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    PARTICIPAO SOCIAL COMO MTODO DE GOVERNO? UM MAPEAMENTO DAS "INTERFACES SOCIOESTATAIS" NOS PROGRAMAS FEDERAIS

    Roberto PiresAlexander Vaz

  • TEXTO PARA DISCUSSO

    PARTICIPAO SOCIAL COMO MTODO DE GOVERNO? UM MAPEAMENTO DAS INTERFACES SOCIOESTATAIS NOS PROGRAMAS FEDERAIS*

    Roberto Pires**Alexander Vaz***

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    * Cumpre registrar os devidos agradecimentos equipe da Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratgicos (SPI) do Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto (MPOG) pelo apoio pesquisa e no acesso aos dados, no auxlio interpretao destes e pelos comentrios e crticas oferecidos para o aprimoramento do texto. Alm disso, agradecemos tambm equipe da Secretaria Nacional de Articulao Social (SNAS), da Secretaria-Geral da Presidncia da Repblica, e aos pesquisadores e bolsistas da Diretoria de Estudos do Estado, das Instituies e da Democracia (Diest) do Ipea pela leitura crtica e sugestes de reviso das anlises e do texto.** Tcnico de Planejamento e Pesquisa da Diest/Ipea. *** Bolsista do Programa Nacional de Pesquisa do Desenvolvimento (PNPD) do Ipea.

  • Governo Federal

    Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica Ministro Wellington Moreira Franco

    Fundao pblica vinculada Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica, o Ipea fornece suporte tcnico e institucional s aes governamentais possibilitando a formulao de inmeras polticas pblicas e programas de desenvolvimento brasileiro e disponibiliza, para a sociedade, pesquisas e estudos

    realizados por seus tcnicos.

    PresidenteMarcio Pochmann

    Diretor de Desenvolvimento Institucional Geov Parente Farias

    Diretor de Estudos e Relaes Econmicas e Polticas Internacionais, Substituto Marcos Antonio Macedo Cintra

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    Diretora de Estudos e Polticas Macroeconmicas Vanessa Petrelli Corra

    Diretor de Estudos e Polticas Regionais, Urbanas e Ambientais Francisco de Assis Costa

    Diretor de Estudos e Polticas Setoriais de Inovao, Regulao e Infraestrutura Carlos Eduardo Fernandez da Silveira

    Diretor de Estudos e Polticas Sociais Jorge Abraho de Castro

    Chefe de Gabinete Fabio de S e Silva

    Assessor-chefe de Imprensa e ComunicaoDaniel Castro

    URL: http://www.ipea.gov.br Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria

    Texto paraDiscusso

    Publicao cujo objetivo divulgar resultados de estudos

    direta ou indiretamente desenvolvidos pelo Ipea, os quais,

    por sua relevncia, levam informaes para profissionais es-

    pecializados e estabelecem um espao para sugestes.

    As opinies emitidas nesta publicao so de exclusiva e

    inteira responsabilidade do(s) autor(es), no exprimindo,

    necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa

    Econmica Aplicada ou da Secretaria de Assuntos Estrat-

    gicos da Presidncia da Repblica.

    permitida a reproduo deste texto e dos dados nele con-

    tidos, desde que citada a fonte. Reprodues para fins co-

    merciais so proibidas.

    ISSN 1415-4765

    JEL: Z18

  • SUMRIO

    SINOPSE

    ABSTRACT

    1 INTRODUO ........................................................................................................ 7

    2 ESTADO, SOCIEDADE E SUAS INTERLOCUES NO BRASIL DEMOCRTICO ............ 9

    3 CONSIDERAES METODOLGICAS: MAPEANDO AS INTERFACES SOCIOESTATAIS ...17

    4 UMA PERSPECTIVA LONGITUDINAL DAS INTERFACES SOCIOESTATAIS ...................19

    5 UMA PERSPECTIVA INFERENCIAL DAS INTERFACES SOCIOESTATAIS.......................31

    6 INCIDNCIA DE INTERFACES SOCIOESTATAIS SEGUNDO A PERCEPO DOS GESTORES ......................................................................................................43

    7 CONSIDERAES FINAIS .......................................................................................50

    REFERNCIAS ...........................................................................................................52

    ANEXOS ...................................................................................................................55

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  • SINOPSE

    Nas ltimas dcadas, fez-se perceptvel a disseminao de formas de interao e colaborao de cidados, grupos da sociedade e atores privados na formulao, implementao e monitoramento de polticas pblicas. O objetivo deste artigo realizar um mapeamento analtico de tais formas de interlocuo e contato entre Estado e sociedade nos programas desenvolvidos pelo governo federal. Para tal recupera-se a noo de interfaces socioestatais como base analtica capaz de acomodar um amplo espectro de interaes Estado-sociedade, que vo desde a participao social em fruns coletivos e deliberativos, como os conselhos e conferncias nacionais, s formas mais restritas e individualizadas de contato, como ouvidorias, servios de atendimento ao cidado etc. A partir da sistematizao e anlise de dados oriundos do Sistema de Informaes Gerenciais e de Planejamento (Sigplan) foi possvel levantar informaes sobre as interfaces existentes em todos os programas do governo federal de 2002 a 2010. Com base nestas informaes, o presente artigo apresenta anlises descritivas longitudinais e inferenciais para a construo de um mapeamento das interfaces socioestatais, levando em considerao i) sua evoluo e disseminao nos programas e rgos federais; ii) sua diversificao em tipos e formatos; iii) as associaes entre tais tipos/formatos e reas temticas das polticas pblicas e, por fim; e iv) os significados e contribuies destas interfaces para a gesto dos programas. Conclui-se que, nos ltimos anos, emergiu no Brasil algo como uma ecologia complexa das relaes Estado-sociedade, na qual distintas formas de interao tendem a cumprir papis diferenciados na gesto e a se associar a ambientes e reas especficas de polticas pblicas.

    ABSTRACTi

    The last decades witnessed the wide dissemination of forms of interaction and collaboration between governments, citizens, civil society and private sector actors in the design, implementation and monitoring of public policies in Brazil. This paper is an attempt to analytically map the evolution and characteristics of such forms of interaction between state and society in the programs carried out by the federal government. In order to be able to deal with a wide variety of forms of state-society interaction, which includes citizen participation in deliberative forums as well as more

    i. The versions in English of the abstracts of this series have not been edited by Ipeas editorial department.As verses em lngua inglesa das sinopses (abstracts) desta coleo no so objeto de reviso pelo Editorial do Ipea.

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  • individualized forms of interaction such as ombudsman and call centers, we mobilize the concept of state-society interfaces. The analyses are based on an original dataset the Managerial and Planning Information System (SIGPLAN) maintained by the Ministry of Planning which allowed for the investigation of state-society interface in all programs developed by the federal government from 2002 to 2010. We ran both descriptive longitudinal as well as inferential analyses in order to survey: i) the evolution and dissemination of state-society interfaces in federal programs and bureaucracies; ii) the diversity of types and formats of these interfaces; iii) the associations between types/formats of interfaces and areas of public policy; and iv) the meanings and actual contributions of these interfaces to the federal programs attributed by their own managers. The findings suggest the emergence, in the last decade, of a complex ecology of state-society relations in Brazil. According to which distinct forms of state-society interaction tend to perform different roles in program management and to be associated to specific areas of public policy and their varied institutional environments.

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    Participao social como mtodo de governo? Um mapeamento das interfaces socioestatais nos programas federais

    1 INTRODUO

    O objetivo deste artigo realizar um mapeamento analtico dos tipos e formatos de interfaces estabelecidas entre Estado e sociedade nos programas desenvolvidos pelo governo federal. Nas ltimas dcadas, fez-se perceptvel a disseminao de formas de interao e colaborao de cidados, grupos da sociedade e atores privados na formulao, implementao e monitoramento de polticas pblicas. O atual governo brasileiro tem sustentado uma proposta de participao social como mtodo de gesto, coroando e acelerando ainda mais um processo iniciado dcadas atrs de institucionalizao e desenvolvimento de instncias como Conselhos Gestores de Polticas Pblicas e Conferncias Temticas. Mais recentemente, diversos outros fruns pblicos e canais de interlocuo Estado-sociedade, como audincias e consultas pblicas, mesas de negociao e ouvidorias, entre outros, tm sido criados e, principalmente, fortalecidos, no mbito do planejamento e execuo de programas federais.

    Supostamente, estes fruns e canais de interlocuo teriam o potencial de promover maior incluso, bem como maior racionalizao de recursos, em face da adoo de mtodos de consulta queles prprios indivduos, grupos e entidades impactados por decises eventualmente tomadas (ISUNZA; HEVIA, 2006). O adensamento das redes e canais entre Estado e sociedade tenderia a carregar em seu bojo o pressuposto sugerido de que a um maior nmero de canais de interlocuo poderia corresponder certo aumento nos graus de responsividade e accountability dos processos de tomada de deciso dos programas desenvolvidos e, por consequncia, incremento de suas respectivas eficincia e eficcia.

    Todavia, em face da diversidade de reas temticas e formas de atuao governamental, por um lado, e da variedade de formas de interao Estado-sociedade, por outro, cabe indagar sobre as possveis relaes entre estes fenmenos (tipo de poltica x tipo de interface) e os significados e implicaes dessas aproximaes entre atores e aes governamentais, cidados e grupos sociais. Existem formas de interlocuo que sejam mais comuns e mais frequentemente praticadas em certas reas/tipos de polticas? Quais os papis/contribuies desempenhadas pelas distintas formas de interao? Ser que um mesmo tipo de canal de interlocuo promoveria os mesmos efeitos de desempenho em programas diferentes? Ou ser que o sentido e a intensidade desses efeitos variariam conforme o desenho do programa? Por qu?

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    Este trabalho corresponde a uma primeira aproximao a esta agenda de pesquisa, afigurando-se oportuna a consecuo de dois objetivos especficos. Primeiro, a estruturao de instrumental terico-analtico que oferea suporte efetivo concretizao do modelo almejado. Recupera-se, nessa linha, o conceito de interface socioestatal em substituio ao conceito de participao social, entendendo o primeiro como base analtica provedora de maior capacidade, em termos de alcance e preciso, na compreenso e explicao tanto da complexidade quanto da variabilidade dos canais de interlocuo existentes atualmente entre Estado e sociedade no pas. Em segundo lugar, importa saber o atual estgio do conjunto de programas federais na seara, suscitando uma viso geral e retrospectiva dos tipos de interlocuo que tm sido empregados nos ltimos anos, sua frequncia e distribuio por tipos de programas e atividades governamentais, alm das contribuies percebidas a partir de sua operao.

    Metodologicamente, adota-se neste trabalho estratgia diferenciada dos estudos at ento realizados sobre a temtica das relaes Estado-sociedade. Tradicionalmente, as anlises e avaliaes da democratizao das polticas pblicas via abertura de canais de interao entre Estado e sociedade se organizam tendo como ponto de partida a seleo de mecanismos especficos (como conselhos, conferncias, audincias, ouvidorias etc.), procedendo, ento, discusso de sua existncia, funcionamento, incidncia e efetividade sobre a poltica pblica. Diferentemente, o presente mapeamento toma como ponto de partida e por objeto principal de estudo os programas federais que compem os Planos Plurianuais (PPA) 2004-2007 e 2008-2011 e, a partir dos programas, avalia a existncia, incidncia e distribuio dos referidos mecanismos. Dessa forma, proporciona uma leitura mais panormica e abrangente da incorporao destes ltimos nas aes do governo federal brasileiro.

    O texto segue organizado da seguinte forma. Em primeiro lugar, realiza-se breve discusso da transformao pela qual vem passando o Estado brasileiro no tocante aos processos pblicos decisrios e s relaes com a sociedade desde a redemocratizao. Esse mapeamento importante porque demonstra o aumento e a diversificao dos canais de interlocuo entre Estado e sociedade nos ltimos anos, constituindo-se base da diretriz geral da administrao pblica atual de adotar essa interlocuo como mtodo de governo. Em seguida, trabalha-se o propositivo de se utilizar o conceito de interface, em substituio ao conceito de participao social, como arcabouo de maior alcance e capacidade de explicao e compreenso dessa diversidade.

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    Logo aps, na segunda parte, realiza-se breve discusso metodolgica do trabalho, tomando por base as principais caractersticas e benefcios do Sistema de Informaes Gerenciais e de Planejamento (SIGPLAN) do Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto (MPOG), fonte de dados principal adotada nesta pesquisa. Na terceira parte, empreende-se anlise descritiva longitudinal dos dados coletados do referido sistema, tentando mapear a intensidade e os tipos de interfaces presentes nos programas e rgos do governo federal para o perodo de 2002 a 2010. A quarta parte tem carter inferencial e tenta estabelecer associao entre tipos de interfaces por temtica e carter dos programas desenvolvidos. A quinta parte faz uma primeira aproximao questo das contribuies e influncias das interfaces, com uma classificao em funo das narrativas dos prprios gestores dos programas. As consideraes finais esto na sexta e ltima parte.

    2 ESTADO, SOCIEDADE E SUAS INTERLOCUES NO BRASIL DEMOCRTICO

    A discusso sobre as intersees existentes entre Estado e sociedade nos processos pblicos de tomada de deciso, especialmente no mbito do planejamento em polticas pblicas, tem razes, pode-se dizer, numa concepo de governo que confere relevncia ao papel da sociedade como partcipe da construo, direcionamento e monitoramento da administrao pblica. Processo que, segundo Isunza e Hevia (2006), funda-se em pelo menos trs elementos principais: as lutas sociais por autonomia, as transformaes institucionais dos Estados nas ltimas dcadas e, por ltimo, a busca por legitimidade nas decises tomadas.

    Se tomarmos por base o caso do Brasil, no difcil perceber que, de fato, esse um padro analtico consistente. A Constituio de 1988 resultado de um complexo sistema de relacionamento entre grupos sociais diversos que, especialmente no final dos anos 1970, lutaram pela volta dos preceitos democrticos ao pas, como o caso dos grupos de esquerda e sua luta pela abertura poltica, ou, ainda, movimentos sociais que lutavam pela expanso dos servios pblicos e maior incluso da populao, como o caso do movimento sanitarista na rea da sade (JACOBI, 1989), movimentos que debatem o custo de vida, movimentos por moradias (DOIMO, 1995), entre outros. Alm disso, ao longo dos anos o pas tem experimentado a transformao da concepo

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    de governana interna numa tica de maior racionalizao dos gastos pblicos e preocupao com o desempenho das aes governamentais, especialmente em funo do aumento da responsabilizao dos gestores por ms administraes.

    A conjuno destes fatores tem gerado resultados concretos na administrao pblica, sendo particularmente notvel o incremento tanto do nmero, quanto dos tipos de canais de interao entre Estado e sociedade desde o perodo de redemocratizao. A existncia atualmente, por exemplo, de conselhos gestores da rea da sade em praticamente todos os municpios brasileiros um dos fatores ilustrativos de que, na verdade, no banal discutir os supracitados canais no Brasil democrtico (PIRES; VAZ, 2010). Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) apontam que mais de 90% das cidades do pas j possuem os conselhos cuja existncia condio para o repasse de verbas do governo federal em relao s reas temticas especficas sobre as quais versam, quais sejam, a da sade, a da assistncia social e a de direitos da criana e do adolescente (TATAGIBA, 2004; COELHO, 2004; GOHN, 2001). Alm disso, segundo Cunha (2004), somando-se todos os conselhos atualmente existentes, possvel estimar que haja 1,5 milho de pessoas atuando nestes espaos, nmero que, como j apontado por Avritzer (2008), supera, por exemplo, a quantidade atual de vereadores.

    A despeito da relativa predominncia assumida pelos conselhos gestores de polticas como objeto de estudo na literatura especializada na participao social no pas (VAZ, 2009, 2011), no possvel deixar de notar fenmeno concorrente, empreendido especialmente nos ltimos anos, relativo ao fortalecimento e incentivo composio de canais de interlocuo social embasados em outros tipos de desenhos e contando com pblicos-alvo diferenciados. De fato, se olharmos para alm dos instrumentos clssicos de interlocuo direta entre Estado e sociedade previstos constitucionalmente na Carta de 19881 (BENEVIDES, 1991), no difcil notar, pelo menos atravs de uma observao da estrutura governamental da ltima dcada, a existncia de dados canais de interao entre ambas as dimenses particularmente interessantes do ponto

    1. Canais que propiciam a participao direta dos cidados nos processos de tomada de deciso poltica foram previstos como clusulas de grande relevncia na Constituio Nacional (BENEVIDES, 1991). Clusulas que se consubstanciaram nos instrumentos previstos da Iniciativa Popular de Lei e nas consultas populares acerca de temticas especficas em discusso no Parlamento o caso do Plebiscito e do Referendo. Em seu artigo 14, Incisos I, II e III, na parte de direitos polticos, a Constituio de 1988 determina que a soberania popular ser exercida pelo sufrgio universal e pelo voto direto e secre-to, com valor igual para todos e nos termos da lei, mediante plebiscito; referendo; iniciativa popular.

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    de vista da diversificao de formatos e desenhos pelos quais se apresentam. A lista ampla, sendo possvel citar pelo menos oito tipos especficos desses canais: os j citados conselhos gestores de polticas, as conferncias temticas, os PPAs participativos, as ouvidorias, as audincias pblicas, as consultas pblicas, as reunies com grupos de interesse e, por fim, os canais como stios de internet, as aes pontuais de divulgao de aes governamentais etc. Uma breve descrio de cada um desses canais realizada no que segue, a fim de demonstrar a diversidade de desenhos e modus operandi assumidos por cada qual.

    l Conselhos Gestores de Polticas

    So instituies constitucionalmente previstas no Brasil democrtico cujos desenhos e objetivos possibilitam a participao dos cidados nos processos decisrios estatais referentes ao planejamento e implementao de polticas pblicas especficas (GOHN, 2004; AVRITZER, 2002, 2006; FARIA, 2006; 2007; TATAGIBA, 2002; DAGNINO, 2002). A Constituio de 1988 prev a estruturao destas instituies nos trs nveis de governo, com formato hbrido, sendo, em geral, compostas de forma paritria por membros do governo e membros da sociedade civil, para a discusso de vrias questes no tocante a estas polticas que variam desde a temtica da sade, passando pelas de assistncia social, criana e adolescente, at a de patrimnio pblico e cultural, por exemplo (WAMPLER; AVRITZER, 2004; TATAGIBA, 2004; GOHN, 2001).

    l Conferncias Temticas

    So eventos que ocorrem com periodicidade especfica (geralmente bianual) nos quais as principais questes e direcionamentos normativos de reas temticas em polticas pblicas so determinadas. As conferncias ocorrem geralmente nos trs nveis de governo, municipal, estadual e nacional, sendo que, a cada nvel, problemticas correlatas so discutidas e, conforme o avanar das negociaes, levadas ao prximo nvel. A participao aberta ao pblico, ainda que, nos nveis estadual e nacional, apenas delegados escolhidos no mbito das conferncias do nvel anterior tenham poder de voto.

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    l Reunies com grupos de interesse

    So canais pelos quais grupos especficos da sociedade, como empresrios e sindicalistas, entre outros, negociam diretamente com o governo determinadas questes que mais lhes interessam. Apenas como ilustrao, possvel citar o surgimento, no governo Lula, das chamadas mesas de negociao, ou mesas de dilogo. Essa nova interface estabelecida entre os mbitos do Estado e da sociedade constitui, via de regra, iniciativa do prprio governo em resposta representao e/ou demandas de entidades ou movimentos sociais com fins de solucionar eventuais e/ou potenciais conflitos, ou, ainda, no sentido de (...) estabelecer as bases para criao ou reorientao de polticas ou aes especficas do Estado, ou de ao conjunta e articulada do Estado com as demais entidades demandantes. (LAMBERTUCCI, 2010, p.11). Esse tipo de experincia tem carter de ineditismo no pas e trs tipos de mesas ocorreram no governo Lula, variando tanto em termos de temtica quanto em termos de desenho e/ou dinmica: a Mesa Nacional de Negociao Permanente com os Servidores Pblicos, instituda em 2003; a Mesa de Negociao do Salrio Mnimo, instituda em 2005; e a Mesa de Dilogo para Aperfeioar as Condies de Trabalho na Cana-de-Acar, instituda em 2008.

    l PPAs Participativos

    O PPA um relevante instrumento de planejamento pblico, parte do processo oramentrio previsto na Constituio de 1988 conjuntamente a outros dois elementos, sendo a Lei de Diretrizes Oramentrias (LDO) e a Lei Oramentria Anual (LOA). Elaborado de quatro em quatro anos (ao contrrio dos outros dois instrumentos, que so elaborados anualmente), perfaz e define toda a perspectiva de desenho e planejamento pblico em termos de desenvolvimento de programas e polticas. No ano de 2003, o PPA estabeleceu pela primeira vez um ciclo de debates para estabelecer seus principais aspectos definidores e seus resultados. A sociedade civil, representada por diversas organizaes no governamentais (ONGs) e um conjunto de entidades de reas temticas diversificadas, tm sido convidadas a participar das definies dos objetivos, concepes e metas dos programas no mbito dos ciclos do PPA 2004-2007, PPA 2008-2011 e o PPA 2011-2014, incluindo a, tambm, uma experincia importante de

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    descentralizao dos ciclos de debate e discusso e sua realizao no mbito dos prprios estados da federao.

    l Ouvidorias

    So instncias dos rgos governamentais que, atravs da disponibilizao de um meio especfico para contato, geralmente via telefone ou e-mail, internet, recebem reclamaes, denncias e/ou demandas gerais dos cidados. Essas ltimas so analisadas e internamente trabalhadas pelos setores responsveis, de modo que os objetivos delineados sejam efetivamente atendidos (CARDOSO, 2010; LYRA; PINTO, 2009).

    l Audincias pblicas e consultas pblicas

    Audincias pblicas so encontros pblicos presenciais, promovidos pelo governo em torno de temticas especficas, com o objetivo de discutir aspectos concernentes a uma determinada poltica, sendo aberta a participao dos indivduos e grupos interessados. muito comum, por exemplo, a realizao de audincias pblicas na rea ambiental, quando, em geral, o governo est obrigado a analisar os impactos no apenas ambientais, mas tambm sociais, de determinados projetos e, por isso, resolve consultar a sociedade acerca de suas principais opinies e demandas para o caso especfico. As consultas pblicas so instrumentos bastante semelhantes s audincias pblicas, principalmente no que tange compreenso das principais demandas e reclamos da sociedade em questes bastante especficas. No entanto, a principal diferena da consulta pblica que sua estruturao no se d presencialmente, mas atravs de ferramentas de votao e colaborao a distncia, como internet e telefone. Grosso modo, possvel observar sua utilizao relativamente frequente por parte de agncias reguladoras e tambm na rea da sade.

    l Outros formatos especficos

    Alm de todos os formatos levantados acima, possvel observar a existncia de canais diversos pelos quais o governo no apenas pode publicizar suas aes, mas, tambm, os cidados podem eventualmente expressar suas demandas,

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    reclamos e opinies. Este o caso, por exemplo, dos stios de internet, os quais, acompanhando a disseminao recente das tecnologias de informao, tm crescido significativamente nos ltimos anos. Outro formato possvel se refere aos comits gestores de programas do governo, que so aqueles grupos administrativos de carter temporrio, criados especialmente para gerir determinado projeto, sendo capazes de manter um certo grau de contato com os cidados. Por ltimo, podemos citar, por exemplo, os telefones que so disponibilizados para os cidados para contato com gestores e/ou administradores de programas especficos (servios de atendimento ao usurio).

    Pelo que se observa atravs dos diversos tipos de canais levantados, no possvel deixar de levar em considerao que, na verdade, a relao entre Estado e sociedade permeada por uma variada rede de canais diversificados que parecem se diferenciar, principalmente, em termos de desenho e pblico-alvo de interesse. Para o Brasil ps-redemocratizao, esse processo tem sido acentuado especialmente na ltima dcada, particularmente se considerarmos o incremento tanto dos canais de interlocuo amplos, como conselhos gestores e oramentos participativos, quanto pela prpria existncia, por exemplo, de experincias como as mesas de negociao iniciadas no primeiro governo Lula.

    Mais recentemente, esse fenmeno tem se materializado como objeto de pesquisas e estudos diversos na seara, buscando, em geral, mensurar o grau de incidncia de canais entre Estado e sociedade. Apenas como ilustrao, vale citar a pesquisa realizada em parceria entre o Instituto Vox Populi e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2011, acerca da percepo da populao sobre o grau de permeabilidade do governo brasileiro s demandas e reclamos sociais.2 Os respondentes foram indagados se, ao longo do perodo 2003-2010, achavam que o governo havia, ou no, ampliado as oportunidades de influncia da sociedade nas decises governamentais. A maioria dos indivduos da amostra, 53%, confirma incremento nas oportunidades oferecidas pelo governo para influncia da sociedade em suas aes.

    Essa percepo dos indivduos acerca da abertura do Estado s relaes com a sociedade nos processos de tomada de deciso parece refletir o grau de permeabilidade

    2. Foi aplicado um survey a 2.200 indivduos, seguindo uma estratgia de estratificao para congregar todas as Unidades da Federao (UFs), com um erro amostral-padro estimado de 0,07, ou 7%.

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    alcanado pelo governo brasileiro nos ltimos anos. O fato de a opinio da maioria dos respondentes ser a de que o acesso a este ltimo tem sido mais facilitado ao longo do tempo, pode ser interpretado como uma perspectiva de maior aproximao efetiva entre ambas as dimenses, Estado e sociedade. Mais do que isso, no obstante, parece sugerir, tambm, dada relao entre a diversificao dos canais de interlocuo e o aumento das intersees entre ambas. Observando a mirade de formatos de interlocuo constituda ao longo dos anos no pas, no difcil assumir que as facetas dessa imbricao vm se revestindo de graus de complexidade cada vez maiores, como visto acima.

    2.1 AS INTERFACES SOCIOESTATAIS: INTERLOCUO, TIPOS E VARIABILIDADES

    A partir da observao das mudanas ocorridas na relao entre Estado e sociedade nas ltimas dcadas, possvel dizer que o primeiro pode adotar uma mirade de formatos institucionais passveis de concretizar a interlocuo com a sociedade, seja no mbito da articulao coletiva, levando em considerao, nesse sentido, uma diversidade de atores, desde os grupos de interesse, at os grupos minoritrios, por exemplo, seja no mbito da negociao e interlocuo individual, como no caso da disponibilizao de canais especficos de reclamaes, sugestes, entre outros, como o caso das ouvidorias. Acresce que essa mirade de formatos institucionais carrega em si variaes na capacidade de tornar o Estado mais ou menos permevel s demandas e, principalmente, em assumir corresponsabilizao no planejamento pblico, o que quer dizer que, em ltima instncia, podem existir canais com baixo poder decisrio, isto , com baixo poder de enforcement, mas com significativo poder informacional, isto , revestidos de significativo carter consultivo e vice-versa.

    Com base nessa constatao, este trabalho chama a ateno para a adoo do conceito de interface socioestatal, em vez do usualmente adotado conceito de participao social, como embasamento terico-analtico com maiores alcance e poder explicativo e de compreenso no apenas do papel, mas, principalmente, das influncias e impactos dos tipos de canais institudos e concretizados pelo governo em relao tanto sociedade quanto prpria estrutura da administrao pblica. A interface consiste num espao poltico, isto , num espao de negociao e conflito, estabelecido intencionalmente entre atores, cujos resultados podem gerar tanto implicaes coletivas, quanto implicaes estritamente individuais (ISUNZA; HEVIA, 2006). Se considerarmos estes atores como sendo, por um lado, o Estado e, por outro, a sociedade, podemos

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    pensar em arenas polticas cujas dinmicas se delineiam por temticas especficas e pelas preferncias, narrativas e interesses de cada agente.

    Grosso modo, a seu turno, o conceito de participao social tem sido trabalhado pela literatura pertinente num mbito decerto mais cerrado, o que especialmente verdadeiro no caso de dois de seus elementos principais. Em primeiro lugar, possvel notar certa especializao das anlises correlatas em torno de tipos especficos de instituies, a saber, aquelas ligadas a substratos participativos amplos. Em geral, os estudos empreendidos nessa linha tm por objeto instncias cujos respectivos desenhos congregam, ainda que em graus variados, a incluso dos cidados tratados sob a alcunha homognea de sociedade civil, deixando em segundo plano o escopo de interesses e preferncias individualizantes atinentes aos agentes. Ligado a isso, a participao social usualmente associada s negociaes estabelecidas entre Estado e sociedade que resultam, em geral, em questes definidoras de alocao e distribuio de bens e servios pblicos numa perspectiva ampliada. Sob sua gide, as aes dos agentes tendem a redundar num espectro de atuao tanto objetiva, quanto temtica de ordem primariamente coletiva, como no caso das polticas de sade, assistncia social, e educao, entre outras.

    Se levarmos em considerao o conceito de interface socioestatal, possvel cercear a perspectiva de contato entre Estado e sociedade nos extremos de atribuio consultiva e de atribuio de corresponsabilizao, ou cogesto. De acordo com Isunza e Hevia (2006), no primeiro caso, temos a constituio de interfaces cognitivas, que reclamam um carter mais comunicacional em relao ao Estado. Podem se subdividir em interface de contribuio, na qual a sociedade informa ao Estado acerca de sugestes e/ou demandas; interface de transparncia, na qual o Estado informa sociedade suas perspectivas e aes; e interface comunicativa, na qual ambos os atores se informam mutuamente. Seguindo o espectro do conceito, temos a constituio de interfaces polticas, ligadas muito mais a uma perspectiva de gesto e enforcement de polticas. Sua subdiviso se d em interface mandatria, na qual a sociedade a dirigente do Estado; e interface de transferncia, na qual o Estado tem poder de controle sobre a sociedade. Por fim, tem-se a interface de cogesto, na qual os processos decisrios so compartilhados entre ambos os atores.

    A adoo desse marco terico-conceitual tem o potencial de oferecer subsdios significativos para anlise da estrutura de interfaces existentes no mbito de atuao e

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    Participao social como mtodo de governo? Um mapeamento das interfaces socioestatais nos programas federais

    desenvolvimento de programas dos governos, em funo de pelo menos trs fatores que os caracterizam. Ele permite i) abordar a expanso numrica dos canais de interlocuo; ii) abordar e compreender a diversificao em tipos e temticas de insero destes canais com a sociedade; e iii) por ltimo, principalmente, compreender as intersees entre Estado e sociedade sob os extremos tanto do enfoque coletivo, quanto do enfoque eminentemente privado. O conceito de interface socioestatal pode propiciar, assim, maior alcance explicativo e de compreenso do papel e dos potenciais impactos dos canais de interlocuo estabelecidos entre Estado e sociedade no mbito do planejamento pblico.

    Se tomarmos por base o caso do governo brasileiro, podemos questionar quais tipos de interfaces socioestatais tm sido constitudas nos ltimos anos, especialmente se considerarmos as diretrizes gerais de participao social como mtodo de governo. Ser que, atualmente, determinados tipos de programas atrelam-se mais a determinados tipos de interfaces? Ser que essa conexo se d mais em funo do desenho, ou mais em funo da temtica tratada pelo programa? Qual explicao possvel extrair para isso a partir do diagnstico realizado? Esses questionamentos iniciais so importantes aportes para uma perspectiva avaliativa posterior de casos especficos, ao longo do desenvolvimento da agenda de pesquisa, com vistas a analisar se eventuais mudanas nos tipos de interfaces socioestatais poderiam fazer variar positivamente os graus de desempenho dos programas, especificamente em termos de suas respectivas eficincia e eficcia.

    3 CONSIDERAES METODOLGICAS: MAPEANDO AS INTERFACES SOCIOESTATAIS

    Com o objetivo de mapear as interfaces socioestatais no governo federal brasileiro, este estudo faz uso de informaes oriundas do Sigplan, sistema de acesso restrito, mantido pela SPI/MPOG. O Sigplan foi criado em 2000 com o objetivo de auxiliar na elaborao e acompanhamento do PPA do governo federal, por meio da centralizao e sistematizao computacional de informaes quantitativas e qualitativas relativas implementao dos programas e aes governamentais.

    O Sigplan se estrutura em torno de um modelo gerencial caracterizado por objetivos, indicadores e metas; responsabilizao; monitoramento fsico-financeiro das aes; gesto dos fluxos de recursos; acompanhamento e negociao das restries; e

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    avaliao de resultados. Integram tambm o sistema mdulos auxiliares, tais como: mdulo de elaborao e reviso do PPA (orienta a elaborao e reviso do plano em seu formato, atributos, etapas e comunicao); mdulo de monitoramento dos programas governamentais (gera informaes da execuo fsica-financeira dos programas, auxilia na comunicao, na gesto das restries e no acompanhamento dos indicadores dos programas); mdulo de avaliao dos programas de governo (gera informaes sobre a eficcia dos programas em trs nveis programas, conjunto de programas setoriais, plano) (OLLAIK; MEDEIROS, 2010).

    Dentre os vrios componentes do sistema, o presente estudo se concentrou nos mdulos de avaliao e acompanhamento de programas. Nestes mdulos, a avaliao se d em trs etapas associadas s atribuies dos agentes que integram os nveis da gesto do PPA: i) o Gerente de Programa o titular da unidade administrativa qual o programa est vinculado, sendo responsvel pela gesto de programa do PPA; ii) o Secretrio-Executivo ou seu equivalente, diretamente ou por delegao responsvel pela elaborao do Relatrio Anual de Avaliao dos Objetivos Setoriais e pela superviso da elaborao do Relatrio Anual de Avaliao dos Programas sob a responsabilidade do rgo; e iii) o rgo Central de Planejamento e Oramento Federal, por intermdio da SPI, responsvel por elaborar o relatrio de avaliao do Plano em conformidade com o Art. 19 da Lei no 11.653/2008 (BRASIL, 2010).

    Algumas variveis presentes no sistema so bsicas e de especial interesse para este trabalho. Para o perodo considerado, 2002 a 2010, temos, para cada ano, informaes do nome do programa, o rgo gestor (ministrio, secretaria, autarquia etc.) ao qual pertence e, por fim, o carter do programa, informando se tem caracterstica finalstica ou de apoio s polticas pblicas e reas especiais. Se aprofundarmos ainda mais a ateno, focando o desenho do mdulo de avaliao e acompanhamento, iremos nos deparar com temticas especficas que lidam tanto com o desempenho operacional de metas, quanto com o desempenho em termos de abertura de interfaces socioestatais e suas influncias principais. Se considerarmos o caso da temtica de abertura de interfaces socioestatais, observamos as variveis e informaes de maior interesse para o desenvolvimento do mapeamento aqui pretendido.

    Em primeiro lugar, vale ressaltar a varivel que questiona a existncia de mecanismos que promovem a participao social, cujo carter dicotmico categoriza as

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    Participao social como mtodo de governo? Um mapeamento das interfaces socioestatais nos programas federais

    respostas em sim ou no. Logo aps, em segundo lugar, lidando especificamente com aqueles casos nos quais se declarou haver promoo de mecanismos de participao social, observa-se varivel que questiona acerca do tipo de mecanismo presente, oferecendo, para isso, as seguintes opes: ouvidoria, audincia pblica, consulta pblica, reunio com grupos de interesse, discusso em conselho setorial, discusso em conferncias e, por fim, outros. No caso especfico de discusso em conferncia, a categoria disponibilizada apenas nos anos de 2009 e 2010. J no caso especfico da categoria outros, o Sigplan permite resposta aberta quando marcada esta opo. Para cada categoria marcada, o gestor tem disponvel um espao para justificar sua escolha. A ltima varivel presente na temtica tem carter qualitativo e se constitui em pergunta aberta, na qual os gestores respondem quais teriam sido as contribuies da participao para os resultados do programa.

    A observao dos dados do Sigplan no que tange temtica das interfaces socioestatais ofereceu oportunidade metodolgica importante, pois o sistema compreende, provavelmente, a base de dados com maior grau de sistematizao de informaes sobre formas de articulao e participao nos programas federais. As limitaes dessa fonte de informao dizem respeito principalmente ao fato de a base de dados ser alimentada diretamente pelos gerentes de programas, o que provavelmente levaria sobre-estimao da existncia e funcionamento de mecanismos de interao Estado-sociedade. No entanto, para os fins de mapeamento aos quais se dedica o presente estudo, alm de tais condies se imporem de forma tambm sistemtica na coleta dos dados, tais limitaes podero ser superadas em fase subsequente do estudo, dedicada investigao aprofundada de programas selecionados.

    4 UMA PERSPECTIVA LONGITUDINAL DAS INTERFACES SOCIOESTATAIS

    O conjunto inicial de anlise das interfaces socioestatais tem por base uma perspectiva longitudinal, focada na incidncia destes mecanismos ao longo do perodo de tempo considerado no trabalho 2002 a 2010. A estratgia de anlise est centrada em duas perspectivas de diagnstico. Por um lado, toma-se por foco analtico a tica dos programas e rgos do governo federal, checando eventuais variaes tanto do volume, quanto dos tipos que adotaram as interfaces no perodo considerado. possvel dizer que

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    houve incremento no volume e/ou diversificao de rgos/programas que adotaram estes mecanismos entre 2002 e 2010? O segundo compndio analtico realiza uma inverso do foco de anlise e passa a avaliar a incidncia das interfaces sob a perspectiva daqueles prprios tipos passveis de observao no banco de dados. Para cada tipo, realiza-se uma anlise de suas principais caractersticas em termos de capacidade de incluso e periodicidade, bem como uma anlise pormenorizada de incidncia ao longo dos anos. Como os diferentes tipos de interfaces socioestatais se distriburam ao longo dos anos em termos de intensidade e volume de incidncia? possvel dizer que alguns tiveram maior incremento do que outros?

    4.1 INCIDNCIA GERAL DAS INTERFACES SOCIOESTATAIS

    O primeiro tpico delineado para anlise longitudinal refere-se incidncia geral dos canais de interface no mbito de desenvolvimento dos programas do governo federal. Neste caso, a questo mais importante consiste na existncia, ou no, de um movimento de adensamento e incremento do nmero desses canais, seguindo disposies governamentais dos ltimos oito anos. Considerando o interregno de 2002 a 2010, foi possvel perceber pelo menos trs importantes fatores nessa linha: i) uma variao positiva no volume de programas com interfaces socioestatais; ii) um processo de diversificao de rgos que passaram a adotar estes mecanismos em seus respectivos programas ao longo dos anos; e, por fim, iii) um incremento do nmero mdio de interfaces socioestatais nos programas de rgos que j adotavam estes mecanismos no primeiro ano considerado.

    Levando em considerao o primeiro fator, o grfico 1 mostra, para o perodo de 2002 a 2010, a variao do percentual anual de programas desenvolvidos pelo governo federal que primaram pela adoo de pelo menos um tipo de interface socioestatal (dentre a lista de interfaces pesquisadas) no seu processo de desenvolvimento e operao.

    A anlise do grfico deixa claro que a quantidade de programas com interfaces socioestatais j era bastante elevada em 2002, mas, ainda assim, variou positivamente no perodo considerado. Em 2002, o percentual de programas nessa linha era de 81% e, j em 2010, esse percentual passa para 92,1%, o que representa uma variao de aproximadamente 9% no perodo. Outra observao que permite reforar este ponto o fato de a mdia geral de programas que incentivaram a abertura de canais

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    Participao social como mtodo de governo? Um mapeamento das interfaces socioestatais nos programas federais

    de interlocuo superar os 85,6%, o que indica que, ao menos no seu desenho, os programas federais tm procurado incorporar atores sociais em sua gesto.

    GRFICO 1 Percentual anual de programas com interface socioestatal 2002-2010

    Fonte: Sigplan (2010).

    81,0

    82,5

    84,0

    86,2

    83,8

    84,6

    89,8

    92,1

    85,6

    2002

    2004

    2005

    2006

    2007

    2008

    2009

    2010

    Mdia

    O segundo fator observado como relevante atravs da anlise dos dados do Sigplan quanto incidncia geral de interfaces socioestatais consiste no processo de diversificao de rgos que passaram a adotar estes mecanismos em seus respectivos programas ao longo dos anos. Dado que um mesmo rgo pode desenvolver vrios programas que levam o processo em considerao, necessrio , tambm, focaliz-los como unidade de anlise, pois que apenas a anlise da quantidade de programas no permite saber a quantidade de rgos que adotam a prtica. O principal questionamento a ser empreendido neste sentido consiste em saber quais os ministrios e rgos com maior nmero de programas com interfaces socioestatais e quais aqueles com menor nmero de programas neste sentido. Ou, em outras palavras, quais os ministrios e, por conseguinte, as temticas mais e menos permeveis sociedade.

    O grfico 2 mostra, para cada ano da amostra, um panorama neste sentido ao fornecer dados sobre a quantidade de ministrios e rgos da administrao indireta

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    R i o d e J a n e i r o , f e v e r e i r o d e 2 0 1 2

    a eles vinculados que declararam possuir pelo menos um programa com incentivo criao de interfaces socioestatais.

    Fonte: Sigplan (2010).

    GRFICO 2 Percentual anual de programas e de rgos com interface socioestatal 2002-2010

    O que podemos observar que, entre 2002 e 2010, alm do aumento do nmero de programas que primavam pela abertura de interfaces socioestatais, houve tambm um aumento na diversificao das temticas, ministrios e demais rgos nos quais este tipo de incentivo foi dado como prerrogativa bsica. Os dados apontam que, em 2002, 60,4% dos rgos tinham programas que incentivavam a interface socioestatal. Em 2004, esse percentual passou para 65% de rgos e para 79,1% em 2005, mantendo dada mdia at o ano de 2010, quando este percentual atingiu 91,7% de rgos. Assim, se levarmos em considerao uma comparao linear entre os anos de 2002 e 2010, os dados sugerem mudanas significativas para a interface socioestatal no governo federal e seus programas. Em 2010 observamos no apenas maior percentual de programas que desenvolvem aes nesse sentido, mas, tambm, maior diversificao. Ou seja, em comparao com 2002, o ano de 2010 marcado como um ano de maior e mais diversificada interlocuo social.

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    Participao social como mtodo de governo? Um mapeamento das interfaces socioestatais nos programas federais

    Apenas como ilustrao, possvel buscar reas importantes nas quais se observou interfaces socioestatais em 2010, mas que no estavam presentes em 2002. Em especial, vale notar a expanso destes mecanismos para rgos ligados a outros poderes alm do Executivo, sendo tanto o Legislativo, quanto o Judicirio. Por um lado, considerando o caso do Legislativo, possvel notar a presena tanto da Cmara dos Deputados, quanto do Senado Federal como rgos que no desenvolviam interfaces socioestatais em seus programas no ano de 2002, mas, em 2010, j declararam faz-lo. Por outro lado, se olharmos para o lado do Judicirio, no difcil perceber que a interao com a sociedade parece ter se tornado ponto relevante para os gestores. vlido citar, por exemplo, que em 2002, rgos como a Justia Federal, a Justia do Trabalho, a Justia Eleitoral, o Ministrio Pblico (MP), o Superior Tribunal de Justia (STJ), e o Superior Tribunal Federal (STF) no contavam com qualquer programa no qual fosse incentivada a adoo de interface socioestatal. Situao que j muda em 2010, pois todos estes rgos declararam ter implementado em seus respectivos programas tais mecanismos.

    O terceiro e ltimo fator dado como relevante atravs da anlise dos dados do Sigplan quanto incidncia geral de interfaces socioestatais consiste no incremento do nmero mdio de interfaces socioestatais nos programas de rgos que j adotavam estes mecanismos no primeiro ano considerado da amostra. Se, atravs da comparao acerca dos rgos que no desenvolviam interfaces socioestatais em 2002, mas j declararam faz-lo em 2010, foi possvel constatar diferenas significativas, podemos nos voltar, tambm, para a comparao dentre os rgos que, em ambos os anos, declararam desenvolver tais prticas. Neste caso, os dados deixam evidente que, mesmo dentre aqueles ministrios, secretarias e outros rgos possuidores de programas com interfaces socioestatais j no ano de 2002, houve variao, em geral positiva, acerca da quantidade de programas nas quais estas prticas eram desenvolvidas. A tabela 1 fornece indicaes nessa linha:

    TABELA 1Percentual geral e por rgo de programas com interfaces socioestatais nos anos 2002 e 2010

    2002 2010

    Geral 80,7 92,1

    Por rgo

    At 25% 11,5 0,0

    De 25% a 50% 46,2 2,9

    De 50% a 75% 30,8 21,7

    Mais de 75% 11,5 75,4

    Total 100,0 100,0

    Fonte: Sigplan (2010).

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    R i o d e J a n e i r o , f e v e r e i r o d e 2 0 1 2

    Se considerarmos apenas o total de 28 rgos que aparecem tanto em 2002 quanto em 2010, como estruturando interfaces em seus respectivos programas, observamos variao positiva do nmero de programas com estes mecanismos, de 81% em 2002 para 92,1% em 2010.3 Esse dado demonstra que as interfaces no apenas se diversificaram para outros rgos e temticas, mas foram incrementadas at mesmo naqueles rgos e temticas nas quais j eram desenvolvidas. Se considerarmos os dados por rgo, vemos que em 2002, 11,5% tinham at 25% de programas com interfaces e que em 2010 todos os rgos tinham pelo menos 25% de programas com interfaces. Nessa mesma linha, em 2002, 11,5% dos rgos tinham mais de 75% dos seus programas com interfaces socioestatais, percentual que sobe para 75,4% em 2010.

    O que estes percentuais deixam claro que, alm de um aumento geral do nmero de programas com interfaces socioestatais entre 2002 e 2010, houve, tambm, um aumento da mdia de programas por rgo com desenvolvimento dessas interfaces. Esse aumento parece ser significativo na faixa proporcional de mais de 75%, o que indica que grande parte dos rgos, 73,1%, est desenvolvendo interfaces socioestatais para a maioria dos seus programas.

    4.2 A INCIDNCIA POR TIPOS DE INTERFACES SOCIOESTATAIS: DIVERSIFICAO E VARIABILIDADE

    O segundo tpico delineado para anlise longitudinal das interfaces socioestatais refere-se a uma avaliao da incidncia destes mecanismos, envolvendo a identificao das principais caractersticas e diferenas e como os diferentes tipos de interfaces socioestatais se distriburam ao longo dos anos em termos de intensidade e volume. Quais os principais atributos diferenciadores das interfaces analisadas? possvel dizer que alguns tipos tiveram maior incremento do que outros? A anlise dos dados permitiu identificar pelo menos dois fatores importantes nessa linha: as interfaces se diferenciam significativamente, especialmente em termos de tipo de incluso de indivduos e grupos, assim como em termos de periodicidade da interseo estabelecida com a sociedade; e, ao longo dos anos, h um movimento de homogeneizao das interfaces como funo de um maior equilbrio da quantidade relativa de adoo de cada tipo.

    3. Uma matriz com os rgos e as interfaces objeto dessa tabela segue no anexo A.

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    Participao social como mtodo de governo? Um mapeamento das interfaces socioestatais nos programas federais

    Se tomarmos por base o primeiro fator, atinente s diferenciaes das interfaces socioestatais em termos de tipo de incluso de indivduos e grupos, bem como em termos de periodicidade da interseo estabelecida com a sociedade, no difcil constatar diversificao ao observarmos os dados do Sigplan. Alm da variao quantitativa, as anlises indicaram que as prprias formas de interao Estado-sociedade variam significativamente, sendo diversos os tipos de institucionalidades potencialmente presentes. Dentre os tipos debatidos na primeira seo do trabalho, os dados disponveis no Sigplan para o conjunto de programas federais contm informaes para pelo menos sete interfaces socioestatais:

    l Ouvidoria;

    l reunio com grupos de interesse;

    l audincia pblica;

    l discusso em conselho setorial;

    l discusso em conferncias temticas (disponvel apenas para 2009 e 2010);

    l consulta pblica; e

    l categoria outros (n este caso, encontramos, atravs das justificativas de respostas, formatos como stios de internet, comits gestores, telefones disponibilizados, bem como aes pontuais com objetivo de divulgao das aes do programa).

    Tal como pressuposto no primeiro tpico, observa-se que, de fato, as interfaces socioestatais se materializam nos programas do governo sob a gide de um amplo leque de formatos que no se restringem aos tipos que usualmente chamam mais a ateno dos pesquisadores e estudiosos da rea, como os conselhos setoriais e as conferncias temticas. Podemos realizar uma anlise comparativa desses formatos capaz de expressar suas principais diferenas se levarmos em considerao duas variveis particularmente relevantes para este trabalho.

    Em primeiro lugar, o tipo de incluso potencializado pela interface. Neste caso, pode-se observar a existncia daqueles desenhos que possibilitam o contato de um nico indivduo com interesses prprios com o Estado, at aqueles nos quais grupos

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    R i o d e J a n e i r o , f e v e r e i r o d e 2 0 1 2

    de indivduos assumem essa posio em prol de causas eminentemente coletivas. A segunda varivel concerne periodicidade do contato estabelecido. Por um lado, existem interfaces que so criadas com objetivos especficos, os quais, quando atingidos, fazem com que sua prpria existncia deixe de fazer sentido. Por outro lado, existem interfaces que tm periodicidade ou carter permanente, constituindo fruns de discusso que no so funo apenas das negociaes e deliberaes empreendidas, mas tambm do acordo estabelecido entre os agentes de institucionaliz-las. Podemos correlacionar esses desenhos num esquema cartesiano, cujo eixo vertical expresse a periodicidade da interface e o eixo horizontal expresse o tipo de incluso (grfico 3).

    GRFICO 3Tipos e classificao das interfaces socioestatais, por periodicidade e tipo de incluso promovida

    Fonte: Elaborao prpria.

    Atravs da anlise dos sete tipos de instncias descritas, no difcil perceber que, de fato, existe uma mirade de desenhos e formatos que suscitam contato entre Estado e sociedade em questes diversificadas. Apenas como ilustrao, possvel dizer que, por um lado, por exemplo, os conselhos gestores so canais que esto presentes em todos os nveis de governo (municipal, estadual e federal), funcionam com regularidade, abrangem diversas temticas em polticas pblicas e, por fim, tm por pblico-alvo

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    Participao social como mtodo de governo? Um mapeamento das interfaces socioestatais nos programas federais

    toda a sociedade, j que debatem diretrizes em polticas pblicas gerais. As conferncias temticas tendem a seguir o mesmo padro, ainda que contando com diferenciaes importantes, especialmente nos quesitos espacialidade j que no necessariamente ocorrem em todos os nveis de governo e regularidade j que, apesar de ocorrerem periodicamente, o intervalo de reunies maior do que dos conselhos.

    Por outro lado, no obstante, se considerarmos o caso da reunio com grupos de interesse, como as mesas de negociao, j observamos diferenas mais abruptas. Esto presentes apenas no nvel de governo federal e a regularidade de seu funcionamento pode variar em funo dos acordos estabelecidos entre os agentes do Estado e da sociedade. Ademais, tendem a abranger apenas uma temtica especfica como ponto de discusso e, por fim, o pblico-alvo geralmente congrega apenas grupos especficos, como uma categoria profissional, um movimento social determinado, entre outros. Por ltimo, ainda nessa interface, podemos elencar o PPA participativo, que funciona sobre uma lgica tambm diferenciada, com periodicidade ainda mais ampla, geralmente segundo a exclusiva disposio do prprio governo. Abrange temticas diversas, mas focadas no quesito administrativo e de gesto dos programas do governo federal e o pblico-alvo tende a se restringir quelas entidades interessadas e convidadas a participar do processo.

    O que se constata, portanto, uma variao significativa das interfaces socioestatais tanto em termos de periodicidade e concretizao das intersees Estado e sociedade, quanto em termos de tipo de incluso promovida, congregando no apenas o volume de incluso, mas tambm o tipo de pblico-alvo envolvido nas negociaes. Se considerarmos, nessa linha, cortes transversais no plano cartesiano com base no centro dos eixos, podemos estabelecer uma proposta de categorizao das interfaces em funo dos seus respectivos graus de incluso e periodicidade.

    possvel estruturar dois grupos nessa linha. De um lado, aquele que iremos chamar de coletivizado, composto por interfaces localizadas direita da linha de corte vertical. Em segundo lugar, teremos o grupo que denominamos no coletivizado, composto por quelas interfaces esquerda da linha de corte vertical. O quadro 1 correlaciona as interfaces socioestatais e suas respectivas categorizaes no mbito destes dois grupos analticos:

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    R i o d e J a n e i r o , f e v e r e i r o d e 2 0 1 2

    O grupo coletivizado inclui as interfaces conselhos setoriais, conferncias temticas, audincia pblica e consulta pblica. Neste caso, considerando o aspecto da periodicidade, apenas um elemento do grupo, a interface audincia pblica, encontra-se abaixo da linha de corte horizontal, ainda que muito prximo a ela. Todos os demais se encontram acima dessa linha, o que sugere uma mdia significativa para este fator.

    J no caso do grupo no coletivizado, as interfaces socioestatais incluem a reunio com grupos de interesse, a ouvidoria e a categoria outros. Ao analisarmos sua localizao sob a tica da linha de corte horizontal observamos situao contrria do grupo coletivizado. Neste caso, apenas uma interface, a ouvidoria, encontra-se acima dessa linha corte. Todas as demais se encontram no s abaixo dela, mas tambm abaixo das linhas horizontais correspondentes s coordenadas y das interfaces do grupo coletivizado. Isso sugere que, de fato, tanto em termos de tipo de incluso, quanto em termos de periodicidade, o grupo no coletivizado sustenta valores de coordenadas menores do que os elementos componentes do grupo coletivizado.

    O segundo fator de anlise dentro de tpico de diagnstico longitudinal das interfaces socioestatais concerne distribuio de cada tipo de mecanismo por ano observado. Neste caso, o que se observou foi dado movimento de homogeneizao das interfaces como funo de um maior equilbrio da quantidade relativa de adoo de cada tipo ao longo do tempo. Os dados apresentados a seguir fornecem evidncias nesse sentido. Dada a variabilidade nos tipos e formatos de interfaces socioestatais, possvel dizer que existe uma variabilidade correspondente de incidncia que depende do tipo de canal e do perodo considerado. O grfico 4 fornece um panorama nesse sentido:

    O que podemos perceber uma diversificao das interfaces socioestatais ao longo dos anos. O teste qui-quadrado, tanto em relao aderncia em cada ano da amostra,

    QUADRO 1 Caractersticas e classificao das categorias coletivizado e no coletivizado

    Categoria Interfaces

    Coletivizado Conselhos setoriais Conferncias

    Audincia pblica Consulta pblica

    No coletivizado Reunies com grupos de interesse Ouvidoria

    Outros

    Fonte: Elaborao prpria.

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    Participao social como mtodo de governo? Um mapeamento das interfaces socioestatais nos programas federais

    quanto em relao homogeneidade em anos diferentes, fornece evidncias suficientes para afirmarmos que as diferenas de percentuais so estatisticamente significativas. Vale a pena tecer pelo menos trs consideraes especficas quanto distribuio observada. Em primeiro lugar, tomando por base a categorizao do quadro 1, percebe-se que, de 2002 a 2010, o volume de interfaces ditas coletivizadas passou de 26,6% para 41,6%, o que sugere que, ao longo dos ltimos anos, o governo tem aberto mais interfaces que permitem maior contato com os cidados no tratamento de polticas pblicas, por exemplo, do que interfaces ligadas negociao com grupos de interesse especficos.

    A segunda observao que podemos fazer que, por um lado, fica evidente que a forma mais usualmente adotada se refere reunio com grupos de interesse. No ano de 2002, por exemplo, a forma predominante de interlocuo se referia a essa categoria, com 29,3% da amostra do ano. O segundo meio mais utilizado naquele perodo, com

    GRFICO 4Percentual de interfaces socioestatais por tipo e por ano 2002 a 2010

    18,8%23,0% 22,6%

    18,5%23,5%

    18,3% 20,2% 19,3%

    3,9%

    7,3% 8,2%10,5%

    8,6%11,7%

    13,9% 14,2%5,0%

    6,8% 8,8% 7,2%7,3% 8,6%

    8,7% 9,1%29,3%

    27,6%28,6%

    31,1% 26,4% 29,4%26,4% 25,7%

    17,7%

    16,9%14,8% 19,9% 18,0%

    21,4% 19,0% 22,4%

    25,4%18,3% 17,0%

    12,9% 16,2%10,6% 11,9% 9,3%

    0%

    10%

    20%

    30%

    40%

    50%

    60%

    70%

    80%

    90%

    100%

    2002 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

    Ouvidoria Audincia pblica Consulta pblica Reunio grupos interesse Discusso em conselho setorial Outros

    2002 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Geral****

    Chi2(5) 32,5 20,78 18,87 21,73 17,7 18,9 12,4 11,2 13,8

    Pr 0,0000*** 0,0008*** 0,0020*** 0,0005*** 0,0033*** 0,0019*** 0,0296** 0,0388** 0,0492**

    Fonte: Sigplan (2010).

    Notas: * Sig a NC 90% \ ** Sig a NC 95% \ *** Sig a NC 99%.

    **** Aderncia do valor total observado de chi2(6).

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    R i o d e J a n e i r o , f e v e r e i r o d e 2 0 1 2

    25,4% dos casos, foi a categoria outros. Em 2005, a forma mais utilizada tambm foi a reunio com grupos de interesse, com 27,6% dos casos, mas a segunda forma mais frequente passou a ser a ouvidoria, com 23%.

    Por outro lado, todavia, se passarmos diretamente para os demais anos, poderemos observar um incremento regular das demais interfaces, sugerindo um movimento de maior homogeneidade nos percentuais. Parece que em 2006 h um incremento da varincia dos valores, sugerindo maior heterogeneidade, mas, a partir da, observa-se dado ajuste nos percentuais em torno de uma proporo menos varivel. Em 2007, por exemplo, o percentual da interface grupos de interesse diminui medida que os valores para outros grupos, como, em especial, ouvidoria e reunio em conselhos setoriais, aumentam. Isso parece ser verdadeiro para os demais anos e tende a fornecer suporte ao aumento de quase 20% no perodo das interfaces de carter coletivizado.

    De fato, uma rpida observao nos valores de qui-quadrado sugere melhor apreciao dessa hiptese. De 2002 a 2010,4 o valor do teste diminui consideravelmente, ainda que sempre se mantendo significativo a um nvel de confiana de 95%, dado que o valor mais extremo o de 2010, com valor da estatstica p em 0,0388. Em 2002, por exemplo, o teste retornou um valor total de 32,5, o qual variou ao longo dos anos, passando por 18,87 em 2005, 17,7 em 2007 e, finalmente, 11,2 em 2010. Esse movimento implica considerar que o grau de varincia da amostra para cada ano tendeu a diminuir consideravelmente, isto , valores menores de qui-quadrado implicam maior probabilidade de aceitar a hiptese de que as variaes de percentuais para cada ano no so significativas. Isso quer dizer, em ltima distncia, que h evidncias suficientes para suportar a afirmativa de que, ao longo dos anos, os percentuais tendem a uma maior homogeneizao, isto , a uma maior semelhana, sugerindo que deixa de haver concentrao em determinados tipos de interface e passa a haver uma adoo tendente ao equilbrio entre os diversos tipos de mecanismos.

    4. Esse formato no est expresso no grfico porque os dados esto disponveis apenas para este ano de 2009 e 2010, mas indicam que, nestes anos, pelo menos 25% dos programas, em mdia, declararam adotar essa forma como canal efetivo de interface socioestatal.

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    Participao social como mtodo de governo? Um mapeamento das interfaces socioestatais nos programas federais

    5 UMA PERSPECTIVA INFERENCIAL DAS INTERFACES SOCIOESTATAIS

    As informaes trabalhadas at agora fornecem dicas importantes para compreenso do fenmeno das interfaces e sua relevncia para as polticas pblicas de uma forma geral. Observou-se que existe no apenas um incremento na adoo destes mecanismos, mas, tambm, uma diversificao dos tipos adotados. Em especial, as evidncias sugerem que essa diversificao tendenciosa para o caso das interfaces do grupo coletivizado, dado ter este ltimo apresentado crescimento relativo de mais de 20% no perodo considerado. Todavia, para alm dessa viso geral de incidncia longitudinal das interfaces, vale a pena questionar se existe algum padro em termos de tipos de mecanismo empregado em relao, por exemplo, aos rgos que os adotam. Em face da mirade de interfaces sendo estabelecidas entre Estado e sociedade ao longo dos anos, ser que existe concentrao de tipos especficos em dados tipos de programas ou ainda em determinados tipos de temticas?

    Como forma de equacionar a questo levantada, o segundo conjunto de anlises das interfaces socioestatais tem por base uma perspectiva inferencial. Neste caso, pretende-se o estabelecimento de associao entre os tipos de interfaces e dois substratos inferenciais especficos ligados aos programas desenvolvidos pelo governo federal. Em primeiro lugar, toma-se por base uma classificao segundo o carter do programa no rol da gesto pblica, caracterizando-o ou como finalstico, referente ao desenvolvimento e concretizao de aes determinadas, ou como programa de apoio, referente queles conjuntos de atividades e servios destinados a atuar como suporte e subsdio gesto das demais atividades do governo. Essa diviso importante porque o tipo de programa tem peso relativamente significativo na anlise. Em geral, espera-se que programas finalsticos tenham maior necessidade de contato com cidados e grupos societrios do que programas de apoio, por terem, estes ltimos, carter muito mais administrativo e de suplemento s atividades desempenhadas pelo governo. Nessa linha, no difcil supor que programas finalsticos tendero a concentrar tipos especficos de canais de interface em comparao a programas de apoio.

    Em segundo lugar, adota-se uma classificao em funo de categorias temticas que se optou por criar aqui neste trabalho, a partir de uma anlise cuidadosa das principais caractersticas descritivas dos programas no Sigplan, servindo como chave

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    R i o d e J a n e i r o , f e v e r e i r o d e 2 0 1 2

    analtica para cada um. As dimenses temticas criadas e suas principais caractersticas so descritas no quadro 2.

    QUADRO 2Caractersticas das classes temticas estruturadas

    Nome Sigla Descrio

    Proteo e promoo social PS Polticas sociais tpicas (educao, sade e assistncia) e servios, projetos e aes para promoo e garantia de direitos, proteo de minorias etc.

    Desenvolvimento econmico DE Programas que desenvolvem aes de apoio, fomento, regulao, financiamento, entre outras, voltadas para a promoo do desenvolvimento econmico, ao setor produtivo, organizao do mercado e ao estmulo ao crescimento econmico.

    Infraestrutura Inf Programas que incluem aes voltadas para o desenvolvimento de infraestruturas nas diversas reas seja logstica e infraestrutura produtiva, estrutura e qualidade dos servios pblicos, infraestrutura urbana e urbanizao, transporte, energia, telecomunicaes etc.

    Meio ambiente e recursos naturais

    MA Programas envolvendo iniciativas de preveno e conservao de recursos naturais envolvendo pesquisa, regulao, unidades de preservao etc.

    Fonte: Elaborao prpria.

    A importncia da classificao temtica reside na possibilidade de organizar os dados em torno de dimenses especficas e que tenham sentido comum. O principal questionamento, neste caso, consiste em saber se, por exemplo, programas ligados ao eixo da Proteo Social poderiam concentrar e desenvolver determinados tipos de interfaces no necessariamente semelhantes queles comumente encontrados no eixo de infraestrutura. A corroborao de tal hiptese pode ensejar o desenvolvimento de trabalhos avaliativos mais aprofundados ao longo da agenda de pesquisa ora proposta.

    5.1 AS INTERFACES SOCIOESTATAIS POR CLASSES TEMTICAS DE PROGRAMAS

    Levando em considerao as classes temticas, obtemos uma distribuio dos programas tal como expresso no grfico 5.

    No caso da classe temtica de Proteo e Promoo Social, foi possvel categorizar 35,1% dos programas. (percentual que ligeiramente maior, de 32,5%, para o caso da classe temtica de Infraestrutura). Ao categorizarmos as classes de meio ambiente e desenvolvimento econmico, encontramos valores tambm semelhantes entre si, com 16,4% e 16,1%, respectivamente. Com base nessas informaes, vale a pena checar a distribuio das interfaces socioestatais ao largo de cada classe. Ser que, necessariamente, programas ligados classe de Proteo Social tendem a adotar os mesmos tipos de interfaces daqueles programas ligados classe de meio ambiente,

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    Participao social como mtodo de governo? Um mapeamento das interfaces socioestatais nos programas federais

    Como forma de avaliar a questo, realizou-se o cruzamento das classes temticas e das interfaces socioestatais e, posteriormente, procedeu-se a uma anlise de correspondncia, para checar, graficamente, se algum padro poderia emergir das informaes tratadas. A tabela 2 contm o cruzamento dos dados.

    Os dados informados na tabela parecem sugerir de fato existir dado padro de concentrao de tipos determinados de interface socioestatal a tipos determinados de classe temtica e, portanto, aos programas ligados a estas classes. Se considerarmos, por exemplo, o caso da classe de proteo e promoo social, fica evidente que maiores propores so encontradas em torno das interfaces de discusso em conselho setorial e discusso em conferncias. A seu turno, quando verificamos essas mesmas interfaces

    35,1%

    16,1%

    32,5%

    16,4%

    Proteo e promoo social

    Desenvolvimento econmico

    Infraestrutura

    Meio ambiente

    Chi2(3) 246,58

    Pr 0,000**

    Fonte: Sigplan (2010).

    Notas: * Sig a NC 90% \ ** Sig a NC 95% \ *** Sig a NC 99%.

    GRFICO 5Distribuio percentual das classes temticas por programas 2002-2010

    por exemplo? Essa concentrao de programas em torno de algumas classes implica concentrao, tambm, de tipos especficos de interfaces socioestatais?

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    R i o d e J a n e i r o , f e v e r e i r o d e 2 0 1 2

    para o caso da classe temtica de infraestrutura, por exemplo, constatamos percentuais significativamente menores, mas que tendem a se concentrar em interfaces menos frequentes no caso da proteo social, como audincia pblica e consulta pblica. A classe temtica de meio ambiente tambm parece apresentar dada concentrao em torno de determinadas interfaces, sendo, mais especificamente, em torno de reunio com grupos de interesse e consulta pblica. A ltima classe, de desenvolvimento econmico, parece se concentrar mais em torno das interfaces outros e discusso em conferncias.

    TABELA 2Percentual de classes temticas por interface socioestatal 2002-2010

    Ouvidora Audincia pblica

    Consulta pblica

    Reunio Grupos interesse

    Discusso em conselho setorial

    Discusso em conferncias

    Outros

    Infraestrutura 37,6 42,8 33,0 26,4 19,9 11,9 23,9

    Desenvolvimento econmico 17,4 10,1 15,9 15,2 12,1 19,0 20,7

    Proteo e promoo social 36,5 31,5 30,8 33,9 51,0 52,4 37,5

    Meio ambiente 8,4 15,6 20,3 24,5 17,1 16,7 17,9

    Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

    Chi2(18) 148,81***

    Fonte: Sigplan (2010).

    Nota: * Sig a NC 90% \ ** Sig a NC 95% \ *** Sig a NC 99%.

    5. A tabela com as coordenadas especficas calculadas para as variveis encontra-se no anexo B.

    Aos provveis padres encontrados na tabela, vale a pena checar com maior acuidade as informaes apresentadas. Neste caso, realizamos uma anlise de correspondncia com fins de verificar graficamente a distribuio das interfaces socioestatais e sua relao com a distribuio de classes temticas. Segue o grfico que estima associao das variveis e as correlaciona em um mesmo plano cartesiano5 (grfico 6).

    Ao localizarmos espacialmente as variveis de interesse, parece ser possvel confirmar as expectativas advindas da anlise dos dados das tabelas anteriores. A anlise de correspondncia localizou, em primeiro lugar, no quadrante superior direito, as interfaces socioestatais consulta pblica e audincia pblica. Os valores gerados atravs das combinaes levaram a uma proximidade maior da classe temtica de infraestrutura a ambas as interfaces.

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    Participao social como mtodo de governo? Um mapeamento das interfaces socioestatais nos programas federais

    Em seguida, se olharmos o quadrante superior esquerdo, possvel supor determinada relao de proximidade entre a interface socioestatal reunio com grupos de interesse e a classe temtica desenvolvimento econmico. Em terceiro lugar, o quadrante inferior esquerdo parece concentrar as interfaces de carter mais ampliado em termos de pblico-alvo, sendo estas as discusses em conselhos setoriais e as discusses em conferncias temticas. Neste caso, localiza-se a classe temtica de proteo e promoo social. Por ltimo, o quadrante inferior esquerdo revela proximidade entre a interface socioestatal ouvidoria e a classe temtica de meio ambiente, muito embora seja razovel supor, tambm, proximidade dessa classe com o quadrante superior direito, relativo s interfaces de consulta pblica e audincia pblica.

    Se considerarmos apenas as classes temticas dos programas, portanto, a anlise realizada gera evidncias suficientes para afirmar, como significncia estatstica, que a determinados tipos de programas tendem a corresponder determinados tipos de interfaces socioestatais. No obstante, preciso levar em considerao que os programas tambm se diferenciam em funo do seu carter, isto , de sua caracterstica como meio ou fim. Neste caso, conforme visto linhas acima, assume-se a hiptese de que programas

    GRFICO 6 Plano espacial de associao entre classes temticas e interfaces socioestatais

    Fonte: Sigplan (2010).

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    R i o d e J a n e i r o , f e v e r e i r o d e 2 0 1 2

    de apoio, por serem caracteristicamente mais administrativos e tcnicos, necessitam de menor contato com o pblico-alvo do que os programas finalsticos e, por isso, tendero a ter tipos especficos de interfaces socioestatais que se ajustam a tal necessidade.

    5.2 AS INTERFACES SOCIOESTATAIS POR CARTER DOS PROGRAMAS

    Ao levarmos em considerao, nessa linha, o carter dos programas, bem como correlacionando-os com suas respectivas classes temticas, obtemos resultados tambm interessantes do ponto de vista analtico, em especial no que tange hiptese aventada. A principal questo que se trata aqui a de que, tomando em considerao a relativa concentrao de interfaces e classes temticas observadas, ser que ela se mantm, ou pelo menos mantm o padro observado, caso seja acrescentada mais uma varivel, referente ao carter dos programas? Para avaliar a questo, vale a pena iniciar com uma descrio simples dos dados, conforme se observa no grfico 7.

    GRFICO 7 Percentual de programas com interfaces socioestatais segundo carter e temtica 2002-2010

    Fonte: Sigplan (2010).

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    Participao social como mtodo de governo? Um mapeamento das interfaces socioestatais nos programas federais

    O grfico revela claramente que mais de 80% dos programas desenvolvidos pelo governo federal, entre os anos 2002 e 2010, tinham carter finalstico. Dentre estes, a maioria, 39%, est ligada temtica da proteo social, seguida pela temtica de infraestrutura, com 28%, a temtica de meio ambiente, com 18% e, por fim, a temtica de Desenvolvimento econmico, com 15%. Se olharmos o caso dos programas de apoio, que constituem 18% do total, observamos que a maioria est ligada temtica de infraestrutura, com 37%, seguida da temtica de desenvolvimento econmico, com 26%, a temtica de proteo social, com 23% e, por fim, a temtica de meio ambiente, com 14%.

    A fim de checar a distribuio e as potenciais padronizaes na distribuio das interfaces socioestatais, vale a pena abordar estes dados sob a tica dos prprios canais de interlocuo. O grfico 8 fornece dados neste sentido.

    GRFICO 8 Percentual de interfaces socioestatais por carter dos programas 2002-2010

    22,3 20,6

    31,7

    25,2

    19,6

    13,5

    7,4

    9,5

    7,2

    6,2

    11,8

    18,6

    6,4

    0%

    10%

    20%

    30%

    40%

    50%

    60%

    70%

    80%

    90%

    100%

    Apoio Finalsticos

    Ouvidoria Reunio grupos interesse Outros

    Audincia pblica Consulta pblica Discusso conselho setorial

    Discusso em conferncias

    Apoio Finalstico Categorias****

    Chi2(5) 27,8 22,9 14,23

    Pr 3,75E-05*** 7,94E-04*** -

    Fonte: Sigplan (2010).

    Notas: * Sig a NC 90% \ ** Sig a NC 95% \ *** Sig a NC 99%.

    **** Teste de homogeneidade das categorias Coletivizado e No coletivizado, com chi2(1) .

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    R i o d e J a n e i r o , f e v e r e i r o d e 2 0 1 2

    Os dados do grfico parecem fornecer indcios ainda mais fortes em favor da hiptese que est sendo estruturada ao longo do texto. Em primeiro lugar, vale notar que os resultados dos testes do qui-quadrado, tanto em relao aderncia de cada categoria (apoio ou finalstico), quanto em relao homogeneidade fornecem evidncias de haver significncia estatstica nos resultados apresentados. A primeira observao que podemos fazer, levando em considerao tais testes, que o valor de qui-quadrado para os programas finalsticos menor do que o valor encontrado nos programas de apoio. Isso sugere fortemente que h menor variabilidade no conjunto de programas de finalsticos, caracterizando-o como mais homognea em relao ao conjunto de programas de apoio.

    A segunda observao que se pode fazer que, se observarmos apenas os programas de apoio, veremos que h maior concentrao de interfaces que sugerem contatos pontuais com os indivduos envolvidos nos processos decisrios especficos, bem como com grupos determinados. sintomtico, por exemplo, que os tipos mais frequentes de interface se refiram aos formatos outros, com 19,6%, ouvidoria, com 22,3%, reunio com grupos de interesse, com 31,7% e, por fim, consulta pblica, com 7,2%. Estes canais oferecem oportunidades tanto pontuais, quanto especficas, de contato entre Estado e sociedade, geralmente em funo de interesses especficos dos agentes, como a reclamao de indivduos atravs dos servios de ouvidorias, ou, ainda, a negociao com grupos de interesse determinados acerca de preferncias e questes particulares.

    Se observarmos, a seu turno, o grupo de programas finalsticos, parece de fato haver uma diferena a ser notada. Nesse caso, a frequncia de interfaces que ensejam contato mais constante e ampliado com os cidados relativamente maior do que aqueles tipos mais frequentemente encontrados nos programas de apoio. Se pegarmos, por exemplo, o percentual das categorias conselhos setoriais e conferncias, j contabilizamos 25% da subamostra de programas finalsticos. Alm disso, pode-se notar que o percentual daquelas interfaces mais frequentemente encontradas no grupo de programas de apoio sempre relativamente menor nos programas finalsticos. As reunies com grupos de interesse, por exemplo, concerniam a 31,7% dos programas de apoio, mas constituem 25,2% no caso dos programas finalsticos. Mesmo movimento de queda pode ser observado nos casos das ouvidorias e da categoria outros.

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    Participao social como mtodo de governo? Um mapeamento das interfaces socioestatais nos programas federais

    Estas observaes podem ser mais bem refinadas se considerarmos as categorias analticas de interfaces coletivizadas e no coletivizadas, tal como disposto no quadro 1. Nesse caso, podemos perceber que o percentual de interfaces coletivizadas no grupo de programas de apoio, de 27,3%, menor do que aquele do grupo de programas finalsticos, de 40,7%. O teste qui-quadrado, visto na ltima coluna da tabela correlata do grfico, forneceu evidncias suficientes para afirmao de que essa diferena tem significncia estatstica.

    5.3 A INCIDNCIA DE INTERFACES SOCIOESTATAIS POR TIPO, CLASSE TEMTICA E CARTER DOS PROGRAMAS

    J possvel, portanto, notar certas diferenas em termos de tipos de interface como funo do carter dos programas desenvolvidos pelo governo. Grosso modo, parece que programas de apoio tendem a concentrar interfaces de caractersticas mais pontuais e cerceadas a grupos determinados, ditos no coletivizados, ao passo que programas finalsticos parecem concentrar mais interfaces que suscitam contatos mais delongados e de carter mais coletivizado. Isso sugere fortemente um maior aprofundamento no cruzamento dos dados, especialmente levando em considerao a distribuio em torno das temticas elegidas pelos programas como base de seu desenvolvimento. Esse padro sugerido para o caso dos tipos de programas leva a crer na possibilidade de existncia de dado padro tambm para o caso do eixo temtico geral ao qual se ligam. O grfico 9 fornece um panorama dessa questo, realizando um cruzamento das trs variveis tomadas como base de anlise: o carter do programa, a temtica e interfaces socioestatais.

    As informaes do grfico so significativas do ponto de vista da compreenso da distribuio dos tipos de interface pelas temticas e carter dos programas, tendo por base uma perspectiva comparativa. Os valores foram ajustados segundo uma mesma escala de mensurao, especialmente no que tange ponderao relativa dos totais. Alm disso, foi realizado teste de homogeneidade para as categorias coletivizado e no coletivizado com base no carter dos programas e para cada classe temtica, bem como tomando em considerao a amostra geral, sem separao pelo carter dos programas. Por fim, foi feito um teste qui-quadrado geral com base em toda a amostra, sem considerar classes ou carter dos programas. Com exceo da categoria no coletivizada, calculada para os programas de apoio, todos os testes foram significativos a um nvel de confiana de 95%, fornecendo evidncias suficientes para afirmarmos

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    R i o d e J a n e i r o , f e v e r e i r o d e 2 0 1 2

    que as diferenas encontradas entre os percentuais de cada interface socioestatal so estatisticamente significativas.

    GRFICO 9 Percentual de interfaces segundo carter e temtica dos programas 2002-2010

    15,8 13,67,0

    26,316,4

    21,0

    7,412,2

    10,5 14,733,0

    11,1

    18,7 12,5

    18,4 10,7

    15,417,5

    11,2 16,9 19,7

    9,9

    13,911,2

    20,620,1

    15,7 10,2 7,923,7

    13,7

    12,4

    24,024,0

    11,511,8 12,1

    15,7

    17,6

    11,9

    13,7 10,1

    21,6 23,7

    11,5

    10,9

    14,7

    19,8

    13,76,3

    14,321,8

    Desenvolvimentoeconmico

    Infraestrutura Meio ambiente Proteo social Desenvolvimentoeconmico

    Infraestrutura Meio ambiente Proteo social

    Apoio Finalsticos

    Ouvidoria Reunio grupos interesse Outros

    Audincia pblica Consulta pblica Discusso conselho setorial

    Discusso em conferncias

    Apoio Finalstico Categorias**** Dimenses*****

    Coletivo Ncoletivo Coletivo Ncoletivo Coletivo Ncoletivo

    Chi2(3) 12,4 6,5 27 12,3 20,2 9,9 7,98

    Pr 0,006*** 0,090 0,000*** 0,006*** 0,000*** 0,019** -Fonte: Sigplan (2010).

    Notas: * Sig a NC 90% \ ** Sig a NC 95% \ *** Sig a NC 99%.

    **** Aderncia do valor total das categorias Coletivizado e No coletivizado.

    ***** Teste de homogeneidade das dimenses temticas para as categorias Coletivizado e No coletivizado, com chi2(1).

    Se olharmos apenas os programas de apoio, parece haver uma distribuio dos canais de interface cujos desenhos remetem a uma perspectiva de contato mais particularizado e pontual, seguindo o esquema de mensurao ilustrado no grfico 3. Nesse caso, sobressaem os programas ligados s temticas desenvolvimento econmico e infraestrutura, os quais contam, em suas respectivas composies, com maior percentual relativo de programas cujas interfaces so delineadas exatamente por estas caractersticas. Por outro lado, considerando apenas os programas finalsticos, parece haver maior concentrao de interfaces caracterizadas por maior grau de periodicidade, assim como tratamento de interesses coletivizados. Nesse caso, no difcil notar que sobressai, em especial, a temtica de proteo social, a qual concentra o maior volume percentual de programas nesse sentido.

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    Participao social como mtodo de governo? Um mapeamento das interfaces socioestatais nos programas federais

    O que essas informaes sugerem fortemente que, alm de uma concentrao de determinados tipos de interface segundo classe temtica tratada, parece haver, tambm, concentrao em termos de carter dos programas, finalsticos ou de apoio. Programas de apoio, afins a temticas como infraestrutura e desenvolvimento econmico, parecem concentrar mais interfaces no coletivizadas, que ensejam contato do Estado com indivduos ou pequenos grupos de indivduos dotados de interesses muito bem localizados, com negociaes estruturadas e direcionadas especialmente para o seu tratamento. J no caso de programas ligados s temticas de meio ambiente, mas, principalmente, de proteo social, parece haver maior concentrao relativa de interfaces que tendem a ensejar exatamente o contrrio, isto , a presena, no Estado, de estruturas para tratamento de assuntos que envolvem a coletividade, atravs da negociao com grupos e indivduos diversos da sociedade civil.

    Como forma de localizar graficamente essa hiptese e facilitar sua avaliao, procedeu-se a uma anlise de correspondncia entre classes temticas e interfaces socioestatais, tomando por base o carter dos programas. Logo abaixo so apresentados dois grficos: o primeiro relativo aos programas finalsticos e o segundo relativo aos programas de apoio6 (grfico 10).

    6. As tabelas de coordenadas dos testes seguem no anexo B.

    GRFICO 10Plano espacial de associao entre classes temticas e interfaces socioestatais, por carter dos programas

    Fonte: Sigplan (2010).

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    R i o d e J a n e i r o , f e v e r e i r o d e 2 0 1 2

    Ao analisarmos os grficos, percebemos haver diferenas, mas, em especial, tambm algumas semelhanas que parecem corroborar as suposies realizadas acima com base na anlise dos grficos anteriores. Em primeiro lugar, parece que, ao acrescentarmos a varivel de carter dos programas, houve uma variao maior das interfaces localizadas como no coletivizadas do que aquelas localizadas como coletivizadas. Se considerarmos a interface de proteo social, por exemplo, vemos que ela se localiza nos quadrantes inferiores, prementemente associada a mecanismos como discusses em conselho setorial e discusses em conferncias. A seu turno, quando analisamos as demais interfaces, parece que elas se distriburam em quadrantes relativamente opostos no plano. Se considerarmos as temticas de desenvolvimento econmico e infraestrutura, por exemplo, notamos que elas consistentemente se localizam nos quadrantes superiores, associadas a mecanismos como consulta pblica, audincia pblica e reunio com grupos de interesse.

    No difcil perceber que tende a surgir dado padro em relao a tipos de interface, classe temtica e carter dos programas. Embora de grande relevncia, no possvel dizer que esta ltima varivel, em especial, tenha causado significativas transformaes nas distribuies se compararmos o grfico 10 com o grfico 6, que no trata dessa varivel. O que parece emergir, todavia, uma concentrao de interfaces classificadas como coletivizadas em torno de classes temticas como proteo social, infraestrutura e desenvolvimento econmico, deixando de corroborar a hiptese inicial de que estas duas ltimas classes estariam muito mais ligadas a interfaces ditas no coletivizadas.

    No obstante, essa discrepncia pode ser explicada pelo fato de que as interfaces consulta pblica e audincia pblica, componentes da categoria coletivizada, so tipos bastante utilizados por estas classes temticas. A temtica de meio ambiente parece estar consistentemente ligada interface reunio com grupos de interesse e isso pode ser explicado como funo das problemticas que so tratadas na rea, como conflitos de terra, manejo de pesca, manejo de rios, construo de barragens, dentre outros, as quais demandam contato direto e objetivo do governo com os indivduos diretamente afetados, como forma de resolver e/ou amenizar os conflitos da decorrentes.

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