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PERSPECTIVAS ATUAIS PARA A (NÃO) CRIAÇÃO DE PROJETOS DE
ASSENTAMENTOS PELO INCRA NO TERRITÓRIO CAPIXABA
Jaime Bernardo Neto Universidade Federal do Espírito Santo – UFES
Resumo Discorre sobre as atuais perspectivas para obtenção de terras para criação de novos projetos de assentamento da Reforma Agrária pelo INCRA no território do Espírito Santo, que por conta da crescente defasagem dos índices de produtividade estabelecidos para ratificação do cumprimento da função social da terra e também pelas limitações aos custos necessários às desapropriações de imóveis rurais para fins de Reforma Agrária, instituída pelo Governo Federal em fins de 2011, se mostram cada vez mais adversas no atual contexto de alta no preço das commodities e consequente expansão do agronegócio e aumento no preço médio das terras agrícolas do Estado.
Palavras – chaves: Reforma Agrária. Território. Expansão do Agronegócio.
Introdução
O presente artigo foi elaborado a partir do Diagnóstico Regional Para Obtenção de
Terras e Implantação de Projetos de Assentamento produzido pela Superintendência
Regional do INCRA no Espírito Santo (INCRA, 2012),1 estudo que revela um quadro
atual extremamente adverso à criação de novos projetos de assentamento no território
capixaba, fruto principalmente do paradoxo entre o constante aumento de produtividade
da agricultura brasileira (sobretudo no atual momento de alta nas cotações das principais
commodities agrícolas do Brasil) e a crescente defasagem dos índices que referenciam
as avaliações dos imóveis rurais feitas pelo INCRA com o intuito de verificar o
cumprimento da função social da terra, cujos parâmetros para análise de produtividade
ainda baseiam nos dados censitários do IBGE de 1975.
Nos últimos anos, essa realidade vem se manifestando sob a forma de um verdadeiro
ciclo vicioso sobre as políticas da autarquia. Além da diminuição das ações de
fiscalização dos imóveis rurais brasileiros com o intuito de averiguar o cumprimento ou
não de sua função social, decorrente do constante corte no orçamento destinado a essa
finalidade, tem se assistido ano a ano a um aumento na desproporção entre o número de
imóveis vistoriados e a quantidade destes que pôde ser legalmente considerada
improdutiva e, portanto, passível de desapropriação para fins de reforma agrária (Tabela
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1). E essa crescente “ineficiência” das ações visando à obtenção de terras, ao invés de
ser utilizada pela autarquia e pelo Governo Federal para fomentar discussões acerca da
urgente necessidade de atualização dos índices de produtividade, tem se tornado um
argumento para justificar novos cortes de verba no orçamento destinado a essas ações.
Tabela 1 – Avaliações de Imóveis Rurais efetuadas pelo INCRA/ES (2002-2011)
Ano de exercício Nº de Imóveis Vistoriados Nº de Imóveis Improdutivos
2002 35 13 2003 31 16 2004 22 08 2005 34 12 2006 28 08 2007 35 07 2008 33 04 2009 26 08 2010 09 0 2011 12 03
Fonte: INCRA/ES. Divisão de Obtenção de Terras – SR(20)/T.
Nesse mesmo sentido, e em consonância com o atual discurso que o Governo Federal
vem utilizando como justificativa para essa postura (fundamentado na afirmação de que
se deve primar pela “qualidade dos assentamentos” em detrimento da quantidade de
famílias assentadas), no início de 2012 foi imposta, por determinação da Casa Civil,
uma limitação aos custos para obtenção das terras visando à criação dos projetos de
assentamento, a qual tende a solapar qualquer resquício de otimismo que por ventura
ainda existisse nas atuais circunstâncias.
O que se pretende nesse artigo, portanto, é expor essas preocupantes conclusões acerca
das reais possibilidades de criação de novos projetos de assentamentos no território do
Espírito Santo. Iniciaremos essa discussão a partir de uma exposição resumida acerca
das bases legais que fundamentam a desapropriação para fins de reforma agrária. Em
seguida, faremos uma breve caracterização do espaço agrário capixaba para por fim
demonstrarmos que a combinação de ambos (a atual base jurídica e a estrutura agrária
capixaba) produz um quadro altamente adverso à obtenção de terras e criação de novos
projetos de assentamento no território do Estado do Espírito Santo.
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Fundamentos legais da desapropriação para fins de reforma agrária
A desapropriação de imóveis rurais para fins de reforma agrária foi instituída no Brasil
pelo Estatuto da Terra (Lei 4.504, de 20 de novembro de 1964), o qual condicionou a
propriedade dos imóveis rurais ao cumprimento de sua função social, que é assegurada
com base em diferentes aspectos: produtividade, respeito à legislação ambiental e
trabalhista e favorecimento do bem estar dos proprietários e trabalhadores que nela
atuam.
O Estatuto também estabelece, em seu Parágrafo 2º do Artigo 2º, que é obrigação do
Estado Brasileiro “zelar para que a propriedade da terra cumpra sua função social” e
“criar acesso do trabalhador rural à propriedade da terra economicamente útil, de
preferência das regiões onde habita”. Esses deveres do Estado assim estabelecidos
constituem a base da política nacional de Reforma Agrária, cujo órgão executor é o
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, a quem compete
exercer essa fiscalização e proceder à desapropriação dos imóveis que não estejam
cumprindo sua função social, os quais devem ser transformados em projetos de
assentamentos para estabelecimento de famílias sem-terra ou que tenham propriedades
menores do que lhes seria necessário ao seu sustento.
Apesar da definição de função social contemplar fatores de natureza diversa além da
produtividade (como legislação trabalhista e ambiental), este tem sido historicamente o
principal argumento a embasar as ações de desapropriação, que muito raramente são
concretizadas sem levar em conta o aspecto produtivo2. Esses procedimentos para
desapropriação por improdutividade são atualmente estabelecidos pela Lei 8.629/93,
sendo avaliados o grau de utilização da terra (proporção entre a área aproveitável do
imóvel rural e a área efetivamente utilizada para fins agropecuários, que tem que ser de
no mínimo 80%) e o grau de eficiência da exploração (estabelecido com base no censo
agropecuário de 1975, devendo-se atingir no mínimo 100% desse valor);
Todavia, segundo essa mesma lei, “são insuscetíveis de desapropriação para fins de
reforma agrária a pequena e a média propriedade rural, desde que seu proprietário não
possua outra propriedade rural” (Artigo 4º, parágrafo único), o que faz com que a maior
parte das desapropriações por esse viés seja relativas aos imóveis considerados
legalmente como “grandes” propriedades rurais.
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Essa classificação legal do imóvel com base em suas dimensões, entretanto, não leva em
consideração medidas absolutas, como a extensão total em hectares, por exemplo. O
legislador, assumindo que há um grande contraste tanto das condições naturais quanto
socioeconômicas do território brasileiro, estabeleceu que essa classificação seria feita
com base no conceito de Módulo Rural, o qual seria a dimensão mínima de um imóvel
rural para que ele, sendo
direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente com a ajuda de terceiros
A partir desse conceito de Módulo Rural, fixou-se uma medida média para cada
município brasileiro, denominada Módulo Fiscal, variando segundo esses mesmos
critérios. E com base nela, a Lei 8.629/93 classifica os imóveis em minifúndio
(propriedade com área inferior a um módulo); pequena propriedade (área entre 1 e 4
módulos); média propriedade (área entre 4 e 15 módulos); e grande propriedade (área
com extensão acima de 15 módulos).
Desta forma, as possibilidades de desapropriação dependem, portanto, da forma como a
estrutura fundiária e as diversas formas de utilização das terras de um determinado
recorte espacial se relacionam com essa base jurídica, o que, como se verá mais adiante,
não gera uma perspectiva otimista no caso do Espírito Santo.
Breve caracterização do espaço agrário capixaba
Em comparação ao território brasileiro como um todo, a estrutura fundiária do território
capixaba apresenta um grau de concentração fundiária bem menor que a média do
território nacional, como pode ser constatado na Tabela 1. Isso não significa, entretanto,
que a concentração da propriedade da terra seja irrelevante no Espírito Santo, pois se em
termos relativos, comparativamente ao Brasil como um todo, o quadro capixaba não é
tão grave, em termos absolutos ele não pode ser negligenciado, uma vez que menos de
0,5% dos imóveis representam mais de 17% da área agropecuária total do Estado
(Tabela 2).
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Tabela 1 - Percentual da área agropecuária ocupada pelos imóveis conforme grupos de extensão – 2006.
TAMANHOS DOS IMÓVEIS
BRASIL ESPÍRITO SANTO
Menos de 100 ha 21,43% 46,72% De 100 a menos de 1000 ha 34,16% 35,33% Mais de 1000 ha 44,42% 17,95%
Fonte: IBGE. Censo Agropecuário 2006.
Tabela 2 – Imóveis rurais do Espírito Santo conforme grupos de tamanho
TAMANHOS DOS
IMÓVEIS
PARTICIPAÇÃO NO TOTAL DE
IMÓVEIS (EM NÚMERO)
ÁREA
OCUPADA
Menos de 100 ha 94,5% 46,72%
De 100 a menos de 1000 ha 5,1% 35,33%
Mais de 1000 ha 0,4% 17,95% Fonte: IBGE. Censo Agropecuário 2006.
Apesar dessa disparidade em relação à realidade geral brasileira, o território capixaba
também apresenta profundos contrastes internos, possuindo áreas onde há o predomínio
quase absoluto dos pequenos imóveis rurais, como é notadamente o caso de sua porção
Centro-Sul, e outras nas quais os imóveis de maior extensão estão mais amplamente
presentes, como ocorre em seus extremos sul e na faixa que se estende pelo seu extremo
norte e praticamente todo o litoral a norte da capital Vitória (MAPA 1).
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Mapa 1 – Grandes imóveis rurais nos municípios do Espírito Santo – 2006.
Tais características estão estreitamente relacionadas ao papel que cada porção de seu
território veio a assumir na Divisão Territorial do Trabalho da produção agropecuária.
Conforme se pode constatar comparando os Mapas 1 e 2, as áreas onde as pequenas
propriedades estão mais presentes são, primeiramente, aquelas que atuam no
abastecimento direto dos centros urbanos (sobretudo por intermédio do Ceasa), seguida
daquelas que se especializaram na cafeicultura, tanto na região da Serra do Caparaó
(sudoeste do Estado, na divisa com a Zona da Mata Mineira), onde o plantio do café
arábica é a atividade predominante, quanto no centro-norte, altamente especializado na
produção do café conilon.
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Mapa 2 – Papel dos municípios na Divisão Territorial do Trabalho da produção agropecuária do Espírito Santo – 2006.
As áreas onde predominam os grandes imóveis também apresentam diferenças no papel
produtivo. Os extremos sul e norte do Estado têm a pecuária como carro chefe da
economia agropecuária, apresentando os maiores percentuais da área agropecuária
ocupados por pastagens. Todavia, no sul há o predomínio da pecuária voltada à
obtenção de leite enquanto no norte, por mais que a produção de leite tenha aumentado
nas últimas décadas, a criação de bovinos exclusivamente para corte ainda é muito
expressiva e predominante.
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Mapa 3 - Área ocupada por pastagens nos municípios do Espírito Santo – 2006.
Os municípios ao longo da costa, por sua vez, têm apresentado uma contínua redução
das áreas de pastagens (Mapa 3) e grande inserção nas atividades típicas do que se
convencionou chamar de agronegócio, levadas à cabo nos moldes da Revolução Verde,
com ampla utilização de maquinário para automação da produção, sendo os cultivos
mais recorrentes a produção de cana-de-açúcar para obtenção de etanol (tanto no litoral
sul como no norte – ver Mapa 4), a silvicultura voltada à obtenção de celulose (essa
mais amplamente presente no norte – ver Mapa 5), e, em menor intensidade, alguns
segmentos da fruticultura, tais como a produção de abacaxi no litoral sul e a de mamão
no norte.
Tem se verificado nos últimos anos uma contínua expansão das áreas especializadas
nesses cultivos a partir do litoral norte em direção à porção continental do extremo norte
capixaba, em substituição a áreas de pastagens, o que é uma das explicações para essas
áreas terem sido recentemente aquelas que apresentaram maior aumento de preço médio
do hectare de terra nua (INFORMA ECONOMIC, 2012). Trata-se de áreas de
predomínio da formação geomorfológica de tabuleiros costeiros, que por apresentar um
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relevo de declividades suaves, com muitas áreas planas, se mostra propício à produção
nos moldes da Revolução Verde, com ampla utilização de maquinário de grande porte.
Mapa 4 – Participação dos municípios na produção de cana-de-açúcar do território capixaba – 2010.
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Mapa 5 – Participação dos municípios na produção total de silvicultura para obtenção de celulose no Espírito Santo – 2010.
Essas diferentes especializações produtivas regionais que se configuraram ao longo das
últimas décadas têm tido efeitos bastante discrepantes no que tange à dinâmica
populacional do meio rural capixaba (Mapa 6), sendo notável o esvaziamento
demográfico do campo nas áreas onde predominam os grandes imóveis rurais,
sobretudo onde a atividade predominante é a pecuária, sendo particularmente mais
grave na porção noroeste do Estado, onde a criação é muito voltada para o corte, que
além propiciar rendimentos por unidade de área bem inferiores a praticamente qualquer
lavoura e até que a pecuária leiteira, demandam ainda menos mão-de-obra que essa
última atividade.
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Mapa 6 – Densidade demográfica da zona rural dos municípios capixabas – comparação 1970 x 2006.
Já nas áreas de predomínio dos pequenos imóveis tem-se verificado maior permanência
da população do meio rural. Nas regiões de predomínio da cafeicultura, esse
esvaziamento demográfico foi bem menor que o verificado nas áreas onde os latifúndios
são proeminentes, e na região central-serrana, especializada em suprir o abastecimento
alimentício dos centros urbanos, tem-se verificado até mesmo o aumento das densidades
demográficas na zona rural em alguns municípios.
Possibilidades atuais para a obtenção de terras para fins de Reforma Agrária no
Espírito Santo
A partir da distribuição espacial dos projetos de assentamento implantados até a
atualidade no território capixaba (Mapa 7), constata-se claramente a existência um
determinante geográfico em sua localização, tendo em vista que estão concentrados no
extremo norte do Espírito Santo e, em menor escala, também no extremo sul, que são
exatamente as áreas com maior incidência de grandes imóveis rurais e em sua maioria
com grandes áreas ocupadas por pastagens para a prática da pecuária extensiva.
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Mapa 7 – Distribuição Espacial dos Projetos de Assentamento no Espírito Santo (2011).
A razão para tal reside nos dispositivos legais que regem o processo de desapropriação
por descumprimento da função social da terra (que, diga-se, é muito mais uma punição
àqueles grandes e médios proprietários que não contribuem economicamente com o
Estado do que um projeto social voltado à amenização das desigualdades sociais do
país). Pelos critérios de produtividade atuais altamente defasados, estabelecidos com
base no Censo Agropecuário de 1975, o único tipo de imóvel com reais possibilidades
de desapropriação é aquele praticante de uma pecuária ultra-extensiva, geralmente
camuflando a utilização da terra como reserva de valor. Por isso, se sobrepusermos a
distribuição espacial dos projetos de assentamentos existentes no Espírito Santo ao
mapa da Divisão Territorial do Trabalho em seu espaço agrário, percebemos que a
maioria esmagadora dos assentamentos está situada nos municípios que apresentam
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maior área dedicada a pecuária, o que explica também o porquê do número significativo
de assentamentos no extremo sul do Estado, apesar de sua estrutura fundiária não ser tão
concentrada como o verificado no norte capixaba.
A maior parte dos acampamentos de trabalhadores sem-terra existentes no território
capixaba - nos quais vivem atualmente cerca de 700 famílias (segundo dados da
Ouvidoria Agrária do INCRA/ES) - se encontra em sua região norte (Mapa 8),
certamente por um reflexo do histórico de luta e mobilização camponesa no Estado,
tradicionalmente mais forte nessa porção de seu território (SOUZA et al, 2005). E
dentre esses acampamentos, a maior presença destes no Noroeste do Estado parece se
justificar também pela maior ocorrência de imóveis com terras subutilizadas e passíveis
de desapropriação por improdutividade nessa área, tendo em vista com o contínuo
avanço das lavouras de cana-de-açúcar e silvicultura, esta porção do Estado tem se
tornado um reduto onde ainda predomina, entre os grandes imóveis, a prática da
pecuária extensiva votada ao corte.
Mapa 8 – Localização dos acampamentos no Espírito Santo 2012. Fonte: INCRA/ES – Ouvidoria Agrária (Elaboração: Serviço de Cartografia).
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Pelo fato da classificação legal dos imóveis quanto ao seu tamanho não se basear em um
parâmetro absoluto e sim em uma medida relativa, o mapeamento das possibilidades de
desapropriação entre os diversos municípios capixabas não necessariamente coincide
com a estrutura fundiária dos municípios, podendo ser buscado de forma mais eficiente
a partir da sobreposição entre a localização dos grandes imóveis rurais (Mapa 9) e as
atividades econômicas predominantes, que são sem dúvida o fator capital na
determinação das possibilidades de desapropriação.
Assim, apesar dos municípios do litoral norte apresentarem maior número de imóveis
com extensão superior a 15 módulos rurais, a crescente e contínua inserção dos imóveis
dessa porção do Espírito Santo em linhas produtivas com grande composição orgânica
do capital e alto grau de produtividade nos plantios de eucalipto, cana-de-açúcar e
alguns segmentos da fruticultura, todos em detrimento das áreas outrora com pastagens,
tendem a se tornar cada vez mais remotas as possibilidades reais de desapropriação para
fins de reforma agrária nesses municípios, as quais em geral se restringiriam a imóveis
rurais que residualmente não tenham se inserido nesses ramos produtivos.
Mapa 9 – Número de imóveis com mais 15 módulos fiscais nos municípios capixabas.
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Não obstante todas essa adversidade, foi instituída ainda uma limitação aos custos para
obtenção das terras para a criação de projetos de assentamentos por “recomendação” da
Casa Civil da Presidência da República. O MEMO/CIRCULAR/INCRA/DT/Nº 22/11, de
27 de dezembro de 2011, estabelece que os imóveis a serem desapropriados para a
criação de Projetos de Assentamento devem atender ao número mínimo de 15 (quinze)
famílias e não exceder o custo máximo de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por família a
ser assentada.
Conforme consta no Gráfico 1, não há como se vislumbrar um horizonte muito
promissor nessas circunstâncias. Com base em pesquisas acerca dos preços médios de
terras em algumas porções territoriais do Espírito Santo praticados em Janeiro/Fevereiro
de 2012 – regiões de Cachoeiro do Itapemirim, Colatina e Linhares – pesquisados pela
FNP (2012) e considerando a média de hectares que têm sido necessários ao
assentamento de cada família pelo INCRA/ES nos últimos dez anos (13,66 hectares),
será praticamente impossível a criação de Projetos de Assentamentos nas áreas cuja
economia agrícola têm sido mais dinâmica, cujos custos claramente excederiam o limite
de R$ 100.000,00/família, relegando as possibilidades de criação de projetos de
assentamentos às áreas mais adversas à produção agrícola (em termos de condições do
solos, topografia, acessibilidade, possibilidades de comercialização da produção, etc.).
Gráfico 1 - Relação entre custos médios e limites orçamentários para a criação de Projetos de Assentamento no Espírito Santo (2012)
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Conclusões
Por mais preocupante que seja, o atual quadro de falta de perspectivas para a criação de
novos Projetos de Assentamento pelo INCRA não é, de fato, algo que surpreenda, tendo
em vista a falta de empenho do Estado brasileiro em promover a Reforma Agrária nos
últimos anos, sobretudo a partir do segundo mandato do Governo Lula (2006-2010),
quando claramente se consolida um contexto de “contra-reforma agrária” – como diz o
professor Ariovaldo de Oliveira (2011) – no qual o significativo crescimento econômico
fundamentado nas exportações de commodities, grande parte delas de natureza agrícola,
fortaleceu ainda mais o capital político do agronegócio e fez a discussão acerca da
reforma agrária e da necessidade de revisão dos índices de produtividade praticamente
desaparecer do seio do Governo Federal, cuja alta popularidade vem sendo mantida
exatamente por esse crescimento econômico proporcionado pelas alta nas commodities
e pelos programas de renda mínima, que também tiveram o efeito de solapar as bases
dos movimentos sociais que lutam em prol da reforma agrária, com bem expõem Leher
et al (2010), reduzindo ainda mais a capacidade desses movimentos fomentarem essas
discussões dentro da política brasileira atual, na qual suas posições ambíguas em relação
ao atual Governo Federal não dão sinais de que serão superadas, contribuindo ainda
mais com esse “ostracismo” a que vem sendo relegada a reforma agrária.
Os impactos dessa conjuntura, entretanto, podem não vir a serem sentidos tão de
imediato, já que pela demora judicial dos trâmites para desapropriações, é comum que
ações de imóveis avaliados pelo INCRA muitos anos atrás ainda estejam pendentes de
conclusão (no Espírito Santo, por exemplo, há cerca de 20 processos ainda em
andamento na justiça), podendo vir a resultar na criação de alguns projetos de
assentamentos nos próximos anos. Mas se tais circunstâncias persistirem, o quadro para
um futuro próximo é tão pessimista que corre-se o risco de as parcas ações de reforma
agrária que vinham sendo executadas pelo Estado brasileiro nas últimas décadas virem
a ser lembradas até com algum saudosismo.
Notas ___________ 1O referido estudo, do qual fui um dos autores, foi produzido em conjunto com os servidores Silvino Pedro Lopes (Engenheiro Agrônomo, ocupante do cargo de Perito Federal Agrário) e Gezualdo Nunes Galvão (Economista, ocupante do cargo de Orientador de Projetos de Assentamento e da função de chefe da Divisão de Obtenção de Terras do INCRA/ES).
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2As desapropriações por descumprimento da legislação trabalhista não foram ainda regulamentadas, mas pode haver uma significativa mudança a partir da PEC 438/2001, que visa exatamente regulamentar a desapropriações, para fins de reforma agrária, de imóveis onde se constata a ocorrência de trabalho escravo. Impetrar uma ação desapropriatória pela não geração de “bem estar” seria ainda inviável, sobretudo pela carência de definições legais sobre o que é esse “bem-estar” mencionado no Estatuto da Terra e, consequentemente, de regulamentação para procedimentos dessa natureza. Existe, porém, um número significativo de ações de desapropriação por questões ambientais em andamento. Todavia, elas tendem a ser mais lentas e menos eficazes que ações baseadas na produtividade, sobretudo pela falta de jurisprudência formada a esse respeito, o que fornece grande margem para argumentação por parte da defesa dos proprietários rurais. Referências IBGE. Censo Demográfico de 1970. Rio de Janeiro, 1973. _______. Censo Demográfico de 2000. Rio de Janeiro, 2001. _______. Censo Demográfico de 2010. Rio de Janeiro, 2011. _______. Censo Agropecuário de 1970. Rio de Janeiro, 1974. _______. Censo Agropecuário de 1995-1996. Rio de Janeiro, 1998. _______. Censo Agropecuário de 2006-2007. Rio de Janeiro, 2010. INCRA. Diagnóstico regional para a obtenção de terras e implantação de Projetos de Assentamento (Superintendência Regional do Espírito Santo). Vila Velha, 2012. INFORMA ECONÔMICS. Análise do Mercado de Terras. Relatório Bimestral nº45 (janeiro/fevereiro 2012). São Paulo, South America – FNP, 2012. LEHER, Roberto; COUTINHO DA TRINDADE, Alice; BOTELHO LIMA, Jaqueline Aline; y COSTA, Reginaldo. “Os rumos das lutas sociais no período 2000-2010”. In: OSAL. Ano XI, Nº28, novembro. Buenos Aires: CLACSO, 2010. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A Questão da Aquisição de Terras por Estrangeiros no Brasil. Um retorno aos dossies. São Paulo: Agrária, 2011. v.1. p.3-113. Disponível em<http://www.geografia.fflch.usp.br/revistaagraria/revistas/12/2Olive ira_AU.pdf> SOUZA, Ademilson Pereira. PIZETT, Adelar João. GOMESA, Helder e CASALI, Derly. A Reforma Agrária e o MST no Espírito Santo. 20 anos de lutas, sonhos e conquista de dignidade. [S.I.: s.n.], 2005.
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