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FAE – CENTRO UNIVERSITÁRIO
PROGRAMA DE MESTRADO INTERDISCIPLINAR EM
ORGANIZAÇÕES E DESENVOLVIMENTO
LINHA DE PESQUISA: POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO
LINDSAY PILATTI ARAÚJO
ONDE MORAM OS POBRES?
POLÍTICAS PÚBLICAS DE HABITAÇÃO EM CURITIBA, PR:
UM ESTUDO SOBRE A FORMAÇÃO DA VILA NOSSA SENHORA DA LUZ.
CURITIBA
2011
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LINDSAY PILATTI ARAÚJO
ONDE MORAM OS POBRES?
POLÍTICAS PÚBLICAS DE HABITAÇÃO EM CURITIBA, PR:
UM ESTUDO SOBRE A FORMAÇÃO DA VILA NOSSA SENHORA DA LUZ.
Qualificação da Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Organizações e Desenvolvimento. Programa de Mestrado Interdisciplinar em Organizações e Desenvolvimento da FAE – Centro Universitário. Orientador: Prof. Dr. Lafaiete Santos Neves. Co-orientador: Prof. Dr. Nilson Cesar Fraga.
CURITIBA
2011
3
4
Dedico este trabalho à memória de minha
mãe, Jeanine Pilatti Araújo, que me ensinou lutar por tudo que acredito e soube me incentivar para que eu nunca
desistisse.
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AGRADECIMENTOS
Aos dias de sol...
Ao meu pai Edwy e minha madrinha Betinha, pelo amor incondicional desde sempre.
Aos meus orientadores, Lafaiete e Nilson, essenciais neste processo, por
compartilharem não só seus conhecimentos científicos e acadêmicos (o que já não
seria pouco), mas também, e principalmente, histórias de vida e amizade.
Aos demais professores e equipe do Mestrado, em especial Mariana e Monica, pela
atenção e gentileza cotidianas.
À dupla Irina e Simas, por compartilharem dúvidas e descobertas nesta nossa
jornada tornando-a bem mais interessante.
Aos meus colegas de trabalho, em especial à Luciane, por agüentar meus surtos
praticamente rotineiros, por me mostrar o valor da família e espiritualidade.
Aos amigos da lista de e-mails, do facebook, ao porteiro do prédio, à diarista, à
minha manicure, a todos que ajudaram fazer meu dia-a-dia mais fácil e divertido,
combatendo meu stress e angústia.
À minha amiga Beatriz, por estar comigo para o que der e vier, incentivando a
construção deste trabalho desde o início.
À Ellen e seu lindo exemplo de determinação, pelas traduções à distância e amizade
sem fronteiras.
Ao Fábio Domingos, por me lembrar que estudar é ótimo.
Ao Fabionez, por nunca duvidar, por sempre estar.
A todos que contribuíram direta ou indiretamente para que este trabalho fosse
concretizado, muito obrigada!
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RESUMO ARAÚJO, Lindsay Pilatti. Onde moram os pobres? Políticas públicas de habitação em Curitiba, PR: um estudo sobre a formação da Vila Nossa Senhora da Luz. Dissertação (Mestrado em Organizações e Desenvolvimento) – FAE – Centro Universitário. Curitiba, 2010.
Alinhado ao tema Políticas Públicas, este estudo tem como objetivo principal analisar
a aplicação da legislação urbanística no processo de ocupação da Vila Nossa
Senhora da Luz, em Curitiba, Paraná, da sua gênese aos dias atuais. Trata-se de
um caso único, porém, representativo de uma tendência de planejamento já
amplamente multiplicada. Com isso, são descritos os supostos vínculos causais das
intervenções efetuadas na Vila e na vida de seus moradores, com a possibilidade de
chegar a generalizações baseadas em evidências deste estudo. Para tanto, inicia-se
fazendo a exposição das questões citadinas, enfatizando os problemas decorrentes
da rápida urbanização a partir da Revolução Industrial. Em seguida, mostra-se a
dinâmica da estrutura intra-urbana das metrópoles, o déficit habitacional resultante e
os parâmetros ditados pela legislação urbanística. Ainda, um breve histórico do
crescimento de Curitiba, seus planos diretores e suas implicações em relação aos
assentamentos na metrópole.
Palavras-chave: Políticas Públicas, Urbanização, Habitação, Curitiba.
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ABSTRACT ARAÚJO, Lindsay Pilatti. Onde moram os pobres? Políticas públicas de habitação em Curitiba, PR: um estudo sobre a formação da Vila Nossa Senhora da Luz. Dissertação (Mestrado em Organizações e Desenvolvimento) – FAE – Centro Universitário. Curitiba, 2010. In accordance with the Public Policies theme, this study analyses the application of
city planning legislation in the irregular occupation process of Vila Nossa Senhora da
Luz, in Curitiba, Parana, from its genesis to the present day. This is a unique case,
however, and represents a planning trend, nowadays largely multiplied. Thus, it is
describes the supposed causes and links of interventions made in the township, and
the lives of its residents, aiming at making generalizations based on evidence from
this study. To do so, it's necessary to expose the statements and issues of the
population, emphasizing the problems arising from the rapid urbanization
commencing with Industrial Revolution. Then the dynamics of intra-urban structure of
cities, the housing shortage and resulting parameters dictated by urban legislation is
highlighted. And a brief history of the growth of Curitiba, its master plans and their
implications on the settlements in the metropolis.
Key words: Public Policies, Urbanization, Curitiba.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 01 Gráfico sobre o trâmite de regularização de imóveis.................... 45
Figura 02 Posição geográfica de Curitiba...................................................... 54
Figura 03 Livro Tombo da Câmara da Vila de Curitiba................................. 55
Figura 04 Provimento do Ouvidor Pardinho, 1721........................................ 56
Figura 05 Planta de Curitiba em 1830........................................................... 58
Figura 06 Planta de Curitiba em 1857........................................................... 60
Figura 07 Mapa de Curitiba em 1915............................................................ 62
Figura 08 Rua XV de Novembro final da década de 1920............................ 63
Figura 09 Capa da Revista Ilustração Paranaense, de João Turim (1928)... 64
Figura 10 Ordem Paranaense, de João Turim (1929)................................... 64
Figura 11 Manoel Ribas analisando o Plano Agache.................................... 65
Figura 12 Plano de Urbanização de Curitiba de 1943................................... 66
Figura 13 Plano de avenidas. Plano Agache................................................. 67
Figura 14 Plano Agache................................................................................ 68
Figura 15 Plano Preliminar de Urbanismo, 1965........................................... 69
Figura 16 Zoneamento de Curitiba – Lei nº 4199 e 4773/ 1974.................... 74
Figura 17 Esquema de zoneamento de uso do solo em Curitiba, 1974........ 78
Figura 18 Plano Habitacional da CIC.......................................................... 80
Figura 19 Mapa com o crescimento populacional por bairro......................... 81
Figura 20 Foto da ocupação Alto Barigui/ Bolsão Rose - CIC....................... 81
Figura 21 Fotos de residências em áreas de risco, CIC............................... 82
Figura 22 Moradias à beira do rio Barigui já interditadas pela Defesa Civil.. 82
Figura 23 Moradores recusam-se a deixar suas casas interditadas............. 83
Figura 24 Vazios Urbanos em Curitiba, 1983................................................ 84
Figura 25 Conectora 5 no início da década de 1980..................................... 85
Figura 26 Área do atual Loteamento Horizonte (nome comercial Neoville).. 86
Figura 27 Foto aérea da ocupação da calçada na Rua Theodoro Locker.... 86
Figura 28 Trecho da Rodovia Juscelino Kubitschek. Ao fundo, Vila Sabará. 87
Figura 29 Mapas mostrando a formação da RMC......................................... 89
Figura 30 Vista aérea da Vila Nossa Senhora da Luz dos Pinhais................ 102
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Figura 31 Foto da inauguração do loteamento em 1966................................. 103
Figura 32 Foto aérea da Vila Nossa Senhora da Luz..................................... 104
Figura 33 Entrevistado Israel Muniz................................................................ 105
Figura 34 Caixa d‟água que abastecia a Vila............................................................. 110
Figura 35 Planta e corte do modelo de casa CT-1-21..................................... 113
Figura 36 Foto das unidades - modelo CT-1-21................................................ 114
Figura 37 Foto interna do sótão....................................................................... 114
Figura 38 Planta e corte do modelo de casa CT-5-25..................................... 115
Figura 39 Foto das unidades - modelo CT-5-25.............................................. 115
Figura 40 Fotos da residência de Israel Muniz e família........................................ 116
Figura 41 Israel Muniz em frente da escada de acesso ao sótão................... 117
Figura 42 O sótão mobiliado utilizado como quarto ........................................ 117
Figura 43 Foto do Pres. Mal. Castello Branco visitando um sótão.................. 118
Figura 44 Algumas casas as quais se pode identificar o projeto-origem......... 121
Figura 45 Algumas casas que ampliaram no recuo ........................................ 121
Figura 46 Foto de uma das ruas da Vila – estreita e emparedada.................. 122
Figura 47 Residências antigas ao lado de grandes ampliações...................... 122
Figura 48 Residências e comércios ampliados............................................... 122
Figura 49 Edificações completamente descaracterizadas.............................. 123
Figura 50 Edificação com três pavimentos no recuo frontal............................ 123
Figura 51 Obras em andamento...................................................................... 123
Figura 52 Quadro extraído da Lei 9.800/2000 com parâmetros de SEHIS..... 124
Figura 53 Mapa mostrando levantamento realizado em 2000......................... 126
Figura 54 Mapa indicando levantamento atual de lotes regularizados............ 127
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BADEP Banco de Desenvolvimento do Paraná S/A.
BNH Banco Nacional de Habitação
CAP Caixa de Aposentadoria e Pensões
CEF Caixa Econômica Federal
CIC Cidade Industrial de Curitiba
CODEPAR Companhia de Desenvolvimento Econômico do Paraná
COHAB/CT Companhia de Habitação Popular de Curitiba
COMEC Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba
CVCO Certificado de Vistoria de Conclusão de Obras
FCP Fundação da Casa Popular
IAP Instituto de Aposentadoria e Pensões
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPARDES Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social
IPPUC Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba
IPTU Imposto Predial Territorial Urbano
ISS Imposto sobre Serviços
LAURB Laboratório de Arquitetura e Urbanismo
LDO Lei de Diretrizes Orçamentárias
LOA Lei do Orçamento Anual
OGU Orçamento Geral da União
PDI Plano de Desenvolvimento Integrado
PNH Política Nacional de Habitação
RIT Rede Integrada de Transportes
RMC Região Metropolitana de Curitiba
SERFHAU Serviço Federal de Habitação e Urbanismo
SFH Sistema Financeiro de Habitação
SMU Secretaria Municipal de Urbanismo
UFPR Universidade Federal do Paraná
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
URBS Companhia de Urbanização e Saneamento
USP Universidade de São Paulo
VNSL Vila Nossa Senhora da Luz
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO......................................................................................... 12
2 A CIDADE NÃO PÁRA........................................................................... 17
2.1 INDUSTRIALIZAÇÃO E URBANIZAÇÃO................................................ 18
2.2 ONDE MORAM OS POBRES.................................................................. 22
2.2.1 As partes de um todo: estrutura intra-urbana.......................................... 23
2.3 A QUESTÃO DA HABITAÇÃO................................................................ 26
2.3.1 Políticas Públicas..................................................................................... 31
2.3.2 Destaques das Políticas Públicas habitacionais no séc. XX.................... 32
2.3.3 Atual Política Nacional de Habitação e demais programas vigentes....... 38
2.4 A LEI E A ORDEM................................................................................... 44
3 QUANTAS CURITIBAS........................................................................... 51
3.1 DAS “AGRESTES CABANAS CURITIBANAS”....................................... 52
3.2 PLANO: PRA QUÊ TE QUERO?............................................................. 65
3.3 UMA CIDADE DENTRO DE OUTRA CIDADE........................................ 71
3.4 METRÓPOLE POPSTAR........................................................................ 88
4 A LUZ SEM LUZ...................................................................................... 101
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................... 134
REFERÊNCIAS....................................................................................... 138
ANEXOS.................................................................................................. 145
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1 INTRODUÇÃO
Isso é pra você que é um desses caras
fumando o último cigarro do maço
antes de atravessar a
Rua dos Pinguins Tristonhos.
é pra você que insiste esquecer o guarda-chuva
só pra ter a esperança de um dia voltar atrás.
é pra você que come cheeseburguers com
recheio de neve e catchup
esperando a noite chegar
num banco qualquer de
uma praça chamada No Meio do Nada.
é pra você que cruza a Rodovia do Café
dentro de um ônibus
voltando da Cidade Industrial por
volta das 23:45, carregando uma
sacolinha cheia de desilusão.
é pra você que é aí das quebradas e
tem o tórax inchado e
os olhos melados ganindo pra lua com
intervalos peripatéticos de tosse.
é pra você que espera os créditos acabarem
antes de sair do filme.
isso é pra você em quem os
analgésicos não fazem mais efeito.
(“Balbucios de blues”, Luiz Felipe Leprevost, 2009)
13
A Revolução Industrial transformou para sempre a relação entre o homem e
a natureza. Seja do ponto de vista humano, econômico ou ecológico, não é
necessário conhecimento acadêmico para perceber os problemas deste modelo de
desenvolvimento urbano: distribuição perdulária e arbitrária, impermeabilização do
solo, erosão, congestionamentos, ruídos, especulação imobiliária, desaparecimento
de grandes áreas da paisagem aberta, alteração do micro-clima etc. O paradigma
civilizatório resultante traçou o caminho da humanidade em direção à crise
ambiental. Entre tentativas e erros, a busca de um desenvolvimento inclusivo e
harmônico – dos homens entre si e com a natureza – aparece como meta do mundo
contemporâneo.
A construção civil é responsável por um grande consumo energético e
poluição em seus diversos tipos. O simples ato de morar deixou de ser simples. À
função básica da casa – abrigar-se – agregaram-se novas incumbências como, por
exemplo, a determinação do status de seu proprietário. Pode-se definir casa como
“um invólucro seletivo e corretivo das manifestações climáticas, enquanto oferece as
mais variadas possibilidades de proteção. [...] Palco permanente das atividades
condicionadas à cultura de seus usuários” (LEMOS, 1996, p.9)
Destacando-se a questão mais pura da habitação imbricada em um forte
contexto de industrialização, tem-se em Curitiba um marco urbano com a
inauguração em 1966 do primeiro conjunto habitacional do estado do Paraná – a
Vila Nossa Senhora da Luz (VNSL). A Vila está localizada na Cidade Industrial de
Curitiba – CIC: bairro concebido para abrigar o distrito industrial de Curitiba, criado
posteriormente à VNSL, em 1973, como resultado de um convênio entre a
Companhia de Urbanização e Saneamento (URBS) e o governo do Estado do
Paraná. Condizendo com o “milagre econômico” brasileiro, a política adotada era
para atrair mais e mais indústrias já que o antigo bairro industrial – o Rebouças – já
estava saturado e somava problemas devido à sua proximidade ao centro urbano.
Trata-se do maior bairro em extensão de Curitiba e sua ocupação tem crescido
muito nessas quase quatro décadas de existência, não só na parte industrial como
também nas zonas habitacionais.
Atualmente, considerando a totalidade dos lotes da Vila, a VNSL possui uma
quantidade significativa de edificações irregulares (sem alvará de construção). Em
sua grande maioria, tais construções são irregularizáveis, pois fogem muito da
legislação atual, somando infrações. A lei de uso e ocupação do solo existente em
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termos pragmáticos tornou-se impraticável em algumas regiões da cidade devido ao
monitoramento insuficiente do crescimento dessas áreas.
A literatura específica sobre urbanização no Brasil retrata um processo de
crescimento desigual e que permanece construindo áreas segregadas. Isso se
reflete na ação do Estado, tanto na execução de infra-estrutura quanto na
elaboração de leis urbanísticas. Curitiba é tida como uma cidade de planejamento
urbano exemplar. Questiona-se, então: são pertinentes os parâmetros da legislação
urbana vigente, especificamente em Setores de Habitação de Interesse Social tais
como a VNSL?
Sendo assim, este estudo tem como objetivo principal analisar a aplicação
da legislação urbanística enquanto Políticas Públicas no processo de ocupação dos
setores de habitação de interesse social, em Curitiba, Paraná, utilizando como
exemplo a Vila Nossa Senhora da Luz. Para tanto, alguns objetivos específicos
deverão ser preenchidos tais como: averiguar o processo de formação socioespacial
e ambiental de Curitiba; caracterizar impactos ambientais do meio construído e
relações sociais; verificar o processo do planejamento urbano de Curitiba em relação
às Políticas Públicas Habitacionais; levantar dados atuais sobre as edificações
existentes na VNSL; e, por fim, identificar adaptações na legislação atual visando à
regularização das edificações.
Faz-se importante mencionar que o presente trabalho encontra-se vinculado
ao tema das Políticas Públicas, mais precisamente ao Plano Diretor da cidade e às
Políticas de Habitação de Interesse Social, buscando investigar as Políticas Públicas
para loteamentos populares, a adaptação dos moradores ao empreendimento e a
apropriação do espaço.
A pesquisa caracterizada como um estudo de caso, que para alguns se
caracteriza em princípio como estudo exploratório, permite uma investigação
empírica das mudanças ocorridas em certas regiões urbanas, ao passo que
preserva as características holísticas e significativas dos acontecimentos da vida
real, “especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão
claramente definidos” (YIN, 2005, p. 20). Ainda sob tal perspectiva, baseado em
Godoi (2007), que aponta em Stake (1994), quando falamos em estudo de caso, não
se está referindo a uma escolha metodológica mas, fundamentalmente, à escolha de
um determinado objeto a ser estudado, que pode ser uma pessoa, um programa,
uma instituição, uma empresa ou um determinado grupo de pessoas que
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compartilham o mesmo ambiente e a mesma experiência. Da mesma forma aponta
que estudo de caso é “‟um método de olhar a realidade social‟ que utiliza um
conjunto de técnicas de pesquisa usuais nas investigações sociais como a
realização de entrevistas, a observação participante, o uso de documentos pessoais,
a coleta de histórias de vida. (GOODE, HATT, 1968, apud GODOI, 2006, p. 154)”.
Trata-se de um caso único, porém, representativo de uma tendência de
planejamento já amplamente multiplicada. Com isso, pretende-se descrever e
explicar os supostos vínculos causais das intervenções efetuadas na Vila e na vida
de seus moradores, com a possibilidade de chegar a generalizações baseadas em
evidências deste estudo.
Por se tratar de uma pesquisa qualitativa são utilizadas várias fontes de
evidências tais como: documentação (livros, revistas, jornais), registros em arquivos
(registros organizacionais, mapas e gráficos resultantes de levantamento in loco já
realizado), observação direta (não-participante/ como funcionária da Secretaria de
Urbanismo do núcleo regional o qual atende à Vila Nossa Senhora da Luz) e
entrevista individual em profundidade.
Procurando intensidade nas respostas, e não quantificação ou
representação estatística, o uso das entrevistas qualitativas em profundidade como
recurso metodológico conjuga dinamicidade e flexibilidade. No caso, utilizou-se o
modelo de entrevista semi-aberta, realizadas a partir de um roteiro-base (uma lista
de questões-guia relativas ao problema de pesquisa), mas visando alcançar a
amplitude do tema (GODOI, MATTOS, 2006, p. 303).
A seleção dos entrevistados em estudos qualitativos é um processo não
probabilístico, pois é importante que estes tenham envolvimento com o assunto, dis-
ponibilidade e disposição em falar. São preferíveis poucas fontes, mas de qualidade,
a muitas, que não acrescentem relevância ao estudo. Trabalha-se, então, com dois
tipos de amostras: por conveniência ou intencional. A seleção dos entrevistados
nesta pesquisa uniu conveniência e intencionalidade, recolhendo a contribuição de
um informante-chave (fonte de informação fundamental por estar profunda e
diretamente envolvida com os aspectos centrais do problema de pesquisa) e outros
informantes-padrões (entrevistados envolvidos com o tema de pesquisa, mas que
poderiam ser substituídos por outros sem que se tivesse prejuízo na qualidade das
informações obtidas).
A presente dissertação está estruturada em 05 (cinco) capítulos, sendo que
16
esta Introdução corresponde ao capítulo 1. O próximo capítulo (2) é intitulado “A
cidade não pára” e fará a exposição das questões citadinas, enfatizando os
problemas decorrentes do “progresso” avassalador. Dentro deste, a primeira
subseção trará uma síntese da urbanização a partir da Revolução Industrial.
Posteriormente, a subseção “Onde moram os pobres” colocará as questões
sobre a estrutura intra-urbana das metrópoles: como o centro funcional de cada
cidade se desloca em relação às forças imobiliárias, como as elites determinam o
posicionamento dos assentamentos populares e o sentido do crescimento urbano.
Em seguida, “A questão da habitação” propriamente dita entra em pauta:
expõe-se o déficit habitacional e variações sobre o tema das ocupações irregulares;
mostra-se um histórico das Políticas Públicas habitacionais desde a era Vargas até a
extinção do Banco Nacional de Habitação (BNH); e finalizando esta subseção, são
citados os programas vigentes do Ministério das Cidades em parceria com a Caixa
Econômica Federal.
A subseção “A lei e a ordem” discutirá a relação entre legislação urbanística,
os parâmetros de uso e ocupação do solo e a grande porcentagem de edificações
ilegais. Faz a exposição ampla do problema de pesquisa.
O capítulo 3 “Quantas Curitibas” inicia com um histórico da ocupação do
primeiro planalto paranaense, “das agrestes cabanas curitibanas” até o movimento
Paranista de Romário Martins. É fundamental entender toda a evolução da cidade
em foco para que transpareçam as similaridades entre as Políticas Públicas
praticadas no decorrer do tempo.
A próxima subseção, “Plano: pra quê te quero?”, trará os Planos Diretores
que se sucederam, do francês Agache ao Plano Serete.
A subseção seguinte – “Uma cidade dentro de outra cidade” – é específica
para apresentar a Cidade Industrial de Curitiba – com forte influência no
planejamento urbano geral da metrópole, é o bairro onde se situa o objeto de
estudo.
Posteriormente, a subseção “Metrópole Popstar” discute a importância em
se trabalhar com a Região Metropolitana integrada e como a publicidade sobre a
capital acarretou problemas na área de abrangência dos municípios do entorno.
O capítulo 4, “A luz sem luz”, pretende apresentar a Vila Nossa Senhora da
Luz – o objeto de estudo em análise. Mostrará sua formação e posterior ocupação
através de depoimentos do próprio arquiteto e engenheiro do empreendimento
17
(Alfred Willer) e do Frei Miguel Botacin – religioso que acompanhou todo o processo.
Conclui-se com uma visão sobre a situação atual através de mapas, fotos e tabelas,
assim como algumas entrevistas com pessoas da região ou com influência sobre a
mesma.
18
2 A CIDADE NÃO PÁRA
O sol nasce e ilumina as pedras evoluídas
Que cresceram com a força de pedreiros suicidas
Cavaleiros circulam vigiando as pessoas
Não importa se são ruins, nem importa se são boas
E a cidade se apresenta centro das ambições
Para mendigos ou ricos e outras armações
Coletivos, automóveis, motos e metrôs
Trabalhadores, patrões, policiais, camelôs
A cidade não pára, a cidade só cresce
O de cima sobe e o de baixo desce
A cidade não pára, a cidade só cresce
O de cima sobe e o de baixo desce
(“A cidade”, Chico Science, 1994)
19
2.1 INDUSTRIALIZAÇÃO E URBANIZAÇÃO
O pensamento humano busca classificar, diferenciar e ordenar não só o
espaço, mas também o tempo, as atividades, o status, os papéis e o
comportamento. A edificação nem sempre corresponde ao ideal almejado pelo
construtor ou usuário, mas com certeza é representativa de sua época e realidade
sócio-econômica.
(...) os homens ao longo da história criam normas, regras e instituições não
para evitar cair no estado de natureza. Ao contrário, eles o fazem
desenvolvendo a sua própria natureza não somente em função dos
estímulos advindos do meio ambiente, mas também das relações que os
homens estabelecem entre si. (GONÇALVES, 1989, p.95)
Embora seja representada por uma base material, a cidade carrega um
conceito abstrato, pois diariamente, é retro-alimentada pelas relações socioculturais
que sustenta. Funciona como um espetáculo, onde o cenário interage com os atores
– patrões e empregados, punks e yuppies, artistas e cientistas, analfabetos e
intelectuais são a representação da sua diversidade e complexidade. Sem tais
elementos múltiplos, a cidade não seria cidade na época em que se vive, seria um
não-lugar.
Segundo Ana Fani Carlos, a cidade revela as possibilidades do processo
civilizatório, pois nada mais é do que um produto social, trabalho humano
materializado enquanto formas de ocupação. “O modo de ocupação de determinado
lugar da cidade se dá a partir da necessidade de realização de determinada ação,
seja de produzir, consumir, habitar ou viver” (CARLOS, 2008, p.45).
Nos últimos 160 anos, a população urbana aumentou numa porcentagem
muito superior ao crescimento populacional mundial, transformando a cidade no
habitat humano predominante. Segundo dados do CENSO (IBGE, 2000), 82% dos
brasileiros (e 65% dos habitantes do planeta) vivem em centros urbanos. Contudo, a
cidade de hoje, herança de arranjos humanos sobrepostos com a história, está longe
de oferecer a oportunidade almejada pela massa migratória. Principalmente as
cidades dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento (como o Brasil), que
sofreram um processo de industrialização recente, oferecem uma baixa qualidade de
vida apoiada na falta de sustentabilidade da gestão pública. A ineficiência dos
serviços prestados, o abandono e ignorância da população, a destruição do
20
patrimônio edificado e a crescente agressão ambiental formam um quadro
preocupante da situação atual.
Embora algumas cidades da Antigüidade Clássica1 já apresentassem
problemas similares decorrentes da urbanização – no século I a.C., Roma já possuía
um milhão de habitantes – essas apareciam como casos isolados. Foi a
industrialização, entendida aqui como traço da sociedade contemporânea, que
empregou um novo ritmo à vida urbana.
A cidade finita, tal como chegou a existir na Europa ao longo dos quinhentos
anos precedentes, foi totalmente transformada, no lapso de um século, pela
interação de uma quantidade de forças técnicas e socioeconômicas antes
desconhecidas, muitas das quais emergiam pela primeira vez na segunda
metade do século XVII (FRAMPTON, 1997, p.13).
Durante a Idade Moderna2, as cidades mantiveram-se quase como
organismos autônomos, com forte base no mercado local e regional, ainda que
houvesse um destacado comércio ultramarino. O mercantilismo, como primeira fase
do capitalismo, foi o responsável pelo grande acúmulo de riqueza nas cidades
comerciais européias que, por conseguinte, veio a patrocinar o desenvolvimento
técnico-científico denominado Revolução Industrial. Nos anos seguintes, a
industrialização traria o crescimento numa proporção e numa velocidade implacáveis
(BENEVOLO, 2007, p.552)
A cidade recebeu diretamente as conseqüências dessa expansão
populacional e sofreu muitas transformações na estruturação de seu espaço interno.
A crescente especialização funcional, e a ampliação dos mercados que o modelo de
produção em série exigiu, reforçou a divisão social do trabalho, que, por sua vez,
definiu a nova divisão territorial. O espaço foi sendo produzido para atender esta
nova realidade, fortalecendo a articulação entre os lugares.
O crescimento dos aglomerados tornou centro a área antes compreendida
por todo o núcleo urbano, formando-se ao seu redor uma faixa nova. A periferia era
entendida como uma espécie de território livre da iniciativa privada, onde, de forma
independente, surgiram bairros de luxo (para abrigar os ricos emigrados do centro),
bairros pobres (onde moravam mais assalariados e recém-emigrados do campo),
unidades industriais maiores e depósitos (BENEVOLO, 2007, p.565)
1 Do século VIII a.C ao século V d.C.
2 Do século XV ao século XVIII.
21
A acomodação de tão volátil crescimento levou à transformação dos velhos
bairros em áreas miseráveis e, também, à construção de moradias baratas
e de cortiços, cuja finalidade principal, dada a carência geral de transporte
municipal, era proporcionar, da forma menos onerosa possível, a máxima
quantidade de alojamento rudimentar dentro da distância a pé dos centros
de produção (FRAMPTON, 1997, p.14).
As pequenas casas, muitas vezes, continham as mesmas acomodações das
moradias do campo, mas a falta de espaço ao redor se constituía em séria
dificuldade para a eliminação de resíduos, para a ventilação e a insolação. Os
pátios, quando havia, eram reduzidos e estavam cercados por construções de todos
os lados. Com condições sanitárias tão precárias, doenças se alastraram
rapidamente (BENEVOLO, 2007, p.566).
Contribuiu para esta desordem na paisagem e na malha urbana o fato de
que houve um abandono das formas de controle público sobre o espaço construído.
Só na segunda metade do século XIX, com o fim dos regimes liberais e com a
ascensão de Napoleão III na França, Bismark na Alemanha e os conservadores na
Inglaterra, a política de não-intervenção do Estado acabou (BENEVOLO, 2007,
p.573).
O poder público estabeleceu regulamentos e executou obras: a
administração passou a gerir/planejar os espaços urbanos. Houve a aprovação de
leis sanitárias, implantação de redes de água e esgoto e melhorias nos percursos
(ruas, praças, estradas de ferro). Paralelamente, desenvolveu-se o transporte
coletivo, possibilitando percorrer distâncias intra-urbanas um pouco maiores.
O maior exemplo das reformas urbanas dessa época aconteceu em Paris,
com o governo ambicioso e autoritário do imperador francês Napoleão III e o prefeito
do Sena, o Barão Haussmann. Em 1870 eles já haviam praticamente recriado a
capital francesa, substituindo boa parte de seu antigo e congestionado centro por
avenidas largas e retilíneas, ladeadas por lojas – cujos lucros, segundo a correta
previsão dos planejadores, tornavam o imenso projeto totalmente autofinanciado.
Também foram implantados novos cemitérios e parques, um novo sistema padrão
de mobiliário urbano, plantas residenciais e fachadas regularizadas (BENEVOLO,
2007, p.589)
Durante o século XX, houve o fortalecimento do modelo capitalista,
incrementando a dinâmica natural dos aglomerados urbanos. A Segunda Grande
22
Guerra havia mudado a sociedade e se iniciavam os novos tempos – de produção e
consumo, de moda e gosto, de TV e brilho (STROETER, 1987, p.50). Há, então, a
inversão da predominância entre o modo de vida rural e o urbano. Na década de
1960, a qualidade do meio ambiente urbano produzido, tanto pela iniciativa privada
quanto pelo poder público, sofre críticas e protestos dos mais diversos segmentos.
“Criticava-se tanto o impacto dos empreendimentos sobre o meio ambiente e a vida
das comunidades quanto à própria qualidade dos espaços urbanos e da arquitetura”
(DEL RIO, 1990, p. 19). O Brasil passa pelo mesmo processo de industrialização e
urbanização ocorrido no século anterior nos países do Primeiro Mundo – e sofre as
conseqüências.
O processo de industrialização/urbanização, sob o lema positivista da ordem
e progresso, parecia representar um caminho para a independência de
séculos de dominação da produção agrária. A evolução dos acontecimentos
mostrou que, ao lado de intenso crescimento econômico, o processo de
urbanização com crescimento da desigualdade resultou numa inédita e
gigantesca concentração espacial da pobreza (MARICATO, 1996, p. 55).
O século XXI iniciou com problemas socioambientais graves a serem
enfrentados, oriundos do processo histórico de urbanização. É o século das
megalópoles (concentrações urbanas com mais de dez milhões de habitantes) com
desafios à sua gestão de mesma proporção: miséria, violência, falta de
equipamentos e serviços públicos, contaminação das águas, extinção de espécies
nativas, produção excessiva de calor e mais:
(...) megalomania das construções, espaços com micro-climas específicos
(sem condições de ventos, sol ou chuvas), contaminação e enfermidades,
sombreamento de áreas de encontro e convívio, revestimentos e
impermeabilização do solo, comprometendo a qualidade de vida urbana;
este modus vivendi, legou às cidades, ou a trechos do tecido urbano, uma
dimensão desumana, retirou a presença do verde, do sol e por fim, do
próprio homem dos espaços urbanos. (ADAM, 2001, p. 18)
Há numerosas formas de conexão dentro da urbe – um centro aglutinador e
difusor onde os fluxos se cruzam – mas cada vez mais as pessoas estão solitárias.
Esvazia-se o sentido de vizinhança, de pertencimento, de cuidado. O cidadão torna-
se apenas um voto. A cidade oferece uma dinâmica à vida de seus habitantes
deveras intensa.
23
A sucessão de acontecimentos desconexos parece envolver a vida
cotidiana num turbilhão de sensações desconexas. A velocidade impõe uma
revolução à continuidade, a queda de referenciais urbanos impõe a
estranheza das relações entre habitante e a cidade – como se a vida
estivesse sendo determinada ou manipulada por um elemento mágico que
seguimos, cegamente, sem nos dar conta do feitiço. O efêmero e o
amnésico se impõem redefinindo e requalificando a relação espaço-tempo
no mundo moderno, reorientando a prática sócio-espacial na metrópole
(CARLOS, 1999, p.14).
“Violenta em seu gigantismo” (CARLOS, 1999, p.13), a fúria metropolitana
às vezes indecifrável, outras vezes tão simples: quanto maior a cidade, mais
complexa a problemática da urbanização.
2.2 ONDE MORAM OS POBRES
O processo de urbanização brasileiro teve como um traço marcante o rápido
crescimento das camadas populares urbanas. Com a abolição da escravatura e o
declínio das lavouras no último quarto do século XIX, ocorreu um grande
deslocamento campo-cidade, intensificado com o passar dos anos. A criadagem da
elite rural que também migrara não teve espaço no cotidiano citadino de seus
patrões, sendo então dispensada. A esta criadagem excedente juntaram-se os
operários imigrantes estrangeiros recém-chegados, principalmente portugueses e
espanhóis, participando da produção dos bairros residenciais populares nas grandes
cidades (VILLAÇA, 1998, p. 226).
A princípio permaneceram nas áreas centrais criando suas aglomerações
nos interstícios das áreas nobres, vivendo de suas migalhas. Ao mesmo tempo, os
centros, que até então eram predominantemente cívicos e religiosos, começaram a
serem gradualmente constituídos por lojas, confeitarias, restaurantes, hotéis,
escritórios de profissionais liberais, órgãos públicos, etc. E o aparecimento ou
crescimento de determinadas atividades que só as camadas de mais alta renda
podiam desfrutar - tanto para compras e serviços quanto como seus locais de
emprego - valorizou o preço da terra na zona central, levando à expulsão das
camadas de baixa renda que ali moravam para os subúrbios ou periferias.
(VILLAÇA, 1998, p. 227)
Pobre e subequipada, a periferia prevalece como forma de inserção no
24
espaço urbano típica das camadas de mais baixa renda até a década de 1980. No
entanto, nas últimas duas décadas, uma combinação de fatores vem transformando
o padrão de distribuição de grupos sociais e atividades econômicas no espaço da
cidade. O centro tradicional e a estrutura monocêntrica hierárquica começam a
perder sua importância devido à criação de novas centralidades, evoluindo para uma
estrutura policêntrica de territórios ligados em rede (SALGUEIRO, 1999, p. 247). Ao
mesmo tempo em que aumentaram as ocupações irregulares pelas camadas de
baixa renda em áreas não tão distantes dos antigos centros, a periferia é permeada
por “ilhas” de conforto das elites, “um mundo exclusivo de prazer entre pares”
(CALDEIRA, 1997, p.160). Trata-se de um processo de auto-segregação das elites:
um afastamento em busca de áreas verdes mais espaçosas, configurando
condomínios fechados, murados, gradeados, monitorados 24 horas e, em alguns
casos, incluindo dentro de sua fortificação equipamentos como escolas, shoppings,
clínicas, etc. Assim, “as distâncias físicas entre ricos e pobres diminuíram, ao
mesmo tempo em que os vários mecanismos para separá-los tornaram-se mais
óbvios e complexos” (CALDEIRA, 1997, p.156).
2.2.1 As partes de um todo: estrutura intra-urbana.
Flávio Villaça define o funcionamento da estrutura urbana como “um todo
articulado de partes que se relacionam, no qual alterações em uma parte, ou em
uma relação, acarretam alterações nas demais partes e relações” (VILLAÇA, 1998,
p. 327). Consideram-se como elementos dentro deste todo (a metrópole): o centro
principal (a maior aglomeração de comércio e serviços), os subcentros (réplicas em
menor escala do centro principal), as áreas industriais e os bairros residenciais
(geralmente agrupados em conjuntos segundo as classes sociais) (VILLAÇA, 1998,
p. 12). E para entender a morfologia resultante – novos bairros, novos usos,
adensamentos, sentido do crescimento, etc. – é imprescindível considerar as
relações de determinado ponto com todos os demais pontos da urbe.
O espaço urbano é produto do trabalho social despendido na construção de
algo socialmente útil. Esse trabalho produz dois valores a considerar: o primeiro diz
respeito aos edifícios em si, as ruas, as praças, as infra-estruturas, etc.; o outro é o
valor dado pela localização desses edifícios, ruas e praças (VILLAÇA, 1998, p. 72).
25
Quando uma indústria é construída, há ao mesmo tempo consumo (não só
de terreno, mas de todo o espaço urbano) e produção do espaço (idem). O
mesmo ocorre quando se reforma uma antiga mansão e nela se instala, por
exemplo, uma clínica; quando se constrói um shopping center, se arboriza
uma praça, se implanta uma rede de esgotos, ou quando se loteia uma
gleba... E não se confunda espaço com terreno. O espaço que se produz e
consome é muito mais que o terreno. É o de toda a metrópole, mesmo que
apenas um milionésimo dela seja alterado, pois ela é um todo (uma
estrutura é, antes de tudo, um todo) constituído de milhões de milionésimos.
Quando se constrói um edifício de apartamentos ou uma casinha operária
na periferia, o espaço que está sendo produzido e consumido é o da
totalidade da cidade. (VILLAÇA, 1998, p. 332)
A estrutura intra-urbana exerce influência direta sobre o preço dos imóveis,
pois estes são calculados tomando como base sua localização na cidade: a
legislação urbanística de uso do solo, as características da vizinhança e aspectos
simbólicos. Ao adquirir um imóvel, o valor pago é resultante da soma do volume
habitável com uma determinada forma de uso e uma distância do seu ponto a outros
pontos de interesse (VILLAÇA, 1998, p. 73). Para as metrópoles latino-americanas,
uma das forças mais poderosas agindo sobre a estruturação do espaço origina-se
na “luta de classes pela apropriação diferenciada das vantagens e desvantagens do
espaço construído e na segregação espacial dela resultante. [...] Trata-se de uma
disputa em torno de condições de consumo” (VILLAÇA, 1998, p. 45).
E importante para se fechar a conta do que está sendo consumido é calcular
o tempo perdido ao se alcançar determinado local. O tempo, como o bem mais
precioso não renovável que a humanidade possui, é determinante da estruturação
do espaço urbano. A acessibilidade ao centro – seja ele o centro geográfico ou de
serviços – é ponto comum para o pertencimento à urbanidade. E não se trata de
procurar proximidade (melhoria de acessibilidade) à cidade: procura-se a cidade
(VILLAÇA, 1998, p. 80). Afinal, “esse interesse na centralidade é a própria razão de
ser das cidades como organismo espacial” (VILLAÇA, 1998, p. 329).
Assim, mais do que a disponibilidade de equipamentos e infra-estrutura ou a
própria qualidade das edificações, as condições de deslocamento do ser humano
determinam a articulação do espaço urbano, enfatizando a polarização centro x
periferia. O resultado é a reprodução da desigualdade.
Cada homem vale pelo lugar onde está; o seu valor como produtor,
consumidor, cidadão depende de sua localização no território. Seu valor vai
26
mudando incessantemente, para melhor ou para pior, em função das
diferenças de acessibilidade (tempo, freqüência, preço) independentes de
sua própria condição. Pessoas com as mesmas virtualidades, a mesma
formação, até mesmo o mesmo salário, têm valor diferente segundo o lugar
em que vivem: as oportunidades não são as mesmas. Por isso, a
possibilidade de ser mais ou menos cidadão depende, em larga proporção,
do ponto do território onde se está (SANTOS, 1987, apud VILLAÇA, 1998,
p. 75).
O economista indiano Amartya Sen afirma em seu livro “Desenvolvimento
como liberdade” que a pobreza não pode ser considerada apenas como baixo nível
de renda, o que é um critério usual para essa classificação, embora seja um fator
determinante para tal. A pobreza deve ser vista como privação das capacidades
básicas e liberdades substantivas, o que faz com que pessoas de mesma renda
tenham situações de vida mais ou menos miseráveis dependendo de um somatório
de especificidades problemáticas em cada cultura como idade, sexo, local de
moradia, assistência pública, etc.
O que a perspectiva da capacidade faz na análise da pobreza é melhorar o
entendimento da natureza e das causas da pobreza e privação desviando a
atenção principal dos meios (e de um meio específico que geralmente
recebe atenção exclusiva, ou seja, a renda) para os fins que as pessoas têm
razão para buscar e, correspondentemente, para as liberdades de poder
alcançar esses fins. (SEN, 2000, p.112)
A visão de liberdade adotada por Sen envolve tanto os processos, ou formas
como as pessoas buscam os fins almejados, quanto às oportunidades reais destas
pessoas em termos sociais e pessoais. Mesmo separando em cinco tipos de
liberdades instrumentais: (1) liberdades políticas, (2) facilidades econômicas, (3)
oportunidades sociais, (4) garantias de transparências e (5) segurança protetora –
Sen reafirma sempre o alto grau de conectividade entre os tipos e como a privação
de um pode influenciar negativamente a obtenção dos demais. (SEN, 2000, p.112)
A casa e, mais do que isso, o bairro de residência entram no conjunto de
bens que oferecem reconhecimento. A homogeneidade social dos bairros e
a sua defesa dos intrusos pode radicar em razões culturais e sociais, mas
adquire rapidamente uma tradução econômica em termos de valorização ou
desvalorização do solo. O resultado destes processos, favorecido aliás pelo
papel de árbirtro e regulador do estado, principalmente atuante no domínio
do planeamento do território, é uma cidade “arrumada” com os grupos
sociais e as atividades econômicas cada um no seu lugar, na qual se
27
desenvolvem trocas entre espaços desiguais, se tecem interdependências,
e multiplicam solidariedades (SALGUEIRO, 1999, p. 246).
Essa passagem de Tereza Salgueiro exprime resumidamente a valorização
territorial versus segregação e pincela o poder estatal como gerente deste processo.
A subseção a seguir, trará o problema quantitativo do déficit habitacional.
2.3 A QUESTÃO DA HABITAÇÃO
A questão da problemática que envolve o morar na cidade por aqueles que
para ela foram atraídos tem se mostrado constante desde o advento da
industrialização. Algo ainda não superado.
A chamada crise da habitação, que ocupa hoje um lugar tão destacado na
imprensa, não consiste em que a classe operária em geral viva em más
habitações, superpovoadas e insalubres. Esta crise de habitação não é
peculiar do momento presente; nem sequer é uma das misérias próprias do
proletariado moderno, diferentemente de todas as classes oprimidas do
passado. Ao contrário, afetou de uma maneira quase igual todas as classes
oprimidas de todos os tempos. Para acabar com esta escassez de
habitação não existe senão um meio: abolir a exploração e a opressão da
classe operária pela classe dominante. O que hoje se entende por escassez
de habitação é o particular agravamento das más condições de moradia dos
operários em conseqüência da afluência repentina de população para as
grandes cidades; é um formidável aumento dos aluguéis, uma maior
aglomeração de inquilinos em cada casa e, para alguns, a impossibilidade
total de encontrar abrigo. E esta penúria de habitação dá tanto o que falar
porque não afeta somente a classe operária, mas igualmente a pequena
burguesia. A penúria de habitação para os operários e uma parte da
pequena burguesia de nossas grandes cidades modernas não é mais que
um dos inumeráveis males menores e secundários originados pelo atual
modo de produção capitalista (ENGELS, 1976 [1887], p.50)
É notório como o texto de Engels permanece atual mais de um século
depois. Tanto faz chamar de habitação popular, habitação de interesse social,
habitação de baixo custo ou habitação para população de baixa renda – o desafio
em vencer a problemática habitacional permanece. No Brasil, tal problema avançou
no tempo e em magnitude desde os mocambos (casebres de palha e barro que os
ex-escravos fizeram para morar após a abolição) e sua alegada ameaça à saúde
pública, atravessando a crise da classe média dos anos 1950 e 1960, até a
28
rivalidade atual entre erradicar o grande déficit habitacional das camadas populares
versus os interesses financeiros e da especulação imobiliária (BRANDÃO, 1980, p.
125).
Arquiteta e urbanista, Raquel Rolnik atua também como relatora especial do
Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) para o
Direito à Moradia Adequada, sendo reconhecida como uma das principais
autoridades mundiais sobre o assunto. Raquel afirma que o conceito de moradia
adequada vai muito além da idéia da casa de quatro paredes: implica na
possibilidade de acesso, a partir do local onde se vive, não apenas à infraestrutura e
equipamentos, mas também às oportunidades de trabalho, oportunidades
econômicas, ou seja, aos meios de sobrevivência (ROLNIK, 2010, p.14).
Durante o Fórum Urbano Mundial 5, realizado em março de 2010 no Rio de
Janeiro, foi anunciada pelo Ministério das Cidades a redução do déficit habitacional
brasileiro – nem por isso menos assustador. O estudo elaborado pela Fundação
João Pinheiro aponta queda de 08% entre os anos 2007 e 2008 - de 6,3 milhões
para 5,8 milhões de domicílios. Deste montante, 82% estão localizados nas áreas
urbanas. As principais regiões metropolitanas do país abrigam 1,6 milhão de
domicílios representando 27% das carências habitacionais do país. Em relação ao
total dos domicílios, o déficit representa 10,1% do país, sendo 9,7% nas áreas
urbanas e 11,9% nas rurais. A metodologia de pesquisa englobou tanto as
habitações faltantes quanto as que necessitam de incremento ou requalificação
(FÓRUM URBANO MUNDIAL 5, 2010, s.p.).
No entanto, houve piora no indicador que mede o total de moradias com
infraestrutura inadequada – aquelas com restrição de acesso a pelo menos um dos
serviços básicos: iluminação elétrica, abastecimento de água com canalização
interna, rede geral de esgoto ou fossa séptica e coleta de lixo – aumentando em 500
mil unidades, chegando a 11 milhões, ou 22% dos domicílios urbanos.
Como já visto nas subseções anteriores [2.1 e 2.2], a industrialização
acelerou o crescimento urbano e este se configurou de forma desordenada – ou
através de uma ordem perversa e excludente onde prevaleceu um inchaço das
periferias e dos núcleos de favelamento. Mesmo internamente, Bolaffi (1980, p.168)
afirma que houve um empobrecimento de parte da população residente em outros
bairros da cidade, onde os cidadãos se forçaram à mudança de outras formas de
habitação para a favela, não sendo a migração a responsável exclusiva do
29
crescimento de favelados. Mas e o que é definido como “favela”?
A origem etimológica da palavra favela está relacionada à volta ao Rio de
Janeiro dos soldados que serviram na Guerra de Canudos e foram ocupar um morro
carioca, já que não tinham mais o soldo para sustentá-los. O local, antes Morro da
Providência, foi popularmente sendo chamado de Morro da Favella, em referência a
uma planta arbustiva típica da caatinga nordestina abundante na região de Canudos.
(VALLADARES, 2000, s.p.). Corriqueiramente, favela caracteriza-se por ocupar uma
área degradada, com moradias precárias, falta de infraestrutura e sem regularização
fundiária. Hoje em dia, o conceito tornou-se um estigma sendo que muitos
moradores preferem utilizar o termo “comunidade”.
O dicionário Novo Aurélio define favela simplesmente como “conjunto de
habitações populares toscamente construídas e com recursos higiênicos deficientes”
(FERREIRA, 1999). Já Alex Kenya Abiko inclui em seu conceito a questão da
propriedade:
[...] conjunto de unidades domiciliares, construídas de madeira, zinco, lata,
papelão ou até mesmo em alvenaria, distribuídas desordenadamente em
terrenos cuja propriedade individual do lote não é legalizada para aqueles
que os ocupam. Na maioria das vezes ocupam áreas com declividade
acentuada ou inundáveis (ABIKO, 1995, p.13).
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2010, s.p.) utiliza-se
da expressão “aglomerados subnormais” e quantifica essa relação definindo-a como
um conjunto de, no mínimo, 51 unidades habitacionais dispostas, em geral, de forma
densa e desordenada em terrenos de propriedade alheia (pública ou particular) e,
em sua maioria, carentes de serviços públicos essenciais.
Para a Organização Não Governamental – ONG – OBSERVATÓRIO DE
FAVELAS (2010, s.p.), o tema não pode ser simplificado. Favela é então
caracterizada, em parte ou em sua totalidade, pela insuficiência histórica de
investimentos do Estado e do mercado formal, principalmente o imobiliário,
financeiro e de serviços; forte estigmatização sócio-espacial; alta densidade;
ocupação de sítios urbanos marcados por um alto grau de vulnerabilidade ambiental;
edificações predominantemente caracterizadas pela autoconstrução, sem cumprir os
parâmetros definidos pelo Estado; uso predominante para fins de moradia; níveis
elevados de subemprego e informalidade nas relações de trabalho; indicadores
educacionais, econômicos, ambientais e grau de soberania por parte do Estado
30
inferior à média do conjunto da cidade; relações de vizinhança marcadas por intensa
sociabilidade, com forte valorização dos espaços comuns; alta concentração de
pardos, negros e descendentes de indígenas, de acordo com a região brasileira; e
grau de vitimização das pessoas, sobretudo a letal, acima da média da cidade.
Para Marcelo Lopes de Souza, assim como para o também já citado
Amartya Sen, é notável a relativização dos níveis de pobreza – como a mesma
renda pode gerar pobrezas diferentes, amenizada ou amplificada dependendo do
local e assistência governamental.
A pobreza de sua população é, sem dúvida, uma característica distinta
muito comum, mas o nível de pobreza é bastante variável não só entre
favelas [...], mas também no interior de favelas grandes e consolidadas,
especialmente quando situadas em áreas valorizadas. A carência de infra-
estrutura, assim como a pobreza, é, igualmente, uma característica muito
comum, mas, não menos que a pobreza, variável (SOUZA, 2003, p.173).
Com isso, pode-se afirmar que uma moradia digna não se restringe ao
conforto, à segurança e à salubridade da própria edificação. As suas funções só se
completam quando há uma troca benéfica com seu entorno, com o ambiente que a
cerca (ABIKO, 1995, p. 03).
Até a década de 1970, as habitações de interesse social implantadas no
Brasil acabaram aumentando a segregação. Além da padronização tipológica e o
número excessivo de unidades repetidas, ocupavam áreas tão distantes do centro
que iniciavam a formação de novos guetos de abandono. Com altos custos de infra-
estrutura, aumentaram a dispersão urbana e a agressão ao meio (CARDOSO,
ABIKO, 2006, p.5).
No livro “Morte e vida de grandes cidades”, Jane Jacobs faz uma crítica
contundente à arquitetura e urbanismo modernistas e, em seu clamor pela
diversidade, ao se referir à maior parte dos conjuntos habitacionais de baixa renda,
enfatiza que “[...] se tornaram núcleos de delinqüência, vandalismo e desesperança
social generalizada [...] são verdadeiros monumentos à monotonia e à padronização,
fechados a qualquer tipo de exuberância ou vivacidade da vida urbana” (JACOBS,
2003, p. 02).
O Pós-modernismo trouxe uma revisão ideológica da forma de implantação
dos programas habitacionais para a população de baixa renda. A questão deixou de
ser “quanto menor o valor da terra, melhor” – devendo existir equilíbrio entre os
31
gastos com o terreno, a infra-estrutura, construção, reintegração social e qualidade
de vida. A preferência deveria ser por áreas de diversos tamanhos, próximas a eixos
de transporte, equipamentos e pólos de emprego, mesclando faixas de renda e
tipologia das habitações - casas, sobrados, apartamentos. O novo modelo primaria
pelo fortalecimento de uma identidade que unisse o usuário ao seu edifício, e ao
respectivo entorno, incentivando programas de autogestão e mutirão. Entretanto,
embora a teoria tenha evoluído, na prática as leis de mercado ainda são mais fortes
que as leis constituintes.
A Constituição Federal (BRASIL, 1988), Capítulo II - Dos Direitos Sociais,
teve a redação do seu artigo 6º alterada pela Emenda Constitucional nº 26 de 2000
para que se fizesse constar “moradia” como direito de todos os brasileiros – e em
2010, foi novamente alterada pela Emenda Constitucional nº 64 acrescentando
“alimentação” – ficando assim:
Art. 6º _São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho,
a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.
O artigo 5º, incisos XXII e XXIII, Dos direitos e deveres individuais e
coletivos, dispõe ser garantido o direito de propriedade em todo o território nacional,
contudo também estabelece que toda propriedade deve atender a sua função social.
No caso, a “função social” fala sobre o direito de utilização do imóvel. Souza faz a
distinção entre “direito de propriedade” e o “direito de utilização”: “se a propriedade
privada em si, no âmbito do capitalismo, não se pode ser por demais restringida, o
direito de utilização [...] pode ser, em nome do bem comum, severamente limitado”.
(SOUZA, 2005, p. 280).
Para tanto, a Lei nº 10.257/ 2001, conhecida como o Estatuto das Cidades,
trouxe uma nova visão do planejamento urbano, oficializando a utilização de
instrumentos específicos como o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU)
Progressivo ou o Solo Criado, influindo na forma de utilização do terreno para que
seja alcançada a dita função social da cidade.
Assim, é legítima a participação do Estado na supressão dos problemas
habitacionais, subsidiando ou minimizando o impacto negativo na vida dos cidadãos.
“[...] o conjunto de sub-habitações e sua população devem ser realmente integrados
32
às estruturas urbanas, pois o fato da sua locação imprópria é o atestado das falhas
governamentais, desde os níveis das macro-políticas até as intervenções locais”
(LIMA, 2000, p.274).
E como grande parte do crescimento rápido dos núcleos de favelamento se
deu em decorrência do êxodo rural, com a mecanização das lavouras e a
impossibilidade de sustento do homem no campo, a reforma urbana não pode ser
pensada isoladamente, mas sim como “uma complementação necessária de uma
reforma agrária” (SOUZA, 2005, p. 287).
A essência da questão é política – não só no que diz respeito à habitação,
mas a todos os grandes problemas sociais. Isto porque a solução ou a permanência
tolerada do problema implicam em opções que ressaltam forças sociais
contraditórias. E esbarrando em interesses muito antes políticos do que técnicos, a
definição das prioridades foge ao controle dos arquitetos, sociólogos e economistas
enquanto planejadores (BOLAFFI, 1980, p.168).
2.3.1 Políticas Públicas
O que é “público” é “relativo ou destinado ao povo, à coletividade, ou ao
governo de um país” (FERREIRA, 1999). Política vem do grego “polis” – a cidade-
estado. De acordo com o dicionário Aurélio, Política é a “ciência dos fenômenos
relativos ao Estado”, mas também é a “arte de bem governar os povos”, e ainda:
“habilidade no trato das relações humanas” (FERREIRA, 1999). As duas últimas
definições parecem um tanto poéticas comparadas com a adoção popular do termo
política como “politicagem”: política mesquinha, estreita. (FERREIRA, 1999).
Para Weber, entende-se como Política “o conjunto de esforços feitos com
vistas a participar do poder ou a influenciar a divisão do poder, seja entre Estados,
seja no interior de um único Estado” (WEBER, 2011, p.56). Sendo que: “[...] o Estado
consiste em uma relação de dominação do homem sobre o homem, fundada nos
instrumento da violência legítima (isto é, da violência considerada como legítima)”
(WEBER, 2011, p.57).
Na Europa, os estudos e pesquisas se concentravam mais na análise sobre
o papel do Estado e suas instituições. Já nos EUA, sem estabelecer relações com as
bases teóricas sobre o papel do Estado, enfatizando diretamente os estudos sobre a
33
ação dos governos, a área de conhecimento e disciplina acadêmica “Políticas
Públicas” nasce como uma subárea da Ciência Política. Era necessário entender
como e por que os governos optam por determinadas ações, distinguindo entre o
que o governo pretende fazer e o que, de fato, faz (SOUZA, 2006, s.p.).
Celina Souza faz em seu artigo uma compilação de diversos autores
definindo políticas públicas e então resume como sendo:
(...) o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, "colocar o
governo em ação" e/ou analisar essa ação (variável independente) e,
quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações
(variável dependente). A formulação de políticas públicas constitui-se no
estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e
plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou
mudanças no mundo real. (SOUZA, 2006)
A autora ainda coloca que se trata de um campo holístico, o que “não
significa que careça de coerência teórica e metodológica, mas sim que comporta
vários „olhares‟". Ou seja, não se limitando a leis e regras, engloba participantes
formais e informais: “indivíduos, instituições, interações, ideologia e interesses
contam, mesmo que existam diferenças sobre a importância relativa destes fatores”.
(SOUZA, 2006, s.p.)
2.3.2 Destaques das Políticas Públicas habitacionais no séc. XX
O tema habitação social ganha grande destaque no cenário nacional com a
Revolução de 1930 e a ditadura populista de Vargas. O clima político, econômico e
cultural da época desloca a questão central da salubridade dos cortiços para a
viabilização do simples acesso à casa própria. Influenciando no dia-a-dia e formação
ideológica dos trabalhadores, o problema da moradia emergiu como aspecto crucial
das condições de vida do operariado, pois absorvia porcentagem significativa das
remunerações (BONDUKI, 1998, p. 73). Buscavam-se novas formas de alojamento a
fim de reduzir ou até eliminar o custo da moradia no orçamento familiar – o salário
era destinado somente à alimentação, medicamentos e o transporte para o trabalho.
Algumas favelas nasceram e cresceram porque os cidadãos não tinham dinheiro
mais para pagar alugueis, dividindo a ocupação com outras famílias conhecidas e
improvisando casebres com materiais não próprios para a construção definitiva.
A crise não atingia somente a classe baixa, mas também a classe média que
34
morava predominantemente de aluguel (BONDUKI, 1998, p.76). Não havia na época
linhas de financiamento populares sendo muito difícil para qualquer assalariado
adquirir um bem cujo valor absoluto ultrapassava em muito seus rendimentos
mensais.
O período foi marcado por uma crescente intervenção do estado na
economia. O governo Vargas cria, então, os Institutos de Aposentadoria e Pensões
(IAP) – nos moldes das já existentes Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAP)
formuladas para atender às reivindicações dos ferroviários no governo de Artur
Bernardes (WERNA et al., 2001, p.110). Os IAP‟s tinham como objetivo primordial
administrar benefícios previdenciários e garantir a assistência médica. Os recursos
arrecadados deveriam ser aplicados em investimentos que garantissem a
rentabilidade do fundo.
Com o Decreto 1749/37, ficaram estabelecidas as condições para a atuação
dos IAP‟s na área habitacional, podendo destinar até metade de suas reservas para
o financiamento das construções. Tal financiamento poderia contar com uma
reduzida taxa de juros (de 08 para 06%), ampliação dos prazos de pagamento de 10
para 25 anos, elevação do valor financiado e a autorização do benefício para
associados que já possuíam casa própria (o que permitia o acesso para os
segmentos de renda mais elevada, caracterizando o caráter coorporativo e não de
apelo social do sistema) (BONDUKI, 1998, p.104).
A forma de atuação dos IAP‟s estava dividida em três planos: o Plano A
consistia na locação ou venda de unidades habitacionais aos associados, em
conjuntos residenciais adquiridos ou construídos pelo próprio instituto, sem prejuízo
da remuneração mínima do capital investido; o Plano B, no financiamento aos
associados da aquisição da moradia ou construção em terreno próprio; e o Plano C,
empréstimos hipotecários a qualquer pessoa física ou jurídica a fim de garantir a
máxima rentabilidade para as reservas acumuladas das instituições previdenciárias,
mantendo sempre a sua estabilidade financeira (BONDUKI, 1998, p.104).
Entretanto, como combatente da escassez de moradia, a solução proposta
pelos institutos se mostrou frágil uma vez que só os membros coligados a alguma
associação poderiam participar – ampliando as desigualdades entre os empregados
formais e os do mercado informal. Também fracassou a tentativa do governo de
então em unificar os institutos, a fim de gerar uma política habitacional integrada e
consistente.
35
Em 1941, é formada uma comissão para estudar alternativas de extinção
dos assentamentos favelados. Uma das propostas do grupo foi a construção de
casas populares em conjuntos denominados “parques proletários” – uma espécie de
habitação transitória onde a população removida das favelas permaneceria
temporariamente até sua reintegração ao mercado habitacional formal. Até a queda
do Estado Novo em 1945, apenas quatro “parques” tinham sido construídos, sem
alcançar os objetivos almejados (LIMA, 2000, p.272).
No ano seguinte, é lançada a Fundação da Casa Popular (FCP) pelo
governo do Presidente Eurico Gaspar Dutra como mais uma tentativa de erradicar os
núcleos favelados existentes e evitar o surgimento de novos. A FCP foi o primeiro
órgão de âmbito federal criado exclusivamente com esta atribuição. O
funcionamento da instituição patinhou entre os fins eleitoreiros e não conseguiu
emplacar muitos projetos face à magnitude do problema. Interesses corporativos,
econômicos e/ou políticos agiram com eficiência para desarticulá-lo, como, por
exemplo, os representantes da construção civil que temiam que a proposta de
construir 100 mil casas populares dificultasse ainda mais a obtenção de materiais de
construção para os empreendimentos privados. Com apenas 18.132 unidades
construídas em 18 anos de funcionamento, em 1964 tem sua extinção (BONDUKI,
1998, p.115).
O crescimento econômico dos anos 1950, com a substituição de
importações e a produção dos bens duráveis, foi acompanhado de uma maior
concentração da renda, favorecendo a consolidação da classe média à qual se
dirigia o mercado imobiliário privado. O automóvel foi o bem de consumo que trouxe
mudanças significativas para a sociedade brasileira, deslocando o investimento das
políticas públicas de outros setores para as obras viárias. Houve então um
agravamento da crise habitacional principalmente pelo crescente êxodo rural em
direção às principais capitais do país.
Após o golpe de estado, sentindo a pressão do crescente déficit
habitacional, uma das primeiras ações das forças armadas foi, em 21 de agosto de
1964, a promulgação do Plano Nacional de Habitação, através da Lei 4.380/64,
instituindo a correção monetária nos contratos imobiliários de interesse social, o
sistema financeiro para aquisição da casa própria, criando o Banco Nacional da
Habitação (BNH), e Sociedades de Crédito Imobiliário, as Letras Imobiliárias e o
Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU). Baseado em uma política
36
de crédito, objetivava fomentar a construção civil e promover o planejamento urbano
através do financiamento para aquisição da casa própria. Com isso, as atribuições
da FCP passaram ao BNH (WERNA et al, 2001, p.100).
Fato relevante em relação à história da habitação social no Brasil foi a
criação, pelo governo de Carlos Lacerda no extinto Estado da Guanabara, da
primeira Companhia de Habitação Popular – COHAB-GB, dando início a uma política
intensa de remoção de favelas. Carlos Lacerda já havia implantado em 1963 o
primeiro conjunto habitacional popular do Brasil – a Vila Kennedy – o qual passou a
ser administrado e reproduzido pela COHAB-GB. Em 1965, houve a criação de
Companhias de Habitação em outros estados, como no Paraná (em maio), Minas
Gerais (julho) e São Paulo (novembro).
Os militares também formaram uma comissão para reformular o sistema
previdenciário, culminando com a extinção dos IAP‟s e centralizando a previdência
no Instituto Nacional de Previdência Social – INPS, em 1966.
Criado como entidade de regime autárquico, o BNH tinha por função a
realização de operações de crédito, sobretudo imobiliário, funcionando como um
banco de segunda linha, ou seja, não operando diretamente com o público. Sua
finalidade principal era gerir o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), por
intermédio de outros bancos privados e/ou públicos e de agentes promotores, como
as companhias habitacionais e companhias de água e esgoto (WERNA et al, 2001,
p.112).
A partir da metade da década de 1970, surgem novos programas federais
elaborados pelo BNH, os quais adotaram, pela primeira vez, a autoconstrução e o
mutirão como opções para a produção habitacional (ABIKO, 1995, p.20). O
Programa de Financiamento de Lotes Urbanizados (PROFILURB) foi concebido em
1975, com a finalidade de atender famílias de baixa renda destinando-lhes um lote
com infraestrutura urbana mínima – luz, água e esgoto. A partir disso, o próprio
morador seria responsável pela construção da casa. Em alguns dos projetos, o lote
foi entregue com uma unidade sanitária ou parede hidráulica.
O Programa de Erradicação de Sub-Habitações (PROMORAR) teve início
em 1979, sendo pioneiro no que hoje se conhece por “urbanização de favelas”. Seu
foco era acabar apenas com a sub-habitação, promovendo a melhoria dos núcleos
habitacionais de ocupações irregulares, sem implicar na remoção da população para
as periferias distantes, como era a prática adotada até então. Atuava implantando
37
infra-estrutura urbana nessas áreas e legalizando a posse das mesmas.
Em 1979, foi promulgada a Lei nº 6766/79 que dispõe sobre o parcelamento
do solo urbano. Esta legislação trouxe a princípio uma contradição em relação à
estrutura fundiária: ao mesmo tempo em que criminalizou o loteador clandestino (ao
promover uma ocupação extensiva sem serviços nem infra-estrutura mínima muitas
vezes sobre áreas ambientalmente frágeis), proporcionou um crescimento nos
núcleos de favelamento ao passo que restringiu a oferta de terrenos baratos à
população de baixa renda, fortalecendo o mercado imobiliário formal (MARICATO,
1996, p.48).
Símbolo histórico da política nacional de habitação, o BNH, no decorrer de
sua existência, foi a principal instituição federal de desenvolvimento urbano brasileiro
e impulsionou a expansão do mercado imobiliário em todo o país. Entretanto, é de
fácil constatação a ineficiência deste modelo em atender a população demandante.
Entre os anos de 1964 e 1986, o Sistema Financeiro de Habitação (SFH) financiou
4,8 milhões de moradias. Contudo, apenas um terço deste total foi destinado aos
moradores com renda inferior a cinco salários mínimos (MARICATO, 1996, p.44).
O BNH foi criado muito mais para atender aos requisitos políticos,
econômicos e monetários dos Governos que conduziram ao “efêmero”
milagre brasileiro, do que para solucionar o verdadeiro problema da
habitação. Realmente, hoje não há como negar que o BNH e os vastos
capitais postos à sua disposição serviram apenas para estimular certos
setores estratégicos da economia e beneficiar as classes de alta renda que
constituíram um dos suportes sobre os quais se apoiou o pacto hegemônico
que legitimou o regime brasileiro até o Governo Geisel (BOLAFFI, 1980,
p.167).
Segundo Eva Blay em “A luta pelo espaço”, foi uma estratégia conveniente
vincular a compra da casa própria ao FGTS, pois tornava aparentemente
“concretizável a utopia de que todos poderão ter sua casa própria”; mantendo o
sistema da propriedade privada sem tocar nos problemas fundamentais que geram o
desequilíbrio econômico (BLAY, 1979, p.85).
Lafaiete Santos Neves reforça que o BNH estava voltado aos segmentos de
rendas médias e altas em condições de consumir, pois se focava na produção de
moradias dentro de uma ótica lucrativa, priorizando:
[...] o financiamento, a produção e a comercialização da casa própria aos
agentes financeiros credenciados, que por seu lado estavam articulados
38
com os interesses das empresas da construção civil. Portanto, não havia
interesse do BNH em priorizar a função social para qual foi criado. Logo,
não havia por parte do Sistema Financeiro de Habitação prioridade para a
produção e comercialização de habitação para as famílias de baixa renda,
exatamente porque essas não tinham condições de cumprir os contratos de
financiamento. Pelo contrário, um número expressivo delas de tornaram
inadimplentes com o BNH. Por isso, a partir de 1971, o BNH atuou
principalmente operando com agentes financeiros credenciados e não mais
diretamente com mutuários e construtoras. Os órgãos públicos voltados
para a habitação em nível municipal passaram também a operar com o
BNH, recebendo recursos e contratando empresas privadas na construção
civil para produzir as unidades habitacionais. Isso elevou os custos de
produção, tornando ainda mais difícil o acesso e cumprimento dos contratos
assinados entre o poder público e os mutuários (NEVES, 2006, p.48).
Numa tentativa vã em resolver a questão da inadimplência e possibilitar o
acesso à moradia para uma população cada vez mais empobrecida, o BNH buscou
reduzir os custos das unidades optando pela diminuição das metragens e
rebaixando a qualidade da construção. O financiamento de obras precárias e ainda
mais distantes deixou “saudades da qualidade dos conjuntos residenciais dos IAP‟s”
(BONDUKI, 1998, p. 320).
Além do comprometimento financeiro de parte importante do orçamento
familiar, outro problema consistia na rejeição por parte da população realocada pelas
novas instalações, pois prejudicava um vínculo social, econômico e cultural já
consolidado no local da moradia anterior.
O BNH foi liquidado definitivamente em 20 de novembro de 1986. Com sua
extinção, a responsabilidade pela fiscalização das atividades do Sistema Financeiro
de Habitação (SFH) foi substituída pelo Banco Central e as funções bancárias pela
Caixa Econômica Federal – CEF. Ao final da década de 1980, inicia um constante
remanejamento das políticas públicas habitacionais, alternando vários Ministérios e
Secretarias. Houve também uma diminuição dos programas convencionais e a
predominância de programas alternativos, como o mutirão e a autoconstrução, com
destaque para o “João-de-barro” e o “Habitar-Brasil” (WERNA et al., 2001, p.113).
O Programa João-de-barro foi criado ainda sob a tutela do BNH, em 1984,
mas teve sua continuidade posteriormente à extinção. Em ação integrada entre o
BNH, COHAB‟s e demais órgãos municipais, tinha o objetivo de financiar a produção
de infra-estrutura e processos de autoconstrução de unidades habitacionais.
Pretendia-se desfrutar das tecnologias alternativas, com a finalidade de diminuir
39
custos de implantação, e priorizava-se a execução de empreendimentos em centros
urbanos de pequeno e médio porte, contribuindo para a sua interiorização. Porém, a
produção demonstrou que esta era uma política insuficiente, apresentando apenas
7.000 moradias construídas.
O Programa Habitar-Brasil, no final da década de 1990, foi um dos primeiros
indícios da atuação direta do governo federal na urbanização e regularização de
assentamentos informais (WERNA et al., 2001, p.113).
2.3.3 Atual Política Nacional de Habitação e demais programas vigentes
Criado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 1º de janeiro de 2003, o
Ministério das Cidades representa um novo marco político-institucional para o setor
habitacional de forma a articular a área de interesse social e o setor de mercado,
eixos importantes da política de desenvolvimento urbano no país. Além disso,
competem ao Ministério às questões de saneamento ambiental, transporte urbano e
trânsito. Tem por missão “combater as desigualdades sociais, transformando as
cidades em espaços mais humanizados, ampliando o acesso da população à
moradia, ao saneamento e ao transporte” (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2010, s.p.).
Através da Caixa Econômica Federal, operadora dos recursos, o Ministério busca
trabalhar de forma articulada com os estados e municípios, além dos movimentos
sociais, organizações não governamentais, setores privados e demais segmentos da
sociedade.
A nova Política Nacional de Habitação – PNH, aprovada em 2004 pelo
Conselho das Cidades (ConCidades) – órgão colegiado de natureza deliberativa e
consultiva do Ministério das Cidades, definiu de forma prioritária a integração urbana
de assentamentos precários como um de seus principais componentes. A
responsável pela formulação de propostas, acompanhamento e avaliação dos
instrumentos de implementação da PNH é a Secretaria Nacional de Habitação
(MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2010, s.p.).
A Política Nacional de Habitação conta com um conjunto de instrumentos: o
Sistema Nacional de Habitação, o Desenvolvimento Institucional, Sistema de
Informação, Avaliação e Monitoramento da Habitação, e o Plano Nacional de
Habitação.
40
O Sistema Nacional de Habitação (SNH) estabelece as bases do desenho
institucional que se propõe participativo e democrático, prevê a integração entre os
três níveis de governo e com agentes públicos e privados envolvidos na questão, e
define as regras que asseguram a articulação financeira, de recursos onerosos e
não onerosos, através de dois subsistemas - Habitação de Interesse Social e
Habitação de Mercado. O Desenvolvimento Institucional trabalha com a estruturação
institucional de Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como a capacitação de
agentes públicos, sociais, técnicos e privados. O Sistema de Informação, Avaliação
e Monitoramento da Habitação (SIMAHAB) visa a permanente revisão dos projetos e
programas. E o Plano Nacional de Habitação (PlanHab), publicado em dezembro de
2009, é o resultado de um trabalho de 2 anos da SNH com o Consórcio PlanHab,
formado pelo Instituto Via Pública, Fupam-LabHab-FAUUSP e Logos Engenharia. O
principal objetivo do PlanHab é formular metas de médio e longo prazo para
equacionar as necessidades habitacionais do país. Para isso, pretende direcionar as
linhas de financiamento e os programas de provisão, urbanização e modernização
da produção habitacional a serem implementados a partir das prioridades regionais
de intervenção e critérios para a distribuição regional de recursos, de acordo com
perfil do déficit habitacional no âmbito nacional (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2010,
s.p.).
Também parte importante da PNH foi a aprovação da Lei 11 124/2005, que
dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS, cria o
Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS e institui o Conselho
Gestor do FNHIS.
Atualmente, a Caixa Econômica Federal conta com diversos programas de
financiamento e repasse nas áreas de infra-estrutura, saneamento e meio ambiente,
como transporte público, gestão de recursos hídricos, resíduos sólidos, preservação
do patrimônio histórico, implantação de centros esportivos e restaurantes populares
públicos (CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, 2010, s.p).
No caso de financiamento, o recurso é retornável, sendo pago em parcelas
para a Caixa – podendo ser efetuado diretamente por Pessoa Física, Pessoa
Jurídica ou órgãos públicos que se enquadrem no regulamento de cada programa.
Como opções para financiamento têm-se:
a) Carta de crédito FGTS - Operações Coletivas: trabalha com famílias de
41
renda mensal bruta de R$ 200,00 até R$ 2.325,003, oferecendo linhas de
financiamento com garantia e condições diferenciadas de acordo com a renda
familiar. É um programa com recursos do FGTS, formalizado mediante parceria com
Entidade Organizadora (cooperativas, sindicatos, associações, condomínios,
pessoas jurídicas voltadas à produção habitacional, o poder público representado
por prefeituras municipais, governos estaduais ou companhias e empresas estaduais
ou municipais de habitação vinculadas ao poder público) com vistas à concessão de
financiamento ao beneficiário final para aquisição, construção ou reforma de unidade
habitacional (CEF, 2010, s.p.).
b) Programa Crédito Solidário - FDS: linha de crédito destinada a famílias
com renda de até R$ 1.125,00, com recursos do Fundo de Desenvolvimento Social -
FDS. O crédito é efetuado diretamente ao beneficiário Pessoa Física indicado pela
Entidade Organizadora, cuja proposta tenha sido selecionada pelo Gestor de
Aplicação - Ministério das Cidades (CEF, 2010, s.p.).
c) Programa de Arrendamento Residencial (PAR): destina-se a famílias com
renda mensal de até R$ 1.800,00 para aquisição de unidades habitacionais a serem
construídas, em construção, concluídas a recuperar ou reformar para arrendamento
residencial. Ao final do prazo de arrendamento, de 15 anos, existe a opção de
comprar a casa ou apartamento. Tudo o que foi pago é considerado, cabendo ao
morador o saldo residual, se houver, e as taxas de transferência do imóvel para o
seu nome. Há algumas exceções para rendas superiores de famílias de militares ou
alguns empreendimentos inseridos em programas de requalificação de centros
urbanos ou recuperação de sítios históricos (CEF, 2010, s.p.).
d) Programa Nacional de Crédito Fundiário – PNCF: é o financiamento
oferecido aos trabalhadores rurais com pouca ou sem nenhuma terra, com o objetivo
de facilitar a compra de um imóvel rural. Coordenado pela Secretaria de
reordenamento Agrário do Ministério do Desenvolvimento Agrário em parceria com
os governos estaduais, movimento sindical rural e uma grande quantidade de
parceiros. O programa possibilita, além da terra, a construção das instalações
básicas para a casa (luz, água e esgoto) e investimentos produtivos, como a
preparação do solo, compra de implementos, acompanhamento técnico, etc (CEF,
2010, s.p.).
3 Trata-se de valores estipulados no site da Caixa Econômica Federal para julho de 2010.
42
e) Crédito Solidário: programa de financiamento habitacional com recursos
do Fundo de Desenvolvimento Social – FDS, criado pelo Conselho Curador –
CCFDS, conforme Resolução 93/2004 e regulamentado pelo Ministério das Cidades
nas disposições da Instrução Normativa 39 de 28 de dezembro de 2005 e suas
posteriores alterações. Utiliza-se para aquisição de terrenos, de unidade concluída
ou para construção, reforma e ampliação de unidade habitacional pré-existente.
Podem participar famílias organizadas de forma associativa, com renda bruta mensal
de até R$ 1.125,00 (hum mil cento e vinte e cinco reais). Admite-se, também, a
participação de famílias com renda bruta mensal entre R$ 1.125,01 (hum mil cento e
vinte e cinco reais e um centavo) até R$ 1.900,00 (hum mil e novecentos reais), para
alguns casos excepcionais de associação ditados na regra (CEF, 2010, s.p.).
f) Programa Pró-Moradia: financiamento a Estados, Municípios, Distrito
Federal e empresas públicas não dependentes. Mescla recursos do FGTS e da
contrapartida do solicitante. As famílias a serem atendidas devem possuir
rendimento mensal de até R$ 1.395,00. É utilizado para a urbanização e
regularização de assentamentos precários (com obras e serviços voltados à
segurança, salubridade e condições básicas de moradia das habitações, e ainda à
regularização jurídico-formal de sua ocupação e uso), produção e aquisição de
conjuntos habitacionais e desenvolvimento institucional (a fim de aumentar a eficácia
na gestão urbana e na implementação de políticas públicas no setor habitacional,
com ações que promovam a capacitação técnica, jurídica, financeira e
organizacional da administração pública) (CEF, 2010, s.p.).
g) Imóvel na planta: linha de crédito vinculada ao Programa de Carta de
Crédito Associativo, destinada à produção de empreendimentos habitacionais,
reabilitação de empreendimentos urbanos e produção de lotes urbanizados.
Financiamento efetuado diretamente às pessoas físicas, agrupadas em
condomínios, sindicatos, cooperativas, associações, pessoas jurídicas voltadas à
produção habitacional, companhias de habitação ou órgãos assemelhados, Estados,
Municípios, Distrito Federal ou órgãos da sua administração direta ou indireta, com a
participação ou não, de Construtora (CEF, 2010, s.p.).
h) Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social – PSH: é uma
linha de crédito direcionada a subsidiar a produção de empreendimentos
habitacionais para populações de baixa renda, nas formas de conjunto ou de
unidades isoladas. Em parceria com o setor público, sob a forma de recursos
43
financeiros, bens ou serviços, o PSH viabiliza a aquisição e/ou produção de casas
populares para a população de baixa renda. Complementa a capacidade financeira
do proponente para o pagamento do preço de imóvel residencial e assegura o
equilíbrio econômico e financeiro das operações realizadas pelas instituições
financeiras (CEF, 2010, s.p.).
Já o repasse constitui transferência voluntária de recursos federais definidos
pelo Orçamento Geral da União (OGU) para estados, municípios, instituições
públicas e entidades não governamentais sem fins lucrativos, por meio de
programas e ações previstos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei do
Orçamento Anual (LOA). Os recursos são não-onerosos, ou seja, não exigem
retorno, apenas contrapartida. A LOA autoriza a aplicação dos recursos nos estados
e municípios e a seleção das propostas específicas é realizada pelos Ministérios
Gestores dos Recursos. Como mandatária, a Caixa representa a União,
acompanhando todas as ações necessárias ao cumprimento dos contratos de
repasse e verificando a sua regularidade conforme exigências normativas, legais e
técnicas. Para obter o repasse, o administrador após identificar as necessidades e
prioridades do seu município/estado busca enquadrar-se em um dos programas a
seguir:
a) Reabilitação de áreas urbanas centrais: com foco nas capitais e nos
demais municípios integrantes de Regiões Metropolitanas, o programa visa
promover o uso e a ocupação democrática das áreas urbanas centrais, objetivando
a permanência da população residente e a atração da população não-residente, com
promoção da diversidade funcional e social, a identidade cultural, a vitalidade
econômica e a preservação do patrimônio histórico e cultural. Trabalha com cinco
modalidades: elaboração de planos de reabilitação de áreas urbanas centrais;
elaboração de projetos urbanísticos de infra-estrutura e requalificação de espaços
de uso público; elaboração de projetos arquitetônicos de requalificação de imóveis;
execução de obras de infra-estrutura e e requalificação de espaços de uso público; e
execução de obras de requalificação de imóveis para uso habitacional de interesse
social e para transformação em uso público (CEF, 2010, s.p.).
b) Apoio à construção de habitação de interesse social: oferece acesso à
moradia adequada aos segmentos populacionais de renda familiar mensal de até
três salários mínimos, em localidades urbanas e rurais, por meio da produção ou
aquisição de unidades habitacionais e lotes urbanizados em conformidade com as
44
diretrizes de planejamento urbano municipal. Também permite a requalificação de
imóveis – intervenções, obras e serviços voltados à reabilitação de prédios
existentes, ocupados ou não, para fins de moradia; reurbanização ou re-
parcelamento de terrenos ou reconstrução de edificações, que resultem em lotes ou
unidades habitacionais (CEF, 2010, s.p.).
c) Respostas aos desastres: programas que visam promover ações
preventivas e de preparação para reduzir a ocorrência de danos e prejuízos
provocados por desastres naturais. Em situações de emergência e estado de
calamidade pública, trabalham com o restabelecimento das atividades essenciais e a
recuperação de danos causados por tais desastres (CEF, 2010, s.p.).
d) Programa Urbanização, Regularização e Integração de Assentamentos
Precários: com o objetivo de intervir em assentamentos locados em áreas sócio-
ambientalmente vulneráveis, bem como de efetuar os procedimentos necessários à
regularização fundiária de assentamentos informais (CEF, 2010, s.p.).
e) Pró-Municípios: engloba os Programas de Apoio ao Desenvolvimento
Urbano de Municípios de Pequeno Porte (até 100.000 habitantes) e de Apoio ao
Desenvolvimento Urbano de Municípios de Médio e Grande Porte. As ações são
operacionalizadas por meio das seguintes modalidades: implantação ou melhoria de
infra-estrutura urbana; acondicionamento, coleta e transporte, disposição final e
tratamento de resíduos sólidos urbanos, incluindo a inserção social de catadores
associada à erradicação de lixão; abastecimento de água; esgotamento sanitário;
drenagem urbana, como a canalização de cursos de água e redes de galerias
pluviais; elaboração de Planos Diretores; mobilidade urbana e transporte público;
produção ou aquisição de unidades habitacionais e urbanização de assentamentos
precários somente em caráter emergencial (CEF, 2010, s.p.).
f) Programa Morar Melhor: visa promover ações conjuntas de
desenvolvimento urbano nas regiões de maior concentração de pobreza do país,
buscando a universalização da cobertura dos serviços de saneamento básico e
ambiental, um aumento na oferta de habitações e promovendo a melhoria das
condições de habitabilidade e da infra-estrutura urbana (CEF, 2010, s.p.).
g) Programa de infra-estrutura e serviços de reforma agrária: tem por
objetivo propiciar condições para a melhor adequação das comunidades alvo de
projetos de assentamento oriundos da reforma agrária, mediante a implantação de
infra-estrutura e serviços (CEF, 2010, s.p.).
45
h) Programa Habitar Brasil – BID (Banco Interamericano de
Desenvolvimento): por meio de dois subprogramas – de Desenvolvimento
Institucional (DI) e de Urbanização de Assentamento Subnormais (UAS) – busca o
fortalecimento institucional dos municípios, incentiva a geração de renda e o
desenvolvimento em assentamentos de risco ou favelas, promove melhorias nas
condições habitacionais, construindo novas moradias, implantando infra-estrutura
urbana, saneamento básico e recuperando áreas ambientalmente degradadas (CEF,
2010, s.p.).
i) Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV: lançado em 25 de março de
2009, é um programa do Governo Federal, gerido pelo Ministério das Cidades e
operacionalizado pela CEF. Tem como objetivo garantir o acesso à moradia digna
com padrões mínimos de sustentabilidade, segurança e habitabilidade, incentivando
a produção e a aquisição de novas unidades habitacionais por famílias com renda
de até dez salários mínimos. A execução das obras do empreendimento é realizada
por Construtora contratada pela Caixa, que se responsabiliza pela entrega dos
imóveis concluídos e legalizados. Com esse programa o Governo Federal tem como
meta construir um milhão de casas, divididas em três grandes grupos: são 400 mil
casas para aqueles que recebem de zero a três salários mínimos, outras 400 mil
para quem tem renda de até seis salários mínimos e 200 mil casas para os que
possuem uma remuneração de seis a dez salários mínimos. Cada uma das três
faixas de rendimento trabalhará com pacotes que envolvem juros diferenciados. O
governo estabelece um valor máximo para que as construtoras produzam as
unidades. Por sua vez, o custo para os compradores é de até 10% da renda mensal,
sendo, no mínimo, R$ 50,00 (CEF, 2010, s.p.).
2.4 A LEI E A ORDEM
Há duas principais formas de irregularidade das moradias: quanto à
irregularidade fundiária e quanto à irregularidade urbanística. Pode-se dizer que as
duas irregularidades estão vinculadas a uma condição de pobreza urbana – em
maior grau no caso fundiário e em menor grau no caso urbanístico. A irregularidade
fundiária, na impossibilidade das famílias pobres terem acesso a terra pela via
tradicional do mercado imobiliário, vale-se de uma estratégia popular conhecida
como "ocupação" voluntária de terrenos públicos ou privados. A irregularidade
46
urbanística, seja em favelas ou loteamentos aprovados, caracteriza-se pelo processo
de construtibilidade das moradias sem obedecer aos preceitos definidos nos códigos
urbanísticos (ABRAMO, 2001, p.1578).
Para que um imóvel participe dos programas de financiamento e repasse
descritos na subseção anterior, é pré-requisito que estes atendam a legislação de
uso e ocupação do solo vigente em cada município. Mesmo no caso das unidades já
existentes: para que possam receber a requalificação ou obter um financiamento
comum para venda – seja na Caixa ou em qualquer outra instituição financeira – é
necessário que as edificações estejam integralmente averbadas no cartório de
Registro de Imóveis. E assim o desejando, dentre outros documentos pessoais, a
edificação deve possuir Certificado de Vistoria de Conclusão de Obras (CVCO)
fornecido pela Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU), que nada mais é que a
comprovação de que a obra está de acordo com o projeto aprovado sendo atendida
a legislação atual.
Figura 1. Gráfico sobre o trâmite de regularização de imóveis.
Fonte: Dados trabalhados pela autora, 2010.
Como parte do Plano Diretor ou mais diretamente dentro do Código de
Obras e Posturas de cada município, os parâmetros urbanísticos de uso e ocupação
do solo determinam a morfologia limite que cada edificação poderá apresentar em
relação à região ocupada da cidade. Como já citado na subseção 2.3, trata do
“direito de utilização” de cada lote. Para VALADARES:
47
Denomina-se, comumente, organização (aménagement) do território tudo
que se faz e que modifica a realidade do espaço, em direção ao urbano, à
urbanidade, ou seja, à cidade (seja urbis ou pólis). E, portanto, ao que
transforma o cotidiano de seu habitante direcionando desejos, através do
encaminhamento do movimento dos corpos. Falamos aqui de dispositivos
(einrichtungen), os planos, as leis, os desenhos e também de disposições
que, mais que legais, correspondem a ações, a cuidados, acolhimentos,
manejos, visando à sustentação dos sujeitos. (VALADARES, 2000, p.88)
A fim de que a ordem pré-estabelecida pelos atores envolvidos no
planejamento prevaleça, o Estado atua através de leis, decretos e portarias na
regulamentação urbanística. Definições de quais atividades são permitidas ou
proibidas em cada terreno, coeficiente de aproveitamento, área de projeção, taxa de
permeabilidade, densidade habitacional, número de pavimentos, faixas de
preservação, recuos e afastamentos: são formas legais de controlar a ocupação.
Algumas determinações apenas de ordem estética atravessaram o tempo e ainda
permanecem, entretanto grande parte das regras está associada a questões de
ordem ambiental ou funcional, visando à racionalização de equipamentos públicos.
Isto porque, na escala de vida humana, as edificações aparecem como algo
permanente a médio ou longo prazo, gerando modificações no meio ambiente
irreversíveis.
Salvo por fatores acidentais específicos ou catástrofes (e.g. terremotos, etc.)
não ocorrem mudanças dramáticas todo dia neste ambiente construído.
Edifícios tendem a durar bem mais de cinqüenta anos, pessoas
permanecem em torno de nove anos em suas moradias, um ano de boom
imobiliário dificilmente adiciona mais de 5% de novas unidades ao estoque
preexistente, grandes intervenções que implicam alterações significativas
em vastas áreas ocorrem apenas de quando em quando.
Conseqüentemente, problemas ambientais não só não emergem da noite
para o dia, como também não podem, em geral, ser resolvidos rapidamente.
Decisões quanto ao ambiente construído, tomadas em um passado
irrevogável, constrangem o presente, e nem sempre podem ser facilmente
revertidas. (SMOLKA, 1996, p.136)
E, ao considerar o conjunto de dispositivos legais reguladores do uso e
ocupação do solo, zoneamento, parcelamento do solo e edificação, mais de 50%
das construções nas grandes cidades brasileiras podem ser consideradas
irregulares (MARICATO, 1996, p.21).
Uma das questões que fere a possibilidade de atendimento aos parâmetros
48
é que, mesmo em se tratando de taxas proporcionais à dimensão dos lotes, algumas
exigências são incompatíveis com a realidade sócio-econômica e até cultural da
população de baixa renda – diferentemente dos requisitos e padrões urbanísticos
voltados a solucionar os problemas dos bairros de classe média e acima da média.
A legislação urbana “é feita pela e para as burguesias” (VILLAÇA, 1998, p. 338).
O tamanho dos terrenos impostos pelo mercado em loteamentos populares
dificulta a execução de projetos de baixo custo (no caso, construções com um
pavimento apenas as quais dispensam um estrutural mais complexo) condizentes
com a tipologia familiar e as solicitações edílicas legais de recuos, afastamentos,
ventilação, iluminação e demais taxas. Em alguns bairros ou vilas, a clandestinidade
é tamanha que não se percebe a legislação. Tais leis, “nos bairros populares,
quando existem, elas são exatamente permissivas (como exige o mercado),
portanto, inócuas. Isso significa que, em tais bairros, tudo se passa como se elas
não existissem, mesmo que existam” (VILLAÇA, 1998, p. 338).
Assim, além do valor agregado aos lotes pela infra-estrutura implantada,
também a formalidade (a produção da cidade dentro da legislação urbana) dentro de
um contexto de excessiva regulamentação acaba por afastar ou excluir grande parte
da população (MARICATO; TANAKA, 2006, p.21). “É por isso que os investimentos
públicos e a legislação urbanística são objeto de uma luta surda, agressiva e pouco
transparente nos governos e câmaras municipais” (MARICATO; TANAKA, 2006,
p.20)
Um estudo realizado em 2001 pelo Laboratório de Arquitetura e Urbanismo
(LAURB) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) constatou que terrenos em
ocupação irregular valem mais do que lotes formais em regiões similares. Os
pesquisadores concluíram que a possibilidade de adensar construções clandestinas
no mesmo terreno, alheias às imposições urbanísticas, sem alvará e sem o
recolhimento de impostos, flexibiliza o uso dos terrenos sendo incorporada essa
“vantagem” ao valor dos imóveis (PEREIRA, SILVA, 2009, p. 311).
Outro estudo baseado nos conjuntos habitacionais do Kitungo e do Guaporé
– originalmente construídos para abrigar a população da favela da Catacumba
removida da Zona Sul do Rio de Janeiro no final da década de 1960 – comprova que
a “mudança de domicilio implicava em uma alteração profunda na relação dos
pobres com a sua territorialidade” (ABRAMO, 2001, p.1582). Das entrevistas com os
moradores, principalmente com as famílias que vivem em condições de grande
49
incerteza em relação aos seus rendimentos correntes, concluiu-se que a rigidez do
conjunto habitacional impõe um constrangimento nas estratégias de investir no
patrimônio domiciliar (lógica da auto-expansão do espaço da casa) e/ou utilizar o
espaço da moradia como forma complementar de renda. “Na favela a gente pode
fazer uma laje e construir para os nossos filhos. Aqui no conjunto isso é impossível."
E: “Lá na favela é possível fazer um puxado e alugar para ajudar nas despesas"
(ABRAMO, 2001, p.1582).
Sobre os custos e benefícios da legislação regulatória dos parâmetros
urbanísticos, Klaus Frey coloca:
(...) as políticas regulatórias trabalham com ordens e proibições, decretos e
portarias. Os efeitos referentes aos custos e benefícios não são
determináveis de antemão; dependem da configuração concreta das
políticas. Custos e benefícios podem ser distribuídos de forma igual e
equilibrada entre os grupos e setores da sociedade, do mesmo modo como
as políticas também podem atender a interesses particulares e restritos. Os
processos de conflito, de consenso e de coalizão podem se modificar
conforme a configuração específica das políticas. (FREY, 2009, p.224)
Tomando como exemplo o estudo efetuado em São Paulo – uma cidade
com concentração histórica de riqueza e poder –, Raquel Rolnik em “A cidade e a
lei” (1997) demonstra que a ineficácia em regular a produção da cidade é a
verdadeira fonte do seu próprio sucesso político, financeiro e cultural. Raquel Rolnik
é determinante:
Mais além do que definir formas de apropriação do espaço permitidas ou
proibidas, mais do que efetivamente regular a produção da cidade, a
legislação urbana age como marco delimitador de fronteiras de poder. A lei
organiza, classifica e coleciona os territórios urbanos, conferindo
significados e gerando noções de civilidade e cidadania diretamente
correspondentes ao modo de vida e à micropolítica familiar dos grupos que
estiveram mais envolvidos em sua formulação. Funciona, portanto, como
referente cultural fortíssimo na cidade, mesmo quando não é capaz de
determinar sua forma final. Aí reside, talvez, um dos aspectos mais
interessantes da lei: aparentemente funciona, como uma espécie de molde
da cidade ideal ou desejável. Entretanto, [...] ela determina apenas a menor
parte do espaço construído, uma vez que o produto – cidade – não é fruto
da aplicação inerte do próprio modelo contido na lei, mas da relação que
esta estabelece com as formas concretas de produção imobiliária na cidade.
Porém, ao estabelecer formas permitidas e proibidas, acaba por definir
territórios dentro e fora da lei, ou seja, configura regiões de plena
50
cidadania e regiões de cidadania limitada (ROLNIK, 1997, p.13, grifos da
autora).
A elite burguesa espera que o Estado faça cumprir as normas e penalizem
aqueles que as contrariam. Entretanto, quando a exceção vira regra, incluindo aqui
as próprias edificações das classes mais abastadas, estabelece-se um “faz-de-
conta” geral das instituições. “A construção ideológica hegemônica da representação
do urbano procura ignorar a articulação contraditória entre norma e infração”
(MARICATO, 1996, p.21).
Esse descolamento do que a urbe é e do que deveria ser de acordo com a
regulamentação oficial acarreta problemas para a própria máquina estatal. “A
legislação detalhista e „rigorosa‟ contribui para a prática de corrupção e constitui
exemplo paradigmático da contradição entre a cidade do direito e a cidade do fato”
(MARICATO, 1996, p. 23). Ao invés de buscar uma redefinição dos parâmetros,
adaptando as leis para uma realidade mais próxima ou, ao menos, instruindo os
cidadãos para que estes exerçam os direitos e deveres urbanísticos em prol da
coletividade, alguns vereadores e deputados preferem atuar em casos isolados
atendendo seus eleitores e futuros eleitores. Para Weber, “em todos os lugares a
empresa política se põe, necessariamente, como empresa de interesses” (WEBER,
2011, p.84). Ermínia Maricato evidencia a questão do clientelismo:
O Legislativo também tira partido dessa situação. Em vez de buscar
adequar a legislação à realidade ou à realidade à lei, podemos afirmar que,
mais como regra do que como exceção, parlamentares se aproveitam desse
descolamento entre norma e conduta na produção e uso do espaço, para
“beneficiar” vastas camadas da população com anistias periódicas para os
imóveis ilegais. Aliás, o assentamento ilegal residencial constitui inesgotável
fonte de clientelismo político que é historicamente praticado no Brasil pelo
Legislativo e também pelo Executivo (MARICATO, 1996, p. 24).
Também merece destaque a verticalização entre os níveis hierárquicos dos
que pensam a cidade: entre os técnicos e executivos planejadores da equipe
operacional, os quais aplicarão os instrumentos de controle.
Os projetos que são submetidos à análise para aprovação ainda que não
reflitam o cenário por completo (pior), dão uma boa idéia deste “descolamento” -
entre o plano e o real – mostrando de um lado ações de planejamento alienadas e
de outro, “a ação dos „pragmáticos‟ fiscais, cuja prática é bastante mediada pela
51
corrupção” (MARICATO, 1996, p. 23).
Com isso, Ermínia Maricato questiona:
Qual é o papel das leis que pretendem regulamentar procedimentos
detalhados do universo individual do interior da moradia, quando a maior
parte das moradias e do contexto urbano constituem imenso universo
clandestino que ignora normas mais gerais e básicas? (MARICATO, 1996,
p. 23)
O intenso crescimento das cidades, como já visto nas subseções anteriores
2.1 e 2.2, deixou transparecer um Estado fragilizado, sem repertório para atender às
necessidades demandadas. Por outro lado, a “ocupação anárquica do solo está
coerente com a lógica do mercado fundiário capitalista, restrito, especulativo,
discriminatório e com o investimento público concentrado” (MARICATO, 1996, p. 66).
Quando se trabalhou as leituras trazidas dos exemplos sobre a cidade e a
lei, e sobre as relações políticas que envolvem a cidade neste capítulo, buscava-se
trazer um sentido de entendimento a partir de outras realidades complexas que
envolvem o urbano e suas periferias como em outros casos estudados no Brasil.
Neste sentido, na seqüência estudar-se-á o processo de formação sócio-
espacial ambiental e cultural de Curitiba, para que se possa elucidar a trajetória da
capital paranaense, que perpassa pela industrialização e conseqüente periferização,
tendo como o objeto analítico a Vila Nossa Senhora da Luz neste contexto de
complexidade.
52
3 QUANTAS CURITIBAS
Me diga quando
Essa gente inerte abre a matraca
Vamos discutir política e poesia, no passeio publico
Será que alguém pagaria um tratamento para os dentes da boca maldita?
Pois a cidade anda rota e cárie já chegou nos ossos da mandíbula
Tua propaganda não te dá pai ou pátria
Você continua uma menina órfã
E eu não sigo andando por tuas ruas
Tuas vielas não encantam mais
Vamos nos lembrar:
Houveram negros chicoteados no largo da ordem
A Cruz Machado é um submundo, tem viciado, tem pedofilia...
É só você que não enxerga,Curitiba:
Teu sangue é preto, branquelinha.
(“Tratamento Dentário”, música de Carlito Birolli, 2010)
53
3.1 DAS “AGRESTES CABANAS CURITIBANAS”.
Os habitantes dessa região pronunciam o português sem as alterações a
que já me referi e que são um dos sinais de mistura da raça caucásia com a
raça indígena; são eles geralmente altos e bem feitos; têm cabelos
castanhos e tez rosada; as suas maneiras são corteses e a fisionomia
franca, e não têm absolutamente nada dessa basófia que, com muita
freqüência, tornam insuportáveis os empregados e os negociantes da
capital do Brasil. [...] Em suma, têm os curitibanos alguns traços de
semelhança com os seus vizinhos, os habitantes do Rio Grande do Sul;
mas, permita-me dizê-lo, são mais brasileiros que os riograndenses. A sua
hospitalidade não é ultrapassada pela dos mineiros; e se não possuem a
inteligência destes, são, entretanto, mais perseverantes e participam mais
pronunciadamente da natureza de seus antepassados europeus (SAINT-
HILAIRE, [1820] 1993, p. 118).
O botânico francês Auguste de Saint-Hilaire veio para o Brasil em 1816 e
aqui permaneceu até 1822, visitando várias cidades inclusive a ainda tímida Curitiba
em 1820. Seus relatos são preciosos uma vez que mostram uma visão estrangeira e
rica em detalhes da vida colonial no Novo Mundo.
As origens de Curitiba são similares a tantas outras vilas seiscentistas: a
princípio uma “terra de todos” (MARTINS, 1993, p. 07), ocupada de maneira
transitória por diversos grupos indígenas (guarani, caingangue e xokleng), por
bandeirantes que aqui chegaram pelos caminhos de Peabiru para caçar índios e
procurar ouro, por povoadores anônimos, em arraiais mais ou menos estáveis, “de
quantos nele se estabeleciam para minerar ou mascatear víveres com garimpeiros”
(MARTINS, 1993, p. 07).
De fato, a ocupação portuguesa dos campos de Curitiba teve início em 1649,
quando, a mando do governador do Rio de Janeiro, o Administrador das Minas,
Eleodoro Ébano Pereira, organizou uma expedição a partir de Paranaguá em
direção ao planalto curitibano, com o objetivo de encontrar novas minas de ouro,
devido à escassez das existentes no litoral. Em 1650, durante sua segunda
inspeção, Ébano Pereira registrou a criação de um pequeno povoado – a Vilinha –
às margens do rio Atuba, dando conhecimento da pequena localidade às
autoridades portuguesas (FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, 2000, p. 02).
Não há registros do local exato desse povoamento nem das suas reais
condições, mas se sabe que a população buscou outro lugar mais a oeste para a
vila definitiva.
54
Dizia-se por ocasião de minha viagem, que os primeiros moradores dessa
região se haviam estabelecido a princípio em um lugar denominado Vila
Velha, pouco distante da Serra de Paranaguá, e onde levantaram algumas
palhoças. Ignoro se a permanência nesse lugar lhes era inconveniente; o
certo é que nêle ficaram pouco tempo. Segundo velha lenda, a imagem de
Nossa Senhora da Luz, sua padroeira, amanhecia todos os dias com os
olhos voltados para o local em que atualmente se acha Curitiba, e, por êsse
motivo, diz a mesma lenda, para ali se transladaram os povoadores de Vila
Velha (SAINT-HILAIRE, [1820], 1993, p.107).
À lenda descrita acima por Saint-Hilaire soma-se outra onde o núcleo
definitivo da povoação teria sido escolhido com a intermediação do cacique dos
Campos de Tindiqüera. Este, a pedido dos colonizadores, que sofriam com a fome e
estavam insatisfeitos com a mineração, teria ajudado a encontrar o novo espaço no
qual seria construída a capela de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais. Após muito
procurar, o cacique parou em uma planície repleta de pinheiros e disse: – Taki keva,
Kur’yt’yba (Aqui, muito pinhão), indicando um bom local onde os colonos não
passariam fome (FRAGA, 2003, p.35).
Também há dúvidas se o local inicial do novo povoado tenha sido
precisamente onde hoje se encontra a Praça Tiradentes, uma vez que há autores
que divergem indicando o Alto do São Francisco para tal. De qualquer forma, a partir
de determinado momento, concorda-se que “à Praça Tiradentes coube a condição,
planejada ou não, de ser a praça central da vila, na qual acabou se estabelecendo a
capela de louvor à Santa padroeira” (FRAGA, 2003, p.36).
Hoje, Curitiba, a capital do estado do Paraná (Região Sul do Brasil), localiza-
se nas coordenadas geográficas médias de 25°25‟48‟‟ de latitude e 49°16‟15‟‟ de
longitude oeste (Fig. 2). Ocupa uma área de 432,17 km², sendo sua extensão de
20km na direção leste-oeste e de 35km na direção norte-sul (IPPUC, 2010, s.p.).
A história oficial de Curitiba inicia-se em 1668 quando, em nome do donatário
da capitania Marquês de Cascais, ocorreu a tomada de posse da povoação por
Gabriel de Lara, então Capitão Mór de Paranaguá, “nela encontrando dezessete
moradores representativos da sociedade que aí se estava constituindo, e que lhe
requereram a instituição da Vila” (MARTINS, 1993, p. 08). Nesse mesmo ano,
Mateus Martins Leme, morador da povoação desde 1661, foi nomeado Capitão-
Povoador e levantado o Pelourinho como símbolo da autoridade regional.
55
Figura 2. Posição geográfica de Curitiba.
Fonte: IPPUC, Banco de dados, 2010.
Esses “moradores representativos” moravam em sítios dispersos no
planalto, porém muitos deles tinham casas na praça da Capela para as quais
vinham, principalmente, por ocasiões de práticas e solenidades religiosas. Além
desses, encontravam-se pela região aventureiros errantes, índios, negros e seus
mestiços, que a princípio foram úteis ao trabalho servindo aos primeiros portugueses
56
que ali se estabeleceram, mas que se tornaram elementos perturbadores ou
inconvenientes à comunidade curitibana (MARTINS, 1993, p.9,10 e 11).
Assim, em 29 de março de 1693, respondendo aos apelos da população que
requeria que se contivesse “essa desmandada gente” e que assim houvesse “paz,
quietação e bem do povo”, com “temor a Deus e a El Rei” e assim “se porem as
cousas em bom caminho”, foi fundada a Vila de Curitiba através da eleição da
Câmara de Vereadores (Fig. 3), como exigiam as Ordenações Portuguesas
(MARTINS, 1993, p.11).
Figura 3. Livro Tombo da Câmara da Vila de Curitiba, com sua data de criação e a assinatura de
alguns signatários.
Fonte: FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, Acervo da Casa da Memória, 2010.
Para Romário Martins [1874-1948], um dos fundadores do Instituto Histórico
e Geográfico Paranaense e um dos principais articuladores do movimento Paranista,
em seus escritos sobre o nascimento de Curitiba, dizia ser fácil imaginar como era a
sociedade local nos tempos da criação da Vila:
Um reduzido núcleo central de povoadores em torno de uma érmida tão
tosca como os demais casebres em que o pau-à-pique e a taipa constituíam
as mais avançadas conquistas da arte de construção predial e em que o
sapé e as plantas de butiazeiro sobrepostas formavam os agrestes telhados
(MARTINS, 1993, p.13).
Em 1721, com uma população de cerca de 1.400 habitantes, Curitiba
recebeu a visita do Ouvidor Raphael Pires Pardinho, ao qual coube reunir o conjunto
57
documental composto pela ata de fundação e pelas primeiras ordenações (Fig. 4),
detalhar as indicações precisas que orientassem o crescimento da vila, bem como
dar instruções para o correto funcionamento da justiça e estabelecer normas de
bem-viver (FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, 2000, p. 03).
Figura 4. Provimento do Ouvidor Pardinho, 1721.
Fonte: FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, Acervo da Casa da Memória, 2010.
Tais regulamentações proibiam a construção de moradias sem a autorização
prévia da Câmara, delimitavam áreas para o corte de árvores e exigiam que, nas
novas propriedades, somente fossem construídas casas cobertas com telhas e
outras benfeitorias. Ainda determinavam o dever das novas casas em continuar as
ruas já iniciadas para que a vila crescesse uniformemente e gerasse vizinhança.
Outra exigência, interessante ambientalmente, era que os moradores limpassem
todos os anos o Rio Ribeiro, atual Belém, para evitar o banhado que se formava em
frente à igreja-matriz (FRAGA, 2003, p. 37).
Em 1738, foi aberto o Caminho do Viamão, ligando o estuário do Guaíba, no
Rio Grande do Sul, a Sorocaba, em São Paulo, onde se realizavam as grandes
58
feiras de animais. Curitiba ficava no entroncamento deste roteiro com a ligação ao
litoral paranaense tornando-se um centro de atração de povoamento do sertão
(FRAGA, 2003, p.37). Neste período, os fazendeiros alugavam suas fazendas aos
tropeiros, para que esses utilizassem seus campos na recuperação dos animais, e
se mudavam para o centro com a finalidade de abrir lojas, armazéns e escritórios de
negócios ligados ao transporte de gado. A “Vila de Nossa Senhora da Lux dos
Pinhais de Curytiba”, à segunda metade do século XVIII, era formada, em sua
maioria, por famílias de poucas posses às voltas com a agricultura de subsistência,
com vínculos primordiais com o tráfico de gado, não podendo ser descrita como um
núcleo urbano de porte (CAVAZZANI, 2002, p.1).
O distrito de Curitiba, já em 1780, possuía 3.194 habitantes (dos quais 848
eram escravos), conforme consta no Livro Tombo da Matriz (FUNDAÇÃO
CULTURAL DE CURITIBA, 2000, p. 04). Com o esgotamento do ouro nas Minas
Gerais e conseqüentemente diminuição da demanda pelo transporte animal, a
economia paranaense voltou-se novamente à agricultura, principalmente com o
plantio de trigo, mandioca e arroz, garantindo inclusive tímidas exportações ao final
do séc. XVIII.
Em 1812, a cidade passa à condição de sede da recém-criada comarca de
Paranaguá e Curitiba. Cinco anos depois a população do distrito somava
aproximadamente 10.500 habitantes (FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, 2000,
p. 04).
Em 1820, o já citado francês Auguste de Saint-Hilaire visita Curitiba e assim
a descreve:
Tem ela a forma mais ou menos circular, e compõe-se de duzentos e vinte
casas de pequenas dimensões cobertas de telhas, quase todas de um só
pavimento, sendo muitas, porém, construídas em pedra. [...] As ruas são
largas e bem traçadas; umas foram inteiramente calçadas, e outras, apenas
defronte das casas. A praça pública é quadrada, espaçosa e coberta de
grama. [...] É reduzidíssimo em Curitiba e seus arredores o número de
pessoas abastadas. Estive nas principais casas da cidade e posso dizer
que, nas outras sedes de comarcas e até termos, não encontrei nenhuma
pertencente a homens respeitáveis, que fosse, como aquelas, tão despida
de adornos. As paredes eram simplesmente caiadas e o mobiliário das
salas em que me recebiam constava apenas de uma mesa e alguns bancos
(SAINT-HILAIRE, [1820], 1993, p.109 e 110).
Com o passar dos anos, houve o crescimento da economia da vila devido à
exploração do mate e da madeira e, em 05 de fevereiro de 1842, o então presidente
59
da Província de São Paulo, Barão de Mont‟Alegre, elevou Curitiba à categoria de
cidade (Fig. 5). Uma década mais tarde, em 29 de agosto de 1853, através da Lei
Imperial nº 704, o Paraná tornou-se Província, emancipando-se política e
administrativamente de São Paulo, e assumindo como seu primeiro presidente
Zacarias Góes e Vasconcellos. Com isso, Curitiba eleva-se à condição de capital da
nova Província (FRAGA, 2003, p.40).
Figura 5. Planta de Curitiba em 1830.
Fonte: IPPUC, Banco de Dados, 2010.
A simples titulação de „capital‟ não bastava, pois a cidade ainda sofria dos
mesmos problemas de quando era uma vila: muita lama, pouco calçamento,
escassez de água e falta de saneamento e iluminação. A capital contava na época
com cerca de 30 lampiões de iluminação pública a base de azeite de peixe, 308
casas e 5.819 habitantes; e, logo, Góes e Vasconcellos propõe a construção de
escolas, teatros e clubes, mas não chega a criar uma legislação específica sobre os
problemas urbanos (FRAGA, 2003, p.41).
Em relação às áreas privadas – as construções propriamente ditas –, pode-
se constatar a permanência, estanque ou em alguns casos pouco adaptada, das leis
60
herdadas dos códigos portugueses e da matriz paulistana, isso até o final do século
XIX.
No centro da urbe, mantinha-se a solução colonial, com os paredões sólidos
das residências térreas bordejando o alinhamento da rua e ocupando toda a
frente do lote. Não havia calhas e cada residência encostava,
necessariamente, na sua vizinha. Por isso, a cobertura das residências era
voltada para frente do lote, para a rua. Ao exigir que as obras coincidissem
com o alinhamento da rua, tal legislação urbana impedia a existência de
jardins. O pensamento era que o meio urbano existia em oposição ao meio
campestre. A vegetação era mantida longe do núcleo urbano, e os
eventuais galhos de árvores que se projetassem sobre as ruas deveriam ser
extirpados (DUDEQUE, 2001, p. 248).
Em se tratando da questão urbana em si, em 1855, é contratado o
engenheiro francês Pierre Taulois, como inspetor geral de mediação das terras
públicas, o qual propôs uma série de mudanças, inclusive desapropriações, a fim de
criar uma cidade com forma regular, quadrilátera, com cruzamentos em ângulos
retos e bem definidos, já demonstrando alguma preocupação com a circulação (Fig.
6). “Suas obras foram decisivas na interferência do espaço urbano curitibano, feitas
a partir de critérios técnico-científicos” (FRAGA, 2003, p.41).
Em 1873, foi concluída a Estrada da Graciosa, ligando Curitiba a Paranaguá
e dando início a um período de numerosas novidades e intensas transformações: em
1882, é aberta a Rua da Liberdade em direção ao Largo da Estação; em dezembro
de 1884 acontece a chegada do primeiro trem; também em 1884, foi inaugurado o
Teatro São Theodoro; em 08 de agosto de 1886, abria-se o Passeio Público; em 19
de dezembro do mesmo ano acendia-se a primeira lâmpada elétrica de Curitiba; e
em 08 de novembro de 1887, inauguravam-se as linhas pioneiras dos bondes
puxados a mula (FRAGA, 2003, p.43).
A primeira eleição direta para prefeito em Curitiba foi vencida pelo
engenheiro Cândido Ferreira de Abreu, o qual trabalhou com temas relevantes para
a vida urbana, revisando o Código de Posturas Municipais até então em vigor: novas
determinações quanto aos edifícios em ruínas, comércio, fábricas, oficinas e
curtumes, casas de jogos e divertimentos públicos, cemitérios, limpeza da cidade
(criou multas para quem não mantivessem capinados ou limpos jardins e quintais) e
obrigou a todos a caiarem as fachadas de suas moradias (FRAGA, 2003, p.44).
Após seu curto mandato de dois anos, nos três anos seguintes, outros seis
61
Figura 6. Planta de Curitiba em 1857.
Fonte: IPPUC, Banco de dados, 2010.
prefeitos revezaram o poder. A população crescia vertiginosamente e a cidade
permanecia com carência de infraestrutura sanitária e com ruas sem pavimentação,
inclusive para o núcleo central. A imigração fez a população de Curitiba triplicar em
menos de 20 anos: foram cerca de 28 mil imigrantes entre 1890 e 1896 e mais 27
mil entre 1907 e 1914, sendo a corrente polonesa a majoritária. O Censo de 1900
revelou uma população curitibana com 50.124 habitantes (FUNDAÇÃO CULTURAL
DE CURITIBA, 2000, p. 06).
Com esse forte crescimento populacional, o quadro urbano foi ampliado
consideravelmente, dando início a um processo de hierarquização da cidade. Em
1905, a segregação socioespacial sai da subjetividade e ganha o respaldo
62
legislativo. Tal lei criava uma espécie de zoneamento por classes sociais,
determinando: a Rua da Liberdade, para órgãos da administração pública; as
regiões do Alto da Glória e do Batel, para residências da aristocracia (como os
Barões do Mate, por exemplo) e as regiões do Rebouças e Portão, para as
atividades industriais e as moradias operárias (FUNDAÇÃO CULTURAL DE
CURITIBA, 2000, p. 06). E ainda, visando concretizar a elitização do espaço, a partir
daquela data, não se poderiam construir casas de madeira na zona central, sendo
permitidas somente construções em alvenaria com dois ou três pavimentos. Isto
porque, nessa época, a quantidade de madeira disponível, bem maior do que a
necessidade, fez com que o preço do material no Paraná fosse ínfimo. Ao redor de
Curitiba havia dúzias de serrarias contrastando com a falta de mão-de-obra
qualificada para a construção em tijolos e a necessidade de trazer até o cimento de
outras regiões do país. Sendo assim, uma casa de alvenaria tornava-se cerca de
quatro a cinco vezes mais cara do que uma de madeira.
Por isso, o bom-tom da burguesia da cidade rezava que a madeira devia ser
evitada. Os argumentos sobre as virtudes climáticas, psicológicas ou
culturais da madeira não existiam. Usava-se porque era barato. E por muito
tempo, entrando pelos anos 1970, em Curitiba, construção de madeira
significaria falta de dinheiro e posição social inferior. (DUDEQUE, 2001, p.
249).
Curitiba possuía cerca de 55.000 habitantes ao final da primeira década do
século XX (Fig. 7); os lampiões a gás começam a ser trocados pela luz elétrica e,
com o segundo mandato do engenheiro civil Cândido de Abreu (entre 1912 e 1916),
a cidade assiste uma série de obras consideradas audaciosas para a época. Com
um empréstimo de 6.000 contos, a prefeitura irrompe vários projetos
modernizadores, destacando-se: a construção do Paço Municipal (atual centro
cultural Paço da Liberdade gerenciado pelo SESC-PR), o Mercado Provisório,
calçamento e alinhamento de ruas, a canalização do rio Ivo, a retificação do rio
Belém, a reforma do Passeio Público (projeto de dois arquitetos franceses), a
substituição do transporte em bondes puxados por animais por bondes elétricos e a
doação do terreno onde Victor do Amaral e Nilo Cairo fundaram a Universidade do
Paraná. As ruas centrais da cidade, então pavimentadas, tornam-se palco de uma
nova disputa: velhas carroças lado a lado com os primeiros automóveis importados
pelos barões do mate (FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, 2000, p. 07).
63
Figura 7. Mapa de Curitiba em 1915.
Fonte: FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, Acervo da Casa da Memória, 2010.
Com intuito de regularizar o tráfego de veículos (incluindo aí os de tração
animal), em 1919, o prefeito João Antônio Xavier sancionou uma reformulação no
antigo Código de Posturas, inserindo normas quanto à circulação, à sinalização, ao
estacionamento, ao limite de velocidade, ao registro do automóvel e à habilitação do
condutor. Outros novos capítulos foram incluídos, como o referente aos hotéis,
casas de pensão e internatos e outro quanto à produção de leite (FUNDAÇÃO
CULTURAL DE CURITIBA, 2000, p. 07). Houve também uma delimitação mais
precisa das zonas da cidade, mencionadas nas Posturas anteriores, porém não
explicitadas, dificultando ainda mais as possibilidades em se construir com madeira.
64
Curitiba foi dividida em 3 círculos concêntricos. O primeiro círculo deveria
ser um mostruário da civilidade curitibana, e todas as construções deveriam
ser de alvenaria, no alinhamento das ruas, com alturas idênticas (como a
preocupação era impossibilitar que as mazelas fossem vistas da rua, muitas
residências de madeira foram toleradas atrás da fachada de alvenaria). No
segundo círculo, as construções em madeira eram permitidas, desde que
fossem pintadas a óleo, não tivessem mais de um pavimento, o recuo frontal
tivesse pelo menos 10m e os recuos laterais tivessem 2m, até as cercas. No
terceiro círculo da urbe as obras de madeira deveriam seguir as mesmas
regras, mas, como eram imunes a visitantes de outras plagas, podiam ser
pintadas de cal (DUDEQUE, 2001, p. 249).
De 1920 a 1928, com dois mandatos consecutivos, o engenheiro civil
Moreira Garcez assume a Prefeitura. Até então, o desenvolvimento urbano e o
sistema viário seguia os caminhos naturais entre as ocupações. Garcez, com sua
formação de urbanista, investiu na atração do crescimento para a região sul de
Curitiba, planejando, criando ou remodelando ruas e avenidas nesta direção tais
como: Visconde de Guarapuava, Sete de Setembro, Silva Jardim, Iguaçu e Getúlio
Vargas; bem como suas transversais, Alferes Poli, 24 de Maio, Dr. Pedrosa, Buenos
Aires, Nunes Machado, Lamenha Lins, Brigadeiro Franco e Desembargador Mota.
Também o centro da cidade mereceu atenção com reformas em praças e o
alargamento da Rua 15 de Novembro (Fig. 8), no trecho compreendido entre a Rua
Dr. Muricy e a Avenida Luiz Xavier (FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, 2000,
p. 07).
Figura 8. Rua XV de Novembro final da década de 1920. Foto João Baptista Groff.
Fonte: FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, Acervo da Casa da Memória, 2010.
65
Em 1927, Romário Martins funda o “Centro Paranista”. Responsáveis
também pela publicação da revista “Ilustração Paranaense”, Martins e seus colegas
do Centro passam a promover um movimento ufanista intitulado “Paranismo”, cujo
objetivo era “promover e estimular todas as iniciativas úteis ao progresso e à
civilização do Estado do Paraná” (FRAGA, 2003, p.47). O movimento tinha como
meta mais abrangente a construção de uma identidade cultural para o Paraná,
visando elaborar uma história regional, exaltando os heróis locais e buscando
identificar símbolos característicos (Fig. 9 e 10). Em 1930, Curitiba contava então
com cerca de 93.000 habitantes.
Figura 9. Capa da Revista Ilustração Paranaense, de João Turim (1928)
Fonte: DUDEQUE, 2001.
Figura 10. Coluna com detalhe em pinha. Ordem Paranaense, de João Turim (1929)
Fonte: DUDEQUE, 2001.
66
3.2 PLANO: PRA QUÊ TE QUERO?
Na década de 1940, com o declínio da atividade ervateira e a incipiente
produção cafeeira no Estado, aumenta o êxodo rural e, por conseqüência, aumenta
o crescimento populacional na capital chegando, segundo censo demográfico, em
140.656 habitantes (MENEZES, 1996, p.65). A administração pública vê então a
necessidade de um grande plano para a estruturação urbana da cidade e contrata a
empresa paulista Coimbra Bueno & Cia, que por sua vez, encomendou o plano ao
arquiteto francês Alfred Agache.
Quando o interventor do Paraná Manoel Ribas e o prefeito de Curitiba
Alexandre Beltrão solicitaram seus serviços (Fig. 11), Donat Alfred Agache [1875–
1959] já tinha em seu currículo a criação de Camberra, capital da Austrália, e
experiências brasileiras de planejamento no Rio de Janeiro e Santos. Foi membro-
fundador da Sociéte Française dês Urbanistes e também membro da Section
D’ygiene Urbaine et Rurale du Musée Social de Paris. Seus membros defendiam
princípios urbanísticos baseados em uma visão sistêmica, comparando as
aglomerações urbanas a organismos vivos. O zoneamento funcional era o indicado
como solução (remédio) para os problemas: assim devendo ser atribuída a cada
zona (órgão) uma função específica – moradia, circulação, recreação, trabalho – e
nos casos mais graves, intervenções diretas sobre determinados setores (as
cirurgias) (MENEZES, 1996, p. 64 e 65).
Figura 11. Manoel Ribas analisando o Plano Agache.
Fonte: FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, Acervo da Casa da Memória, 2010.
67
De certa maneira, a utilização de um zoneamento funcional já tinha sido
aplicada em Curitiba, mas com um intuito de higienização e/ou segregação social.
Agora a proposta seguia as orientações do Movimento Modernista, o qual pensava o
zoneamento monofuncional como forma de disciplinar, induzir e, principalmente,
socializar o processo de desenvolvimento urbano4.
Concluído e aprovado em 1943, o Plano de Urbanização de Curitiba (Fig.
12), conhecido como Plano Agache, foi construído sobre três pilares fundamentais.
Figura 12. Plano de Urbanização de Curitiba de 1943.
Fonte: IPPUC, Banco de dados, 2010.
O primeiro dizia respeito ao saneamento – esgoto e rede de abastecimento
de água, canalização de rios e drenagem dos banhados. O segundo tratava do
descongestionamento do tráfego urbano, através do Plano de Avenidas (Fig. 13), o
qual estabelecia os princípios de circulação, interligando os diversos centros e
fazendo a comunicação com as áreas externas da cidade. Tal sistema resultaria em
4 Empenhados na resolução da crise em que o capitalismo industrial lançou a organização metropolitana,
apareceram vários movimentos de vanguarda modernista. De 1922 em diante, essas diversas vanguardas tentaram, com aparente pressa, unificar suas posições sobre a arte moderna e a metrópole associando-se aos CIAM - Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna [de 1928 até meados da década de 1960, os CIAM constituíram o mais importante fórum internacional de debate sobre o assunto]. No CIAM IV, de 1933, surgiram os artigos da Carta de Atenas – um diagnóstico e análise comparativa de trinta e quatro cidades européias, com propostas que se tornariam um verdadeiro manifesto da urbe moderna. Um dos artigos da Carta propõe a definição de um rígido zoneamento monofuncional dividindo a cidade em cinco regiões: Moradia, Lazer, Trabalho, Circulação e Edifícios Públicos (FRAMPTON, 1997, p.328).
68
uma conformação radiocêntrica à cidade – 4 vias perimetrais em forma de anéis
concêntricos cruzadas por vias radiais (MENEZES, 1996, p. 66). O terceiro pilar
propunha a divisão da cidade em zonas especializadas, com a implantação de
setores monofuncionais: militar (Bacacheri), esportivo (Tarumã), de abastecimento
(Mercado Municipal), da educação (Centro Politécnico), industrial (Rebouças),
administrativo (Centro Cívico) e alguns centros de recreação e lazer (Parque Rio
Barigüi, Parque Ahú, Parque Capanema, entre outros). (Fig. 14)
Figura 13. Plano de avenidas. Plano Agache.
Fonte: IPPUC, Banco de dados, 2010.
69
Figura 14. Plano Agache.
Fonte: IPPUC, Banco de dados, 2010.
Embora desde os anos 40 do século XX Curitiba já convivesse com os
primeiros núcleos de favelamento, o Plano Agache não apresentou nenhuma
medida especial em relação à questão habitacional. As orientações ficavam apenas
em extirpar qualquer indício de formação de núcleos informais, pois “uma única
habitação de favela que apareça será o gérmen e a proliferação deste vírus é
espantosa” (BOLETIM PMC, 1943, p.57 apud MENEZES, 1996, p. 67).
Nem todas as diretrizes propostas pelo Plano Agache vieram a se
concretizar por motivos alternados de ordem jurídica, política e econômica. No
entanto, algumas delas foram executadas e o resultado é perceptível ainda hoje
como, por exemplo, os Centros Cívico, Militar do Bacacheri e Politécnico (campus da
UFPR).
Nos anos seguintes, Curitiba continuava ter taxas anuais de crescimento
demográfico muito acima da média brasileira, muito devido ao enorme crescimento
da produção do café no norte paranaense o qual expulsou os pequenos proprietários
e trabalhadores de outras especialidades. Tentando adaptar a cidade ao aumento
expressivo populacional, em julho de 1953, foi aprovada a primeira Lei de
Zoneamento propriamente dita (Lei nº 699/53), que dividia a cidade em quatro áreas
70
distintas: Residencial, Comercial, Industrial e Agrícola. A zona Residencial era
subdividida em principal (ZR-1), com duas subzonas: Centro Cívico (ZCC) e Centro
Esportivo (ZCE), média (ZR-2), secundária (ZR-3) e rural (ZR-4). A zona Comercial
também possuía uma subdivisão entre zona principal (ZC-1) e secundária (ZC-2)
(FRAGA, 2003, p.64).
Em 1956, com a assessoria do Instituto Brasileiro de Administração
Municipal (IBAM), o prefeito Ney Braga implantou uma reestruturação administrativa
na Prefeitura, criando o Departamento Municipal de Planejamento e Urbanismo, com
o objetivo de exercer o controle urbanístico da cidade, aplicar a recente Lei de
Zoneamento e rever o Plano Agache (MENEZES, 1996, p. 70). Em 1963, foi criada a
Companhia de Urbanização de Curitiba – URBS – sociedade de economia mista que
tinha como finalidade inicial a administração do Fundo de Urbanização e
Saneamento e como objetivo promover estudos para a formulação de um Plano
Diretor para Curitiba.
No ano seguinte, a PMC solicitou a Companhia de Desenvolvimento do
Paraná – CODEPAR – um financiamento para algumas obras na cidade. Esta, por
sua vez, informou que só poderia financiar se as ditas obras estivessem incluídas
em um plano urbanístico geral. Assim, foi aberta uma concorrência nacional para a
seleção do futuro Plano Preliminar de Urbanismo (PPU), a qual foi vencida pelo
consórcio paulista Sociedade Serete de Estudos e Projetos Ltda. e o escritório Jorge
Wilheim Arquitetos Associados (MENEZES, 1996, p. 77 e 78). Em 1965,
paralelamente à elaboração desse Plano (Fig. 15), foram criadas duas instituições
que tiveram fundamental importância na sua implementação: a Companhia de
Habitação Popular de Curitiba – COHAB-CT; e a Assessoria de Pesquisa e
Planejamento Urbano de Curitiba – APPUC, posteriormente rebatizada de Instituto
(IPPUC).
A COHAB-CT é uma empresa de economia mista que tem como acionista
majoritário a Prefeitura de Curitiba. Foi criada para atuar como agente do Sistema
Financeiro de Habitação – SFH e conduzir a política habitacional do Município
(assim como, também em 1965, foi fundada a Companhia de Habitação do Paraná –
COHAPAR – para execução dos programas habitacionais do governo estadual).
Aprovado pela Câmara de Vereadores em 1966 (Lei n. 2.828/66), o PPU ou
Plano Serete – como ficou conhecido – pautava três transformações básicas na
cidade: a cultural, a física e a econômica.
71
Figura 15. Plano Preliminar de Urbanismo, 1965.
Fonte: IPPUC, Banco de dados, 2010.
Em se tratando da questão cultural, o plano fazia uma crítica ao
“esvaziamento e à despersonalização dos espaços públicos” (FRAGA, 2003, p.66).
72
Por isso, trabalhou na preservação do patrimônio histórico e ambiental da cidade,
criando parques e bosques e revitalizando o núcleo central de formação da cidade, o
qual foi interditado ao tráfego de veículos (a Rua XV de Novembro foi o primeiro
calçadão do país). No bairro do Prado Velho, foi transformado em teatro de arena
um velho depósito de pólvora, o Teatro Paiol, em 1971. No Parque São Lourenço,
uma fábrica de cola e adubos desativada foi transformada no Centro de Criatividade
de Curitiba. E em 05 de janeiro de 1973 foi criada a Fundação Cultural de Curitiba
(MENDONÇA, 1998, p. 20).
Com relação à estrutura física da urbe, o plano deu continuidade ao
zoneamento monofuncional já em prática, porém visando uma maior integração
entre uso do solo, transporte coletivo e sistema viário. Aproveitando, em alguns
casos, a caixa de avenidas projetadas por Garcez e posteriormente Agache, foi
proposto um sistema estrutural trinário - com duas vias rápidas e uma via central,
com canaleta para o transporte de massa e vias vicinais lentas - indutor da expansão
urbana no sentido norte-sul. Ao longo dessas estruturais foram implantados novos
terminais aos quais convergem além dos ônibus Expressos (hoje bi-articulados) que
passaram a circular pelas canaletas, os Interbairros (com rotas circulares) e os
Alimentadores (que fazem a conexão dos bairros mais distantes até os terminais),
configurando a nova Rede Integrada de Transportes – RIT.
A transformação econômica proposta pelo plano estava vinculada à criação
de um novo distrito industrial para a cidade – o qual será tratado na subseção
seguinte.
3.3 UMA CIDADE DENTRO DE OUTRA CIDADE.
Como já visto no histórico anteriormente trabalhado, até a década de 1960, a
maioria das indústrias existentes na cidade estava instalada no Rebouças. As
primeiras empresas de porte que surgiram na região, no final do século XIX, foram a
fábrica Paranaense de Phósphoros de Segurança e o engenho de erva-mate de
Nicolau Maeder; seguidas das cervejarias Glória e Atlântica (posteriormente
adquirida pela Brahma para se tornar sua sede paranaense) (BARACHO, 2000,
p.17). Optaram por imóveis no Rebouças por questões de ordem prática, devido à
presença da estação ferroviária – facilitando tanto a chegada de matéria-prima
73
quanto o escoamento da produção. Agache em seu planejamento monofuncional
decidiu manter e incentivar que as indústrias se instalassem no local, confirmando a
tendência natural.
Espalhadas por outros bairros e cidades periféricas, existiam algumas
indústrias como olarias, madeireiras, moveleiras, frigoríficos e torrefadoras de café.
Mesmo assim, Curitiba caracterizava-se por seu perfil de economia terciária e
administrativa.
Em 1966, de 20 a 28 de março, aconteceu na CODEPAR (Companhia de
Desenvolvimento Econômico do Paraná) o I Seminário de Desenvolvimento
Industrial de Curitiba. Nesse Seminário foi concluído que o lugar ideal para abrigar
um distrito industrial seria o Prado de São Sebastião, na parte oeste da cidade. Tal
área era plana o suficiente para abrigar construções (com um declive médio de 0,5
por cento) e possuía uma boa situação com relação aos ventos predominantes (que
não se direcionavam para zonas habitadas, assim incólumes aos resíduos gasosos)
(MENDONÇA, 1998, p. 26).
Na seqüência, em 10 de janeiro de 1967, através de um decreto municipal
assinado pelo então prefeito Ivo Arzua Pereira, a área citada no Seminário foi
declarada improdutiva e inexplorada, delimitando assim o novo distrito industrial:
Inicia na confluência do Rio Passo do França com a BR-116, segue pelo
Arroio do Pulador até a confluência com o Rio Barigui, seguindo à
confluência com o Arroio do Andrade e por este até seu cruzamento com a
Rodovia do Xisto, segue até a BR-116, prosseguindo com esta até o ponto
inicial, perfazendo um total de 700 hectares (MENDONÇA, 1998, p. 26).
Entretanto, após fixar o limite da área nada foi feito – nenhum trabalho de
infraestrutura nem um programa de atrativo para as empresas. Assim, o decreto de
Ivo Arzua ficou esquecido até 1971, quando o prefeito Jaime Lerner determinou que
os estudos da futura Cidade Industrial – que não deveria mais parecer um distrito
segregado – fossem retomados pelo IPPUC.
Em 19 de janeiro de 1973, nascia a Cidade Industrial de Curitiba – CIC –
como resultado de um convênio entre a URBS e o governo do Estado do Paraná,
quando o projeto foi lançado pelo governador de então, Pedro Viriato Parigot de
Souza, no auditório do BADEP (Banco de Desenvolvimento do Paraná S/A.). Sua
inauguração na própria área ocorreu somente em 05 de março de 1975, mas seus
limites para fins de desapropriação foram logo definidos através do Decreto nº
74
30/1973, o qual declarava seus 43,7 milhões de metros quadrados de utilidade
pública:
Inicia na BR-116, em Tatuquara, no cruzamento com a nova estrada de
ferro - trecho Engº. Bley - Curitiba, por esta até o Rio Barigui, por esta a
montante até o córrego que é divisa dos Municípios de Curitiba e Araucária,
por este numa distância de 850,00 metros até a estrada velha do Barigui (1-
1.040), por esta em direção norte numa distância aproximada de 1.750,00
metros até o cruzamento com uma estrada carroçável, desse cruzamento
por uma linha seca rumo 19ºNO, numa distância de 1.900,00metros até a
estrada código ligação 1041, por esta em direção norte até a Rua Raul
Pompéia, antiga estrada da Colônia Augusta, por está até a estrada da
Irradiação, por esta em direção norte até a estrada de código 1131 1, por
esta até a Rua Pedro Cruzeta, por esta até a Rua Eduardo Sprada (antiga
estrada de Campo Largo), desse cruzamento por uma linha seca até o
marco quilométrico nº 6 (seis) da BR-277, por esta até o quilômetro 4 no
cruzamento com a Rua João Falarz, por esta até o loteamento Domingos
Zanlorenzi e Planta Campo Comprido, contorna esses loteamentos a oeste
e segue ao sul pelo Rio Campo Comprido até o Rio Barigui, por este
ajusante, até o contorno ao sul dos loteamentos Francisco Klentz, Santa
Amélia e Santa Ana até o Cemitério Jardim da Saudade, pelo sul até a Rua
João Betega, por esta a Rua General Potiguara, por esta até a Rua Pedro
Gusso, por esta até o início do córrego Capão Raso, por este até o Ribeirão
do França, por este, a montante, até uma estrada carroçável, daí por esta
contornando terras do Ministério do Exercito até a BR-116, por esta Rodovia
até a nova estrada de ferro ponto de partida.
A Lei nº 4773/1974 alterou o zoneamento existente para incorporar a área
da CIC, até então tida como zona de expansão urbana, definindo as zonas
industriais e conectoras, porém sem estabelecer nenhum parâmetro de uso e
ocupação do solo (Fig. 16). A Lei nº 774/1975, que criou os 75 bairros que existem
hoje em Curitiba, confirmou a configuração acima descrita para o bairro CIC.
Sozinha, essa região representa 10% da área de Curitiba: uma extensão muito
significativa com impacto proporcional. Em entrevista por ocasião dos 25 anos de
criação da CIC, o engenheiro Cássio Taniguchi – ex-prefeito de Curitiba e presidente
da URBS na época – exprime uma contradição em sua fala sobre o que existia na
área oeste de Curitiba:
Nada, absolutamente nada. Existia um vazio. Eram fazendas e havia um
único assentamento naquela região, a Vila Amureiros. Era um loteamento
de adventistas que praticavam, inclusive, agricultura sem agrotóxicos, algo
muito interessante. Calculo que havia umas 55 famílias, onde hoje está a
Bosch (MENDONÇA, 1998, p. 23).
75
Figura 16. Zoneamento de Curitiba – Lei nº 4199 e 4773/ 1974.
Fonte: URBS, 1974, apud POLUCHA, 2010.
Na região também se encontravam imigrantes poloneses e italianos (embora
estes mais ao Norte, nas imediações de Santa Felicidade e Rondinha). E no
intervalo entre o decreto de Ivo Arzua Pereira e o decreto de Jaime Lerner, aquele
lugar, antes dito inexplorado, passou a uma ocupação de 12,5 milhões de metros
quadrados – entre residências e algumas indústrias madeireiras e de alimentos.
Contudo, como seis anos antes, 32,54% das propriedades ainda permaneciam nas
mãos de poucos nomes: João Lourenço Taborda Ribas, a família Athayde, a Igreja
76
Adventista do 7º Dia, Moysés Lupion de Tróia, Pretextato Pena Forte, Brasílio de
Araújo Neto, os Zugman, a Técnica Florestal, Ricardo Burgel, Oscar Ermínio Ferreira
Filho e Jayme Canet Jr. (MENDONÇA, 1998, p. 27).
Assim, iniciaram-se as desapropriações dos terrenos optando-se pelo preço
de mercado na época (US$ 0,10 por metro quadrado) (MENDONÇA, 1998, p. 32).
Entretanto, transformar bens privados em públicos é uma coisa muito complicada,
um processo lento e custoso, que passaria a ser uma das principais fontes de gastos
do projeto. Uma verdadeira bola de neve, pois para que as empresas viessem e a
CIC se tornasse um sucesso, era necessária a implantação da infraestrutura
prometida; e com os melhoramentos na área, as sentenças judiciais aumentavam o
valor das indenizações, arrastando ainda mais pendências judiciais.
Outra grande despesa do projeto girou em torno do marketing efetuado para
que o empresariado enxergasse a CIC como algo viável. Embora o país estivesse
passando pelo chamado “Milagre Brasileiro” e os investidores internacionais à
procura de novas praças (com o excesso de eurodólares e petrodólares no
mercado), as vantagens comparativas de Curitiba eram praticamente nulas aos
olhos estrangeiros. Houve um intenso programa de divulgação do empreendimento
em vários idiomas, utilizando os meios mais sofisticados da época e os mais
apelativos – o que incluía gentilezas às missões empresariais visitantes como
passeios à Foz do Iguaçu e litoral paranaense. Além dos incentivos padrões como
isenção de ISS (Imposto sobre Serviços) e IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano)
por até dez anos, terraplenagem e demarcação das áreas, Jaime Lerner conta
estratégias de convencimento adotadas:
“Nós nos agarramos à qualidade de vida como argumento essencial para
convencer os empresários de fora que queríamos atrair e, quando
sentíamos que isso não os sensibilizava, escrevíamos cartas às suas
esposas contrapondo as facilidades da vida em Curitiba às dificuldades dos
grandes centros” (MENDONÇA, 1998, p. 22).
A primeira indústria a se instalar na CIC foi a curitibana Plastipar. Das
estrangeiras, a pioneira a fechar acordo para a instalação foi a alemã
Siemens/Equitel seguida da New-Holland, as quais acabaram por atrair outras
empresas por gravidade.
Outro gasto somado aos de obra de infra-estrutura, desapropriações e
divulgação foi a necessidade de contratação de serviços terceirizados para o
77
cadastramento dos imóveis e a elaboração dos projetos, inclusive do sistema-viário,
uma vez que a URBS não dispunha de quadro funcional próprio.
A URBS também não contava com um fundo ou algum outro dispositivo legal
municipal para o financiamento do empreendimento. E de onde vieram todos esses
recursos? O Município efetuou empréstimos junto a instituições financeiras como o
Bamerindus, o Banco Nacional e em menor escala o Banco do Estado do Paraná.
Houve um acordo – sem ser efetivado em formato legal – que o Estado repassaria
mensalmente o equivalente a 30% do acréscimo na arrecadação do então ICM
(Imposto sobre Circulação de Mercadorias - hoje, ICMS: Mercadorias e Serviços)
obtido com as novas indústrias. Também as estatais – Telecomunicações do Paraná
S/A - TELEPAR, a Companhia Paranaense de Energia - COPEL e a Companhia de
Saneamento do Paraná - SANEPAR – se engajaram no projeto apoiando com
serviços. E ainda houve uma linha especial de crédito do BNH financiando as obras
de infra-estrutura, uma vez que o projeto incluía áreas habitacionais. “A CIC deve ter
sido a única cidade industrial do país a ser financiada pelo BNH”, afirmou Cássio
Taniguchi (MENDONÇA, 1998, p. 33).
Através de lei de 20 de junho de 1980, a Prefeitura desvincula a
administração da CIC da URBS, passando a função para uma empresa de economia
mista específica – a CIC S.A. É o início de um período de grande recessão
econômica em todo o país. Não há mais o Milagre Brasileiro, o Estado interrompe o
repasse do ICM e a crise assola a CIC, com uma dívida que ultrapassava a cifra de
US$ 110 milhões (MENDONÇA, 1998, p. 55).
A nova gestão da CIC inicia então uma política agressiva de venda de
terrenos, subdividindo áreas de qualquer maneira visando atrair empresas de
pequeno porte. Também foi proposta a desistência de algumas ações, já que os
custos dos processos ultrapassavam o valor dos lotes. “[...] como não tínhamos
dinheiro pra pagar os advogados, pagávamos em lotes”, afirmou Luiz Groff, primeiro
presidente da CIC S.A. indicado ao cargo por Jaime Lerner (MENDONÇA, 1998, p.
55).
Em 10 de junho de 1991, nova alteração interna e a companhia mista “CIC
S.A” passa a ser “CIC Companhia de Desenvolvimento de Curitiba”, destinada a
atrair investimentos em toda a cidade. Em 30 de setembro do mesmo ano, quase 20
anos após a largada, é assinado um convênio para pagamento da dívida da CIC,
onde o Estado compromete-se com 60% e o Município, com 40% (MENDONÇA,
78
1998, p. 56).
O projeto foi e ainda é muito questionado sobre sua necessidade, sobre a
escala do empreendimento, sobre a forma como foi administrado e implantado,
sobre a dívida gerada e a qualidade do espaço produzido.
[...] foi através da criação da Cidade Industrial de Curitiba que se forjou uma
autêntica aliança entre os profissionais do urbanismo local com os grandes
interesses privados que, talvez, seja o traço mais importante no desenho da
estrutura do poder contemporâneo no Paraná (OLIVEIRA, 2000, p. 106).
Com o propósito de interligar a área industrial à malha urbana, no PPU
foram projetadas cinco vias Conectoras (Fig. 17), com distâncias médias de 11
quilômetros (MENDONÇA, 1998, p. 28). As vias Conectoras seriam extensões dos
eixos estruturais e, assim como eles, deveriam aliar sistema viário, transporte
coletivo e adensamento habitacional:
Cada Conectora é composta de 3 vias: 2 de tráfego rápido em sentidos
únicos e a central, de tráfego lento, segundo a mesma concepção do
sistema trinário das vias Estruturais. A faixa compreendida entre as vias
componentes das Conectoras é destinada à construção de conjuntos
habitacionais, de alta densidade, bem como, à fixação de atividades
terciárias (IPPUC, 1975, s.p.)
Em 1974 foi elaborado o “Plano Massa das Vias Conectoras da Cidade
Industrial de Curitiba” pelo escritório dos arquitetos Joel Ramalho e Leonardo Oba.
Entretanto, os parâmetros de uso e ocupação do solo para as Conectoras só foram
oficializados através do Decreto nº 857/1975, o qual dividia as Conectoras em duas
faixas: uma industrial, localizada na CIC, e outra habitacional, localizada entre a CIC
e as vias estruturais (POLUCHA, 2010, p.73)
A construção das Conectoras teve início de forma integrada ao processo de
implantação da CIC, sendo as Conectoras 1 e 2 as primeiras a serem implantadas
devido ao adiantamento das obras na porção sul. No entanto, sua execução não
seguiu o planejado, principalmente em relação à via central, que deveria ter uma
canaleta exclusiva para o ônibus. As Conectoras 3 e 4 nunca foram implantadas.
Apenas o projeto da Conectora 5 teve prosseguimento devido ao “Programa de
Obras da Prefeitura de Curitiba no Setor de Transporte e Circulação para o triênio
1976/1978” que previa a criação do Eixo Estrutural Oeste.
79
Figura 17. Esquema de zoneamento de uso do solo em Curitiba, 1974.
Fonte: URBS, 1974, apud POLUCHA, 2010.
80
A expansão da ocupação industrial na área norte da CIC, a implantação
dos respectivos setores habitacionais, com a construção de 12.000
casas populares, a ocupação rápida do oeste da cidade e o grande
adensamento verificado com a implantação parcial da Estrutural Norte
(ramal noroeste), acarretam a necessidade da execução de acessos viários
e de uma canaleta exclusiva para a implantação do sistema de transporte
de massa da zona – o Expresso Oeste, o que será conseguido através da
execução da Conectora 5, à semelhança das demais conectoras e das
estruturais, é um trinário composto de uma via central e de duas vias
externas. A via central se destina a abrigar a canaleta exclusiva do sistema
expresso e as pistas de tráfego contínuo ao longo do setor, além de
servirem como linhas limítrofes dessa zona que permite um grande
adensamento (IPPUC, 1977, apud POLUCHA, 2010, p. 79, grifos do autor).
A criação da CIC era vista por seus idealizadores como uma estratégia
fundamental da cidade no aspecto da geração de empregos – o que realmente
aconteceu, mas em termos absolutos e não relativos à população atraída para o
foco. O zoneamento interno do bairro (Fig. 18) reservava aproximadamente sete
milhões de metros quadrados (dos 43,7 milhões do total) à implantação de
habitações (MENDONÇA, 1998, p. 27), especialmente as habitações de interesse
social, habitações dos operários conforme ditava o histórico do planejamento
curitibano. Houve sim uma grande produção de conjuntos habitacionais populares
na área, mas que não deram conta de atender a demanda dos migrados. Muitos
destes passaram a ocupar áreas irregulares, consolidando ou gerando novas
favelas. Tem-se que, nos anos de 1980, o crescimento populacional da CIC
prosseguiu com taxas geométricas anuais superiores à média da RMC, com
extremos de 19,69% a.a. (DELGADO, DESCHAMPS, MOURA, 2004, s.p.).
Trata-se, hoje, do bairro mais populoso da cidade. De acordo com o CENSO
2000, a CIC possuía 157.461 habitantes, representando 9,92% da população total
curitibana. São 43.890 domicílios (média de 3,59 pessoas por domicílio)
configurando uma densidade demográfica de 36,30 hab/ha. De acordo com a
estimativa do IBGE, seriam 176.762 habitantes em 2008 e de acordo com projeções
do IPPUC, 180.291 em 2010 [ano desta pesquisa] (IPPUC, 2010, s.p.). Se fosse um
município seria o nono maior do Paraná (Fig. 19).
81
Figura 18. Plano Habitacional da CIC.
Fonte: IPPUC, 1975 apud POLUCHA, 2010.
82
Figura 19. Mapa com o crescimento populacional por bairro.
Fonte: IPPUC, Banco de dados, 2010.
Em se tratando exclusivamente das ocupações irregulares, a CIC abriga 54
áreas onde moram 12.872 famílias, o que representa aproximadamente 51 mil
pessoas (28,3% da população total do bairro) (Fig. 20, 21, 22 e 23).
Figura 20. Foto da ocupação Alto Barigui/ Bolsão Rose - CIC.
Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2010.
83
Figura 21. Fotos de residências em áreas de risco, CIC.
Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2009.
Figura 22. Moradias à beira do rio Barigui já interditadas pela Defesa Civil.
Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2007.
84
Figura 23. Moradores recusam-se a deixar suas casas interditadas pela Defesa Civil.
Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2007.
Entretanto, algumas áreas permaneceram como vazios urbanos como os
terrenos lindeiros à Conectora 5 (Fig. 24 e 25). A região, definida pelo zoneamento
Nova Curitiba (Z-NC), começou a ser explorada somente a partir dos anos 90 e hoje
o Ecoville – como ficou conhecida – tem um dos metros quadrados mais caros da
cidade (OLIVEIRA, 2000, p. 180). Ricardo Polucha avalia em seu trabalho
especificamente a questão da Conectora 5, o surgimento do Ecoville e com isso a
ocupação desigual da CIC:
Observa-se, portanto, no processo de ocupação da Conectora 5 a
contradição de que houve um enorme investimento estatal na execução da
infra-estrutura urbana com o objetivo de induzir uma determinada ocupação
do espaço, mas que esse investimento acabou beneficiando uma pequena
parcela da população. [...] a principal causa desse fenômeno foi a ação de
uma coalizão de interesses, que se apropriou das vantagens localizacionais
oferecidas pela Conectora 5. [...] Ainda que a denúncia de que grupos
específicos souberam antecipadamente do projeto da Conectora 5 e com
isso adquiriam terras a preços irrisórios não possa ser comprovada, é
possível verificar a influência dessa coalizão de interesses em diversos
85
momentos. A execução da Conectora 5 coube à URBS, cujo presidente
nesse período era um empresário do ramo imobiliário que já havia sido
favorecido pelo poder público em outros empreendimentos. Mais tarde, foi
elaborada uma legislação urbanística que direcionou a ocupação da
Conectora 5 para as camadas de alta renda, favorecendo o setor imobiliário
(POLUCHA, 2010, p. 153).
Figura 24. Vazios Urbanos em Curitiba, 1983.
Fonte: COHAB-CT, 1983 apud POLUCHA, 2010.
86
Figura 25. Conectora 5 no início da década de 1980.
Fonte: COHAB-CT, apud POLUCHA, 2010.
Do outro lado da Cidade Industrial, na parte sul, é lançado em 2010 um novo
empreendimento sugestivamente chamado de Neoville (oficialmente Loteamento
Novo Horizonte). Aparece como um novo eixo de exploração imobiliária da capital,
localizado junto à divisa com o Capão Raso – área valorizada muito mais após a
instalação da Administração Regional da CIC nas adjacências (em 29 de março de
2005). O terreno com aproximadamente um milhão de metros quadrados,
pertencente à família do ex-governador Jayme Canet Júnior, foi usado como fazenda
de gado antes da criação da CIC e desde então permaneceu intocado. Em
entrevista a um jornal local, Jayme Canet, o neto do ex-governador e diretor
financeiro da Canet Júnior Desenvolvimento Imobiliário S.A., afirmou que a área foi
alvo de propostas por parte de grandes indústrias, mas a família recusou as ofertas,
pois já vislumbrava o crescimento do mercado e a possibilidade de investir na
incorporação imobiliária do local (RIOS, 2010, s.p). O Neoville será voltado
principalmente a famílias de classe média, com renda de R$ 3.750 a 7mil, alternando
casas, sobrados, condomínios fechados horizontais e verticais (até oito pavimentos)
– o que difere do padrão de habitações operárias. A área em questão é vizinha da
Vila Nossa Senhora da Luz, a qual será estudada por essa dissertação. (Fig. 26)
Em 2009, um grande terreno com testada para a Rua Theodoro Locker – na
continuação do que seria a Conectora 4 - passou por uma tentativa de ocupação por
sem-tetos apoiados pela União Nacional pela Moradia Popular. A proprietária do lote
de aproximadamente 170 mil metros quadrados – Varuna Empreendimentos
87
Imobiliários – conseguiu uma ordem de reintegração de posse em 15 de setembro.
O despejo forçado foi efetuado em outubro. Algumas dezenas de manifestantes se
transferiram para a calçada em frente (Fig. 27) e por lá permaneceram até maio de
2010, mesmo após a Justiça determinar a reintegração de posse da calçada a
pedido da prefeitura de Curitiba (KÖNIG, 2008, s.p).
Figura 26. Área do atual Loteamento Horizonte (nome comercial Neoville) ao lado VNSL.
Fonte: GOOGLE EARTH, 2010.
Figura 27. Foto aérea da ocupação da calçada na Rua Theodoro Locker.
Fonte: GOOGLE EARTH, 2010.
Neoville
88
Outro superlativo que merece destaque é a criminalidade. Atualmente, a CIC
é o bairro mais violento da capital, contabilizando 66 homicídios (das estatísticas
oficiais) só no primeiro semestre de 2010. Neste ano, a prisão do chefe do tráfico de
drogas da região, ao invés de melhorar a segurança local, desencadeou uma série
de crimes numa disputa dos pequenos traficantes para assumir o comando. Tanto as
ocupações irregulares quanto os loteamentos legais da prefeitura foram, aos
poucos, dominados pelo tráfico de drogas. O policiamento encontra dificuldades
devido à extensão do bairro e suas barreiras tanto socioeconômicas quanto físicas
(PERES, 2010, s.p.).
O coronel da Polícia Militar Roberson Bondaruk, autor do livro Arquitetura
contra o Crime, clama por um projeto de reurbanização que propicie melhor
acessibilidade. Segundo Bondaruk, o principal problema é a “inversão de controle de
acesso”. Ele cita como exemplo a Vila Nossa Senhora da Luz onde as vias estreitas,
becos, construções irregulares e imóveis abandonados (os populares ”mocós”)
dificultam a visão dos policiais e facilitam para quem está dentro da Vila ver quem
chega (RIBEIRO, 2010, s.p.).
A CIC é cortada por três rodovias federais– o que para as indústrias significa
facilidade de acesso e escoamento da produção, mas para o grande número de
moradores caracteriza barreiras de acessibilidade (Fig. 28). Possui três terminais de
transporte urbano rodoviário e uma Administração Regional própria.
Figura 28. Trecho da Rodovia Juscelino Kubitschek. Ao fundo, Vila Sabará.
Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2010.
89
3.4 METRÓPOLE POPSTAR
Paralelamente à criação da CIC, em 1973, a Lei Federal Complementar nº
14/73 estabeleceu as primeiras oito regiões metropolitanas brasileiras, “ato
condizente com a ação militar-ditatorial do Estado brasileiro na época: a
necessidade de controlar o desenvolvimento urbano parece associar-se ao controle
da sociedade” (MENDONÇA; CASTELNOU, 2006, p.27).
A Região Metropolitana de Curitiba (RMC), a princípio, era composta por 14
municípios: Curitiba, Almirante Tamandaré, Araucária, Bocaiúva do Sul, Campo
Largo, Colombo, Contenda, Piraquara, São José dos Pinhais, Rio Branco do Sul,
Campina Grande do Sul, Quatro Barras, Mandirituba e Balsa Nova. Esses sofreram
desmembramentos posteriores, dando origem a novos cinco municípios: Campo
Magro, Fazenda Rio Grande, Itaperuçu, Pinhais, Tunas do Paraná. Além desses,
passaram a integrar os limites regionais, outros sete municípios do entorno mais
distante (Doutor Ulysses, Cerro Azul, Adrianópolis, Lapa, Quitandinha, Agudos do
Sul e Tijucas do Sul), conforme legislações estaduais. (Fig. 29)
Embora o modelo desenvolvimentista brasileiro tenha iniciado com o Plano
de Metas do governo Juscelino Kubitschek na década de 1950, foi o regime
autoritário iniciado em 1964 que selou a aliança com o mercado financeiro
internacional, conseguindo financiamentos para a modernização da agricultura e
industrialização – e ampliando o endividamento externo. Um dos instrumentos
criados pelo governo federal para esta empreitada foi o crédito agrícola subsidiado,
“que beneficiou especialmente os grandes produtores rurais na aquisição de
modernas tecnologias, sementes e insumos para a agricultura de exportação, em
especial a soja, principal produto na pauta de exportação agrícola do país” (NEVES,
2006, p. 32).
No Paraná, a cultura da soja foi responsável pela introdução de novas
tecnologias, as quais exigiam altos investimentos monetários, incluindo a aquisição
de terras, o que resultou em uma maior concentração fundiária. O estado sente os
efeitos desta modernização agrícola e sofre uma transição demográfica, vendo sua
população, até então basicamente rural, migrar para a capital. (NEVES, 2006, p. 31)
90
Figura 29. Mapas mostrando a formação da Região Metropolitana de Curitiba.
Fonte: COMEC, 2010.
91
Assim, a RMC nasceu e cresceu num ritmo acelerado de urbanização, com
uma migração muito intensa devido à mecanização do campo e a criação da CIC, o
que efetivou um deslocamento sentido interior-capital dos postos de trabalho. “A
capital do Estado sofreu, dessa forma, um crescimento vertiginoso com os
problemas comuns percebidos no modelo de desenvolvimento adotado pelo regime
militar, como no caso do ABCDM Paulista, por exemplo.” (FRAGA, 2003, p.03).
Desde sua criação, a população da RMC, oficialmente instituída, cresceu de 869.837
(12,55% da população paranaense) até 2.767.282 habitantes, em 2000,
respondendo por 28,94% da população paranaense, caracterizando-se como uma
das regiões metropolitanas com o mais expressivo crescimento populacional no
Brasil (sendo o crescimento da periferia o dobro do crescimento da capital)
(DELGADO, DESCHAMPS, MOURA, 2004, s.p.).
Em 1974, foi criada a Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba –
COMEC – para formular diretrizes que orientassem os municípios nesta nova
realidade legal. A instituição produziu então o primeiro plano regional denominado
Plano de Desenvolvimento Integrado – PDI – sendo apresentado em 1978. O Plano,
embora de grande valia na orientação dos Planos Diretores de cada município,
funciona apenas como diretriz uma vez que a entidade não possui poderes
deliberativos sobre a gestão do território (MENDONÇA; CASTELNOU, 2006, p.27).
Por exemplo, o PDI definia a região leste, em função da presença dos
principais mananciais de abastecimento de água, como área a ser preservada da
ocupação urbana mais intensa. Entretanto, no período 1970-94 foram aprovados
89.089 novos lotes na RMC, a grande maioria localizada entre sudeste e norte do
Aglomerado Metropolitano (PEREIRA, SILVA, 2009, p. 300).
O impactante crescimento populacional metropolitano não foi absorvido pelo
processo de planejamento urbano da capital. A prefeitura da cidade desde a criação
da RMC passou a incorporar a teoria do desenvolvimento integrado à sua agenda,
porém, na prática, o foco permaneceu em ações centrais, empurrando a massa
migratória de baixa renda para fora de sua fronteira administrativa. Os municípios
limítrofes ao pólo, que “formam com Curitiba um fato urbano único”, tiveram uma
intensificação no uso do solo, inclusive sobre áreas ambientalmente frágeis,
aumentando a disparidade entre núcleo e periferia (DELGADO, DESCHAMPS,
MOURA, 2004, s.p.).
Embora o objetivo de todo o planejamento fosse melhorar a qualidade de
92
vida da população, induzir a ocupação próxima aos eixos estruturais, favoreceu a
especulação imobiliária, aumentando o valor dessas áreas e assim tornando
inacessíveis à baixa renda. As taxas de elevação dos preços alcançaram números
expressivos. “Em dez anos – do lançamento do Plano Preliminar até a efetiva
construção das estruturais, os imóveis tiveram uma valorização para o Setor Norte
de 555,55% e o Setor Sul de 603,54%” (ZAMBERLAN, 2006 apud POLUCHA, 2010,
p.35). A análise efetuada pela COMEC em seu PDI aponta:
Os preços altos da terra coincidem com as áreas que apresentam maior
mobilidade, garantida pela infra-estrutura viária e acessibilidade, ou seja,
onde o sistema de transporte coletivo garante, ao longo dos principais eixos
de comunicação, tempos menores de deslocamento até o centro (COMEC,
2006, p.140)
Uma pesquisa do LAURB (Laboratório de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal do Paraná) demonstrou que a estruturação do espaço na RMC
tem e continua tendo uma forte participação do mercado imobiliário. Constatou-se,
ainda, que a relação entre distância do centro de Curitiba, preço da terra e renda da
população residente, parte de um processo de segregação socioespacial, são
fatores presentes tanto na dinâmica do mercado formal quanto na do informal.
(PEREIRA, SILVA, 2009, p. 314)
Marcelo Lopes de Souza afirma que “o planejamento urbano de Curitiba foi
sempre comandado a partir do núcleo, tendo sido um planejamento municipal e não
metropolitano”, enfatizando que a pobreza na RMC, “mais claramente que em outra
qualquer, é periférica (franjas do município-núcleo e município periféricos)” (SOUZA,
2005, p. 304).
Durante a década de 1980, este modelo de planejamento urbano sofreu
oposição no período político das duas gestões do Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB) com Maurício Fruet (de 1983 a 1985) e Roberto
Requião (de 1986 a 1989). O IPPUC, principalmente dentro da gestão de Requião,
deixou de ter o papel centralizador que vinha exercendo até então, perdendo sua
hegemonia sobre a administração da cidade. No governo de Fruet, o IPPUC
elaborou um novo Plano Municipal de Desenvolvimento Urbano (PMDU) o qual
propunha um sistema policêntrico, com cinco subcentros dentro de uma
configuração radial. O PMDU não chegou a ser implantado, porém houve uma
reorientação da ação estatal para as áreas periféricas, através da execução de infra-
93
estrutura urbana e equipamentos públicos (POLUCHA, 2010, p.30).
Em 1989, eleito sob a legenda do PDT (Partido Democrático Trabalhista),
Jaime Lerner retorna à prefeitura, reiniciando uma nova hegemonia. Todos os
prefeitos subseqüentes, eleitos com apoio direto de seu antecessor, de certa forma
deram continuidade ao modelo de desenvolvimento baseado na prática de
planejamento urbano: Rafael Greca, também eleito pelo PDT (1993-1996); Cássio
Taniguchi (1997-2000 e 2001-2004), pelo PFL (Partido da Frente Liberal); Beto
Richa, pelo PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), com um mandato e
meio devido à sua saída para concorrer ao governo estadual (2005-2008 e 2009-
2010) e o atual prefeito Luciano Ducci (vice de Beto).
Nas gestões de Lerner e Greca os destaques ficaram para o programa de
coleta seletiva do lixo (Lixo que não é lixo), a criação das estações de ônibus de
embarque antecipado (estações-tubo) e pela construção de diversos equipamentos
comunitários: Ópera de Arame, Pedreira Paulo Leminski, Rua 24 horas, Faróis do
saber, Ruas da Cidadania, parques e bosques.
No governo de Cássio Taniguchi foi efetuada a revisão do Plano Diretor de
1966. O novo Plano Diretor aprovado em 2000 seguiu os mesmos princípios de
ordenação do crescimento, entretanto criando alguns novos eixos de adensamento
na cidade (nas Av. Marechal Floriano Peixoto, Comendador Franco, Pres.
Wenceslau Braz, Pres. Affonso Camargo, Rua Engenheiro Costa Barros e BR-116).
Estudiosos do IPARDES – Instituto Paranaense de Desenvolvimento
Econômico e Social – apontam o paradoxo do planejamento urbano de Curitiba,
associado à lógica do mercado imobiliário, como o principal provocador e viabilizador
das ocupações das áreas fronteiriças ao pólo. O controle do uso do solo e as
intervenções urbanísticas na capital serviram tanto para conter os efeitos negativos
quanto para valorizar a ocupação no espaço intra-urbano – o que inibiu a ocupação
justamente de quem mais precisava da infra-estrutura proporcionada, deslocando a
população financeiramente desfavorecida para os municípios vizinhos, onde
encontravam legislações mais flexíveis e ofertas de terras ilegais (muitas vezes em
áreas de mananciais parceladas antes da lei federal 6.766/76). “A pequena
arrecadação financeira desses municípios reduz as condições de atendimento à
demanda crescente que se instala, mal permitindo responder às exigências mínimas
de sobrevivência de seus moradores” (DELGADO, DESCHAMPS, MOURA, 2004,
s.p.). Surgem, assim, as cidades-dormitório ligadas umbilicalmente com a capital,
94
dependendo dos seus serviços modernos e de qualidade e oferecendo mão-de-obra
barata.
Em entrevista à Revista “RMC em Debate”, Rosa Moura, uma das principais
pesquisadoras do IPARDES, explica que em Curitiba sempre foi notória a distinção
entre o pólo metropolitano e os municípios periféricos e, mesmo internamente, entre
as porções Norte e Sul da cidade. “A história da capital como um modelo que deu
certo encobriu a existência desse entorno metropolitano muito pobre, acentuando ao
longo do tempo uma absurda desigualdade” (RMC EM DEBATE, 2009, p. 09).
Em 1995, Jaime Lerner assume o governo do Estado do Paraná e dá
continuidade à política publicitária desenvolvida no âmbito municipal. Assim como
aconteceu com a criação da CIC, o poder público trabalhou estratégias de
convencimento e marketing junto a grandes empresas, visando ao mesmo tempo à
manutenção e expansão de investimentos privados existentes e a
internacionalização da economia da Região. Marcelo Lopes de Souza aponta ainda:
Com certeza, o nível razoável de educação e qualificação de mão-de-obra
não é um dos fatores principais que têm atraído um número crescente de
novas indústrias para a Região Metropolitana de Curitiba, com destaque
para as montadoras de automóveis (Audi/Volkswagen e Renault, em São
José dos Pinhais; Chrysler, em Campo largo); fatores outros, como a boa
infra-estrutura e a localização estratégica no coração do MERCOSUL, as
menores politização e organização dos trabalhadores e – em
primeiríssimo lugar – generosíssimos incentivos fiscais e facilidades
logísticas diversas têm tido, seguramente, um peso
incomparavelmente maior. (SOUZA, 2005, p. 303, grifos nossos).
A vinda das montadoras de automóveis contribuiu para a industrialização
paranaense, transformando a RMC no segundo pólo automotivo brasileiro.
Entretanto, a forte promoção da cidade não atraiu somente os investidores, mas
também um número sensível de migrantes de toda procedência, dando maior
amplitude às deficiências socioambientais, econômicas e culturais pré-existentes.
[...] Curitiba é uma cidade típica dos países não desenvolvidos. Isso significa
que ela exibe as contradições próprias da „urbanização corporativa‟,
expressão cunhada pelo geógrafo Milton Santos (1926-2001) no livro A
urbanização brasileira (1993). Nessa forma de urbanização, o espaço da
cidade é marcado pela concentração da riqueza e do ordenamento
funcional e, ao mesmo tempo, pela existência de extensas áreas caóticas,
dominadas pela pobreza e pela insuficiência ou ausência de serviços
públicos. A cidade rica e a pobre, a cidade formal e a informal, a cidade
95
organizada e a desordenada, a cidade planejada e a „espontânea‟, todas
coexistem no espaço urbano curitibano. (MENDONÇA; CASTELNOU, 2006,
p.25)
Um levantamento efetuado pela Fundação João Pinheiro, em parceria com o
Ministério das Cidades, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), através do
Programa Habitar-Brasil/BID, mostrou que em 2006 o déficit habitacional no Paraná
era de 354.280 domicílios, sendo 115.330 (32%) na RMC. Como déficit habitacional
na pesquisa foi considerado os domicílios precários, parte da coabitação familiar, o
ônus excessivo com o aluguel (quando este compromete mais de 30% de uma renda
familiar de até três salários mínimos) e o adensamento excessivo nos domicílios
alugados (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2009, s.p.).
Segundo estudos do IPPUC aliando dados da COMEC e do IBGE, em 1998
foram identificadas 242 áreas de ocupações irregulares em Curitiba e outras 531
espalhadas nos outros municípios da Região. Eram 81.380 domicílios em situação
irregular abrigando 329.105 pessoas em toda RMC. Descontando os dados da
capital, a mesma pesquisa mostra 29.338 domicílios irregulares abrigando 110.529
pessoas em contrapartida aos 8.754 domicílios com 36.857 pessoas levantados em
1993 – em cinco anos um crescimento periférico de 27,36% ao passo que o
crescimento das ocupações irregulares no mesmo período dentro da capital ficou em
8,76% (IPPUC, 2010, s.p.).
Esses números exemplificam a série de ocupações irregulares de terras na
região, fenômeno, até então esparso intensificado na década de 1990, que ampliou
significativamente a complexidade da gestão metropolitana, pois além da demanda
por reposição ou incremento do estoque de moradias atingiu áreas de mananciais
de abastecimento público de água.
Assim a materialidade da ação do planejamento urbano envolta em um
discurso ideológico permite ocultar as contradições produzidas em torno da
valorização da terra. A análise desse processo desmitifica a eficiência do
planejamento urbano de Curitiba, revelando a parcialidade da ação estatal.
Ou seja, a prática do planejamento urbano não é por si só suficiente para
reduzir a desigualdade no espaço urbano. Ao não confrontar os interesses
fundiários ele acabou por direcionar a segregação espacial (POLUCHA,
2010, p. 155).
Marcelo Lopes de Souza adverte que a administração curitibana trabalha
96
com uma superestimação da dimensão do embelezamento, onde os progressos
estéticos e o combate de problemas ambientais difusos ficam mais evidentes do que
os avanços no que diz respeito ao combate à pobreza, à segregação sócio-espacial
e aos problemas ambientais a elas vinculados (SOUZA, 2005, p.131). Cabe aqui
uma passagem escrita por Engels em 1887, porém permanecendo extremamente
pertinente, que exemplifica e metaforiza essa forma de intervir na questão das
moradias precárias:
Em realidade, a burguesia não conhece senão um método para resolver à
sua maneira o problema da habitação, isto é, para resolvê-lo de tal sorte
que a solução crie sempre de novo o problema. Esse método chama-se
Haussmann. Entendo aqui por “Haussmann” não somente a maneira
específica bonapartista do Haussmann parisiense de abrir ruas amplas,
largas e certas através dos bairros operários construídos estreitamente e
enfeitá-las de cada lado com edifícios luxuosos; sua finalidade, ao lado da
de caráter estratégico visando tornar mais difícil a luta de barricadas, era
formar um proletariado da construção especificamente bonapartista e
dependente do governo, assim como transformar Paris numa cidade de
luxo. Entendo por “Haussmann” a prática generalizada de abrir brechas nos
bairros operários particularmente os situados no centro de nossas grandes
cidades, quer isso corresponda a uma medida de saúde pública ou de
embelezamento, quer a uma procura de grandes locais comerciais no
centro, quer a necessidades de comunicação, como ferrovias, etc. O
resultado é o mesmo em toda parte, qualquer que seja o motivo invocado:
as travessas e os becos sem saída desaparecem e a burguesia se glorifica
com um resultado tão grandioso; mas... travessas e becos sem saída
aparecem em outra parte, e com enorme freqüência em lugares muito
próximos (ENGELS, 1976 [1887], p.93)
Claro que não se pode dizer que intervenções urbanísticas sejam
desnecessárias, principalmente quando estão intrinsecamente ligadas à questão de
higiene, às questões sanitárias. E mais básico do que isso: pobreza não precisa
rivalizar com beleza. Porém tem que ser mais que uma intervenção de prancheta;
mais do que uma operação cirúrgica paliativa. Não pode ser bonito pra se ver
apenas. Tem que envolver os demais sentidos. As pessoas que vivem – e não
apenas as que passam por ou que conhecem através de fotografias – precisam
fazer parte do processo e se sentirem confortáveis com o espaço produzido: para e
por elas. Marcelo Lopes de Souza complementa:
Embora menos evidentes ou conhecidas que as suas virtudes, os pontos
negativos da filosofia de planejamento e gestão do “Grupo de Lerner”,
97
todavia, não deveriam passar despercebidos ao observador atento. O
principal deles, e ao qual se vinculam outros, é precisamente o traço
tecnocrático desse estilo de gestão. Obviamente, falar de “tecnocratismo” a
propósito de uma administração indiscutivelmente criativa e eficiente, e em
uma época dominada por um espírito pseudopragmático voltado para
“resultados”, pode soar como um discurso rançoso de quem não tem
melhores argumentos. [...] A questão é que o risco, não apenas de
corrupção, mas também de medidas e intervenções antipopulares, aumenta
à proporção que diminui o nível de abertura da administração local a
uma efetiva participação popular. (SOUZA, 2005, p. 300, grifos do autor).
E por que isso não é visto? Realmente os agentes do poder público e a
própria população curitibana costumam minimizar a repercussão do problema ou
ignorá-lo com o intuito de não macular a imagem vendida. Curitiba não possui
construções históricas tão antigas, bem preservadas e ricas como as cidades
mineiras e, com exceção do Pinheiro-do-Paraná (araucaria angustifolia) elevado a
símbolo da cidade desde a época do movimento Paranista, também não há belezas
naturais como as praias e morros cariocas ou o Rio Guaíba em Porto Alegre. Com
isso, os curitibanos se apegaram aos cenários construídos para garantir seu
ufanismo municipal. Para Souza, não se pode ignorar o fato de que Curitiba, “tanto
através de seu poder público, quanto sob o estímulo do próprio imaginário local,
significativamente conservador, antes busca „esconder‟ a pobreza, por vergonha,
que superá-la, por convicção crítica” (SOUZA, 2005, p.133).
Como já visto [subseções 3.1 e 3.2] no histórico do planejamento adotado
em Curitiba, durante os últimos 40 anos os planos que se sucederam trabalharam
com a lapidação e, posterior, contemplação da imagem positiva da cidade. Foram
planos macro a fim de disciplinar o crescimento urbano permeados por intervenções
pontuais, as quais Jaime Lerner intitula “acupuntura urbana” (LERNER, 2003).
Inegavelmente, a “acupuntura” converte-se em uma idéia extremamente feliz onde
se tenta maximizar um investimento, focando numa obra para que essa repercuta e
irradie seus benefícios para um raio máximo de abrangência, incentivando a
iniciativa privada do entorno. Alguns projetos inspirados em casos europeus bem
sucedidos foram importados para que aqui pudessem ser convertidos, adaptados e
revendidos para outros países com um toque abrasileirado. Aparece assim a
“cidade-modelo”: um produto categoria exportação.
Fernanda Sánchez García em seus trabalhos sobre a sociologia da cultura,
imagens urbanas, city marketing, planejamento regional e políticas urbanas, afirma:
98
[...] observa-se que cada nova intervenção urbana constitui-se também em
ação e comunicação simbólicas, pois Curitiba hoje se fixou ao nível nacional
como espaço condensado, por excelência, dos anseios das classes
dominantes relacionados a modo de vida e usufruto da cidade. A absorção
acrítica dos novos “produtos” urbanísticos e os rápidos processos de
adesão social a idéias, valores e mitos associados à “cidade moderna”,
“cidade de Primeiro Mundo” são indicadores da cristalização da imagem
urbana construída. A obtenção e manutenção deste padrão dominante
expressa, por sua vez, a agilização dos elos entre meios técnicos de
comunicação, esfera cultural e aparelhos de poder. (RIBEIRO, SÁNCHEZ
GARCÍA, 1997, p.106)
Afinal, meias verdades repetidas numerosas vezes tornam-se verdades
inteiras. Fernanda Sánchez coloca em seus estudos que, permeando os êxitos reais
do planejamento urbano, há atrelado um city marketing intenso, fornecendo uma
idéia – não de todo falsa, mas sim exacerbada – de se viver o politicamente correto.
Para Marcelo Lopes de Souza, a capital paranaense, a despeito de suas
características positivas concretas acumuladas no decorrer de sua história, possui
um trunfo: “a capacidade de persuadir o mundo e o resto do país de que ela é
melhor do que de fato é em matéria de desenvolvimento sócio-espacial” (SOUZA,
2005, p.305).
A partir de 1990, conforme cada novo mandato, os slogans propagandeados
alcançaram enorme repercussão no Brasil e, dentro de algumas áreas específicas,
também em alguns países do exterior. A "Capital Ecológica" alardeava sua
abundância em áreas verdes, multiplicando o batismo de parques e bosques como
forma de melhoria da qualidade de vida seguindo a onda ambiental incipiente (há
duas décadas já em debate na Europa, mas que chegava aqui como uma nova
proposta salvadora). Contudo, grande parte desses recém-inaugurados
equipamentos públicos de lazer concentrava-se na zona norte da cidade, distante da
população com menor concentração de renda residente ao sul. Márcio de Oliveira,
explica que:
(...) parques e bosques preservam a natureza e criam áreas de lazer
melhorando a qualidade de vida dos habitantes da cidade, é claro. Mas os
de Curitiba, in fine, contribuíram para preservar fontes de água, disciplinar o
uso do solo (impedindo a favelização e seus problemas sanitários e sociais),
preservar fundos de vale/afluentes do rio Iguaçu, sanear áreas urbanas,
valorizar os novos bairros que se formaram em seu entorno (cooptando
empreendedores imobiliários) e – last but not the least – até mesmo para
99
homenagear homens públicos e etnias, numa perspectiva temática.
(OLIVEIRA, 1996, p.50)
Na seqüência, com a descomedida expansão das áreas faveladas na
periferia, adotou-se o título de "Capital Social", enfatizando a preocupação com as
áreas carentes, aumentando as intervenções e implantação de equipamentos em
tais locais – ações que identificam coerência, mas não propriamente pró-atividade,
justiça social ou eqüidade, visto os dados de permanência/aumento da miséria
metropolitana.
Outro fator que contribuiu para a publicidade curitibana foram os prêmios
angariados. Já em 1956, a cidade recebeu do presidente Juscelino Kubistchek o
título de “Curitiba: um dos Dez Municípios de Maior Progresso do Brasil”, conferido
pelo Instituto de Administração Municipal – IBAM, em conjunto com a revista O
Cruzeiro. Entretanto, foram nas duas últimas décadas que estes se multiplicaram.
De 1990 até hoje, foram mais de 30 premiações distribuídas entre programas de
saúde como o “Mãe Curitibana”, informática pelo site da Prefeitura, transporte
público e gestão de resíduos sólidos com os programas “Lixo que não é lixo” e
“Câmbio verde”. Recebido em abril de 2010, teve grande destaque na mídia o
Prêmio “Globe Award Sustainable City”, laureando Curitiba a cidade mais
sustentável do mundo neste ano (IPPUC, 2010, s.p.). O interessante é que os títulos
levam em consideração as campanhas apresentadas de projetos pontuais – mas
desconsideram a empacada questão do “lixão” que permanece ilegalmente em
atividade ou do transporte público operando durante anos sem licitação.
Curitiba também figurou nas revistas especializadas do país como um dos
melhores locais para se fazer negócios e até como uma das três melhores cidades
do mundo para se viver (juntamente com São Francisco e Roma). A ênfase dada por
tais prêmios e listas serviu como chamariz para mais e mais migrações, não só
decorrentes do êxodo rural, mas também como uma alternativa ao eixo Rio-São
Paulo.
“As imagens-síntese e os discursos sobre as cidades referem-se a
estratégias baseadas na racionalidade dos processos de reprodução da economia
global” (SÁNCHEZ GARCIA, 2001, s.p.). O mercado mundial de cidades tem uma
relação simbiótica com alguns outros mercados como o imobiliário; de consumo
(tanto interno quanto externo); de turismo; de consultoria em planejamento e
100
políticas públicas; mercado para empresas com interesses localizados; e o mercado
das chamadas “boas práticas” – onde as agências multilaterais perseguem a
reformatação do campo da administração pública e do Estado mediante a
legitimação de “administrações urbanas competentes”, “gestões competitivas” ou
“planejamento urbano estratégico” (SÁNCHEZ GARCIA, 2001, s.p.). E os arranjos
de interesses originados em tais mercados impulsionam alguns prefeitos e governos
de cidade a comercializarem seus sucessos.
Sínteses e imagens fazem parte da retórica oficial que acompanha os
processos de reestruturação. Subjacente a essas sínteses encontra-se a
proposta de uma ordem urbana que pretende fazer impensáveis e
impossíveis outras formas de viver na metrópole, conflitivas com os
parâmetros da cidade-mercadoria e da cidade-empresa que se busca
consolidar. Tudo aquilo que não adere a essa dinâmica é interpretado como
ingovernabilidade, como perturbação da ordem urbana que deve ser
desalojada do panorama da modernização (SÁNCHEZ GARCIA, 2001, s.p.).
O próprio cidadão curitibano é incluído na promoção das imagens-síntese
recorrentes, transitando entre consumidor e alimentador da “cidade perfeita”,
ressaltando, além da frieza popularmente conhecida, o seu lado de exigência crítica
e boa educação. No final da década de 1990 veiculava um filme comercial com o
famoso jogador de basquete Oscar Schmidt que errava ao arremessar um copo no
cesto jogando-o no chão enquanto todos os curitibanos sempre acertavam a cesta.
O bordão - “Você não é daqui, não é?” – deixava nítido como seriam (ou deveriam
ser) os cidadãos-modelo. Realmente era algo muito interessante do ponto de vista
publicitário e que teve grande repercussão atingindo sua meta educativa. Entretanto,
torna-se persecutória essa idéia de cidadão exemplar, aquele que vive como um
clichê de felicidade de uma família em propaganda de margarina, formalizando o
mito como “um cimento social indispensável” (RIBEIRO, SÁNCHEZ GARCÍA, 1997,
p.111). Feitos à imagem e semelhança da cidade, como poderia um cidadão
produzir uma crítica ao desempenho citadino uma vez que estaria se auto-
criticando? “[...] a face perversa da modernização é que enquanto se instauram e
agilizam condições extremamente favoráveis para os grupos mais fortes também se
instauram as condições para a alienação dos cidadãos” (RIBEIRO, SÁNCHEZ
GARCÍA, 1997, p.121).
Também merece destaque no quesito controle, quanto à manipulação do
processo de debate, o caso das associações de moradores. Assim como em outras
101
partes do Brasil e do mundo, as associações deveriam trabalhar na representação
da sociedade civil organizada perante o Estado e demais entidades da própria
sociedade civil, ocupando a posição de força de articulação crítica e contestadora.
Entretanto, ambiguamente, em Curitiba as associações recebem verba da prefeitura
tendo que, em contrapartida, prestar contas ao poder público. “Se sua legitimidade
vem, teoricamente, de sua vinculação com sua base social, sua sustentação material
passa a vir do estado, que as coopta massiva e sub-repticiamente” (SOUZA, 2005,
p.144). Aliando-se financeiramente as associações à administração pública
municipal fica difícil dissociar a oposição, desestabilizando-as enquanto movimentos
populares. “[...] mais do que uma participação ativa, uma participação contemplativa
da cidade” (SÁNCHEZ GARCIA, 2001, s.p.) Para Souza, o “modelo Curitiba”
desnuda, com isso, um lado esclarecedor: “eficiência gestora, assistencialismo social
e cooptação política e ideológica da sociedade civil, erodindo os fundamentos de
uma organização mais autônoma desta e minando a sua capacidade de elaborar
contradiscursos e contraprojetos” (SOUZA, 2005, p.144).
Se o crescimento – muito diferente de desenvolvimento – deve ou não ser
freado e, se sim, como fazê-lo ainda é uma incógnita. O que se torna evidente é a
urgência de se considerar a gestão integrada da região metropolitana, refletindo os
processos de planejamento em suas mais variadas instâncias:
[...] avaliando suas limitações – a desestruturação institucional, a fragilidade
de instâncias administrativas, a escassez e o descompromisso na
priorização de recursos –, seus anacronismos físicos – a cidade que
transcende a unidade municipal criando um espaço assentado sobre várias
unidades político-administrativas autônomas, ou que invade áreas
ambientalmente vulneráveis -, as estratégias que transformam a cidade em
produto – o empresariado urbano, o city marketing – e a ilegitimidade de sua
construção – por governos e não pela governança. (MOURA, 1999, p.34)
Por mais atraente que pareça, a “metrópole popstar” precisa ser
desmitificada. É necessário desligar as câmeras e os microfones e buscar em sua
essência – caetaneando – “a dor e a delícia de ser o que é”.
Chega-se a um ponto crucial deste trabalho com a congregação do marco
teórico e sua ligação no entendimento da formação sócio-espacial de Curitiba - a
Vila Nossa Senhora da Luz. Por ser ela o objeto analítico, ou um estudo de caso,
corrobora na busca do território habitado pelos pobres no espaço urbano.
102
4 A LUZ SEM LUZ
(quantas curitibas cabem numa só Curitiba?)
Cidades pequenas,
como dói esse silêncio,
cantilenas, ladainhas,
tudo aquilo que nem penso,
esse excesso
que me faz ver todo o senso,
imprecisa premissa,
definitiva preguiça
com que sobe, indeciso,
o mais ou menos do incenso.
Vila de Nossa Senhora
da Luz dos Pinhais,
tende piedade de nós.
(“Imprecisa Premissa”, LEMINSKI, 2002, p.59)
103
Desde os anos de 1940, Curitiba convivia com núcleos de ocupações
irregulares. Seguindo o programa de desfavelamento proposto pelo regime militar,
em 13 de novembro de 1966 foi inaugurada, pelo então presidente da República,
Humberto Alencar Castello Branco, a Vila Nossa Senhora da Luz – VNSL: o primeiro
conjunto habitacional do Paraná, e um dos pioneiros do país (Fig. 30, 31 e 32).
Criada pela COHAB-CT com financiamento do BNH, tinha como objetivo suprir o
déficit habitacional da cidade e erradicar os núcleos de favelamento existentes.
Figura 30. Vista aérea da Vila Nossa Senhora da Luz dos Pinhais.
Fonte: Acervo particular Alfred Willer, GONÇALVES, 2008.
Para tal, o conjunto foi planejado a partir de um levantamento que calculou
aproximadamente duas mil famílias a serem relocadas. Entretanto, a extinção das
favelas não aconteceu. Como já mencionado na subseção 2.3, para a maioria dos
moradores que retirava seu parco sustento do mercado de trabalho informal,
permanecia impraticável o financiamento proposto pelo BNH. Para adquirir um lote
na Vila, o comprador arcava com cerca de 24 cruzeiros mensais, o equivalente a
10% do salário mínimo, durante 20 anos (FERNANDES, 2006a, s.p.). O engenheiro
104
e arquiteto Alfred Willer, um dos diretores da COHAB-CT na época da implantação
do empreendimento, conta que apenas 20% dos moradores da Vila eram oriundos
de favelas, sendo que estes representavam “a elite de uma favela que tinha a sorte
de ter um emprego fixo” (WILLER, 1991, p.133). A VNSL acabou por atender uma
demanda habitacional de pessoas que preenchiam os requisitos do BNH com uma
faixa salarial de três salários mínimos. Alfred Willer, embora afirme que o conjunto
tenha cumprido sua função social na época, expõe:
Se olharmos o presente e o futuro da habitação popular, estou convencido
de que enquanto não for erradicada a miséria e não houver uma melhor
distribuição de renda, sempre teremos favelas. Na busca de soluções
habitacionais, sempre vamos esbarrar na falta de poder aquisitivo. Não se
pode esperar que alguém, ganhando salário mínimo, encontre uma forma
de pagar uma prestação, por menor que seja. O problema não é
urbanístico, é sobretudo sócio-econômico (WILLER, 1991, p.133, grifos
nossos).
Figura 31. Foto da inauguração do loteamento em 1966. Em destaque no círculo, Presidente
Marechal Castello Branco.
Fonte: DUDEQUE, 2001.
105
Figura 32. Foto aérea da Vila Nossa Senhora da Luz.
Fonte: GOOGLE EARTH, 2010.
106
Israel Muniz, 61 anos, funcionário aposentado da Prefeitura Municipal de
Curitiba, atualmente é presidente da Associação de Moradores da VNSL (Fig. 33). E
não ganha nada por isso: trata-se de um trabalho voluntário. Faz parte também do
Conselho Local de Saúde. Em 1964, veio de Figueira (norte do Paraná) morar com
sua família em uma ocupação irregular junto ao Rio Belém. Ao ser entrevistado para
esta pesquisa, relembrou:
[...] tinha o rio Belém ali, tinha o valetão da Vila Lindóia, Vila Guaíra, e tinha
o inferninho do Santa Quitéria. E nós „se‟ alojamos ali no rio Belém. Hoje
seria perto do Jardim Botânico. E dali meu pai fez inscrição aqui na COHAB.
Até a COHAB foi na época lá pra tentar regularizar as favelas de Curitiba.
Mas não acabou com as favelas – só aumentou. [Sobre a VNSL] na
verdade foi feita pra „acabar‟ um pouco as favelas, mas daí abriu também
pro pessoal de baixa renda na época. Porque o pessoal vinha pra cá...
vinha aquele “exôdo” de gente.
Desde os nove anos de idade, Israel trabalhava junto ao pai como
pipoqueiro, continuando seu ofício em Curitiba até sua mudança para a VNSL ao
completar 16 anos.
Eu vendia pipocas na igreja do Perpétuo Socorro; vendia ali perto do antigo
campo do Ferroviário – hoje o Paraná – ali tinha um ponto. Até quando
minha família veio morar na Vila, a mudança veio no caminhão e eu vim de
lá pra cá empurrando o carrinho de pipocas e vendendo. Os 15 km!
Figura 33. Entrevistado Israel Muniz – atual presidente da Associação de Moradores.
Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2011.
107
E como já apontado na subseção 2.2, a segregação espacial forçada à
população de baixa renda amplia a segregação social da mesma. A VNSL foi
implantada no antigo bairro denominado Barigüi do Portão, onde hoje se localiza a
Cidade Industrial de Curitiba (inclusive foi um dos argumentos que Ivo Arzua utilizou
para justificar a escolha da região como o futuro distrito industrial, pois assim reuniria
as funções moradia e trabalho) (MENDONÇA, 1998, p. 28).
Willer, em depoimento de 1991, relatou como foi a escolha da área a qual
seria locado o conjunto. Após diálogo com a equipe do Plano Diretor em construção
[Plano Serete já descrito na subseção 3.2], chegaram à conclusão de que a “correta
localização” seria justamente na direção de expansão prevista pelo Plano (sentido
Bacacheri – Portão). Os técnicos da COHAB começaram então a investigar ofertas
de terrenos nesse eixo – algum relativamente plano, seco, alto, argiloso – e
acabaram se interessando por uma área junto à estrada velha de Araucária, numa
região de serrarias.
Era um grande pasto cercado por pinheirais, com uma vista bonita, uma
declividade suave de uns três por cento, às margens da ferrovia e de
propriedade da família Taborda Ribas. Pedimos ao prefeito Ivo Arzua a
desapropriação, o que foi imediatamente aceito. Logo foi delimitada a área
necessária, uns oitocentos mil metros quadrados, mas a desapropriação
demorou muito para acontecer. [...] Na época, a obra foi muito criticada,
como sendo muito afastada do centro, mas, hoje, pelo contrário, está muito
bem localizada. (WILLER, 1991, p.130).
Afirmar que a vila está “muito bem localizada” é algo muito relativo – são 15
quilômetros de distância da zona central. Pode-se dizer, sim, que hoje a VNSL
encontra-se completamente integrada à cidade no que diz respeito ao transporte
coletivo. Ônibus do tipo Convencional (que fazem uma ligação até o centro da
cidade) e Alimentador (aqueles que distribuem a partir dos terminais) permeiam a
Vila. No extremo sul foi implantado o terminal da CIC em 1980, onde há embarque e
desembarque de ônibus tipo Expresso (bi-articulados entre terminais) e o
Interbairros. Possui escolas, hospital, creche, associações de moradores e uma
administração regional (uma espécie de sub-prefeitura) próxima. Seu entorno é
composto por outros conjuntos habitacionais, sejam casas ou apartamentos, e
algumas indústrias. Entretanto, esta expansão é de certa forma recente e os
moradores da VNSL ficaram isolados por anos: sem infraestrutura, sem vizinhança,
sem água encanada muito menos sistema de coleta de esgoto. “[...] a paisagem se
108
resumia a um núcleo de moradores da Rede Ferroviária, próximo da Estação
Barigüi, pequenos agricultores, bois pastando na imensa área de 800 mil metros
quadrados e o céu que nos protege” (FERNANDES, 2006a, s.p.).
Além de optarem por um terreno completamente isolado da malha urbana
central, o conjunto foi projetado seguindo os princípios modernistas da Carta de
Atenas. A idéia é que fossem totalmente auto-suficientes, com equipamentos
urbanos próprios (comércio, escolas, mercado, igreja, centro de saúde, etc.). As
obras resultantes de tais princípios “eram consideradas pequenas ilhas, como se um
disco voador que descia e se implantava ali” (WILLER, 1991, p.130). Contudo,
refletindo a realidade socioeconômica do “Terceiro Mundo”, apenas o isolamento se
configurou – e não a autonomia. A não-integração com a vizinhança gerou muitos
problemas, reproduzindo ou até intensificando a estigmatização sofrida nas favelas.
As primeiras impressões quanto à chegada à Vila são bastante similares:
desbravamento. O pioneiro Israel Muniz relatou em sua entrevista:
Parecia que a gente tava indo pra outra cidade. Só mato. Daqui o asfalto
vinha só até o Portão. Nem era asfalto, era paralelepípedo a República
Argentina. Então, vinha até mais ou menos por perto da São Jorge, por ali,
na descida da João Bettega. [...] Aqui tinha muita madeireira. A madeireira
que acabou com a floresta aqui no Paraná. Eles acabaram com a vegetação
do Paraná e depois foram se alojando no Mato Grosso, pra cima... Mas aqui
ficou muita madeireira mesmo.
Sobre a acessibilidade deficiente ao centro da cidade – ou à própria cidade
como já visto na subseção 2.2 – Israel recordou:
E no começo da VNSL o transporte era meio precário aqui. O ônibus
entrava só no começo da Vila nem entrava na Vila, entrada ali perto de
onde é o Portal. Depois de um ano mais ou menos. No começo nem ônibus
tinha. O pessoal pegava ônibus lá no Barigui. E tinha um trem que passava.
Tinha uma linha de trem que passava no Portão. E tinha uma estação
ferroviária aqui no Barigui. Chamava-se estação do Barigui mesmo. Esse
trem ia até Araucária, Contenda. O pessoal chamava esse trem de subúrbio.
Então ele parava de manhã cedo ali, apitava e os funcionários que iam
trabalhar na capital, no centro, embarcavam nesse trem às 6h30 e ia até a
estação central.
Para a doceira Iolanda Xavier Cazura não foi diferente. Em 1967, recém-
casados, Iolanda e seu marido deixaram o barraco na beira do trilho da Vila Guaíra e
foram morar na VNSL. Iolanda, em depoimento por ocasião dos 25 anos da CIC,
109
relatou a dificuldade de acesso nos primórdios da VNSL. Era necessário pegar o
trem na “Ponte Preta” [Rua João Negrão], descer na Estação Barigui [hoje extinta] e
andar alguns quilômetros a pé até a vila (MENDONÇA, 1998, p. 25). E, por fim,
Iolanda desabafou: “E lembrar que eu achava que ônibus nunca ia vir para nossos
lados, pois nem médico, farmácia, luz, asfalto e água tinha”. (MENDONÇA, 1998, p.
29).
João Marreiro fez parte da guarda-de-honra de Castello Branco quando da
inauguração. Depois de décadas vivendo na mesma casa, tornou-se um líder local.
“Castello Branco mal sabia – mas estava sendo protegido pelo sujeito que não só
acreditava no programa habitacional como seria uma espécie de presidente vitalício
da vila inaugurada com a pressa de quem tira o pai da forca” (FERNANDES, 2006a,
s.p.). João Marreiro relembrou: “Quando vim pra cá era só terra” (MENDONÇA,
1998, p. 50).
Júlia Patachi chegou à Vila em 1969 e também se assustou com o barro, já
que o pasto que protegia o solo foi capinado pelos primeiros moradores. “Eu levava
um calçado comigo para ir à cidade” (FERNANDES, 2006a, s.p.).
Elícia da Costa Pereira nasceu no dia 22 de agosto de 1933, na Bahia. Com
seu marido e filho de seis meses, veio tentar uma vida melhorar no norte do Paraná.
Após o nascimento de outros dois filhos, vieram para Curitiba. Moravam numa
pensão na Rua Comendador Araújo onde, segundo ela, viviam mais famílias pobres.
Fez sua inscrição na COHAB em 1964. “As irmãs da igreja falaram da Vila, que ia ter
uma vila, que era para a gente fazer inscrição e vir pra cá, que era mais para os
pobres. A gente foi e fez a inscrição e Deus ajudou, porque deu tudo certo”
(ANDONI, HIRATA, IKEDA, 2010, p.22).
Quanto à chegada na Vila, ela relembra: “Nossa, foi uma tristeza, „né‟.
Chegar numa vila que não tinha água, não tinha luz, não tinha morador nenhum, só
a gente, naquele mato, na escuridão. A gente sentiu que estava perdido. [...] Tinha
medo, muito medo. Meu marido ia trabalhar, levantava às quatro horas para ir
trabalhar, e eu ficava dentro de casa só com um lampiãozinho aceso. Dava graças a
Deus quando o dia amanhecia e o sol saía pra gente ver a luz do dia. É ruim ficar
sem luz”. Outras adversidades: “Tinha cobra, eles falavam que tinha cobra, eu
morria de medo, „né‟. Ficava em cima da cama com medo de pisar no chão, com
medo de vir um escorpião e morder”. E sobre a quitação do imóvel: “Nossa, nós
sentimos assim que nós „tava‟ no céu, que recebemos uma benção muito grande.
110
Porque eu gosto muito da Vila, o único lugar que eu consegui ter a nossa casa foi
aqui na Vila, „né‟” (ANDONI, HIRATA, IKEDA, 2010, p.23).
“Era um mundo sem ninguém”, classificou Pasqualina Paula de Lima. Ela e
o marido Agenor trabalhavam na lavoura, tornaram-se favelados e, quando tiveram a
oportunidade, passaram a residir à Rua Santo Ulrico nº 36 da VNSL. Entre as
recordações do passado, Pasqualina resgatou: “a gente tinha que andar tanto que
inchava o pé. Era muito sacrifício pra cuidar dos filhos e Frei Miguel era nosso
médico, nosso professor, nosso santo”. (MENDONÇA, 1998, p. 50).
Citado por Pasqualina, Frei Miguel Botacin foi um religioso com formação em
Psicologia o qual dedicou grande parte de sua vida a essa comunidade. Figura
carismática, com uma paciência digna de um Capuchinho, foi um guia não só
espiritual como também cultural dos moradores. O entrevistado Israel Muniz contou
sobre a devoção popular:
O Frei Miguel era padre e era exorcista. Vinha gente do interior, do Norte,
de Ponta Grossa. Ele tinha autoridade do Arcebispo e do Papa pra fazer
exorcismo. E ele benzia as crianças. O pessoal acreditava. O pessoal „tinha
ele‟ como um santo. Então, se alguém ficava doente, levavam pro Frei
Miguel benzer.
Para entender melhor o processo de ocupação da área e a relação entre
seus moradores é essencial levar em consideração os relatos de Frei Miguel. Este
expunha que o povoamento do conjunto habitacional foi feito sem preparação prévia
das famílias e também não houve acompanhamento posterior (BOTACIN, 1991,
p.316). Por exemplo, as casas possuíam todas as instalações hidráulicas, mas nos
primeiros anos a água não saía pelas torneiras: tinham que ir buscar água no
Barigui. O vaso sanitário virou artigo de decoração quando não era arrancado e
vendido. As casas também foram entregues com um fogão de duas bocas, mas
alguns tiveram que, ironicamente, vendê-lo para ter o que comer. Arrancavam a
porta ou os tacos do assoalho para fazer lenha. Sobre a batalha pela água, Israel
Muniz narrou:
Quando foi instalada a VNSL criou-se aqui uma Companhia, chamava-se
SUVILUZ. A SUVILUZ era uma autarquia municipal pra gerenciar a Vila, pra
começar a organizar a vida do pessoal da Vila, arborizar a Vila, trabalhar
nas praças – porque a Vila tem 12 praças. São 12 espaços que o pessoal
chamava de praça. Hoje são praças mesmo porque tem cancha de futebol,
tem equipamentos. Mas antigamente „era‟ um descampado essas praças aí.
111
E essa SUVILUZ recebia o dinheiro que a Prefeitura repassava e ela
gerenciava aqui. E ela cuidava também da distribuição de água. Porque a
água aqui na VNSL não era ligada, não existia a SANEPAR naquele tempo,
era uma outra companhia no lugar. Era uma tal de COMISA – Companhia
Mista de Saneamento de Curitiba. Isso mais ou menos em 66 ou 67 por aí.
Daí tinha uma caixa d‟água que a própria COHAB construiu. Onde hoje é a
associação beneficente do seu João Marreiro. Essa água era canalizada do
rio Pulador. O rio Pulador no Barigui onde hoje tem um Porto Seco ali. Ali
passa um córrego. Daquele rio ali era coletada a água e era usada na
VNSL. E quem fazia o tratamento dessa água era um dos funcionários
dessa companhia mista. [...] Foi nessa caixa d‟água que o presidente da
república veio inaugurar a vila. (Fig. 34) Existia a rede de encanamento,
mas como a água era por nível, a água acabava não chegando „em‟ todas
as casas. Então o pessoal ia buscar a água ali, onde é a associação do Seu
João Marreiro. Ali tinha uma cerquinha de arame e os tratadores, os
funcionários da casa distribuíam de mangueira. E dava muita briga, a
mulherada ia buscar de balde, outros iam com tambor. Muitas brigas de
mulherada que queriam lavar roupa ali. [...] O meu pai mesmo trabalhava de
carroceiro. Ele arrumava uns tambores, colocava na carroça e saía
vendendo água pro pessoal aí. Ele que ia buscar água pro pessoal.
Figura 34. Caixa d‟água relatada por Israel.
Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2011.
112
Assim também, reforçando o depoimento de Frei Botacin, o roubo de vasos
sanitários ou torneiras passavam pelo relatório de Israel:
Eu cheguei aqui na vila e trabalhei um mês de pipoqueiro e daí um senhor
que trabalhava nessa SUVILUZ me convidou pra trabalhar lá. Daí eu
comecei a trabalhar. Eu que entreguei as chaves das casas para os
moradores. Eu tenho muito conhecimento da Vila Nossa Senhora da Luz
porque eu fui um dos primeiros. O povo chegava „na‟ COHAB, pegava a
requisição pra receber a casa e eles vinham aqui na Vila. Essa
superintendência designou um funcionário pra mostrar as casas. Então eu ia
com uma guia e anotava, antes da pessoa entrar na casa, se os tacos não
estavam soltos, se as torneiras estavam lá, uma vistoria, „né‟?! Tirava uma
guia e enviava para a COHAB porque as pessoas vinham daqui a uma
semana pra ocupar a casa. E a própria COHAB, se alguém tinha roubado o
vaso, tava sem torneira, ou a própria construtora tinha deixado de colocar os
acessórios da casa, eles acabavam colocando.
De acordo com documento do IPPUC na década de 1970: “A resistência, a
rejeição, a revolta transfigurada em violência por parte dos moradores da Vila Nossa
Senhora da Luz, convenceu os técnicos de que estes sujeitos não estão preparados
para decifrar na nova casa às reais necessidades do homem urbano” (SOUZA,
2001, p. 1612). Realmente, algumas atitudes eram condizentes com o despreparo
para a vida urbana de alguns recém migrados do campo. Entretanto, cabe ressaltar
o analfabetismo generalizado, a revolta pelo isolamento e, principalmente, falta de
condições materiais. “A origem dos problemas da Vila foi a política de segregação de
uma população homogênea, do ponto de vista social e cultural” (BOTACIN, 1991,
p.318). O abandono fez crescer a violência.
Embora com o advento da CIC o destino dos moradores tenha melhorado,
pois, desde que alfabetizados, muitas oportunidades de trabalho foram abertas para
eles, a Vila permaneceu como presença constante no noticiário policial, sendo mais
conhecida por seus bandidos do que por seus problemas de infraestrutura.
(MENDONÇA, 1998, p. 49). Sobre a questão da criminalidade, Israel Muniz
desabafou:
A Vila sempre foi marginalizada. Até um pouco dessa culpa é a culpa da
imprensa também. Porque o que acontece na Vila acontece também em
outros lugares, às vezes até com maior intensidade que a gente sabe. Eu
não gostaria de citar. Mas a gente sabe – como é o caso da Vila Trindade
ou outras vilas que são muito mais violentas que a VNSL. Mas como aqui
sempre teve esse perfil de vila violenta. Então acontecia tipo um crime lá no
113
Barigui ou um crime no Vitória Régia e o jornal colocava: “crime na CIC”. E
como a VNSL foi o início da CIC, o pessoal já ligava. A própria imprensa
gosta de relacionar. Aconteceu crime na CIC e as pessoas ligam muito a
VNSL à CIC. Não que a gente esconda. A gente tem problema e grande. A
gente não encobre. Mas é muito diferente das outras.
Contudo, a violência sempre fez parte do cotidiano da VNSL. Segundo Frei
Miguel, em média, duas pessoas eram assassinadas por dia na Vila. (BOTACIN,
1991, p. 314). Assim, o medo que as pessoas tinham dos vilanos era até justificável.
“Quando algum morador daqui ia à „cidade‟, não falava que era da Vila Nossa
Senhora da Luz, falava que era de São Jorge, do Portão, porque era „feio‟ ser da
Vila” (BOTACIN, 1991, p. 316). Da mesma forma, Israel confirmou:
Você sabe que a VNSL sempre foi muito marginalizada até pelos próprios
moradores. Porque as pessoas se envergonhavam de morar na VNSL. Eu
conheci amigo meu que, às vezes, pra fazer inscrição numa firma, ou fazer
um cadastro, eles tinham vergonha de dizer que moravam na Vila. E eu
como líder sempre procurando dizer: “ó, vocês tem que valorizar o teu lugar.
Vocês têm que resgatar a tua cidadania...”
E a história de insegurança da VNSL sempre esteve associada às drogas –
hoje as ilícitas, no passado o álcool. De acordo com Frei Miguel, naquele tempo
quase um quarto da população residente sofria de alcoolismo. Muitas atitudes
descabidas foram impulsionadas por graus etílicos. O Frei relata ironicamente: “E
não se podia contar nem com a polícia, porque ela não entrava na Vila, ficava com
medo. A única coisa que a polícia fazia era buscar aqueles que tinham sido mortos.
Hoje a polícia já vem à Vila, depois de dois dias de ter sido avisada ela vem”
(BOTACIN, 1991, p.313). Israel lamentou as conseqüências atreladas ao uso de
entorpecentes:
Eu conheci muitos amigos meus que foram presos; muitos se regeneraram,
outros morreram mesmo. Outros acabaram sendo bandido. Muitos filhos de
amigos meus. Na época era o alcoolismo; hoje, as drogas, o crack – que é
muito mais violento. [...]. Hoje o que „tá‟ morrendo é jovem. Eu „tava‟ fazendo
uma média no jornal. Agora esses dias aí. Os jovens com 23 anos, 19, 17
anos tão tudo morrendo. Eu tive uma entrevista com um tenente da polícia
que veio tomar café aqui comigo. Ele mesmo falou que a VNSL não era a
mais violenta. No ranking, era a sétima vila. Eles tinham esse trabalho,
tinham uma pesquisa interna da policia. E ele me contando, fiquei até meio
horrorizado, que dessa clientela quase 80% dos jovens morrem. Quando
não morrem na mão do traficante, morrem na mão da polícia ou morrem de
114
AIDS porque faz uso de seringa compartilhada, „né‟?! Então é duro. Num
universo de 100, oitenta não chega a viver. Então... Mas a gente sempre
conviveu com esse tipo de coisa aqui na vila, sabe?! Eu criei meus filhos
todos aqui. Tenho duas filhas que „é‟ formada. Tenho um filho que „tá‟
estudando. Nunca se envolveram. Meus filhos não bebem, não fumam.
Então acho que vai muito também da criação familiar.
Para Frei Miguel é impossível apontar vilões isolados: a criminalidade foi
decorrência de um fracasso da política habitacional vigente.
Então, havia e com certa razão, um estigma sobre a Vila. Acontece que não
houve nenhuma preparação para essa pobre gente. As pessoas culpam
diretamente essa gente que veio morar aqui: eu, porém, dou culpa às
autoridades, porque se tivessem preparado um pouco. Imagina, em vinte e
quatro horas se coloca dentro de um lugar 15.000 pessoas. É aquela velha
história: tinha-se que fazer a inauguração porque vinha o Presidente
Castelo Branco. (BOTACIN, 1991, p.316)
Foram 18 meses de obras até a conclusão do conjunto. Ao todo, eram 2115
lotes de 10x20m já com as unidades habitacionais construídas sendo estas apenas
de dois tipos – uma com 21 e outra com 50m². O primeiro modelo de casa (CT-1-21)
possuía um quarto, sala, cozinha e banheiro (Fig. 35 e 36); o segundo (CT-5-25),
dois quartos, sala, cozinha, banheiro e um sótão habitável (Fig. 37, 38 e 39).
Figura 35. Planta e corte do modelo de casa CT-1-21.
Fonte: DUDEQUE, 2001.
115
Figura 36. Foto das unidades - modelo CT-1-21.
Fonte: Acervo particular Alfred Willer, GONÇALVES, 2008.
Figura 37. Foto interna do sótão - casa CT-5-25.
Fonte: DUDEQUE, 2001.
116
Figura 38. Planta e corte do modelo de casa CT-5-25.
Fonte: DUDEQUE, 2001.
Figura 39. Foto das unidades - modelo CT-5-25
Fonte: Acervo particular Alfred Willer, GONÇALVES, 2008.
Israel enfatizou que, naquele tempo, as coisas eram bem difíceis na Vila.
Não havia infra-estrutura implantada – apenas os dois tipos de casa: as pequenas e
as grandes. “Que nunca foi casa grande. O pessoal chamava de casa grande”.
Apenas algumas casas finalizadas com recurso norte-americano da USAID (Agência
Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional) tinham um acabamento
diferenciado.
117
Às vezes a mulher vinha com a família e o marido ficava trabalhando ainda.
Chegava à noite ele não sabia nem onde era a casa dele. Tinha que ficar
procurando. Como as casas eram todas iguais, um acabava entrando na
casa do outro.
Israel e sua família ocuparam uma das casas menores, de 21m². “Só tinha
uma cozinha pequenininha, uma sala, um quartinho e um banheirinho. Era pra morar
umas duas pessoas e tinham dez pessoas morando numa casa dessas. [...] Já
naquela época.” Após seu casamento, Israel passou a habitar uma das “casas
grandes” (com o sótão) situada à Rua Orlando Luis Lamarca, nº 745. (Fig. 40, 41 e
42)
Os técnicos da COHAB tentaram criar uma arquitetura “genuinamente
paranaense” inspiradas nas casas de colonos da periferia. A parte debaixo era de
tijolo caiado de branco e os sótãos em madeira, como um reflexo simplificado dos
métodos construtivos mais corriqueiros em Curitiba. A madeira pré-cortada
proporcionava a construção de residências em larga escala e com custo reduzido. A
princípio, o BNH não queria financiar o projeto por julgar que “o uso da madeiras era
um luxo desnecessário que encareceria as construções” (DUDEQUE, 2001, p. 244).
Contudo, os técnicos provaram que a madeira era um material ainda abundante e
barato na capital paranaense e o financiamento foi liberado.
Figura 40. Fotos da residência de Israel Muniz e família.
Fonte: Acervo particular da autora, 2011.
118
Figura 41. Israel Muniz em frente da escada de acesso ao sótão.
Fonte: Acervo particular da autora, 2011.
Figura 42. O sótão mobiliado utilizado como quarto de um dos filhos de Israel.
Fonte: Acervo particular da autora, 2011.
Alguns problemas foram detectados pelos técnicos já na fase projetual,
como o tamanho reduzido das unidades e a monotonia tipológica – “Fazer 2.100
casas de dois tipos só não fica satisfatório” (WILLER, 1991, p.130) –, porém eram
limitações impostas pelo BNH. Willer relembra:
119
Veio o presidente inaugurá-las. O Marechal Castello Branco fez questão de
subir ao sótão de uma delas. A escada não era nada confortável. Como eu
estava ciceroneando me mandaram subir junto. O espaço era muito
pequeno e não foi possível os seguranças subirem também (WILLER, 1991,
p.131). (Fig. 43)
Figura 43. Foto do Presidente Marechal Castello Branco visitando o sótão de uma das unidades.
Fonte: DUDEQUE, 2001.
A alegação era que as casas representavam apenas o mínimo necessário
para uma família se instalar, já contando com a parte mais cara pronta – as
instalações hidráulicas. As origens sanitaristas do urbanismo moderno ditavam aos
planejadores curitibanos que a célula “mínima desejável” seria o recinto sanitário, a
partir do qual tudo poderia evoluir (SOUZA, 2001, p. 1613). Assim, as unidades
entregues deveriam funcionar como embriões para o desenvolvimento particular.
Além do mais, na imaginação dos técnicos, tais embriões habitacionais conteriam
em estado rudimentar o potencial normativo, funcionando como “um anticorpo,
curando o órgão afetado por patologias e o integrando ao corpo social saudável”.
(SOUZA, 2001, p. 1613). Alfred Willer conta:
[...] ela servia de um elemento inicial para um crescimento simétrico
futuro da casa, então tinham terrenos com tamanho suficiente, tinha lotes
com tamanho suficiente para a casa crescer. Então, a idéia era: o
morador se instalava lá, ganhava o embrião, que era a parte mais complexa
da casa, e ele, com seus próprios recursos, a ampliava, puxava mais um
quarto, puxava uma área de serviço, aumentava a sala e assim por
diante. (WILLER, 1991, p.131, grifos nossos)
120
Um relatório do IPPUC de 1978 sobre Política Habitacional de Interesse
Social expunha, sob a ótica da administração de então, a experiência curitibana no
assunto:
"[...] as casas não foram construídas de acordo com a concepção que se
tem a respeito do que seja uma moradia completa. Elas foram projetadas e
realizadas a partir da ótica e das possibilidades do morador. (...) assim, em
principio, o morador recebe apenas um embrião de residência, dotado, é
claro, do que é mais essencial. Depois, e em decorrência do processo
natural de integração - ele amplia essa unidade básica" (IPPUC, 1978,
apud SOUZA, 2001, p. 1612, grifo do autor)
De fato as alterações vieram. Era necessário expandir. “Reformar o
„predinho‟” tornou-se uma espécie de atestado de que “os tempos de penúria
passaram” (FERNANDES, 2006a, s.p.). Israel corroborou com esta afirmação:
Hoje o pessoal tem orgulho de morar aqui. Então passaram a respeitar, a
melhorar seus imóveis. É que os primeiros moradores não tinham nem
condição financeira e também não procuravam investir nos seus imóveis.
Hoje a VNSL é outra Vila. O perfil de construção é outro. E com o tempo
então, como a maioria das pessoas que veio pra cá, financeiramente tinham
poucas condições, quando o filho casava acabava fazendo uma casinha
nos fundos. Casava outro filho, mais uma pecinha. Então a VNSL virou três
Nossa Senhora da Luz. E tudo irregular, ninguém tirava alvará. Uma
situação que não era regularizada. „Se chega em‟ lote que eu conheço que
tem duas a três „meia-água‟ com três filhos morando ali. Até porque não
tinha condições. Mais difícil adquirir imóvel ainda. Então em terrenos de 9 x
18 tem 2 ou 3 casas.
Muitas modificações foram efetuadas também por não assimilação da
linguagem das residências criadas, principalmente as com sótãos habitáveis, uma
vez que referenciavam uma identidade rural (a origem de grande parte dos
moradores, porém aspirantes de um reconhecimento urbano) (DUDEQUE, 2001,
p.246). Nos relatos de Frei Miguel também se encontra referência às ampliações:
Depois a Vila foi crescendo, cada família foi se multiplicando e continuando
a morar na mesma casa. Fazia um puxadinho, um quartinho, e casava o
filho e a filha. Em algumas casas se encontravam, às vezes, até quatro
famílias. Mas, felizmente, quando isso começou, a vida na Vila já tinha
melhorado um pouquinho. E nós demos nossa contribuição; trabalhamos
como porta-vozes da Vila. Fui várias vezes falar com os prefeitos. Uma vez
fui falar com um prefeito (não vou dizer o nome) e ele disse: “a Vila tem até
demais”. Então eu disse: “por que você não vem morar lá; venha morar e
121
veja quanto tempo o senhor agüenta”. Ele me olhou um bocadinho e disse:
“sabe que o senhor tem razão, eu não teria coragem de morar na Vila”.
(BOTACIN, 1991, p.317)
Contudo as ampliações não saíram exatamente como o imaginado pelos
técnicos: seguindo o potencial normativo do embrião. Como visto no capítulo 3, já
existia um Código de Obras e Posturas vigente para o restante do município.
Entretanto, as casas concebidas como unidades-embrião foram ampliadas ao gosto
do proprietário, caracterizando uma expansão desordenada. Não houve um
monitoramento estreito em seu crescimento e evolução. “Olha, eu não sei como isso
aconteceu na Nossa Senhora da Luz: tudo fora, „né‟?!”, constatou com certo ar de
conformismo o senhor Israel Muniz.
Realmente são raras as casas que mantiveram o desenho, a metragem
original, ou outros elementos do projeto inicial como as janelas de madeira, as
taramelas, o forro dos primeiros tempos (Fig. 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50 e 51). Com
isso, a situação atual é que a imensa maioria dos lotes encontra-se em situação
irregular considerando os parâmetros atuais de uso e ocupação do solo: muitos com
processos fiscalizatórios e outros tantos com inventários e financiamentos
bloqueados devido à irregularidade. Sobre a questão da paisagem resultante, o
doutor em Planejamento Urbano, Eduardo Yázigi afirma:
Ninguém disse, mas parece estar no inconsciente cultural coletivo, neste
Brasil pelo menos, aquela conhecida expressão de anúncios imobiliários,
identificando e separando o “lado nobre” do “resto”. Resto são os pobres, a
feiúra e o desleixo para com a cidade, que não exclui, também, grande
proporção de pessoas bem postas. No “resto” incluem-se lugares
considerados indignos de nobreza, que não respeitam a si próprios. Desde
então, zonas industriais, comerciais, portuárias, atacadistas e muitas outras
especializações, por não serem lugar de moradia, são tratadas com
desprezo, tanto quanto bairros operários. Somadas, essas áreas ocupam
imensas superfícies subtraídas de ambientação, justamente porque não se
realiza que ambiente é relação e relação não deve ser deteriorada, mesmo
numa área industrial! (YÁZIGI, 2003, p.294, grifo nosso)
Não que a simples regularização dos imóveis resulte em uma melhora na
paisagem global, mas sim, uma mudança de foco, uma atenção maior por parte do
poder público, um embasamento mais consistente na exigência de seus direitos uma
vez que seus deveres foram cumpridos.
122
Figura 44. Foto de algumas casas as quais se pode identificar o projeto-origem e as ampliações.
Fonte: VIANNA, 2010.
Figura 45. Algumas casas que ampliaram no recuo à frente do projeto-origem.
Fonte: VIANNA, 2010.
123
Figura 46. Foto de uma das ruas da Vila – estreita e emparedada.
Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2011.
Figura 47. Residências antigas ao lado de grandes ampliações diretamente no recuo.
Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2011.
Figura 48. Residências e comércios ampliados.
Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2011.
124
Figura 49. Edificações completamente descaracterizadas.
Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2011.
Figura 50. Edificação com três pavimentos no recuo frontal.
Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2011.
Figura 51. Obras em andamento.
Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2011.
125
A figura 52 mostra um quadro referente ao Setor Especial de Habitação de
Interesse Social – SEHIS – presente na Lei nº 9800/2000, que dispõe sobre o
zoneamento, uso e ocupação do solo no município.
Figura 52. Quadro extraído da Lei 9.800/2000 com parâmetros de SEHIS.
Fonte: CURITIBA, 2011.
Em SEHIS, o que engloba a VNSL, é permitido construir edificações para
habitações unifamiliares (no caso, até três unidades por lote) e comércios e serviços
vicinais, de bairro ou setoriais (atendendo ao porte máximo de 100m²). O coeficiente
de aproveitamento é limitado a 1 – ou seja, é permitido construir uma vez a área do
lote. Quanto à taxa de ocupação, a qual determina a proporção entre cheios e vazios
dos lotes, calculada com base na área de projeção da edificação, o limite é de 50%.
A altura máxima está limitada em dois pavimentos (10 metros – sendo que subsolos,
sótãos e áticos não contam como pavimentos, mas devem atender os 10 metros).
Não há taxa de permeabilidade mínima. Dos parâmetros vigentes para o setor,
apenas o recuo frontal mínimo foi alterado (de 5m para 3m) em relação ao início da
Vila. De acordo com Israel, foi uma reivindicação dos proprietários locais:
Até a área de recuo aqui da Vila é toda complicada. Os comércios estão
todos fora de padrão. Através da associação comercial uma época nós
tentamos trazer o recuo pra frente. Nem sei como ficou. O recuo era de 5m
agora parece que é 3m. [...] Porque tava tudo fora das normas.
126
Embora raros, também é permitido construir habitação institucional
(albergue, alojamento estudantil, asilo, convento, seminário, internato e orfanato) e
comunitário 01 (berçário, creche, pré-escola, escola especial e espaços para
assistência social), porém para tais usos os parâmetros são reduzidos (coeficiente
de aproveitamento de 0,6, taxa de ocupação de 30%, recuo frontal de 5m,
afastamento das divisas de 2,50m e taxa de permeabilidade mínima de 25%).
Um estudo5 realizado pelo IPPUC em 2000 levantou dados sobre a
ocupação da Vila em relação aos parâmetros básicos exigidos [Anexo 1]. Lote a lote,
verificou-se a disparidade entre o projeto inicial, a legislação proposta e a situação
real. Em apenas 55% dos lotes levantados, mesmo que parcialmente, podiam-se
identificar as casas-embrião como remanescentes. Menos da metade dos lotes
atendia o recuo frontal obrigatório sem construção – não entrando no mérito se
ajardinado (exigido por lei) ou não. Em nove unidades havia um terceiro pavimento
já construído. De 451 lotes pesquisados, apenas 23 atendiam a taxa máxima de
ocupação de 50% - 174 estavam entre 50 e 75% e o restante com taxa de ocupação
superior (Fig. 53).
Tomando o mesmo recorte dos 451 lotes (no caso, 450, pois dois deles
foram unificados) situados nas quatro principais ruas da Vila, onze anos depois,
efetua-se um novo estudo [Anexo 2]. Por intermédio da análise da existência ou não
de alvarás aprovados pelo Município, comparando-os com as metragens indicadas
pela Secretaria de Finanças (a mesma usada para compor o IPTU). Pode-se
constatar uma leve melhora no número de lotes regularizados (no total, 30 lotes)
(Fig.54). Entretanto, no geral, ocorreu um aumento do volume construído. A
percentagem mínima de lotes regularizados face ao universo amostrado remete à
constatação da enorme dificuldade em se adequar a construtibilidade aos códigos
estipulados pelo Estado – seja por falta de recursos financeiros, seja por falta de
espaço, seja por falta de estímulo.
Como já visto na subseção 2.4, a aprovação da edificação se faz necessária
para a averbação da mesma em matrícula de Registro de Imóveis. Ao averbar a
construção, agrega-se valor ao imóvel; um patrimônio adquirido. E sem a
documentação da edificação, não há como inventariar, financiar nem deixar como
garantia em empréstimos. De certa forma, trata-se de um patrimônio preso.
5 Levantamento realizado na íntegra pela autora em 2000 quando estagiava no IPPUC, Setor de
Política Urbana.
127
Figura 53. Mapa mostrando levantamento realizado em 2000 sobre taxa de ocupação de lotes da
VNSL.
Fonte: IPPUC, 2000.
Figura 54. Mapa indicando levantamento atual de lotes regularizados da VNSL.
Fonte: Levantamento realizado pela autora, 2011.
128
José Dirceu de Matos, administrador da Regional da Cidade Industrial de
Curitiba desde sua inauguração em março de 2005, confirmou que um dos maiores
problemas da Vila é a questão da regularização dos imóveis. Dirceu, como é
normalmente chamado, afirmou que a Vila está consolidada, sem espaços abertos
disponíveis nem para equipamentos públicos. Salientou a necessidade da revisão
dos parâmetros de uso e ocupação do solo principalmente devido ao tamanho
reduzido dos lotes.
No caso da Cidade Industrial, mais especificamente da Nossa Senhora da
Luz, que é mais adensada, eu acho que tinham que ser revistos esses
parâmetros da construção. Primeiro os imóveis são muito pequenos; as
famílias – nós já estamos praticamente na terceira geração de quando foi
ocupado/inaugurado até hoje – as famílias cresceram. Eles já fizeram todas
as ampliações e hoje não tem espaço quase nenhum. Pra implantar
comércio precisa fazer a demolição dessas residências, que é o que a gente
percebe. Então, o que eu vejo é que a legislação, em função do tamanho do
terreno, ela engessa o crescimento da Vila, porque assim não vai mudar a
Vila nunca. Se não houver um avanço na legislação, uma abertura na
legislação, que possa contemplar mais o potencial construtivo, a Vila nunca
vai mudar e, outra, nós vamos estar na verdade contingenciando um núcleo
de pobreza permanente.
José Luiz de Mello Filippetto é diretor de Fiscalização da Secretaria de
Urbanismo de Curitiba há oito anos. Trabalhando diariamente com situações de
irregularidade urbanística, Filippetto afirmou que os parâmetros construtivos hoje já
não cabem mais para o Setor de Interesse de Habitação Social devido às pequenas
dimensões dos lotes rivalizando com o aumento do número de residentes.
Não cabem mais hoje essas famílias dentro daqueles terreninhos de 120 a
180m² com taxa de ocupação de 50% e recuo de 3m. Essa taxa de
ocupação tem que ser revista. A questão do alinhamento predial é um geral
em todas as SEHIS, em basicamente todas elas. Então, são parâmetros
que impossibilitam a regularização das edificações. E é a mesma questão
pro comércio. Não adianta pensar nessas áreas como estritamente
habitacional. Tem que existir aquele pequeno comércio pra dar suporte a
essa comunidade. E mesmo esse comércio com 100m² às vezes tem um
recuo que inviabiliza. E pedir estacionamento ainda em cima disso:
impossível! Então a gente entende que tem que haver realmente uma
revisão da legislação pra absorver a realidade do local. E a realidade do
local é taxa de ocupação de 75% no mínimo, construção no alinhamento
predial, isenção de estacionamento em relação aos pequenos comércios
instalados nessas áreas. [...] Talvez até um terceiro pavimento deva chegar.
Que os dois pavimentos hoje a gente já nota também que já não é mais
129
uma característica isolada, uma situação isolada. O pessoal já está partindo
para um terceiro pavimento. [...] Esse é o meu entendimento. Acho que se a
gente apurar mais a fundo tem coisas que tem que ser mais flexibilizadas.
Após propor parâmetros diferenciados além do que hoje é permitido,
Filippetto mostrou seu entendimento sobre um parâmetro específico, permeabilidade
mínima (que hoje não é exigida em Setores de Habitação de Interesse Social), o
qual deve ser repensado devido à gravidade da questão ambiental assim como do
impacto direto, inclusive danos materiais, para a Vila:
Uma coisa que é importante manter, no meu entendimento, mas é
complicado, eu sei, é a questão de permeabilidade. A permeabilidade eu
acho que é um tópico que tem que ser muito bem avaliado. [...] Qualquer
chuva pode causar alagamentos. Então essa questão da permeabilidade é
uma questão que tem que ser estudada com muito cuidado.
Na opinião de Dirceu de Matos, com o aumento do potencial construtivo da
área haveria automaticamente uma elevação de valor do imóvel, beneficiando a
população local de baixa renda:
Já que ninguém está disposto a dar dinheiro pra ninguém, pelo menos
através da legislação em uma canetada o Prefeito pode autorizar o aumento
do potencial construtivo e aí, ao mesmo tempo, é como se você tivesse
dando dinheiro direto praquela família. A gente está melhorando a condição
de vida daquela família.
Dessa forma, os moradores poderiam usufruir desta edificação ampliada ou
vender o imóvel possibilitando a construção de algo diferente, segundo o
administrador regional, favorecendo uma diferenciação tipológica das unidades.
Dirceu colocou que uma alternativa seria a verticalização – aumentar o número
máximo de pavimentos permitidos que atualmente limita-se a dois – desde que
respeitados índices mínimos de iluminação e ventilação. Para tanto, seria necessária
a unificação de dois ou três lotes. Já em relação às construções no alinhamento
predial, rivalizando os três metros obrigatórios para o Setor de Habitação de
Interesse Social e a não obrigatoriedade (recuo zero) para a Zona Central,
questionou:
E quem consegue comprar no centro? Não é gente rica? Então isso é
privilégio de rico? Então, duas pontas antagônicas, rico e pobre, tratados
130
com o mesmo direito. Rico pode. „Tá‟ no centro, pode no alinhamento. Por
que lá na pobreza, esse sim que precisa, não pode?
Após reivindicar igualdade de direitos entre as regiões da cidade ao falar
sobre recuo frontal, seguiu com uma aparente contradição – solicitando tratamento
diferenciado aos diferentes – mas que se enquadra dentro de uma idéia geral de
equidade.
E é diferente você ter uma legislação da Vila Hauer, onde eu moro, e a
mesma – é que lá o terreno tem 15 por 50 – com a mesma legislação dos
terrenos com metragem de 06 por 20, 8 por 20, 10 por 20. É muito diferente.
Não pode ser o mesmo potencial.
Para José Filippetto, ao ser questionado sobre a possibilidade de se realizar
uma “anistia” geral, o diretor se posicionou contrário e defendeu a qualidade de vida
da comunidade em geral, para que os espaços produzidos não sejam insalubres.
Nós temos que fazer adequações à legislação pra propiciar a regularização.
Esse propiciar a regularização não significa que tudo que está de errado
será aceito. [...] Não tem como ter uma taxa de ocupação de 100% e ter
qualidade de vida nessas edificações. Mesmo porque em função do
tamanho do lote você dar uma taxa de ocupação de 100% você ta
confinando aquilo ali num caixote sem condição de nada. É de se chegar
até um nível satisfatório que possibilite a regularização desses imóveis, mas
preserve um mínimo pra condição de habitabilidade, qualidade de vida e até
de planejamento urbano da cidade. Quem extrapolou aquilo vai ter que
rever.
Da mesma forma, colocando-se contra a anistia, Dirceu de Matos fez a
elaboração de uma proposta de contrapartida financeira por parte daqueles que
construíram além do permitido e que necessitam regularizar, uma vez que o não
cumprimento à legislação vê-se em toda a cidade e não somente na CIC. Inclusive
citando a similaridade com um instrumento previsto no Estatuto das Cidades – o
Solo Criado – do qual Curitiba já se utiliza.
Então por que não se pode colocar um pedágio pra contemplar o sistema
ambiental? Então assim, coloca-se um pedágio. Quer regularizar? Construiu
a mais? Regulariza sem problemas só que você vai pagar à Secretaria de
Meio Ambiente para ela comprar áreas verdes. [...] IPTU diferenciado pra
quem construiu além do que é previsto na legislação. Lógico que com um
limite também. Uma flexibilização, não uma anistia. Além dos 50%, você
pode construir 70 só que esses 20 „vão no‟ teu IPTU, vai onerar tanto pra
131
você. Daí regulariza um monte na cidade inteira. [...] Da mesma forma como
tem hoje o Solo Criado, mesma coisa.
Indagado sobre a possibilidade de se inverter a dinâmica – onerando já o
cidadão irregular no IPTU, como uma forma de notificação, e à medida que ele
regularize, retirar-se-ia esta taxa – Dirceu hesitou:
Eu acho que ainda não é hora. Ainda vai mais uns 05 ou 06 anos pra
chegar nesse caso. Mais uns 05 ou 06 anos nós não vamos ter mais áreas
livres em Curitiba, não vamos ter nada. Quem tem, tem! Daí o valor ta lá em
cima, e daí chega a hora de regularizar. Por enquanto ainda está em
desenvolvimento, em crescimento. Mas daqui uns 05 anos tudo isso acaba.
Tudo pronto, consolidado. Aí é hora de pegar pra regularizar mesmo.
Quanto à argumentação da autora/entrevistadora sobre a dificuldade em se
adquirir através de financiamento um imóvel antigo nos Setores de Habitação de
Interesse Social (devido sua irregularidade urbanística), tendendo à expulsão da
classe baixa da capital para a RMC, ele discordou. Dirceu avalia a situação como
uma forma de investimento a médio ou longo prazo por parte daqueles que se
deslocaram para regiões com pouca infra-estrutura.
Mas isso é muito relativo porque, você veja bem, hoje um imóvel na CIC que
custa 100 e ele tem 300m². Ele pega esse dinheiro e compra na periferia
1000m² e a cidade vai chegar lá também. Então ele cresceu. Porque
quando ele vendeu por 200 reais, porque com o mesmo dinheiro ele compra
1000m² fora e o dia que ele revender ele vai pegar 600, 700, porque a
cidade chega lá também. Então é uma forma que as pessoas têm lá pra
crescer. Investem naquilo que sabem que vai valorizar.
Justificando:
As pessoas não nasceram pra ficar no mesmo lugar a vida inteira. Não é
assim. Elas evoluem. Se ela tem uma possibilidade de fazer um bom
negócio elas vão pra outro lugar e investem em outro lugar e crescem. As
pessoas não nasceram pra ficar sempre no mesmo lugar. Isso é um
engodo.
Já Filippetto, ao ser indagado sobre a mesma questão da tendência de
expulsão das classes baixas da capital, volta-se com o foco para a especulação
imobiliária atrelada ao mercado de lotes populares subsidiados por agentes do
governo, eximindo a população de baixa renda de uma “culpa” uma vez que é a
132
lógica da sobrevivência imperando:
O que acontece: eles estão comprando hoje por dez, mas no dia seguinte
eles já estão tendo oferta de venda por cem. Ou seja, a especulação
imobiliária „tá‟ num ritmo muito acelerado então a COHAB também tem que
criar mecanismos pra conter isso aí. Porque uma vez que se tem um imóvel
financiado, que tem uma série de parcerias, de facilidades, de benefícios,
de redução de impostos e coisa e tal, já „tá‟ servindo pra especulação
imobiliária. Tem que ser criado mecanismo também pra segurar essas
pessoas lá ou até efetivamente vender pra quem tem necessidade. [...]
Logicamente, hoje você compra por dez e amanhã me oferecem cem,
realmente as pessoas de baixa renda balançam.
As infrações dos parâmetros urbanísticos e ambientais na VNSL são tantas
que os técnicos da prefeitura ficaram impossibilitados de intervir. Muitos proprietários
(muitas vezes sem saber que também estão em situação irregular), ao se sentirem
lesados por obras vizinhas acionam a Central 156 (sistema de tele-atendimento
automatizado, integrado e com acompanhamento dinâmico do órgão competente).
Entretanto, devido ao grande número de processos fiscalizatórios sem continuidade
nem sucesso, utiliza-se uma resposta padrão informando que não há legislação
específica para a região (embora exista). Quanto a essa orientação repassada aos
técnicos das pontas, Filippetto explanou:
Mesmo que houvesse uma pressão pra abrir uma ação fiscal tinha que fazer
o máximo possível pra contornar essa situação, porque era um processo
que não vai dar em nada, em função da condição geral daquela
comunidade. O que nós vamos fazer? Vamos tratar casos isolados? A gente
achar um bode expiatório, alguém pra pagar o pato... Ou vamos estender
essa ação de fiscalização pra toda a comunidade, vamos penalizar todo
mundo, com a situação já consolidada. O caos social que a gente vai
implantar.
Filippetto argumentou que o melhor obviamente seria efetuar uma
fiscalização preventiva que se provou ser o melhor caminho, pois as soluções são
mais práticas, mais rápidas, uma vez que o contraditório fica muito reduzido.
Entretanto, para a realidade da Vila, isso não caberia mais. Seria válido um trabalho
de educação, de orientação sobre espaços com maior conforto, quando houvesse a
alteração da legislação.
Na realidade, o que a gente precisa é alterar a legislação pra dar
possibilidade dessas comunidades regularizarem suas edificações, ter
133
condição de viver naquelas edificações. Então, não adianta só regularizar
que eles começam também a fazer os puxadinhos aleatoriamente sem
nenhum envolvimento técnico e essa edificação se torna no decorrer do
tempo praticamente inabitável. Pouquíssima qualidade de vida lá dentro.
Então é fundamental a gente levar informação, mas dar um
acompanhamento técnico para essas comunidades. Querem fazer um
puxadinho, ó, façam um puxadinho, mas, olha, nessa condição, preservem
isso, vamos lá preservar a condição de iluminação, de ventilação, a questão
de vizinhos...
Por fim, Filippetto desabafou um constrangimento ao se exigir das pessoas
que cumpram a lei urbanística sem o respaldo da legitimidade das próprias
edificações públicas:
O Poder Público tem que ter o mesmo tratamento que o Privado. O
tratamento não pode ser diferente. E isso desde que eu trabalhei no
Estatuto da Cidade que a gente trabalhou em todos os mecanismos pra
serem implantados. Esse sempre foi um ponto que foi muito ressaltado: que
o poder público tem a mesma condição do privado. Se nós obrigamos o
cidadão comum a tirar um alvará de construção, nós temos que dar o
exemplo.
“Pra regularizar isso aqui não é fácil não”, Israel afirmou com certo ar de
desânimo. Entretanto, são pessoas como ele, saudosistas e orgulhosos do local em
que vivem – “Eu tenho muito estima pela Vila. Aqui eu casei, eu tive meus filhos.
Praticamente eu só nasci no Norte, vivi aqui a vida inteira” – que enaltecem o poder
dos vilanos e mostram ser possível melhorar.
134
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
pronto
aqui está
o meu ponto
(LEMINSKI, 2001)
135
Um trabalho cujo objetivo era estudar uma vila, construída em pleno regime
militar para os pobres de uma metrópole em ascensão, não pode ser conclusivo
visto que a cidade desempenha o papel de um organismo vivo, como na ecologia
clássica. Traz consigo conexões, inter-relações e uma complexidade que estão
acima de estudos de políticas públicas que permitam ser analisados de forma
simples e clara. Pois a cidade, e consequentemente a metrópole, vive
ininterruptamente um processo de crescimento que impossibilita encontrar soluções
pontuais e definitivas.
Neste trabalho tais pressupostos ficaram claros, pois as reflexões pautadas
em estudos teóricos não poderiam ser explicadas por uma corrente metodológica
unilateral. Entender a Vila Nossa Senhora da Luz demandou trilhar pelos caminhos
das exclusões e das inclusões que marcam uma metrópole dominada pelo city
marketing a exemplo de Curitiba. Assim, o objeto de estudo dessa dissertação só
poderia ser entendido de forma qualitativa.
Os estudos aqui delineados mostram que no Brasil existe uma crença no
planejamento como salvador de todas as mazelas construídas secularmente neste
país. Porém não se abre mão de afirmar que o papel e a função ideológica de
acobertar as reais causas dos problemas urbanos que afligem milhões de pessoas
estão muito além da problemática mencionada: estão na sua gênese, ou seja, desde
a formação das primeiras vilas brasileiras.
Até a década de 70, as habitações de interesse social implantadas no Brasil
só fizeram aumentar a segregação. Além da padronização tipológica e o número
excessivo de unidades repetidas, ocupavam áreas tão distantes do centro que
acabavam por formar novos guetos de abandono. Com altos custos de infra-
estrutura, só aumentaram a dispersão urbana e a agressão ao meio.
No caso curitibano, explicitado a partir da busca de entendimento por meio
da Vila Nossa Senhora da Luz, não se encontra muita diferença do ocorrido noutras
metrópoles brasileiras. Conforme visto na subseção 2.2 sobre a movimentação das
partes dentro da estrutura intra-urbana, a dita Vila cumpriu o papel clássico
capitalista de expulsar para a periferia os migrantes indesejáveis. Retirados da
região central da cidade e depositados em seus arredores, os depoimentos
coletados dos moradores da VNSL espelham a formação de uma comunidade
totalmente desterritorializada. Isso fica claro principalmente a partir da fala de Israel
Muniz, quando ele menciona a vergonha de outros moradores em dizer onde
136
moravam. Mas, em conformidade com tais relatos, essa população foi lentamente se
territorializando; e hoje já não tem mais vergonha de fornecer seu endereço.
Assim, tem-se no caso estudado uma síntese do apresentado nos capítulos
anteriores: um reflexo do processo de industrialização do Paraná, e com isso a
explosão populacional da capital; uma sociedade excludente, que prioriza a falsa
imagem de que o padrão de vida da classe média é para todos; a acomodação das
elites produzindo um distanciamento dos loteamentos populares; a mudança na
execução dos planos de acordo com os jogos de interesse locais (a implantação
incompleta das conectoras da parte sul da cidade enquanto a conectora ao norte foi
efetuada nos melhores padrões construtivos, favorecendo a especulação
imobiliária);...
Cumpriu-se o objetivo principal dessa pesquisa ao se verificar a quebra da
legalidade urbanística vinculada às necessidades das pessoas – sejam físicas ou
estando no nível da percepção, aqui incluindo a auto-estima. Previstas na
concepção original do projeto, as ampliações das unidades-embrião ocorreram e
continuam a ocorrer, entretanto, alheias às determinações legais.
Por não ter levado em conta as condições específicas da implantação do
loteamento, e pelo fracasso na orientação dos moradores, a legislação existente
tornou-se inviável. E conforme tratado na subseção 2.4, a irregularidade favorece o
clientelismo e a dependência, fazendo uma quebra da relação direta entre o morador
e a moradia. As divergências entre o real e o legal, que impossibilitam a
regularização urbanística das edificações, fazem com que os proprietários
permaneçam “presos” aos seus imóveis (excetuando as transações efetuadas com
base nos chamados “contratos de gaveta”). Afeta/abala as liberdades substantivas
dos indivíduos, impedindo seu desenvolvimento.
Como resolver o empecilho legal desta população? Isso remete ao
questionamento feito por Maricato (1996) “qual é o papel das leis que pretendem
regulamentar procedimentos detalhados do universo individual do interior da
moradia, quando a maior parte das moradias e do contexto urbano constituem
imenso universo clandestino que ignora normas gerais e básicas?”
No caso em questão, acredita-se que uma flexibilização dos parâmetros de
uso e ocupação do solo se faz necessária para que cada proprietário se sinta
realmente dono do que lhes pertence, dispondo de seu bem, tão almejado e
arduamente conquistado, de forma mais coerente com a situação herdada. Assim,
137
urge legislar em prol desta comunidade que nasceu cerceada do direito à cidade. As
adaptações dos parâmetros poderiam transformar os próprios moradores em
agentes do processo de mudança, possibilitando a responsabilização dos mesmos
por novas intervenções não autorizadas. Também a padronização de um serviço
prestado pela Prefeitura Municipal de Curitiba (PMC), diminuiria o grau de
insatisfação dos servidores municipais e possibilitaria uma maior autonomia e pró-
atividade dos mesmos, aumentando assim o grau de eficácia dos atendimentos.
Cabe aqui reportar e parafrasear Ítalo Calvino quando se tem na VNSL uma
paisagem das invisibilidades simbólicas de Curitiba, nas suas cidades invisíveis.
Enfim, Lívia de Oliveira exprime parte do mundo vivido por aquela população de
vilanos quando coloca que: “Talvez o mais relevante é considerar a afetividade
humana para com a natureza e a sociedade; considerar a ética, os direitos naturais e
humanos e quiçá aceitar as diversidades geográficas, que no fundo é que dão cores,
odores, sabores e maciez ou aspereza a toda nossa paisagem”.
138
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145
ANEXO 1 – TABELAS REFERENTES AO LEVANTAMENTO
EFETUADO PELO IPPUC EM 2000.
146
147
148
149
150
151
152
153
154
155
156
157
158
159
ANEXO 2 – TABELAS REFERENTES AO LEVANTAMENTO ATUAL
EFETUADO PELA AUTORA EM 2011.
Rua Shirley Mantovani
quadra indicação fiscal m² ano alvará novo
87.103.004 50,00 1967 x
87.103.005 50,00 1968 x
87.103.006 50,00 1967 x
87.103.007 50,00 1967 x
87.103.008 50,00 1967 x
87.103.009 50,00 1967 x
87.103.010 50,00 1967 x
87.103.011 50,00 1967 x
87.103.012 89,30 1991 x
87.103.013 50,00 1967 x
87.104.002 87,60 1991 x
87.104.003 63,20 1991 x
87.104.004 50,00 1967 x
87.104.005 50,00 1967 x
87.104.006 50,00 1967 x
87.104.007 50,00 1967 x
87.127.004 66,50 1991 x
87.127.005 50,00 1967 x
87.127.006 93,80 1991 x
87.127.007 73,50 1991 x
87.127.008 50,00 1967 x
87.127.009 50,00 1967 x
87.127.010 148,40 1991 140,00
87.127.011 50,00 1967 x
87.127.012 50,00 1967 x
87.127.013 281,50 1995 x
87.128.002 92,00 1995 x
87.128.003 95,00 1995 x
87.128.004 50,00 1967 x
87.128.005 50,00 1967 x
87.128.006 89,20 1991 x
87.128.007 79,50 1991 x
1
2
3
4
160
quadra indicação fiscalm² ano alvará novo
87.147.004 21,07 1967 x
87.147.005 21,07 1967 68,55
87.147.006 105,00 1991 x
87.147.007 31,60 1991 x
87.147.008 59,30 1991 x
87.147.009 21,07 1967 x
87.147.010 21,07 1967 x
87.147.011 92,60 1991 x
87.147.012 21,07 1967 x
87.147.013 97,30 1991 x
87.148.002 74,60 1991 x
87.148.003 45,60 1991 muro
87.148.004 21,07 1967 x
87.148.005 80,10 1991 x
87.148.006 21,07 1967 x
87.148.007 21,07 1967 x
87.167.004 21,07 1967 x
87.167.005 103,50 1991 x
87.167.006 111,40 1991 x
87.167.007 21,07 1967 81,07
87.167.008 67,50 1991 x
87.167.009 95,00 1991 x
87.167.010 21,07 1967 x
87.167.011 67,50 1991 x
87.167.012 183,90 1999 183,90
87.167.013 125,40 1995 x
87.168.002 42,90 1991 x
87.168.003 42,90 1991 x
87.168.004 59,50 1991 x
87.168.005 21,07 1967 x
87.168.006 42,90 1991 x
87.168.007 21,07 1967 x
5
6
7
8
161
indicação fiscal m² ano alvará novo
87.187.005 75,00 1977 60,00
87.187.006 90,00 1979 85,66
87.187.007 174,00 1984 174,00
87.187.008 130,50 1988 x
87.187.009 129,00 2000 x
87.187.010 45,60 1967 x
87.187.011 72,00 1991 x
87.187.012 68,00 1967 x
87.187.013 75,00 1991 x
87.188.002 86,10 1967 x
87.188.003 50,00 1967 x
87.188.004 92,30 1991 x
87.188.005 50,00 1967 x
87.188.006 65,60 1991 x
87.188.007 50,00 1967 x
87.211.004 95,60 1991 x
87.211.005 154,00 1991 x
87.211.006 34,40 1991 x
87.211.007 21,07 1967 x
87.211.008 21,00 1967 x
87.211.009 80,50 1991 x
87.212.002 50,00 1967 x
87.212.003 65,00 1991 x
87.212.004 102,80 1991 x
87.212.005 50,00 1967 x
87.212.006 50,00 1967 x
87.212.007 50,00 1967 x
87.212.008 140,80 1991 x
87.212.009 66,50 1991 x
87.212.010 83,10 1991 x
87.212.011 200,96 1994 200,96
9
10
11
12
162
Rua Humberto Calixto Fruet/ Rua Pedro Gusso
quadra indicação fiscal m² ano alvará novo
87.092.001 50,00 1967 x
87.092.003 72,30 1991 x
87.092.004 50,00 1967 x
87.092.005 50,00 1967 x
87.092.006 50,00 1967 x
87.092.008 50,00 1967 x
87.115.001 50,00 1980 x
87.115.024 69,30 1967 69,36
87.115.023 115,20 1991 x
87.115.022 50,00 1967 x
87.115.021 62,10 1991 x
87.115.020 80,80 1991 x
87.115.019 241,60 1999 x
87.115.018 85,00 1967 x
87.115.017 50,00 1967 x
87.115.016 50,00 1967 x
87.116.001 105,00 1991 x
87.116.003 50,00 1967 x
87.116.004 81,00 1991 x
87.116.005 115,00 1991 x
87.116.006 63,00 1991 x
87.116.008 50,00 1967 x
87.137.001 72,50 1991 x
87.137.024 97,30 1991 x
87.137.023 50,00 1967 x
87.137.022 50,00 1967 x
87.137.021 50,00 1967 x
87.137.020 50,00 1967 x
87.137.019 50,00 1967 x
87.137.018 50,00 1967 x
87.137.017 50,00 1967 x
87.137.016 50,00 1967 x
1
2
3
4
163
Rua Humberto Calixto Fruet/ Rua Pedro Gusso
quadra indicação fiscalm² ano alvará novo
87.138.001 50,00 1967 x
87.138.003 47,30 1991 x
87.138.004 50,00 1967 x
87.138.005 127,60 1991 x
87.138.006 50,00 1967 x
87.138.008 101,80 1991 58,19
87.157.001 50,00 1967 162,00
87.157.024 50,00 1967 x
87.157.023 139,50 1995 x
87.157.022 81,50 1991 x
87.157.021 72,10 1991 x
87.157.020 50,00 1967 x
87.157.019 85,80 1991 x
87.157.018 50,00 1967 x
87.157.017 50,00 1967 x
87.157.016 124,40 1991 x
87.158.001 42,80 1991 x
87.158.003 50,00 1967 x
87.158.004 50,00 1967 x
87.158.005 50,00 1967 x
87.158.006 50,00 1967 x
87.158.008 50,00 1967 x
87.177.001 50,00 1967 x
87.177.024 117,10 1991 x
87.177.023 50,00 1967 34,40
87.177.022 50,00 1967 x
87.177.021 50,00 1967 x
87.177.020 63,20 1991 x
87.177.019 50,00 1967 x
87.177.018 86,00 1967 x
87.177.025 190,00 1995 278,80
5
6
7
8
164
quadra indicação fiscal m² ano alvará novo
87.178.001 111,30 1991 x
87.178.003 91,00 1991 x
87.178.004 50,00 1967 x
87.178.005 106,50 1991 x
87.178.006 50,00 1967 x
87.178.008 104,00 1967 x
87.199.001 88,80 1967 x
87.199.024 140,50 1991 x
87.199.023 81,00 1995 x
87.199.022 100,60 1991 149,87
87.199.021 106,10 1991 80,95
87.199.025 50,00 1967 278,18
87.199.019 161,80 1999 162,00
87.199.018 295,20 1995 x
87.199.017 95,30 1988 x
87.199.016 122,00 1991 x
87.200.001 61,30 1991 x
87.200.003 91,50 1991 225,00
87.200.004 163,60 1995 x
87.200.005 162,00 1995 x
87.200.006 50,00 1967 x
87.200.008 78,40 1991 79,00
87.223.001 90,00 2010 90,00
87.223.024 82,40 1991 x
87.223.023 139,70 1991 x
87.223.022 129,50 1991 x
87.223.021 102,80 1991 x
87.223.020 50,00 1967 x
87.223.019 92,80 1991 x
87.223.018 141,20 1991 x
87.223.017 113,20 1999 x
87.223.016 50,00 1967 162,00
9
10
11
12
165
Rua Davi Xavier da Silva
quadra indicação fiscalm² ano alvará novo
87.215.017 99,60 1991 x
87.215.016 66,60 1991 x
87.215.015 39,00 1991 x
87.215.014 125,00 1991 x
87.216.001 132,70 1991 x
87.216.014 93,40 1991 x
87.216.013 92,20 1991 x
87.216.012 98,00 1991 x
87.216.011 81,00 1967 x
87.207.001 112,50 1991 x
87.207.003 50,00 1967 x
87.207.004 73,70 1991 x
87.207.005 50,00 1967 x
87.207.006 50,00 1967 x
87.207.008 50,00 1967 x
87.192.001 69,70 1991 x
87.192.016 50,60 1991 x
87.192.015 80,60 1991 x
87.192.014 62,60 1967 x
87.192.013 82,50 1991 x
87.192.012 21,00 1967 x
87.183.001 34,80 1967 x
87.183.003 21,00 1967 x
87.183.004 21,00 1967 x
87.183.005 21,00 1967 x
87.183.006 133,30 1991 x
87.183.008 104,30 1991 x
87.172.001 78,30 1991 x
87.172.016 46,00 1967 x
87.172.015 75,10 1991 x
87.172.014 21,00 1967 x
87.172.013 21,00 1967 x
87.172.012 87,00 1991 x6
1
2
3
4
5
166
quadra indicação fiscal m² ano alvará novo
87.163.001 21,00 1967 x
87.163.003 21,00 1967 x
87.163.004 21,00 1967 x
87.163.005 134,10 1991 x
87.163.006 21,61 1967 x
87.163.008 21,00 1967 x
87.152.001 54,00 1967 x
87.152.016 52,50 1991 x
87.152.015 72,00 1967 x
87.152.014 55,50 1991 x
87.152.013 21,00 1967 x
87.152.012 241,60 1991 250,59
87.143.001 45,00 1991 x
87.143.003 21,00 1967 x
87.143.004 84,10 1991 x
87.143.005 89,80 1991 x
87.143.006 21,00 1967 72,00
87.143.008 68,50 1991 x
87.132.001 227,30 1995 x
87.132.016 50,00 1967 x
87.132.015 64,00 1991 x
87.132.014 73,50 1967 x
87.132.013 50,00 1967 x
87.132.012 50,00 1967 x
87.123.001 149,30 1991 x
87.123.003 79,20 1991 x
87.123.004 87,20 1991 x
87.123.005 50,00 1967 x
87.123.006 63,10 1991 x
87.123.008 50,00 1967 x
7
8
9
10
11
167
Rua Davi Xavier da Silva
quadra indicação fiscal m² ano alvará novo
87.108.001 66,50 1991 x
87.108.016 106,00 1991 x
87.108.015 50,00 1967 x
87.108.014 66,50 1991 x
87.108.013 63,00 1967 x
87.108.012 87,00 1967 x
87.099.001 90,30 1991 x
87.099.003 135,90 1994 x
87.099.004 92,40 1991 x
87.099.005 50,00 1967 x
87.099.006 73,20 1991 x
87.099.008 149,30 1991 x
87.098.004 76,30 1991 x
87.098.005 84,10 1991 x
87.098.006 167,60 1991 x
87.098.007 101,90 1991 x
87.098.008 50,00 1967 x
87.098.009 50,00 1967 x
87.098.010 50,00 1967 x
87.098.011 50,00 1967 x
87.098.012 84,90 1991 x
87.109.002 50,00 1967 x
87.109.003 55,40 1973 x
87.109.004 50,00 1967 x
87.109.005 77,00 1967 x
87.109.006 106,00 1991 x
87.109.007 68,50 1973 x
87.109.008 70,50 1973 x
87.109.009 50,00 1967 x
87.109.010 50,00 1967 x
87.109.011 65,00 1973 x
87.109.012 135,00 1973 x
87.109.013 54,00 1991 x
87.109.014 77,00 1967 x
87.109.015 65,00 1967 x
12
13
14
15
168
quadra indicação fiscalm² ano alvará novo
87.122.002 50,00 1937 x
87.122.003 307,00 1981 x
87.122.004 50,00 1967 x
87.122.005 92,80 1991 x
87.122.006 50,00 1967 x
87.122.007 50,00 1967 x
87.122.008 62,00 1991 x
87.193.004 138,00 1991 x
87.193.005 50,00 1967 x
87.193.006 50,00 1967 x
87.193.007 70,20 1991 x
87.193.008 156,50 1991 x
87.206.002 50,00 1967 x
87.206.003 80,00 1991 x
87.206.004 50,00 1967 x
87.206.005 50,00 1967 76,13
87.206.006 50,00 1967 x
87.206.007 99,20 1991 x
87.206.008 77,20 1991 x
87.206.009 50,00 1967 x
87.206.010 50,00 1967 x
87.206.011 85,80 1991 x
87.206.012 50,00 1967 x
87.206.013 50,00 1967 x
87.217.002 70,00 1991 x
87.217.003 79,70 1991 x
87.217.004 50,00 1967 x
87.217.005 50,00 1967 x
87.217.006 50,00 1967 x
87.217.007 50,00 1967 x
87.217.008 63,70 1991 x
87.217.009 50,00 1967 x
87.217.010 50,00 1967 x
16
17
18
19
169
Rua Orlando Luis Lamarca
quadra indicação fiscal m² ano alvará novo
87.218.001 96,40 1991 x
87.218.020 73,20 1991 x
87.218.019 73,80 1991 x
87.218.018 50,00 1967 x
87.218.017 50,00 1967 77,40
87.218.016 100,80 1991 x
87.218.015 66,60 1991 x
87.218.014 94,50 1991 x
87.218.013 110,10 1991 x
87.205.001 90,10 1991 x
87.205.024 50,00 1967 x
87.205.023 113,50 1991 x
87.205.022 50,00 1967 154,52
87.205.021 259,20 1991 x
87.205.020 50,00 1967 x
87.205.019 50,00 1967 x
87.205.018 105,10 1991 x
87.205.017 98,80 1967 x
87.205.016 50,00 1967 x
87.205.015 71,70 1991 x
87.205.014 128,40 1991 x
87.194.001 178,40 1998 x
87.194.012 95,10 1991 x
87.194.011 83,20 1991 x
87.194.010 50,00 1967 x
87.194.009 50,00 1967 vago
87.121.001 50,00 1967 x
87.121.016 63,70 1991 x
87.121.015 80,10 1991 x
87.121.014 118,40 1991 x
87.121.013 50,00 1967 x
87.121.012 69,00 1991 80,00
87.121.011 206,40 1995 x
1
2
3
4
170
quadra indicação fiscalm² ano alvará novo
87.110.001 79,80 1988 79,84
87.110.028 56,00 1973 x
87.110.027 50,00 1967 x
87.110.026 81,40 1991 x
87.110.025 55,00 1973 x
87.110.024 83,00 1973 65,35
87.110.023 90,00 1973 x
87.110.022 94,40 1973 x
87.110.021 90,50 1973 x
87.110.020 80,10 1973 x
87.110.019 74,10 1973 x
87.110.018 62,70 1973 x
87.110.017 77,70 1973 x
87.110.016 71,00 1991 x
87.097.001 70,00 1991 x
87.097.020 167,30 1991 x
87.097.019 70,20 1967 x
87.097.018 135,50 1991 x
87.097.017 50,00 1967 x
87.097.016 50,00 1967 x
87.097.015 50,00 1967 x
87.097.014 86,10 1991 x
87.097.013 50,00 1967 x
87.096.004 50,00 1967 x
87.096.005 130,00 2001 x
87.096.006 50,00 1967 x
87.096.007 81,20 1991 x
87.096.008 50,00 1967 x
87.096.009 50,00 1967 x
87.111.002 62,70 1991 x
87.111.003 82,20 1991 x
87.111.004 50,00 1967 x
87.111.005 50,00 1967 x
87.111.006 50,00 1967 x
87.111.007 65,50 1991 x
5
6
7
8
171
Rua Orlando Luis Lamarca
quadra indicação fiscalm² ano alvará novo
87.120.004 50,00 1967 x
87.120.005 50,00 1967 x
87.120.006 50,00 1967 x
87.120.007 135,70 1991 x
87.120.008 81,90 1991 x
87.120.009 140,30 1991 x
87.133.002 50,00 1967 x
87.133.003 86,20 1991 x
87.133.004 102,90 1991 75,15
87.133.005 50,00 1967 x
87.133.006 81,20 1991 91,45
87.133.007 63,70 1991 x
87.142.004 50,00 1967 x
87.142.005 50,00 1967 x
87.142.006 254,60 1991 x
87.142.007 138,90 1991 x
87.142.008 50,00 1967 x
87.142.009 108,20 1991 x
87.153.002 81,50 1991 x
87.153.003 79,90 1991 x
87.153.004 50,00 1967 x
87.153.005 50,00 1967 x
87.153.006 78,20 1991 x
87.153.007 61,10 1991 x
87.162.004 110,10 1991 x
87.162.005 50,00 1967 x
87.162.006 94,00 1991 x
87.162.007 50,00 1967 x
87.162.008 86,90 1967 x
87.162.009 50,00 1967 x
9
10
11
12
13
172
quadra indicação fiscal m² ano alvará novo
87.173.002 72,00 1991 x
87.173.003 92,30 1991 x
87.173.004 76,20 1991 x
87.173.005 50,00 1967 x
87.173.006 104,60 1991 x
87.173.007 50,00 1967 x
87.182.004 70,50 1991 x
87.182.005 92,00 1991 x
87.182.006 76,60 1967 x
87.182.007 92,90 1991 x
87.182.008 69,00 1991 x
87.182.009 50,00 1967 x
87.195.002 80,30 1991 x
87.195.003 21,00 1967 x
87.195.004 21,00 1967 x
87.195.005 105,00 1991 x
87.195.006 21,00 1967 x
87.195.007 100,10 1991 x
87.204.004 144,00 1998 x
87.204.005 93,00 1991 x
87.204.006 50,00 1967 x
87.204.007 50,00 1967 x
87.204.008 109,00 1991 x
87.204.009 175,00 1991 x
87.219.002 77,10 1991 x
87.219.003 50,00 1967 x
87.219.004 88,00 1991 x
87.219.005 98,00 1991 x
87.219.006 85,30 1991 x
87.219.007 193,90 1991 x
14
15
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