UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JULIO DE MESQUITA FILHO”
Faculdade de Ciências e Letras de Assis
Departamento de História
O veneno do reacionário: Nelson Rodrigues contra os subversivos
políticos (1967-1968)
Edmar Lourenço da Silva
Projeto de pesquisa de mestrado apresentado à Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, FAPESP,
como requisito para solicitação de bolsa de mestrado.
Orientador: Profº Drº Antonio Celso Ferreira.
ASSIS/SP
2012
Resumo
O projeto de pesquisa de mestrado propõe analisar historiograficamente através das
crônicas de Nelson Rodrigues reunidas nos livros O óbvio ululante: primeiras confissões
(1993) e A cabra vadia: novas confissões (1995) e das reportagens, artigos e matérias contidas
nas revistas Realidade e Revista Civilização Brasileira, produzidas durante o recorte temporal
de 1967-1968, as escolhas políticas e ideológicas rodrigueanas e dos autores/colaboradores
das duas revistas quanto a assuntos da esfera político-social e de como essas mesmas posições
políticas conceberam e/ou participaram da(s) cultura(s) política(s) existente(s) no final da
década de 1960 no Brasil.
Palavras-chave: Cultura política. História e literatura. Nelson Rodrigues. Revista Realidade.
Revista Civilização Brasileira.
Introdução
A década de 1960 no Brasil, correlacionada em grande medida com os movimentos
contestadores internacionais, conformou, conforme o historiador Daniel Aarão Reis Filho,
uma comunidade de inclinações, no sentido de que nessa década se formulou ―novos valores,
envolvendo não apenas a política e o poder, mas os costumes, as práticas cotidianas, as
relações entre as pessoas – uma revolução que apenas se iniciava, e que prosseguiria para
além, muito além, de 68‖. (REIS FILHO, 1998, p.32). Internacionalmente, mudanças sociais,
econômicas e culturais, como o crescimento rápido das metrópoles acompanhado do modo de
vida tipicamente urbano, aumento diversificado dos estratos sociais médios, aumento do
número de jovens no ensino superior; como também disseminação de movimentos com
conotação política, como as manifestações estudantis nas ruas da França e México, os
protestos dos norte-americanos contra a guerra do Vietnã, a reforma sociocultural na China,
os movimentos de grupos organizados de negros, homossexuais e mulheres, as manifestações
culturais da contracultura e dos hippies, entre outros. (RIDENTI, 2011). No Brasil, os anos
finais da década de 1960, demonstraram uma maior intensificação dos movimentos artístico-
culturais e também políticos ocorridos na década de 1950, com a diferença de que os
movimentos ocorridos nos governos autoritários de Costa e Silva e de Médici, eram em sua
maioria compostos por entusiastas e militantes da esquerda política e dos grupos de guerrilhas
rural e urbana de esquerda. Formaram-se greves de operários em várias cidades brasileiras
contra as ações arbitrárias do regime autoritário, manifestações estudantis pelas universidades
e ruas das grandes e médias cidades, manifestações socioculturais ligados ao Cinema Novo,
aos teatros Oficina e Opinião, à Tropicália, aos diversos festivais da canção, entre outros.
(REIS FILHO, 1998; NAPOLITANO, 2004). Enfim, os anos 1960 exibiram transformações
culturais e sociais jamais presenciadas antes, como, por exemplo, o abismo entre as gerações
de adultos e de jovens e o culto e a massificação cultural desse último grupo etário das
sociedades ocidentais. (HOBSBAWM, 1994). Na esfera política e em regimes autoritários
como o do Brasil, os envolvimentos direto e indireto com a oposição de esquerda, deslocavam
indivíduos para a clandestinidade social e estilhaçava as intimidades afetiva e familiar, os
estudos e o trabalho. (WEIS, ALMEIDA, 1998).
Dentro desse quadro histórico-social, Nelson Falcão Rodrigues (1912-1980), tomado
por dificuldades financeiras, iniciou na década de 1940 a produção das suas peças teatrais e
dos seus textos jornalísticos. (CASTRO, 1992). Tornou-se um importante dramaturgo,
ficcionista e cronista brasileiro, tendo várias de suas peças teatrais, romances e contos
adaptados para o cinema e televisão 1 e, também, até hoje, peças suas de teatro são
apresentadas em muitos espetáculos teatrais pelo Brasil. Mas Nelson Rodrigues também foi
uma pessoa pública, um intelectual, adorado e odiado por diversos segmentos da sociedade de
sua época. Durante a pesquisa serão discutidas as crônicas rodrigueanas que abrangem os
efervescentes anos 1967-1968, e, em que grau os aspectos políticos e sociais do período foram
importantes, fundamentais para a produção das obras do escritor. Sem desconsiderar, no
entanto, como as ideias, a subjetividade e as escolhas políticas do autor concomitantemente
produziram o imaginário social, de como ele colaborou para a demonstração e construção de
valores ético-morais de uma sociedade brasileira urbana que passava por um processo de
modernização nos costumes e nos modos.
Entre os impressos periódicos analisados como fontes para a pesquisa e produzidos
na segunda metade da década de 1960, estão as revistas Realidade e Revista Civilização
Brasileira. A primeira destas revistas, publicada pela Editora Abril, circulou pelo mercado
editorial brasileiro durante os anos 1966-1976. Caracterizou-se, em pleno regime civil militar,
pelos diversos temas pouco debatidos - por conta da censura, muitas vezes - em outros meios
de comunicação: o racismo, a fome, o clero de esquerda, os problemas relacionados às
grandes cidades, as mazelas do Nordeste, sobre a educação sexual, sobre a ciência e
progresso. (MIRA, 2001; CORRÊA, 2008). Com tiragem variável entre 250 mil a 500 mil
exemplares, Realidade teve vários colaboradores, entre os principais, José Hamilton Ribeiro,
Maurício Azêdo, Múcio Borges da Fonseca, Mylton Severiano da Silva, Eurico Andrade, Luis
Edgar de Andrade, Luiz Fernando Mercadante, Roberto Freire, Rodolfo Konder, Narciso
Kalili, Woile Guimarães, Raimundo Rodrigues Pereira; e também o redator-chefe Paulo
Patarra e o editor de textos Sérgio de Souza. (MIRA, 2001; CORRÊA, 2008). A Editora
Civilização Brasileira, durante os anos 1965-1968, publicou vinte e dois volumes e três
cadernos especiais sobre teatro e política internacional da Revista Civilização Brasileira.
Entre os assuntos mais recorrentes na revista estavam a discussão sobre problemas sociais
brasileiros, a crítica aos movimentos de esquerda à época do golpe civil militar de 1964, o
papel da mulher na sociedade, a juventude, os movimentos negro e homossexual, entre outros.
(NEVES, 2011). Com mais de 500 textos publicados e com uma tiragem que variou entre 10
1 Alguns dos principais filmes realizados no Brasil a partir da obra de Nelson Rodrigues: Meu destino é pecar
(1952), de Manuel Pelufo; Boca de Ouro (1962), de Nelson Pereira dos Santos; Asfalto selvagem (1963), de J.B.
Tanko; A falecida (1965), de Leon Hirszman; Toda nudez será castigada (1972), de Arnaldo Jabor; A dama do
lotação (1978), de Neville d‘Almeida; Os sete gatinhos (1980), de Neville d‘Almeida; Perdoa-me por me traíres
(1983), de Brás Chediak; Traição (1998), de Arthur Fontes, Cláudio Torres e José Henrique Fonseca; Gêmeas
(1999) de Andrucha Waddington. Fonte: Cult. Revista Brasileira de literatura, n. 41, ano IV, dezembro de 2000.
(apud. FACINA, 2004b, p.91).
mil a 40 mil exemplares, a Revista Civilização Brasileira, reuniu colaboradores como Alex
Viany, Álvaro Lins, Antônio Houaiss, Dias Gomes, Edison Carneiro, Ferreira Gullar, Haiti
Mossatché, Nelson Lins de Barros, Nelson Werneck Sodré, Octávio Ianni, Paulo Francis,
Oswaldo Gusmão, entre outros; e também o editor-chefe Ênio Silveira e o secretário-geral
Roland Corbisier. (NEVES, 2011). No decorrer da pesquisa, frisar-se-á em ambas as revistas
os assuntos, os aspectos políticos ligados à conjuntura sociohistórica dos anos 1967-1968,
buscando compreender como o contexto histórico influiu na produção dos textos dos
colaboradores das duas revistas e do alcance/incorporação de suas ideias na sociedade da
época. Confrontando, principalmente, a(s) cultura(s) política(s) 2 entre as duas revistas com os
textos e a(s) cultura política(s) existente(s) nos textos de Nelson Rodrigues.
Discussão Bibliográfica
As fontes literárias e periódicas começaram a ter maior destaque no trabalho de
inquirição do historiador a partir da década de 1970, tanto no Brasil como internacionalmente.
Essas fontes tornam-se propícias a múltiplas leituras para o historiador, pois com elas abre-se
a possibilidade de compreensão de significados culturais, valores sociais, experiências
subjetivas, relações entre imprensa e grupos sociopolíticos diversificados, dados de consumo
social, entre muitas outras possibilidades.
O interesse dos historiadores pela literatura como fonte para a pesquisa
historiográfica tem aumentado no decorrer dos últimos anos. Isto se deve à tomada de
consciência por parte dos historiadores acerca do questionamento das interpretações
tradicionais dos eventos históricos e da incorporação de novos objetos (como a literatura, o
cinema, a memória) incorporados ao campo da pesquisa histórica (LE GOFF, NORA, 1998.).
Constatou-se que a utilização da literatura como fonte para os historiadores, iniciou-se a partir
dos anos 1970 do século XX, em um movimento com origem na França e, posteriormente,
difundido em vários países, inclusive o Brasil. Essa nova empreitada historiográfica esteve
ligada a historiadores da revista francesa Annales d’Histoire Economique et Sociale, com
fundação em 1929, por Marc Bloch e Lucien Febvre (FERREIRA, 2009; NAXARA,
CAMILOTTI, 2009.). Essa nova geração de historiadores franceses possibilitou à História a
abordagem de novos objetos e problemas, em um movimento que ficou conhecido como
2 Maior esclarecimento sobre esse conceito será dado no tópico Metodologia, mas cabe adiantar basicamente
a(s) cultura(s) política(s) em suas linhas mais gerais como conjunto de representações formuladas por indivíduos
no plano político-social que compartilhem leituras comuns do passado, vivências conjuntas no presente e
projeções comuns no futuro. (BERSTEIN, 1998; GOMES, 1999).
―Nova História‖. Objetos como o inconsciente, a língua, a literatura, o mito, entre outros e a
pesquisa de novos documentos como os sonoros e visuais, contrapôs essa nova historiografia
àquela político-factual da Escola Metódica (FERREIRA, 2009.).
No Brasil, a importância da literatura para a pesquisa na área denominada por
Ciências Humanas, foi debatida por Antonio Candido de Mello e Souza (um dos precursores
da designada Sociologia da Literatura no Brasil) e também por historiadores como Sérgio
Buarque de Holanda, Nelson Werneck Sodré e, mais para a década de 1980, por historiadores
como Nicolau Sevcenko (FERREIRA, 2009.). Procurando desvencilhar-se das ideias de
―reflexo‖, ―determinação‖, e ―autonomia‖ na produção literária, o sociólogo e crítico literário
Antonio Candido, por exemplo, propõe a interpretação da obra literária em uma investigação
que perceba tanto a influência exercida pelo meio social na criação artística quanto o modo
pelo qual ela influencia esse meio. Tem de se relacionar a expressão literária ao seu contexto,
mas tomando cuidados para não reduzi-la a essa determinação e a interpretações mecanicistas
e unívocas (SOUZA, 1976.).
Assim como o que ocorreu com as fontes literárias, os periódicos sofreram por parte
de uma historiografia mais metódica um desinteresse teórico-metodológico. Isso se deveu a
uma tradição dominante nas historiografias nacional e internacional do século XIX e início do
século XX, que, preconizava a busca da verdade e dos fatos, através de documentos oficiais.
O historiador, portador de métodos ―científicos‖ e de crítica textual apurada, analisava
documentos, textos marcados pela objetividade, neutralidade, credibilidade e
preferencialmente distante do tempo histórico do pesquisador. Tal situação histórica começou
a mudar a partir da década de 1970, quando dos debates historiográficos empreendidos pela
terceira geração da Escola das Annales3, pelos historiadores reunidos em torno da New Left
Review4, pelo movimento conhecido por Linguistic turn5, e a renovação da História política6,
houve renovações temáticas como aquelas acima mencionadas e passou a existir um
movimento de pesquisa histórica não somente através da imprensa, mas também por meio da
imprensa (DE LUCA, 2010).
3 A terceira geração da Escola das Annales era composta por historiadores como Georges Duby, Michèle Perrot,
Pierre Nora, François Furet, Jacques Le Goff, que, à época era o diretor efetivo da Revista.
4 Com propostas de reformulações do pensamento marxista ortodoxo, a New Left Review tinha entre seus
principais colaboradores os historiadores Eric Hobsbawm, Perry Anderson, Raymond Williams, Edward Palmer
Thompson, entre outros.
5 Desafio linguístico que provocou polêmica e questionamento sobre a existência ou não de referências externas
ao texto e discurso e também sobre o caráter narrativo e ficcional do texto historiográfico.
6 Empreendimento dos anos 1970-1980 e que procurou distinguir a História política da História do presente e
que demonstrava aversão ao apego do efêmero, factual, subjetivo e idealista.
Com base nessa discussão, cabe especificar como principais fontes históricas da
pesquisa as crônicas do escritor e teatrólogo Nelson Rodrigues e as Revistas Realidade e
Revista Civilização Brasileira. E para tanto, no que se refere às fontes rodrigueanas, uma
breve exposição de duas principais referências são as análises de Henrique Buarque de
Gusmão e Adriana Facina, historiadores que recentemente produziram importantes estudos
sobre a produção de Nelson Rodrigues7. Henrique Buarque Gusmão, através, principalmente,
da produção teatral de Nelson Rodrigues da segunda metade do século XX, procura
estabelecer a posição do autor e dramaturgo frente às questões que estavam em voga na
sociedade e no teatro da época. Para tanto, o historiador percebe que o teatro rodrigueano
possui uma função purificadora e redentora. (GUSMAO, 2010.). Aliando a interpretação das
peças teatrais rodrigueanas à sociologia de Gilberto Freyre (principalmente a partir das obras
Casa grande e senzala e Sobrados e mucambos), Gusmão observa que as personagens teatrais
além de intensamente expressarem ou reprimirem o desejo sexual, no intuito de purificar o
público, possuem características sócio-morais de elementos da sociologia freyreana, como os
excessos de violência sexual, física e sensual. (GUSMAO, 2010.). Adriana Facina, em uma
obra de fôlego, pois abarca quase toda a produção de Nelson Rodrigues, desde seus primeiros
escritos nos jornais do pai, Mario Rodrigues, até a sua morte em 1980, analisa crônicas sobre
futebol, contos, peças teatrais e a crítica bibliográfica referente ao autor. Tendo como corpo
documental as entrevistas, os arquivos televisivos, jornais, revistas que possuíssem conteúdos
referentes a Nelson Rodrigues, a historiadora e antropóloga Adriana Facina adota uma
perspectiva histórico-antropológica da produção artística do escritor. A humanidade seria
―permeada de uma ambiguidade trágica‖, ―formada por aspectos demoníacos e divinos, por
instintos animalescos e sublimes, pelo mal e pelo bem‖. (FACINA, 2004b, p.261.).
No que concerne a importantes estudos recentes de História que exploraram as
Revistas Civilização Brasileira e Realidade, cabe citar os trabalhos dos historiadores Letícia
Nunes de Goés Moraes e de Ozias Paese Neves. Ao analisar esta última revista, Letícia Nunes
percebe através das cartas dos leitores enviadas à equipe da revista, a maneira pela qual a
revista era lida por seus leitores e a forma idealizada pela qual a equipe editorial da revista se
esforçava para que a revista fosse lida. Seu principal objetivo, no entanto, foi de pesquisar sob
a perspectiva da História Cultural a recepção dos meios de comunicação, através da Revista
7 Durante a pesquisa serão acrescentados relatos de outros relevantes estudos sobre a produção literária de
Nelson Rodrigues. Tomam-se como exemplos, Sábato Magaldi, Nelson Rodrigues: dramaturgia e encenações.
São Paulo: Edusp/Perspectiva, 1987; Eudinyr Fraga, Nelson Rodrigues expressionista. São Paulo: Ateliê
Editorial, 1998; Victor Hugo Adler Pereira, ―Nelson Rodrigues: dramático cronista‖. In: RESENDE, Beatriz
(org.). Cronistas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: José Olympio/CCBB, 1995.p.131-49, entre outras
possibilidades.
Realidade; e a relação entre imprensa e sociedade estabelecida entre revista e seus leitores,
―desvelando um mundo dialético em que, nem sempre, o desejo da revista vai ao encontro das
aspirações de seus leitores que reclamam, contestam, exigem‖ (MORAES, 2007, p.15).
Quanto à Revista Civilização Brasileira, Ozias Neves mediante a História intelectual e do
conceito de cultura política, abordou a Revista durante o período de 1965-1968 e procurou
identificar o papel dos intelectuais de esquerda colaboradores da Revista e como eles
interpretavam suas ações e a forma como expressavam o seu engajamento político-social. O
autor esforçou-se em mapear a Revista Civilização Brasileira, caracterizando a sua estrutura
de funcionamento, o número de seus autores/colaboradores e as estratégias pelas quais agiam
no cenário político e comportamental da época. (NEVES, 2011).
Justificativa
Considerando-se os importantes estudos dos pesquisadores mencionados acima,
todavia percebe-se nos trabalhos relacionados às fontes rodrigueanas um destaque principal às
peças teatrais de Nelson Rodrigues e um caráter com menor enfoque às crônicas e memórias
do autor. Por outro lado, os estudos relacionados às duas revistas da década de 1960,
mostram-se importantes por suas abordagens diversificadas e com diferentes temas e
propósitos, no entanto, analisar as escolhas políticas e ideológicas presentes nas duas revistas
e obras de Nelson Rodrigues proporcionará múltiplas análises de uma época marcada pelo
combate de diferentes ideias, valores e significados socioculturais.
Às vésperas do Centenário de nascimento de Nelson Rodrigues8, a revitalização de
suas crônicas e memórias em um estudo historiográfico envolvendo duas importantes revistas,
mostra-se potencializador de ressignificações e de múltiplas críticas das fontes literárias e
periódicas9 analisadas no presente estudo. Dessa forma, a justificativa se dá nos insuficientes
estudos com enfoque historiográfico mais detido nos temas político e social das crônicas de
Nelson Rodrigues e na intenção de durante a pesquisa confrontar essa produção rodrigueana
com os vários temas sociais, políticos e culturais existentes nas revistas Realidade e Revista
8 O ano de 2012 será marcado por comemorações do Centenário de nascimento do escritor Nelson Rodrigues,
porém, vários eventos, como o lançamento da revista Folhetim (Rio de Janeiro: Pão e Rosas, 2011), que reúne
um dossiê de críticas e artigos sobre a obra de Nelson Rodrigues no período de 1942-2009; e de uma provável
―fundação virtual‖, capaz de reunir informações referentes ao número de peças do escritor apresentadas no Brasil
e no exterior e ao correspondente de estudos realizados sobre sua obra, demonstram o início do calendário de
comemorações a partir deste ano. (Apud: MENEZES, Maria Eugênia de. Rumo aos 100. O Estado de São Paulo,
São Paulo, 27 de julho de 2011. Caderno2, p.D7; MELLÃO, Gabriela. Nelson em revista. Folha de São Paulo,
São Paulo, 30 de junho de 2011. Ilustrada, p.E1).
9 Explicações mais detalhadas referentes à localização e forma de organização dessas fontes serão dadas no
tópico Fontes.
Civilização Brasileira. Um estudo historiográfico assim, provavelmente, enriquecerá os
diversos estudos com diferentes temáticas sobre as fontes literárias, em particular a obra de
Nelson Rodrigues, e também sobre as fontes periódicas, com destaque para o gênero de
impresso revista.
Objetivos
O projeto de pesquisa terá por objetivo analisar historiograficamente através do
conceito de cultura(s) política(s) 10, as seguintes obras de Nelson Rodrigues: O óbvio ululante:
primeiras confissões (1993), A cabra vadia: novas confissões (1995) e as revistas Realidade
(produzida durante os anos 1966-1976) e Revista Civilização Brasileira (produzida no
período de 1965-1968).
Nelson Rodrigues, durante os meses de fevereiro de 1967 a outubro de 1968,
produziu nos jornais O Globo e Jornal da Tarde as crônicas e memórias com forte teor de
conservadorismo ideológico reunidas nesses dois livros. Em uma dessas crônicas o autor
critica a massificação da ideologia marxista por parte da esquerda e de sua aparente
indiferença para com os assuntos da política e sociedade brasileiras:
(...) De vez em quando, um desses fumantes me diz: —‗Marx é maior do que
Cristo‘. E um outro viciado jurou-me: —‗O verdadeiro Cristo é Marx‘, Ambos
usavam a mesma ênfase alucinatória. Bem os entendo. O Brasil atual é um
pouco a Velha China. Sabemos o que foi, historicamente, para o antigo chinês, o
papel do ópio. Houve uma espantosa deliquescência de valores. O vício
maravilhoso destruía o sentimento de terra, de nação, de história, de família.
Tudo apodrecia no êxtase supremo. (Mas a China não pode viver sem ópio. Hoje
o ópio, o sonho, o delírio é Mao Tsé-tung.) Julgo perceber uma certa semelhança
entre o aviltamento da China do ópio e a atitude de certas áreas ideológicas do
Brasil. Procurem me entender. Fumamos o ópio marxista. Muito bem. E, na
fumaça leve e encantada que sopramos, não aparece a silhueta do Brasil. É cada
vez mais cruel a distância entre as esquerdas e o Brasil. De vez em quando, vejo
muros pichados com vivas a Cuba. Eis o que me pergunto, gelado de pavor: —
‗Vivas a Cuba e não ao Brasil? ‘. Nunca, até hoje, se sujou um muro brasileiro
com um honesto e desesperado viva ao Brasil. (RODRIGUES, 1993, p.195).
A revista Realidade, produzida comercialmente pelo período de dez anos,
apresentava em suas páginas temas diversificados como racismo, política, sexo, entre outros.
10 Conforme escrito acima, maiores explicações sobre o conceito de cultura(s) política(s) será dado no tópico
Metodologia.
Na edição de abril de 1967, por exemplo, a matéria principal intitulada ―Afinal, o que o povo
pensa do Tio Sam?‖, a revista elaborou para o público leitor de várias cidades brasileiras um
questionário em que a principal pergunta era o que o ele pensava sobre os norte-americanos:
(...) - 600 homens e 600 mulheres, maiores de 18 anos, com duas perguntas
fundamentais: 1– O que acha dos americanos? 2 – O que os Estados Unidos têm
feito pelo Brasil? O campo da pesquisa foi: Porto Alegre, Caxias (RS), Rio de
Janeiro, São Paulo, Jundiaí, Bragança Paulista (SP), Belo Horizonte, Juiz de
Fora e Recife. (Apud: SPAGNOLO, 2011, p.80).
Produzida pelo período de 1965-1968, a Revista Civilização Brasileira posicionou-
se ideologicamente como um dos bastiões da imprensa contrários ao regime civil militar e ela
apresentava temas como políticas nacional e internacional, questões científicas, artísticas,
filosóficas. Na edição de julho de 1968, por exemplo, o teatrólogo e secretário-geral da revista
à época Dias Gomes, em texto intitulado ―O engajamento: uma prática da liberdade‖, avalia
como necessário o engajamento político do artista, pois
(...) o homem engajado permanece um homem livre, isto é, que se liberta
permanentemente pela humanização. O artista, ao engajar-se, não abdica da
menor parcela de sua liberdade, ao contrário, ele a ganha, permanentemente.
Pois a liberdade não é um estado, é um ato. O artista engajado exerce a liberdade
sob a forma de libertação contínua. (Apud: NEVES, 2006, p.95).
Embora as revistas mencionadas tenham um período histórico abrangente,
correspondentes aos anos 1965-1976, o enfoque do estudo se dará nos anos finais da década
de 1960 no Brasil, com particularidade maior para a conjuntura política de 1967-1968. Esse
recorte temporal se explica pela tentativa de analisar os diversos movimentos de mudanças
nos comportamentos e crenças da sociedade brasileira à época e de como ocorreram alguns
dos mais variados movimentos de inconformismo nas esferas política, social e cultural dos
instantes anteriores aos ditos ―anos de chumbo‖ 11 do regime autoritário. Através da análise
historiográfica das obras rodrigueanas e das duas revistas, examinar-se-á, principalmente, a(s)
cultura(s) política(s) existente(s) entre ideologias diferentes, o engajamento político em
discussões sobre valores e comportamentos, a formação de grupos intelectuais e os
11 Após a promulgação do Ato Institucional nº5 de dezembro de 1968, o regime civil militar iniciou uma série
de medidas repressivas contra a imprensa, aos movimentos culturais contrários ao regime autoritário, prisões e
perseguições políticas, combate aos grupos contestatórios de luta armada, entre outras.
questionamentos que eles faziam aos paradigmas e estruturas sociais da segunda metade do
século XX.
Metodologia
Procurando-se distanciar dos acirramentos, das disputas e dicotomias entre História
Cultural e História Política; entre História Social e História Cultural existentes no campo
historiográfico, o presente trabalho de pesquisa dará ênfase aos possíveis elementos de
mediação teórico-metodológica desses diferentes, porém, inter-relacionados campos do saber
historiográfico. Evitando-se pensar que a História se mostraria somente como natureza, como
matéria em si, como objetividade; ou por outro lado, que a História só seria cultura,
representação ou subjetividade, buscar-se-á pensá-la e reconstruir seus fatos sobre a
perspectiva da ―terceira margem‖, que segundo o historiador Durval Muniz de Albuquerque
Junior,
(...) Significa primeiro pensar que a História não se passa apenas no lugar da
natureza, da coisa em si, do evento, da matéria ou da realidade, nem se passa
apenas do lado da representação, da cultura, da subjetividade, do sujeito, da
ideia ou da narrativa, mas se passa entre elas, no ponto de encontro e na
mediação entre elas, no lugar onde estas divisões ainda são indiscerníveis, onde
estes elementos e variáveis se misturam. (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007,
p.28).
O mesmo historiador sugere pensar a produção historiográfica como ―invenção‖, no
sentido de que a História ―enfatiza e descontinuidade, a ruptura, a diferença, a singularidade,
além de que afirma o caráter subjetivo da produção histórica‖. (ALBUQUERQUE JUNIOR,
2007, p.20). Com isso, a partir da década de 1970, começaram a serem questionados os
valores universais do homem, o caráter objetivo do historiador na construção do saber
histórico; reapareceram preocupações referentes à dimensão ficcional do texto historiográfico
e de seus discursos e sentidos. (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007). No entanto, o que essa
pesquisa procurará destacar - sem a intenção de relativizar ao extremo a escrita
historiográfica, mas de apenas sugerir propostas mais férteis e abertas - é o caráter da História
como uma ―invenção controlada‖ ou ―ficção controlada‖, conforme apreciações da
historiadora Sandra Jatahy Pesavento, primeiro porque a História, através dos indícios
arrolados nos diversos documentos (impressos, audiovisuais, por exemplo), apareceria como
representação sobre o acontecimento, cuja comprovação e reprodução exatas não seriam
possíveis atestar. Segundo, porque a História, através das metodologias e da estética, retórica
e estratégias de linguagem próprias do historiador, permite-se ao leitor refazer o caminho dos
arquivos e acompanhar o arrolamento das fontes selecionadas e as deduções feitas durante o
trabalho historiográfico. Por fim, porque a História, através da acumulação de conhecimentos
do historiador, exige o recurso ao extratexto que torna capaz e eficiente o trabalho
historiográfico no sentido de propor analogias, contrastes, nexos e superposições.
(PESAVENTO, 2005). A produção historiográfica, portanto, seria invenção controlada ou
ficção controlada quando se pensa no seu caráter linguístico, retórico e nas argumentações
para persuadir o leitor e na representação sobre os fatos e acontecimentos históricos, mas
buscaria aproximar-se de maneira interpretativa e criticamente desses mesmos fatos e relatos
históricos, através das inquirições documentais e dos procedimentos teórico-metodológicos
dos historiadores.
Dessa maneira, tornar-se-á necessário estabelecer indicações metodológicas que não
tem a pretensão de serem modelos prontos ou única forma aceitável para lidar com fontes
literárias e fontes impressas na pesquisa historiográfica.
Procurar-se-á analisar as revistas Realidade e Revista Civilização Brasileira –
observando-se as particularidades e diferenciações entre as análises das notícias, os projetos
editoriais e os formatos gráficos das duas revistas -, sob as seguintes indicações
metodológicas. Inicialmente, localizar as duas revistas na história da imprensa, associando-as
ao seu lugar de produção e estabelecendo semelhanças e diferenças com outros periódicos à
época. Depois, avaliar a materialidade das revistas, visualizando, através de suas páginas,
partes da história da indústria gráfica, e qual a ―variedade de formatos, tipos de papel,
qualidade da impressão, cores, imagens‖. (DE LUCA, 2010, p.131). Em seguida, o aspecto a
ser considerado é a função social dessas revistas, com o intuito de identificar possíveis
inclinações doutrinárias, defesas exacerbadas de ideologias e se elas participaram ativamente
em intervenções no espaço público e quais eram as suas relações com a publicidade e o
público. Procurar a identificação do grupo responsável pela linha editorial de ambas as
revistas, visando elencar os colaboradores mais assíduos e quais eram as suas maiores
intenções e expectativas. Fazer, por fim, leituras internas e externas às revistas, observando o
ambiente em que foram produzidas, a qual tipos de sociedades estavam vinculadas e qual era
a conjuntura sócio histórica do período.
Quanto às fontes literárias rodrigueanas12, abordar-se-á como o autor de O óbvio
ululante se consagrou como um dos maiores teatrólogos e ficcionistas brasileiros do século
XX, e de como era a sua relação com os demais escritores e segmentos sociais da época.
Como eram vistas a arte e a literatura nessa época? Qual era a realidade socioeconômica em
que Nelson Rodrigues e seus familiares viviam à época? De como o escritor e o porquê se
lançou à produção de peças teatrais, de crônicas e contos? Questões de como a escrita do
―anjo pornográfico‖ deu novas significações à literatura, ao teatro e de como, principalmente,
os significados históricos da época são apreendidos em sua obra, serão relevantes ao estudo.
O horizonte intelectual e cultural do pesquisador deverá também estar sob
investigação e reflexão. Portanto, tendo a consciência de viver em um contexto histórico
diferente ao do objeto pesquisado, o pesquisador deverá zelar por uma das práticas mais
caras ao historiador: a historicidade. Questões que remetem ao por que estudar
historiograficamente fontes literárias mostram-se importantes para o desenvolvimento de
qualquer pesquisa histórica. Quais as percepções da dinâmica social e histórica em uma obra
literária? E outra questão importante é de como a literatura é concebida e de que maneira ela
é vista pela sociedade cuja qual o pesquisador faz parte. (FERREIRA, 2009.).
Para o historiador, diferentemente de alguns outros pesquisadores da área de
Ciências Humanas, tem de haver a preocupação de quando for estudar um texto literário
procurar compreendê-lo dentro de um contexto histórico e social. Portanto, o foco se dá a
algo externo ao texto 13. Com isso, torna-se fundamental tomar conhecimento sobre as
recepções críticas às obras de Nelson Rodrigues, neste caso, e aquela sobre a história do
período que é proposto neste projeto de pesquisa.
Como o projeto de pesquisa lida com gêneros literários em prosa, o conhecimento
através da Teoria Literária sobre como se percebe o foco narrativo do texto, de como
identificar noções de tempo e de espaço, de como identificar a linguagem metafórica, de
notar a composição e ação das personagens na história, serão importantes à pesquisa 14.
12 Sendo as crônicas de Nelson Rodrigues fontes literárias para presente pesquisa, e baseando-se nos estudos
específicos sobre gêneros literários de Massaud Moisés (1978) e Nádia B. Gotlib (2006), elas serão
compreendidas neste estudo como derivada do folhetim francês do século XIX e que possui como principais
características a subjetividade do autor em contar histórias com linguagem descompromissada e leve, e que
representa, com alguma veia poética, os fatos do cotidiano.
13 Como salienta Antonio Celso Ferreira, o historiador, conforme for o objeto e a questão central de sua
pesquisa, poderá, sim, eleger estudar as estruturas internas das fontes, contanto, que não desconsidere os dados
contextuais a essas obras literárias. (FERREIRA, 2009).
14 Como alguns exemplos de alguns críticos de literatura com estudos deste tipo, e que terão suas obras
consultadas, têm-se: A linguagem literária, São Paulo, Ática, 1987, de Benedito Nunes; O tempo na narrativa,
São Paulo, Ática, 1988, de Domício Proença Filho; Cultura letrada: literatura e leitura, São Paulo, UNESP,
2006, de Márcia Abreu.
Lembrando que em uma pesquisa historiográfica o principal para a análise literária é o
contexto, a dinâmica histórico-social em que se dão as obras. Dessa maneira, a consulta a
outros textos que podem dar o panorama histórico da época é imprescindível para o ofício do
historiador.
Portanto, para lidar com diferentes interpretações acerca do período histórico da
pesquisa, valer-se-á de obras de importantes nomes da historiografia, da sociologia, da
crítica literária e de outros especialistas que trataram do período com diversos temas. No
entanto, é importante destacar que diferentes assuntos desta pesquisa, como, por exemplo, os
movimentos sindicais, a reforma agrária, não terão número equitativo de livros, artigos,
como em outros temas que se consideram vitais para o objetivo da pesquisa. Pois, entende-
se que a ênfase deve-se dar em assuntos como a política, a cultura, o comportamento social e
em outros que de maneira constante apareceram, ou pelo menos foram aludidos, nas
referidas crônicas e memórias de Nelson Rodrigues e nos diversos conteúdos das revistas
Realidade e Revista Civilização Brasileira. Dessa forma, as obras que compõem a
bibliografia do projeto de pesquisa formam-se sobre esse intuito, sobre essa escolha
metodológica.
Durante a pesquisa, três noções serão utilizadas para buscar compreender as
trajetórias de vida dos autores/colaboradores das revistas Realidade e Revista Civilização
Brasileira e do teatrólogo Nelson Rodrigues; também a função social e a repercussão de suas
ideias na sociedade e a correlação das mesmas ideias com outros valores e ideologias à
época estudada.
Primeiramente, pensar os colaboradores das duas revistas sob a noção de
intelectual, que embora de contornos imprecisos, baseia-se fundamentalmente em duas
acepções: ―uma ampla e sociocultural, englobando os criadores e os ‗mediadores‘ culturais, a
outra mais estreita, baseada na noção de engajamento‖. (SIRINELLI, 2003, p.242). O
intelectual seria, portanto, especialista reconhecido pela sociedade na qual se insere, seria
produtor e transmissor de bens simbólicos e culturais e que se engaja de maneira direta ou
indiretamente nos debates do círculo do poder político e na interpretação da realidade social.
(GOMES, 1999; SIRINELLI, 2003). A segunda noção importante a ser destacada é a de
ilusão biográfica. O sociólogo Pierre Bourdieu a denominou como um relato de vida que
envolve seleção de eventos e memórias pessoais razoavelmente conscientes que procuram
transmitir uma unidade, coerência e sentido final e objetivo ao relato. Nas palavras do
sociólogo,
Essa vida organizada como uma história transcorre, segundo uma ordem
cronológica que também é uma ordem lógica, desde um começo, uma origem,
no duplo sentido de ponto de partida, de início, mas também de princípio, de
razão de ser, de causa primeira, até seu término, que também é um objetivo.
(BOURDIEU, 1996, p.184).
Pierre Bourdieu ressalta também a correlação das histórias de vida, do indivíduo
coerente com a unidade do todo social e da valorização dos indivíduos nas sociedades
ocidentais. Porém, o que norteará o presente estudo é a percepção de que os relatos
biográficos e autobiográficos são construções discursivas relacionadas ao contexto histórico
do indivíduo. Assim, o que será relevante para a pesquisa é buscar compreender essas
construções de maneira histórico-social e ausentes de perspectivas psicologizantes,
reducionistas e condizentes com uma coerência e sentidos pessoal e social. A última noção a
ser designada é a de cultura política, apresentando formas fluidas, mas conforme Serge
Berstein, contem duas características fundamentais:
(...) por um lado, a importância do papel das representações na definição de
uma cultura política, que faz dela outra coisa que não uma ideologia ou
conjunto de tradições; e, por outro lado, o caráter plural das culturas políticas
num dado momento da história e num dado país. (BERSTEIN, 1998, p.350).
Historicamente o conceito de cultura política sofreu diversas reinterpretações e
ressignificações15; sendo geralmente associado ao conjunto de valores, normas, crenças
referentes aos fenômenos políticos e razoavelmente partilhados pelos indivíduos, grupos
sociais e comunidades nacionais. (AGGIO, 2008; BERSTEIN, 1998; SANI, 1998). O
historiador Gabriel Almond, na década de 1990, a definiu da seguinte maneira:
(...) em primeiro lugar, consiste em um feixe de orientações políticas de uma
comunidade nacional ou subnacional; em segundo lugar, tem componentes
cognitivos, afetivos e valorativos que incluem tanto os conhecimentos e
crenças sobre a realidade política quanto aos sentimentos políticos e os
compromissos com valores políticos; em terceiro lugar, o conteúdo da cultura
15 Desde a primeira interpretação dos cientistas políticos Gabriel Almond e Sidney Verba na década de
1960(contida no livro The Civic Culture: political atitudes and democracy in five nations), o termo cultura
política teve várias reinterpretações que partiam desde uma matriz comportamental-funcionalista (associado ao
período da década de 1960), a um período de ostracismo e de severas críticas a um certo conservadorismo
liberal-democrático anglo saxão que o termo apresentava (décadas de 1970-1980) e a um ―renascimento‖ do
termo vinculado ao pensamento de ―culturas políticas‖ e de dimensões ampliadas do universo político, de novos
temas e questões apresentadas pelo conceito (a partir da década de 1980). (AGGIO, 2008).
política é o resultado da socialização primária, da educação, da exposição aos
media e das experiências adultas em relação às ações governamentais, sociais e
econômicas; e, em quarto lugar, a cultura política afeta a atuação
governamental e a estrutura política, condicionando-as, ainda que não as
determinando, porque sua relação causal flui em ambas direções. (Apud:
AGGIO, 2008, p. 50).
No decorrer da pesquisa, não se adotará a noção de cultura(s) política(s) como algo
homogêneo e difusor de um significado unívoco para todos os indivíduos sociais, buscar-se-
á a diversidade dos espaços político-sociais e de como o cronista Nelson Rodrigues e os
colaboradores das duas revistas elaboravam o universo político, qual era o lugar ocupado por
eles nesse universo e quais as ações e debates político-ideológicos que promoviam na
sociedade da época.
Cronograma16
02º
semestre
de 2012.
1°
semestre
de 2013.
02°
semestre
de 2013.
01°
semestre
de 2014.
02°
semestre
de 2014.
01°
semestre
de 2015.
Cursar
disciplinas
obrigatórias
X X
Elaboração
de leituras
para a
pesquisa
X X X X X X
Pesquisa
em
arquivos
X X
Elaboração
de relatório
X X X X
16 Um aspecto não poderá ser anunciado passo a passo, mês a mês: participação e apresentação do trabalho em
eventos, simpósios, congressos, colóquios, como por exemplo, as tradicionais Semanas de História que
costumam acontecer anualmente no Campus da UNESP-Assis/SP. Participar-se-á de quaisquer eventos relativos
ao tema da pesquisa, ou próximos a ele.
Colóquio
com o
orientador
X X X X X X
Elaboração
de texto
para exame
de
qualificação
e defesa
X X
Redação da
dissertação
e defesa
X X X
Fontes
Periódicos impressos
REALIDADE. São Paulo: Editora Abril, 1967-1968.
REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA. Rio de Janeiro/São Paulo: Civilização Brasileira,
1967-1968.
Todos os números e volumes da revista Realidade correspondentes aos anos de
1967-1968, encontram-se no acervo do CEDAP (Centro de Documentação e Apoio à
Pesquisa da UNESP-Assis/SP) e também no acervo do CEDEM (Centro de Documentação e
Memória da UNESP). Os periódicos são originais impressos, sem serem microfilmados e/ou
digitalizados. As bibliotecas da Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP –
Assis/SP e da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – UNESP – Franca/SP possuem
todos os volumes e números (incluindo o Caderno Especial sobre teatro, engajamento,
censura), entre os anos 1967-1968, da Revista Civilização Brasileira. Os volumes deste
periódico também são originais impressos e são encadernados.
Obras literárias17
17 Embora dois livros de Nelson Rodrigues, A menina sem estrelas (1993) e O remador de Bem-Hur (1996),
contenham crônicas e memórias do autor produzidas durante o recorte temporal escolhido pela pesquisa, eles não
serão tidos como fontes históricas para o estudo, já que por questões metodológicas e técnicas, os textos dessas
duas obras possibilitam menor amplitude para se pensar a noção de cultura(s) política(s). Porém, durante o
estudo, essas mesmas obras serão complementares e necessárias para a compreensão da subjetividade, dos
critérios e valores artísticos concebidos por Nelson Rodrigues.
RODRIGUES, Nelson. O óbvio ululante: primeiras confissões. São Paulo: Companhia das
Letras, 1993.
______. A cabra vadia: novas confissões. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
O livro O óbvio ululante contem 81 crônicas, produzidas por Nelson Rodrigues nas
colunas do jornal O Globo durante os meses de novembro de 1967 (das 81 crônicas, 18
foram escritas neste ano) a agosto de 1968 (62 crônicas escritas neste ano). A obra foi
organizada por Ruy Castro18 e contém apresentação de José Lino Grünewald. A obra A cabra
vadia contem 80 crônicas, produzidas por Nelson Rodrigues durante os meses de janeiro a
outubro de 1968 no Jornal da Tarde. Contem organização e seleção das crônicas por Ruy
Castro e apresentação de Roberto Campos.
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BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1994.
18 Opta-se pelas seleções e organizações de Ruy Castro, pois desde a década de 1990, o jornalista e escritor Ruy
Castro tem se dedicado à recuperação e compilação das crônicas e romances de Nelson Rodrigues, efetuando
seleções desses textos no sentido de estabelecer uma linearidade dos mesmos e eliminando as repetições e
redundâncias desses escritos presentes nas edições originais da década de 1960. (CASTRO, 1992;
RODRIGUES, 1993).
19 Enumeram-se as obras (livros, artigos) que de maneira direta e indiretamente foram fundamentais para a
redação do projeto de pesquisa.
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