8/18/2019 Panorama Das Soluções Fáceis
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O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 8DE NOVEMBRO DE 2015 Economia B5
Infelizmente, muitos sãoseduzidos pelosonhodeque é sempre possível
acharumasoluçãofácilparamuitosproblemaseconômi-cos, evitando os custos po-líticos. Nesse artigo querodiscutir duas dessas “solu-ções fáceis”.
A primeira é que seria umerro insistir na reforma daPrevidência, elevando a ida-de de aposentadoriae remo-
vendo a indexação do paga-mentodosbenefíciosaosalá-riomínimo.Afinal,os gastoscoma Previdência represen-tam 7% do PIB, enquanto os
juros sobre a dívida públicarecentemente subiram a
8,9%doPIB.Porqueprivile-giar os “rentistas” em detri-mento dos que trabalharampor toda uma vida? Em vezde mobilizar a sociedade noapoiodeumareformadaPre-
vidência, vendedores de ilu-são conclamam economis-tasepolíticosapressionarpe-lareduçãodataxadejuros.
Quem defende essa pro-posta convenientemente seesquece do fracassado expe-rimento de 2012, quando –sobaplausos–ogovernoder-rubou “na marra” a taxa de
juros.Nãofaltaramadvertên-ciasdequeainflaçãocresce-ria, o que de fato ocorreu,mesmo diante do represa-
mento dos preços adminis-tradosedasintervençõesdoBanco Central no mercadofuturo de câmbio.
Correção inflacionária. Umdos erros cometidos porquem propõe esse caminho
vem do fatode que nem todoo gasto de 8,9% do PIB refe-re-seao pagamentode juros.Nesse total estão incluídosos prejuízos do Banco Cen-tral com as vendas de swapscambiais, que, se forem ex-cluídos,levariamesse totala6,6%doPIB.Osegundoerro
vem do “esquecimento” –também conveniente – deque os juros nominais são asomadosjurosreaisedasex-
pectativas de inflação, equantomaiorforemasexpec-tativas,maiselevadaseráata-
xa nominalde juros. Ou seja,o “custo de juros” sobre adívida pública é tanto mais
elevadoquantomaiorforainfla-ção.Diantedeinflaçõestãoele-
vadas quanto a nossa, devería-mos utilizar o conceito larga-menteusadono passado,que éo de “déficit operacional”, quededuzdo déficit nominal o queno passado eradenominado de“correçãoinflacionária da dívi-dapública”,quenadamaisédoqueacomponentedeexpectati-
vas de inflação embutida na ta- xa nominal de juros. Em artigorecentenaFolhadeS.Paulo,Ale-
xandre Schwartsman mostrouque,seissofossefeito,chegaría-mos a um gasto com juros daordemde2%doPIB.
Nesseponto,cabemtrêscon-siderações. A primeira é que
quem se apressar em acusar-mederecriarumaesquecida“ja- buticaba”,lembroque oconcei-todedéficitoperacionalnãofoiutilizado apenas no Brasil.Quandonaerapré-Volkerasin-flações nos Estados Unidoseramelevadas,eatribuídasàpo-líticafiscalexpansionista,Fran-co Modigliani – um conhecidoganhador do prêmio Nobel deeconomia – o usou para de-
monstrarqueacontribuiçãodapolíticafiscalera muitomenor.Discutoesseepisódionocapítu-lo3dolivro Inflaçãoe Crises.
A segunda é que nunca é de-mais repetir que uma das ra-zões para as elevadas taxas no-minaisdejurospagasatualmen-te no Brasil é o fato de que ainflação cresceu muito acimada meta, o que elevou as taxasdeinflaçãoesperadas,e quees-se resultadoé uma consequên-ciadaredução“namarra”data-
xa de juros ocorrida em 2012. Ao renunciar ao uso da políticamonetáriaparacontrolarainfla-ção,preferindo fazê-lo conten-doosreajustesdepreçosadmi-nistradose impedindoa depre-
ciaçãocambial compesadasin-tervençõesno mercado futuro,o governo gerou pressões queexplodiram em uma inflaçãomais alta, tornando inexorávela elevação das taxas nominal ereal de juros. Será que valeria apenarepetiresseexperimento?
A terceira diz respeito à taxarealdejuros,queéreconhecida-mente alta no Brasil. Emboranão se tenha um diagnóstico
precisodasrazõesparaisso,po-demos identificar pelo menosduas causas. A primeira são as
baixastaxasdomésticasde pou-pança,queemgrandepartederi-
vamdasbaixastaxasde poupan-ça do próprio governo que, emúltimainstância,vêmdosdefei-tosda políticafiscal. A segundasão as distorções geradas peloexageronos subsídiosao crédi-to, particularmente pelo BN-DES, que desde 2007 vem ali-
mentandoo aumento da oferta
decréditocomrecursostransfe-ridos pelo Tesouro por fora doorçamento,queelevaramadívi-dabruta emtorno de10 pontosporcentuais do PIB. O governoesperavaque issolevariaao au-mento nos investimentos emcapitalfixo,acelerandoocresci-mento do PIB, mas como temsido demonstrado por Carlos
AntonioRocca epor SérgioLaz-zarini, a taxa de investimentos
noBrasilvemcaindoaoladodoaumento da oferta de créditopor parte do BNDES. Precisa-mos baixar as taxas reais de ju-ros,porém não“na marra”.
A segunda “solução fácil” li-ga-se ao tamanho das reservasinternacionais e às interven-çõesnomercadodeswapscam-
biais. Reservas altas têm custo(a diferença entre a taxa do-mésticadejuros–queéalta–eataxa internacional de juros –próxima de zero),e o custofis-caléaindamaiordevidoaospre-
juízos vindos das vendas deswapscambiais,cujoestoquesi-tua-sepoucoacimadeUS$100
bilhões.Sereduzíssemoso esto-que de reservas,economizaría-mosodiferencialentreastaxas– doméstica e internacional –dejuros,eumaeconomiamaiorseriaobtidacasoosswapscam-
biais fossem recomprados, se-guidos da vendade reservas.
Porquevenderreservasquan-do os swaps são resgatados? A razãoestánofatodeque,comarecompradosswaps,cairiaoes-toquedehedge,pressionandoadepreciação do real. Quempropõe essa solução pensa que
adepreciaçãoseriaevitadacom venda dereservas, e, em adição,teríamosumganhovindodare-dução do tamanho da dívida.Como o Banco Central teriadeesterilizar os efeitos monetá-rios da venda de reservas, teriade recomprar títulos públicosatravésdareduçãodesuasope-rações compromissadas, o quelevaria à queda do estoque dadívidapúblicabruta.Ouseja,ao
reduzir o estoque da dívida bruta,colheríamoso subpro-duto de aliviar a política fis-cal, porque, com uma dívidamenor, seriam necessáriossuperávits primários mais
baixos para estabilizá-la.Masseráqueesseefeitose-
riaquantitativamenteimpor-tante?Umpoucodearitméti-camostraquenão.Aumata-
xa cambial de R$4,00/US$, aqueda de US$100 bilhões dereservas(eliminandoo esto-quedeswaps)reduziriaare-laçãodívida/PIB de 7 pontosporcentuais do PIB, o que à taxadejurosde6,5%aoanoecomcrescimento do PIBpo-tencialde1,5%aoano,levariaaumaquedapróximade0,35ponto porcentual do PIB dosuperávitnecessárioparaes-tabilizar a relação dívi-da/PIB. Em vezde seremne-cessários (dadas as hipóte-ses sobre os juros reais e ocrescimentopotencial)supe-rávits primários um poucoacima de 3% do PIB, seriamnecessários superávits umpouco abaixo de 3%, ambosmuito distantes dos núme-
rosdehoje,quandoaindaes-tamos no terreno dos défi-cits primários muito eleva-dos. Em conclusão, isso nãogeraria alívio que merecessemaior atenção sobreo esfor-çofiscalqueénecessário.
Risco. Infelizmente, ao ladodesseganhomuitopequeno,teríamos o aumento de umrisco importante. O Brasilnão vive uma crise de balan-çodepagamentos,esimumacrise fiscal e política. É elaque tem provocado a eleva-ção das cotações do CDS e adepreciação do real, mas se
vendêssemos reservas nessaintensidade sem aprofundar
oajustefiscalestaríamosnosexpondo à percepçãode queentramos na antessala deumacrisenobalançodepaga-mentos. O mais provável équeessa“soluçãofácil”fosse
vista pelos mercados comouma exposição desnecessá-riaaoutracrise,ligadaaoba-lanço de pagamentos, e em
vez da venda de reservas im-pedir a depreciação cambial
vindadaquedado hedgecam- bial, teríamos depreciaçãomaisacentuadaaoladodoau-mentodas cotaçõesdo CDS,o que elevaria a inflação e astaxasnominaisdejuros,comefeitos sobre a “conta de ju-ros”da dívida pública.
Nenhum desses artifícios
superaoqueénecessáriopa-ra colocar o Brasil de volta à rota do crescimento, que éumprofundoajustefiscal,pa-ra o qual não existem solu-çõesfáceis.
Soluçõesfáceis
AFFONSOCELSO
PASTORE
JoãoVillaverde/ BRASÍLIA
Após três anos seguidos debaixo crescimento e reces-são, com aumento de desem-prego, a dívida pública brutasaltará fortemente, deixandoo governo mais dependentede um ajuste fiscal para evi-tar uma crise mais grave. Es-sadescrição,usadaparaexpli-car as turbulências dos últi-mosanosnaEuropa,deveser-
vir ao Brasil de 2014 a 2016. Opróprio governo admitiu aoCongressoqueadívidapúbli-ca bruta chegará a quase 72%
do Produto Interno Bruto(PIB) em 2016. Haverá, por-tanto, um salto de quase 20pontos porcentuais da dívidapúblicaemapenastrêsanos–em dezembro de 2013, ela re-presentava 53,2%do PIB.
A combinaçãoentre recessãoe debilidade fiscal pode ser ex-plosiva? Para o economistaLuis Eduardo Assis, ex-diretordoBancoCentral,oriscoparaoPaíséseaproximardarealidadede alguns países europeus, co-mo Itália, Espanha e Portugal,queviramsuadívidapúblicasu-
bir muito em poucosanose ho- je convivem com baixo cresci-mento econômico. “A diferen-ça é que eles já enriqueceram,nós não. O grande risco aquinão é mesmo o de uma explo-são, como na Grécia, mas deuma mediocridade de cresci-mentopor muitos anos.”
ParaNelsonMarconi,coorde-nadordocursodeEconomiadaFundação Getulio Vargas emSão Paulo (FGV-SP), o quadrode baixo crescimento e alta doendividamento é semelhanteao de países europeus, mas, nolimite, o Brasil “se salva” pelo
fatodeadívidaserpredominan-temente lastreada em moedanacional. “Os europeus estãopresosao euro,uma moedaco-mum,masquenãoécontroladapor cada país. Nós, no limite,desvalorizamos muitoa moedapara pagar a dívida. Seria umaopçãodramática,maséumasaí-da limite.”
Erros. Segundo Marconi, a tra- jetória de forte alta da dívidadesdeo fimde 2013 é resultadodoserrosdepolíticaeconômicado governo Dilma e da elevada
taxabásicadejuros,quecorrigeostítulosdogoverno.“Ogover-noconcedeuuma série de estí-mulos fiscais e aumentou mui-toosgastosparafazeraecono-mia crescer, mas a estratégianãodeucerto.Issopiorouoqua-dro das contas públicas e nãogeroucrescimento.Osdoispro-
blemas, juntos, fazem a dívidapúblicacrescer.Nãoajudaofa-todetermosamaiortaxadeju-rosdo mundo”,afirmou.
Segundo o economista Ale- xandre Schwartsman, ex-dire-tordoBancoCentral,ogovernoprecisa, urgentemente, “arru-
mar sua casa”. Isto é, reduzirgastos com despesas obrigató-rias,emespecialnaPrevidênciaSocial. “O governo precisa fa-zer um ajuste fiscal que possa,nomaiscurtoespaçode tempopossível,sinalizarque voltará aproduzirumsuperávitfiscal.Is-sopermitiráaomenosumaesta-
bilizaçãodo endividamentopú- blico e também a redução dos juros,o queajuda nocrescimen-to econômico”, disseele.
Para Schwartsman, a saídapreconizada por economistasque defendem mais gastos e
mais estímulo ao crédito (co-mosugeriuoex-presidenteLu-la), não faz o menor sentido.“Segastarfosseasaída,nãoha-
veriapobreza no mundo.Basta-
riaquetodososgovernosimpri-missem dinheiro e entregas-sem paratodas as pessoas.”
Segundo ele, a busca por re-ceitasextraordinárias fazpartedo jogo. Nos anos 90, o entãogoverno Fernando HenriqueCardoso(PSDB)usourecursosdas privatizações de empresasestatais para pagar os juros dadívida. Agora, o governo DilmaRousseffpretendeusarodinhei-roquepodevircomaregulariza-ção e repatriação de ativos de
brasileirosmantidosilegalmen-te no exterior para reforçar o
ajustefiscal.“Areceitaextraor-
dináriaajuda.Masserveapenaspara um ano específico, não dá paraficardependente dela.”
Osanalistas,noentanto,con-cordam que nenhuma reformaestrutural, comomudanças emaposentadoriasepensõeseajus-tesnascontaspúblicas,sairádopapelnoatualcontextodecrisepolítica.“Asociedadebrasileiraprecisa discutir o Estado queelaquer, e isso terá impacto nofuturodadívidapública.Mases-sedebate hojeé absolutamenteimpossível.Sódepoisderesolvi-da a crisepolítica”, disseAssis.
O País não vive crise debalanço de pagamentos;
vive crise fiscal e política
Em3anos, dívida vai de53%para 72%doPIB
l Receita
EVARISTO SA/AFP–4/11/2015
Despesas. Crescimentodadívidaé atribuídoao aumento dosgastos nogoverno Dilma
Para economistas, sem ajuste fiscal e reformas estruturais, País não
conseguirá resolver o problema do aumento do endividamento público
“Se gastar fosse a saída,não haveria pobreza nomundo. Bastaria quetodos os governosimprimissem dinheiroe entregassem para todasas pessoas.”AlexandreSchwartsman
ECONOMISTA
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