Os pigmentos naturais utilizados em pintura
António João Cruz
Departamento de Arte, Arqueologia e Restauro, Instituto Politécnico de Tomar, Quinta do Contador, Estrada da Serra, 2300-313 Tomar, Portugal Centro de Química e Bioquímica, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Campo Grande, 1749-016 Lisboa, PortugalE-mail: [email protected]
Resumo
Desde há 30 mil anos que pigmentos naturais têm sido utilizados em
pintura, mas já nas mais antigas obras conhecidas foram usados
juntamente com pigmentos artificiais, tal como acontece
actualmente. De facto, ao contrário do que se poderia imaginar, a
história dos pigmentos não é uma história linear que começa com
materiais naturais e só tardiamente dá papel de relevo aos pigmentos
artificiais. De qualquer forma, os antigos tratados de pintura sugerem
que a origem natural ou artificial dos pigmentos não tem influenciado
a escolha dos materiais. Por outro lado, mostram que os critérios em
que assenta esta classificação têm variado ao longo do tempo.
Do conjunto de pigmentos naturais com importância na história da
pintura merecem destaque o azul ultramarino, o cinábrio, a azurite e
a malaquite, a terra verde e os ocres. O azul ultramarino (obtido do
precioso lápis-lazúli) e o cinábrio (sulfureto de mercúrio, de cor
vermelha) foram considerados materiais de luxo e de prestígio,
respectivamente, na Idade Média e na época romana, mas hoje não
são utilizados tendo sido substituídos, já há alguns séculos, por outros
pigmentos mais económicos. A azurite (carbonato básico de cobre, de
cor azul), a malaquite (composição semelhante, mas com cor verde) e
a terra verde (argilas) foram usadas com alguma frequência na
pintura mural e, no caso da primeira, na pintura a têmpera; o
desenvolvimento da pintura a óleo e as vicissitudes da história
política são algumas das razões que conduziram a uma perda da sua
importância e, no caso da azurite e da malaquite, ao seu abandono.
Os ocres (óxidos de ferro, de cor amarela, castanha ou vermelha) têm
sido uma constante da paleta dos artistas; tiveram particular
importância nos séculos XVII e XVIII quando contribuíram para que os
pintores se pudessem considerar criadores como Deus.
Introdução
Os pigmentos são os principais constituintes das tintas utilizadas
em pintura. São os materiais responsáveis pela cor que surgem
nas tintas sob a forma de pequenas partículas ligadas entre si
pelo aglutinante (óleo, ovo ou outro, conforme a técnica de
pintura). Actualmente, as tintas para artistas são geralmente
comercializadas prontas a usar, em tubos cuja invenção remonta
a cerca de 1840. Antes, eram vendidas em bexigas de porco.
Porém, a não ser nos séculos mais recentes, as tintas eram feitas
nos ateliers ou, talvez mais correctamente, nas oficinas dos
pintores, quer a partir dos pigmentos adquiridos em lojas de
materiais para artistas, boticas ou conventos, quer a partir dos
pigmentos preparados pelos próprios pintores e seus ajudantes.
Com efeito, durante muito tempo, sobretudo nos séculos XV, XVI
e XVII, são frequentes as pinturas ou gravuras que, representando
um pintor no seu trabalho, mostram os ajudantes a preparar as
tintas, moendo os pigmentos numa pedra com óleo ou água (1,
2). Além disso, em vários tratados de pintura medievais ou dos
séculos posteriores - de que o melhor exemplo é O Livro da Arte,
escrito pelo italiano Cennino Cennini cerca de 1390 - surgem
detalhadas instruções a esse respeito (3).
Embora num sentido lato a palavra pigmento designe um
qualquer material responsável pela cor, num sentido mais
restrito, aqui adoptado, apenas são considerados pigmentos os
materiais insolúveis usados na forma de pó muito fino
(tipicamente com partículas com diâmetro da ordem de 1 mm)
que, portanto, ficam em suspensão no aglutinante. De uma forma
geral, são materiais inorgânicos que têm a sua principal utilização
em tintas e, consequentemente, em pintura. Obviamente,
mantêm cor intensa nessa forma de pó. Distinguem-se dos
corantes, os quais, também tendo a função de dar cor, são
materiais solúveis, orgânicos, especialmente utilizados no
tingimento de têxteis. No entanto, alguns corantes igualmente
têm sido usados em pintura, mas na forma de laca, ou seja, um
material resultante da fixação de um corante à superfície das
partículas de um pigmento branco transparente (carbonato de
cálcio ou alumina, por exemplo) que, usado desta forma, é
designado por carga. Esta fixação é semelhante àquela que
ocorre nos tecidos. Tipicamente as lacas dão origem a camadas
de tinta transparentes (1, 4, 5).
É importante referir que estas designações são recentes:
independentemente do seu significado, o uso da
palavra pigmento apenas está documentado desde 1881 e o
de corante desde 1862 (6). O vocábulo francês pigment, com o
sentido de um dos materiais dos pintores, também é em 1881
que surge registado pela primeira vez (7). A palavra
inglesa pigment já era aplicada com esse significado em 1398 (8),
mas antes do século XX, quer em inglês quer noutros idiomas,
estes materiais geralmente eram designados por cores ou
respectiva tradução, como colours em inglês e couleurs em
francês. No entanto, estas denominações eram mais utilizadas
para a tinta do que para os constituintes responsáveis pela cor da
tinta, ou seja, os pigmentos. No entanto, também eram
empregues apenas para estes, como se vê na seguinte indicação
de Filipe Nunes, em 1615: «A Pintura à têmpera não se diferencia
da Pintura de óleo mais que em ser a cola, e em algumas cores
que se não usam a óleo, como é verde bexiga, e outro verde
escuro de Anil, e Jalde, e ainda o montanha» (9). Com o mesmo
significado se encontra no tratado escrito pelo espanhol Francisco
Pacheco, mestre e sogro de Vélazquez, em 1638, quando diz que
«as cores finas que agora se usam e moem misturadas com óleo
de linhaça ou de nozes, moíam-se com água» quando eram
usadas a têmpera (10). Em castelhano a palavra pigmento,
referida a material de artistas, só entra nos dicionários da Real
Academia Espanhola em 1985 (11), enquanto colores, com esse
sentido, surge logo no primeiro dicionário, em 1729 (12).
Obviamente, desta nomenclatura resulta alguma confusão entre
um material e uma das suas propriedades ópticas, sobretudo na
literatura mais antiga. Talvez por isso alguns autores reservam o
singular cor para a propriedade e o plural cores para o material.
Por exemplo, é o que faz Francisco de Assis Rodrigues no seu
dicionário dos termos utilizados nas artes, datado de 1875, de
onde obviamente está ausente o vocábulo pigmento. Depois do
verbete correspondente à palavra cor, significando a «impressão
que fazem sobre o órgão da vista os raios da luz reflectidos da
superfície dos corpos», surge a seguinte entrada: «CORES, s. f. do
lat. colores, (pint.) dá-se em pintura este nome às substâncias
colorantes, simples ou misturadas, de que se faz uso para colorir
os objectos» (13).
Pigmentos naturais e pigmentos artificiais
Os pigmentos utilizados em pintura podem ser classificados de
várias formas uma das quais corresponde à sua divisão entre
pigmentos naturais e pigmentos artificiais. Um pigmento é natural
se é obtido directamente da natureza, sendo apenas sujeito a
processos de purificação de natureza física que permitem separar
o material de que se aproveita a cor dos outros materiais a que
surge associado. Atendendo à composição inorgânica dos
pigmentos, é um material com origem mineral. Evidentemente,
um pigmento artificial é obtido através de reacções químicas,
quer a partir de materiais mais simples (pigmento sintético) quer
por decomposição de materiais mais complexos.
Na história da humanidade, o uso de produtos naturais
geralmente precedeu a utilização dos respectivos equivalentes
artificiais, como aconteceu, por exemplo, com os corantes. No
caso dos pigmentos não foi este o percurso, já que ao longo de
toda a história da pintura tem sido uma constante a utilização
simultânea de pigmentos naturais e pigmentos artificiais. Com
efeito, já nas mais antigas pinturas conhecidas - a da gruta de
Chauvet, com cerca de 30 mil anos -, a par dos ocres de origem
natural, foi usado - aliás em grande extensão - um pigmento
preto, constituído essencialmente por carbono, preparado por
calcinação de madeira, portanto através de uma reacção de
decomposição, o qual serviu precisamente para datar as pinturas
(14). Actualmente conhecido como negro de carvão, foi empregue
em muitas outras pinturas parietais pré-históricas tal como outro
pigmento preto obtido por um semelhante processo de calcinação
de ossos ou marfim, presentemente designado como negro de
osso ou negro de marfim (15-17). Além disso, há evidências que
sugerem que alguns ocres vermelhos usados nas pinturas pré-
históricas foram artificialmente preparados por calcinação de
ocres amarelos (18). Mas na Antiguidade também foram utilizados
pigmentos sintéticos obtidos através de processos bem mais
complexos do que a calcinação. O exemplo mais importante é
proporcionado pelo pigmento presentemente identificado como
azul egípcio - provavelmente o primeiro pigmento sintético -,
obtido por fusão de cobre, sílica e calcário, correspondente à
fórmula CaCuSi4O10. Já preparado no 3.º milénio a.C., foi o
principal pigmento azul do Egipto antigo e da civilização romana,
embora tenha caído em desuso a partir do século IX (19, 20). Em
contrapartida, há pigmentos naturais, como os mencionados
ocres, que actualmente continuam a ter grande utilização.
A história dos pigmentos, portanto, sugere que a distinção entre
pigmentos naturais e pigmentos artificiais não parece ter tido
grande relevância, pelo menos do ponto de vista prático. No
mesmo sentido parecem apontar os antigos tratados de pintura e
outros livros de natureza técnica, não só pelos pigmentos que
referem como pelas considerações que desenvolvem, ou não, a
seu respeito.
Em primeiro lugar, deve-se notar que são sempre referidos
pigmentos naturais e pigmentos artificiais.
Em segundo lugar, sucede que este tipo de literatura
geralmemente apenas pretende ensinar a preparar e usar os
pigmentos, portanto, sugerindo que são pouco relevantes as
questões de natureza menos prática. Como pergunta o teórico
renascentista Alberti, em 1435, «o que interessa ao pintor saber
como é que a cor é feita da mistura de raro e denso, ou quente e
seco, ou frio e molhado? [...] É suficiente para o pintor saber quais
são as cores e como devem ser usadas em pintura» (21).
Em terceiro lugar, quando é efectuada uma classificação dos
pigmentos, durante vários séculos ela frequentemente é feita,
antes de mais, com base em critérios de outra natureza. Por
exemplo, no século I, Plínio começa por dividir os pigmentos, a
partir do seu preço e do estatuto que por essa via adquirem, em
«cores austeras e cores opulentas», sendo estas «fornecidas ao
pintor pelo encomendante» (22). No século XVII, não é raro os
pigmentos serem separados em cores principais e cores
secundárias, ou em cores simples e cores compostas, ou noutras
categorias equivalentes, em qualquer um dos casos envolvendo
alguma confusão entre os materiais e as suas propriedades. Por
exemplo, cerca de 1656, um anónimo autor de um Tractado del
Arte de la Pintura, escrito em castelhano, diz: «As cores principais
com que se pintam todas as coisas da arte são sete: alvaiade -
ocre - almagre - ancorca - sombra - negro - espalto. As restantes
não são principais senão acidentais e para meias-tintas e
variedades de adornos» (23). Com sentido semelhante, o pintor
Pierre Lebrun escreve em 1635: «A paleta do pintor é a mãe de
todas as cores, pois da mistura de três ou quatro cores mestras o
seu pincel faz nascer e como que florir todas as outras cores»
(24). Deve-se notar que simultaneamente surgem materiais
naturais e materiais artificiais quer na lista de cores principais do
autor espanhol quer no conjunto das cores mestras de Lebrun.
Em quarto lugar, podem-se referir vários outros indícios de não
valorização dos pigmentos naturais. Por exemplo, diz Vitrúvio, no
século I a.C.: «O branco de chumbo, se for queimado num forno,
muda a sua cor por acção do fogo e dá origem a mínio
[sandaraca] [...] que é de muito melhor qualidade que o mineral
que se obtém nas minas» (25). Ainda que hoje se saiba que este
mineral não é o pigmento a que actualmente chamamos mínio,
mas sim o realgar, e, portanto, a comparação feita envolve dois
materiais diferentes, não era assim que Vitrúvio via a situação e
ao comparar dois pigmentos que julgava serem o mesmo,
claramente preferia a variedade artificial. De forma semelhante,
em 1724, o espanhol Antonio Palomino acha que entre o cinábrio
e o vermelhão, que são as variedades natural e sintética de um
mesmo pigmento, geralmente é «mais formoso o artificial» (26).
Ainda nesta perspectiva da não valorização dos materiais
naturais, pode-se referir o seguinte caso ocorrido em meados do
século XX: para as suas falsificações de pinturas holandesas do
século XVII, o pintor Han van Meegeren teve o cuidado de utilizar
azul ultramarino natural, como era usual no século XVII, e não a
variedade sintética que era habitualmente utilizada na sua época;
porém, verificou-se que o fornecedor do azul ultramarino,
certamente com o objectivo de melhorar a cor do material
natural, tinha-lhe adicionado um pouco de azul de cobalto, um
pigmento sintético que surgiu em 1802 e, portanto, sem querer,
proporcionou um importante argumento a respeito da não
autenticidade das tais pinturas (27).
Nesta literatura antiga, porém, também se encontram exemplos
de utilização da origem dos pigmentos como primeiro critério
para a sua classificação e de valorização dos materiais naturais.
Assim, no século I a.C., Vitrúvio começa por dizer das cores que
«algumas formam-se, elas próprias, em determinados locais, de
onde se obtêm por mineração, mas outras são obtidas
artificialmente a partir de outras substâncias sujeitas a certos
tratamentos e misturas» (25). Em finais do século XIV, Cennino
Cennini inicia o assunto dizendo: «Deves saber que há sete cores
naturais» (3). Em 1587, diz Giovanni Batista Armeinini: «Creio que
é sabido, mesmo pelos pintores mais indiferentes, que todas as
cores usadas em pintura devem ser de dois tipos,
designadamente natural, também chamado mineral, e artificial»
(28). Século e meio depois, Palomino diz: «Voltando pois às cores
que são úteis e necessárias para pintar a óleo, umas são minerais
e outras artificiais» (26). Em 1757, Antoine-Joseph Pernety
começa por se referir às cores dos artistas nos seguintes termos:
«As naturais são aquelas que a natureza nos fornece tal e qual
são empregues, simples ou compostas; as artificiais são aquelas
que a arte forma através do fogo ou de qualquer outro agente por
combinação de vários ingredientes ou pela transformação que
esses agentes produzem sobre uma única e mesma matéria»
(29). Portanto, também não se trata de uma questão desprovida
de importância, pelo menos do ponto de vista teórico.
A classificação dos pigmentos em naturais e artificiais,
independentemente da importância atribuída a esta distinção, por
vezes envolve discrepâncias em relação à perspectiva actual, as
quais resultam quer de diferenças ao nível dos conceitos - que
não são de estranhar antes do desenvolvimento da química que
ocorre em finais do século XVIII - quer do desconhecimento da
real origem dos materiais. Por exemplo, Vitrúvio coloca os
corantes utilizados nalgumas lacas entre as cores artificiais (25)
tal como Plínio insere nesse conjunto o ocre amarelo, que designa
por ochra (22). Cennini, depois de referir que há sete cores
naturais, corrige que só quatro têm verdadeiramente essa
origem, pois as outras três «devem ser ajudadas artificialmente».
Entre estas conta-se ogiallorino, muito provavelmente o amarelo
de chumbo e estanho, um material sintético, sobre o qual diz: «E
julgo que esta cor é uma pedra nascida em lugares montanhosos
de grande aridez, mas digo-te que é uma cor artificial, ainda que
não de alquimia». As suas confusões a respeito do que é, ou não,
natural manifestam-se também no conceito de meio natural que
utiliza a propósito de outro pigmento: «Há uma cor verde que é
meio natural, pois faz-se artificialmente, pois faz-se de azurite
[azurro della Magnia], e esta cor chama-se malaquite [verde
azurro]» (3). Neste caso talvez a sua confusão se possa explicar
pelo facto de a malaquite surgir associada à azurite e, por outro
lado, em determinadas circunstâncias, esta se transformar em
malaquite. Em relação ao giallorino, Thompson explica a situação
notando que, segundo a interpretação que faz do texto de
Cennini, o pigmento era recolhido na natureza, mas tinha origem
em vulcões e, portanto, era sujeito a tratamentos pelo fogo
semelhantes aos de alguns pigmentos realmente artificiais (30).
Principais pigmentos naturais
Têm sido muitos os pigmentos naturais utilizados nos últimos 30
mil anos, mas somente um número reduzido tem tido grande
importância, seja em resultado do seu uso, seja devido ao seu
valor. O azul ultramarino, o cinábrio, a azurite e a malaquite, a
terra verde e os ocres constituem, talvez, os melhores exemplos,
ainda que por razões diferentes.
Azul ultramarino
O azul ultramarino é, em certo sentido, o mais importante dos
pigmentos. «Cor nobre e bela, a mais perfeita de todas as cores,
da qual nada se pode dizer ou fazer que a sua qualidade não
ultrapasse» - diz Cennini (3). Tem origem no lápis-lazúli, uma
pedra semi-preciosa, que durante muitos séculos provinha quase
exclusivamente de uma certa região do actual Afeganistão - daí o
seu nome, ultramarino, porque vinha do outro lado do mar. Marco
Pólo no seu livro de viagens, escrito cerca de 1298, refere-se às
montanhas de onde vinha o azul ultramarino, que ele apenas vê
ao longe: «Em um monte desta província se acha pedra de azul,
da qual fazem azul fino que é o melhor que se acha no mundo, e
se acha em minas como ferro, e ainda acham prata em aquelas
minas» (31). Ainda hoje o acesso a essa região é extremamente
difícil (32).
Muitos dos pigmentos naturais podem ser obtidos apenas por
simples trituração dos respectivos minerais, mas isso não sucede
com o azul ultramarino. O lápis-lazúli é uma rocha constituída por
vários minerais, dos quais apenas a lazurite, correspondente à
fórmula química (Na,Ca)8[(SO4, S,Cl)2|(AlSiO4)6], tem cor azul. Se
este não for separado dos outros minerais, nomeadamente a
calcite (de cor branca) e a pirite (de cor amarela), obtém-se um
pigmento de cor acinzentada e não com a tão apreciada cor azul.
O processo de separação é muito mais complexo do que o
empregue no caso dos outros pigmentos e só foi descoberto cerca
de 1200, razão pela qual os pigmentos obtidos a partir do lápis-
lazúli foram pouco utilizados em pintura antes dessa data (20,
33).
O processo de preparação do azul ultramarino é minuciosamente
descrito por Cennino Cennini: «Tritura-a [a pedra] num almofariz
de bronze tapado para que não te escape o pó. Depois coloca-a
sobre a pedra de pórfiro e mói-a sem água. Depois passa-a por
uma peneira tapada como os boticários fazem às suas drogas [...].
Quando este pó estiver pronto, compra a um boticário seis onças
de resina de pinheiro, três onças de mástique e três onças de
cera nova por cada libra de lápis-lazúli. Num recipiente novo,
mistura bem todas estas coisas. Depois toma um pano de linho e
coloca isto numa taça vidrada. Depois toma uma libra do dito pó
de lápis-lazúli, mistura-o bem e faz com ele uma pasta com todas
as coisas bem incorporadas. E para poderes trabalhar esta pasta
toma óleo de sementes de linho e mantém as tuas mãos bem
untadas com este óleo. Deves deixar repousar esta pasta pelo
menos três dias e três noites, trabalhando-a um pouco todos os
dias. [...] Quando fores extrair o azul, fá-lo da seguinte maneira:
faz dois bastões de uma vara forte, nem muito grossa nem muito
fina, cada um com um pé de comprimento, de forma que fiquem
arredondados nas extremidades e bem polidos. E depois coloca a
pasta na taça vidrada, onde estava, e junta uma tigela de lixívia
[=solução com os extractos de cinzas] moderadamente quente e
com os bastões, um em cada mão, revolve e amassa a mistura
como se fosse massa de pão, exactamente deste modo. Quando a
lixívia estiver bem azul, despeja-a para uma tigela vidrada. [...]
Mexe a lixívia com a tua mão e verás que o azul, devido ao seu
peso, irá ao fundo; e assim conhecerás os extractos do dito azul»
(3).
A origem remota, o laborioso processo de preparação e a cor
apreciada, intensa e estável facilmente explicam o elevado preço
que o azul ultramarino adquire na Idade Média e o estatuto de
material precioso que consequentemente alcança. Vários factos
dão conta deste elevado valor do pigmento, quer monetário quer
simbólico. Antes de mais, há as referências que se encontram nos
tratados. Por exemplo, o português Filipe Nunes diz claramente
em 1615: «O azul Ultramarino, como é tão caro não se usa muito,
e portanto se não sabe o uso dele tão facilmente» (9). Pouco
depois, o espanhol Francisco Pacheco diz a mesma coisa, ou seja,
«que nem se usa em Espanha nem têm os pintores espanhóis
capital para o usar» (10). Por outro lado, há vários contratos
relativos a encomendas de pinturas que obrigam os pintores a
usar azul ultramarino na obra em causa e outros que estabelecem
que o pigmento é pago à parte ou é fornecido directamente pelo
encomendante (34, 35). Este tipo de cláusulas geralmente apenas
envolve o azul ultramarino e o ouro - o que dá conta da
equivalência entre os dois materiais no que respeita ao seu custo.
Finalmente, há pequenos factos avulsos, de natureza vária, como,
por exemplo, a história contada por Vasari, em 1568, a respeito
de uma pintura encomendada pelo prior de um convento
florentino a Pietro Vannucci, chamado Perugino, cerca de 1500:
«Segundo ouvi contar, o prior era muito bom a preparar o azul
ultramarino e, como o tinha em grande abundância, pretendia
que Pietro o utilizasse generosamente em todas as obras; mas
era tão avarento e desconfiado que, não confiando em Pietro,
queria estar sempre presente quando este utilizasse a cor. Pietro,
que por natureza era íntegro e honesto e dos outros só desejava o
que lhe era devido pelo seu trabalho, levou a mal a desconfiança
do prior e pensou em envergonhá-lo. E, assim, pegou uma
pequena bacia com água e sempre que pintava tecidos ou outros
motivos com azul e branco dirigia-se ao prior que,
miseravelmente, pegava no saco e colocava ultramarino no pote
onde estava água para o destemperar; começando o seu
trabalho, Pietro lavava o pincel na bacia com água após cada
duas pinceladas de forma que ficava mais ultramarino na água do
que na pintura. E o prior, que via o saco esvaziar e a pintura sem
tomar forma, repetidamente dizia: "Oh! Quanto ultramarino leva
esta argamassa". "Pode ver", respondia Pietro. Depois de o prior
sair, Pietro recolhia o ultramarino que estava no fundo da bacia; e
quando lhe pareceu oportuno, disse ao prior: "Padre, isto é seu;
aprendei a confiar num homem de bem que não engana quem
confia nele, mas que, se quiser, sabe muito bem como enganar
homens desconfiados como vós"» (36).
Devido ao facto de o lápis-lazúli chegar à Europa pelos portos
italianos, particularmente o de Veneza, o azul ultramarino era
com frequência e abundância usado em Itália nas pinturas mais
importantes ou grandiosas. Porém, não eram inexistentes as
situações de escassez do pigmento, como a que esteve envolvido
Miguel Ângelo: provavelmente deixou uma pintura inacabada,
a Deposição no Túmulo, actualmente na National Gallery,
Londres, por causa da demora em receber a quantidade de azul
ultramarino necessária para a representação da Virgem Maria que
devia figurar na obra (37). Fora de Itália era usado com mais
parcimónia. Filipe Nunes refere que «quem o quiser usar há-de
lavrar primeiro as roupas, ou o que quiser com azuis de Castela
ou Cinzas e depois de enxuto há-de lavrar por cima o Ultramarino,
que como é muito delgado se se usa só não cobre bem, porque
não tem corpo» (9), ou seja: devia ser aplicado numa fina camada
superficial, apenas para dar a sua tonalidade característica, sobre
uma camada de azurite, muito mais económica. Deste
procedimento encontram-se vários exemplos na pintura flamenga
do século XV, o qual também vem a ser empregue em Itália (33,
38).
O elevado valor do azul ultramarino tornou-o num pigmento
especialmente utilizado nos motivos mais importantes das
pinturas como, por exemplo, o manto da Virgem Maria. Aliás,
provavelmente sucede que na Idade Média esse manto passou a
ser pintado de azul, em vez de vermelho ou branco, precisamente
porque essa era a cor do pigmento mais precioso (39).
Os séculos XIV a XVII correspondem ao período em que teve
maior importância (40). O aparecimento de outros pigmentos
azuis, sintéticos, muito mais económicos, especialmente o azul da
Prússia (sintetizado pela 1.ª vez entre 1704 e 1707), o azul de
cobalto (1802) e, finalmente, o azul ultramarino sintético (1828),
este último em resultado de um concurso criado em França com
um elevado prémio, e, por outro lado, a perda da carga simbólica
dos materiais, que é iniciada com a adopção da pintura a óleo,
levam à sua gradual substituição e desaparecimento quase total
das paletas dos pintores (1, 33).
Cinábrio
O cinábrio, quimicamente um sulfureto de mercúrio (HgS), é um
pigmento com uma história semelhante à do azul ultramarino,
pois já foi um pigmento com um estatuto de luxo e actualmente é
a sua variedade sintética, designada por vermelhão, que é
utilizada.
Foi na Antiguidade, designadamente no período romano, que teve
maior uso - sobretudo em pintura mural - e prestígio. Vitrúvio
conta o caso do «escriba Faberius que queria ter a sua habitação
no Aventino decorada com elegância e [por isso] fez pintar com
cinábrio [minium] todas as paredes do peristilo» (25). Sendo este
escriba o secretário de César, junto de quem tinha grande
influência, este episódio - que acabou mal porque o cinábrio, ao
contrário do que é comum, escureceu muito rapidamente - dá
uma ideia do valor que então estava associado ao pigmento. De
acordo com Plínio, «a mais famosa mina de cinábrio que abastece
o povo Romano é a de Sisapo, na Bética. Nada é guardado mais
rigorosamente. Não é permitida a purificação do minério no local,
mas duas mil libras por ano são levadas para Roma e em Roma é
feita a purificação. O preço de venda está fixado por lei, para que
não vá além de LXX sestércios por libra. Mas é adulterado de
muitas formas, do que resultam grandes proveitos para a
sociedade que o produz» (22).
O processo de preparação era simples. Segundo Vitrúvio,
«quando o minério está seco, é moído com pilões de ferro e,
através de sucessivas lavagens e aquecimentos, são removidas
as impurezas e é obtida a cor» (25).
A síntese do vermelhão, a partir de enxofre e mercúrio, já era
conhecida no século VIII e a partir dessa ocasião o cinábrio
rapidamente é substituído pela variedade artificial (41).
Azurite e malaquite
A azurite e a malaquite, respectivamente com cor azul e cor
verde, são dois pigmentos muito semelhantes, quer nas
propriedades quer na utilização, em virtude de a sua composição
química ser idêntica: são carbonatos básicos de cobre que se
distinguem pela diferente proporção entre os iões carbonato e os
iões hidróxido, já que à azurite corresponde a fórmula
2CuCO3·Cu(OH)2 e à malaquite a fórmula CuCO3·Cu(OH)2 (42, 43).
Nas fontes escritas romanas, a azurite era designada
por Armenium, em virtude de provir sobretudo da Arménia, e a
malaquite, oriunda sobretudo da Macedónia, era conhecida
como chrysocolla (22, 25). De acordo com Plínio, eram duas das
seis «cores opulentas - fornecidas ao pintor pelo encomendante
-», entre as quais também se contava o cinábrio (22). No entanto,
ou talvez por isso, estes dois pigmentos parece terem sido pouco
utilizados nessa época (44, 45).
A malaquite, de uma forma geral, sempre foi pouco usada no
Ocidente, mas a azurite foi um dos principais pigmentos azuis
medievais e, quando misturada com um pigmento ou corante de
cor amarela, também foi utilizada em motivos de cor verde (40).
Geralmente os dois pigmentos eram obtidos em minas de cobre e
prata. Segundo Biringuccio, em 1540, a azurite «resulta dos
fumos dos minerais de prata» e a malaquite «é a exalação dos
minerais de cobre que têm uma mistura de prata» (46). Cennini
diz do pigmento azul que «há muito na Alemanha e em Siena» (3)
e, certamente por isso, a azurite era frequentemente designada
por azul da Alemanha. No entanto, a Hungria vem a tornar-se a
principal fonte dos dois pigmentos, como é evidenciada na
seguinte nota de João Pacheco, de 1738, a respeito da malaquite:
«Verde montanha, que é um verde azulado, mais delgado que o
Verde terra. Cria-se nos montes de Hungria, a modos de grãos de
areia» (47). A mesma origem se refere Diogo de Carvalho e
Sampayo, em 1787, quando se refere ao verde montanha: «se faz
de uma certa areia fina, que se tira das montanhas de Hungria, e
Moldávia» (48). A ocupação da Hungria pelos turcos nos séculos
XVI e XVII, que veio dificultar o comércio com o Ocidente e,
portanto, a causar a escassez dos dois minerais, contribuiu
significativamente para o abandono da azurite e da malaquite em
finais do século XVII (1, 42).
No entanto, as propriedades dos dois pigmentos e o aparecimento
de novos azuis, como o já mencionado azul da Prússia, também
tiveram a sua quota de responsabilidade nesse abandono. Com
efeito, a azurite e a malaquite distinguem-se da generalidade dos
outros pigmentos pelo facto de terem cor pouco intensa que,
além disso, diminui significativamente com o decréscimo do
tamanho das partículas. Por isso, devem ser usados com uma
granulometria relativamente grosseira, o que origina uma tinta
com textura pouco agradável (49). Deste problema dá conta
Cennini a propósito da malaquite: «Esta cor é grosseira por
natureza e parece areia fina. Para o bem desta cor trabalha-a
muito, muito pouco, só levemente, pois se a moeres demasiado
torna-se numa cor desbotada e cinzenta» (3). Além disso, os dois
pigmentos podem-se alterar com alguma facilidade, dizendo
Palomino que «o azul fino e o azul verde degeneram de sorte que
um e outro vêm a originar um mau verde» (26). Acresce ainda
que a azurite e a malaquite são relativamente transparentes - o
que é mais significativo na pintura a óleo do que na pintura a
têmpera -, sendo pouco adequados a certas técnicas de pintura
(49).
Terra verde
A terra verde é a designação aplicada a um conjunto de
pigmentos que devem a sua cor a minerais argilosos de cor verde
como a celadonite, a glauconite e a clorite. Quimicamente,
corresponde-lhe uma fórmula do tipo K[(Al,FeIII),(FeII,Mg)]
(AlSi3,Si4)O10(OH)2 e geralmente tem uma cor pouco saturada (18,
50). Segundo Vitrúvio, «a terra verde [creta viridis] surge em
muitos locais, mas a melhor é a de Esmirna; os gregos chamam-
lhe theodoteion porque Theodotus era o nome do dono da
propriedade onde pela primeira vez foi encontrada esta terra» .
Provavelmente teve na época Romana a sua maior utilização, pois
é um pigmento especialmente adequado à pintura mural, devido
à sua grande estabilidade química e tonalidade (49, 51). Na Idade
Média foi bastante usada na pintura a têmpera, sobretudo numa
camada subjacente à camada de carnação (50). Cennini descreve
essa utilização da seguinte forma: «pega num pouco de terra
verde e num pouco de branco de chumbo, bem misturados; aplica
duas camadas por baixo da face, por baixo das mãos, por baixo
dos pés e por baixo das zonas de carnação»; ao aplicar as
camadas de cor rosada, «tem em mente que na pintura sobre
madeira têm que ser aplicadas mais camadas do que na pintura
mural; mas não muitas mais, de forma a que não deixe de ser
visível um pouco do verde que já está sob as zonas de carnação»
(3). Designada também por verdacho e terra de Verona, como
acontece, por exemplo, nos tratados de Filipe Nunes (9) e
Palomino (26), respectivamente, a terra verde tornou a ser
bastante frequente nas camadas superficiais das pinturas dos
séculos XVII e XVIII, mas as mudanças de gosto e o aparecimento
de novos pigmentos verdes vieram originar uma significativa
diminuição do seu uso após essa época (40).
Actualmente, a terra verde tem uma importância muito reduzida,
ainda que continue a fazer parte das paletas dos pintores.
Ocres e outras terras
Não obstante a terra verde, a maior parte das terras têm cores
que vão do amarelo ao vermelho, passando pelo castanho, e, sob
o nome de ocres, têm sido utilizadas em pintura desde as mais
antigas pinturas pré-históricas - onde, frequentemente, são os
pigmentos mais abundantes. Estes pigmentos correspondem
essencialmente a materiais de natureza argilosa cuja cor é devida
a alguns minerais de ferro, nomeadamente a goetite (α-FeO(OH),
o principal constituinte do ocre amarelo) e a hematite (Fe2O3, o
responsável pela cor do ocre vermelho). A cor do ocre castanho
geralmente é devida a uma mistura de goetite com hematite, em
que aquela é predominante, salvo na terra de Úmbria, ou terra de
sombra, que também contém dióxido de manganês (MnO2). À
semelhança da terra verde, estes pigmentos são quimicamente
muito estáveis e podem ser usados em qualquer técnica de
pintura, quer na sua forma natural quer na sua forma calcinada (a
que, em princípio, corresponde uma cor mais avermelhada devido
à transformação da goetite em hematite em consequência do
aquecimento) (1, 18).
Os ocres utilizados em pintura têm sido obtidos em muitos locais,
mas os ocres amarelos e castanhos de origem italiana, entre os
quais a terra de Siena, têm sido especialmente apreciados.
Vitrúvio já se refere a essa origem quando diz: «O ocre amarelo
[sil] é encontrado em muitos locais, como em Itália; mas o
melhor, o ático, já não há agora» (25). Entre os ocres de cor
vermelha era especialmente conhecido o de Sinope, na Ásia
Menor, que em português ficou conhecido pelo nome de sinopla
ou variantes (6), o qual, além do uso geral comum a qualquer
pigmento, foi especialmente empregue na realização do desenho
subjacente das pinturas a fresco. O mesmo Vitrúvio menciona-o
quando refere que «o ocre vermelho [rubrica] também se acha
com abundância em muitos locais, mas o bom é raro e encontra-
se apenas em Sinope (Ponto), e no Egipto, nas Baleares (Hispânia)
e não menos em Lemnos, ilha cujas receitas foram atribuídas aos
atenienses pelo Senado e pelo Povo Romano» (25).
Há algumas referências a ocres de origem portuguesa utilizados
em pintura. Uma é a do português Filipe Nunes à sombra de
Sintra (9). Outra é a do espanhol Francisco Pacheco: «O ocre claro
ou escuro deve ter muito corpo, como o de Flandres e de
Portugal» (10).
Como já foi referido, os ocres têm sido abundantemente
empregues nas pinturas de todas as épocas. No entanto, talvez se
possa destacar o seu uso na pintura mural romana e medieval e,
sobretudo, na pintura de cavalete dos séculos XVII e XVIII. Nesta,
além da cor predominante de muitas obras se dever aos ocres,
especialmente ao ocre castanho, sucede que frequentemente o
seu uso não se limita às camadas de tinta visíveis à superfície,
mas começa na camada de preparação aplicada sobre o suporte
de tela ou madeira. Com efeito, o recurso a preparações coradas
é uma das características da pintura dos séculos XVII e XVIII - por
oposição às preparações de cor branca preferencialmente usadas
quer antes quer depois - e os ocres amarelos, castanhos ou
vermelhos geralmente são os seus constituintes principais (52).
É interessante notar-se que decorriam então vários movimentos
que tinham como objectivo mover a pintura e os pintores do
universo dos ofícios mecânicos, como acontecia na Idade Média,
para uma situação social de maior prestígio e liberdade (53).
Neste contexto é frequente argumentar-se que os pintores mais
não fazem do que imitar Deus, como sucede no seguinte trecho
escrito pelo português Félix da Costa em 1696: «Para relatar a
excelência da Pintura, é conveniente dar notícia de seu princípio,
e antiguidade. Seu primeiro Autor foi Deus nosso Senhor em a
criação do primeiro homem [...]. Imitador é o Pintor da
Omnipotência Divina, pois quando pinta o corpo humano, lhe
forma corpo, e infunde viveza; se bem o pinta mudo: dando-lhe
alma em suas acções. Pelo sangue, a mescla do vermelho, em a
cor da carne; pela cólera, a mescla do pálido; pela fleuma, a
mescla do branco; pela melancolia, o denegrido das sombras;
compondo estas quatro cores, a cor da carne, e a viveza do
objecto; sendo uma matéria terrestre, assentada com o saber da
Arte, que lhe inspira a vida. [...] Formou Deus nosso Senhor ao
homem do lodo da terra, e lhe inspirou em seu rosto o alento de
vida, e ficou feito o homem com alma vivente. Com cores
terrenas imita o Pintor a seu Criador: as mais das cores são terras
e ainda as compostas da terra trazem seu princípio com os quais
se forma o corpo pintado; imitando com a ciência da Arte um
corpo relevado em uma superfície plana: da superfície da terra
tirou também a matéria com que formou Adão; as Cores, é a
matéria, a ciência, e o poder da Arte, é que lhe infunde a vida»
(54). Mais do que nunca, a pintura desta época ilustra essa
comparação, já que à semelhança de Deus, que fez com a terra o
homem e sobre a terra o colocou juntamente com os outros seres,
sobre as terras (ocres) da preparação e com as terras (ocres) das
tintas fazem os pintores surgir toda a vida que sai dos seus
pincéis.
Referências
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As cores dos artistas
História e ciência dos pigmentos utilizados em pintura
António João Cruz
Departamento de Química e BíoquímicaFaculdade de Ciências de Lisboa1749-016 [email protected]
Embora sejam inúmeros os materiais com cor, poucos são
aqueles que têm sido utilizados em pintura por causa desta
propriedade - pois é relativamente limitado o número dos que são
acessíveis e mantêm uma cor intensa e estável, especialmente
quando reduzidos à forma de pó (figura C1). Além disso, para que
estes materiais se tornem interessantes aos olhos dos pintores, as
tintas resultantes da sua mistura com um aglutinante, como o
óleo, que liga essas pequenas partículas entre si e as fixa ao
suporte da pintura, devem exibir outras caraíterísticas,
designadamente relacionadas com o tom e a opacidade, que
estejam de acordo com algumas exigências que dependem da
técnica de pintura, da época, do contexto sócio-cultural e,
naturalmente, do pintor.
1. História ^
1.1. Antiguidade^
Desde as primeiras utilizações documentadas, os materiais
responsáveis pela cor de uma pintura correspondem sobretudo a
materiais inorgânicos e insolúveis no aglutinante, isto é,
pigmentos, embora ao longo da história também tenham sido
usados materiais orgânicos mais especificamente designados
como corantes - os quais, contudo, têm no tingimento dos têxteis
a sua principal utilização.
Nas pinturas pré-históricas, como as da gruta de Chauvet-Pont-
d'Arc (algumas com cerca de 30 mil anos) ou as da gruta de
Lascaux (com cerca de 17 mil anos), foram usados pigmentos
minerais relativamente comuns, como a hematite (Fe2O3, o
principal constituinte do pigmento actualmente designado como
ocre vermelho) e a goetite (α-FeO(OH), correspondente ao ocre
amarelo), mas foram igualmente utilizados pigmentos de carbono
preparados pelo homem pré-histórico através da calcinação de
madeiras (C, equivalente ao actual negro de carvão) ou, menos
frequentemente, de ossos (C+Ca3(PO4)2, negro de osso ou negro
de marfim). Ainda que também tenham sido identificados outros
pigmentos em pinturas parietais pré-históricas, designadamente
pirolusite (MnO2, negro de manganês) e argilas (aluminosilicatos),
de facto, os mais importantes parece terem sido os ocres
vermelho e amarelo, entre os naturais, e o negro de carvão, entre
os artificiais - de acordo com as designações actualmente usadas
nos materiais para artistas.
Foi no Egipto antigo, no 3.º milénio a.C., que surgiu o primeiro
pigmento sintético, isto é preparado a partir de materiais mais
simples, já que o negro de carvão, usado há mais tempo, era
obtido a partir de materiais mais complexos. No século I a.C.,
Vitrúvio descreveu-o nos seguintes termos emSobre a
Arquitectura ou Os Dez Livros de Arquitectura: "A preparação do
azul egípcio foi inicialmente inventada em Alexandria e mais
tarde Vestório deu início à sua preparação em Puzzuoli. A
invenção é admirável, vistas as substâncias a partir das quais é
preparado. Areia e flores de natrão são moídas juntamente até
ficarem tão finas como farinha; adiciona-se limalha de cobre de
Chipre feita com limas grossas e rega-se tudo com um pouco de
água para fazer uma pasta com a qual se moldam várias bolas
com as mãos, que se deixam secar; depois de secas, colocam-se
estas bolas num pote e o pote no forno: o cobre e a areia, devido
à veemência do fogo, dão e recebem os suores libertados ao
serem aquecidos e perdem as suas propriedades devido à
veemência do fogo e originam a cor azul" (livro VII, cap. XI)1.
O azul egípcio (CaCuSi4O10) foi o pigmento azul mais usado no
ocidente durante o período romano (com o nome de caeruleum
aegyptium). De acordo com as fontes escritas da época,
designadamente o citado tratado de Vitrúvio, e a História Natural,
escrita por Plínio, o Velho, no século I d.C., há cerca de dois mil
anos também foram utilizados os seguintes pigmentos, entre
outros: azurite (2CuCO3·Cu(OH)2, caeruleum
cyprium ou armenium) e azul ultramarino (aproximadamente
(Na,Ca)8[(SO4,S,Cl)2|(AlSiO4)6], caeruleum scythicum, figura C2),
entre os azuis; terra verde (minerais argilosos, creta
viridis ou appianum), malaquite
(CuCO3·Cu(OH)2, chrysocolla ou armenium) e verdigris, isto é
verde da Grécia, ou verdete
(Cu(CH3COO)2·2Cu(OH)2, aeruca ou aerugo), entre os verdes;
cinábrio (HgS, minium ou cinnabaris, figura C2), ocre vermelho
(rubricaou sinopis), vermelho de chumbo ou mínio
(Pb3O4, sandaraca, secondarium minium, usta, cerussa
usta, purpurea ou syricum) e realgar (As4S4, sandaraca), entre os
vermelhos; ocre amarelo (sil ou ochra), auripigmento
(As2S3,auripigmentum), massicote (PbO, usta) e litargírio
(PbO+Pb3O4, spuma argenti), entre os amarelos; paretónio
(CaCO3, paraetonium), cré (CaCO3, creta) e branco de chumbo
(2PbCO3·Pb(OH)2, cerussa), entre os brancos; e negro de carvão,
negro de fumo (C, atramentum) e negro de marfim
(elephantinum), entre os pretos.
Muitos destes pigmentos eram minerais recolhidos em diversos
locais, nomeadamente os ocres (era da Ática o melhor de cor
amarela, dizia Vitrúvio, e de Sinope, no Egipto, das ilhas Baleares
e de Lemnos, na Grécia, o de cor vermelha), o auripigmento e o
realgar (de Pontus, na Anatólia), o cinábrio (incialmente de Éfeso,
aliás Selçuk, na Turquia, e depois de Espanha), a azurite (da
Arménia), a malaquite (da Macedónia), o azul ultramarino (de
Badakshan, no Afeganistão), a terra verde (a melhor era de
Esmirna, na Turquia, afirmava Vitrúvio), a aragonite (proveniente
do Egipto, de Creta ou de Cyrenae, na Líbia, de acordo coí Plínio)
e o cré (de Esmirna, segundo Vitrúvio).
Outros, porém, eram preparados artificialmente. Assim sucedia
com os compostos de chumbo (massicote, litargírio e vermelho e
branco de chumbo) e com os compostos de cobre (azuí egípcio
e verdigris), obtidos ou por ataque dos metais ou por calcinação
ou fusão de outras substâncias. Origem artificial tinham também
os pigmentos resultantes da combustão de materiais de origem
vegetal ou animal (negros de uva, de fumo e de marfim,
preparados, respectivamente a partir de borras de vinho, resina e
ossos). A tecnologia utilizada, no entanto, era relativamente
rudimentar, como é ilustrado pelo azul egípcio. Um outro
exemplo, ainda mais simples, é proporcionado pelo branco de
chumbo: segundo Vitrúvio, "em Rodes colocam sarmentos no
fundo de uma vasilha de barro, onde deitam vinagre, e sobre os
sarmentos colocam pedaços de chumbo; as vasilhas são bem
fechadas para impedir a evaporação. Ao fim de certo tempo
abrem-se e os pedaços de chumbo estão transformados em
branco de chumbo" (livro VII, cap. XII). Este processo, que, no
essencial, continuou a ser utilizado durante muitos séculos, servia
também para preparar o verdigris ou verdete a partir de cobre.
Sobre o vermelho de chumbo, dizia Plínio que tinha sido
descoberto por acidente quando potes com branco de chumbo
tinham estado expostos a um incêndio em Pireu, na Grécia (livro
XXXV, 38). Embora, provavelmente, esta história não tenha
qualquer fundamento, dá conta, porém, do tipo de ambiente em
que foram inventados ou descobertos muitos dos pigmentos
tradicionais.
Os pigmentos referidos, obviamente, não eram utilizados com a
mesma frequência. Plínio referia que os grandes pintores do
passado, como o celebérrimo Apeles, usavam apenas quatro,
respectivamente melino (caulinite,melinum), de cor branca, ocre
amarelo da Ática, ocre vermelho de Sinope e negro de fumo. Mas
na sua época, dizia, a paleta e as paredes começavam a ter mais
cores, especialmente as que resultavam de pigmentos com
elevado valor (livro XXXV, 50). Entre estes destacava-se o
cinábrio (figura C2), de intensa cor vermelha, que uma mina na
Bética, segundo Plínio guardada como mais nenhum outro local,
fornecia para todo o Império através de Roma (livro XXXIII, 118).
Além do cinábrio, Plínio também incluía a azurite e a malaquite
entre os pigmentos que, pelo seu elevado preço, eram fornecidos
aos pintores pelos autores das encomendas, a par de dois
corantes (índigo e púrpura) e uma resina (sangue de dragão)
(livro XXXV, 30). O quadro 1 apresenta mais alguns dados a este
respeito.
Quadro 1Preço dos pigmentos segundo Plínio. Havendo várias qualidades do mesmo pigmento, o quadro regista apenas o valor mais elevado. As referências
remetem para o local daHistória Natural onde se encontra a menção.
PigmentoPreço*(Denários / libra)
Referência
Aragonite (paraetonium) 8.33 XXXV, 36Margas (melinum) 0.25 XXXV, 37Ocre amarelo da Ática (sil atticum) 2 XXXIII, 158Cinábrio (cinnabaris) 17.5 XXXIII, 118Ocre vermelho (sinopis) 2 XXXV, 31Mínio asiático (usta) 6 XXXV, 38Mínio (realgar adulterado) (sandaraca) 0.31 XXXV, 39Sandyx (ocre vermelho+mínio) 0.16 XXXV, 40Púrpura (purpurissum) 30 XXXV, 45Azurite da Arménia (armenium) 75 XXXV, 47Azurite de Espanha (hispanias harena) 6 XXXV, 47Azurite (lomentum) 10 XXXIII, 162Azurite (caeruleum) 8 XXXIII, 162Azul egípcio (azul de Vestório) 11 XXXIII, 162Índigo (indicum) 20 XXXV, 46Índigo (indicum) 7 XXXIII, 163Terra verde (appianum) 0.25 XXXV, 48* “Não ignoramos que os preços que indicámos antes variam com o lugar e variam todos os anos, de acordo com o custo dos transportes e com as aquisições feitas pelos mercadores [...]. No entanto, pareceu-me necessário indicar os preços habitualmente praticados em Roma, de forma a dar uma ideia do valor normal das coisas” (Plínio, livro XXXIII, 164).
1.2. Idade Média e séculos XVI e XVII ^
Os pigmentos usados na época romana continuaram a fazer parte
da paleta dos pintores, pelo menos, até finais do século XVII. A
única excepção é, possivelmente, o azul egípcio, que deixou de
ser usado após o século IX. No entanto, não só houve mudanças
significativas a respeito da importância relativa de cada um
desses materiais que vieram da Antiguidade, como surgiram
novos pigmentos ou novas variedades dos pigmentos já
conhecidos.
No conjunto dos pigmentos vermelhos, o dispendioso e luxuoso
cinábrio foi substituído pela sua forma sintética, o vermelhão, que
se tornou no pigmento vermelho mais comum, ficando o
vermelho de chumbo, ou mínio, praticamente limitado às
iluminuras, isto é, miniaturas, ou seja desenho feito a mínio. A
preparação do vermelhão é descrita por Filipe Nunes, na sua Arte
da Pintura, em 1615: "Toma-se um púcaro novo, e nele se bota o
enxofre, & o azougue [=mercúrio] partes iguais, e depois se barra
muito bem que não saia o bafo fora, e posto ao fogo até que se
incorpore uma cousa com outra por espaço de cinco ou seis
horas" (figura 1). No entanto, não obstante a simplicidade do
processo que a descrição parece traduzir, a sua obtenção era
consideravelmente trabalhosa, sucedendo que Cennino Cennini,
cerca de 1390, em O Livro da Arte, recomendava a compra do
pigmento numa botica (figura C3) em vez da sua preparação na
oficina (cap. XL).
Entre os pigmentos azuis, o ultramarino, obtido do lápis-lazúli,
passou a ser mais usado, não obstante o seu elevadíssimo preço,
comparável com o do ouro, resultante de uma origem longínqua
(actual Afeganistão, como na Antiguidade) e de um processo de
purificação muito trabalhoso, só estabelecido cerca de 1200,
pormenorizadamente descrito por Cennini (cap. LXII). Essa
utilização foi mais importante no sul da Europa, nas regiões mais
em contacto com o porto de Veneza, aonde atracavam os navios
que transportavam os pigmentos com origem mais longínqua, do
que no Norte da Europa, nomeadamente na Flandres, onde os
pintores que o usavam, mais do que quaisquer outros, tentaram
minimizar as quantidades gastas e, portanto, os custos. Com
efeito, em várias obras flamengas, designadamente de Jan Van
Eyck e Dieric Bouts, sob uma fina camada superficial
(parcialmente transparente, cf. secção 2.2) de azul ultramarino,
encontra-se um pigmento azul mais económico, como a azurite.
De qualquer forma, o ultramarino parece ter sido mais enaltecido
do que usado. Por exemplo, sobre ele escreveu Cennini: "Cor
nobre e bela, a mais perfeita de todas as cores, da qual nada se
pode dizer ou fazer que a sua qualidade não ultrapasse" (cap.
LXII). A azurite, ainda que moderadamente dispendiosa, tornou-se
assim o pigmento azul mais frequente. O esmalte, um vidro
potássico com cobalto, surgido em meados do século XV, não veio
a alterar significativamente o panorama, entre outras razões,
devido à sua cor pouco intensa.
A terra verde, especialmente adequada à pintura a fresco (como
era maioritariamente a pintura romana, pelo menos a que
conhecemos), na pintura de cavalete foi em grande parte
substituída pelo verdigris, ou verdete, e, em menor extensão, pelo
resinato de cobre (composição variável, por exemplo
(C19H29COO)2Cu), preparado por reacção do verdigris com uma
resina. Embora o período medieval tenha sido avesso à mistura
de cores, pois a cada pigmento era atribuído um valor íntrínseco
que devia ser realçado, em honra de Deus e dos doadores, com
alguma frequência a cor verde era obtida por mistura de
pigmentos azuis e amarelos, em virtude de serem fracas as
alternativas. Entre os amarelos, o ocre continuou a ser o mais
importante até ao século XIV, mas nos séculos XV e XVI cedeu
essa posição ao amarelo de chumbo e estanho - um novo
pigmento, sintético, de cor intensa, com duas variedades, que
surgiram, respectivamente, cerca de 1300 e cerca de 1420, a
primeira correspondente a um material heterogéneo formado por
uma matriz vítrea com inclusões cristalinas (tipo II,
aproximadamente Pb(Sn,Si)O3 ou PbSn2SiO7), e a segunda, que
rapidamente substituiu aquela, com uma estrutura cristalina bem
definida (tipo I, Pb2SnO4). No século XVII começou a ser usado um
outro pigmento da mesma cor, conhecido como amarelo de
Nápoles (Pb3(SbO4)2), com origem na indústria do vidro, ainda que
se trate de um material cristalino, obtido por calcinação de uma
mistura de óxidos de chumbo e de antimónio. No entanto, só no
século seguinte teve significativa divulgação.
Finalmente, importa referir que o branco de chumbo quase se
tornou no único pigmento branco utilizado na pintura de cavalete,
com muita vantagem para a conservação das obras e estudo
laboratorial das mesmas. Com efeito, por requerer uma
relativamente reduzida quantidade de óleo, as zonas pintadas
com este pigmento mostram pouco os problemas de alteração
que geralmente têm origem no aglutinante. Por outro lado, muitos
dos estudos de pinturas feitos a partir de radiografias devem a
sua possibilidade à grande opacidade que o branco de chumbo
apresenta aos raios X e à sua ubiquidade. Os outros pigmentos da
mesma cor, designadamente o cré e o gesso, ficaram
praticamente limitados à camada preparatória aplicada sobre o
suporte, a qual, no século XV, geralmente era de cré no norte da
Europa e de gesso no sul. O seu abandono na pintura a óleo está
relacionado com a sua falta de opacidade neste meio (cf. secção
2.2).
1.3. Pigmentos modernos ^
No século XVIII iniciou-se uma nova etapa na história dos
pigmentos, a qual está profundamente relacionada com o
desenvolvimento da química, em geral, e, em particular, com a
descoberta de novos elementos eía síntese laboratorial de novos
materiais. O primeiro destes pigmentos foi o azul da Prússia
(Fe4[Fe(CN)6]3), preparado pela primeira vez, ainda que
acidentalmente, algures entre 1704 e 1707, em Berlim. De acordo
com o relato de G. E. Stahl, de 1731, "o fabricante de pigmentos
Diesbach costumava fazer uma laca florentina adicionando a
cochinilha em ebulição, alúmen e sulfato ferroso e depois um
certo alcali que originava a sua precipitação. Um dia, tendo
acabado o alcali, pediu emprestado algum a J. C. Dippel, em cujo
laboratório trabalhava. Dieppel deu-lhe um alcali que
repetidamente tinha utilizado na destilação de um óleo animal e
que já não servia para o efeito. Para surpresa de Diesbach,
quando o usou, surgiu uma bela cor azul em vez da cor vermelha
que esperava". Devido, por um lado, à inexistência de um
pigmento azul de cor intensa economicamente acessível, e, por
outro lado, à preferência que esta cor ia ganhando por esta
ocasião, rapidamente se tornou num dos pigmentos mais usados
e quase fez desaparecer da paleta dos pintores os outros azuis.
A descoberta do azul da Prússia, no entanto, foi um caso isolado
que se desenvolveu ainda num ambiente pré-Lavoisier. Só várias
décadas depois surgiram outros pigmentos. O primeiro a ganhar
importância foi o azul de cobalto (CoAl2O4), sintetizado por L. J.
Thenard (figura 2) em 1802, o qual não só depressa substituiu o
esmalte, como adquiriu uma importância semelhante à do azul da
Prússia. Pouco depois, em França, iniciou-se um processo que
levou à criação de um prémio de 6 mil francos, em 1824, para
quem descobrisse uma forma de produzir artificialmente azul
ultramarino com um custo inferior a 300 francos/kg, cerca de dez
vezes inferior ao da variedade natural. O prémio veio a ser ganho
por J. B. Guimet, em 1828, embora o alemão L. Gmelin também o
tenha reclamado. A comercialização desta variedade do azul
ultramarino, conhecida por ultramarino francês, iniciou-se em
1830 e, tendo-se tornado no azul mais económico, em curto prazo
conquistou um lugar muito importante à superfície das pinturas.
Pouco depois do aparecimento do azul de cobalto surgem as
primeiras referências ao amarelo de crómio (PbCrO4) - um
pigmento directamente relacionado com a descoberta do
elemento crómio, em 1797, por L. N. Vauquelin. Começou a ser
usado, possivelmente, entre 1804 e 1809. A descoberta do
cádmio, por F. Stromeyer, em 1817, por sua vez, possibilitou o
aparecimento de um outro pigmento, o amarelo de cádmio (CdS),
sugerido pelo mesmo Stromeyer em 1818: "este sulfureto, devido
à beleza e estabilidade da sua cor, bem como à propriedade que
tem de se ligar bem às outras cores, especialmente ao azul,
promete ser útil em pintura". Não obstante as referências de 1829
ao seu emprego em pintura, a sua comercialização só se iniciou
cerca de 1846, embora devido ao seu elevado preço, resultante
da escassa produção do metal, só ganhe grande divulgação a
partir de 1917, puro, e, sobretudo, a partir de 1921, neste caso
co-precipitado com sulfato de bário, na forma de litopone de
amarelo de cádmio (CdS+BaSO4). Ainda em 1880, dizia C.-E.
Guignet sobre o amarelo de cádmio: "uma cor perfeita, se não
fosse tão cara".
O verde - a outra cor, além do azul, que se encontrava mal
representada no conjunto dos pigmentos - também foi
enriquecido durante a primeira metade do século XIX com um
número significativo de novos materiais. O verde esmeralda
(3Cu(AsO2)2·Cu(CH3COO)2) começou a ser fabricado em 1814 em
Schweinfurt, na Alemanha, e em Viena, na Áustria. Depois
apareceram vários pigmentos que incluem o crómio na sua
composição. O primeiro foi o verde de óxido de crómio (Cr2O3),
provavelmente já conhecido cerca de 1815, embora a sua
expansão não tenha ocorrido antes de cerca de 1840. O verde de
óxido de crómio hidratado (Cr2O3·2H2O), em Inglaterra designado
por viridian e em França por vert émeraude, transparente e com
uma cor viva e intensa, muito mais interessante do que a do
verde de óxido de crómio, terá sido preparado pela primeira vez
por Pannetier, em Paris, cerca de 1838. Contudo, foi o
desenvolvimento de um outro processo de fabrico, por Guignet,
em 1859, que, ao permitir diminuir o seu custo, conduziu à sua
ampla divulgação. Um terceiro pigmento foi o verde de crómio
(PbCrO4+Fe4[Fe(CN)6]3), obtido por co-precipitação de amarelo de
crómio e azul da Prússia, com referências conhecidas a partir de
1842.
Foi igualmente na primeira metade do século XIX, mais
precisamente em 1834, que ficou disponível no comércio o branco
de zinco (ZnO), ainda que as primeiras tentativas de utilização do
pigmento remontem, pelo menos, a 1780. Por detrás deste
relativamente longo processo, que culmina na sua utilização em
metade das pinturas de cavalete executadas em finais de
oitocentos, está a intenção de substituição do branco de chumbo,
não por causa das suas qualidades em pintura (aliás, excelentes),
mas por razão da sua toxicidade. Este objectivo, contudo, só foi
razoavelmente alcançado no século XX após o aparecimento do
branco de titânio (TiO2), já que as propriedades do branco de
zinco, pelo menos nos primeiros tempos, foram consideradas
bastante inferiores às do branco de chumbo. A produção regular
do branco de titânio iniciou-se em 1918, primeiro na forma de
anátase e depois de rútilo, embora a possibilidade da sua
utilização em pintura tenha sido formulada cerca de 1908 e o
primeiro processo de fabrico tenha sido estabelecido cerca de
1910. Hoje é o pigmento branco mais utilizado, em arte e não só.
Também no início do século XX surgiu um outro pigmento que
igualmente veio a tornar-se muito importante - o vermelho de
cádmio (CdS+CdSe). Começou a ser produzido cerca de 1910 e o
respectivo litopone de vermelho de cádmio (CdS+CdSe+BaSO4),
muito mais económico, cerca de 1926. Depois o número de cores
para os artistas aumentou muito significativamente, mas, de uma
forma geral, foram corantes, e não pigmentos, os responsáveis
por esta situação.
1.4. Algumas consequências do aparecimento dos
pigmentos modernos ^
Uma das consequências da introdução dos novos pigmentos em
pintura, sobretudo no século XIX, foi o desaparecimento de outros
ou, pelo menos, a diminuição da sua frequência de utilização. No
caso do azul ultramarino natural isso resultou, antes de mais, do
seu elevado custo, sendo muito significativa a este respeito a
afirmação proferida por Filipe Nunes em 1615, repetida por João
Pacheco em 1734 e citada por Francisco de Assis Rodrigues em
1875 de que "o azul ultramarino, como é tão caro, não se usa
muito, e portanto se não sabe o uso dele tão facilmente". Para a
perda de importância da azurite e da malaquite terão contribuído
várias causas, mas as mais significativas possivelmente terão sido
a ocupação, pelos turcos, da Hungria, onde se encontrava a
principal origem, e a melhor adequação do pigmento para a
pintura a têmpera do para a pintura a óleo - como é a maior parte
da pintura de cavalete posterior ao século XV. A este respeito é
interessante a observação de A.-J. Pernety, no seu Dictionnaire
Portatif de Peinture, Sculpture et Gravure, em 1757: "As cinzas
azuis [=azurite], que são uma cor traiçoeira em óleo, são
encantadoras em têmpera e ocupam um lugar de destaque entre
os pigmentos que se usam nessa pintura". No caso da terra verde
terá pesado principalmente a sua cor pouco saturada, mas o
completo desaparecimento do amarelo de chumbo e estanho das
paletas e da memória dos pintores, cerca de 1750, é ainda um
mistério, já que se trata de um pigmento com excelentes
propriedades. Só foi redescoberto cerca de 1940, por R. Jacobi.
Uma outra consequência dos novos pigmentos traduziu-se nas
condições que criaram para o desenvolvimento da pintura
naturalista e, muito especialmente, para o surgimento do
Impressionismo. Com efeito, torna-se difícil imaginar a pintura de
ar livre da segunda metade do século XIX sem os novos
pigmentos verdes e azuis que, geralmente, ocupam significativas
áreas desses quadros. Mas também convém referir que para
essas obras de igual forma contribuíram outros progressos
técnicos, como a invenção dos tubos de tinta, em 1841. Como
afirmou Renoir, "sem os tubos de tinta não teria existido um
Cézanne, nem um Monet, nem um Sisley ou um Pissaro, nem
nada do que os jornalistas mais tarde chamaram
Impressionismo".
Os novos processos utilizados na síntese destes novos pigmentos,
as condições laboratoriais que exigem e o conhecimento
especializado que pressupõem, contudo, modificaram de forma
negativa a relação dos artistas, em particular dos pintores, com
os materiais que usam. Se durante muitos séculos grande parte
do trabalho de preparação dos pigmentos era realizado no atelier,
como mostram muitas pinturas e gravuras (figura 3) e se
depreende das minuciosas instruções dos tratados técnicos, a
possibilidade de aquisição das tintas prontas a usar, primeiro
vendidas em bexigas de porco (figura 4), depois em tubos de
metal, criou uma maior separação entre os artistas e os materiais
e deu aos pintores uma maior liberdade, mas também os colocou
numa situação de dependência em relação às formulações
preparadas em laboratórios e fábricas, originou a ideia (mito?) de
que os antigos mestres faziam uma pintura de muito melhor
qualidade material, assente em sólidos princípios técnicos
transmitidos de geração em geração, e proporcionou o
aparecimento de obras com gravíssimos problemas de
conservação em resultado de incorrectas utilizações dos
materiais. Como sintetizou o pintor pré-rafaelita William Hunt, em
1880, "antigamente, os segredos eram guardados pelo artista;
agora ele é o primeiro a ficar na ignorância dos materiais que
usa".
2. Física e química ^
2.1. A origem da cor ^
Quando a luz branca incide numa partícula de um certo pigmento
ocorre a absorção preferencial da radiação com determinados
comprimentos de onda que, precisamente, correspondem à cor
complementar do material (figura C4). Por exemplo, o vermelhão
remove mais as componentes amarela, verde e azul da radiação
do que a componente vermelha pelo que, estando esta em
excesso na luz que alcança os nossos olhos, esta é a cor exibida
pelo pigmento (figura C5). Constituem excepção os pigmentos
ideais de cor preta e de cor branca, pois os primeiros absorvem
toda a radiação luminosa e os últimos nada absorvem. Na
realidade, porém, os pigmentos pretos absorvem quase toda a luz
que neles incide e os brancos reflectem-na quase totalmente.
Além disso, em qualquer um dos casos, a absorção não é
constante ao longo de todo o espectro visível, dependendo do
pigmento, e, portanto, os de cor branca não têm exactamente a
mesma cor, da mesma forma que os de cor preta também não. É
por isso que, por exemplo, pode dizer-se que o branco de titânio é
o mais branco dos pigmentos brancos.
A absorção da radiação visível está associada a transições
electrónicas entre as orbitais moleculares das substâncias
coloridas. No caso particular dos pigmentos há duas ou três
situações que é costume distinguir-se de acordo com as
características das orbitais envolvidas, nomeadamente tendo em
consideração as diferentes contribuições atómicas para essas
oribtais moleculares. Esta distinção tem a grande vantagem de
permitir explicações relativamente simples, pois em cada
situação são apenas considerados os aspectos concretos mais
relevantes e não é invocado um modelo geral muitíssimo mais
complexo. É assim que devem ser entendidas as referências às
várias causas da cor.
O caso mais simples, provavelmente, é o dos pigmentos que têm
na sua composição iões com orbitais d parcialmente preenchidas,
pertencentes a elementos de transição, os quais geralmente
devem a sua cor a transições que apenas envolvem estas orbitais,
ou seja, transições d-d. Este facto resulta de as orbitais d não
terem todas a mesma energia quando estão sujeitas ao campo
electromagnético de outras espécies químicas na sua vizinhança
(ligandos). Com efeito, como é explicado pela teoria do campo
cristalino, numa estrutura tetraédrica há três orbitais d (t2g) que,
devido à sua orientação espacial, aproximam-se mais dos quatro
ligandos e, consequentemente, têm energia superior à das outras
duas orbitais d (eg), em virtude de um electrão numa das
orbitais t2g ficar sujeito a maior repulsão por parte dos electrões
dos ligandos do que se ocupar uma das orbitais eg (figura 5).
Embora um electrão tenha tendência a ocupar a orbital de menor
energia, pode transitar para uma orbital com maior energia se for
excitado através da absorção de radiação com energia
correspondente precisamente à diferença energética entre as
duas orbitais, a qual, tendo um valor relativamente reduzido,
frequentemente corresponde a radiação visível. Vários
fenómenos, nomeadamente os movimentos vibratórios que
provocam oscilações em torno das posições de equilíbrio das
espécies envolvidas na interacção, fazem com que essa diferença
energética não seja constante e, assim, dão origem a um
espectro em que a absorção não se traduz por uma risca no
espectro, mas sim por uma banda. A absorção selectiva de
determinados comprimentos de onda do espectro visível que
ocorre nestas condições está na origem da cor de pigmentos
como o azul de cobalto (figura 6) e o esmalte. No caso do ião
central estar rodeado de seis ligandos, numa estrutura
octaédrica, sucede algo semelhante, excepto no facto de se
encontrar invertida a situação energética das
orbitais eg e t2 (figura 5). Além disso, as transições entre
orbitais d são proibidas numa estrutura octaédrica, devido à sua
simetria. Contudo, os movimentos vibratórios removem-na
temporariamente, pelo que efectivamente ocorrem algumas
transições d-d, ainda que em número muito inferior às que se
verificam nas estruturas tetraédricas. Em consequência é
relativamente pouco intensa a cor dos pigmentos em que o ião
metálico faz parte de uma estrutura octaédrica, como é o caso do
verde de óxido de crómio e verde esmeralda2. De uma forma
geral, os pigmentos de crómio (III), ferro, cobalto e cobre,
independentemente da estrutura de coordenação, têm uma cor
que é devida a transições d-d, ou, pelo menos, para a qual estas
contribuem (pigmentos de ferro). Deve salientar-se que a cor dos
pigmentos de crómio (VI), como o amarelo de crómio, tem
necessariamente outra origem, pois o ião Cr6+ não tem
orbitais d semi-preenchidas. Por outro lado, pode notar-se que as
transições d-d, pelo menos no caso dos materiais utilizados em
pintura, envolvem energias correspondentes à fracção menos
energética do espectro visível, ou seja sobretudo radiação
vermelha e amarela, e, portanto, originam pigmentos de cor
verde ou azul.
Uma segunda origem para a cor reside nas transições
electrónicas de transferência de carga que, de certa forma,
traduzem reacções de oxidação-redução envolvendo os iões
metálicos e os ligandos ao seu redor. Com efeito, verifica-se
nalguns pigmentos que a absorção de radiação do espectro
visível é acompanhada de uma transferência de um electrão de
uma orbital p do ligando para uma orbital do metal, sendo a
transferência de carga, portanto, no sentido do ligando para o
metal, ou seja, no sentido inverso ao da formação dos iões.
Consequentemente, o processo é tanto mais favorecido quanto
maior é o carácter covalente da ligação metal-ligando. Além
disso, os ligandos têm que ser facilmente oxidáveis e dispor de
electrões de valência não compartilhados. Por outro lado, é
necessário que o ião metálico possa ser reduzido com alguma
facilidade. Assim, normalmente envolvem metais do lado direito
da tabela periódica e elementos como o oxigénio e o enxofre.
Entre os pigmentos que devem a sua cor a transferências de
carga do ligando para o metal contam-se o massicote, o amarelo
de crómio, os ocres, o amarelo de Nápoles, o amarelo de cádmio,
o vermelhão, o auripigmento e o realgar. De uma forma geral, as
transições de carga envolvem energias superiores às das
transições d-d, pelo que estão associadas a absorção no domínio
do ultravioleta ou, como acontece com os pigmentos, das
componentesívisíveis mais energéticas, situação em que originam
materiais de cor amarela ou vermelha. Estas transições são
permitidas e a cor que delas resulta habitualmente é muitíssimo
mais intensa do que a que tem origem nas transições d-d. Por isso
os principais constituintes dos ocres, designadamente a hematite
e a goetite, que também apresentam transições d-d, têm as cores
que lhes conhecemos e não são azuis ou verdes como se
esperaria em resultado daquelas transições.
O azul da Prússia é um caso particular pois a sua cor deve-se à
transferência de carga que ocorre entre os iões de ferro no estado
de oxidação +2 (dos ligandos, [Fe(CN)6]4-) e os que se encontram
no estado de oxidação +3 (iões centrais). A energia envolvida é
menor, pois o estado fundamental e o estado excitado são neste
caso energeticamente mais semelhantes, e, assim, a sua cor é
diferente da dos outros pigmentos que devem a cor a
transferências de carga.
Um outro caso atípico entre os pigmentos é o do azul ultramarino,
em que são os constituintes minoritários, designadamente o
radical S3-, que estão envolvidos nos processos de transferência
de carga.
Não obstante o facto de o enxofre e o oxigénio pertencerem ao
mesmo grupo da tabela periódica e, portanto, apresentarem
significativas semelhanças químicas, as transferências de carga
explicam melhor a cor dos pigmentos que correspondem a óxidos
do que a cor dos que são sulfuretos. Estes têm propriedades que
levam a classificá-los como semi-condutores e a sua cor pode ser
explicada alternativamente, com vantagem, através de transições
electrónicas entre a banda de valência e a banda de condução -
bandas estas que estão relacionadas com a periodicidade da
estrutura cristalina dos pigmentos. Com efeito, sendo a diferença
energética entre as duas bandas menor do que 3,1 eV, como
sucede no auripigmento, realgar, vermelhão e amarelo e
vermelho de cádmio, a absorção da radiação visível é suficiente
para provocar essa transição e, consequentemente, ocorre a
remoção das componentes visíveis do espectro com energia
superior à diferença energética entre as duas bandas. Portanto,
nestes casos, os menores comprimentos de onda do espectro
visível são sempre removidos e, assim, estes pigmentos
necessariamente têm cores que correspondem às componentes
menos energéticas, ou seja, são vermelhos ou amarelos (figura
7).
2.2. A opacidade ^
Quando a luz incide numa partícula de um pigmento, uma parte é
reflectida. Em termos geométricos pode considerar-se que esta
reflexão ocorre rigorosamente à superfície da partícula (tal como
é feito nos esquemas aqui apresentados), mas, na realidade, este
fenómeno geralmente envolve uma fina camada do material, com
uma espessura de cerca de metade do comprimento de onda da
radiação incidente, na qual ocorre alguma absorção da radiação,
absorção esta que é responsável pela cor apresentada pela luz
reflectida. A outra fracção da luz incidente penetra no material
segundo uma direcção diferente da direcção do feixe incidente
(figura C6). Este último fenómeno, que consiste na refracção, é
devido ao facto de a velocidade da luz ser diferente nos dois
meios, isto é no pigmento e no exterior. A relação entre o ângulo
de incidência ai e o ângulo de refracção ar é dada pela lei de Snell,
,
em que n e next representam o índice de refracção do pigmento e
do meio exterior, respectivamente. No quadro 2 estão registados
valores para alguns pigmentos, bem como para alguns possíveis
meios exteriores (por exemplo, ar, água, óleo).
Quadro 2Índice de refracção de alguns pigmentos e aglutinantes, na maior parte dos casos determinados a 589,3 nm (risca D do sódio). Quadro elaborado a partir de Brill, 1980.
Material nGesso 1,42Esmalte 1,4 - 1,5Azul ultramarino natural 1,50Azul da Prússia 1,56Cré 1,59Azul de cobalto 1,74Azurite 1,77Malaquite 1,81Branco de zinco 2,00Amarelo de Nápoles 2,0 - 2,3Branco de chumbo 2,04Amarelo de cádmio 2,3 - 2,5Ocre 2,37Mínio 2,41Verde de óxido de crómio 2,5Terra verde 2,5 - 2,7Branco de titânio (anátase) 2,54Massicote 2,63Realgar 2,64Vermelho de cádmio 2,6 - 2,8Branco de titânio (rútilo) 2,71Auripigmento 2,74Vermelhão 2,97Ar 1,003Água 1,33Gema de ovo 1,35
Goma arábica 1,48Óleo de linho 1,48
Da componente não reflectida à superfície, apenas uma parte
atravessa completamente a partícula, ou seja, é transmitida, pois
ocorre absorção pelo pigmento, através de vários processos,
entre os quais os referidos na secção anterior. Como a absorção é
selectiva, a luz transmitida não é branca, mas tem a cor do
pigmento (figura C6). A fracção transmitida da radiação que
incide segundo a normal à superfície é dada pela lei de Lambert,
,
em que Ii e It representam as intensidades dos feixes incidente e
transmitido, respectivamente, a é um coeficiente de absorção,
característico do pigmento, embora dependente do comprimento
de onda da radiação, e l a espessura da partícula. A luz reflectida
também tem a cor do pigmento, mas como geralmente resulta da
absorção numa espessura menor do que a atravessada pela
fracção transmitida, naquele caso a absorção é menor e,
consequentemente, a luz reflectida é menos saturada do que a
luz transmitida (figura C6).
Na ausência de absorção, o índice de refracção diminui com o
aumento do comprimento de onda da radiação, ou seja, do violeta
para o vermelho, mas a absorção dá origem a um fenómeno, dito
de dispersão anómala, que se traduz no facto de, na vizinhança
da banda de absorção, ser mais elevado do lado dos maiores
comprimentos de onda do que do lado dos menores (figura 8).
Resulta daqui que os pigmentos que absorvem as componentes
da luz com menor comprimento de onda, isto é, pigmentos
vermelhos e amarelos, têm índices de refracção maiores do que
aconteceria se não houvesse dispersão anómala, enquanto se
passa o contrário com os materiais que absorvem na zona de
maiores comprimentos de onda, ou seja, pigmentos azuis e
verdes. Por isso, estes frequentemente têm índices de refracção
menores do que aqueles (cf. quadro 2).
A fracção de luz reflectida na interface (figura C6), no caso mais
simples em que incide perpendicularmente à superfície, pode ser
calculada através da expressão
,
em que Id é a intensidade do feixe reflectido. De acordo com esta
equação, quanto maior é a diferença entre os dois índices de
refracção, maior é o valor da fracção Id/Ii e, portanto, mais opaco é
o pigmento (figura 9). Assim, de uma forma geral, os pigmentos
vermelhos e amarelos, com maior índice de refracção e,
consequentemente, maior diferença n-next, são mais opacos do
que os azuis e verdes.
Na pintura a óleo, em que as partículas dos pigmentos ficam
envolvidas por óleo, a diferença n-next é menor do que na pintura
a fresco, em que as partículas ficam directamente expostas ao ar,
e na pintura a têmpera, em que ficam em contacto com a gema
de ovo (figura C7). Assim, por um lado, os pigmentos são mais
transparentes em óleo. Por outro lado, têm maior saturação, isto
é intensidade de cor, porque a fracção de luz branca reflectida à
superfície é menor (figura C7).
A opacidade de uma camada de pintura, no entanto, também é
função da relação pigmento/aglutinante e da granulometria do
pigmento. Os dois efeitos, porém, têm uma mesma causa, que
reside no facto de as partículas dos pigmentos dispersos na
matriz do aglutinante constituírem um obstáculo à propagação da
luz que entra na camada de tinta em consequência da diferença
entre os índices de refracção dos dois materiais (cf. quadro 2).
Ora, cada vez que um certo feixe de luz encontra a superfície de
uma partícula de pigmento, uma fracção do mesmo é reflectida,
ou seja, é desviada da sua trajectória. Quanto maior é o número
de partículas num certo volume, maior é o número de desvios e,
assim, menos provável é que um feixe luminoso incidente numa
camada de pintura a consiga atravessar, ser reflectido na
interface interior e sair dessa camada de forma a chegar aos
olhos do observador (figura 10). Consequentemente, maior é a
opacidade quanto maior é o número de partículas por unidade de
volume, o qual, evidentemente, aumenta quando aumenta a
razão pigmento/aglutinante ou quando diminui o tamanho das
partículas se se mantiver constante a quantidade de pigmento e
de aglutinante (figura C8). Para partículas com dimensões
superiores ao comprimento de onda da radiação, a opacidade é
tanto maior quanto menor é a granulometria dos pigmentos. No
entanto, sucede que se as dimensões forem inferiores aquele
comprimento de onda não constituem obstáculo significativo à
propagação da luz e, portanto, são transparentes - como acontece
com os corantes, devido à sua solubilidade. Há, assim, um
máximo de obstrução à passagem da luz e, logo, de opacidade,
que geralmente se verifica para partículas com dimensões de
cerca de metade do comprimento de onda da radiação luminosa,
ou seja, cerca de 0,3 µm.
2.3. A granulometria e a intensidade da cor ^
As partículas que constituem os pigmentos têm dimensões e
formas variadas que são características e dependem da natureza
do respectivo material, dos processos químicos envolvidos na sua
preparação e da tecnologia usada na sua manipulação.
Tradicionalmente os pigmentos eram moídos na oficina do pintor,
sobre uma pedra de pórfiro (figura 3). Cennini, por exemplo,
afirmava a propósito do branco de chumbo: "quanto mais moeres
esta cor, mais perfeita será" (cap. LVIII). E sobre o vermelhão: "se
o moesses todos os dias durante vinte anos, ficaria cada vez
melhor e mais perfeito" (cap. XL). Indicações deste tipo são
relativamente comuns nos antigos tratados técnicos e, além de
visarem a obtenção de um pó muito fino e com granulometria
homogénea, procuravam garantir que a superfície dos pigmentos
era molhada completamente pelo óleo ou pela água, eliminando
as bolhas de ar, de modo a se obter uma tinta o mais homogénea
possível. Desta forma tornava-se possível a sua aplicação em
finas camadas com espessura regular, sem ser visível o relevo
das partículas e sem se manifestarem problemas de
sedimentação do pigmento em suspensão no aglutinante.
Alguns pigmentos, nomeadamente a azurite, a malaquite e o
esmalte, contudo, constituíam uma excepção. Por exemplo, sobre
a malaquite dizia o mesmo Cennini: "Esta cor é grosseira por
natureza e parece areia fina. Para bem da cor, trabalha-a muito,
muito pouco, só ao de leve; pois se a moeres demasiado tornar-
se-á sombria e pálida" (cap. LII). Esta perda de cor está
relacionada com o facto de a luz reflectida numa partícula de
pigmento, como já se explicou, ser menos saturada que a luz
transmitida. Como, por outro lado, a diminuição do tamanho das
partículas implica, tal como também já foi dito, um aumento da
reflexão, menor granulometria significa cores menos saturadas (e
pigmentos mais opacos). Isto é especialmente verdade para
pigmentos de cor muito pouco intensa, como os mencionados,
razão pela qual geralmente não era recomendada uma moagem
prolongada. No caso dos pigmentos que absorvem fortemente a
radiação visível, como o azul da Prússia, a luz reflectida tem uma
cor muito mais intensa e a sua saturação é pouco dependente do
tamanho das partículas em virtude de a reflexão ocorrer muito
mais superficialmente.
De qualquer forma, tradicionalmente a granulometria dos
pigmentos estava sobretudo subordinada aos processos de
obtenção dos mesmos. Geralmente os de origem mineral, como a
azurite e a malaquite eram os mais grosseiros (diâmetro > 10
µm), independentemente da intensidade da cor. Os pigmentos
mais finos (diâmetro < 1 µm) eram os obtidos na forma de fumo
(negro de fumo e branco de zinco) ou através de reacções de
precipitação (azul da Prússia). Os outros pigmentos,
nomeadamente os obtidos por ataque de metais (branco de
chumbo) ou através de outras reacções de síntese (vermelhão),
tinham habitualmente dimensões intermédias (1 µm < diâmetro
< 10 µm). Observados ao microscópio óptico tipicamente com
ampliações de 100 a 400 vezes, os mais finos mostram
caracteristicamente pequenas formas esféricas e os mais
grosseiros formas relativamente irregulares e com arestas vivas
(figura C9).
Os materiais modernos, preparados industrialmente, geralmente
têm menores dimensões (diâmetro < 2 µm), e mais regulares,
que os seus equivalentes mais antigos, dado que os cilindros de
moagem, utilizados na indústria, são bastante mais eficazes do
que a pedra de pórfiro. De forma semelhante, nos casos em que
existe uma variedade natural e uma variedade artificial, como
acontece com o cinábrio/vermelhão e o azul ultramarino, a
variedade artificial distingue-se por uma granulometria mais fina
e bastante mais homogénea.
2.4. A alteração ^
Comparados com outros materiais, nomeadamente os corantes,
os pigmentos são relativamente estáveis, embora o
amarelecimento e o escurecimento de algumas pinturas antigas
pareça sugerir o contrário. Porém, sucede que estas situações
geralmente traduzem problemas ao nível da camada superficial
de verniz, de amarelecimento e acumulação de sujidades, ou,
mais raramente, resultam da alteração do óleo, utilizado como
aglutinante, e nada têm que ver com os pigmentos. Da mesma
forma, a fractura e o destacamento da camada cromática, aquela
responsável pela rede de craquelures, este pelas lacunas, são
problemas que não envolvem qualquer alteração dos pigmentos.
Não obstante a relativa estabilidade destes materiais, malgrado
as aparências, por um lado, alguns pigmentos
caracteristicamente apresentam certos problemas de alteração e,
por outro lado, há algumas condições que favorecem a ocorrência
de tais processos.
Um problema que pode envolver um número muito importante de
pigmentos, embora não seja tão grande o número de obras
significativamente afectadas, é o escurecimento daqueles que
têm chumbo ou cobre na sua composição. Este escurecimento
resulta da formação dos respectivos sulfuretos, com cor preta ou
castanha, geralmente em consequência da reacção com o
sulfureto de hidrogénio presente na atmosfera. Os casos mais
conhecidos envolvem o branco de chumbo (figura C10), o resinato
de cobre e o verdigris, residindo a razão deste destaque,
provavelmente, na grande utilização do primeiro e na relativa
reactividade dos outros dois. No entanto, estes sulfuretos de
chumbo ou de cobre, de cor escura, também se podem formar
por reacção entre um pigmento de chumbo ou de cobre e um
pigmento como o vermelhão, o auripigmento, o realgar ou o
amarelo de cádmio, que são sulfuretos. É desta forma, aliás, que
devem ser interpretadas várias referências ao escurecimento do
auripigmento - como a de Cennino Cennini quando diz que "não
deve ser usado em pintura mural, nem a fresco, nem a têmpera,
porque se torna preto por exposição ao ar" (cap. XLVII). Embora
esta afirmação sugira que a reacção responsável pelo
escurecimento é a reacção de formação de óxidos de arsénio, não
é isso que acontece, pois esses óxidos são todos de cor clara.
Muito provavelmente, as situações deste tipo relatadas nos textos
antigos, devem dar conta da reacção do sulfureto de arsénio com
um pigmento de chumbo ou de cobre, relativamente comuns, e
formação do respectivo sulfureto.
O escurecimento do mínio, já relatado por Cennino Cennini no
final do século XIV (cap. XLI), adicionalmente pode resultar da
formação de dióxido de chumbo.
Os pigmentos de chumbo e de cobre, contudo, não são os únicos
a escurecer. No século I a.C., Vitrúvio referiu o caso do "escriba
Faberius que queria ter a sua habitação no Aventino decorada
com elegância e fez pintar com cinábrio todas as paredes do
peristilo, mas ao fim de XXX dias as paredes tinham adquirido
uma cor desagradável e desigual. Assim, teve que as mandar
pintar com outras cores" (livro VII, cap. IX). Cennini também
avisava a propósito do vermelhão: "tem em mente que não é da
sua natureza poder ser exposto ao ar [...] pois com o passar do
tempo, devido ao contacto com o ar, torna-se preto quando é
usado em pintura mural" (cap. XL). De facto, este é um problema
que resulta da transformação, por acção da luz, da estrutura
cristalina hexagonal do sulfureto de mercúrio, que constitui quer o
cinábrio, quer o vermelhão, na estrutura cúbica do metacinábrio,
de cor preta.
Como sugerem as fontes históricas citadas, o problema do
escurecimento, na relativamente pequena dimensão que tem, é
muito mais importante na pintura mural, especialmente na
pintura a fresco, do que na pintura de cavalete. Acontece que na
pintura a óleo, como é a maior parte da pintura de cavalete que
conhecemos, as partículas dos pigmentos estão revestidas por
um filme de óleo que dificulta o contacto dos pigmentos quer com
os outros materiais constituintes das obras, quer com os
poluentes atmosféricos, o que não se verifica quando os
pigmentos são utilizados num meio aquoso, como se verifica na
pintura a fresco. A este respeito é interessante a observação de
Vitrúvio, a propósito do escurecimento do cinábrio na habitação
de Fabério, em que diz que "quem é mais cuidadoso e quer que
as paredes pintadas com cinábrio conservem a sua cor, depois de
seca sobre ela aplica com um pincel cera púnica derretida no fogo
misturada com um pouco de óleo" (livro VII, cap. IX).
Muito menor é o número de pigmentos que, pelo contrário, pode
sofrer descoloração - fenómeno que, contudo, é relativamente
frequente entre os corantes. O principal exemplo é proporcionado
pelo esmalte (figura C11). Sendo um vidro, está sujeito aos
processos de alteração deste tipo de materiais, ou seja, à
remoção de catiões por acção da água, como a existente na
atmosfera, através de mecanismos de troca iónica, tanto mais
que se trata de um vidro potássico, em geral menos estável do
que os vidros sódicos. Contudo, ao contrário do que se poderia
supor, a descoloração não parece estar relacionada com a
remoção do cobalto - que não é observada -, mas sim com a
lixiviação do potássio e consequente mudança de iões cobalto de
posições com simetria tetraédrica para outras com simetria
octaédrica, ou seja, mudança de uma estrutura onde são
permitidas as transições d-d para outra onde são proibidas
(cf. secção 2.1).
Noutros casos os pigmentos participam em reacções com outros
constituintes das obras, mas as consequências vêem-se
sobretudo nesses outros materiais e não nos pigmentos.
Provavelmente, as situações mais frequentes são aquelas em que
pigmentos de cobre, especialmente o verdigris, funcionando
como catalisadores, aceleram muito significativamente a
velocidade das reacções de hidrólise a que estão sujeitos os
materiais à base de celulose utilizados como suporte. Isto é
particularmente importante no caso de documentos gráficos,
como os manuscritos iluminados, em que os pigmentos
contactam directamente com o papel, já que numa pintura de
cavalete, entre as camadas cromáticas onde se encontram os
pigmentos de cobre e as moléculas de celulose que fazem parte
da tela, geralmente existem outras camadas, nomeadamente a
de preparação.
Desta interacção entre pigmentos e materiais orgânicos resulta,
contudo, uma consequência positiva: a catálise das reacções que
conduzem à secagem dos óleos utilizados em pintura, secagem
esta que frequentemente é um processo excessivamente lento. A
este respeito dizia Félibien, no século XVII, que overdigris, que "é
a peste de todas as cores e capaz de perder um quadro", "usa-se
porque seca muito bem; e adiciona-se um pouco às tintas pretas
que nunca secariam de outra forma". Esta acção secante, porém,
não é exclusiva dos pigmentos de cobre, dos quais, como já se
disse, o verdigris é o mais reactivo. Também a têm os pigmentos
de chumbo, cobalto e manganês, devido a estes elementos
poderem existir, na forma de catião, em diferentes estados de
oxidação.
Uma segunda situação em que os pigmentos dão origem a
alterações visíveis de outros materiais das obras que integram é
proporcionada pelo branco de titânio. Neste caso sucede que a
energia absorvida pelo dióxido de titânio, quando é exposto a
radiação ultravioleta, é parcialmente dissipada através de
reacções em que participam os materiais orgânicos em contacto
com o pigmento, ou seja aglutinante e corantes. No entanto, o
assunto parece estar muito mais estudado in vitro, por causa de
aplicações que nada têm que ver com as obras de arte, do que foi
detectado em pinturas.
É importante referir que os problemas aparentemente
manifestados por um pigmento podem resultar, por vezes, das
impurezas involuntariamente introduzidas durante o processo de
preparação, o que foi comum durante os primeiros anos de
comercialização das tintas em que são usados. Estes problemas
podem igualmente ser devidos aos adulterantes
propositadamente acrescentados com o objectivo de diluir os
pigmentos e, assim, diminuir os custos e aumentar os lucros, ou
"melhorar" a cor do material. Queixas sobre a adulteração dos
pigmentos foram especialmente frequentes no século XIX. Serve
de exemplo a de William Hunt, em 1875, a respeito "de o
vermelhão - a primeira cor de que eu suspeitei - ter revelado por
análise a presença de 10 a 12 % de matéria estranha,
principalmente chumbo" e "de este vermelhão, utilizado em duas
ou três experiências, ficar com cor de café com leite quando
misturado com branco de chumbo". Porém, o problema é
bastante mais antigo, pois já Plínio (livro XXXIII, 34, 117) e
Cennini (cap. XL) diziam que o cinábrio era adulterado com ocre
vermelho, sangue de cabra, bagas de sorveira, mínio ou tijolo e o
segundo fornecia algumas informações que julgava úteis para a
detecção de tais situações. Muito provavelmente, estará aqui a
explicação do referido problema da habitação de Fabério e de
outros casos que levaram a associar a alteração do cinábrio ou
vermelhão com a exposição ao ar. O problema, contudo, não é
exclusivo deste pigmento. Por exemplo, Plínio também se referiu
à adulteração do paretónio (paraetonium) com argilas, que era
feita na cidade de Roma (livro. XXXV, 36).
Embora, em geral, os pigmentos sejam relativamente estáveis na
pintura de cavalete, o mesmo não se passa na pintura a fresco,
isto é, executada sobre uma argamassa húmida de hidróxido de
cálcio. Além de não ficarem envolvidos por um filme
relativamente impermeável que os protege, como acontece na
pintura a óleo, vários pigmentos com facilidade sofrem reacções
neste meio fortemente básico. É o que se passa com o azul da
Prússia, o verde esmeralda e o amarelo de crómio, entre outros.
Por isso, o número de pigmentos recomendados para pintura a
fresco é muito mais reduzido do que o daqueles que são usados a
óleo. No século XIV, numa época em que o fresco tinha grande
importância e divulgação, Cennini aconselhava a utilização,
somente, de branco de cal (ou branco de San Giovanni, CaCO3),
negro vegetal, negro de fumo, amarelo de chumbo e estanho,
ocres, terra verde e índigo (um corante, figura 11). A figura C10
mostra um caso em que não foram seguidos os seus conselhos.
2.5. Toxicidade ^
Do conjunto de materiais que têm sido utilizados como
pigmentos, alguns são especialmente tóxicos -sobretudo devido
aos elementos metálicos que entram na sua composição.
Os mais tóxicos provavelmente são os pigmentos de arsénio,
entre os quais se contam o auripigmento, o realgar e o verde
esmeralda. Sobre o primeiro já Cennini avisava cerca de 1390:
"Não o deixes chegar à tua boca, para que não sofras danos"
(cap. XLVII). Sobre o verde esmeralda basta dizer que, sob a
designação de verde de Paris, foi comercializado como insecticida
(figura 12).
Os pigmentos de chumbo formam um segundo conjunto de
materiais também muito tóxicos. Dele fazem parte, entre outros,
o branco de chumbo, o amarelo de chumbo e estanho, o amarelo
de Nápoles, o massicote, o amarelo de crómio, o mínio e o verde
de crómio. No século XVIII, um dos sintomas da intoxicação por
chumbo era designado, precisamente, por "cólicas dos pintores",
não obstante o problema atingir também as outras pessoas que
lidavam com os materiais, designadamente as que estavam
envolvidas na sua preparação. De qualquer forma, sugere uma
significativa disseminação da doença no meio artístico, de acordo,
aliás, com as movimentações que foram feitas no sentido de
substituir o branco de chumbo por outro pigmento, como atrás se
referiu.
O mercúrio no vermelhão e o cádmio no amarelo e no vermelho
de cádmio são os responsáveis pela toxicidade destes três
pigmentos. Finalmente, deve referir-se a toxicidade do verde de
óxido de crómio e do viridian, devido à presença do crómio no
estado de oxidação +3 (muito mais tóxico do que no estado +6).
Actualmente, devido à utilização dos pigmentos adquiridos em
tubos, já na forma de tinta, os problemas de toxicidade podem ser
minimizados pelos pintores evitando o contacto das tintas com a
boca - aliás, como recomendava Cennini -, já que a absorção
através da pele não é significativa devido à insolubilidade que
caracteriza os pigmentos. No entanto, antes da comercialização
dos tubos, iniciada há cerca de século e meio, havia também o
problema da inalação dos pigmentos na forma de pó, já que a
preparação das tintas era geralmente efectuada no atelier, como
se vê representado em muitas pinturas ou gravuras (figura 3). A
este respeito é interessante dar conta da referência de Plínio
segundo a qual, no seu tempo, "aqueles que manipulam o
cinábrio nas oficinas prendem à face máscaras feitas de bexigas
para evitarem a inalação do pó, que é muito venenoso" (livro
XXXIII, 122).
3. Análise ^
A identificação dos pigmentos utilizados em pintura, há mais de
dois séculos que é tradicionalmente efectuada através de testes
de identificação de catiões e aniões (figura 13). Ao longo do
tempo, o método foi naturalmente aperfeiçoado e no último
século os testes de coloração, solubilidade e precipitação foram
geralmente conduzidos ao microscópio óptico, sobre amostras de
dimensões inferiores a 1 mm3, como notavelmente fez M. de Wild
em 1929. Esta reduzida dimensão das amostras é uma vantagem
extremamente importante, atendendo-se à natureza das obras de
onde são removidas. Desde 1956 está estabelecido o protocolo,
devido a J. Plesters, que ainda hoje, no essencial, continua a ser
utilizado, embora já não tenha a importância usufruída noutros
tempos devido ao desenvolvimento dos métodos instrumentais.
Na primeira metade do século XX, sobretudo graças ao trabalho
desenvolvido por R. J. Gettens, tais análises começaram a ser
acompanhadas da observação ao microscópio de amostras de
pintura, montadas transversalmente numa resina, que permite
determinar o número das camadas de tinta usadas na elaboração
dos motivos representados nos quadros, a sua sequência e
algumas das suas propriedades físicas, designadamente
espessura, heterogeneidade e formas das partículas que as
constituem. Pretende-se assim pôr em evidência determinadas
características técnicas das obras e dos artistas (figura C9). Entre
as vantagens do método baseado nos testes microquímicos
contam-se também a sua grande acessibilidade, resultante dos
escassos recursos laboratoriais que exige e, consequentemente,
reduzido custo das análises, a sua aplicabilidade a todos os tipos
de pigmentos e a sua resolução espacial se as análises forem
realizadas em conjugação com as observações estratigráficas,
como habitualmente sucede. Pelo contrário, tem a desvantagem
de ser um método relativamente lento quando está envolvido um
grande número de amostras e só permitir identificar espécies
testadas - o que, por exemplo, explica a muito tardia
redescoberta do amarelo de chumbo e estanho.
Até há pouco, os métodos instrumentais mais utilizados na
identificação dos pigmentos eram a espectrometria de
fluorescência de raios X (XRF), a difractometria de raios X (XRD)
e, mais recentemente, a microscopia electrónica de varrimento
associada a espectrometria de raios X (SEM-EDS ou SEM-EDX).
A utilização do primeiro deve-se, em grande parte, a duas razões.
Antes de mais, à possibilidade de análise directa das obras, sem
haver necessidade de remoção de qualquer amostra - o que foi
determinante para que o espectrómetro de fluorescência de raios
X já tenha sido designado como "o instrumento de sonho do
conservador". Em segundo lugar, à natureza multielementar do
método, que torna possível análises num curto lapso de tempo e
permite a detecção dos elementos químicos independentemente
de se suspeitar ou não da sua presença. No entanto, tem o
grande inconveniente de apresentar uma resolução espacial
relativamente reduzida e dificilmente permitir distinguir
pigmentos com a mesma composição elementar qualitativa ou
que só diferem nos elementos mais leves da tabela periódica que
não são detectáveis.
A importância da difractometria de raios X resulta de este ser o
mais seguro método de identificação dos pigmentos, em virtude
de os difractogramas traduzirem a estrutura do material na sua
totalidade e não apenas fragmentos da mesma. O tempo
necessário a cada análise e as dificuldades que podem surgir com
as misturas, os materiais de menor grau de cristalinidade e a
pequena dimensão das amostras são os seus pontos mais fracos.
O microscópio electrónico de varrimento com espectrómetro de
raios X acoplado tem sido usado como um espectrómetro de
fluorescência de raios X, mas com a vantagem de proporcionar
uma elevada resolução espacial, além de fornecer outras
informações sobre as partículas, designadamente a forma,
dimensão e estruturas em que participam. Esta resolução
espacial, a maior dos métodos habitualmente disponíveis, torna
possível analisar separadamente cada uma das partículas de uma
camada de pintura e, se houver interesse nisso, permite detectar
gradientes de concentração entre o interior e o exterior das
partículas dos pigmentos, eventualmente relacionáveis com
fenómenos de alteração. Implica, contudo, recolha de amostras.
Nos últimos anos, a este conjunto de métodos juntou-se a
microscopia Raman, a qual resulta da combinação de um
espectrómetro Raman com um microscópio óptico ou outro
equipamento de microscopia óptica. Com esta configuração é
possível fazer análises in situ e com boa resolução espacial, o
que, conjugado com os espectros simples obtidos e a
versatilidade do método, que igualmente permite analisar
materiais orgânicos como os aglutinantes, justifica a importância
que a microscopia Raman tem adquirido e o facto de prometer vir
a tornar-se num futuro muito próximo um dos métodos mais
empregues na identificação dos pigmentos.
4. Bibliografia ^
A bibliografia seguinte, uma miscelânea de livros e artigos, com
diferentes graus de acessibilidade a respeito do conteúdo e da
facilidade de consulta em bibliotecas, corresponde, antes de
mais, à bibliografia que directa ou indirectamente maior
contribuição teve na elaboração deste texto; por outro lado, serve
de pequeno guia para quem quiser desenvolver alguns dos
assuntos abordados. Desta lista permito-me destacar o livro de R.
J. Gettens e G. L. Stout, fisicamente pequeno, mas extremamente
informativo, não obstante a sua idade. Do ponto de vista
histórico, o livro de P. Ball proporciona uma interessantíssima
leitura.
Alguns livros também têm interesse para o desenvolvimento de
outros assuntos além dos que correspondem às secções onde são
referidos; porém, a inclusão numa secção que não a geral dá
conta do assunto que actualmente constitui a contribuição mais
importante ou interessante de um livro. Está nesta situação, por
exemplo, o livro de A. P. Laurie.
Uma última nota prévia a respeito das fontes: não são aqui
enumeradas as diferentes edições existentes ou consultadas das
fontes primárias citadas, nomeadamente, as de autoria de
Vitrúvio, Plínio e Cennini. Para cada uma destas fontes indica-se
apenas a edição consultada que se julga ser a melhor (pelo
menos no que diz respeito aos pigmentos). No entanto, há um
interesse acrescido no confronto de várias edições a respeito das
passagens mais obscuras. Além disso, importa ter presente que
um bom conhecimento da língua original não é garantia de uma
adequada tradução, por causa dos aspectos técnicos envolvidos.
4.1. Geral ^
Feller, R. L. (org.) - Artists' Pigments. A Handbook of their History and Characteristics. Volume 1. Cambridge: Cambridge University Press, 1986.
Fitzhugh, E. (org.) - Artists' Pigments. A Handbook of their History and Characteristics. Volume 3. Washington: National Gallery of Art, 1997.
Gettens, R. J.; Stout, G. L. - Painting Materials: A Short Encyclopedia. New York: Dover Publications, 1966. [1.ª edição: 1942. Existem várias reimpressões.]
Roy, A. (org.) - Artists' Pigments. A Handbook of their History and Characteristics. Volume 2. Washington: National Gallery of Art, 1993.
4.2. As fontes e a sua interpretação ^
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Félibien - Des Principes de l'Architecture, de la Sculpture, de la Peinture. Paris: 1676. (Acessível em http://gallica.bnf.fr/scripts/ConsultationTout.exe?E=0&O=N050597.)
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Vitruve - De l'Architecture. Livre VII. Estabelecimento do texto e tradução de Bernard Liou e Michel Zuinghedau, comentários de Marie-Thérèse Cam. Paris: Les Belles Lettres, 1995. [Texto datável do século I a.C.]
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4.7. Análise ^
Cruz, A. J. - A matéria de que é feita a cor. Os pigmentos utilizados em pintura e a sua identificação e caracterização. Comunicação aos 1.os Encontros de Conservação e Restauro - Tecnologias, Instituto Politécnico de Tomar, 2000. (Acessível emhttp://ciarte.no.sapo.pt/textos/html/pigmentos/pigmentos.html.)
Khandekar, N. - Preparation of cross-sections from easel paintings. Reviews in Conservation, 4, 2003: 52-64.
Mantler, M.; Schreiner, M. - X-Ray Fluorescence Spectrometry in Art and Archaeology. X-Ray Spectrometry, 29, 2000: 3-17.
Plesters, J. - Cross-sections and chemical analysis of paint samples. Studies in Conservation, 2 (3), 1956: 110-157.
Smith, G. D.; Clark, R. J. H. - Raman microscopy in art history and conservation science. Reviews in Conservation, 2, 2001: 92-106.
de Wild, A. M. - The Scientific Examination of Pictures. An Investigation of the Pigments used by the Dutch and Flemish Masters from the Brothers Van Eyck to the Middle of the 19th Century. London: G. Bell and Sons, Ltd. 1929.
Figuras a cor ^
Figura C1. Loja de pigmentos em Veneza, Itália. Fotografia de Michael Douma, webexhibits.org, usada com permissão.
Figura C2. Amostras de cinábrio, proveniente de Espanha, e lápis-lazúli, a partir do qual se obtém o azul ultramarino, proveniente do Afeganistão.
Figura C3. Botica segundo gravura de Quiricus de Augustis, Dlicht d' Apotekers, Bruxelas, 1515.
Figura C4. O círculo cromático de Chevreul, de 1864, que teve significativa influência na pintura impressionista. Cores complementares encontram-se em posições opostas. A sequência das cores encontradas no espectro da radiação visível, no essencial, está aí representada e inicia-se sensivelmente a sudoeste e, no sentido dos ponteiros do relógio, corresponde a crescentes comprimentos de onda e, portanto, decrescentes valores de energia.
Figura C5. A formação da cor: um objecto de cor vermelha absorve as várias componentes da luz que sobre ele incide excepto a corresponde ao vermelho a qual, assim, é a única componente que atinge os nossos olhos.
Figura C6. O comportamento da luz na interface ar/pigmento. a) Feixes incidente (i), reflectido (d), refractado (r) e transmitido (t) e respectivas intensidades (I) e geometria.b) Relação qualitativa entre a cor dos feixes incidente, reflectido, refractado e transmitido no caso de um pigmento vermelho iluminado com luz branca.
Figura C7. O efeito do meio exterior aos pigmentos na opacidade destes, simulado com vidro de garrafa moído (amostra da esquerda, na figura C8). À esquerda o vidro seco; à direita a mesma amostra de vidro, mas molhada.
Figura C8. O efeito da granulometria na cor (saturação) de um pigmento, simulado com vidro de garrafa moído. Da esquerda para a direita, fracções sucessivamente mais finas.
Figura C9. Corte estratigráfico de uma amostra recolhida na pintura Apresentação da Virgem no Templo, de Bento Coelho da Silveira, século XVII.. Estratigrafia da base para o topo: camada de preparação (ocre, cré, vermelhão e negro animal) e camada azul (azurite, ocre, vermelhão e negro animal). Observação ao microscópio óptico com luz reflectida e ampliação de 110 x.
Figura C10. Alteração do branco de chumbo, pintura mural da igreja de Santa Clara do Sabugueiro, Arraiolos. O processo corresponde à reacção: PbCO3·Pb(OH)2 + 2H2S -> 2PbS + 3H2O + CO2. Fotografia de Irene Frazão, usada com permissão.
Figura C11. Alteração do esmalte na pintura representando, S. Lucas, de Hendrick ter Brugghen, 1621. Do lado do braço esquerdo do apóstolo a imagem mostra o manto do apóstolo como se encontra actualmente. Do lado direito, é apresentada uma reconstituição (virtual) da situação inicial. Reconstituição de Joris Dik, publicada emNature, 417, 2002: 219, usada com permissão do autor e do editor, Nature Publishing Group.
Figuras a preto e branco ^
Figura 1. A Arte da Pintura, do pintor Filipe Nunes, foi pela primeira vez publicada em 1615 como parte da sua Arte Poética, e da Pintura. Teve 2.ª edição, "correcta, emendada e acrescentada com seu index" em 1767. Uma edição fac-similada da 1.ª foi editada em 1982 (cf. bibliografia). Provavelmente, é o tratado português sobre pintura com mais ampla divulgação e maior interesse histórico. Alguns extractos foram traduzidos para inglês em Zahara Veliz - Artist's Techniques in Golden Age Spain: Six Treatises in Translation. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.
Figura 2. Louis Jacques Thenard (1777-1857). Procurando um substituto para o azul ultramarino, muito caro, e para o azul da Prússia, por vezes pouco estável, Thenard obteve em 1802 um excelente pigmento por calcinação de uma mistura de fosfato de cobalto e hidróxido de alumínio, pigmento este que já estava comercialmente disponível em França em 1807. Actualmente conhecido como azul de cobalto, e preparado por outro processo, já foi descrito como azul de Thenard.
Figura 3. Gravura de Johannes Galle, segundo um original de Jan van der Straet (1525-1605), dito Stradanus, publicada em Antuérpia cerca de 1633, representando uma oficina de pintura. Além do pintor, são visíveis vários aprendizes, a realizarem diversas tarefas, dois dos quais, no canto superior direito, procedem à moagem dos pigmentos.
Figura 4. Antes da invenção dos tubos de tinta, em 1841, as tintas já preparadas para utilização eram vendidas em bexigas de porco, como as que se vêem em várias gravuras, como a inserida por Pierre Louis Bovier no seu Manuel dês Jeunes Artistes et Amateurs en Peinture, publicado em 1827.
Figura 5. Desdobramento energético das orbitais d de um ião metálico rodeado de outras seis (estrutura octaédrica) ou quatro espécies químicas (estrutura tetraédrica). A transição de um electrão do conjunto de orbitais menos energéticas para o conjunto de orbitais mais energéticas, em resultado da absorção de radiação luminosa, está na origem da cor de alguns pigmentos.
Figura 6. Espectro de absorção do azul de cobalto. O pigmento encontra-se misturado com um pigmento branco (5%). O máximo de absorção (que ocorre a cerca de 600 nm) corresponde à energia absorvida nas transições d-d. Uma das zonas de menor absorção (entre 400 e 550 nm) corresponde sobretudo à cor azul, a outra (entre 650 e 700 nm) a vermelho. Estas são as cores que predominam na luz reflectida à superfície do pigmento. Porém, como os nossos olhos são mais sensíveis à radiação da zona central do espectro visível do que à radiação próxima dos limites do mesmo, para nós é o azul que sobressai e, portanto, esta é a cor que associamos ao pigmento.
Figura 7. Comparação entre o espectro de absorção de um pigmento cuja cor está relacionada com transições d-d ou transições de transeferência de carga (situação a) e o espectro de um pigmento que tem propriedades semi-condutoras (situação b). No esquema considera-se que a separação entre as orbitais ou as bandas entre as quais ocorre a transição é igual nos dois casos e tem o valor de 2.4 eV.
Figura 8. Na ausência de absorção, o índice de refracção de um pigmento diminui quando aumenta o comprimento de onda l da radiação que nele incide (dispersão normal). No entanto, na zona do espectro em que há absorção da radiação pelo pigmento, fenómeno que está na origem da cor deste, o índice de refracção aumenta com o comprimento de onda (dispersão anómala).
Figura 9. Fracção da luz que é reflectida à superfície de uma partícula de pigmento (Id/Ii) em função da diferença entre os índices de refracção do
pigmento (n) e do meio (next). Considera-se que a luz incide segundo a direcção perpendicular à superfície.
Figura 10. Efeito do número de partículas na transparência de uma camada de pintura. O feixe a encontra um reduzido número de partículas de um pigmento de modo que atinge a camada subjacente e é devolvido para fora da camada superficial. Sendo este feixe detectado por um observador, a camada superficial surge como transparente, pois permite ver a subjacente. O feixe b é completamente absorvido pelas partículas de pigmentos, em muito maior número, de forma que não volta à superfície. Nessa zona a camada de pintura é opaca.
Figura 11. Estrutura da molécula do índigo, um corante que desde a Antiguidade tem tido importância em pintura. Tradicionalmente era obtido da planta Indigofera tinctoriaatravés de processos muito penosos para quem os praticava. A sua produção, sobretudo destinada ao tingimento de têxteis, teve consequências económicas e sociais muito significativas mesmo à escala global.
Figura 12. Anúncio de 1883 do insecticida verde de Paris, isto é, verde esmeralda.
Figura 13. Humphry Davy (1778-1829) foi um químico inglês com uma obra extremamente importante para o desenvolvimento da química, nomeadamente relacionada com a descoberta de vários elementos químicos. Interessou-se também pela identificação dos pigmentos utilizados na Antiguidade, tendo procedido à análise de amostras de pigmentos encontrados em escavações arqueolgicas e pinturas murais de Roma e Pompeia, cujos resultados apresentou em 1815 numa sessão da Royal Society of London (Philosophical Transactions, 105, 1815: 97-124). Identificou o pigmento hoje conhecido como azul egípcio, que não era usado no seu tempo, e relacionou-o com as referências encontradas nos textos da Antiguidade, nomeadamente de Vitrúvio e Plínio.
1 Como não fica claro nesta descrição, importa referir que, além do cobre e da sílica (SiO2) esta introduzida sob a forma de areia, um ingrediente igualmente indispensável preparação deste pigmento, aliás mais antigo do que Alexandria, é o carbonato de cálcio (CaCO3), o qual, no entanto, se encontra em concentração significativa nalgumas areias, nomeadamente no Egipto. O natrão (Na2CO3·10H2O) tem o papel de fluxo ou fundente, isto , torna possível a obtenção do pigmento a uma temperatura mais baixa do que a necessária na sua ausência.
2 Importa sublinhar que a explicação acima apresentada foi formulada do modo mais simples possível, pois, mesmo a nível qualitativo, na realidade, há vrias outras interacções que não podem ser ignoradas, especialmente quando as orbitais d de um ião têm mais do que um electrão. Consequentemente, os espectros são mais complexos do que sugere a descriço apresentada. Um aperfeiçoamento deste modelo pode ser encontrada em qualquer livro de qumica inorgnica.
António João Cruz, As Cores dos Artistas – História, Química, Física e Análise dos Pigmentos Utilizados em Pintura, Lisboa, Apenas Livros, 2004, 44 pp. ISBN 972-8777-79-5
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