7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
1/367
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
2/367
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
3/367
OS ESPRITOSEM MINHA VIDAROBSON
PINHEIRO
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
4/367
SUMRIO
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
5/367
VIVER A EXPERINCIA MEDINICA 16
1
ZEZINHO 22
PETER PAN MINEIRO 28
SER QUE ELE ? 31
2
TUPINAMB E OUTROS CABOCLOS 36O VENTO SOPRA ONDE QUER 42
BANDEIRA VERMELHA, BANDEIRA BRANCA 50
3
PAI JOO 60
PAI JOO, MENTOR DE EVERILDA BATISTA 64
DE ALFRED RUSSELL A PAI JOO 68
DE PAI JOO A PAI JOO 78
MUDAR SABER, SABER MUDAR 92
4EVERILDA BATISTA 100
ESPRITO DO LADO DE C 102
EDUCAR COM "SIM" E COM "NO" 111
TRABALHAR PRECIS0115
ESPRITO DO LADO DE L 128
A MELHOR GUA-DE-COCO DO MUND0147
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
6/367
5JOSEPH GLEBER E ALEX ZARTH176
PRONTO PARA NASCER 182
AS VOZES DO SILNCI0186
CANTAR COM ESPERANA 198
MEDICINA DO CORPO E DA ALMA 223
PS ICOG RAFAR PRECISO 241
NEM S DE PAPEL VIVE O HOMEM 244
6
B256
PEDRA BRUTA 260
DA SUBJUGAO MEDIUNIDADE 265
BRINCANDO COM FOGO 276
7
UMA CASA NO CAMINHO 312
PASSES NA COZINHA 322ANTES DE PEGAR A ESTRADA, O MAPA 326
CONTAGEM REGRESSIVA 332
8
O HIPNO 344
BOFETO FRATERNO 350
A MEDICINA DA ALMA 356
O HIPNO ATACA DE NOVO 364
O HIPNO REVELADO 373
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
7/367
A YVONNE PEREIRA,QUE ME INSPIROU
AO ESCREVER
AS MEMRIAS
DE SUA VIVNCIA
MEDINICA.
A RODRIGO ALEIXO,QUE ME DISSE:
"ESCREVA LOGO!".
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
8/367
VIVERAEXPERINCIAMEDINICA
QUANDO SE FALA"EXPERINCIA MEDINICA"OU COISA PARECIDA,H QUEM A ASSOCIE AUM FENMENO QUE NOENVOLVE NENHUMA OUTRAPESSOA ALM DO MDIUM.NA VERDADE, "EXPERINCIA
MEDINICA" SIGNIFICA MAISDO QUE FENMENO: O"RELACIONAMENTO" COM ADIMENSO EXTRAFSICAE SEUS HABITANTES - GENTECOMO A GENTE, AINDAQUE SEM CORPO CARNAL.
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
9/367
DAS MINHAS VIVNCIAS COM OS ESPRITOS
que pretendo falar neste livro. O intuito rememo
rar alguns eventos, desde a infncia, e refletir a res
peito desses acontecimentos de cunho medinico.
Quero convidar voc a reviver comigo certas experincias - algumas das quais so muito engraadas,
por um lado; instigantes, por outro -, que aqui e ali
demonstram o planejamento, o compromisso e a fi
delidade dos espritos tarefa confiada ao mdium.
Nesse aspecto, os episdios falam por si, voc ver.
Quer dizer, preciso fazer a ressalva de que
guardo pouca memria da infncia e da adolescn
cia. Alguns episdios esparsos, que se encadeiam
numa linha de tempo nem sempre clara para mim...
e s. Relatos dos familiares ajudaram-me a recupe
rar histrias que, talvez, tivessem se perdido nos dias
(no to distantes...) de mocidade - especialmente
no tocante aos fatos ocorridos durante o transe me-
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
10/367
dinico, que, no meu caso, se caracteriza pela inconscincia, conforme explicarei posteriormente.
No obstante, os momentos de relacionamento
com os espritos e, sobretudo, a impresso e a sensa
o deixadas por eles, sem dvida, compem o que de
mais vvido h em minha memria da fase infanto-
juveni l. interessante observar , por exemplo, que, de
modo absolutamente natural e espontneo, no pre
meditado, tenho recordaes detalhadas dos ensinos
do esprito Joo Cob acerca das propriedades tera
puticas de ervas e plantas, assim como de suas ca
ractersticas energticas, segundo a aplicao e o co
nhecimento ancestral dos povos africano e indgena,xvi
que envolvem cultivo, colheita, mtodo de preparo de
xix mandingas, chs ou beberagens etc. Alis, grande par
te do que sei a esse respeito me foi ensinado direta
mente por esse esprito, incorporado em minha me,
que era mdium de psicofonia e de efeitos fsicos dequalidades extraordinrias.
Por outro lado, tenho enorme dificuldade em
lembrar-me da quase totalidade dos assuntos ligado
a qualquer das matrias bsicas: portugus, matem
tica, histria ou geografia. Apesar de ter cursado at
a 8a srie do que hoje chamado de ensino funda
mental, olhar uma equao, para mim, como ver um
texto em idioma desconhecido. A respeito dos repre
sentantes ou dos estilos da literatura brasileira, pou-
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
11/367
qussimo ou nada sei. Nem ouso falar dos mistriosimpenetrveis - ao menos para mim - da gramtica e
da abominvel anlise sinttica. Costumo brincar que
predicado deve ser o marido da crase e dizer "subjun
tivo do imperativo do gerndio", ou qualquer coisa do
gnero, como um dos meus palavres prediletos. Pe
rodos histricos, governantes do Brasil e do mundo,
caractersticas de vegetao ou relevo, nome de capi
tais... Deus me acuda! Para mim, Acaraj a capital de
Salvador! No tenho vergonha de admitir: tudo isso me
parece nebuloso e muito distante da minha realidade.
Falta interesse, verdade, mas tambm falta o mnimo
registro de que isso um dia tenha feito parte de meu
repertrio de conhecimentos. E fez, sou forado a con
cluir, pois que fui aprovado - e, pasme, com destaque
acadmico e notas quase sempre prximas do total.
Mais duas curiosidades sobre a poca escolar,
para encerrar o assunto e ilustrar um pouco da aonada ortodoxa dos espritos junto de mim. Nas provas
de matemtica, invariavelmente a diretora era chama
da a intervir. Chegava aos resultados corretos, porm
por meios ou raciocnios diferentes daqueles ensina
dos pela professora, o que provocava sua indignao
e, suponho, a suspeita de que tivesse colado nos exa
mes. Estudava com bastante dedicao, mas a verdade
que a preta-velha Vov Mariana me ajudava muito
na hora das provas, conforme contarei mais adiante.
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
12/367
Entretanto, diferentemente do ocorrido com as demais
matrias, eu era vidrado em cincias. Meus projetos de
feira de cincias, por exemplo, eram destaque em to
das as cidades da regio. Uma vez montei luz qumica,
base de fsforo, e outra, um computador analgico,ento j com meus 16 anos, em 1977. Nesse segundo
caso, recordo-me claramente de ter sido conduzido por
algum, que jamais via, mas podia escutar. Como no
fazia idia do que era mediunidade, imerso nos estu
dos evanglicos que me encontrava, nem me dei con
ta. De to natural, 0 fato no me chamava a ateno.
Seja como for, 0 objetivo desta obra no to-so
mente relatar vivncias que tive com os Imortais; maisXX
que isso, contribuir para a melhor compreenso daxxi dinmica que rege 0 relacionamento entre os habi
tantes dos dois lados da vida. E desse entendimento
- quem sabe? - extrair alguma lio, algum proveito
para todos ns, porque definitivamente no adianta
travar contato com inteligncias extrafsicas se per
manecemos os mesmos, se esse contato no promove
nenhuma mudana que possa marcar, positivamente,
nosso existir. E esse 0 maior objetivo.
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
13/367
1ZEZINHO" POSSVEL DISCORDARDA PESSOA E CONTINUARAMANDO-A. NO NECESSRIOFAZER GUERRA COM QUEM NOCONCORDAMOS.KARDEC FAZIA ASSIM:
REPUDIAVA A OPINIO DOSCONTRADITORES, MASNUNCA RESVALAVA PARA ODESRESPEITO AO SERHUMANO."ZEZINHO
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
14/367
UM DOS PERSONAGENS CENTRAIS EM MINHA VIDA
um esprito que eventualmente se manifesta dando
orientaes, como porta-voz dos mentores em nossa
casa esprita, a Sociedade Esprita Everilda Batista, na
Grande Belo Horizonte. Trata-se do esprito Jos Ribeiro Fonseca. Na verdade, ele se apresenta assim, com
esse nome, fora do transe medinico, de terno em
tons de cinza claro e camisa branca. Embora seja um
esprito adulto ou com aparncia de adulto, nas comu
nicaes medinicas ele o menino Zezinho, como
conhecido de todos.
Zezinho sempre foi claro ao apontar sua ligao
genuna com minha famlia consangunea ou, mais
precisamente, com os espritos reencarnados no am
biente domstico encabeado por Everilda Batista, j
que ela adotou vrios filhos. Everilda Batista, minha
me, d nome nossa instituio.
Para entender a ao de Zezinho, que, como dis-
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
15/367
se, tem uma ligao muito estreita com minha famlia
e a gente l de casa, precisamos estudar as definies
de Kardec a respeito dos chamados espritos familiares.
Conforme explica, so aqueles mais ou menos prxi
mos do ncleo familiar, que formam grupos afins ao
longo das reencarnaes, pertencentes ao que se con
vencionou chamar de famlia espiritual - a verdadei
ra famlia, segundo esclarecem Jesus 1 e, mais tarde, o
espiritismo 2. Acredito honestamente que, em algum
momento do passado, Zezinho esteve profundamente
ligado, principalmente, a trs pessoas da famlia: mi
nha me, a irm Marvione e a mim.
Desde criana, percebo esse esprito prximo de24 mim. Ento se apresentava minha viso como um
25 garoto cafuzo, ou seja, com traos dos povos negro e
indgena; um caboclo ou mestio, poderia se dizer.
Trajava sempre uma camiseta verde muito surrada,
meio apertada, como acontece com as crianas quando crescem, mas precisam continuar usando as mes
mas roupas. Um calo azul e a camiseta verde, ligei-
1 Cf. Mt 12:46-50.
2 KARDEC , A l lan . O Evangelho segundo 0 espiritismo. Rio de Janeiro, R J : F E B ,
1944 .12 0a ed., 2002. Cap . 14: Honrai a voss o pai e a vossa me , itens 5:
"Quem minha me e quem so meus irmos?" e seguintes. Traduo
de Guill on Ribeir o da 3a. ed. francesa, revista, corrigid a e modif icada pelo
autor em 1866.
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
16/367
ramente arrebitada na frente, com a barriga um poucode fora... assim, meio exagerada, como se tivesse al
guma verminose ou barriga-d'gua, na linguagem po
pular. Lembrava aqueles meninos nordestinos muito
pobres, queimados de sol do serto, ou ainda de al
guma favela cosmopolita. A camisa jamais escondia
seu umbigo. Comumente se mostrava com um bico
ou chupeta, mas no o usava da maneira convencio
nal, com a ponta emborrachada dentro da boca. Alm
dessa parte, colocava metade daquela rodela plstica
da chupeta entre o lbio inferior e a gengiva, o que o
obrigava a ficar com a boca um tanto aberta. Da ficar
meio beiudo, com o lbio inferior saliente.
Brincava muito com esse menino. Lgico que,
na poca, nem suspeitava se tratar de um esprito...
Mas como podia no perceber que era desencarna
do? Na verdade, o que acontecia que era to natu
ral pra mim, naquela ocasio, ver espritos - no todos, evidentemente, mas alguns espritos - que nem
me ocorriam indagaes do tipo: "Afinal de contas, o
que aquele sujeito que s eu vejo?". Achava que todo
mundo via o tal menino. De to natural o fenmeno,
para mim Zezinho era como qualquer criana. No
racionalizava, por exemplo, como que, de repente,
l estava ele no alto de uma rvore, j que no o tinha
visto se aproximar ou subir nela. Eu era novo demais:
cinco, seis anos. Nessa idade, voc acha que nor-
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
17/367
mal porque a nica realidade que conhece; acredita
mesmo que todo mundo v espritos... Parece que so
muito freqentes casos como esse, de espritos apa
recerem para crianas, as quais encaram o fato com
a mais absoluta naturalidade. Alis, elas nem imagi
nam que sejam espritos; nem sequer conhecem esse
conceito. Apenas convivem com tais entidades como
pessoas comuns, encarnadas.s vezes, ocorria de estar conversando ou brin
cando prximo a minha me e outras pessoas quan
do Zezinho me fazia um sinal, chamando-me com a
mo. Saa em sua direo, dizendo a ela:
- Vou brincar com meu amiguinho...26
Ela deixava. Inicialmente, apenas deixava. Depois ,
27 comeou a perceber, tambm ela, a presena do esp
rito. Algumas vezes, quando eu ia me deitar, falava:
- Vai, meu filho, vai voar com seu amiguinho -
numa referncia direta a Zezinho.
E Zezinho brincava comigo, contava histrias
e mais histrias, muitas das quais nem me lembro
mais. Entretanto, recordo-me claramente de passar,
com relativa freqncia, ao menos as tardes acompa
nhado desse esprito. Muitas vezes, sentado diante de
mim numa espcie de balano, debaixo de uma rvo
re, ficava pra l e pra c conversando comigo. Eu, nasperipcias de infncia, envolvia-me cm aquilo a tal
ponto que nem de longe imaginava que era um de-
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
18/367
sencarnado. Nem sabia o que era isto: encarnado ou
desencarnado; a gente no tinha essa noo.
At que um dia ele me contou - bem mais tar
de, naturalmente - ter morrido numa situao com
plicada. Disse que foi brincar numa chapada (at hoje
no sei exatamente o que uma chapada) e ento caiu
num poo perto de onde costumava apanhar frutas
para lev-las famlia. Dentro do poo ele agonizou de
fome e sede, durante trs a quatro dias, e veio a desen
carnar ali mesmo, sem ningum o ter encontrado.
Zezinho participou, mais tarde, de uma poca mui
to importante para mim, quando comecei a conhecer o
fenmeno da mediunidade, no fim da adolescncia, es
pecialmente aps os 18 anos. Manifestava-se em mim,
e eu j sabia que era um esprito, que era desencarnado.
Tomei contato com o espiritismo em 1979. Aps isso,
mais exatamente a partir de 1982, vez ou outra ele fazia
uma ponte entre os ensinamentos espritas e aquelescom os quais minha famlia estava acostumada.
Meu pai contava que Zezinho incorporava em
mim - e meu pai 0 respeitava profundamente, ape
sar de 0 esprito trazer um conhecimento diferente do
que ele possua na poca, j que era evanglico. Era
ele quem conversava com meu pai, minha me e mi
nha irm, especificamente, trazendo noes a respeito
da vida fora da matria. Foi uma poca particularmen
te rica em fenmenos, em que esse esprito e outros
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
19/367
mais apareceram em nossa vida causando significativa mudana, porque foram eles - e o Zezinho de ma
neira muito especial - os responsveis por meu pai e
as irms Marvione e Maria (esta ltima, de criao)
adquirirem noes de espiritualidade. Meu pai era, di
gamos, um tanto descompromissado com a vida do
mstica, e essa irm adotiva, que ajudou na criao
de quase todos, por ter mais idade, vivia um processo
obsessivo serissimo, que se estendeu por mais de 27
anos - sobre 0 qual comentarei em diferentes momen
tos desta obra. A presena de Zezinho como porta-voz
de conceitos de grande valor colaborou de modo defi
nitivo no ganho de qualidade da vida familiar. Embora28
no acontecesse com tanta freqncia, nas vezes em
29 que ocorria sua comunicao trazia bons resultados.
PETER PAN MINEIROComo disse, esse foi um perodo rico na fenomeno
logia e no contato com os espritos; minha mediuni-
dade estava desabrochando e eu levava essa situao
com a mxima naturalidade. Um bom exemplo que,
nos desdobramentos que ocorriam comigo, ao sair do
corpo - a chamada mediunidade sonamblica de Allan
Kardec ou a viagem astral dos dias de hoje - eu no
via exatamente o Zezinho, mas sabia que havia uma
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
20/367
criana a me guiar, que segurava meu brao. Em ge
ral, meu brao esquerdo, por meio do qual me puxa
va para fora do corpo. Jamais, em todo esse perodo,
cheguei a perceber visualmente a tal criana durante
os desdobramentos, porm, ao tocar-me no pulso, ela
auxiliava-me na decolagem para fora do corpo. E eu sa
bia que essa criana era o Zezinho.
Inmeros foram os desdobramentos anteriores
fase adolescente na igreja evanglica. Minha me
pressentia que eu estava prestes a desdobrar e, ento,
colocava uma cadeira ao lado da minha cama, tocava
na minha testa e dizia:
- Meu filho, pode seguir tranqilo com seu ami
guinho, porque estou aqui vigiando seu corpo pra voc.
Eu no entendia muito bem o que significava
aquilo, mas me entregava completamente, porque eraum fenmeno agradvel, prazeroso mesmo de se vi-
venciar. Ficava naquela situao, meio tonto, sem es
tar dormindo, mas tampouco acordado e, da a pou
co, comeava a girar dentro do prprio corpo para, em
seguida, sentir aquela mo me tocar, a mo de uma
criana que me puxava. Nesse perodo, ocorriam des
dobramentos recorrentes. Durante muitos anos, a
mesma rotina. Esse esprito me segurava pela mo,
outras vezes pelo brao, conduzia-me, ia comigo levitando, voando sobre campos, pradarias, tudo florido,
bem florido, principalmente com margaridas brancas
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
21/367
e algumas flores amarelas sempre presentes na paisagem. Ali e acol, montes de rvores, como se fossem
ilhas naquele mar de flores, e eu sobrevoando essa
paisagem, invariavelmente levado por aquela criana
segurando a minha mo. Durante muitos anos Zezi-
nho participou ativamente desses fenmenos.
Os desdobramentos aconteciam toda vez que me
encontrava muito agitado ou irritado. Quando me dei
tava, nessas ocasies, via-me transportado para as paisa
gens buclicas do plano extrafsico. Parecia um bosque
de grandes propores, imenso mesmo. Aps a expe
rincia, sentia-me mais calmo. Ao voltar para o corpo,
Zezinho estava aos ps da minha cama, rindo, simples30
mente, sem falar absolutamente nada. Sorria pra mim
31 por um tempo, despedia-se e, finalmente, saa.
Em mim, a faculdade da psicofonia - ou seja, a
mediunidade falante, como a chamava Kardec - ca
racteriza-se pela inconscincia, o que significa dizerque, ao voltar do transe, no me recordo do que foi
dito atravs da minha boca, do que foi feito com meu
corpo fsico durante a comunicao. Em contraparti
da, e este um fenmeno freqentemente associado
mediunidade sonamblica, guardo a recordao do
que presenciei fora do corpo.
Durante longo tempo da vida de estudante, ha
via um horrio, quase que sagrado, em que eu saa do
corpo. s 17 horas em ponto eu sentia uma espcie de
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
22/367
tonteira... j sabia. Deitava-me e falava:
- Me, vou brincar com me u amiguinho - da a
pouco eu decolava.
Hoje, um aspecto curioso que, ao retornar de um
transe mais prolongado ou uma comunicao em que
houve desdobramento, comum que Zezinho surja ao
final dos trabalhos e cumprimente a todos, falando do
jeitinho infantil e brincalho que lhe prprio:
- Nossa mezinha! - pe a lngua entre os dentesao pronunciar o som do esse, como se falasse errado
ou estivesse aprendendo a falar. - Eu s vim pra trazer
o cavalinho... - ele brinca, usando a terminologia bem
brasileira para se referir ao medianeiro e marcando sua
responsabilidade por me conduzir de volta ao corpo.
SER QUE ELE ?Na nossa casa esprita, as atividades e o papel de Ze
zinho so interessantes. Apesar de ter se manifesta
do sempre com o aspecto ou a roupagem fludica de
uma criana, em dado momento me informou que
seu nome era Jos Ribeiro Fonseca. No o reconheci
a primeira vez que o vi como um mulato alto e cor
pulento, elegante. Apesar de ter algo familiar no sem
blante, no descobri de onde conhecia aquele jovembem-apessoado. Foi a que me revelou seu nome e se
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
23/367
mostrou como Zezinho. Boquiaberto, lembro-me deter perguntado por que preferia apresentar-se como
uma criana, ao que respondeu que dessa maneira
conseguia tocar mais o corao e a sensibilidade das
pessoas. Realmente, seu jeito tem um qu da alegria e
da espontaneidade infantis, alm da doura e da sim
plicidade verdadeiras. Ademais, o grande nmero de
pessoas que j conversou com esse esprito incorpo
rado ficou efetivamente encantado. Mesmo quando
"puxa a orelha" de algum, o faz com sabedoria, le
vantando o astral do interlocutor, enchendo-o de en
tusiasmo e abastecendo-o de idias para promover as
mudanas necessrias em sua vida 3.32
Zezinho um dos espritos responsveis pelo cui
33 dado com nossas crianas da Sociedade Esprita Eve-
rilda Batista - e crianas de modo geral, inclusive da
vizinhana, sobre as quais eventualmente traz recomen-
3 A epgrafe deste captulo fala dessa maneira de agir. Um dos textos
em que Kardec aborda o trato com os contraditores to inspirador que
o repro duzi mos: "Quanto s rivalidades, s tentativas que faam por nos
suplantarem, temos um meio infalvel de no as temer. Trabalhamos
para compreender, por enriquecer a nossa inteligncia e o nosso cora
o; lutamos com os outros, mas lutamos com caridade e abnegao. O
amor do prximo inscrito em nosso estandarte a nossa divisa" (KARDEC,
Allan.Obras pstumas.Rio de Janeiro,RJ: FE B . ia- ed. especial , 1944/ 200 5.
1 parte, item "Os desertores", p. 307).
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
24/367
daes. Em segundo plano, muito ligado a questesdo dia-a-dia das reunies medinicas. Suspeito que,
alm de notria afinidade com pais-velhos e caboclos,
possua vasto saber ligado umbanda e magia, fato
que ele faz questo de omitir, de no destacar em hip
tese alguma. Manifesta-se segundo o arqutipo do er,
que, na mitologia africana, corresponde alma infantil.
Esmera-se sempre para disfarar sua posio entre os
demais espritos que nos orientam. Nota-se seu traba
lho nos resultados, mas ele no de tocar no assunto.
Pelo contrrio, apenas diz: "Ah, eu no sei de nada...
Sou s uma criana". De toda maneira, no mbito das
reunies medinicas, atua principalmente quando li
damos com espritos mais endurecidos e complicados.
Nesses casos , Zezinho entra em cena e, com aquela do
ura de criana, que lhe prpria, vai suavizando o di
logo, o contato e as emoes desses espritos. Desem
penha esse papel bem prximo de Pai Joo de Aruandaou Joo Cob e de Vov Mariana, espritos igualmente
associados minha famlia, a quem aprendi a amar e
respeitar desde novo. Portanto, Zezinho desempenha
o papel de suavizar emoes, de tocar sentimentos, de
despertar esse lado infantil que existe em cada espri
to, em nossa prpria alma. No contato com os espri
tos endurecidos, essa sua caracterstica ou habilidade
tem um efeito muito grande. Eis uma das razes pela
qual tenho profundo apreo por Zezinho, assim como
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
25/367
o tm os demais voluntrios da instituio.
Recentemente, desdobrado, tenho tido contato
com determinado guardio no plano astral, e esse su
jeito, vez ou outra, lembra o Zezinh o. No sei bem ao
certo se so os traos da face, se a expresso, nem
sequer se ele o prprio Zezinho, mas fato que esse
esprito aparece como um africano de nome Watab,
que personagem do livro Senhores da escurido, o se
gundo volume da Trilogia 0 Reino das Sombras. Sor
ridente ao extremo, alegre, apresenta-se como um ne
gro alto de rosto grande, muito determinado em suas
aes. Em meio ao largo sorriso desse guardio, per
cebo alguma coisa em comum com Zezinho. Entre3 4
tanto, toda vez que fao meno de pergunt-lo a res
35 peito, d um jeito de se afastar e no confirma nada.
Vejo-me assim na obrigao de respeitar seu desejo
de no se expor.
AO REFLETIR OU CONVERSAR A RESPEITO DE
minhas experincias medinicas e do relacionamento
com os espritos, impossvel deixar de enxergar o en
cadeamento por trs de eventos aparentemente desco
nexos, fortuitos e cotidianos.
Muitos dos espritos presentes em minha infncia
e juventude so importantes hoje, muito importantes.
Cada qual desempenha um papel muito bem definido
no trabalho da casa esprita que fundei e onde exero
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
26/367
minhas atividades, a qual integra a Universidade do
Esprito de Minas Gerais. Essa instituio, cuja incum
bncia de fundar me foi transmitida em orientaesque recebi de Chico Xavier e dos Imortais, hoje com
preende a Sociedade Esprita Everilda Batista, a Casa
dos Espritos Editora, a Clnica Holstica Joseph Gleber
e a Aruanda de Pai Joo, mas abrigar ainda outras ins
tituies e atividades.
Na verdade, concluo que toda a experincia que
vivi anteriormente ao espiritismo tinha determinada
funo, fazia parte de um planejamento que os esp
ritos detinham e que s se delineou pouco a pouco,com o passar do tempo. Mas a gente sabe que 30, 40,
50 anos para os espritos um tempo curto, relativo.
Desde as primeiras providncias a fim de articular mi
nha reencarnao, desde o resgate no umbral, os esp
ritos j tinham um plano desenhado.
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
27/367
2TUPINAMBE OUTROS CABOCLOS
"QUANDO VOC DESENCARNAR,SEREI O LTIMO A ABANDONARSUA SEPULTURA."CABOCLO TUPINAMB
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
28/367
ESTA OBRA NO TEM POR OBJETIVO OBEDECER A
uma cronologia, mas no h como deixar de lembrar de
cada um dos espritos medida que apareceram e pas
saram a fazer parte da minha vida. Um desses personagens muito presentes, principalmente em meus dias de
juventude, o ndio Tupinamb. Mais tarde, nos anos
em que me integrei ao movimento esprita, a partir de
1979, ele se fazia visvel, mas jamais participava das ati
vidades - nem sequer penetrava no recinto das institui
es, at a fundao da Sociedade Esprita Everilda Ba
tista, em 1992. Foi um perodo, de aproximadamente
dez anos, de menos contato com ele. Isso mudou a par
tir de 1996, se no me falha a memria. E a histria de
como ele ingressou efetivamente na equipe espiritual
da Casa de Everilda muito interessante, por si s.
Quando eu era jovem, ele aparecia com muita fre
qncia montado num cavalo branco, galopando. Vez
ou outra eu me pegava, por algum motivo, mais quie-
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
29/367
to, com o olhar fixo numa garrafa d'gua - no inte
rior, quela poca, era habitual manter cheias garrafas
e mais garrafas com gua. De repente, surpreendia-
me ao ver dentro do recipiente cristalino um cavalo
galopando, montado em plo por um ndio que usa
va uma espcie de capacete com um penacho muito
grande; na verdade, um cocar chamativo e grande,que lhe descia at abaixo dos joelhos, quando estava
de p. E eu falava com me:
- Me, olha... Olha ali! - apontava. - um ndio,
um ndio.
Mas um ndio que demonstrava ter 50, 55 anos
de idade, com 0 rosto grande e longo, de expresses38
fundas e marcantes, lembrando certos caciques nor
39 te-americanos. Sem dvida, tinha aparncia bastante
distinta da que habitualmente se v entre os indgenasdas diversas tribos brasileiras.
Lembro-me de uma histria interessante envol
vendo esse personagem, esse esprito, de quando eu
ainda era criana.
Minha me tinha nove filhos adotivos e havia
dado luz mais quatro. Morvamos todos em Gover
nador Valadares, leste de Minas Gerais, com meu pai
e minha av. Eu tinha 8 ou 9 anos de idade e viva
mos, na famlia, 0 pice de um processo de obsesso
complexa envolvendo uma das irms adotivas, a Maria
ou B, como era apelidada entre ns. Me levou-a en-
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
30/367
to a uma casa esprita para solucionar o problema ou
obter algum socorro, pois o caso era grave. Portado
ra de enorme potencial fenomnico e medinico - o
maior que j vi -, essa irm, desencarnada em 2007,
era fruto da unio entre um sujeito meio feiticeiro, de
ascendncia germnica, e uma bugra pegada no lao,
como se dizia no interior, antigamente.
O fenmeno obsessivo manifestava-se de forma
violenta, com episdios de possesso mesmo, detalhesque contarei mais adiante, em outro captulo. Na casa
esprita, logo de imediato, disseram: "Esse caso no
pra ns" - matria frtil para anlise posterior - e indi
caram minha me determinado terreiro de umbanda
ou um misto de umbanda e candombl, que existia na
cidade. Everilda Batista, minha me, conduziu B ao
terreiro; junto com ela, foram meu pai, um irmo, mi
nha av e duas outras pessoas que ela resolveu levar,
alm de mim. Minha me sempre me carregava junto
dela, para onde quer que fosse; em todos os momentos
graves da vida dela, l estava eu. Dada a minha pouca
idade, as memrias desse evento me foram favoreci
das em conversas familiares anos mais tarde.
Ao chegar casa de umbanda, foi-nos informado
que a mdium ou me-de-santo atendia num cmodo
separado. Ela recebia um ndio, um caboclo chama
do Tupinamb. Minha me contava que a mdium,quando incorporada, usava uma coroa, na verdade um
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
31/367
cocar com penas nas cores vermelha, roxa e verde. Eraalgo comum na umbanda que ali se praticava. Naque
la noite, assim que o caboclo se manifestou, ao invs
de se dirigir minha me, como seria de se supor,
ajoelhou-se diante de mim, tirou o penacho da cabea
da mdium, assim como as guias e os colares do pei
to, e os colocou todos sobre mim. Como eu era peque
no, o penacho acabou escorregando e caindo sobre os
ombros; os colares foram quase at o cho.
Segundo minha me, o esprito ento disse:
- Salve o velho Tupinamb! Eu te peo permisso
para trabalhar.
claro que no entendi o que era aquilo; no sabia40
nada. Falou ainda que o pai dele, o cacique da aldeia,
41 era tambm responsvel por minha conduo. Logo de
pois, tirou de mim o cocar e as guias, para prosseguir aatividade. Continuei sem entender nada, claro. Crian
a assim, nem poderia ser diferente.Transcorrido certo tempo, j envolvido com os es
tudos espritas, passei a ver ocasionalmente uma luz
que me seguia. Esse fenmeno ocorreu com maior in
tensidade depois de 1980. Toda vez que eu estava num
local em que no deveria estar, segundo 0 julgamento
dos espritos, via esse foco de" luz, de um azul inten
so, muito brilhante, que comeava a girar em torno de
mim e do ambiente. No sei explicar 0 fenmeno em si;
s sei que, em instantes, a luz azul parava num canto,
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
32/367
aumentava aos poucos, como uma bolha, e, de seu bojo,
surgia esse ndio de braos cruzados e porte altivo, com
o longo penacho colorido que pendia de cima da cabe
a, sempre com a expresso absolutamente austera.
Lembro-me bem da primeira vez em que avistei a
tal luz azul. Havia sido convidado por meus colegas da
Usiminas - onde trabalhei por cerca de sete anos, nacidade de Ipatinga, MG - para participar de uma festa.
Assim que entrei no ambiente, deparei com um ponto
azulado. De incio, era pequeno, a ponto de eu cogitar
se porventura no era um efeito da iluminao local.
Porm, dentro de instantes, cresceu at atingir a di
menso de uma mo humana. Era de um azul muito
intenso, reluzente como estrela. Com o eu no sasse do
ambiente, essa luz aumentou at que divisei em seu in
terior o Caboclo Tupinamb.
Mais tarde, esclareceu-me que era um mtodo es
colhido para chamar minha ateno e sinalizar sua pre
sena no ambiente, emitindo uma espcie de alerta, na
qualidade de guardio. Logo aprendi que, quando apa
recia a luz azul, deveria deixar o local imediatamente.
Nem esperava o ndio aparecer dentro dela, pois perce
bi que isso ocorria apenas quando o lugar ou algum ali
presente me pudesse prejudicar ou, simplesmente, no
era um local adequado para freqentar. Se eu persistis
se, a Tupinamb aparecia realmente. A luz se dilua e,
em seu interior, ele se fazia notar. Para mim, significa-
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
33/367
va: Saia daqui agora, porque a situao perigosa. Ao
longo de vrios anos, tive muito medo quando ele apa
recia, pois era muito srio. Sua seriedade me provocava
temor, e somente com o passar do tempo que aprendi
a interpretar seu semblante adequadamente.
Uma vez, dentro de um bar, l na cidade de Ipatin-
ga, ele falou: "Saia daqui agora". No pensei duas ve
zes. Deixei todos os amigos e sa, apavorado.
- Falei assim com voc porque daqui a pouco vai
ocorrer ali uma briga e, possivelmente, algum vai ser
cortado com uma garrafa quebrada - disse-me depois.
- Tem horas que no d tempo de explicar. Prefiro ser
enftico para evitar problemas.42
Nesses momentos, eu saa do ambiente, sem pes
43 tanejar, pois no era to freqente a presena dele.
Somente se manifestava em ambientes e situaes de
perigo; no mais das vezes, nessas ocasies, no dava
tempo de raciocinar; era preciso agir. Confesso quenunca me decepcionei com esse esprito, a quem devo
muitssimo.
O VENTO SOPRA ONDE QUEREm outras ocasies o esprito Tupinamb veio fazer
parte de minhas experincias. Em vrias oportunida
des, ao fazer palestras em casas de umbanda - convida-
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
34/367
doprincipalmente devido ao livroTambores de Angola4,
lanado em 1998 - notava que os dirigentes das insti
tuies me cumprimentavam de maneira ligeiramente
reverente. Pude compreender que reverenciavam, na
verdade, aquele ndio que percebiam prximo a mim.
Como disse antes, Caboclo Tupinamb nunca
entrava em nenhuma das casas espritas que eu fre
qentava, ainda que me acompanhasse at a porta
em determinados momentos, claramente ocupadocom minha segurana. Indagado por mim, afirmava
no ter sintonia com o mtodo de trabalho que adota-
vam ali. Algumas vezes, me aguardava junto ao por
to. Disse-me certa vez que algum havia pedido que
tomasse conta de mim, de tal modo que, quando eu
desencarnasse, seria ele o ltimo a abandonar minha
sepultura, pois faria jus sua incumbncia de defen
der-me e acompanhar-me at o fim.
Tenho carinho especial por esse ndio. Em dadomomento, descobri que ele era a reencarnao de um
asteca e que trazia consigo no somente ndios tupi-
4 Tambores de Angola um romance histrico que aborda diferenas
entre umbanda e espiritismo co m respeito, valorizando ambas manifes
taes culturais e religiosas. pioneiro na literatura esprita, em virtu
de da abordagem despida de preconceito que prope (P I N H E I R O ,Robson.
Pelo esprito ng el o Incio.Tambores de Angola.Con tagem,MG : Casa dos
Espritos Editora, 1998 /2 00 6, 22a. ed.: 115 mil exemp lare s vendidos ).
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
35/367
nambs, mas numerosa falange de espritos que co
ordenava, composta por puris e caiaras, entre outros,
alm de um contingente de espritos astecas. Antes de
sua reencarnao na tribo tupinamb, foi um inicia
do, um sacerdote asteca. No Brasil, nasceu prximo ao
recncavo baiano, provavelmente numa poca ainda
anterior descoberta do Brasil.Quando fundamos a Sociedade Esprita Everilda
Batista, no ano de 1992, eu vi, pela primeira vez, esse
esprito dentro do centro esprita. Disse-me, na ocasio:
- Agora, aqui eu entro. Aqui, trabalho. Sei que
aqui no terei de desperdiar energia com 0 precon
ceito das pessoas.44 Na verdade, mesmo em nossa casa havia precon
45 ceito, claro. Isso muito humano. Tanto que imagi
no ter sido esse um dos motivos para que somente a
partir de 1996, como eu disse, ele tenha se integrado
declarada e efetivamente ao trabalho.
interessante observar que minha participao
na fundao de casas espritas parece ter sido uma es
pcie de preparao, um treino para 0 trabalho a ser
desempenhado na fundao e administrao da So
ciedade Esprita Everilda Batista e, mais tarde, nos de
mais ncleos da Universidade do Esprito de Minas
Gerais. A partir de ento, 0 Caboclo Tupinamb passa
a fazer parte do colegiado de espritos que nos dirige
at os dias atuais, da equipe que nos orienta, ligado
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
36/367
principalmente s reunies de desobsesso - ou evo
cao, mode lo preferido por ns.
CABE AQUI UMA PAUSA NA NARRATIVA PARA
tratar da denominao escolhida para a atividade de
:erapia espiritual que realizamos: reunio de evocao.
Costuma provocar estranhamento em muitos esp
ritas a metodologia empregada, ou seja, a evocao.
Fico a imaginar a razo, j que Allan Kardec dedicou
todo um captulo de seu O livro dos mdiuns s evoca
es (cap. 25). Alis, no ttulo completo da obra, cuja
segunda parte geralmente esquecida - O livro dos
mdiuns ou guia dos mdiuns e dos evocadores -, divi
diu os integrantes de uma reunio esprita em duas
categorias bsicas: de um lado, mdiuns ostensivos;
de outro, evocadores. No mnimo, isso denota a trivia
lidade com que o codificador do espiritismo tratava o
tema das evocaes - a ponto de assim se referir aosparticipantes ordinrios de uma reunio. Sem falar na
regularidade com que evocava espritos, observada na
obra citada, bem como no peridico que publicou por
pouco mais de 11 anos, a Revista esprita5, e na obra
5 KARDEC , Allan. Revista esprita: jornal de estudos psicolgicos. Obra em 12
mes : ano 1 (1858) a ano xu (18 69). Rio de Janeiro,RJ: FE B , ia. ed., 200 4 a
2006. Tradu o de Evandro Noleto Bezerra. H outras tradues dispon
veis, ma s reco men dam os essa por ser a mais criteriosa e bem elaborada.
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
37/367
0 cu e o inferno6
. Outro aspecto que salta aos olhos
do leitor atento a preocupao constante do Codifi
cador de assinalar, na Revista esprita, as comunica
es recebidas de modo espontneo. Com isso, talvez
seja seguro afirmar que a maior parte era obtida por
meio da evocao direta, pois os sistemas de classifi
cao geralmente buscam destacar o desigual, o que
destoa, o que no predominante. parte as espe
culaes, vejamos a clareza com que Kardec introduz,
em O livro dos mdiuns, o captulo sobre as evocaes,
prescrevendo-as. Apesar de extenso, vale reproduzir o
primeiro pargrafo na ntegra:
Os Espritos podem comunicar-se espontaneamente, ou46
acudir ao nosso chamado, isto , vir por evocao. Pensam al
47 gumas pessoas que todos devem abster-se de evocar tal ou tal
Esprito e ser prefervel que se espere aquele que queira comu
nicar-se. Fundam-se em que, chamando determinado Espri
to, no podemos ter a certeza de ser ele quem se apresente, aopasso que aquele que vem espontaneamente, de seu moto pr
prio, melhor prova a sua identidade, pois que manifesta assim
o desejo que tem de se entreter conosco. Em nossa opinio, isso
um erro: primeiramente, porque h sempre em torno de ns
Espritos, as mais das vezes de condio inferior, que outra coi-
6 K A R D E C , A l l an . O cu e o inferno ou a justia segundo o espiritismo. Rio de
Janeiro, RJ: FEB, ia. ed. , 1944; 2004, ia. ed. especial. Traduo de Manuel
Just iniano Quinto. (Diversas t radues e editoras.)
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
38/367
sa no querem seno comunicar-se; em segundo lugar e mes
mo por esta ltima razo,no chamar a nenhum em parti
cular abrir a porta a todos os que queiram entrar. Numa
assemblia,no dar a palavra a ningum deix-la livre a
toda a gente e sabe-se o que da resulta.A chamada dire
ta de determinado Esprito constitui um lao entre ele e ns;
chamamo-lo pelo nosso desejo e opomos assim uma espcie de
barreira aos intrusos. Sem uma chamada direta, um Espritonenhum motivo ter muitas vezes para vir confabular conos
co, a menos que seja o nosso Esprito familiar.7
Numa reunio de evocao com finalidade tera
putica, a diferena bsica em relao desobsesso
convencional que se evocam diretamente os espri
tos ligados a cada um daqueles que procuraram tra
tamento na casa e tiveram seu nome indicado para a
atividade, por orientao espiritual. A abordagem em
relao ao plano extrafsico , portanto, ativa, incisiva,pois se convocam espritos especficos.
O CABOCLO TUPINAMB DOTADO DE GRANDE
fora moral. No plano astral, comanda uma legio de
espritos protetores, que no s contribuem para a de-
7 KARDEC , A l lan . O livro dos mdiuns ou guia dos mdiuns e dos evocadores.
Rio de Janeiro,RJ: FE B,1944 . 71a. ed., 2003. Ca p. 25: "Das evoca e s",
item 269, p. 404-405. Traduo de Guillon Ribeiro da 49a. ed. francesa
- grifos nossos.
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
39/367
fesa espiritual de nosso trabalho como realizam captura de certas entidades, penetrando nas regies infe
riores quando h permisso do Alto para atacar bases
das sombras. So os caas, espritos muito primitivos
em sua vibrao, primrios mesmo, cuja bravura te
mida nos recnditos umbralinos.
Outra caracterstica do chefe Tupinamb a maestria
com que manipula a fora elemental, isto , as foras
da natureza e os chamados elementais ou espritos
da natureza, de que fala Kardec. 8 Destacadamente,
aqueles ligados s matas, aos rios e s cachoeiras
so por ele coordenados de maneira brilhante, pres
tando grande contribuio ao dia-a-dia das reunies48
medinicas.
49 Se pretendemos lidar conscientemente com o as-
8
KARDEC , A l lan . O livro dos espritos. Rio de Janeiro, R J : F E B , 1944 (e di
versas editoras). "Ao dos espritos nos fenmenos da natureza", itens536-540. Como se pode depreender da leitura indicada, Kardec congrega
sob 0 nome espritos da natureza tanto aqueles que presidem os fen
menos quanto os que os executam. Entretanto, esclarece tratarem-se os
primeiros de espritos experientes, que no mais reencarnam sobre a
Terra; os executores , por outro lado, comp ara a operri os, que aindasero
humanos um dia (item 538). So estes os espritos elementais, que se
encontram num estgio de evoluo pr-humno. Elemental um termo
esotrico, que optamos por utilizar para distinguir entre os dois tipos
apontados pelo Codificador.
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
40/367
pecto energtico em nossas reunies, principalmente com vibraes de natureza mais grosseira, no h
como faz-lo sem empregar o trabalho daqueles que
sabem "processar" tais vibraes. Sem uma relao
mais estreita com as foras da natureza, inserindo o
trabalho medinico nesse contexto, como dissipar as
energias densas captadas pelos mdiuns e descritas
fartamente na literatura esprita psicografada? Como
lidar com a carga fludica de que so portadores os es
pritos mais endurecidos?
A energia densa no se dissipa s com o poder
do pensamento; preciso canaliz-la para a natureza,
capaz de transmut-la.9 O procedimento deve ser fei
to sob a superviso de quem conhece o assunto e tem
autoridade para tal, uma vez que sabemos ser arrisca
do manipular recursos que no dominamos. Por isso,
consideramos remota - para no dizer impossvel, ao
menos na cultura brasileira - a hiptese de realizar
9 Um de meus livros trata exclusivamente do aspecto energtico do ser
humano e sua relao com a natureza. Julgo-o uma obra altamente re
comendvel, dada a falta de familiaridade com o assunto que se verifica
mes mo entre muitos estudiosos do espiri t ismo, que desconhec em mto
dosde reabastecimento energtico, entre outras questes (P I N H E I R O , Rob
son. Orientado pelos espritos Joseph Gleber, Andr Luiz e Jos Grosso.
Energia: novas dimenses da bioenergtica humana. Contagem, MG : Altos
PlanosEditora, 2008, 2a. ed).
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
41/367
esse tipo de trabalho sem a coordenao dos pais-ve-
lhos e caboclos. So eles os grandes iniciados do pas
sado, revestidos da aparncia espiritual simples de um
indgena ou um ancio negro. Relembram uma poca
de maior harmonia com a natureza e, de quebra, ainda
mexem com nossos preconceitos de homem branco e
civilizado, que considera sua cultura to superior. Es
ses espritos utilizam o concurso dos elementais para
realizar a parte mais material do trabalho. A ao que
Tupinamb desencadeia frente dessas entidades no
livro Amanda10, por exemplo, de impressionar. Con
forme relatado pelo autor espiritual, ele coordena a re
estruturao de um ambiente astral, recrutando para50
isso as fadas, que so elementais de transio ligados
51 terra e ao ar.
BANDEIRA VERMELHA,BANDEIRA BRANCAAo falar desse ndio, no posso deixar de citar espri
tos que o acompanham e compem sua falange. Em
primeiro lugar, o Caboclo Pena Branca, ligado direta-
I O P I N H E I R O , Robson. Pelo esprito n g e l o Incio. Amanda: magia negra,
elementais, pretos-velhos e caboclos sob a tica esprita.Conta gem, MG : Casa
dos Espritos Editora, 200 4/2 008 , na- ed., cap. 12, p. 197-224.
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
42/367
mente rea de cura de nossa casa esprita. um m
dico do espao, um caboclo elegante, bonito, que se
manifesta junto com Tupinamb, apesar de agir em
rea distinta - mas" complementar. Alis, que aula nos
do os espritos no que se refere a isso. Ns, seres hu
manos, to dados a formar guetos e "tribos" que faze
mos de tudo para nos relacionar somente com nossos
iguais, assistimos ao trabalho dos Imortais, que rene
toda e qualquer contribuio, dos mais diferentes ma
tizes, para o xito do trabalho, sob a coordenao do
Alto. Sem descaracterizar sua individualidade, todos
cooperam juntos para um objetivo comum, conscien
tes de que um complementa o trabalho do outro.
Em segundo lugar, o Caboclo Roxo, por quem
temos enorme gratido. Atua principalmente com
plantas e ervas na rea de cura, sob as orientaes de
Joseph Gleber, fsico nuclear e mdico alemo desen
carnado no Holocausto, que um dos mentores e administradores do trabalho como um todo. Devo mui
to do que sei sobre fitoterapia ao Caboclo Roxo. Dada
sua especialidade com as plantas e sua autoridade so
bre os elementais da terra - os gnomos em particu
lar, que so responsveis pela extrao do bioplasma
-, ele tido como um caboclojuremeiro, isto , ligado
s foras da Jurema, figura que representa o princpio
curativo das plantas. Costuma entoar seu cntico evi
denciando sua ligao com a vibrao da natureza nas
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
43/367
plantas, na mata, que denominada Oxssi.
Caboclo Roxo
Tem a pela morena
Ele um oxssi
caador l da Jurema.
Vale lembrar que, para a mitologia africana, di
fundida pelo Brasil nas roas de candombl de cabo
clo, em suas diversas vertentes e denominaes, Deus
no nico e imanente natureza. importante sa
ber que a explicao de mundo ou cosmologia africana
pantesta, ou seja, v o elemento divino na natureza.
Sendo assim, Oxssi no o deus da mata, como se
costuma pensar; sim a face de deusnamata. Quando52
adentro na mata, penetro no reino de Oxssi, penetro
53 em Oxssi. 0 orix vibrao; no h imagem - isso
j produto do sincretismo brasileiro, ou seja, da as
sociao com elementos do catolicismo e da sabedoria
popular. Entretanto, diz-se de um esprito, de uma inteligncia extracorprea que representa a vibrao de
determinado orix, que ele um oxssi, por exemplo,
com letra minscula, como o caso do Caboclo Roxo.
parte as consideraes filosficas, j que a viso
pantesta diverge da compreenso esprita, uma coisa
fato: as sociedades regidas por esse princpio, como
foram os povos negro e indgena em sua maioria, fo
ram capazes de desenvolver uma relao muito mais
harmoniosa e saudvel com a natureza, provavelmen-
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
44/367
te por emprestar a ela ostatusde divindade. Concordar
ou no com sua concepo no vem ao caso. O que in
teressa observar e aprender, reconhecendo que, em
matria de ecologia, esto milnios frente da fonte
greco-romana e judaico-crist da qual bebeu a socieda
de ocidental contempornea.
O Caboclo Tupinamb ainda trouxe at ns o Ca
pito Sereno, um outro tipo de caboclo, que o espri
to de um bandeirante. Um remanescente dos homensdestemidos que penetravam no desconhecido do Bra
sil colonial e se embrenhavam na mata atlntica e nas
selvas da Regio Sudeste, partindo do litoral paulista
e fluminense, em busca de conhecimento e riquezas.
Quanta coragem lhes deve ter sido necessria, espe
cialmente sabendo que, alm da paisagem inspita, da
completa inexistncia de mapas, estradas e qualquer
infra-estrutura, topariam com diversas tribos indge
nas hostis. Independentemente de julgar suas motivaes, preciso se curvar a seu destemor e sua bravura.
Capito Sereno um caboclo quimbandeiro, cuja
especialidade transformar e transmutar energias
densas, geralmente voltadas maldade, no trabalho
de antigocia ou "desmanche" da feitiaria e da magia
negra. Sem os caboclos quimbandeiros, que dominam
a arte de reverter tais processos, imprudente ousar a
abordagem dos intricados desafios dessa ordem, que
chegam s portas da casa esprita. Canta ele:
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
45/367
L no campo de batalha
Eu fui soldado, eu fui tenente
Hoje na minha quimbanda
Sou eu, Capito Sereno.
H quem se apavore ao ouvir falar em quim
banda, h quem a associe prtica da maldade e h
mesmo aqueles que empregam o termo de modo in
conseqente, referindo-se baixa feitiaria. Porm, a
verdade que, assim como os mdicos precisam estu
dar e entender o funcionamento de uma doena para
poder cur-la, imperativo conhecer os mecanismos
da magia negra e da feitiaria a fim de combat-las.
Alm dos espritos que vieram com o Caboclo Tu5 4
pinamb, h os que lhe so subordinados. Entre eles, h
55 os puris-flecheiros, puris-guerreiros e puris-de-aldeia,
todos muito determinados no enfrentamento dos mar
ginais do plano astral. Tupinamb coordena esse grupo
de entidades, direcionando suas energias no combateao mal. Contudo, os puris so guerreiros mesmo, cabo
clos ndios bastante primitivos e at violentos em sua
forma de agir, pois conservam muitas caractersticas
de quando encarnados. Ainda de evoluo primria,
tm pouca noo de bem e mal, por isso precisam da
conduo de algum mais experiente e esclarecido. So
educados pelo velho Tupinamb, que age como um pai
para esses espritos, direcionando seu potencial. H
tambm os astecas que coordena, porm esses j so
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
46/367
mais maduros, especialistas em magia, tanto quanto oprprio Tupinamb. Portanto, so dois grupos distin
tos sob sua superviso direta.
Algumas vezes, entoa uma cano que faz aluso
a ambos. uma exortao explcita a seus comanda
dos, que faz com muita garra e determinao:
Bandeira vermelha, espada roxa e terra
Chegou Tupinamb, ele vencedor de guerra
Vamos guerreiros, vamos guerrear
Vamos salvar a bandeira do velho Tupinamb.
Os espritos coordenados por ele respondem
prontamente ao chamado do seu chefe, assumindo o
posicionamento nas batalhas e confrontos espirituais
- que muitos nem imaginam e outros julgam que no
existem, mas que ocorrem no plano astral.11
Cantigas, msicas ou mantras como esse ele en
toa quando parte pelo umbral afora com seu batalho
de choque, os puris, para capturar espritos vndalos.No entanto, certo dia, na Casa de Everilda Batista, per-
11 Para quem qu iser explorar o controvers o assunto citado aqui, reco
menda-se comear pelo livro Legio: um olhar sobre o reino das sombras
( P INHE IRO , Robson. Pelo esprito n g e l o Incio. Contagem, MG : Casados
Espritos Editora, 2006/2008, 7a- ed., cap. 3, p. 143-147). Alm de encon
trar o relato de uma batalha que se desenrola na dimenso extrafsica, o
leitorpoder obter referncias na obra de Allan Kardec que co rrob oram a
ocorrnciade eventos de sse tipo (op. cit., nota de rodap 17, p. 145).
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
47/367
cebi que Tupinamb estava totalmente diferente. Em
vez de aparecer com aquela roupagem de cacique ou
guerreiro indgena, apresentava-se com os cabelos
longos, at as costas. Um cabelo muito liso, sem ne
nhum penacho, sem absolutamente nada sobre a ca
bea. Em lugar do traje tpico, trazia sobre os ombros
um manto branco, muito alvo, assim como toda a sua
indumentria, que era uma espcie de segunda-pele, porm no to justa. No havia qualquer adereo.
Nessa ocasio, eu o ouvi cantar algo indito pra mim.
Repetiu vrias vezes esta msica, que, acredito, seja o
reflexo de uma mudana profunda tanto na sua forma
de agir quanto em sua intimidade.56
Eu sou um velho guerreiro
57 Eu no vou guerrear mais
Eu s quero bandeira branca
Eu agora s quero paz.Segundo pude entender, fora promovido a tare
fas mais representativas no plano em que se encontra.
A partir de ento, mudou sensivelmente seu perfil de
trabalho. Quem sabe tenha modificado o jeito de tra
balhar, no contato com os benfeitores Joseph Gleber e
Alex Zarth, alm de em outras experincias na esfera
extrafsica? Sei que, de l para c, tem aparecido com
a nova roupagem fludica, salvo nos momentos que
exigem postura mais agressiva ou mesmo mais firme
za na liderana que exerce perante os demais.
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
48/367
A melodia se assemelha mais a uma cantiga, que
me desperta grande nostalgia. Ouvi-lo nesses mome n
tos movimenta muita energia em meu corao. Algo
parece despontar em meu interior e a emoo de con
v i v e r com esse esprito me toma por completo, sus
citando certo saudosismo... Saudade de algum lugar,
que no sei exatamente qual . Nesses momentos,
vejo-o encostado numa rvore frondosa, muito grande, cantando como se fosse para mim. Ao passo que
emociona, incita tambm admirao e alegria saber
que esse esprito continua prximo. Que, em alguma
medida, cresceu e aprendeu a ponto de aprimorar seu
mtodo de trabalho com base nos anos de convivncia
com os mentores. No depende mais dos apetrechos
de antes - o que no significa que no possa dispor
deles, quando necessrio. Simplificou para ganhar
qualidade, exatamente como ensina Zarth, o Indiano, um dos dirigentes espirituais de nosso trabalho.
Demonstrando que crescer significa aperfeioar-
se, e no passar uma borracha no que ficou para trs,
ainda hoje, quando se faz necessria uma abordagem
mais agressiva ou incisiva junto s comunidades de se
res voltados para o mal, o velho Tupinamb assume a
postura antiga, de modo a fazer frente a determinados
espritos, que vo tem-lo e respeit-lo somente com
aquele aspecto. Certa vez explicou-me que existem es
pritos que simplesmente no respeitam - nem sequer
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
49/367
percebem - uma conformao perispiritual mais sutil,
fludica. O que natural de se imaginar: entre espritos
muito materializados, a aparncia deve ser um atribu
to que conta muito, mais ou menos como se d na Ter
ra. Diante desses casos, assume sem constrangimento
a postura de guerreiro, do velho general guerreiro que,
junto c om seus soldados, sabe se impor.
0 contato desse ndio tupinamb com a doutrina
esprita certamente foi algo proveitoso, e hoje temos
um grande amigo, um esprito em quem confiamos
plenamente, pois no h como no reconhecer suas
habilidades ao lidar com questes espirituais intrica
das e complexas, principalmente na rea da terapia58
59
desobsessiva.
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
50/367
3PAI JOO
"UNIO SEM FUSO,DISTINO SEM SEPARAO."
PAI JOO DE ARUANDA
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
51/367
LEMBRANDO DE ALGUNS PERSONAGENS, DE
alguns espritos importantes em minha orientao es
piritual, um dos que primeiro vm mente a perso
nalidade forte e amorosa do esprito Joo Cob - ou Pai
Joo de Aruanda. Certos espritos tm um papel especial ou, ao menos, fazem-se mais presentes que outros,
e est a um esprito associado a todas as fases da minha
vida. Todas mesmo, pois o conheci atravs de minha
me: ele era seu mentor ou anjo guardio, conforme a
terminologia kardequiana12 .
Joo Cob escreveu os livros Sabedoria de preto-
velho'3 e, mais tarde, Alforria, ambos psicografados por
1 2 KARDEC , A l lan .O livro dos espritos. Rio de Janeiro, R J : F E B , 1944 (e di
versas editoras). "Anjos de guarda; Espritos protetores, familiares ou
simp tic os" (itens 489-522).
1 3 P INHE IRO , Robson. Pelo esprito Pai Joo de Aruanda. Contagem, MG:
Casa dos Espritos Editora, 2003/2008, 9a. ed., cap. 9, p. 56.
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
52/367
mim e publicados pela Casa dos Espritos Editora.
Alm disso, personagem de Amanda e Legio: um
olhar sobre o reino das sombras. Tive oportunidade de
conhecer um pouco mais da histria dele durante a
preparao de sua primeira obra, que contm mais
detalhes sobre sua biografia. Em linhas gerais, soube
que teve duas encarnaes no Brasil. Na primeira delas, nasceu na frica e veio para o Brasil a bordo dos
navios negreiros. Viveu como escravo nas fazendas,
nos coqueirais pernambucanos. Teve oportunidade
de aprender muito nesta que, segundo ele, foi uma
encarnao transformadora. Tanto assim que - lou
cura aos nossos olhos encarnados - pediu para reen62
carnar como escravo pela segunda vez.
63 Era como um pai-de-santo, uma espcie de refe
rncia espiritual da comunidade de Nazar, BA, ondea cultura dos candombls muito forte e enraizada.
Cidade que ficou conhecida como Nazar das Fari
nhas, vizinha Ilha de Itaparica e situa-se a cerca
de20okmde Salvador por terra, contornando a Baa
de Todos os Santos a partir da capital at a outra ex
tremidade, perto da margem que lhe oposta.
J como ancio, num momento avanado da
vida, torna-se lder reverenciado na comunidade, al
gum conhecido e respeitado por seus contempor
neos. A frente do candombl da nao ketu que diri
gia, aprende o manejo das ervas e suas propriedades
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
53/367
Teraputicas. Nas terras da Bahia, Joo Cob era Pai
Joo de Aruanda.
PAI JOO,
MENTOR DE EVERILDA BATISTAPai Joo esteve sempre muito ligado a minha fam
lia. Meus irmos e eu crescemos como se essa figura
fizesse parte do crculo familiar; era um de ns, que
nos visitava atravs da mediunidade de nossa me.
Mdium de efeitos fsicos e de psicofonia, com carac
terstica inconsciente, ela tinha em Pai Joo o esprito
responsvel por sua encarnao.
interessante que, conforme me recordo, embo
ra utilizasse o nome de Pai Joo de Aruanda, ele noincorporava como um preto-velho tradicional. Ao con
trrio, mantinha uma postura ereta, que deixava mi
rilla me uns 20 a 30cm mais alta - ao menos essa a
Impresso que nos causava, to empinada a deixava!...
Olhos muito abertos, quase esbugalhados, mas vi
vos, penetrantes, punha-se a andar normalmente pela
casa, com desenvoltura e at rapidez quando incorpo
rado em Everilda Batista, o que de modo algum lem
bra a figura popular e quase folclrica do preto-velho.
Voz muito firme e sonora, nada havia que denotasse
qualquer dificuldade em falar, como freqente no-
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
54/367
tar em comunicaes de pretos-velhos, que muitas vezes se exprimem gaguejando, de modo arrastado. Pai
Joo, no! Minha memria de sua atuao sobre mi
nha me o oposto disso: muito direto, firme, gil e
determinado, de tal maneira que alguns o temiam, at
pelas circunstncias familiares crticas e bem graves
em que costumava se apresentar.
Everilda no percebia com antecipao que se en
tregaria ao transe. Geralmente, ele ocorria aps sua
deciso de repousar por alguns minutos, nos raros
momentos em que se assumia exausta. Nos instan
tes que precediam chegada do pai-velho, era mui
to comum que recostasse numa determinada cadeira64
de encosto, uma espcie de espreguiadeira, que nos
65 acompanhou por dcadas. Questo de segundos, to
logo se acomodava j voltava com a fisionomia total
mente mudada, imponente. Era Pai Joo que a tinha
assumido. Aps atuar durante o tempo que julgassenecessrio, tinha por hbito assentar-se novamente
na cadeira antes de se afastar da mdium, a fim de
que ela no percebesse, ao menos de imediato, que
havia chegado e realizado alguma atividade por seu
intermdio. Dessa forma, ele procurava deix-la na
mesma posio de quando a envolvera. Tinha sua ra
zo de ser esse expediente de que ele lanava mo.
Minha me sentia-se irritada ao saber que algum es
prito incorporou atravs dela. No era de seu agra-
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
55/367
do permitir, em casa, envolvimentos espirituais desse
tipo, de cunho medinico. Achoque herdei dela essa
irritao, talvez mais por saber que algum fez coisas
de mim das quais no guardo lembrana, pro
nunciou palavras que -os demais afirmam ter sido di
tas por minha prpria boca. Cria-se uma lacuna, um
lapsoincmodo na memria.
erilda ento falava, nas raras vezes em que ou
svamos relatar a ela o ocorrido:
- No, isso no pode ter vindo de mim! No pos
so ter falado isso, no posso...
Realmente ficava inconformada com a situao,
e matuto, a fim de evitar essa reao, Joo Cob des
de muito cedo passou a assumir Everilda Batista nos
momentos de relaxamento, seja sentada ou deitada.
Levantava-se por meio de seu instrumento j em tran-
:azia o que devia ser feito e s se afastava aps retorn-la posio anterior. Ela voltava a si como se es-
- esse acordando, e ns, os filhos, logo aprendemos a
discretos sobre o assunto. Ficvamos quietos, ain
da que um pouco ressabiados.
Evidentemente, isso no ocorria com tanta fre
qncia. Momentos assim, geralmente, eram bem s
rios, graves. Por exemplo, era comum que Pai Joo se
apresentasse quando havia algum da famlia ou al
gum hspede passando muito mal.Minha me lidava cotidianamente com gente
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
56/367
sem posses. Quer dizer, ela nunca recebeu mais queum salrio mnimo em seu emprego como merendei
ra escolar - ou seja, ela mesma no detinha posses.
Ocorre que, no sei muito bem como, assumira mui
tos afazeres e atividades e tornara-se uma referncia
na hora das doenas, das mortes e das agruras da vida.
Era grande o nmero de pessoas de baixa renda que a
procuravam l em casa a fim de que prestasse os mais
diversos tipos de socorro.
Talvez isso seja estranho para quem tem menos
idade, acostumado s comodidades urbanas do mun
do moderno. Porm, no interior de antigamente, as
coisas eram bem diferentes. Se, diante das inegveis66
melhorias das ltimas dcadas, a sade pblica ainda
67 no consegue dispor de recursos para atender a toda
a populao, imagine nos anos de 1960, 1970... A ex
pectativa de vida era cerca de vinte anos menor que
na atualidade, a mortalidade infantil, trs ou quatrovezes maior. Governador Valadares, historicamente,
era a mais importante metrpole do leste de Minas,
antes de Ipatinga e da instalao da Usiminas, prin
cipalmente no pice da extrao de pedras preciosas.
Minha me estava sempre pronta- a receber gente das
cidadezinhas, alm da populao rural ligada aos fa
miliares da regio de Atalia, MG, onde se criou, ou de
Jequi, onde viviam os baianos da parte de meu pai.
Afora todos da cidade, que a conheciam das escolas e
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
57/367
que por ela procuravam nas horas difceis.Assim sendo, quando chegava algum se sen
tindo muito mal, com urgncia de atendimento ou
na impossibilidade de ser atendido em algum hospi
tal, Pai Joo de Aruanda assumia Everilda Batista e
ministrava o tratamento espiritual pessoa. Minha
me possua determinada caracterstica medinica
que favorecia a ele transferir a enfermidade do aten
dido para ela e, em seguida, expelir do corpo dela to
dos os resqucios, liberando-a de qualquer sintoma
ou vestgio do mal-estar. Vi coisas impressionantes
atravs de suas possibilidades de cura, que relatarei
mais adiante.
Nesse contexto que se enquadra a msica que
ouvi - e ouo, at hoje - Pai Joo cantar quando deter
minado socorro precisa ser prestado. O que o preto-
velho quer dizer que, a despeito das preferncias do
mdium, sua vontade no prevalece, se que efetivamente fez um compromisso com o Alto de dispor de
si e de suas potencialidades para uma tarefa superior.
L vem vov
Descendo a ladeira com sua sacola
com seu rosrio, com seu patu
Ele vem de Angola
Eu quero ver, vov,
Eu quero ver
Eu quero ver se filho de Zmbi tem querer.
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
58/367
Definitivamente, no. Na hora que as determi
naes do Alto vm, filho de Zmbi, ou seja, filho de
Deus, no tem querer.
DE ALFRED RUSSELL A PAI JOONa verdade, a manifestao como preto-velho, dispon-
do-se a tratar das pessoas atravs de minha me, tinha
a ver com o passado dele como negro alforriado, pois
havia sido portador da mediunidade de cura, algo vital
para a poca, porque a medicina, especialmente para
a populao pobre em geral, simplesmente inexistia.68 Porm, havia outro componente psicolgico impor
69 tante. Temos notcia de que, noutro tempo mais re
cuado, fora um mdico: Dr. Alfred Russell, homem
branco, de posses, que viveu no sul segregacionista e
escravocrata dos Estados Unidos da Amrica, provavelmente antes da proclamao de independncia, em
1776. E algumas caractersticas dessa personalidade
mantinham-se como trao forte em seu temperamen
to, evidentes pelo menos ao comunicar-se atravs de
Everilda Batista e, esporadicamente, atravs de mim -
0 que s ocorreu aps 0 desencarne dela, em 1988.
Em sntese, atravs de Everilda Batista, Pai Joo
apresentava a vocao para a medicina e a mediunidade
de cura, mas sua manifestao trazia fortemente a pos-
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
59/367
tura de Alfred Russell, patriarca viril, destemido e empreendedor que fora no continente norte-americano.
Reencarnou como escravo a seu prprio pedido,
desde a primeira vez, justamente porque, tendo sido
senhor de escravos no sul dos Estados Unidos, dese
java viver o outro lado da mo eda - ou da chibata. E
a transformao efetivamente ocorre, em terras per
nambucanas. Na segunda encarnao como negro, na
Bahia, d mais um passo e adquire status de lideran-
oassando a cuidar da comunidade, que permanece
sob sua responsabilidade.
Inicialmente, ganha popularidade como curan
deiro. O nmero de pessoas que o procurava era mui
to grande, porque, como j foi dito, tanto apresenta
va a mediunidade de cura quanto a oferta escassa de
servio mdico na segunda metade do sculo xix fazia
com que as pessoas que possussem conhecimento,
como Pai Joo, fossem procuradas pelo povo. Comonegro, ex-escravo e adepto de um culto que valoriza
sobremaneira a fora das ervas - era iniciado e babalo
rix, na verdade -, ele detinha uma experincia muito
vasta com fitoterapia. Empregava esse saber para as
sistir a carente populao regional.
Quem no era carente naquele lugar? Cidade
pequena do interior da Bahia, negro no perodo de
cadente da escravido, das leis abolicionistas para in
gls ver... At a mais importante delas, a Lei urea de
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
60/367
1888, foi promulgada no pas sem qualquer poltica
de insero do escravo recm-liberto na sociedade. Re
sultado: muitos nem queriam deixar seus senhores,
suas senzalas: para onde iriam? Sem falar na demora
para chegar a notcia - imagino a prtica - da lei nos
rinces deste Brasil. Canta ele, a esse propsito:
Treze de maio
Quando acabava o cativeiroNegro-velho sorria
Negro-velho chorava
E a Princesa Isabel
J libertava os escravos.
Entre suas atribuies como pai-de-santo de um70
culto afro-brasileiro, Joo Cob conduziu toda a prtica
71 candomblecista de modo que os seus pupilos pudessem
ser tambm terapeutas. Ensinava a respeito das ervas
para seus afilhados ou filhos-de-santo da poca, mas objetivando principalmente o atendimento teraputico s
pessoas necessitadas. 0 curandeiro de Nazar das Fari
nhas desencarnou em 1900, vtima da febre amarela.
ALGUNS EPISDIOS FICARAM PARA SEMPRE
gravados em minha memria, pois vrios deles mos
tram a maneira vigorosa de Pai Joo de enfrentar as
adversidades e injustias.
Em Governador Valadares havia uma feiticeira - na
verdade, outrora respeitvel me-de-santo, que se per-
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
61/367
deu nos caminhos do trabalho espiritual ao longo dos
anos. Quando eu era criana, ela foi recomendada
pelo centro esprita onde minha me procurou ajuda
para minha irm Maria, a irm adotiva apelidada de
B, e efetivamente encontrou auxlio, conforme rela
tei no captulo referente ao chefe Tupinamb. Pouco
a pouco, entretanto, essa mdium foi mudando a ati
tude em relao ao trabalho espiritual. No acompa
nhei sua trajetria de perto, pois jamais voltei ao tal
terreiro, mas ouvi histrias contadas por minha me
e observava o que ocorria em minhas visitas cidade,
da qual me mudei aos 18 anos. At porque, em deter
minada poca, a prpria B chegou a trabalhar como
mdium no terreiro dessa senhora, antes de a situa
o mudar. Alguns casos esto relatados no captulo
6, que dedico a essa irm, mas aqui registro o derra
deiro evento envolvendo a feiticeira, em que Pai Joo
se envolveu mais diretamente.Chegou uma poca em que no s a tal mulher
passou a viver dos trabalhos no barraco, mas tambm
sua famlia. O marido inclusive deixou de trabalhar
para dedicar-se matana de animais para sacrifcios e
a aes vis de todo gnero. Ganhou repercusso na vizi
nhana seu desencarne agonizante; atravessou anos de
um processo grave de putrefao, que levou os tecidos
de vrias partes do corpo ao completo apodrecimento,
formando um quadro trgico e bizarro, que qualquer
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
62/367
um, naturalmente, no deixaria de relacionar s dcadas de feitos de maldade. Fato que, bem antes disso,
as coisas no barraco de D. Lia 14foram degringolando a
ponto de suas perversidades atingirem fama na regio.
Pessoas de diversas localidades vinham em busca de
seus prstimos lastimveis. (Certa vez, um amigo visi
tou uma roa de candombl numa noite de celebrao
aos caboclos marinheiros. Na ocasio, ouviu de um es
prito chamado Martim Pescador a seguinte afirmativa,atravs da boca da me-de-santo: "Dizem que a gente
ruim, mau. Mas ruim esse povo que vem atrs de
ns pra pedir maldade, ou no ?". Apesar de tender
a concordar com esse argumento, o estudo do espiritis72 mo mostra que no isento de responsabilidade quem
73 se presta a atender pedidos indecorosos.)
Determinada noite, talvez indignado com as mal
dades de D. Lia, talvez motivado por algum fator que
tenha desencadeado uma deciso abrupta - porm cer
tamente com a autorizao do Alto -, Pai Joo assume
minha me em nossa casa no Bairro Santa Helena.
Sem muitas explicaes, dirige-se ao canto de um c
modo mais vazio e anuncia:
- Hoje termina o reinado de maldade de D. Lia.
Ela extrapolou os limites e, depois de hoje, nunca mais
reerguer seu gong.
14 Alguns nomes foram trocados para evitar constrangimentos.
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
63/367
Pai Joo virou-se para a parede, incorporado em
minha me, assentado no cho com as pernas de lado,
como s ele sabe fazer. Antes , pediu-nos um giz, o qual
chamou de pemba, que minha me tinha em casa por
ter sempre trabalhado em escolas. Ningum em casa
jamais ousaria negar o pedido de Pai Joo, tamanha era
sua fora moral e o tom de autoridade, especialmen
te se somado ao papel de liderana que minha me jexercia perante a famlia. Prontamente lhe entregamos
o giz; ento, de cabea baixa, riscava algo no cho, num
movimento repetitivo, enquanto se punha a cantar, a
plenos pulmes, u ma msica bem cadenciada:
Se na casca da brana tem demanda
Eu quero ver a brana braunar
Marcha, marcha meus soldados
Soldados de confiana
Esse machado minha funda meu ponto de vingana.
Repetiu a msica ou o ponto cantado algumas
vezes. Claramente, o ambiente foi tomado de cer
to assombro, de certa gravidade. As irms Silvana e
Marvione, nessas horas, tinham muito medo e, com
freqncia, escondiam-se debaixo da cama. Hoje sei
que o canto de Pai Joo era uma evocao podeross
sima, aliada manipulao de ectoplasma, que minha
me oferecia em grande quantidade, dada sua facul
dade propcia para a realizao de fenmenos para-
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
64/367
normaispsi-kapaou de efeitos fsicos, na terminologia
kardequiana. H quem pense ser coincidncia, mas
em instantes comearam trovoadas e relampejos for
tes, repentinos, acompanhados de tempestade, breve
e inesperada. A percia e a autoridade sobre os fen
menos da natureza, bem como no comando de seus
agentes mais imediatos, os elementais, podem sem
dvida explicar tal ocorrncia sem descambar para
o domnio do mstico e do sobrenatural. 0 assunto
controverso, indigesto maior parte dos espritas,
mas a leitura atenta de 0 livro dos espritos no trecho
anteriormente indicado (ver nota 8) d margem para
admitir tal possibilidade. Sem considerar as incont74
veis danas e rituais da chuva, presentes em inme
75 ras culturas de sociedades chamadas primitivas. Ser
que nenhuma delas tinha validade e era tudo crendi
ce, pura e simples?
- Est feito - informou Pai Joo, novamente ere-
to, porm ainda no cho.
Passados alguns minutos, ouvimos soar a sirene
do Corpo de Bombeiros, que passou ao largo, em di
reo casa de D. Lia. No dia seguinte, pudemos con
firmar: de maneira inexplicvel, apurou-se que uma
vela deixada no gong do barraco fora o estopim de
um incndio avassalador. A vela tombou, no se sabe
como, e a proteo de vidro que a envolvia se partiu.O fogo se espalhou pelos tecidos e consumiu tudo em
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
65/367
poucos minutos. O barraco foi reduzido a cinzas, e a
construo anexa, que era a residncia da famlia da
feiticeira, permaneceu absolutamente intacta. Nun
ca mais, at o momento em que escrevo estas linhas,
D. Lia conseguiu reerguer seu barraco, a despeito de
inmeras tentativas. Ela continua encarnada, apesar
de idosa. J se passaram mais de 25 anos do ocorrido.
OUTRA HISTRIA DESSE PERODO, QUE ILUSTRA O
jeito com que Pai Joo costumava agir em situaes
extremas, envolve meu pai, Adelmrio. Em determi
nada poca de sua existncia, tinha o hbito de embe-
bedar-se, embora eu acredite que ele no tenha sido
vtima do alcoolismo, como doena. Certo dia, estava
to alterado que pretendeu agredir fisicamente sua es
posa. Nesse momento, Pai Joo - que era o mentor
responsvel pela encarnao de Everilda Batista - a as
sume. Como ela era mdium de efeitos fsicos, tinhamuita facilidade para ceder ectoplasma, o que favore
cia alguns fenmenos por seu intermdio. Diante de
vrios filhos, o preto-velho pega o guarda-roupa cheio,
com uma nica mo, a mo direita. Segura o arm
rio por um dos ps, naturalmente usando ectoplasma
para produzir o fenmeno, e o suspende, como se fos
se uma almofada ou coisa assim, tamanha a facilidade
com que o manuseia. Em seguida, declara, cheio de
autoridade na voz, atravs da psicofonia:
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
66/367
- Segure aqui e honre as calas que voc veste, j
que voc homem. Voc diz que homem e pensa
que ser homem poder bater em mulher, portanto,
honre as calas que voc veste!
E soltou o guarda-roupa sobre ele.
- Nunca mais voc bate em mulher na sua vida,
mulher no se bate nem com uma flor, aprenda isso -
pross eguiu o preto-velho.Voltando-se para ns, os filhos, que vamos o fen
meno impassveis, sem compreend-lo, determinou, de
forma a no deixar margem para questionamento:
- E ai de vocs se o ajudarem a sair da debaixo!
Vo ter comigo se o ajudarem. Ele tem que sair com76
as prprias foras, j que ele homem a ponto de que
77 rer bater numa mulher, tem que mostrar sua fora e
sair da debaixo sozinho.
A famlia toda ficou muito marcada com o episdio. Todos se apavoraram. A partir dessa ocasio, meu
pai ficava atemorizado at com a suspeita de que Pai
Joo iria se manifestar... Desencarnou no ano de 2003
e at sua morte dizia:
- Ah, esse nego desgraado! Enterraram 0 corpo,
mas a lngua dele... Esqueceram sua lngua pra fora
da sepultura.
Meu pai realmente aprontava muito. Pai Joo de
Aruanda falava com minha me, mostrava a ela as
malandragens dele que afetassem os demais de algu-
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
67/367
ma maneira. Todos comentavam quanto era difcil es
conder algo dela, muito difcil mesmo. natural que,
devido sensibilidade de seu psiquismo, ela se abrisse
mentalmente e percebesse certas questes com algu
ma facilidade, o que levou meu pai a ficar com medo
de Pai Joo, achando que era ele o responsvel por re
latar todas as coisas a Everilda.
Certa vez meu pai esteve, dois ou trs anos antes
de desencarnar, em nossa casa esprita. Ele era evan
glico, mas mesmo assim queria conhecer de perto a
famlia espiritual que mantinha todo um trabalho ins
pirado naquela mulher que, para ele, era apenas a es
posa, uma mulher simples do interior. Quando se pre
parava para sair em direo instituio, perguntou:
- Se eu for l, vou encontrar aquele velho? - as
sim ele se referia a Pai Joo, pelo medo que tinha de
vido aos acontecimentos do passado. - Porque parece
que ele est morto - repetia meu pai -, mas a lnguadele, pelo que sei, est solta at hoje.
Costumo brincar que, como meu pai e Joo Cob
eram baianos, deviam se entender... Por azar do meu
pai, Pai Joo, muito carinhoso, foi um dos espritos
que primeiro o recebeu no mundo extrafsico, quan
do desencarnou. Ao chegar do outro lado, l estava o
preto-velho aguardando-o:
- Eu que vim tomar conta de voc, pra no dar
ainda mais trabalho.
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
68/367
Imagino o que Adelmrio passou do outro lado
da vida, ao topar com o esprito Joo Cob, de quem
fugiu durante quase toda a existncia...
DE PAI JOO A PAI JOOEverilda Batista, por meio de quem conheci o esprito
Joo Cob, desencarnou em 1988. Quatro anos mais
tarde, abre-se a casa esprita que leva seu nome e, des
de 0 incio, 0 esprito Pai Joo de Aruanda se apresen
ta para 0 trabalho. Nesses pouco mais de 15 anos, Pai
Joo de Aruanda mudou bastante seu jeito de agir, se78
comparado ao que vimos desde minha infncia. Anti
79 gamente, era uma ligao de cunho familiar, que evo
luiu em todo aspecto ao ingressar mais diretamentenas atividades da casa esprita.
Essa mudana um aspecto bastante inspirador,
porque tem gente que quer ver nos mentores sujeitos
santos, sempre iguais, entidades acima do bem e do
mal. S que isso os torna to distantes que a gente no
capaz de se identificar com eles. O que altamen
te admirvel justamente verificar 0 crescimento, a
transformao, que nos possibilita criar identidade
com eles. E Pai Joo teve de ouvir reprimendas at dos
mentores que conduzem a atividade!
0 pai-velho sempre manteve fidelidade ao traba-
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
69/367
lho. E sabe mostrar que apaziguar uma situao no fazer-se tolo. Um dos aspectos que evidencia isso de
modo bem claro sua postura de defesa em relao s
ameaas que surgem.
Certa noite, logo depois da aquisio do lote onde
se localiza a Casa de Everilda Batista, l pelo ano de
1994, Pai Joo resolve me acordar no meio da noite:
- Voc precisa levantar agora e ir Sociedade.
Deviam ser umas 2h da madrugada. Ocorre que
eu morava 2 ou 3 bairros distante da instituio, po
rm no na direo do centro da cidade. O que quer
dizer: no havia transporte coletivo que ligasse a re
sidncia ao centro esprita. Apesar de que, de madru
gada, de nada adiantaria haver, j que os nibus pra
ticamente no trafegam nesse horrio. Tampouco eu
tinha carro e muito menos dinheiro para tomar um
txi - isso nem me passava pela cabea.
- Pai Joo, voc enlouqueceu? So mais de 30 minutos de caminhada! Agora noite, est frio, perigo
so. E, de mais a mais, eu tenho sono! - apelei. - Preci
so dormir, amanh tenho de trabalhar.
- Voc pode ir sozinho ou, se preferir, incorporo
em voc e vamos - disse ele, sem afetao. - Acaba
ram de fazer um despacho na porta da Sociedade e
precisamos cortar o mal pela raiz.
Na verdade, a segunda frase me motivou sobre
maneira, e Pai Joo sabia que efeito essa informao
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
70/367
teria sobre mim. Sempre tive um forte instinto de pro
teo instituio e sei que feitiaria e magia so coi
sas srias, com o que no se deve brincar.
Mais de 30 minutos de caminhada pelas solit
rias ruas a partir de minha residncia, deparo com
um alguidar de barro ao chegar entrada da casa es
prita. Continha uma galinha inteira, com penas pre
tas, e uma garrafa de cerveja. A rua onde se localiza a
Casa de Everilda Batista sempre foi muito ecumnica:
quela altura, dispunha de igrejas catlica e neopen-
tecostal, casa esprita e, mais recentemente, de ma
cumba. Nada do que vi me chamou tanto a ateno
quanto 0 esprito que notei ao lado da oferenda, rindo,80
curvando-se de tanto rir; parecia deliciar-se com tudo
81 aquilo. Tinha um porte altivo e trajava um terno negro
muito alinhado, com camisa vermelha - como manda
0 figurino. Ostentava uma pequena capa, at a cintura, igualmente preta.
- Quem voc? - perguntei reticente, achando
que debochava de mim.
- Sou 0 Exu Tranca-Ruas das Almas. Boa noite!
- E 0 que faz aqui?
- Estou aqui rindo do que essa peste de mulher
fez... e ainda disse que entregava pra mim - ele dava
gostosas gargalhadas. - Eu no quero essa porcaria.
Ela fez tudo errado! E 0 que pior: a encomenda pra fechar 0 seu centro. S que eu ajudo a tomar con-
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
71/367
tadas ruas por aqui e estou do seu lado! Meu trabalho defender a ordem e a disciplina para esta casa conti
nuar funcionando.
- mesmo?
- . Ela no sabe fazer nada. Baseou-se nu m livro
que comprou, da editora Eco, que traz umas receiti-
nhas toa. Alm do livro s trazer bobagens, mesmo
que ela soubesse como, podia fazer quantos despa
chos quisesse que no daria certo, pois ela no tem
ax, no tem fora espiritual nenhuma.
- E voc pode me explicar como que se faz, do
jeito cer to?
Prontamente o Tranca-Ruas das Almas se ps a
explicar cada detalhe do feitio, o que podia, o que no
podia e por qu. Alguns instantes depois, l estava eu
na porta da autora do despacho, que o exu havia me
indicado quem era, de frango em punho. Bati, bati in-
entemente para acordar os donos da casa e, assimque se abriu a porta, l estava ela.
- Est aqui! - arr emesse i o anim al nos peitos da
vizinha.
E sem dar tempo de ela reagir, continuei:
- Voc uma feiticeira de meia-tigela! Chamou
o Tranca-Ruas pra fechar o nosso centro, mas ele est
aqui a meu lado dizendo que voc no sabe fazer nada.
- Eu? Eu no fiz nada...
- Fez sim. Ele me disse que tirou tudo de um li-
7/26/2019 Os Espiritos em minha vida
72/367
vro que est ali na sua cmoda - e informei o ttulo
mulher. - No s ele no vai fechar o centro, como
trabalha a nosso favor. Est aqui falando que, se voc
quiser fazer certo, saiba que no se oferece a ele o
frango inteiro; s as pernas, asas e o pescoo, alm
das vsceras. 0 resto voc podia ter comido, sua besta!
Alm disso, no cerveja a bebida correta, mas sim
anis-estrelado com aguardente.Enquanto a mulher me olhava, atnita, ainda de
camisola, arrematei:
- E nunca mais se meta comigo nem
Top Related