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    PERTURBAO DE OPOSIO E DE DESAFIO Miguel Palha Pediatra do Desenvolvimento Centro de Desenvolvimento Infantil DIFERENAS

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    O Alfredo sempre teve um feitio levado da breca. Em beb, no parava de chorar e parecia que estava sempre insatisfeito. Pelos dezoitos meses de idade, fazia birras brutais, excessivas e desproporcionadas, que duravam uma eternidade. Foi sempre muito difcil de aturar, mesmo depois de experimentadas todas as estratgias comportamentais, incluindo os velhos aoites. Pelos quatro anos, o Alfredo, sistematicamente, comeou a recusar-se a cumprir as ordens e a aceitar as regras e as convenes estabelecidas. Desafiava adultos que no conhecia.

    Desde cedo, comeou a mentir e a responsabilizar os outros meninos pelo seu mau comportamento. Amuava por tudo e por nada e tinha dificuldade em esquecer as contrariedades, parecendo, at, rancoroso. Todos, mesmo os familiares prximos, diziam que ele era mal-educado. Quando entrou para o primeiro ano, foi extremamente agressivo e malcriado com a professora. Dizia palavres e dava, quase sempre, respostas tortas a quem quer que fosse.

    Apesar de esperto, estava na iminncia de ficar retido. O Pediatra de Desenvolvimento, quando o viu, no hesitou: tratava-se de uma Perturbao de Oposio. Programou-se uma interveno comportamental, que envolveu o Alfredo, os pais, a professora e os colegas.

    O Alfredo, hoje aos dezasseis anos, um adolescente muito bem-educado e at sabe, como ningum, com uma pose teatral, beijar as mos das senhoras. Dizem, at, que o Alfredo um descendente de velhos fidalgos

    A Perturbao de Oposio e de Desafio uma entidade clnica que se integra num grupo de sndromes comportamentais, propostos e descritos pela Associao Americana de Psiquiatria, e que incluem vrias perturbaes, desde a criana intermitentemente irritvel ou opositiva, at aquela que, de uma forma persistente, viola os direitos dos outros e as regras do relacionamento social. Esta perturbao caracteriza-se, fundamentalmente, por um padro recorrente de comportamento negativista, hostil e desafiante, que interfere, de uma maneira significativa, com o desempenho familiar, escolar ou social das crianas e adolescentes. , muitas vezes, considerada como uma forma menos grave ou precursora (antecedente evolutivo) da Perturbao do Comportamento ou de Conduta.

    A prevalncia na populao em geral oscila entre 2 e 16% (nos E.U.A., onde a Perturbao de Oposio e de Desafio tem sido mais estudada). Nas crianas mais jovens, existe um predomnio no sexo masculino ( cerca de duas a trs vezes mais frequente do que no sexo feminino). Depois da puberdade, a distribuio por sexos tende a igualar-se.

    A maioria dos especialistas considera que a etiologia (causa) da Perturbao de Oposio e de Desafio multifactorial. Na sua gnese, esto envolvidos factores genticos e ambientais, dos quais se destacam: histria familiar (em, pelo menos, um dos pais) de Perturbao do Humor, Perturbao de Oposio e de Desafio, Perturbao do Comportamento, Perturbao de Hiperactividade com Dfice de Ateno, abuso de substncias; atitudes de passividade e permissividade por parte dos pais; indisponibilidade dos familiares e amigos;

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    graves conflitos matrimoniais intra-familiares. A Perturbao de Oposio e de Desafio mais prevalente nas famlias promotoras de uma disciplina inconsistente e em que so frequentes os cuidados disruptivos s crianas.

    De acordo com o Sistema Classificativo DSM-IV, o padro recorrente de comportamento negativista, hostil e desafiante que define a Perturbao de Oposio e de Desafio dura, pelo menos, seis meses e caracteriza-se pela ocorrncia frequente de quatro ou mais dos seguintes comportamentos: amide, a criana ou adolescente encoleriza-se; discute com os adultos; desafia ou recusa cumprir os pedidos ou regras dos adultos; aborrece as outras pessoas deliberadamente; culpa os outros dos seus prprios erros ou mau comportamento; susceptibiliza-se ou facilmente molestado pelos outros; sente raiva ou est ressentido; rancoroso ou vingativo.

    Para evocarmos o diagnstico de Perturbao de Oposio e de Desafio, os comportamentos descritos devem ser mais frequentes do que em indivduos de idade e nvel de desenvolvimento comparveis e devem ainda causar alteraes significativas no funcionamento social, escolar ou laboral. Por outro lado, no possvel formular-se o diagnstico de Perturbao de Oposio e de Desafio se as manifestaes ocorrerem exclusivamente durante a evoluo da Perturbao Psictica ou do Humor (doenas do foro psiquitrico e que assumem uma muito maior gravidade), ou se forem preenchidos os critrios diagnsticos de Perturbao do Comportamento ou de Perturbao da Personalidade Anti-Social (nos indivduos com idade superior a 18 anos).

    Os comportamentos negativistas e de oposio exprimem-se por teimosia persistente, resistncia s ordens e falta de vontade para tomar compromissos, ceder ou negociar com os adultos ou companheiros. Pem, assim, constante e deliberadamente prova os limites geralmente estabelecidos, ignorando ordens, discutindo e no aceitando ser acusados dos prprios actos. Os indivduos com a Perturbao de Oposio e de Desafio tendem a justificar o seu comportamento como uma resposta a circunstncias ou a exigncias pouco razoveis, e no como falha ou erro seus. A hostilidade pode ser dirigida contra adultos ou companheiros, incomodando-os ou agredindo-os verbalmente (todavia, no se observam as agresses fsicas mais graves que foram descritas a propsito da Perturbao do Comportamento). frequente a existncia de conflitos com os pais, professores e colegas.

    Os sintomas da Perturbao de Oposio e de Desafio so tipicamente mais evidentes nas interaces com os adultos ou companheiros que o sujeito conhece bem, e tm tendncia para aumentar com a idade. As manifestaes so geralmente semelhantes nos dois sexos, com a excepo de que, no sexo masculino, pode haver mais comportamentos de confronto e sintomatologia mais persistente. Note-se, contudo, que durante a primeira infncia e adolescncia, so muito frequentes os comportamentos transitrios de oposio, pelo que o diagnstico de Perturbao de Oposio e de Desafio dever ser formulado com especial precauo durante estes perodos de desenvolvimento.

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    A Perturbao de Oposio e de Desafio est, muitas vezes, associada a temperamentos problemticos (por exemplo, elevada reactividade), excessiva actividade motora, fraca auto-estima, humor lbil, baixa tolerncia frustrao, a coprolalia (utilizao de palavras grosseiras, "palavres"), consumo precoce de lcool, tabaco ou substncias ilegais. A Perturbao de Hiperactividade com Dfice de Ateno, as Perturbaes da Aprendizagem e as Perturbaes da Comunicao tendem a coexistir com a Perturbao de Oposio e de Desafio.

    O incio da Perturbao de Oposio e de Desafio tipicamente gradual e ocorre, geralmente, em fases precoces da infncia, sendo pouco frequente aps os dez anos de idade. um quadro bastante estvel ao longo do tempo, com uma durao mdia de cerca de quatro anos e meio. Geralmente, verifica-se a remisso dos sintomas at idade adulta. Como j foi dito, uma proporo significativa de casos de Perturbao de Oposio e de Desafio constitui um antecedente evolutivo da Perturbao do Comportamento.

    Para a maior parte dos autores, a interveno na Perturbao de Oposio e de Desafio tem que ser multidimensional, em vrios nveis, e fazendo uso de uma grande variedade de abordagens teraputicas. Deste modo, e para alm da teraputica farmacolgica, dever ser tentada, entre outras, a psicoterapia (individual, de grupo, familiar), e a interveno comunitria (actividades ldicas, programas sociais, suporte educacional). A Perturbao de Oposio e de Desafio apresenta uma boa resposta psicoterapia, com grande percentagem de casos a registar uma diminuio muito significativa da frequncia de comportamentos opositivos.

    Um aspecto crucial da interveno a informao adequada da famlia, a fim de que se possa obter a sua mxima colaborao. importante analisar, em conjunto, as foras e as vulnerabilidades da criana ou do adolescente, a cada nvel, de forma a contextualizar-se os comportamentos. A interveno junto da famlia dever incluir, ainda, o aconselhamento aos pais, para que lidem de uma forma mais emptica e construtiva com a criana ou adolescente, por forma a abolirem-se atitudes negligentes e demasiadamente permissivas. A famlia dever perceber que os comportamentos disruptivos (presentes na Perturbao de Oposio e de Desafio) so muitas vezes um "grito por ajuda", reflexo de problemas subjacentes, que, obviamente, devem ser encarados de frente.