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Forte Monte Serrat está localizado em Sal-vador, na ponta ocidental da penínsulaItapagipana, debruçado nas águas esver-deadas da baía de Todos os Santos. Pon-

to de atração turística dos mais procurados, é umdos cartões de visita que se destaca na capital baiana.Entretanto, por trás deste patrimônio, muito maisdo que a beleza do acervo cultural, está uma histó-

ria repleta de emoções, envolvendo personagensdesconhecidos que se empenharam na sua preser-vação, colocando o pequeno Forte sempre em con-dições de emprego e lutando bravamente por oca-sião das investidas do inimigo.

Foi construído em 1586, durante o Governode D. Manoel Telles Barreto, e continuadas as obraspor D. Francisco de Souza possuindo, inicialmente,

O

... com figura de polígono irregular fortificado na mesma linha do polígono,sem flancos, com ângulos todos salientes abtusos, nos quatro primeiros da frente um torreãoem cada ângulo, cobertos de abóbadas, e todos circulares ...

Relatório Rohan – 1810

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Paulo Roberto Rodrigues Teixeira

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como armamento de defesa, três canhões.Deve-se a sua construção à importância daposição estratégica, que oferecia excelentescondições para barrar qualquer ameaça vin-da pelo mar.

Em 1802, foi restaurada e concluí-da a obra realizada pelo Governador DiogoLuiz de Oliveira, que via a necessidade demanter a segurança da baía de Todos osSantos, onde concentravam as embarcaçõescarregadas com produtos destinados à me-trópole. A sua guarnição só veio a ser com-pletada em 1616, composta, a partir daqueleano, por 16 homens, assim discriminados:um capitão, um cabo, um condestável (ar-tilheiro), um tambor e 12 mosqueteiros.

O Governador Diogo de Mendon-ça Furtado, prevendo um possível ataquedos holandeses, novamente restaurou oForte em 1621.

No dia 9 de maio de 1624, ocorreua primeira invasão holandesa. O Forte, com

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Fotografia do século passado. Hoje neste local,no primeiro plano, existe uma quadra de esporte,e toda a área na periferiaencontra-se edificada e urbanizada

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os seus quatro canhões, impediu o desem-barque do invasor durante todo o dia, po-rém acabou capitulando em face da supe-rioridade inimiga. Em seguida, os luso-bra-sileiros construíram nas suas proximidadesuma trincheira, guarnecida por duas peçasde canhões de bronze, atuando durante todaa ocupação do Forte, fustigando os holande-ses, através de incursões rápidas, usando ar-mamento individual com apoio de fogo doscanhões de bronze. Durante este período,o Capitão Manoel Gonçalves, atacou umdestacamento holandês que escoltava o co-

mandante do Forte, que foi feito prisionei-ro. Mais tarde, este mesmo capitão incen-diou uma lancha holandesa. Ocorreu tam-bém neste ano, em 17 de julho, quando sedeslocava o Governador holandês da Bahia,General Johan Van Dorth, à frente de umacoluna de 200 homens, ao voltar de umainspeção, foi emboscado no local chamadoÁgua de Meninos, vindo a falecer. Atual-mente, nas instalações do Forte, existe umaplaca alusiva àquele episódio.

D. Fradique de Toledo, Comandan-te da Armada, chegou à baía de Todos os

O mesmo local, ontem e hoje, onde se encontra a placa alusiva aoepisódio da morte do Governador holandês da Bahia

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Santos, em 1625, retomando o Forte dosholandeses, sendo que a versão do fato his-tórico, está narrada de maneira diferentepor diversos autores:

· uma diz que 60 holandeses, queconstituíam a guarnição do Forte, abando-naram-no, recolhendo-se à cidade;

· outra que a guarnição holandesabombardeou a Armada, só se retirando nodia seguinte;

· e, finalmente, que os luso-brasilei-ros teriam conquistado o Forte de surpre-sa, aprisionando o seu comandante.

Das diversas afirmativas dos autores,uma é comum a todos – os holandeses fo-ram derrotados. A capitulação foi assinadaem 1o de maio de 1625.

Em 1638, 13 anos após a expulsão,e a retomada do Forte, novamente, apósnova investida dos holandeses, o Forte vol-tou a ser ocupado. O Conde Maurício de

Canhão colonial, no gramado queenvolve o Forte, acervo cultural que atraia curiosidade dos turistas

Vista parcial, observando ao fundo da baía deTodos os Santos, a cidade de Salvador

Canhão colonial, no gramado queenvolve o Forte, acervo cultural que atraia curiosidade dos turistas

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Nassau era o comandante da força que inva-dia o território baiano, e no dia 21 de abril, oMajor Van Den Brand avançou com um pe-queno efetivo pela praia, conduzindo cincopeças de artilharia, conquistando-o, sendo oCapitão Pedro Aires de Aguirre o seu coman-dante, dispondo com ele uma guarnição re-duzida e seis canhões. Mirales afirma no seulivro, História Militar, que os holandeses o to-maram graças ao pequeno ânimo do respecti-vo capitão, “sem embargo de se achar guar-necido por poucos soldados e de nenhumadefesa”. A operação do invasor durou de 16de abril até 26 de maio de 1638. A resistênciafoi maior do que a esperada, não conseguin-do conquistar Salvador. Nassau, desfalcado edesiludido, retornou para Recife

Em 1655, os piratas intensificavam suasações, causando grande transtorno à navega-ção de cabotagens, atacando impiedosamenteas embarcações que pretendiam atravessar ooceano. Para maior segurança o Governador-Geral D. Jerônimo de Athayde, Conde deAtaugia, proibiu que tais travessias fossem fei-tas por navios isolados, devendo ser organiza-dos em comboio. Desta maneira, quando car-regados, os navios deveriam rumar para os pos-tos de concentração, no Rio de Janeiro, Per-nambuco e Bahia, esperando o momento dapartida do comboio. Por esse motivo, o Con-de de Ataugia, em carta da Bahia, em outu-bro deste ano, dirigida ao Provedor e Conta-dor da Fazenda Real, Sebastião FernandesCorrêa, dava a seguinte ordem:

“Reedificar, a Fortaleza de Nossa Senho-ra de Montesserate do Rio da Villa dos Santos,para amparo e abrigo dos navios que entras-

Forte Monte Serrat projetando-seno céu azul de Salvador

Alameda junto ao pátio interno

Interior do Forte

Entre os dois torreões o canhão colonialapontado para o mar

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sem no referido porto e pudessem ficar seguros doinimigo, e se porem nella quatro peças de artilharia.”

Em 1693, ocorreu uma reforma expressiva,sendo a fortaleza reedificada por ordem de D. Joãode Lancastre, segundo a planta do engenheiro Flo-rentino Bacchio de Felisgaia. A partir daí, passou a

ter forma hexagonal, dispondo de largas muralhase de um torreão em cada ângulo.

Em 1717 foram reforçadas as peças de arti-lharia, contando agora com 12 canhões.

Em 1810, a fortaleza foi descrita no relatórioRohan da seguinte maneira:

“...com figura de polígono irregular fortifi-cado na mesma linha do polígono, sem flancos,com ângulos todos salientes obtusos, nos quatroprimeiros da frente do torreão em cada ângulo,cobertos de abóbadas, e todos circulares, um servede casa de pólvora, faz frente para o nascente, ondecorre a montanha e sobre a dita frente numa par-te donde está a casa do comandante, e para baixooutros cômodos...”

A história registra fato interessante ocorridona época, descrito por Carlos Alberto de Carvalhoem seu livro, Tradições e Milagres do Bonfim, do qualtranscrevemos o texto:

“A propósito deste Forte versa uma lendamuito interessante, a qual reproduzimos aqui aosnossos leitores.

É o caso de lá ter ido, em visita campestre, umpresidente da Província e ao contemplar algumas

Torreões circulares, cobertosde abóbadas

Quatro torreões, com ângulossalientes e obtusos

Foto

: Rica

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carretas e canhões da fortaleza, dizer ao oficial quelá estava como comandante da mesma:

– melhor seria demolir esta muralha, e fundiro ferro destes canhões em peças novas.

Ao que o comandante inquiriu:– Por que, senhor?– Porque não lhes vejo serventia.Contam que a esta resposta do Presidente o ofi-

cial calou-se, e que à saída daquele, perguntou-lhe:– A que horas Vossa Senhoria almoça?– Ao meio-dia no Palácio da Praça.– Mandarei um queijo a Vossa Senhoria, se

me permite a liberdade.E concluem os contadores da história do

queijo que ao meio-dia o Forte Monte Serrat man-dava um tiro de peso à esquina do Palácio da Praça,

como prova de que os seus canhões ainda tinhamboa serventia.”

Por ocasião da Guerra da Sabinada, em no-vembro de 1837, 200 anos depois da ocupação doForte pelos holandeses, um novo confronto ocor-reu. Os sabinos armaram, com duas peças de arti-lharia, o paquete Brasília e tomaram o Forte. A res-posta das forças governamentais foi imediata, vindocontra os revoltosos a coluna imperial, composta dequatro lanchas tripuladas por 60 marujos da fraga-ta Imperial Marinheiro, que tentaram desembarcarem frente da posição, sendo, porém, repelidos porintensos fogos de artilharia e fuzis. No dia seguinte,a fragata Imperial Marinheiro, a corveta Regenera-ção e o brigue Três de Maio, bombardearam o For-te. Simultaneamente, o destacamento do Exército

Vista lateral de um dos torreões, vendo-se aofundo a baía de Todos os Santos

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aproximou-se para realizar o ataque por terra, comreforço dos imperiais, obrigando os revoltosos ase entregarem.

Sofreu reparos em 1883 e 1915, bem comorestauração no Governo de Góes Calmon.

Foi tombado pelo Instituto do PatrimônioHistórico e Artístico Nacional (IPHAN), em 1957.

Atualmente o sítio histórico de Monte Serrat,totalmente restaurado e administrado pelo Exér-cito, é um dos atrativos turísticos mais visitados,na Cidade de Salvador. Independente das suasinstalações, que representa um riquíssimo pa-trimônio, possui também no seu interior pre-cioso acervo, que retrata a sua história, e que em-polga o visitante, rememorando o passado e des-pertando-o a valorizar a memória do nosso País.

Paulo Roberto Rodrigues Teixeira – Coronel de Infantaria e Estado-Maior, énatural do Rio de Janeiro. Tem o curso de Estado-Maior e da Escola Superior deGuerra. Atualmente é assessor da FUNCEB e redator-chefe da Revista DaCultura.

O Forte Monte Serrat, restaurado e administradopelo Exército, é um dos pontosturísticos mais visitados, na cidade de Salvador

Cisterna de água potável queabastecia o Forte

Foto

: Rica

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