UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE MSICA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MSICA
MESTRADO EM MSICA EXECUO MUSICAL-VIOLO
Brasiliana N13 de Radams Gnattali: uma abordagem tcnica e interpretativa
Robson Barreto Matos
Salvador-Bahia
Brasiliana N13 de Radams Gnattali: uma abordagem tcnica e interpretativa
MEMORIAL SUBMETIDO AO CURSO DE MESTRADO EM MSICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA COMO REQUISITO PARCIAL OBTENO
DO GRAU DE MESTRE EM MSICA
Robson Barreto Matos
Salvador-Bahia Novembro de 1999
Resumo
Esse trabalho apresenta o resultado da preparao da obra Brasiliana N13 para
violo solo de Radams Gnattali. Primeiramente, so abordados os dados biogrficos do
compositor, mostrando suas atuaes como instrumentista, compositor, arranjador e regente, e
revelando a sua tendncia nacionalista pela valorizao dos elementos culturais brasileiros.
Em seguida, atravs de um levantamento feito da sua obra para violo, e de depoimentos
referentes a esta, constata-se a importncia desse compositor dentro do repertrio violonstico.
A Brasiliana N13, composta em 1983, abordada no seu aspecto histrico,
localizando-a no tempo e espao, e mostrando elementos que revelam a tendncia nacionalista
do compositor. apresentada uma anlise formal, e uma anlise temtica baseada no processo
temtico de Rudolph Reti. Esta ltima mostra a unidade da obra atravs de dois materiais
temticos.
Na preparao tcnica instrumental so discutidos os aspectos de mo direita e
mo esquerda que representam dificuldades e, apoiado na literatura violonstica, so
apresentados alguns recursos como solues. Uma das solues enfocada o estudo tcnico
isolado da mo direita, para o qual proposta uma grafia especfica.
Atravs da anlise musical e d comparao entre o manuscrito e a edio da Max
Eschig, elaborou-se uma concepo interpretativa. Essa concepo busca refletir a unidade
estrutural e composicional dessa pea.
Abstract
This study presents the preparation of performance of Radams Gnattali's
Brasiliana N13 for guitar solo. First, a biographical approach of the composer shows his
activities as performer, composer, arranger and conductor, revealing his Nationalist tendency
with the valorization of Brazilian's cultural elements. Then, the importance of this composer
for the guitar repertoire is demonstrated through studies of his work for guitar and testimonies
of professionals guitarists from Brazil.
The historical aspects of the Brasiliana N13 are considered, appointing the
composer's Nationalistic tendency. A formal and thematic analysis is proposed which show
the piece's unity. The thematic analysis is based on Rudolph Reti's theory of thematic process.
The technical difficulties for the right and left hands are discussed in parallel with
the guitar literature, searching for technical recourses as solutions. One of the technical
solutions suggested is the right hand's isolated technique, to which a specific writing is
developed.
An interpretative conception of the work is proposed based on a musical analysis
and a comparative study of the manuscript and the Max Eschig's edition. This conception
aims to reflect the structural unity of the piece.
Sumrio
Pgina Lista de exemplos---------------------------------------------------------------------------------- iiLista de quadros------------------------------------------------------------------------------------- vLista de figuras------------------------------------------------------------------------------------- viLista de abreviaturas------------------------------------------------------------------------------- viiIntroduo------------------------------------------------------------------------------------------- 1Captulo I: Radams Gnattali--------------------------------------------------------------------- 3 1.1. Dados Biogrficos-------------------------------------------------------------------- 3 1.2. Repertrio para violo--------------------------------------------------------------- 11Captulo II: Brasiliana N13---------------------------------------------------------------------- 15 2.1. Histrico------------------------------------------------------------------------------- 15 2.2. Anlise formal e temtica------------------------------------------------------------ 15Captulo III: Preparao tcnica instrumental da Brasiliana N13-------------------------- 30 3.1. Mo direita----------------------------------------------------------------------------- 30 3.1.1. Tcnica isolada da mo direita------------------------------------------- 40 3.1.1.1. Grafia especfica para o estudo em cordas soltas --------- 41 3.1.1.2. Formas de praticar a tcnica isolada de mo direita------- 42 3.3. Mo esquerda-------------------------------------------------------------------------- 44Captulo IV: Interpretao------------------------------------------------------------------------ 47 4.1. Samba bossa-nova-------------------------------------------------------------------- 47 4.2. Valsa------------------------------------------------------------------------------------ 56 4.3. Choro----------------------------------------------------------------------------------- 63Concluso-------------------------------------------------------------------------------------------- 70Bibliografia------------------------------------------------------------------------------------------ 71Anexo I: Escrita em corda solta----------------------------------------------------------------- 73Anexo II: Catlogo de obras de Radams Gnattali para violo----------------------------- 78Anexo III: Programa do recital apresentado como requisito parcial------------------------- 90
Lista de exemplos
Pgina Captulo II: Brasiliana N13 2.2. Anlise formal e temtica Exemplo 1 (comp. 1-5, I mov.) ------------------------------------------------------------------ 18Exemplo 2 (comp. 8-9, I mov.) ------------------------------------------------------------------ 19Exemplo 3 (comp. 12-14, II mov.) -------------------------------------------------------------- 19Exemplo 4 ------------------------------------------------------------------------------------------ 20Exemplo 5 (comp. 1-4, III mov.) ---------------------------------------------------------------- 21Exemplo 6 (comp. 12-15, I mov.) --------------------------------------------------------------- 22Exemplo 7 (comp. 27-31, I mov.) --------------------------------------------------------------- 22Exemplo 8 (comp. 56-66, I mov.) --------------------------------------------------------------- 23Exemplo 9 (comp. 5-8, II mov.) ----------------------------------------------------------------- 24Exemplo 10 (comp. 17-19, II mov.) ------------------------------------------------------------- 24Exemplo 11 (comp. 22-25, II mov.) ------------------------------------------------------------- 25Exemplo 12 (comp. 55-57, II mov.) ------------------------------------------------------------- 25Exemplo 13 (comp. 64-68, II mov.) ------------------------------------------------------------- 26Exemplo 14 (comp. 8-12, III mov.) ------------------------------------------------------------- 26Exemplo 15 (comp. 17-19, III mov.) ------------------------------------------------------------ 27Exemplo 16 (comp. 24-25, III mov.) ------------------------------------------------------------ 27Exemplo 17 (comp. 33-34, III mov.) ------------------------------------------------------------ 28Exemplo 18 (comp. 41-43, III mov.) ------------------------------------------------------------ 28Captulo III: Preparao tcnica instrumental da Brasiliana N13 3.1. Mo direita Exemplo 19 (comp. 59-63, II mov.) ------------------------------------------------------------- 31Exemplo 20 (comp. 1-9, III mov.) --------------------------------------------------------------- 32Exemplo 21 ----------------------------------------------------------------------------------------- 33Exemplo 22 (comp. 1-5, I mov.) ----------------------------------------------------------------- 38Exemplo 23 (comp. 18-19, III mov.) ------------------------------------------------------------ 383.1.1. Tcnica isolada da mo direita Exemplo 24 (comp. 1-2, III mov.) --------------------------------------------------------------- 40Exemplo 25 ----------------------------------------------------------------------------------------- 413.1.1.1. Desenvolvimento de uma grafia prpria Exemplo 26 (comp. 1-7, III mov.) --------------------------------------------------------------- 413.1.1.2. Formas de praticar a tcnica isolada da mo direita Exemplo 27 ----------------------------------------------------------------------------------------- 43Exemplo 28 ----------------------------------------------------------------------------------------- 43
ii
Pgina 3.2. Mo esquerda Exemplo 29 (comp. 18-19, II mov.) ------------------------------------------------------------- 44Exemplo 30 (comp. 25, III mov.) ---------------------------------------------------------------- 45Captulo IV: Interpretao 4.1. Samba bossa-nova Exemplo 31 ----------------------------------------------------------------------------------------- 48Exemplo 32 ----------------------------------------------------------------------------------------- 48Exemplo 33 ----------------------------------------------------------------------------------------- 48Exemplo 34 (comp. 8) ---------------------------------------------------------------------------- 49Exemplo 35 (comp. 8) ---------------------------------------------------------------------------- 50Exemplo 36 (comp. 12-13) ----------------------------------------------------------------------- 50Exemplo 37 (comp. 12-13) ----------------------------------------------------------------------- 51Exemplo 38 (comp. 18-19) ----------------------------------------------------------------------- 51Exemplo 39 (comp. 18-19) ----------------------------------------------------------------------- 52Exemplo 40 ----------------------------------------------------------------------------------------- 52Exemplo 41 ----------------------------------------------------------------------------------------- 52Exemplo 42 ----------------------------------------------------------------------------------------- 52Exemplo 43 (comp. 31-32) ----------------------------------------------------------------------- 54Exemplo 44 (comp. 31-32) ----------------------------------------------------------------------- 54Exemplo 45 (comp. 35) --------------------------------------------------------------------------- 54Exemplo 46 (comp. 35) --------------------------------------------------------------------------- 54Exemplo 47 (comp. 46) --------------------------------------------------------------------------- 54Exemplo 48 (comp. 46) --------------------------------------------------------------------------- 54Exemplo 49 (comp. 56) --------------------------------------------------------------------------- 55Exemplo 50 (comp. 56) --------------------------------------------------------------------------- 55Exemplo 51 (comp. 59) --------------------------------------------------------------------------- 56Exemplo 52 (comp. 59) --------------------------------------------------------------------------- 564.2. Valsa Exemplo 53 (comp. 1-4) -------------------------------------------------------------------------- 57Exemplo 54 (comp. 1-4) -------------------------------------------------------------------------- 57Exemplo 55 (comp. 1-4) -------------------------------------------------------------------------- 58Exemplo 56 (comp. 10) --------------------------------------------------------------------------- 59Exemplo 57 (comp. 10) --------------------------------------------------------------------------- 59Exemplo 58 (comp. 13) --------------------------------------------------------------------------- 59Exemplo 59 (comp. 13) --------------------------------------------------------------------------- 59Exemplo 60 (comp. 36) --------------------------------------------------------------------------- 60Exemplo 61 (comp. 36) --------------------------------------------------------------------------- 60Exemplo 62 (comp. 44) --------------------------------------------------------------------------- 60
iii
Pgina Exemplo 63 (comp. 44) --------------------------------------------------------------------------- 60Exemplo 64 (comp. 22-25) ----------------------------------------------------------------------- 61Exemplo 65 (comp. 64-67) ----------------------------------------------------------------------- 62Exemplo 66 (comp. 64-67) ----------------------------------------------------------------------- 63Exemplo 67 (comp. 83) --------------------------------------------------------------------------- 634.3. Choro Exemplo 68 ----------------------------------------------------------------------------------------- 64Exemplo 69 (comp. 4-5) -------------------------------------------------------------------------- 66Exemplo 70 (comp. 26-27) ----------------------------------------------------------------------- 66Exemplo 71 (comp. 14-15) ----------------------------------------------------------------------- 66Exemplo 72 (comp. 18-19) ----------------------------------------------------------------------- 66Exemplo 73 (comp. 6-8) -------------------------------------------------------------------------- 67Exemplo 74 (comp. 27-28) ----------------------------------------------------------------------- 67Exemplo 75 (comp. 27-28) ----------------------------------------------------------------------- 68
iv
Lista de quadros
Pgina CaptuloII: Brasiliana N13 2.2. Anlise formal e temtica Quadro 1--------------------------------------------------------------------------------------------- 16Quadro 2--------------------------------------------------------------------------------------------- 16Quadro 3--------------------------------------------------------------------------------------------- 17
v
Lista de figuras
Pgina Captulo III: Preparao tcnica instrumental da Brasiliana N13 3.1. Mo direita Figura 1---------------------------------------------------------------------------------------------- 35Figura 2---------------------------------------------------------------------------------------------- 35Figura 3---------------------------------------------------------------------------------------------- 36Figura 4---------------------------------------------------------------------------------------------- 37Figura 5---------------------------------------------------------------------------------------------- 373.2. Mo esquerda Figura 6---------------------------------------------------------------------------------------------- 45Figura 7---------------------------------------------------------------------------------------------- 45
vi
Lista de abreviaturas
1. Dedos p - polegar i - indicador m - mdio a - anular 2. Mos MD - mo direita ME - mo esquerda 4. Anlise MTA - Material Temtico A MTB - Material Temtico B MTs - MTA e MTB 5. Partitura c. - compasso (s) 5. Texto ex. - exemplo (s)
vii
Introduo
O violo no Brasil no perodo anterior ao sculo XX, tinha um carter
predominantemente popular e era utilizado na maioria das vezes como instrumento de
acompanhamento. A partir do incio do sculo XX ele passou por transformaes
significativas sendo utilizado amplamente como instrumento solista. Torna-se difcil um
estudo aprofundado do violo anterior a 1916, pois, segundo Castagna e Schwarz, em um
trabalho bibliogrfico sobre o violo no Brasil, esta a data dos textos mais antigos que
encontramos e o ano em que o violo comeou a ser aceito no pas como instrumento solista
de concerto.1 Os principais precursores que utilizaram o violo como solista no incio do
sculo XX foram Ernani Figueiredo e Alfredo de Sousa Imenez, falecidos respectivamente,
em 1917 e 1918. Em seguida, destacam-se os nomes de Stiro Bilhar, Brant Horta, Joaquim
Francisco de Santos (Quincas Laranjeira), Mozart Bicalho, Melchior Cortez e Heitor Villa-
Lobos. A maior parte das obras desses msicos, com exceo de Villa-Lobos, foi perdida, no
sendo tambm bem aceitas pelas elites musicais do incio do sculo. Esse quadro foi revertido
a partir de 1916 pela atuao de msicos como: Catulo da Paixo Cearense (1863-1946) e
Joo Teixeira Guimares (1883-1947), o "Joo Pernambuco", que difundiram canes
regionalistas com acompanhamento de violo; o paraguaio Augustin Barrios (1885-1944) e a
espanhola Josefina Robledo, que realizaram concertos em cidades brasileiras em 1916 e 1917
durante a I Guerra Mundial; e Amrico Jacomino (1887-1928), o "Canhoto", compositor e
violonista, que realizou diversos recitais solo e gravaes.2
A partir desse perodo o violo no Brasil toma impulso e passa a receber ateno
significativa por parte dos compositores brasileiros. Alm de Villa-Lobos, que deixou
1 Paulo Castagna e Werner Schwarz, Uma Bibliografia do Violo Brasileiro (1916-1990), Revista
Msica, 4(2) (1993): 190-218. 2 Paulo Castagna e Gilson Antunes, "1916: o violo brasileiro j uma arte", Cultura Vozes, ano 88,
n1, (jan./fev. 1994): 37-51.
2
importantes obras para o violo, pode-se citar os seguintes compositores: Francisco Mignone
(1897-1986), com obras como Modinha, Minueto Fantasia, Choro, Doze estudos, Doze valsas
e Batuque (todas para violo solo); Mozart Camargo Guarnieri (1907-1993), com Ponteio,
Valsa-choro, Estudo (Ns1 a 3), Valsa N2 (todas para violo solo); Csar Guerra-Peixe
(1914-1993), com Preldio (Ns 1 a 4), Ldicas (Ns 1 a 7), Breves (Ns 1 a 6), Caderno de
Marisa, Sute (para violo solo), Dueto Caracterstico para violino e violo e Galope para
duas flautas, violino, viola e violo; Edino Krieger (1928-), com Preldio, Ritmata,
Romanceiro, (para violo solo) e Concerto para dois violes e orquestra de cordas; Marlos
Nobre (1939-), com Momentos, Momentos IV, Momentos V, Momentos VI, Momentos VII,
Homenagem a Villa-Lobos, Entrada e Tango, Reminiscncias (para violo solo) e Trs
danas brasileiras para dois violes. Dentre estes compositores Radams Gnattali um
destaque pela grande produo de obras para violo (ver o anexo II), como tambm pela
qualidade musical e tcnica de suas obras, como define Maria Haro "...com sua obra para
violo enriqueceu de maneira inegvel o repertrio do instrumento...".3
A obra para violo de Radms Gnattali faz uso freqente de elementos peculiares
da cultura brasileira. A Brasiliana N13, como o prprio nome diz, enfatiza esses elementos
apresentando uma grande diversidade dessas caractersticas incluindo um samba bossa-nova,
uma valsa e um choro. Esse estudo contextualiza essa obra, apresentando dados do
compositor e em seguida, com base numa anlise musical, discute seus aspectos tcnicos e
interpretativos.
3 Bartolomeu Wiese Filho. "Radams Gnattali e sua Obra para Violo". (Rio de Janeiro: UFRJ Escola
de Msica, 1995), 91.
Captulo I
Radams Gnattali
Radams Gnattali (1906-1988) tornou-se uma personalidade de destaque no
panorama artstico musical brasileiro pelas qualidades que possuiu como pianista, compositor,
arranjador e regente. Como Vasco Mariz denota, "possui o msico gacho notvel mtier,
pianista exmio, regente experiente, instrumentador imbatvel e tcnico em assuntos de msica
popular". 4
1.1 - Dados biogrficos
Radams Gnattali nasceu em Porto Alegre no dia 27 de janeiro de 1906. Seu pai,
Alessandro Gnattali, estudou piano, em seguida fagote e posteriormente passou a ser
professor e regente, e sua me, Adlia Fossati foi pianista. Radams iniciou seus estudos de
piano aos seis anos com a me, e ao mesmo tempo violino com a prima Olga Fossati. Aos 14
anos de idade ingressou no Conservatrio de Msica pertencente ao Instituto de Belas-Artes
de Porto Alegre, tendo como professor de piano Guilherme Fontainha e ali tambm deu
continuidade aos estudos do violino paralelamente aos cursos de teoria e solfejo. Nesse
perodo, Radams j convivia com msicos gachos freqentando serestas e blocos
carnavalescos, ocasio em que trocava o piano pelo cavaquinho e o violo. Tambm
trabalhava no cinema mudo, com uma pequena orquestra formada por dois violinos, flauta,
violoncelo, contrabaixo e piano, executando canes francesas e italianas, operetas, valsas e
polcas. Nos ltimos anos de conservatrio, logo aps o fim da Primeira Guerra Mundial de
4 Vasco Mariz, Histria da Msica no Brasil. (Rio de Janeiro: Editora Civilizao Brasileira, 1981),
209.
4
1914, Radams foi influenciado pelo impressionismo francs de Debussy e Ravel, poca em
que o mundo passou por uma fase de grande impulso e renovao no campo das artes.5
No Rio de Janeiro e em So Paulo alguns fatos que marcaram a poca foram: a
presena dos nacionalistas Alexandre Levy, Luciano Gallet e Heitor Villa-Lobos; o sucesso
do pianista Ernesto Nazareth no cinema Odeon; e a Semana de Arte Moderna. Foi em meio a
esse ambiente que Radams marcou a sua estria como pianista na sociedade carioca com um
recital de piano em 31 de julho de 1924 no Instituto Nacional de Msica, atualmente Escola
de Msica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Radams executou, entre outras obras,
o Concerto para rgo de Wilhelm Friedemann Bach, e a Sonata em si menor de Lizt. Na
noite do concerto a casa estava lotada, e na platia estavam presentes crticos de seis jornais
do Rio de Janeiro, que teceram vrios elogios Radams como: "foi uma surpresa e das mais
impressivas a que tive ocasio de experimentar", escreveu Arthur Imbassahy no "Jornal do
Brasil"; "desde os primeiros compassos, aplaudidssimo evidenciou as suas magnficas
qualidades de executante e intrprete", como foi editado na "Gazeta de Notcias"; e Rodrigues
Barbosa de "O Jornal" referindo-se ao concerto de W. F. Bach acrescentou, "quer como estilo,
quer como sonoridade, quer como cambiantes de colorido, a execuo teve certa grandeza que
s os intrpretes privilegiados podem imprimir na sua execuo."6
At o incio da dcada de 1930, Radams dedicou-se carreira de concertista. Em
outubro de 1925 realizou um recital de piano no Conservatrio Dramtico e Musical de So
Paulo. De volta ao Rio Grande do Sul onde permaneceu por quatro anos, fundou o Quarteto
Henrique Oswald, atuando como violista, e realizando diversos concertos em Porto Alegre,
Caxias e So Leopoldo, nos quais incluiu obras principalmente de Beethoven, Mozart,
Mendelsohn e Dunah. Em 1929, de volta ao Rio de Janeiro, executou o Concerto em si bemol
5 Valdinha Barbosa e Anne Marie Devos, Radams Gnattali: o eterno experimentador. (Rio de Janeiro:
Funarte/Instituto Nacional de Msica/Diviso de Msica Popular, 1984), 11-15. 6 (Barbosa 1984, 15-21)
5
maior de Tchaikovski, sob a regncia de Arnaldo Glckman, obtendo grandes elogios da
crtica.7
Radams fez sua estria como compositor em um recital realizado no Teatro So
Pedro, em 17 de setembro de 1930, em Porto Alegre, onde executou o Preldio n 2
(Paisagem) e o Preldio n 3 (Cigarra), ambos de sua autoria. Seguindo, em 9 de julho de
1931 no mesmo local Radams executou tambm de sua autoria, dentre outras peas de
compositores variados, o Ponteio-roda e samba e a Rapsdia brasileira para piano, sendo
essa ltima editada pela Ricordi nesse mesmo ano. Depois de um ano da sua estria como
compositor, tendo sido bastante elogiado pela crtica, Radams j havia definido a sua
tendncia nacionalista pelo aproveitamento de temas folclricos e populares em suas
composies. Ainda nesse ano participou da programao do 4 Concerto da Srie Oficial de
1931 do Instituto Nacional de Msica, juntando-se a compositores como Luciano Gallet,
Heitor Villa-Lobos, Lorenzo Fernandez, Luiz Cosme e Camargo Guarnieri. Como resultado, o
"Correio Musical" empregou os adjetivos "qualidades magnficas" referindo-se s suas obras:
Sute para piano, Rapsdia Brasileira e a Pequena Sute para quarteto de arcos e piano. De
acordo com Barbosa, Otvio Bevilacqua tambm acrescentou:
... tivemos a impresso de estarmos em face de uma das mais curiosas figuras que tem surgido em nosso cenrio musical. Para essa tima impresso, verdade, no concorreu pouco a excelncia de execuo dada pelos artistas de arco, muito conhecidos todos, e, ao piano, pelo autor, pianista de raras qualidades. Enfim, este concerto deu-nos uma das timas revelaes de 1931.8
A partir de 1931, com 25 anos de idade, Radams enfrentou dificuldades
financeiras e se lanou no mercado de trabalho carioca atuando em diversas reas. O sonho de
concertista tornou-se distante pois j no tinha tempo de estudar o piano, limitando-se a
7 (Barbosa 1984, 22-25) 8 Os artistas de arco referidos foram Oscar Borgerth e Raymundo Loyolla Rego, violinos; Affonso
Henrique, viola e Iber Gomes Grosso, violoncelo. A autora no cita no corpo do texto o primeiro nome do Bevilacqua porm, de acordo com a referncia no ndice onomstico v-se tratar-se do pianista e musiclogo Otvio Bevilacqua. (Barbosa 1984, 30)
6
execuo de suas prprias composies. Na msica popular passou a tocar nas orquestras de
Romeu Silva e de Simon Bountman em bailes de carnaval, atuando tambm em operetas,
estaes de rdio e gravaes de disco. Em outubro de 1932, no Teatro Joo Caetano, estreou
a opereta Marquesa dos Santos, de Lus Peixoto e Batista Junior, atuando como compositor e
regente. Em novembro, do mesmo ano, foi tambm autor das msicas da opereta Os sertes.
Nas rdios, trabalhou inicialmente como pianista na Rdio Clube do Brasil, Mayrink Veiga e
a Cajuti. Nessa poca, ainda foram gravadas na RCA Victor algumas de suas msicas
populares onde o autor utilizou o pseudnimo de "Vero".9
Com a inaugurao da Rdio Transmissora da Victor em 1930, Radams comeou
a atuar como arranjador. A direo da rdio requisitou do maestro a formao de uma grande
orquestra para dar um tom mais profissional s gravaes, e competir melhor com gravaes
estrangeiras que chegavam ao Brasil com arranjos orquestrais. Foi contratado um arranjador
paulista, Galvo, que havia estudado nos Estados Unidos para fazer os arranjos, logo em
seguida Radams adquiriu a experincia e comeou a escrever seus prprios arranjos dentro
do novo estilo trazido por Galvo. Posteriormente, a pedido de Orlando Silva, Radams fez
arranjos para um disco com samba-cano utilizando cordas e metais, mas a reao na poca
foi de contestao: diziam que a msica brasileira s podia ter violo e cavaquinho.
Em 1936 surgiu a Rdio Nacional e Radams foi contratado dentre outros msicos
de destaque para atuar na rea musical. Como arranjador da Rdio Nacional, Radams
estabeleceu uma nova forma de acompanhamento aos cantores brasileiros, diferente daquela
dos grupos chamados regionais que utilizavam basicamente uma formao com violo,
cavaquinho, pandeiro e alguns instrumentos de sopro como flauta e trombone. Comeou com
9 (Barbosa 1984, 31-34)
7
arranjos para pequenos conjuntos, vindo depois a Orquestra Brasileira de Radams Gnattali,
criada pela rdio para dar um tratamento orquestral msica brasileira.10
Em 1937, Gilberto de Andrade foi nomeado para o cargo de diretor geral da Rdio
Nacional e realizando mudanas na programao, deu maior espao para a msica brasileira.
Essa nova mentalidade abriu fronteiras para Radams, que teve a sua obra Fantasia
Brasileira, dentre outras apresentadas, transmitida para diversas partes do mundo no
programa "Meia hora de Msica Brasileira", organizado pela revista "Turismo". A revista
tambm publicou a partitura da obra numa tiragem distribuda gratuitamente no exterior, por
intermdio do Departamento Nacional de Propaganda e do Departamento Nacional de
Indstria e Comrcio. O resultado foi de grande repercusso, fazendo com que a revista
"Turismo" posteriormente oferecesse aos leitores um disco contendo a gravao da Fantasia
Brasileira, acompanhado da partitura. J nessa poca a msica de Radams provocava uma
certa reao nos historiadores que discutiam a questo da influncia do Jazz. O musiclogo
Andrade Muricy, em seu livro Caminho da Msica, comenta que Radams utilizou o Jazz na
instrumentao para facilitar a difuso de sua obra.11
Mais tarde vieram outras opinies a respeito do assunto como a de Jos Maria
Neves que caracterizou de "nacionalismo populista" a posio de Radams entre a msica
erudita de gosto romntico e o jazz. 12 J Vasco Mariz, diz que Gnattali no seu perodo inicial
no pde evitar a introduo de algumas caractersticas do jazz, tratando-se, porm, de uma
influncia consciente que foi sendo posteriormente abandonada. Mariz repudia a idia de que
a msica de Gnattali esteja sob a influncia direta do jazz.13 Ele classifica a obra de Radams
em dois perodos distintos, o primeiro de 1931 a 1940, onde encontra-se o folclorismo direto,
10 Luiz Carlos Saroldi e Sonia Virgnia Moreira, Rdio Nacional: o Brasil em sintonia. (Rio de Janeiro:
FUNARTE/ Instituto Nacional de Msica/ Diviso de Msica Popular, 1984), 20-30. 11 (Barbosa 1984, 39-43) 12 Jos Maria Neves, Msica Contempornea Brasileira. 1a ed. (So Paulo: Ricordi Brasileira,
1981),72. 13 (Mariz 1981, 202)
8
resqucio do estilo de Grieg e um pouco de Jazz, e o segundo a partir de 1944, observando
progressiva liberao da msica norte-americana, folclorismo transfigurado essencial, menos
virtuosismo e excelente instrumentao.14 Talvez o despertar da conscincia nacionalista que
se desenvolveu no movimento modernista no incio do sculo tenha causado, por parte de
alguns adeptos, a idia de repdio total cultura estrangeira. Contudo, Mario de Andrade, que
segundo Jos Maria Neves foi "...o grande lder do modernismo brasileiro e mentor intelectual
dos compositores adeptos do novo nacionalismo..."15, adverte o seguinte
...Est claro que o artista deve selecionar a documentao que vai lhe servir de estudo ou de base. Mas por outro lado no deve cair num exclusivismo reacionrio que pelo menos intil. A reao contra o que estrangeiro deve ser feita espertalhonamente pela deformao e adaptao dele. No pela repulsa...16
Em 1938, na Rdio Nacional, Radams j havia provocado profundas mudanas
com a utilizao da sua nova forma de orquestrar a msica brasileira. Ao lado disso no
menos importante estava o Radams compositor que em agosto desse mesmo ano teve
composies suas como a Sonata para violoncelo e piano, o Trio para piano, violino e
violoncelo e o Poema para piano e violino executadas em concerto oficial pela Escola
Nacional de Msica. Atravessando as fronteiras do pas em 1939, uma das obras de Radams
representava a msica brasileira na Feira Mundial de Nova York, em meio a obras de outros
importantes compositores nacionais. Nesse mesmo ano, a Rapsdia Brasileira, de sua autoria,
foi executada pela Orquestra da Rdio de Berlim, sob a regncia de Georg Wach e ao piano
Jos Ariola. Em 1941, foi homenageado na Argentina quando convidado para organizar uma
orquestra para a Rdio Municipal de Buenos Aires com as mesmas caractersticas da
14 (Mariz 1981, 204) 15 (Neves 1981, 39) 16 Mrio de Andrade, Ensaio sobre a Msica Brasileira. (So Paulo: Livraria Martins Editora, 1962),
26.
9
Orquestra Brasileira da Rdio Nacional. Algumas de suas obras foram executadas em Buenos
Aires, sendo bastante elogiado pela crtica local.17
Em 1943, estreou na Rdio nacional o musical "Um milho de melodias" com
uma orquestra formada pelo prprio Radams. Eram apresentadas msicas de toda parte do
mundo e para dar um tratamento mais brasileiro orquestra, Radams acrescentou dois
violes e um cavaquinho executados por Garoto, Bola Sete e Z Menezes, alm de bateria,
bells, sinos e tmpanos, tocados por Luciano Perrone; contrabaixo tocado por Vidal; pandeiro
tocado por Joo da Baiana; caixa ou prato com faca tocado por Heitor dos Prazeres e ganz
tocado por Bide. Anos depois, acrescentou acordeo, tocado por Chiquinho. Com essa nova
formao Radams influenciou os orquestradores da poca e o pblico comeou a no mais se
satisfazer com a formao anterior. As gravadoras comearam a utilizar a nova formao, a
exemplo da Continental que contratou o prprio Radams posteriormente.18
Durante o perodo que trabalhou na Continental, Radams fundou o Quarteto
Continental, que era formado por Jos Menezes (violo), Vidal (contrabaixo), Luciano
Perrone (bateria) e o prprio Radams (piano e arranjos). Em seguida, o quarteto transformou-
se no Sexteto Radams Gnattali, com a incluso de Chiquinho (acordeo) e Aida (piano),
viajando em 1960 para apresentaes na Europa. Em 1964, Radams voltou a apresentar-se
em vrias partes da Europa com Iber Gomes Grosso em duo de violoncelo e piano.19
A partir de 1960 at o final dos anos 70 a msica brasileira atravessou um perodo
crtico, fruto da ditadura militar instalada no pas em 1964, que censurava duramente as letras
das msicas.20 Radams passou a trabalhar na televiso, mas sem a mesma satisfao que
tinha na Rdio Nacional, pois na televiso no existia a mesma liberdade de criao da Rdio,
17 (Barbosa 1984, 47-52) 18 (Barbosa 1984, 53-55) 19 (Barbosa 1984, 62-64) 20 (Barbosa 1984, 67)
10
21tendo que cumprir exatamente o que era exigido. De 1963 a 1967 trabalhou como arranjador
e regente na TV Excelsior, passando em seguida para a TV Globo do Rio de Janeiro, onde
colaborou em trilhas musicais de diversas telenovelas. No incio da dcada de 80, comps
algumas trilhas sonoras para cinema, e no incio de 1983 foi indicado para o Prmio Shell de
Msica Brasileira, na categoria de msica erudita.22 O jri era composto por Francisco
Mignone, Alceo Bocchino, Nelson de Macedo, Aloysio de Alencar Pinto e Luiz Paulo
Horta.23 Radams foi ainda membro da Academia Brasileira de Msica e da Academia de
Msica Popular Brasileira. Em 1986, um derrame obrigou-o a um longo tratamento para
voltar a tocar e, em 1988, vtima de um segundo derrame, faleceu no Rio de Janeiro no dia
trs de fevereiro.24
A biografia de Radams revela uma personalidade intimamente vinculada aos
valores culturais brasileiros. A sua convivncia com msicos populares, nas rdios ou em
conjuntos musicais, foi marcante na sua formao como arranjador e compositor, levando-o a
criar um novo estilo de acompanhamento para a msica popular brasileira. Como compositor
mostrou-se bastante verstil, escrevendo peas em vrios estilos e para formaes variadas.
Das suas obras que incluram o violo, pode-se notar essas caractersticas, tanto nas peas
solos, como nas mais diversas formaes camerstica por ele utilizada,25 alm dos concertos
para violo e orquestra.
21 (Barbosa 1984, 69-70) 22 Marcos Antnio Marcondes, ed. Enciclopdia da Msica Brasileira: Popular, Erudita e Folclrica.
2a ed. (So Paulo: Art Editora, Publifolha, 1998), 330. 23 (Barbosa 1984, 71) 24 (Marcondes 1998, 330) 25 essas formaes incluram: dois violes; violo e trompete; violo e piano; violo e violino; violo e
flauta; violo e violoncelo; violo e cravo; dois violes e violoncelo; violo, violino e violoncelo; dois violes e bandolim; quatro violes; violo, dois pianos, acordeon, baixo e bateria; violo, flauta e quarteto de cordas; alm dos concertos para violo e orquestra.
11
1.2 - Repertrio para violo
Radams teve contato com o violo no perodo anterior a 1920 quando,
empolgado pelas modinhas populares da poca, comeou a estudar o instrumento.26 No h,
entretanto, evidncias de que Radams tenha sido violonista. O interesse em compor para o
instrumento surgiu provavelmente no segundo perodo do compositor, destacando-se
inicialmente o Concertino para violo e orquestra27, escrito em 1948 e dedicado ao violonista
Garoto. Esse concerto foi executado pelo prprio Garoto no Teatro Municipal do Rio de
Janeiro em 1953, sob a regncia de Eleazar de Carvalho. Em 1950 comps para as festas do
IV Centenrio do Rio de Janeiro o Concerto Carioca n1 para piano, volo e orquestra.
Seguindo, em 1952 escreveu o Concerto n1 para violo e orquestra, em 1957 o Concerto
n3 para violo e orquestra, dedicado a Jos Menezes, em 1970 o Concerto para dois violes
e orquestra, estreado em 1973 em Porto Alegre com a Orquestra Sinfnica de Porto Alegre,
sob a regncia de John Neshling e o Duo Assad como solista. Em 1967, compe ainda o
Concerto n4 para violo e orquestra de cordas, dedicado ao violonista Laurindo de
Almeida.28
Uma das primeiras peas solo que escreveu para violo foi Tocata em ritmo de
samba N1, em 1950.29 Uma das suas obras mais importante para o violo solo Dez estudos
para violo escritos em 1967. Radams dedicou cada um deles a um violonista brasileiro de
renome. Contudo essas obras foram pouco registradas em gravaes, tendo apenas a dos
violonistas Marcus Lerena que as gravou integralmente pela Velas, em 1994, e Raphael
Rabelo que gravou os Estudos I, V e VII.30 Em 1981, comps a Tocata em ritmo de samba
26 Marcos Antnio Marcondes, ed. Enciclopdia da Msica Brasileira: Erudita Folclrica e popular.
2v. (So Paulo: Art Editora, 1977), 312. 27 Esse mesmo concerto est registrado no captulo "Musicografia" do livro de Valdinha Barbosa e
Anne Marie Devos, 1984, como "Concerto n 2 para violo e orquestra". 28 (Barbosa 1984, 73-92) 29 Radams Gnattali. Tocata em ritmo de samba N1. (Heidelberg: Chanterelle Verlag, 1990) 30 (Barbosa 1984, 73-92)
12
31N2 para violo solo, da qual fez uma transcrio para conjunto regional, e em 1983 a
Brasiliana N13 tambm para violo solo. Em 1985 escreveu a Dana Brasileira, dedicada a
Laurindo de Almeida, e a Petit Suite, dedicada a Turbio Santos, ambas para violo solo, e
nesse mesmo ano os Quatro Movimentos Danantes para orquestra de violes, que foi
dedicado a Turbio Santos e a Orquestra de Violes.
A obra para violo de Radams Gnattali merece uma ateno especial por parte
dos violonistas, considerando a importncia que esse compositor prestou ao instrumento, tanto
pela qualidade musical da sua obra como pela quantidade de peas escritas, quer para violo
solo quer para outras formaes que incluram o instrumento. Segundo o registro feito por
Valdinha Barbosa e Anne Marie Devos, no livro O Eterno Experimentador, j citado nesse
trabalho, foram escritas um total de trinta e quatro obras entre solo, duos, trios, quartetos,
concertos e outras formaes que incluram o violo.
Na dissertao de mestrado de Bartolomeu Wiese Filho, constam alguns
depoimentos que vem reforar a importncia de Radams para a rea de violo no Brasil.
Sero citados a seguir alguns trechos desses depoimentos.
Nicanor Teixeira:
...Em 1968, Radams Gnattali publica na editora Brazillience Music Publishing inc., na Califrnia, um lbum com dez estudos para violo, coroando magistralmente mais uma vez o repertrio do violo brasileiro a nvel internacional, graas a sua beleza tcnica, dinmica e musical...32
Jodacil Damaceno, a quem Radams dedicou o Estudo N 3 da serie dos Dez
Estudos para Violo:
...Como Villa-Lobos, Radams Gnattali, conhecia profundamente as ricas possibilidades tcnicas do violo, o que se deve logicamente, ao
31 Radams Gnattali. Tocata em ritmo de samba N2. (Heidelberg: Chanterelle Verlag, 1990) 32 (Wiese 1995, 83)
13
fato do violo ter sido o instrumento dos folguedos de sua juventude em Porto Alegre...33
Maria Haro:
Radams Gnattali, um dos compositores mais versteis da histria da nossa msica, com sua obra para violo enriqueceu de maneira inegvel o repertrio do instrumento. Esta obra de extrema riqueza e sabor est para o violo brasileiro, na minha opinio, como a obra de Moreno-Torroba e de Rodrigo para o violo espanhol.
...As composies de Radams possuem uma riqueza harmnica rtmica e meldica sempre carregadas de "swing" e de extrema brasilidade, que perpassa toda sua obra para violo, sempre estruturadas com grande clareza formal...
...Para citar algumas de suas peas, a Brasiliana 13 para violo solo e a Sute Retratos para dois violes esto, para mim, entre o que de melhor h no repertrio do instrumento neste sculo.34
Nelson Macedo:
...Radams Gnattali autor de grande e diversificada obra. Dedicou ao violo especial ateno, semelhana de seus pares: Villa-Lobos, Tedesco, Rodrigo e Lo Brower...35
Raphael Rabello:
...Como violonista posso dizer que no existe nenhuma obra que supere tecnicamente a obra de Radams para violo. A obra dele se iguala em importncia ao que existe de mais perfeito em termos de tcnica violonstica. Alm do mais ele desfila por vrias escolas, passando do jazz, choro, baio, sobretudo valorizando a msica brasileira...36
Nicolas de Souza Barros:
...Em funo de sua vivncia musical, o Radams teve contato com alguns dos maiores violonistas do mundo, podendo ser destacados figuras como Garoto, Jos Menezes, Raphael Rabello e Turbio Santos; esta experincia fez dele o compositor brasileiro com maior desembarao para escrever para o violo. Isto se comprova verificando as inmeras composies dele para o instrumento...37
33 (Wiese 1995, 88) 34 (Wiese 1995, 91) 35 (Wiese 1995, 92) 36 (Wiese 1995, 93) 37 (Wiese 1995, 103)
14
...Devemos esperar que os violonistas comecem a executar as suas obras porque, depois de Villa-Lobos, a obra deste compositor a mais importante em relao ao violo brasileiro.38
Considerando o repertrio para violo de Radams Gnattali, conclui-se que o
mesmo conferiu uma importncia significativa ao violo, colocando-o como instrumento
solista, em concertos e em formaes variadas. Nota-se tambm, atravs dos trechos dos
depoimentos acima citados, que sua obra para violo tem sido comparada com as obras de
compositores consagrados que escreveram para esse instrumento, colocando-o num patamar
de importncia que talvez no seja ainda devidamente reconhecido. Cabe aos violonistas
atuais, principalmente os brasileiros, explorar esse trabalho, usufruindo tanto da riqueza
musical como da contribuio tcnica que esse compositor deixou para a rea violonstica.
38 (Wiese 1995, 104)
Captulo II
Brasiliana N 13
Dentro do repertrio violonstico de Radams, talvez a Brasiliana N 13 seja a
melhor pea a representar as caractersticas do compositor discutidas anteriormente,
observando desde a diversidade estilstica entre os movimentos onde encontra-se um samba
bossa-nova, uma valsa e um choro, at a estruturao composicional intrnseca onde a
construo rtmica e meldica representam os elementos da msica brasileira. Um
depoimento do Violonista Turbio Santos referindo-se a Brasiliana N 13 e a Pequena Suite
vem reforar essa idia. "Radams escreveu ambas as obras quando comentei com ele que no
repertrio solo estavam faltando msicas com perfil mais caracterstico do compositor: sua
veia carioca de criar."39
2.1 - Histrico
A Brasiliana N 13 foi composta em 1983 e editada em 1985 pela editora Max
Eschig em Paris, com digitao do violonista Turibio Santos, para quem a obra foi dedicada.
Ele tambm a executou em primeira audio mundial em 26 de fevereiro de 1984 na Sala
Wigmore Hall em Londres. O manuscrito da obra encontra-se na Biblioteca do Centro de
Artes da UNI-RIO. A obra foi gravada em 05 de maro de 1984 por Turbio Santos pela
gravadora Erato, em seguida por Raphael Rabello pela gravadora Visom e finalmente em
1993, tambm por Turbio Santos pela gravadora Sony.40
2.2 - Anlise formal e temtica
A Brasiliana N 13 constituda de trs movimentos estruturados na forma
ternria (A-B-A), sendo que os segundo e terceiro movimentos apresentam uma pequena coda
39 (Wiese 1995, 85) 40 (Wiese 1995, 12)
16
final. O primeiro movimento, Samba Bossa-Nova em compasso 2/4, est distribudo da
seguinte forma:
Estrutura Formal do Samba Bossa-Nova Seo Parte Compasso
a 1-7 b 8-11 a' 12-19
A c 20-36 a 37-42 d 43-55
B nica 56-68 A*
* Repetio da seo A (da capo)
Quadro 1
O segundo movimento, Valsa, em compasso 3/4 est assim dividido:
Estrutura Formal da Valsa Seo Parte Compasso
Introduo 1-12 a A 13-31 a' 32-46
B nica 47-83 A*
Coda nica 84-91 * Repetio da seo A (da capo)
Quadro 2
17
O terceiro movimento, Choro, est em compasso 2/4 com a seguinte estrutura:
Estrutura Formal do Choro Seo Parte Compasso
a 1-17 b A* 18-26 c 27-32 a 33-40
B b 41-52
A** Coda nica 53-56
* Com repetio ** Repetio da seo A (da capo)
Quadro 3
Numa obra como esta onde o ttulo principal Brasiliana N 13, e
conseqentemente os ttulos dos trs movimentos Samba Bossa-Nova, Valsa e Choro
exprimem a acepo brasileira do compositor, fica claro o sentido de unidade da obra no que
se refere identificao de costumes brasileiros, j que esses nomes fazem parte do processo
de criao da cultura musical brasileira. Contudo, quando se fala em unidade da obra preciso
uma anlise mais substancial e aprofundada para que elementos temticos e motvicos tanto
meldicos, rtmicos e at mesmo harmnicos possam revelar a verdadeira legitimidade e
uniformidade da obra dentro do processo criativo do compositor. nessa atmosfera temtica e
motvica que Rudolph Reti no seu livro The Thematic Process in Music defende o princpio
de que ao compreender-se msica no seu mecanismo temtico, a estrutura esttico-dramtica
contida na mesma torna-se incomparavelmente mais transparente.41 Ele demonstra:
... through an abundance of examples that in the great works of musical literature the different movements of a composition are connected in thematic unity - a unity that is brought about not merely
41 Rudolph Rti, The Thematic Process in Music. (New York: Macmillan, 1951), 3.
18
by a vague affinity of mood but by forming the themes from one identical musical substance.42
A estrutura meldica da Brasiliana N 13 constituda na sua maior parte por
cromatismos intermediados por acordes que desempenham a funo dupla de
acompanhamento e de resposta ao tema em carter imitativo. Outras vezes, em uma seo de
arpejos contnuos a melodia desenvolvida em meio as notas do arpejo. Nota-se no entanto,
que a construo temtica da obra apresenta-se bastante fragmentada. Para uma interpretao
clara da obra imprescindvel que o executante tenha conscincia do grau de importncia de
cada nota, considerando aquelas que fazem parte do tema e aquelas que esto em segundo
plano. Para esse trabalho foi escolhido o mtodo temtico de anlise baseado nos princpios
de Reti por apresentar-se adequado aos objetivos acima expostos, tendo como resultado a
exposio do material temtico e a inter-relao da micro e da macro estrutura da obra em
questo.
Construindo-se um plano temtico da Brasiliana N 13, encontra-se logo nos
primeiros compassos do primeiro movimento, o Samba-Bossa-Nova, o MTA (Material
Temtico A) (ex. 1) iniciando a parte a da seo A. Esse MTA caracterizado por um
movimento meldico descendente de cinco notas, cujo tratamento rtmico representado pela
seqncia de notas longacurtalonga. Logo em seguida, nos c. 8-9, surge uma outra idia
Exemplo 1
42 . atravs de uma grande quantidade de exemplos, que nos grandes trabalhos da literatura musical os
diferentes movimentos esto conectados por uma unidade temtica - uma unidade que revelada no meramente por uma vaga afinidade de disposio, mas pelo fato dos temas originarem-se de um idntico elemento musical. (minha traduo) (Rti 1951, 4)
19
musical constituindo o MTB (Material Temtico B) (ex. 2). Esse MTB inicia a parte b dessa
mesma seo e carcterizado pelo contorno meldico ascendente-descendente. Esses MTs
(MTA e MTB) como sero vistos, vo servir de base temtica para toda a composio.43
Exemplo 2
Exemplo 3
O ex. 3 mostra a reincidncia dos MTs na construo temtica do segundo
movimento, Valsa, nos c. 12-15 (incio da parte a seo A), logo aps a introduo. Apesar
desse tema comear de fato apenas no c. 13, a nota si do acorde anterior foi includa por esse
tema apresentar-se sempre precedido de uma preparao harmnica implcita sua construo
temtica. Deve-se notar no entanto que os MTs aparecem aqui de forma alterada, onde a
diviso rtmica e algumas notas foram modificadas. importante aqui entender a concepo
da transformao temtica.
43 No caso especfico dessa anlise optou-se pela no diviso dos MTs em motivos por se tratar de
materiais temticos curtos. Contudo, no processo da transformao temtica esses materiais aparecem constantemente fragmentados no decorrer da composio.
20
Segundo Reti, no perodo musical anterior ao Clssico os temas eram meramente
imitados ou variados. A partir do perodo Clssico, com a tcnica temtica, os temas passaram
a ser imitados, variados e transformados. Para um melhor entendimento Reti diz que
The "contrapuntal" composers, no matter whether they imitated or varied a theme, intended that the imitation or variation should be recognizable as such. They did not wish to create a new theme but wished to repeat the original, literally or with slight, well defined changes. In contrast, in the classical technique of transformation it is the composer's intent to produce a theme which is entirely new in appearance and character, though derived from the same essence and kernel.44
Ou seja, um conjunto de notas que forma um tema num movimento pode aparecer
no prximo simultaneamente invertido, com mudanas rtmicas e assim por diante.
Com esse entendimento pode-se observar claramente que a construo temtica
do segundo movimento da brasiliana N 13, apesar de apresentar uma nova idia, contm a
essncia dos MTs do primeiro movimento. A reincidncia do MTB no ex. 3 representado
por um contorno temtico, onde a linha meldica do MTB no expressa com a mesma
relao intervalar, mas indiretamente atravs do mesmo desenho meldico. O ex. 4 inclui
apenas as alturas das notas do MTB como aparece no primeiro movimento e, no pentagrama
inferior, a sua transformao no segundo movimento mostrando a idia do contorno temtico.
Exemplo 4
44 Os compositores "contrapontsticos" no se importavam se imitavam ou variavam um tema, eles
pretendiam que as imitaes e variaes fossem reconhecidas como tal. Eles no queriam criar um novo tema mas desejavam repetir o original, literal ou com leves e bem definidas mudanas. Ao contrrio, na tcnica de transformao do Classicismo, era inteno do compositor produzir um tema inteiramente novo na aparncia e no carter, embora derivado da mesma essncia e mago. (minha traduo) (Rti 1951, 61)
21
O MTA, no ex. 3, est transposto de uma sexta maior abaixo e com o ritmo alterado. Pode-se
notar que apesar dessas transformaes, ele mantm o cromatismo descendente com as cinco
notas do MTA original.
Exemplo 5
No terceiro movimento, o Choro, o MTA aparece bastante transformado.
Contudo, no difcil identific-lo dentro do arpejo que inicia esse movimento (ex. 5). Nesse
exemplo o MTA foi escrito no pentagrama inferior destacando-se o tratamento rtmico nota
longa-curta-longa. Aqui o MTA est em contorno temtico onde o cromatismo no foi
mantido entre as cinco notas, porm o movimento descendente permanece. Esse trecho pode
parecer, a primeira vista, um arpejo constante sem um tema aparente, mas observando-se as
notas que esto em tamanho natural nota-se a presena do MTA no seu estado alterado. Essas
notas se destacam ou por estarem situadas no primeiro tempo do compasso, ou por quebrarem
a seqncia do arpejo dos acordes com o movimento cromtico descendente, nesse caso o r-
do sustenido localizado na ltima semicolcheia do primeiro compasso, e primeira
semicolcheia do compasso seguinte. Nas notas reduzidas que foram colocadas
propositadamente no ex. 5, v-se que elas desempenham a funo de acompanhamento em
forma de arpejo.
At aqui foram vistos como os MTs influenciaram a construo temtica da pea
como um todo. Em seguida, numa segunda mostra de exemplos sero vistas outras
recorrncias desses MTs em diversos locais dos trs movimentos.
22
Exemplo 6
No c. 12 do primeiro movimento (incio da parte a da seo A) o MTA aparece
fragmentado na voz aguda, onde s as trs primeiras notas so apresentadas, e ao mesmo
tempo transposto uma quarta abaixo (ex. 6). O acompanhamento, apesar de estar constitudo
com o mesmo desenho rtmico do ex. 1, sofre uma transformao pelo uso de ligaduras,
gerando o tratamento rtmico (nota longacurtalonga) do MTA. Ainda nesse exemplo, o
compositor utilizou com maestria no acompanhamento uma diminuio rtmica do MTA que
se desloca em movimento paralelo a trs vozes, tendo como resultado harmnico uma
seqncia de acordes menores com stima. No mbito formal essa modificao do MTA
justifica a denominao dessa parte de a.
Exemplo 7
Ainda no primeiro movimento, a parte c da seo A exprime um carter de
desenvolvimento dos MTs. O ex. 7 vem confirmar isso mostrando uma seqncia de
23
reincidncias de contornos meldicos do MTB, e em seguida o MTA transposto e numa
inverso.45
Exemplo 8
A seo B do primeiro movimento traz uma idia bem diferente daquela da seo
A (ex. 8). Enquanto o baixo realiza um ostinato rtmico e meldico, desenvolve-se na voz
superior uma seqncia de arpejos irregulares em semicolcheias. Isolando-se algumas notas
desse arpejo pode-se destacar o MTA numa inverso e com o ritmo alterado. No exemplo, o
MTA foi escrito no pentagrama inferior para se ter uma melhor clareza do mesmo. O MTA
exposto em duas frases separadas por um intervalo de segunda maior, a primeira do c. 56 ao
59, e a segunda do c. 59 ao 66.
45 A concepo desse termo para Reti difere daquela do movimento contrrio. Como ele mesmo explica
m seu livro, "inversion" no processo temtico pode apresentar uma idia completamente nova do tema onde o ritmo pode ser alterado e mesmo algumas notas modificadas, mas a idia da inverso permanece representada por aquelas notas imprescindveis. (Rti 1951, 68-72)
24
Exemplo 9
Seguindo para o segundo movimento, depois da apresentao dos acordes
harpejados nos quatro primeiros compassos da introduo, surge no quinto compasso uma
linha cromtica descendente, comeando com a nota d no primeiro tempo desse compasso e
indo at o f do primeiro tempo do c. 8 (ex. 9). Esse cromatsmo pode ser visto como uma
ampliao meldica do MTA com a estrutura rtmica modificada.
Exemplo 10
Ainda no segundo movimento tem-se no ex. 10 c. 17-19 (parte a da seo A),
mais uma variao da sua construo temtica. Esse exemplo tem as mesmas caractersticas
do ex. 3 visto anteriormente, ou seja, o MTB em contorno temtico e o MTA transposto,
sendo que a transposio que antes havia sido de um intervalo de sexta maior abaixo, passa a
ser de um intervalo de tera maior abaixo. Para se ter uma maior clareza dessa transformao
temtica, pode-se dividir seguramente a parte a dessa seo em duas frases, sendo que a
primeira frase comea no c. 13 com a construo temtica do ex. 3, e a segunda frase comea
no c. 21 at o c. 31 no final da parte a. A primeira frase pode ainda ser dividida em duas semi-
frases sendo o incio da segunda semi-frase (c. 17) coincidente com a transformao temtica
25
vista no ex. 10. Essa mesma estrutura se repete na parte a (c. 32-46) onde a primeira frase (c.
32-39) idntica a da parte a e a segunda (c. 40-46) apresenta modificaes.
Exemplo 11
Na segunda frase da parte a referida acima, a partir do c. 22, o MTA aparece
numa estrutura semelhante do primeiro movimento (comparar os ex. 1 e 11). Pode-se notar
que a voz inferior indicada no ex. 11, tem relao cromtica com o acompanhamento do MTA
do ex. 1. Tambm o tratamento rtmico, nota longa-curta-longa, gerado quando o MTA do
ex. 11 interrompido pelo contraponto meldico da voz inferior (ex. 11).
A seo B do segundo movimento que inicia-se no c. 47 tem um carter de
desenvolvimento das idias expostas na seo A, onde o compositor indica Mais vivo,
ritmado, ou seja, num andamento mais vivo a construo temtica da seo A aparece no
meio de arpejos de acordes com diversas transformaes. importante observar que apesar
dessa construo temtica apresentar sempre os MTs na sua formao, esses MTs so
alterados de forma independente na seo B. Para um melhor entendimento o ex. 12 mostra
no c. 55 uma transformao temtica onde o MTA foi transposto uma quarta justa acima e o
MTB uma tera menor acima (comparar os ex. 3 e 12). Essa mesma construo aparece a
partir do c. 59 transposta uma tera menor ascendente.
Exemplo 12
26
Exemplo 13
Seguindo a mesma idia da transformao independente dos MTs, no ex. 13 o
MTA est invertido e ao mesmo tempo intermediado por contornos meldicos do MTB.
importante observar que as notas do MTB vo sendo alteradas diferentemente a cada
compasso reforando a idia do desenvolvimento.
No terceiro movimento o MTA aparece novamente a partir do c. 8 com
caracterstica parecidas com a da primeira vez quando ele aparece nos primeiros compassos
desse movimento, notas do MTA intermediadas com um acompanhamento em arpejo (ver ex.
14 e comparar com o ex. 5). O tratamento rtmico, nota longa-curta-longa, se mantm nas trs
primeiras notas, sendo que desta vez as notas esto em alturas diferentes com uma harmonia
modificada. Essa transformao temtica marca o incio da segunda frase da parte a da seo
A desse movimento.
Exemplo 14
27
Exemplo 15
No ex. 15 a construo rtmica do acompanhamento que aparece logo depois da
inverso do MTA no terceiro movimento no c. 18 a mesma do ex. 1 quando ele aparece pela
primeira vez no primeiro movimento. Neste caso, o ritmo enfatiza a relao temtica entre o
primeiro e terceiro movimentos e ao mesmo tempo marca o incio da parte b da seo A desse
terceiro movimento, onde o acompanhamento que antes vinha se desenvolvendo em forma de
arpejo passa a ser construdo em blocos de acordes.
Exemplo 16
No ex. 16 tem-se um novo caso de transformao temtica denominado por Reti
de interversion46. Neste caso as quatro ltimas notas do MTB so transportadas para o
incio e a passagem cromtica que est localizada logo aps a primeira nota situa-se agora no
final com a mesma diviso rtmica (comparar o ex. 16 com o 2).
46 Consiste em permutar as notas de um tema entre si tendo como resultado a construo de um novo
tema. (Rti 1951, 72)
28
Exemplo 17
A seo B desse terceiro movimento comea no c. 33 com uma recorrncia do
MTA (ex. 17), semelhante a recorrncia da seo A, quando ele aparece intermediado por
arpejos (ex. 5), ou seja, o contorno meldico semelhante, mas a relao intervalar
diferente. Fazendo-se uma comparao entre as duas recorrncias, dessa vez ele apresenta-se
uma oitava acima, onde a ltima nota foi omitida e o d sustenido foi substitudo pelo d
natural. Observa-se ainda que o tratamento rtmico, nota longa-curta-longa, se mantm. Essa
mesma estrutura se repete nos c. 37-38, uma quarta abaixo.
Exemplo 18
Ainda no terceiro movimento a partir do c. 41 desenvolve-se um arpejo padro
(ex. 18), onde o contorno meldico das quatro ltimas notas do MTB aparecem
freqentemente. Esse arpejo estabelece o incio da parte b da seo B desse movimento.
A aplicao do mtodo analtico de Reti na Brasiliana N13, revelou a relao
temtica da obra no seu processo composicional. A conscientizao dessas estruturas
influenciou diretamente nas decises interpretativas e fraseolgicas da obra. Isso se deu pela
29
determinao de padres interpretativos dos MTs que foram adotados de forma coerente ao
longo da obra. Esses aspectos sero vistos com detalhes no captulo IV.
Captulo III
Preparao tcnica instrumental da Brasiliana N 13
A concepo composicional da Brasiliana N13 est sustentada numa combinao
de diversos elementos musicais como: acordes dissonantes; ritmos irregulares; cromatismos;
arpejos rpidos e saltos, que resultam num grande desafio tcnico para o executante. Nesse
captulo sero vistos, apoiados na literatura violonstica, alguns aspectos da tcnica de MD
(mo direita) e ME (mo esquerda) que serviram de base para a preparao da obra.
3.1 - Mo direita
A digitao deve ser considerada um fator bsico para o desempenho eficiente da
MD, principalmente nas passagens musicais que representam dificuldade tcnica para o
executante. Apesar disso, pode-se notar que a maioria das edies musicais para violo
incluem digitaes de ME em grau de constncia consideravelmente maior do que digitaes
de MD. Jim Ferguson47 aborda esse tema acrescentando que muitos violonistas improvisam a
digitao da MD, o que pode resultar satisfatrio em peas relativamente simples. Contudo,
para peas mais complexas pode causar uma srie de problemas, como mudanas inadequadas
de dedos durante uma execuo ou repetio de dedo em uma passagem rpida. Ele ainda diz
que
... Some pieces integrate horizontal harmony with scale-based passengers (sic)-often in a contrapuntal setting-while others capitalise on all of the guitar's possibilities. It is these last groups of pieces-with scale passages or a mix of scale passages and arpeggios-where right-hand fingering is implied the least and therefore must be approached with deliberation...48
47 Jim Fergunson, "Fundamental perspectives, part 19: basic right-hand fingering issues." Classical Guitar, 13 Mar 1995, 22.
48 Algumas peas integram harmonia horizontal com passagens baseadas em escala - sempre num ambiente contrapontstico - enquanto outras renem todas as possibilidades do violo. esse ltimo grupo de peas - com passagens de escalas ou uma mistura de passagens de escalas com arpejos - onde a digitao da mo
31
Tomando-se como base a observao de Ferguson, pode-se encontrar na
Brasiliana N13 passagens que alternam constantemente arpejos com saltos irregulares e
cromatismos, sendo estas de maior complexidade tcnica para a MD. Essas passagens
impossibilitam muitas vezes uma digitao padronizada dos dedos da MD, o que representa
considervel nvel de dificuldade tcnica.
Exemplo 19 (digitao do autor)
O ex. 19, que corresponde ao trecho do c. 59-63 da seo B da Valsa, ilustra uma
dessas passagens onde o compositor alterna cromatismo e arpejos. Como pode ser visto, no
segundo tempo do c. 60 inicia-se um cromatismo descendente partindo da nota r que logo em
seguida, no c. 61, interrompido com um arpejo descendente. A ltima colcheia desse
compasso faz um movimento cromtico descendente, mi-re sustenido, para o c. 62 que segue
com um cromatismo ascendente sol sustenido-l. Seguindo, vem um arpejo ascendente e no c.
63 um arpejo descendente finaliza o trecho.
Observando-se a digitao da MD, ainda no ex. 19, nota-se logo a
heterogeneidade onde a cada compasso configura-se uma nova combinao dos dedos. Vale
ressaltar especificamente a passagem do segundo tempo do c. 62 para o primeiro tempo do c.
63, onde uma seqncia de trs notas em arpejo ascendente, seguido por trs notas em
movimento descendente. Nos arpejos ascendentes as notas esto localizadas na terceira,
segunda e primeira cordas, respectivamente. Mas o contrrio ocorre no arpejo descendente,
ireita no mnimo significante, e portanto precisa ser abordada com precauo. (minha traduo) (Fergunson 1995, 22)
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resultando na seguinte combinao de cordas: terceira-segunda-primeira-primeira-segunda-
terceira. A digitao mais cmoda para notas localizadas em cordas consecutivas utilizar a
seqncia natural dos dedos, ou seja, para terceira, segunda e primeira cordas, utilizar os
dedos indicador (i), mdio (m) e anular (a). Contudo, na passagem citada acima surge um
problema tcnico que a repetio da primeira corda no momento da mudana de direo do
arpejo, que acarretaria na repetio do dedo a e, consequentemente, quebraria a fluidez
musical do trecho em questo. A sugesto aqui apresentada a utilizao do dedo i na
primeira corda, como pode ser visto no exemplo, no movimento ascendente do arpejo,
permitindo a seqncia natural dos dedos no movimento descendente.
Exemplo 20
O terceiro movimento da Brasiliana N13, Choro, em especial a seo A,
caracterizado por uma seo de arpejos descendentes e ascendentes com saltos em intervalos
irregulares, resultando novamente na impossibilidade de uma movimentao padronizada dos
dedos da MD em relao s cordas. Essa impossibilidade provocada pelas mudanas
constantes de cordas, causando uma certa instabilidade na MD. O ex. 20 traz os c. 1-9 da
seo A, onde observa-se que, mesmo quando h possibilidade de uma digitao uniforme da
MD, as notas muitas vezes encontram-se localizadas em cordas diferentes. No exemplo os
33
nmeros circulados representam as cordas do instrumento e foram colocados nos c. 1, 2, 3, 8 e
9, onde a frmula de digitao i-a-m-i-p-i-m-a da MD repetida a cada compasso. Como
pode ser visto, as mudanas de cordas ocorrem normalmente nas primeiras e ltimas notas de
cada compasso, sendo que os c. 2, 3 e 9 apresentam a mesma distribuio de cordas, enquanto
que os c. 1 e 8, apresentam combinaes diferentes das demais.
Exemplo 21
A digitao dos dedos da MD aqui sugerida, baseia-se no cruzamento do dedo i
sobre os dedos m e a. Esse procedimento j utilizado em algumas obras do repertrio
violonstico como no Pi mosso do Preldio n2 de Villa-Lobos e no "Estudo 1" de Luis
Carlos Barbieri, onde a digitao indicada pelo compositor. No trecho do preludio n2
apresentado no ex. 21, toca-se a sexta e a quinta cordas, com o polegar (p), simultaneamente,
em seguida a quarta com o i, a terceira com o m, a segunda com o a, e, realizando-se o
movimento de cruzamento, o i toca a primeira corda e volta imediatamente para a posio da
quarta corda. A diferena bsica entre o Preldio n 2 e a Brasiliana N13 que no primeiro a
frmula de arpejo se repete de forma padronizada, o que no acontece com o segundo, como
visto anteriormente.
Para uma execuo eficiente de passagens como as exemplificadas acima, o
violonista precisa ter o conhecimento prvio de alguns princpios relacionados com a posio
e deslocamento da MD, evitando a aplicao de esforo desnecessrio. A seguir sero
expostas opinies diversas, cabendo a cada instrumentista refletir e decidir de acordo com
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suas habilidades e limitaes qual a melhor forma de aplicao para cada caso. O violonista
Lee F. Ryan49, explica detalhadamente como o violonista deve agir diante de cada situao
para evitar esforos desnecessrios. Com relao MD, o que se deve fazer pensar na
posio natural e evitar os extremos, como retorses, inclinaes exageradas ou ainda tenses
excessivas. A posio natural, segundo ele, aquela que voc usa normalmente todos os dias,
como, por exemplo, a forma de segurar a ala do estojo do violo ao carreg-lo, onde os
dedos esto fechados e o pulso alinhado com o antebrao. Dessa forma, ao coloc-la no
instrumento deve-se apenas abrir os dedos o suficiente para que os mesmos atinjam as cordas.
Com relao ao cruzamento do dedo i, importante pensar em primeiro lugar na
atitude do dedo no momento em que o mesmo cruza o m e o a, para que o movimento seja
realizado sem a aplicao de tenso desnecessria. Segundo Carlevaro, a mo deve deslocar-
se levando os dedos sua posio exata sem que os mesmos tenham que estirar-se para
alcan-los. Ele ainda acrescenta que:
La eficacia del dedo se va perdiendo al estirarse y esto es as porque cada dedo debe tener su mbito de accin, y cuando est alejado del mismo su labor no se cumple en la plenitud de sus posibilidades.50
Tomando como base essa observao de Carlevaro, para que o dedo i atinja a
primeira corda sem o estiramento do mesmo necessrio que a MD se desloque para baixo,
contudo deixando o dedo a preparado, pois o mesmo ir tocar imediatamente aps o i. A
figura 1 est relacionada com a execuo do primeiro compasso do Choro e mostra o
momento exato em que o i toca a nota mi localizada na primeira corda. Nota-se que os dedos
a e m j esto preparados para tocar a terceira e quarta cordas, respectivamente, e que o dedo
i, apesar de estar numa posio de cruzamento, apresenta-se ainda ligeiramente curvo dentro
49 Lee F. Ryan, The Natural Classical Guitar: the principles of effortless playing. (Westport: The Bold
Strummer, 1991), 63-7. 50 A eficcia do dedo vai se perdendo ao estirar-se. Isso ocorre porque cada dedo deve ter seu mbito de
ao e, quando est afastado do mesmo, seu trabalho no se realiza na plenitude de suas possibilidades. (minha traduo) Abel Carlevaro, Escuela de la guitarra: exposicin de la teora instrumental. (Buenos Aires: Barry, 1979), 20.
35
Figura 1
do mbito de ao definido por Carlevaro. A preparao dos dedos a e m referida acima, no
significa que os dedos devam estar previamente em contato com a corda, mas apenas prximo
s mesmas estando prontos para atac-las. A figura 2 mostra o momento de retorno da mo,
coincidindo com o toque do a. A partir desse ponto a mo desenvolve um movimento de giro,
tendo como eixo o dedo a.
Figura 2
Uma sugesto tambm importante para a realizao das passagens acima pensar
numa posio da mo mais perpendicular com relao s cordas. Essa posio ir facilitar o
giro da mo em torno do a, alm de beneficiar outros aspectos tcnicos, como o sugerido por
Carlevaro, que condiciona o posicionamento da mo ao ataque perpendicular dos dedos em
relao s cordas do instrumento. Segundo ele, esse tipo de ataque impede que a unha raspe a
36
51corda, evitando rudos prejudiciais a uma "emisn sonora perfecta". No entanto, para
estabelecer a posio adequada, o violonista deve pensar, em primeiro lugar, no movimento
dos dedos ao atacar a corda para que o mesmo, na sua trajetria, no afete a corda imediata.
Em segundo lugar, o mbito do movimento vertical da mo, tomando como referncia as
juntas das bases dos dedos, deve abranger as seis cordas do instrumento (figura 3)52. Sendo
assim, o ponto de contato do brao com o aro do violo deve estar localizado entre o punho e
o cotovelo, permitindo a movimentao da mo no sentido vertical sem a necessidade de
alter-lo. O ponto do aro do violo em que o brao descansar deve estar situado prximo de
uma prolongao imaginria do cavalete. Dessa forma os dedos em sua contrao natural
produziro um ataque perpendicular. Por ltimo, o grau de inclinao do instrumento dever
posicionar as cordas perpendicularmente aos dedos sem que a posio natural da mo seja
alterada.
Figura 3
53
A posio frontal da mo, com o ataque perpendicular dos dedos em relao s
cordas ir facilitar a execuo de passagens onde os dedos tenham que mudar constantemente
51 Emisso sonora perfeita. (Carlevaro 1979, 20) 52 Essa figura foi retirada do livro. (Carlevaro 1979, 20) 53 (Carlevaro 1979, 20-2)
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de cordas, considerando que o sentido do movimento dos dedos i, m e a ser perpendicular s
cordas. Com isso a trajetria do dedo para se deslocar de uma corda a outra ser menor do que
na posio diagonal da mo. As figuras 4 e 5 mostram, respectivamente, as apresentaes da
mo na posio frontal e diagonal, as setas indicam o sentido do movimento dos dedos i, m e
a.
Figura 4 Figura 5
Apesar de Carlevaro indicar a posio frontal da mo com o ataque perpendicular
como uma regra geral, em outros trechos da pea que no requerem alternncia constante de
cordas, a utilizao da posio diagonal pode ser mais adequada. Esse trabalho no pretende
portanto adotar como correta um ou outro princpio, mas apenas sugerir o mais adequando
para cada caso especfico. Frank Koonce54 relata a opinio de David Russel contrria a esta de
Carlevaro. Russel prefere a sonoridade mais escura e cheia produzida por uma posio
diagonal da mo, em torno de 45 em relao s cordas. Quanto ao rudo provocado pela unha
ao raspar a corda, ele o considera insignificante e acrescenta que o instrumentista pode reduzi-
lo bastante com um lixamento cuidadoso da unha. Ele reconhece ainda que essa posio
provoca uma certa dificuldade para o toque com apoio, mas justifica-se pelo uso menos
freqente do mesmo com relao ao toque sem apoio e pela qualidade sonora obtida com essa
54 Frank Koonce, "Right hand positioning in modern pedagogy; a comparison of selected methods."
Soundboard, 2(13)(1986), 92
38
tcnica. Essa ltima observao de Russel vem justificar ainda mais a posio diagonal da
mo nos trechos apresentados a seguir, por ser utilizado o toque sem apoio.
Exemplo 22
Exemplo 23
essa sonoridade mais escura e cheia defendida por Russel que melhor se aplica
aos trechos da obra onde o acompanhamento alterna com a melodia. O ex. 22 representa os
primeiros compassos da seo A do primeiro movimento. Nota-se que a melodia que se
desenvolve na regio aguda, definida no captulo da anlise como MTA, est sendo alternada
por um acompanhamento de acordes em bloco. A aplicao da posio diagonal da mo para
as notas do acompanhamento resultar numa sonoridade cheia, sem no entanto sobrepor-se as
notas da melodia. O ex. 23 mostra uma situao parecida nos c. 18-19, incio da parte b da
seo A do terceiro movimento. Observa-se que a nota sol sustenido parte da melodia e deve
durar at o final do compasso, enquanto o acompanhamento que se desenvolve na parte
inferior no deve sobrepor-se a ela.
Tambm no artigo de Koonce, h uma sugesto do violonista Pepe Romero, til
para encontrar-se uma colocao confortvel de MD no que se refere a posio diagonal.
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Primeiramente ele adverte que achar a posio correta est diretamente ligada com a forma
anatmica de cada instrumentista, consequentemente a posio final ser diferente para cada
caso. Seu princpio serve para o toque sem apoio e baseia-se na utilizao do dedo m como
piv, em torno do qual a palma da mo deve inclinar-se para a direita ou esquerda, em trs
situaes: para violonistas que possuem o dedo a menor do que o i, a mo deve girar para a
direita; para aqueles que possuem o dedo i menor do que o a, deve ter o giro efetivado para a
esquerda; e para o caso em que ambos os dedos possuam o mesmo tamanho, a posio deve
ser intermediria. Romero adverte que o giro da mo deve ser realizado com o movimento do
antebrao e cotovelo, sem forar o pulso para uma posio desconfortvel.55
Um ponto de vista considerado oportuno para um melhor desempenho da MD o
empregado por Aaron Shearer.56 Ele aborda dois princpios denominados de "Princpios da
funo muscular eficiente":57 "Muscular Alignment" e "Midrange Function of Joints". O
primeiro pode ser traduzido por Alinhamento Muscular, e traz a idia de que os msculos
funcionam mais eficientemente quando naturalmente alinhados com suas bases e os
ligamentos das juntas. O segundo postula que os msculos funcionam com mais eficincia
quando as juntas que eles controlam esto operando dentro da faixa central das suas posies
extremas.
Baseado nesses princpios, Shearer recomenda que o violonista alinhe a lateral do
dedo i com a lateral interna do pulso e do antebrao, observando que o dedo m neste momento
fica alinhado com o centro do pulso e do antebrao, e o dedo a alinhado com o lado externo.
Em seguida, o violonista deve encontrar a posio medial das juntas. Para encontrar essa
posio na articulao do pulso, por exemplo, necessrio flexion-lo e estend-lo at os
55 (Koonce 1986, 90) 56 Aaron Shearer, Learning the Classic Guitar: Part 1 Technique. (Pacific: Mel Bay Publications,
1990), 33-6. 57 Principles of Efficient Muscle Funtion. Esses princpios so descritos com mais abrangncia em outra
parte do livro (ver pp. 9-11)
40
limites confortveis dos movimentos e em seguida posicion-lo no ponto medial entre os
limites.
Os princpios de Shearer servem aqui para que o executante, ao empregar a
posio frontal ou diagonal da mo, o movimento de cruzamento do i e outros movimentos de
mo sugeridos nesse trabalho, tenha o cuidado de no forar a mo para uma posio
desconfortvel, o que poder provocar uma limitao no desempenho da mo, ou at mesmo
danos fsicos como Leso por Esforo Repetitivo (L.E.R). de extrema importncia
entretanto, que o executante condicione pulso, mo e dedos, observando esses princpios.
3.1.1 - Tcnica isolada da mo direita
Na preparao tcnica da obra foi aplicada a prtica da tcnica isolada da MD que
consiste na utilizao das cordas soltas do instrumento. Isso significa dizer que, nos trechos da
obra que resultaram numa digitao complexa da MD, foram praticados os movimentos da
MD sem a utilizao da ME. Esse tipo de prtica contribui para que o executante automatize o
movimento mecnico. importante esclarecer que essa tcnica deve ser empregada como um
meio de adquirir habilidade necessria para uma execuo expressiva, por isso, aps o
domnio motor, o executante deve voltar-se imediatamente para a interpretao do trecho
musical em questo.
Exemplo 24
41
Exemplo 25
Como exemplo prtico, foram isolados os dois primeiros compassos do terceiro
movimento que corresponde a aplicao do princpio do cruzamento do dedo i sobre os dedos
m e a, j visto anteriormente. O ex. 24 mostra o trecho em questo como aparece na obra, e o
ex. 25 mostra o resultado, relativo ao mesmo trecho, escrito em cordas soltas. Observa-se que
a digitao da MD e o movimento permanecem os mesmos, pois as notas que antes eram
presas pelos dedos da ME, conforme o ex. 24, foram substitudas pelas cordas soltas
correspondentes.
3.1.1.1 - Grafia especfica para o estudo em cordas soltas
Exemplo 26
42
Para uma melhor aplicao da tcnica isolada de MD em cordas soltas, foi
desenvolvida nesse trabalho uma grafia especfica. Essa grafia baseia-se no princpio de
escrita da tablatura, onde as linhas representam as cordas do instrumento. Porm,
diferenciando-se dessa, que indica sobre as linhas a posio das notas a serem tocadas, aqui
ser indicada a digitao da MD correspondente ao trecho musical a ser estudado. O ex. 26
corresponde aos c. de 1 a 7 do terceiro movimento. Observa-se que o trecho musical a ser
estudado mantido na sua forma original na parte superior (na pauta), servindo de referncia
principalmente para a leitura rtmica. O objetivo dessa grafia possibilitar uma visualizao
prtica do enfoque tcnico a ser estudado, considerando que para a aplicao da tcnica
isolada a altura da nota no importante, mas sim a corda na qual aquela nota se encontra, em
segundo lugar, a indicao do dedo da MD que toca determinada corda. Essa grafia
entretanto, concentra esses dois elementos numa nica estrutura.
Durante a preparao tcnica da obra foi utilizada a grafia especfica para aplicar a
tcnica isolada em cordas soltas da MD nos seguintes trechos: c. 59-83 do segundo
movimento, Valsa; c. 1-14 e 41-49 do terceiro movimento, Choro (ver Anexo I).
Considerando que cada violonista possui limitaes tcnicas especficas, esse estudo pode ser
utilizado em qualquer trecho da obra que represente dificuldades tcnicas de MD.
3.1.1.2 - Formas de praticar a tcnica isolada da mo direita
Em primeiro lugar, o executante precisa ter o conhecimento tcnico do
instrumento como foi discutido anteriormente, para que cada movimento e posio da MD
seja definido da forma mais adequada possvel. Em segundo lugar, necessrio um estudo
prvio da pea para que sejam definidos os trechos que representam dificuldades tcnicas de
MD. Em seguida, deve-se elaborar primeiramente uma digitao de ME, considerando que
esta que vai definir em que corda ser tocada cada nota, para ento definir a digitao da
MD. importante observar aqui que a digitao e os movimentos dos dedos da MD esto
43
diretamente relacionados com as cordas que sero tocadas, por esse motivo a digitao da ME
deve ser elaborada anteriormente, conforme o demonstrado nos ex. 27 e 28 quando
comparados.
Exemplo 27 Exemplo 28
A seguir sero enumerados seis passos importantes para um melhor resultado da
pratica da tcnica isolada de MD, lembrando que isso servir apenas como uma sugesto, e
que cada executante deve elaborar seu prprio procedimento:
1- Selecionar o trecho da pea a ser estudado. Caso esse trecho seja muito longo,
dividi-lo por seo.
2- Tocar inicialmente cada nota numa mesma pulsao, independente do ritmo,
em um tempo cmodo (sugere-se metrnomo=72). Essa prtica serve para a automatizao
dos movimentos da mo e dos dedos.
3- Acrescentar o ritmo (com o metrnomo ainda 72), tomando inicialmente a
nota com menor diviso rtmica como pulsao.
4- Acrescentar elementos musicais como, dinmica, acentuaes e destaque de
notas aumentando progressivamente a pulsao do metrnomo a medida que o domnio
tcnico for sendo alcanado. No necessrio praticar em todas as marcas do metrnomo
consecutivamente, a depender do nvel de dificuldade de cada trecho isso pode se dar de
forma mais ou menos progressiva. O importante contudo, que a velocidade de execuo do
trecho seja sempre cmoda para o executante.
44
5- Utilizar outras subdivises rtmicas como pulsao at chegar na unidade de
tempo do compasso.
6- Aps o domnio da tcnica e dos elementos musicais acrescentados, o
executante deve acrescentar a ME.
3.2 - Mo esquerda
As digitaes de ME estabelecidas nesse trabalho foram definidas na grande maioria
das vezes em funo da interpretao da obra. Ora sustentando as notas dos acordes em
sees de arpejos, pela valorizao harmnica, ora prolongando notas meldicas, como
tambm pela deciso timbrstica de manter um trecho meldico soando numa mesma regio
do instrumento. Por conseguinte, essas questes sero discutidas amplamente no captulo da
interpretao. Aqui sero vistas algumas digitaes e atitudes da ME utilizadas como
facilitadores tcnicos.
Exemplo 29
A mudana de posio da ME ao longo da escala harmnica do violo definido por
Carlevaro como traslado, e um dos recursos de traslado a utilizao do dedo-guia.58 Esse
trabalho executado principalmente pelo brao, que efetua o deslocamento enquanto o dedo-
guia cessa a presso sobre a corda numa curta frao de tempo antes do translado, e depois de
escorregar pela corda o dedo volta a pressiona-la j na posio seguinte. O ex. 29 mostra os c.
18-19 da Valsa onde utilizou-se o dedo 2 como dedo-guia executando as notas sib-l na
primeira corda no final do c. 18. O objetivo do dedo-guia, nesse caso, permitir que a pestana
58 (Carlevaro 1979, 94-5)
45
realizada com o dedo 1 no compasso seguinte seja preparada antecipadamente. Esse recurso
foi utilizado tambm com o objetivo de permitir a preparao da mo nos c. 37-38, 60-61 e 62
da Valsa; 1-2, 17-18, 26-27, 33-34 e 37-38 do Choro; 3-6, 14-15, 31-32 e 39-42, do Samba
Bossa-Nova.
Exemplo 30
Figura 6 Figura7
O ex. 30 mostra uma passagem ornamental, no c. 25 do terceiro movimento, onde
a ligadura colocada entre as notas sol e f natural sugere um movimento de ligado duplo
realizado pela ME. A velocidade com que essa passagem executada gera uma certa
dificuldade com relao clareza e preciso rtmica das notas, que pode ser atenuada com
um movimento conjunto da mo e do brao esquerdo. A figura 6 mostra o momento em que a
nota sol tocada. Observa-se que os dedos 3 e 2 devem estar previamente colocados em suas
posies. Em seguida o brao deve movimentar-se para fora do corpo realizando-se um
movimento de giro da mo (figura 7). importante fixar a posio dos dedos deixando que a
mo execute o movimento utilizando o dedo 2 como eixo. Esse mesmo recurso foi utilizado
46
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