Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
INVESTIGAÇÃO MATEMÁTICA E O SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL
Tânis Salete Comin1
Clodogil Fabiano Ribeiro dos Santos2
RESUMO: Um processo de ensino eficaz constitui um dos grandes desafios que se impõe aos
educadores contemporâneos. No entanto, atingir esse objetivo implica lançar mão de metodologias
de ensino inovadoras que primem pela participação do aluno enquanto agente de sua própria
aprendizagem. Com esse intuito, o presente trabalho teve como objetivo proporcionar aos alunos de
6º ano (início das séries finais do Ensino Fundamental), do Colégio Estadual José Armim Matte –
EFMNP de Chopinzinho/PR, a oportunidade de experimentar a construção do seu próprio
conhecimento em relação ao Sistema de Numeração Decimal e suas propriedades operatórias,
utilizando a metodologia da Investigação Matemática como alternativa de ensino. Essa iniciativa se
justifica diante da constatação das grandes dificuldades dos alunos em compreender as propriedades
e realizar as operações fundamentais com os números naturais ao ingressarem nas séries finais do
Ensino Fundamental. Trata-se de um trabalho que busca aporte na produção bibliográfica existente
sobre o tema e relata a experiência obtida com a aplicação do projeto de intervenção pedagógica
relativo ao Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE da Secretaria de Estado da Educação
do Paraná - SEED.
Palavras-Chave: Sistema de Numeração Decimal. Aprendizagem. Investigação Matemática.
1 INTRODUÇÃO
Sendo a matemática um conhecimento construído pelo homem em suas
relações sociais ao longo do tempo, carrega consigo diferentes características dos
diversos momentos históricos e sociais e está muito longe de ser um conhecimento
pronto e acabado, ao contrário, está em permanente evolução.
Atualmente, a matemática fundamenta e está diretamente imbricada em
estudos sofisticados que implicam em descobertas que podem favorecer a vida no
planeta, como no caso das biotecnologias, genomas, transgênicos, clonagens, ou,
1
Professora PDE. Secretaria de Estado da Educação do Paraná – SEED. 2
Professor Orientador UNICENTRO Guarapuava.
por outro lado, implicar na morte e até mesmo o fim da humanidade a exemplo do
caso da má utilização da energia nuclear, dos satélites e misseis militares.
Entretanto, enquanto disciplina, a aprendizagem da matemática se configura
como um grande desafio aos educadores, pois, percebe-se que cada vez mais vem
aumentando o chamado analfabetismo matemático, ou seja, um grande contingente
populacional, pertencente principalmente, à classes menos favorecidas, que
apresenta sérias dificuldades em lidar com noções matemáticas básicas presentes e
necessárias no seu dia a dia.
Essa dificuldade é percebida desde cedo nas salas de aula onde os
professores do Ensino Fundamental constantemente se deparam com alunos que
não apresentam domínio de conhecimento sobre o Sistema de Numeração Decimal
e suas características, tais como agrupamentos e trocas na base 10, o princípio do
valor posicional, dificuldades de leitura e interpretação de instruções e enunciados
matemáticos, e principalmente, não compreendem o significado das operações.
Por vezes, as dificuldades com a matemática são atribuídas à prática
pedagógica deficitária, ou seja, embora a matemática seja considerada uma ciência
universal seu ensino não contempla as diferentes realidades das crianças o que leva
ao descaso, desinteresse e ao insucesso escolar.
Tendências contemporâneas apontadas pela educação matemática, enquanto
tendência metodológica para o ensino da matemática, apresentam como indicativo
para o sucesso da aprendizagem desta ciência a necessidade da contextualização
dos conteúdos, a diversificação metodológica, a utilização de objetos e meios que
levem o educando à compreensão matemática.
Assim, este trabalho tem como objetivo proporcionar a alunos do 6º ano do
Ensino Fundamental do Colégio Estadual José Armim Matte – EFMNP, a
oportunidade de experimentar a construção de seu próprio conhecimento por meio
da investigação matemática como alternativa de ensino capaz de permitir a
interação do aluno com os conceitos matemáticos e sua contextualização nas
relações com o mundo e com a realidade que o cerca.
Trata-se de um trabalho que busca aporte na produção bibliográfica existente
sobre o tema e relata a experiência obtida com a aplicação do projeto de intervenção
pedagógica relativo ao Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE da
Secretaria de Estado da Educação do Paraná - SEED.
2 PRÁTICA INVESTIGATIVA E O ENSINO DE MATEMÁTICA
O termo investigar é usado em vários contextos: investigação científica,
investigação jornalística, investigação criminal, investigação sobre as causas de um
acidente e, também, pode referir-se à procura de informações. Assim, investigar é
pesquisar, procurar conhecer o que não se sabe, é buscar respostas para alguma
dúvida, uma pergunta ou um problema.
Fiorentini e Lorenzato (2009) assim definem o termo pesquisa
é um processo de estudo que consiste na busca disciplinada/metódica de saberes ou compreensões acerca de um fenômeno, problema ou questão da realidade ou presente na literatura o qual inquieta/instiga o pesquisador perante o que se sabe ou diz a respeito. (FIORENTINI; LORENZATO, 2009, p. 60).
A Matemática não é uma ciência estática, pronta e acabada. É uma ciência
dinâmica, de pesquisa, de reflexão, de diálogo e de produção, surgida da
necessidade do homem contar e medir, que, ao longo de muitos anos, foi sendo
construída e aperfeiçoada pelo ser humano e que prossegue sempre num senso
evolutivo e em busca de novas descobertas.
Segundo Caraça, a Matemática aparece
como um organismo vivo, impregnado de condição humana, com suas forças e as suas fraquezas e subordinado às grandes necessidades do homem na sua luta pelo entendimento e pela libertação, revelando hesitações, dúvidas, contradições, que só um longo trabalho de reflexão e apuramento consegue eliminar, para que logo surjam outras hesitações, outras dúvidas, outras contradições. (CARAÇA, 2005, p.vii)
Tais características conferem, à Matemática e sua aprendizagem, um status
de instância investigativa. Para Braumann,
Aprender Matemática não é simplesmente compreender a Matemática já feita, mas ser capaz de fazer investigação de natureza matemática (ao nível adequado a cada grau de ensino). Só assim se pode verdadeiramente perceber o que é a Matemática e a sua utilidade na compreensão do mundo e na intervenção sobre o mundo. Só assim se pode realmente dominar os conhecimentos adquiridos. Só assim se pode ser inundado pela paixão “detetivesca” indispensável à verdadeira fruição da Matemática. (apud PONTE; BROCARDO; OLIVEIRA, 2009, p.19).
Na Matemática, a investigação é um processo que se constitui numa
poderosa forma de construir conhecimento. Ela exige do aluno participação ativa,
esforço cognitivo e envolvimento, a investigação fomenta esses requisitos essenciais
para que a aprendizagem realmente aconteça.
Também requer ações no sentido de solucionar situações/questões que se
pretende estudar, “fugindo” do modelo tradicional de ensino de Matemática, presente
na maioria dos livros didáticos, fragmentado em conteúdos, onde a reprodução, a
memorização de fórmulas e técnicas operatórias são utilizadas como estratégias de
ensino e aprendizagem.
Nessa metodologia investigativa,
o aluno é chamado a agir como um matemático, não só na formulação de questões e conjecturas e na realização de provas e refutações, mas também na apresentação de resultados e na discussão e argumentação com seus colegas e o professor (PONTE; BROCARDO; OLIVEIRA, 2009, p. 23).
O trabalho investigativo favorece o desenvolvimento de atitudes essenciais
para a formação de um aluno criativo, crítico e autônomo. Essa estratégia permite ao
aluno indagar, concordar, discordar, descobrir e organizar suas dúvidas, criar
procedimentos pessoais de solução.
Dessa forma, possibilita perceber a existência de diferentes caminhos e
estratégias, explorar todas as possibilidades de resolução e avaliar o que é relevante
para a tarefa proposta, proporcionando, dessa forma, a construção e a apropriação
de noções, ideias e conceitos matemáticos.
De acordo com Polya,
Os alunos podem ter um sabor de Matemática em construção e do trabalho criativo e independente... [Eles podem] generalizar a partir da observação de casos, [usar] argumentos por analogia, reconhecer ou extrair um conceito matemático de uma situação concreta. (apud PONTE; BROCARDO; OLIVEIRA, 2009, p19).
Atividades de investigação matemática são problemas abertos, que partem de
uma questão ou situação elaborada pelo professor ou pelo próprio aluno, onde as
informações contidas no enunciado e/ou o caminho da resolução e da solução não
estão claramente definidos, situação esta diferente dos problemas tradicionais que
deixam evidentes, no enunciado, os caminhos que permitem chegar à solução.
Ponte e Matos,
sugerem que os alunos necessitam de ter duas características fundamentais para trabalhar em tarefas de investigação: por um lado,
perspicácia na formulação de objetivos e, por outro lado, flexibilidade na a escolha, avaliação e mudança de estratégias. (apud PONTE; BROCARDO; OLIVEIRA, 2009, p. 24)
Como indica Ponte, Brocardo e Oliveira (2009), a realização de uma
investigação matemática envolve quatro momentos principais, com diversas
atividades em cada momento, a saber:
Primeiro momento: consiste na exploração e formulação de questões: agrega
atividades como o reconhecimento de uma situação problemática, a
exploração desta situação e a formulação de questões;
Segundo momento: prevê a formulação de conjecturas;
Terceiro momento: realização de testes e reformulação;
Quarto momento: justificação das conjecturas e avaliação do raciocínio ou
resultado do raciocínio;
As etapas do processo investigativo nem sempre acontecem de forma linear.
Ponte et al. (2009, p.7) declaram que “muitas vezes, estes momentos surgem de
modo desordenado: a conjectura inicial aparece em simultâneo com a formulação
das questões, o teste de uma conjectura pode levar à formulação de novas
questões, etc.”
Atento a estas possibilidades, o papel do professor consiste em propor e
organizar as atividades, orientar os alunos na discussão de dados e informações,
sanar dúvidas, avaliar continuamente seu desenvolvimento. Para isso, deve buscar
constantemente planejar suas aulas e práticas pedagógicas, suprindo as
deficiências nelas presenciadas e cumprindo sua função de mediador do
conhecimento.
Para Ponte et al., o papel do professor é mais de retaguarda, precisando
estar atento a todo esse processo de formulação e teste de conjecturas, para garantir que os alunos vão evoluindo na realização de investigações. Desse modo, cabe-lhe colocar questões aos alunos que os estimulem a olhar em outras direções e os façam refletir sobre aquilo que estão a fazer. (PONTE; BROCARDO; OLIVEIRA, 2009, p. 36).
A atividade investigativa exige do professor uma atenção constante, pois, a
todo o momento, podem surgir dúvidas, erros, retrocessos, avanços e
questionamentos por parte dos alunos.
Partindo desse fato, conclui-se que tamanha é a importância da prática
investigativa para o ensino de matemática, pois, além de colocar o aluno como
agente do processo de aprendizagem, é uma estratégia didática que aproxima
professor e aluno. Dessa forma, pode-se atingir o objetivo desejado no ensino dessa
disciplina.
Como afirma Pinto,
os erros devem ser considerados elementos constitutivos da construção do conhecimento, pois, quando submetidos à reflexão, poderão desencadear um questionamento de todo o processo de ensino e transformar-se numa estratégia didática inovadora, pela possibilidade que oferece ao professor de ampliar seus saberes e, com isso, melhorar seu ensino. (2000, p. 24)
Rico (apud PINTO, 2000, p. 37), complementa o pensamento da autora ao
relatar que “o ato de explicar e dar sentido a seus próprios erros é uma atividade
altamente estimuladora e provocativa para os alunos”.
Ponte e Matos (apud PONTE et al., 2009, p. 24), declaram que “... as
dificuldades sentidas pelos alunos podem surgir (i) por deficiência de conhecimentos
de base, (ii) nos processos de raciocínio, e (iii) no comportamento perante o
problema e na sua atitude”.
Pinto (2000, p.35), ainda reforça que “o professor não deverá apenas fazer
suposições sobre a lógica dos alunos, mas, para que possa guiar o desenvolvimento
de suas ideias, é importante que saiba o que os alunos pensam no momento da
aprendizagem”.
Assim, diante do exposto, é necessário e fundamental oportunizar aos alunos
situações contextualizadas atrativas e desafiadoras, que os mobilizem ao
pensamento, à indagação, à investigação, nas quais ele utilizará conhecimentos
prévios para refletir e criar meios e estratégias de resolução das questões/problemas
que se apresentam tanto no contexto escolar como fora dele, bem como fazer com
que ele estabeleça conexões entre a matemática do dia-a-dia e a matemática
formal.
3 SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL
Não se pode precisar com exatidão como, quando e onde o conceito de
número e o processo de contar se desenvolveram. Segundo Domingues,
em algum momento da história, a Aritmética tem início com o homem começando a contar e, por consequência, a associar números (ainda que implicitamente) a coleções de objetos e seres que o rodeavam. Mas quando, onde e mesmo de que maneira, são indagações para cuja resposta não há como fugir a hipóteses e conjecturas (DOMINGUES, 1991, p. 1).
Na pré-história, o homem vivia do que a natureza oferecia: da caça, da pesca,
da coleta de frutos e raízes, e isso o obrigava a deslocar-se, constantemente, de
uma região para outra, em busca de alimentos. Na sua vida primitiva, não havia
nada que o levasse à necessidade de contar de forma explícita, racional. Sua
relação com quantidades se desenvolvia de uma maneira simples, rudimentar, onde
reconhecia somente entre o muito e o pouco, o pequeno e o grande, e assim por
diante.
Estudos mostram que seres humanos e alguns animais possuem capacidade
em reconhecer, de imediato, numa pequena coleção de quatro, cinco, talvez até seis
objetos, se alguma coisa foi alterada. Essa capacidade em reconhecer e comparar
pequenas quantidades, sem realizar contagem, é chamada de senso numérico.
Eves relata que
a espécie humana, mesmo nas épocas mais primitivas, tinha algum senso numérico, pelo menos ao ponto de reconhecer mais e menos quando se acrescentavam ou retiravam alguns objetos de uma coleção pequena, pois há estudos que mostram que alguns animais são dotados desse senso. (EVES, 2004, p. 25).
Há uma curiosa história sobre um fazendeiro que queria matar um urubu que
havia feito o ninho na torre de sua mansão. Por diversas vezes, o fazendeiro tentou
surpreendê-lo, mas não conseguiu: cada vez que se aproximava da torre, a ave saía
do ninho. De uma árvore distante, o urubu esperava atentamente que ele se
afastasse e, então, voltava à torre.
Então, o fazendeiro tentou um truque usando dois homens: ambos entraram
no galpão ligado à torre, e um deles saiu e se afastou. Mas não conseguiram
enganar o pássaro, que só voltou ao ninho quando o segundo homem se retirou.
A experiência foi repetida, nos dias subsequentes, com três e quatro homens.
Nas duas vezes, o urubu esperou que o último homem saísse para retornar ao
ninho. Então, foram usados cinco homens e, da mesma forma, um ficou na torre e
os outros quatro saíram. Desta vez, o urubu perdeu a conta. Incapaz de perceber a
diferença entre quatro e cinco, voltou ao ninho.
Ainda hoje, há tribos na África que não conhecem os números além de cinco
ou seis, e contam a, oa, ua, oa-oa, oa-oa-a e oa-oa-oa para essas quantidades. Em
Queensland, na Austrália, nativos contam um, dois, dois e um, dois e dois, muito
(EVES, 2004).
Na sua trajetória de vida, o homem foi se desenvolvendo mentalmente e
socialmente, foi acumulando experiências e conhecimentos. Então, começou a
procurar formas mais seguras e eficientes para atender às suas necessidades.
Deixou de ser apenas caçador e coletor de alimentos, fixou moradia em terras férteis
e passou a cultivar a terra, criar animais e a comercializar (EVES, 2004).
Essa nova forma de vida trouxe a necessidade de contar, pois a agricultura
exigia conhecimento do tempo, das estações do ano, das fases da lua; no pastoreio,
tornava-se necessário controlar o seu rebanho, para que nenhum animal se
perdesse, bem como o nascimento de novos animais (DOMINGUES, 1991).
Resultados de pesquisas arqueológicas comprovam que os povos primitivos
criaram variadas formas, de acordo com as necessidades e o modo de vida da
época, para facilitar processos de contagem, de cálculos e de registros: riscos e
marcas em cavernas, entalhes em ossos e pedaços de madeira, ranhuras no barro
ou em pedras, uso de pedrinhas, nós em cordas, gravetos, lascas de pedras, partes
do corpo humano como as mãos e os pés, provavelmente empregando o princípio
da correspondência biunívoca (SILVA, 2006).
Caraça (2005) revela a importância do corpo humano nos primórdios da
contagem. Segundo ele nosso corpo teve papel fundamental na contagem.
Utilizaram durante muito tempo os números digitais, representados por meio dos
dedos (daí o uso da palavra dígito que, em latim, significa dedo). Para algumas
tribos, para a quantidade cinco, eles dizem mão. Para referir-se ao dez, dizem duas
mãos. Para representar o vinte, dizem um homem, dois homens para o quarenta e
assim por diante.
Em alguns países, como o Egito, o Iraque, a Turquia, o Irã e a Índia, se
utilizaram das falanges dos dedos indicador, médio, anelar e mínimo para contar até
doze e o dedo polegar como auxiliar na contagem. Para quantidades maiores,
usavam várias posições dos dedos e das mãos. Ainda hoje, são usados pelos povos
primitivos africanos, árabes, persas, indígenas da América do Norte e do Sul,
numerações de base três, quatro e cinco (DOMINGUES, 1991).
As civilizações foram crescendo, se multiplicando e desenvolvendo-se, as
relações entre os homens tornaram-se cada vez mais intensas e a interatividade
passou a ser uma coisa premente, manter o registro de grandes quantidades
empilhando pedras, fazendo marcas na madeira ou utilizando os dedos das mãos e
dos pés, foi se tornando difícil e pouco prático.
Uma contagem mais rápida e eficiente tornava-se necessária. Essa
necessidade levou povos como os sumérios, os babilônios, os egípcios, os gregos,
os romanos, os hebreus, os maias, os chineses, os indianos e os árabes a criarem
formas de agrupamentos das quantidades e símbolos especiais para os mesmos,
bem como regras para os registros. Assim, surgem os primeiros sistemas de
numeração, os quais de acordo com Caraça (2005, p. 9), “dependiam do grau de
civilização e da intensidade da vida social do homem”.
Segundo Eves (2004) o sistema de numeração mais antigo da história é o
sexagesimal, que aparece nas tábuas de argila dos sumérios, aproximadamente
3000 anos a. C. que, posteriormente, foi adaptado pelos babilônios. Atualmente, o
sistema de numeração padronizado é o Sistema de Numeração Indo-Arábico, assim
chamado por ter sido inventado pelo povo hindu e divulgado pelo povo árabe na
Europa Ocidental. É um sistema numérico de notação posicional e base decimal,
composto por dez símbolos: 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9, chamados algarismos, com
os quais se pode escrever qualquer número.
Os precursores dos símbolos indo-arábicos foram encontrados na Índia, em
algumas colunas de pedras, que datam do ano 250 a.C., em paredes de uma
caverna próxima a Poona, por volta do ano 100 a.C. e, também, nas cavernas de
Nasik, em torno do ano 200 d.C. Nessas inscrições, não há vestígios do numeral
zero e nem de valor posicional (EVES, 2004).
Ainda conforme Eves (2004) a ideia do zero e da notação posicional devem
ter sido introduzidas na Índia algum tempo antes do ano 800 d. C., pois, no ano 825
d.C., o matemático persa al-Khowarizmi escreveu um livro onde descrevia,
minuciosamente, o sistema numérico hindu. Não se tem uma data precisa nem se
sabe como esses símbolos chegaram à Europa. Provavelmente, foram introduzidos
na Espanha pelos árabes, quando da invasão na península ibérica, no ano 711 d.C.,
pois esses símbolos encontram-se registrados num manuscrito espanhol do século
X, onde permaneceram até 1492.
Porém, foi uma tradução latina do tratado de al-Khowarizmi, feita no século
XII, seguida de alguns trabalhos europeus, que fez com que o sistema numérico
indo-arábico fosse amplamente difundido em nível mundial, prevalecendo entre os
povos ocidentais, embora continue carregando traços de outros sistemas de
numeração e de outras bases (EVES, 2004).
Assim, a compreensão e correta utilização do sistema de numeração decimal
vem sendo um grande desafio e causa de grandes dificuldades com a matemática à
grande número de adolescentes que ingressam no 6º ano, embora conhecer as
propriedades e realizar as operações fundamentais com os números naturais sejam
temas centrais do currículo escolar nas séries iniciais do Ensino Fundamental.
O fato consiste em que esses alunos não têm desenvolvido o domínio de
conhecimento sobre o Sistema de Numeração Decimal e suas características, tais
como agrupamentos e trocas na base 10 e o princípio do valor posicional.
Apresentam, também, dificuldades de leitura e interpretação de instruções e
enunciados matemáticos, bem como não compreendem o significado das
operações, pois, quando se propõe atividades de leitura e interpretação, percebe-se
a confusão mental que se instala no aluno: é de mais, é de menos, é de vezes ou é
de dividir?
Diante de tais constatações, propôs-se a produção de um trabalho de
intervenção pedagógica, utilizando a metodologia da Investigação Matemática como
alternativa de ensino, buscando abordagens diferenciadas do processo,
fundamentadas teoricamente. Tais abordagens permitem a interação do aluno com
os conceitos matemáticos e a sua contextualização nas relações com o mundo e a
realidade que os cerca.
O trabalho investigativo é uma prática que consiste numa forma de
desenvolver significativamente o raciocínio lógico e a capacidade de interpretação
de dados e situações. Nessa abordagem, o aluno participa como agente,
investigador e produtor de seu próprio conhecimento.
De acordo com Ponte, Brocardo e Oliveira (2009, p. 70),
Realizando investigações, os alunos podem desenvolver competências numéricas indispensáveis no mundo de hoje. Eles precisam saber identificar, compreender e saber usar os números, as operações com os números e as relações numéricas. Os alunos precisam saber interpretar criticamente o modo como os números são usados na vida de todos os dias e a escola deve procurar desenvolver esse tipo de competência.
Assim, a proposta de intervenção implica em proporcionar aos alunos uma
oportunidade de experimentar a construção do seu próprio conhecimento, através do
processo investigativo, dando ênfase ao Sistema de Numeração Decimal e às suas
propriedades operatórias.
4 METODOLOGIA
A partir da identificação do problema organizou-se o projeto de intervenção
pedagógica que se caracteriza como uma pesquisa-ação fundamentada na
investigação teórica sobre a temática utilizando-se da abordagem metodológica
qualitativa.
O trabalho desenvolvido direcionou-se aos alunos do 6º ano do Colégio
Estadual José Armim Matte – EFMNP, situado na cidade de Chopinzinho – PR, e
teve como objetivo principal apresentar a investigação matemática como
metodologia de ensino e estratégia de conceitos matemáticos que envolvem o nosso
sistema numérico e as quatro operações fundamentais.
Para a implementação do projeto de intervenção direção e equipe pedagógica
demonstraram apoio incondicional colocando-se à disposição para o que fosse
necessário. Inicialmente, realizou-se a apresentação expositiva do projeto aos
alunos destacando seus objetivos, metodologias utilizadas, cronograma, finalidade,
entre outros aspectos relevantes.
A primeira atividade realizada com os alunos teve como objetivo mostrar que
os números surgiram da necessidade de o homem registrar quantidades e que estão
presentes em qualquer atividade humana, desde a mais simples até a mais
complexa.
O ponto de partida foi a conversação com a turma sobre momentos e
situações em que usamos números no cotidiano, evidenciando a presença dos
números no dia a dia de cada um no município de Chopinzinho. Em seguida
trabalhou-se com um texto intitulado “Dados históricos de Chopinzinho” onde
evidenciou-se a presença dos números e suas diferentes finalidades (medir, contar,
codificar, ordenar).
Com essa dinâmica pretendeu-se que o aluno desenvolvesse suas próprias
conjecturas, encorajando-o na busca de soluções dos problemas, estimulando o
desenvolvimento de maior concentração e, consequentemente, o raciocínio logico,
possibilitando a apropriação desses conceitos abordados, não como um repertório
de fórmulas e algoritmos, mas como um saber-fazer matemático capaz de habilitá-lo
a resolver problemas do seu dia a dia ou de sua prática profissional futura.
O trabalho proposto compreendeu as seguintes ações:
Contextualização do sistema decimal e das operações básicas;
Estudo da linguagem matemática e a sua função no processo das operações
básicas;
Apresentação de situações problemas para serem desenvolvidas pelos
alunos, com o objetivo de fazer o acompanhamento do desempenho dos
alunos durante a realização das mesmas;
Análise em torno da observação na concretização das atividades, com o
propósito de instigar e motivar os alunos, quando da sua realização;
Realização de seminários para análise e discussão em torno dos resultados
obtidos.
5 RESULTADOS
A contextualização histórica, utilizando o caso do próprio município em que
vivem, proporcionou um momento muito proveitoso e de boas oportunidades de
aprendizagem, pois os alunos tiveram contato com a história do município onde
vivem e tiveram acesso a dados e curiosidades sobre sua trajetória ao longo do
tempo.
Ainda com o intuito de destacar as diferentes finalidades dos números no
cotidiano das pessoas, foram realizadas outras atividades, entre elas, a contação da
história “O corvo que sabia contar” e a realização de dinâmicas.
A segunda ação desenvolvida teve o objetivo de relembrar a história da
criação dos sistemas de numeração; comparar os diferentes sistemas numéricos,
além de identificar as vantagens do sistema posicional.
Sua operacionalização contou com a apresentação de slides falado sobre o
surgimento dos números, exibição do vídeo “A Matemática na História” seguida da
realização de pesquisa orientada no laboratório de informática sobre a numeração
nas diferentes civilizações.
A utilização da investigação, na matemática favorece a construção do
conhecimento, pois exige a participação ativa, o esforço cognitivo e envolvimento do
aluno, requisitos essenciais para que a aprendizagem realmente aconteça. De
acordo com Ponte, Brocado e Oliveira (2009) a metodologia investigativa favorece a
formulação de questões, conjecturas apresentação de resultados e na discussão e
argumentação com seus colegas e o professor.
Para socializar as informações obtidas realizou-se um seminário com a
apresentação dos trabalhos pelos grupos. Foi um momento onde os próprios alunos
se tornaram investigadores do conteúdo matemático. Percebeu-se que a atividade
estimulou a autonomia de cada um tanto no momento da busca e seleção pelas
informações quanto no momento da organização e apresentação do conteúdo
selecionado.
A terceira ação contemplou a utilização do material dourado e do ábaco no
intuito de trabalhar o sistema de numeração decimal posicional e dos métodos para
realização de algoritmos. O jogo “Nunca dez” possibilitou a introdução das regras de
(re)agrupamentos do nosso Sistema de Numeração.
Pode-se verificar com a utilização destes recursos grande entusiasmo pela
aprendizagem da matemática entre os alunos, pois, o material contato com material
concreto estimula o desenvolvimento da abstração e o jogo torna o processo
interessante e prazeroso.
Na sequência foram trabalhados, os Números Naturais; ordens e classes, por
meio de diversas atividades envolvendo a realização de pesquisas, apresentação de
slides, utilização de material dourado, leitura e interpretação de texto informativo,
resolução de atividades relacionadas ao tema, jogos.
As próximas ações voltaram-se para o trabalho com adição, subtração,
multiplicação, divisão, valor posicional, decomposição de números naturais e
sequência numérica. Para isso utilizou-se de instrumentos como o ábaco e o
material dourado, cédulas monetárias, realização de ditados numéricos, pesquisas,
investigações, trabalhos em grupos, desafios, bingo, atividades impressas (“Labirinto
numérico”, “Tabela Pitagórica”, “A velhinha dos quatro-quatros”).
A utilização de materiais concretos capazes de contribuir para a
aprendizagem da matemática é defendida por Dario Fiorentini e Maria Ângela Miorim
(2004) tendo em vista o pensamento de que
ao aluno deve ser dado o direito de aprender. Não um 'aprender' mecânico, repetitivo, de fazer sem saber o que faz e por que faz. [...] Mas um aprender significativo do qual o aluno participe raciocinando, compreendendo, reelaborando o saber historicamente produzido e superando, assim, sua visão ingênua, fragmentada e parcial da realidade (FIORENTINI e MIORIN, 2004, p.62).
Estas ações também convergem com a ideia defendida por Polya (1995) ao
configurarem uma tentativa colocar em prática, proporcionar o reconhecimento ou
possibilitar a formulação de um conceito matemático a partir de situações concretas
a fim de tornar o processo de aprendizagem significativo ao aluno.
A turma onde foi aplicado o projeto era “muito boa”, ou seja, os alunos
participativos, colaborativos, dispostos, entusiasmados pelo conhecimento o que fez
com que tudo ocorresse bem.
De modo geral, apenas alguns ajustes foram necessários, tendo em vista o
grande número de atividades planejadas cuja aplicação não foi possível diante da
limitação do tempo de implementação.
Com essas atividades, procurou-se desenvolver o que Ponte et al. (2009)
defendem como sendo atividades investigativas, com uma forte relação com a
história da matemática, algo que nem sempre é levado em conta na educação
básica.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A evolução do contexto social desencadeia necessidades cada vez mais
prementes de sistemas de contagem, cálculos, escrita de números. Assim, a
superação de possíveis dificuldades de compreensão e assimilação do sistema indo-
arábico e do significado das operações fundamentais do sistema numérico tornam-
se essenciais principalmente, nos anos finais do Ensino Fundamental.
Logo, torna-se um grande desafio ao professor de matemática encontrar
caminhos que possam contribuir para o domínio do conhecimento sobre o sistema
de numeração decimal e suas operações, principalmente, se levarmos em conta que
o abstrato saber matemático “é constituído de um emaranhado cognitivo no qual se
evidenciam linhas e nós que configuram as diversas manifestações do pensamento
humano” (MENDES, 2009, p. 12).
Nesse sentido, as atividades investigativas nas aulas de matemática vêm
ganhando espaço cada vez maior enquanto metodologia alternativa de ensino tendo
em vista que estimulam o desenvolvimento do pensamento matemático, a
autonomia do aluno ao atribuir novos significados aos conhecimentos, a capacidade
de formulação de conjecturas, de pensar matematicamente e de argumentar, de
interagir com colegas e com o professor, além de possibilitarem o envolvimento de
conceitos, procedimentos e representações matemáticas (CORRADI, 2011).
A aprendizagem torna-se significativa ao aluno à medida que os conteúdos
podem ser relacionados a sua realidade. Uma das particularidades da investigação
matemática consiste na atuação do aluno enquanto agente investigador o que
ocorre por meio da formulação ou da resolução de questões ou problemas, pela
formulação de estratégias, pelo processo investigativo em busca de justificativas, ou
ainda através do uso de materiais manipuláveis ou das novas tecnologias.
Partir de assuntos que despertem o interesse do aluno, torna o processo de
aprendizagem desafiador e motivador. Estimular seu envolvimento nas atividades
propostas torna-se fundamental ao professor enquanto orientador, condutor,
mediador da construção do conhecimento.
Assim, conclui-se que a utilização das investigações matemáticas pode
contribuir significativamente diante do grande objetivo de formar sujeitos autônomos,
preparados para atuar num contexto social cada vez mais dinâmico, seletivo e
complexo.
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARAÇA, Bento de Jesus. Conceitos Fundamentais da Matemática. 1 ed., Lisboa, 2005. CORRADI, Daiana Katiúscia Santos. Investigações matemáticas. Revista da Educação Matematica da UFOP. Vol. 1, 2011.
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