1927, p. 15; BURNIER, 1932, p. 64).
A quase totalidade dos enfermos localizava-se no interior paulista. A
sintomatologia era descrita pela presença de dores e fotofobia, e o tratamento perdurava
cerca de quinze dias, exigindo aplicação de remédios nos olhos e trocas de curativos
diariamente afastando os enfermos das suas atividades do campo (ÁLVARO,1904).
A assistência aos enfermos até o último quartil de 1906 ficava a cargo das
instituições de assistência médica filantrópica ou particular situadas geralmente nos
grandes centros urbanos, sem que houvesse intervenção direta governamental para
debelar a endemia.
3. Saúde pública, a economia e o tracoma
No final do século XIX, após a proclamação da república, São Paulo passou por
um processo que buscava encontrar um modelo de saúde pública que propiciasse aos
órgãos governamentais administrar as epidemias e endemias reinantes na capital, em
Santos e nas principais cidades do interior do estado (TELAROLLI, 1996).
Foram várias reformas e revisões do Código Sanitário após a promulgação da
Constituição Brasileira de 1891. No período compreendido entre os anos de 1891 e
1925, ocorreram cinco grandes reformas, sendo elas de 1893, 1906, 1911, 1917 e 1925,
quando, através da Reforma Paula Souza, ocorre a ruptura dos métodos empregados nos
serviços de saúde pública baseada em um “modelo campanhista-policial” (TELAROLLI
JUNIOR, 1996) para a organização de um modelo mais preventivo pautado em uma
educação sanitária. Em termos estruturais, o Serviço Sanitário após a reforma, passou a
compor a Inspetoria de Higiene e mais tarde o Centro de Saúde (MASCARENHAS,
1949).
Durante as reformas, ocorreram centralizações e descentralizações do serviço de
saúde pública que migravam ora do governo estadual para os municípios, ora dos
municípios para o Estado. No entanto, evidencia-se que na questão sobre as epidemias,
prevalecia a atuação estadual sobre o papel de combatê-las e preveni-las (BLOUNT,
1972).
Durante as reformas, o estado de São Paulo sofreu grandes epidemias de febre
amarela e varíola, o que desencadeou grande esforço e atenção do Serviço Sanitário
para debelar as enfermidades.
Para o Secretário do Interior, pasta responsável pelo Serviço Sanitário do estado,
após as medidas de combate à epidemia de febre amarela e a varíola, o governo “fixou
sua attenção sobre o trachoma e começou a estudar a extensão do mal e os meios de
combatel-o efficazmente (...) que, se não devasta matando, inutilisa e sacrifica uma bôa
parte da nossa população rural” (SÃO PAULO - ESTADO, 1907, p. 12).
O estudo realizado para mapear a enfermidade na zona rural foi encomendado
pelo próprio secretário do interior, Gustavo de Godoy que, em 1904 contratou o médico
Guilherme Álvaro para estudar o tracoma.
Em seu relatório Álvaro (1904) vislumbra que a enfermidade estava presente na
primavera e no verão provocando dores e alto índice de contagiosidade. As condições
das moradias eram precárias e a falta de higiene pessoal exacerbava a enfermidade. A
situação se agravava quando as habitações se localizavam ao lado dos chiqueiros e
estrebarias que eram infestadas de moscas, consideradas o vetor mecânico da oftalmia.
Como medidas profiláticas, Álvaro aconselhava o confinamento aos enfermos e
higienização com água e sabão dos objetos contaminados, deixando-os expostos ao sol.
Em conclusão, o médico ensinou como ministrar as doses medicamentosas e prescreveu
curativo duas ou três vezes por dia até a extinção do mal (ALVARO, 1904).
Em consequência do relatório, o Secretário do Interior chegou “a conclusão que
era imprescindível a organização de um serviço especial para a prophylaxia e o
tratamento dessa terrível molestia (...) comprehendendo a necessidade de agir de modo
energético e decisivo” (SÃO PAULO - ESTADO, 1907, p. 12).
Para Merhy (1987), as ações do Serviço Sanitário para controlar as diversas
epidemias tinham importância em relação à mão de obra cafeeira, pois “o aspecto mais
significativo (...) é aquele que se refere às repercussões daquelas epidemias no processo
de produção agroexportadora, que nesta época era dependente da mão de obra
imigrante” (MERHY, 1987, p. 78).
O mercado internacional era a base da economia agrícola de São Paulo. A
dependência de países como os Estados Unidos, como principal consumidor das safras
de café; da Inglaterra como financiadora das fazendas cafeeiras; e da Itália, como a
fornecedora de mão de obra imigrante, desenha uma rede de interações que explica o
desejo do governo em manter uma boa imagem no exterior.
As campanhas de saneamento, e consequentemente, a prevenção de epidemias
durante a longa campanha sanitária do regime imperial no século XIX, sempre foram
pautadas em argumentos econômicos. Os governantes sabiam que para expandir a
produção era necessária mão de obra imigrante, portanto, a “região tinha que ser
saudável para atrair colonos e mantê-los sadios” (BLOUNT, 1972).
Os argumentos não se alteraram no início do período republicano, que com a
crescente influência da elite cafeicultura a partir do Partido Republicando Paulista -
PRP, garantiram medidas que fossem ao encontro dos seus próprios interesses
econômicos (BLOUNT, 1972).
A situação da insalubridade paulista como aponta Merhy (1987) passou a
configurar empecilhos de países europeus à imigração. Como elemento ilustrativo,
temos o Decreto Prinetti que em 1902, proibiu o ingresso de imigrantes italianos no
Brasil através da passagem subsidiada pelo estado de São Paulo. O decreto proibitivo
foi desencadeado inicialmente pela cobertura da imprensa brasileira e italiana sobre as
condições precárias dos imigrantes no Brasil. Com a repercussão, o Comissariado Geral
da Emigração Italiana decidiu enviar um encarregado para confirmar as denúncias de
más condições de trabalho no país. Aldo Rossi, em julho de 1902, após estadia no
estado de São Paulo desenvolve um relatório que traz dados sobre mulheres e homens
violentados, doenças, mortalidade infantil e situação econômica precária vivenciada por
seus patriotas (TRENTO, 1989, p.53).
Em respostas às retaliações recebidas dos exportadores de trabalhadores, o
Serviço Sanitário passa a desempenhar campanhas sanitárias e de saneamento como
medidas para eliminar as epidemias do estado e manter o fluxo imigratório.
Uma dessas medidas foi a criação do “Serviço de Tratamento e Profilaxia do
Tracoma”, promulgada em 3 de setembro de 1906 e dirigida pelo Serviço Sanitário de
São Paulo.
A escolha das cidades, de acordo com o decreto, deveria ser realizada através da
indicação do Chefe da Comissão e discutida junto ao Diretor Geral do Serviço
Sanitário.
Em três meses após a assinatura do decreto, já haviam sido nomeados 36
médicos para trabalharem em 25 distritos, sendo um posto na Capital, outro em Santos e
os demais espalhados pela zona oeste do estado, margeadas pelas estradas de ferro
Paulista, Sorocabana e Mogiana conforme mapa abaixo.4
Dentre as cidades escolhidas para receberem as comissões estavam Ribeirão
Preto, São Carlos do Pinhal, São Simão, Santa Rita do Passa Quatro, Jahú, Descalvado,
Cravinhos e Araraquara, com forte poderio agricultor, ranqueadas entre os dez distritos
mais produtivos de café durante a segunda metade da década de 1910 (SÃO PAULO –
ESTADO, 1906).
Figura 1 – Mapa com as Comissões de Tracoma – 1906
4 As cidades que receberam as comissões em ordem alfabética: Araraquara, Avaré, Batatais, Bebedouro, Botucatu, Casa Branca, Cravinhos, Descalvado, Dois Córregos, Dourado, Franca, Itú, Jaboticabal, Jahú, Jardinópolis, Linha do Norte, Mattão, Pedreira Piracicaba, Pirassununga, Pitangueiras, Ribeirão Bonito, Ribeirão Preto, Ribeirãozinho, Salto de Itú, Santa Rita do Passa Quatro, São Carlos do Pinhal, São Manuel, São Simão, Sertãozinho, Sorocaba, Nuporanga e Orlandia.
Blount (1972) destaca que as medidas sanitárias tinham como objetivo eliminar
a ameaça de doenças transmissíveis, melhorar a qualidade da produção do trabalhador
que se ausentava das epidemias e endemias e transformar São Paulo em um local com
boas condições de salubridade.
Considerações Finais
A virada do século XIX para o XX é um período em que o café era ainda o
principal produto agroexportador. São Paulo era a “locomotiva” que engrenava os
trilhos da economia brasileira desempenhando a função de coordenar as relações que
perpassavam o comércio internacional.
Toda a situação que ameaçasse o comércio exterior era acometida por ações
governamentais. A endemia de oftalmia granulosa em áreas rurais foi um desses
obstáculos.
Mediante o alastramento da enfermidade que convalescia os colonos, verificamos
que a maior motivação para o processo de decisão sobre as comissões, estava na
proteção da economia agroexportadora como já havia posto Blount (1972) e Merhy
(1987) em outras análises sobre o Serviço Sanitário estadual.
O tracoma foi uma enfermidade que provocou vários percalços sobre a mão de
obra imigrante que, ao contrair a oftalmia, afastava o trabalhador dos seus afazeres
durante quinze dias para tratamento. Além da ausência do enfermo, muitas vezes havia
também a falta de outros membros que deixavam as plantações para acompanhar o
enfermo até a capital para ser assistido por médicos que ministrava curativos diários.
Dependendo do número de enfermos acometidos em uma única fazenda e a alta
reincidência da enfermidade, a produtividade poderia ser prejudicada, ocasionando
baixa nos lucros.
Era necessário manter o processo produtivo saudável e para isso, a mão de obra
deveria ser garantida, mesmo que isso acarretasse um serviço oneroso, com altos custos
de contratação das equipes de atendimento, compra de medicamentos e gastos logísticos
que permitissem atender as diversas regiões longínquas da capital.
Telarolli (1996) acredita e nós reiteramos, que algumas epidemias que atingiam a
população imigrante e que preocupavam as autoridades consulares estrangeiras
passaram a receber mais atenção dos órgãos governamentais após o ano de 1904.
Isso justifica o porquê do combate ao tracoma receber essa centralidade por parte
do Serviço Sanitário estadual mesmo antes da promulgação do Código Sanitário Rural
de 1917.
Podemos concluir assim, que para garantir as “boas” relações no âmbito da
politica internacional, era necessário se proteger das repercussões das epidemias e
endemias que atingiam a mão de obra imigrante e tomar medidas que mantivessem a
produtividade do trabalhador para que não houvesse definhamento do processo de
produção agroexportadora.
Referências bibliográficas
AL_RIFAI,Kassim M J. Trachoma through history. In: International Ophthalmology,
v. 12, p 9 – 14, 1988.
ALVARO, Guilherme. Profilaxia e Tratamento das ophtalmias do oeste de São Paulo.
In: Revista Médica de S. Paulo, p. 579 – 582, Anno VII, No. 24, 31 dez 1904.
BENCHIMOL, J. Manguinhos, do sonho à vida: a ciência na Belle Époque. Rio de
Janeiro: COC/Fiocruz, 1990.
BLOUNT, J. A. A administração da saúde pública no Estado de São Paulo: o serviço
sanitário de 1892-1918. Revista de Administração de Empresas, v. 12, n. 4, p. 40-48
1972.
BURNIER, Penido. O Tracoma no Brasil: sua origem e difusão. In: Arquivos do
Instituto Penido Burnier. V 1, Fascículo 1, março de 1932.
CABRAL, Dilma. A lepra no Brasil: construção social e políticas de controle. In:
Encontro Regional de História, XI, 2004, Rio de Janeiro. Anais... Rio de janeiro:
ANPUH, 2004.
CAMPOS, C. Ferrovia e urbanização. O processo de urbanização da zona pioneira da
"Alta Paulista" (1905-1962). In: Maria Lucia Caira Gitahy; Eduardo Romero de
Oliveira; Cristina de Campos. (Org.). Território e cidades. Projetos e representações,
1870-1970.. São Paulo: Alameda Editorial, p. 93-112, 2011.
CENNI, Franco. Italianos no Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
2011.
CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. São
Paulo: Companhia das Letras, 1996.
LUNA, E. J. A epidemiologia do tracoma no Estado de São Paulo. Dissertação
(Mestrado em Ciências Medicas)-Universidade Estadual de Campinas – Unicamp,
Campinas, 1993.
MASCARENHAS, R. S. Contribuição para o estudo da administração sanitária
estadual em São Paulo. Tese (Docência-Livre) - Faculdade de Higiene e Saúde
Pública - USP, São Paulo, 1949.
MATOS, O. N. Café e ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o
desenvolvimento da cultura cafeeira. São Paulo: Alf a-Omega, 1974.
MERHY, E. E. A Emergência das praticas sanitárias no Estado de São Paulo. In: O
Capitalismo e a saúde pública. Campinas: Papirus, 1987.
NASCIMENTO, D. R.La llegada de la peste al Estado de São Paulo en 1899. In:
Dynamis, Granada, Barcelona, v.31, n.1, 2011.
OLIVEIRA, Synesio de Mello. Do Trachoma: Complicações, Consequencias e
tratamento. These inaugural apresentada a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro,
Cadeira de Clinica Ophthamologica. 25 mar 1927.
OTTONI, David. Clinica Ophtalmologica – Conjunctivite granulosa. Brazil – Medico,
Rio de Janeiro, ano XII, n. 41, 1898.
POLACK, Sarah et al. Mapping the global distribution of trachoma. Bull World Health
Organ, Genebra, v. 83, n. 12, p. 913-919, Dec 2005. ISSN 0042-9686.Disponível
em<http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0042-
96862005001200013&lng=pt&nrm=iso> Acessado em 22 maio 2015.
RIBEIRO, M. A. História sem fim: Um inventario da saúde pública, São Paulo, 1880-
1930. Tese (Doutorado em Economia do Instituto de Economia) - Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, 1991.
ROSEN, George. Uma história da saúde pública. São Paulo: Editora da Universidade
Paulista, 1994.
SANCHES, J. Política econômica e de ciência e tecnologia paulista para o café durante
a Primeira República (1889-1930); ações complementares ou divergências de
interesses? In: Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de janeiro, v. 8, n. 1, p.
108-114, jan/jun 2015.
SAO PAULO - ESTADO. Relatório da Secretaria do Interior, anno de 1906. São
Paulo: Typographia do Estado de S. Paulo, 1907.
SAO PAULO - ESTADO. Relatório da Secretaria do Interior, annos de 1907 e
1908. São Paulo: Duprat & Comp., 1908.
SÂO PAULO - ESTADO. S.S Serviço contra o trachoma – nomeações. São Paulo,
1906.
ESTADO DE S. PAULO, O. Notas e informações. p. 1, 17 fev 1905.
SCHELLINI, S.; SOUSA, R. Tracoma: ainda uma importante causa de cegueira. In:
Revista Brasileira de Oftalmologia, 2012 71(3), 199-204.
SILVA. L. J. Desbravamento, agricultura e doença: a doença de Chagas no Estado de
São Paulo. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.2, n.2, Abr./Jun. 1986.
TAUNAY. Afonso E. História da cidade de São Paulo. Brasília: Senado Federal,
Conselho Editorial, 2004.
TASCO A. Limites das convicções científicas: as epidemias no Rio de Janeiro e em
Socorro e o desencadeamento da crise nos estudos da febre amarela (1927-1948).
Dissertação (Mestrado em Política Científica e Tecnológica) - Universidade Estadual de
Campinas – Unicamp, Campinas, 2013.
TEIXEIRA, L. T. Da transmissão hídrica a culicidiana: a febre amarela na sociedade de
medicina e cirurgia de São Paulo. Revista brasileira de História, São Paulo, v.21,n
41, 2001.
TELAROLLI JR. R. Poder e Saúde: as epidemias e a formação dos serviços de saúde
em São Paulo. São Paulo: Editora da Universidade Paulista, 1996.
TRENTO, Ângelo.Do outro Lado do Atlântico: um século de imigração italiana no
Brasil. São Paulo, Nobel, 1989.
WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Population trated for active trachoma
data by country. Global Health Observatory Data Repository. 2015. Disponível em
<www.apps.who.int> Acessado em: 22 mai 2015.
WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. World: Distribution of trachoma, 2012.
Global Health Observatory Map Gallery.24 set 2013. Disponível em
<www.gamapserver.who.int> Acessado em: 22 mai 2015.
Top Related