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REVISÃO DAS TENDÊNCIAS NO DEBATE DA PESQUISA QUALITATIVA E SUAS INFLUÊNCIAS NO CAMPO EDUCACIONAL
SILVA, Assis Leão da
Doutorando em educação – CE/UFPE
Núcleo de Planejamento e Política Educacional
e-mail: [email protected]
RESUMO
Focalizando na problemática das multiplicidades de abordagens do campo das metodologias da
pesquisa social, o presente trabalho pretende identificar, revisar e analisar a influência da evolução das principais tipologias teórico-conceituais metodológicas da pesquisa qualitativa,
por meio de uma breve construção histórica desta área, analisando as suas principais influências
e contribuições nos debates do campo das pesquisas educacionais. Aponta as principais dificuldades e avanços na construção dos modelos metodológicos propostos no desenho das
pesquisas qualitativas, desvelando que estas são o resultado da dinâmica e complexidade do
contexto social. O objetivo do trabalho é realizar uma revisão teórico-conceitual das tendências
atuais no campo da pesquisa qualitativa e suas imbricações na área da educação. Constatou-se diante do exposto, que as discussões na área, estão longe de serem esgotas, apresentando
diversidade em fragilidades e lacunas.
Palavras-chave: Pesquisa social; metodologia qualitativa; pesquisa em educação
Introdução
O contexto de crises cíclicas do capitalismo tem desenvolvido uma dinâmica
ascendente de complexidade do sistema social ao longo do século XX, instigando o
debate sobre a credibilidade, perspectivas e limites quanto à adoção de metodologias
quantitativas na análise dos diversos problemas sociais. No centro deste debate,
verifica-se a adoção cada vez mais recorrente da metodologia qualitativa no
desenvolvimento de pesquisas no campo social; já que, são cada vez maiores entre
pesquisadores sociais, agências governamentais e de fomento, as percepções dos limites
e possibilidades da realização de pesquisas sociais amparadas apenas nos pressupostos
da metodologia quantitativa.
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No entanto, o uso da metodologia qualitativa, como forma de superar
determinados limites do método quantitativo ou de substituí-lo, não se apresenta numa
perspectiva de linearidade; sofrendo, durante seu processo de desenvolvimento,
inúmeros avanços, recuos e rupturas quanto à sua adoção; uma vez que, no debate dos
pressupostos teórico-metodológico, na pesquisa social, levantaram-se certas
desconfianças, por parte dos pesquisadores sociais quantitativistas, no que se refere aos
critérios científicos de confiabilidade e validade do método qualitativo e dos impasses
no tocante à perspectiva de complementaridade de ambos os métodos, quantitativo e
qualitativo.
Este debate, para muitos pesquisadores da área social, tem desvelado a
complexidade do processo de sistematização das pesquisas, no tocante à dificuldade em
escolher e legitimar o método de investigação a ser adotado diante do contexto social
em que se vive, exigindo dos pesquisadores maior eficácia no trato do diálogo com os
pressupostos teórico-metodológico das metodologias quantitativo e qualitativo;
sobretudo em áreas de gramáticas fracas, como no caso do campo educacional.
Por essa razão, este artigo tem como objetivo realizar uma revisão das diversas
tendências teórico-metodológicas do campo da pesquisa social que influenciaram
diretamente na construção e desenvolvimento do método qualitativo reconhecendo suas
principais contribuições para a pesquisa em educação. Na execução deste objetivo,
estruturou-se o presente trabalho em quatro partes. Na primeira parte, identificam-se os
argumentos em prol dos métodos quantitativos e qualitativos, debatendo acerca do
desenvolvimento da construção metodológica na pesquisa social; Na segunda,
sistematiza-se o percurso da evolução histórica das tendências em pesquisa qualitativa
analisando seus avanços e limites; Na terceira, identificam-se as principais
contribuições destas tendências na caracterização atual do método qualitativo; Na
quarta, especificam-se as principais contribuições do método qualitativo para a pesquisa
em educação; ao término do trabalho, discorrem-se as considerações finais do tema.
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1 A pesquisa social: o método qualitativo versus o quantitativo, argumentos e
contribuições para o debate
O entendimento atual de diversos autores caminha no sentido de que a realização
da pesquisa social implica diretamente na escolha de procedimentos para descrever,
explicar e compreender os fenômenos sociais a partir da fundamentação em teorias
existentes com intuito de desenvolver o método científico (SILVERMAN, 2009). Para
Chizzotti (2006, p.24) “não se pode acreditar que a ciência seja um padrão uno e único,
fixo e imutável para todos os cientistas”, faz-se necessário o entendimento da existência
de diversas vias de investigação, desvelando a variedade de meios de procurar, justificar
e comunicar uma descoberta de que a ciência dispõe.
Richardson et al (2009) advoga que o trabalho de pesquisa deve ser realizado
conforme as técnicas requisitadas para cada método de investigação1. Esses
procedimentos podem ser agrupados em duas amplas classificações, distintas quanto às
sistemáticas adotadas e a forma de abordagem dos problemas, por meio do método
quantitativo e qualitativo. Longe de esgotar as possibilidades de classificação, Guba e
Lincoln (1994) adverte que este tipo de classificação restringe-se a descrição de tipos e
métodos de pesquisas, abarcando inúmeras possibilidades de compreensão da realidade,
descritas e analisadas por Chizzotti (2006) através de várias denominações, a saber:
“paradigmas” (KUHN, 1963), “tradições de pesquisa” (LAUDAN, 1977; JACOB,
1987; CRESWELL, 1998; STRAUSS E CORBIN, 1990; DENZI E LINCOLN, 2000),
“modelfos de pesquisa” (QUELLET, 1994), “programas de pesquisas rivais”
(LAKATOS, 1970), “posturas de pesquisas” (WOLCOTT, 1992).
A literatura acadêmica é farta em construções de definições que a rigor
apresentam as mesmas características acerca do método quantitativo e qualitativo.
Desse modo, apropriamo-nos de Lankshear e Knobel (2008), para definir que o método
quantitativo caracteriza-se pela utilização da quantificação – mensuração – na pesquisa
1 Silva (2003, p.39-45) distingue técnica de método, quando define método como etapas dispostas
ordenadamente para investigação da verdade, no estudo de uma ciência para atingir determinada
finalidade, e técnica como o modo de fazer de forma mais hábil, segura e perfeita alguma atividade, arte
ou ofício. Severino (2007, p.102) afirma: a ciência utiliza-se de um método que lhe é próprio, o método
científico, elemento fundamental do processo do conhecimento realizado pela ciência para diferenciá-la
não só do senso comum, mas também das demais modalidades de expressão da subjetividade humana,
como a filosofia, a arte, a religião. Trata-se de um conjunto de procedimentos lógicos e de técnicas
operacionais que permitem o acesso às relações causais constantes entre os fenômenos.
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social nas fases de coleta de informações e no tratamento dos dados através do emprego
de técnicas estatísticas, frequentemente aplicada em estudos do tipo descritivo2,
abordando aspectos amplos de uma dada sociedade; e de Triviños (2008), para definir o
método qualitativo como uma “expressão genérica”, abrangendo diversas atividades de
investigação que podem ser denominadas de específicas, caracterizadas por traços
comuns, objetivando atingir uma interpretação mais aprofundada da realidade através de
descrições detalhadas de situações do cotidiano que expressem as experiências, atitudes,
crenças, pensamentos e reflexões dos sujeitos em seus ambientes sociais.
Segundo Guba e Lincoln (1994) o debate metodológico na pesquisa social tem
direcionado críticas à metodologia quantitativa, pela insistência dos defensores deste
método em manter a concepção positivista de ciência, aplicando os modelos das
ciências naturais às ciências humanas, reduzindo a ciência ao campo do observável
separando os fatos de seus contextos, valorizando-se os métodos quantitativos –
mensuração de dados estatísticos; por enfatizar o dado empírico e sua reificação,
defendendo que os dados são de natureza neutra e objetiva; além de insistir na tese de
uma ciência livre de valores para si evitar distorcer a objetividade da explicação dos
fatos, associando ciência à técnica. Estes argumentos demonstram a concepção de
mundo daqueles que defendem exclusivamente o método quantitativo, visualizando as
pessoas como objetos manipuláveis e a sociedade como uma máquina que pode ser
concertada a todo o instante pelos cientistas sociais.
As discussões metodológicas em pesquisas sociais, além das críticas ao método
quantitativo, têm circunscrito orientações básicas, para o desenvolvimento de pesquisas
na área das ciências humanas e sociais. Por um lado, delimitam as pesquisas
quantitativas como aquelas que privilegiam a relevância dos objetos materiais e a
constância das ocorrências, entendendo a natureza como uniforme e logicamente
organizada, utilizando como instrumentos a matemática e a lógica dedutiva. Por outro,
demarcam as pesquisas qualitativas como aquelas que privilegiam a construção do
conhecimento no contato com a realidade nas distintas interações humanas e sociais,
onde se busca a interpretação do fato, o sentido do evento, por meio da intuição humana
e da inferência interpretativa. (cf. STRAUSS E CORBIN, 2008).
2 Tipo de estudo que busca descobrir e classificar a relação entre as variáveis e investigar a relação das
causas do fenômeno.
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Também, o debate metodológico na pesquisa social tem propagado argumentos
para justificar a utilização cada vez mais recorrente do método qualitativo por entender
que este método não emprega, a princípio, um instrumental estatístico como base do
processo de análise de um problema, por não ter como objetivo numerar e mensurar
unidades ou categorias hegemônicas; por possuir uma forma adequada para entender a
natureza de um fenômeno social; possuindo instrumentos para se compreender aspectos
psicológicos cujos dados não podem ser adquiridos por métodos estatísticos e por
mergulhar no cotidiano e ambiente dos sujeitos investigados, tomando como referência
casos, problemas específicos, sendo usados como indicadores do funcionamento das
estruturas sociais. (cf. RICHARDSON et al, 2009).
Outro argumento bastante pertinente e que reforça o uso do método qualitativo é
apresentado por Bauer e Gaskell (2010) acerca da perspectiva de superação do paradoxo
na construção do corpus teórico, onde o espaço é compreendido em duas dimensões:
estrato ou funções e representações, quando afirma
A dimensão horizontal abrange os estratos sociais, funções e categorias que
são conhecidos e são quase que parte do senso comum: sexo, idade, atividade
ocupacional, urbano/rural, nível de renda, religião e assim por diante. Estas
são variáveis segundo as quais os pesquisadores sociais geralmente
segmentam a população [...]. O principal interesse dos pesquisadores
qualitativos é na tipificação da variedade de representações das pessoas no
seu mundo vivencial. As maneiras como as pessoas se relacionam com os
objetos no seu mundo vivencial, sua relação sujeito-objeto, é observada através de conceitos tais como opiniões, atitudes, sentimentos, explicações,
estereótipos, crenças, identidades, ideologias, discurso, cosmovisões, hábitos
e práticas. Esta é a segunda dimensão, ou dimensão vertical de nosso
esquema. Esta variedade é desconhecida e merece ser investigada. As
representações são relações sujeito-objeto particulares, ligadas a um meio
social. O pesquisador social que entender diferentes ambientes sociais no
espaço social, tipificando estratos sociais e funções [...] (p.57).
A citação é longa, mas a consideramos fundamental, para o entendimento da
insistência dos defensores do método qualitativo em estudar as representações sociais
em diversos campos do conhecimento das ciências sociais ao longo das últimas décadas,
sobretudo no campo educacional, como veremos mais adiante. Fica nítido o limite das
relações das variáveis horizontais no entendimento dos problemas sociais. No entanto,
esta argumentação abre espaço para a compreensão de que em determinados objetos
investigados focar em apenas uma das categorias – horizontal ou vertical – não seja
suficiente para se compreender a complexidade da realidade social investigada.
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Por essa razão, muitos autores, burlando a tradição, têm defendido a articulação3
entre os métodos quantitativos e qualitativos, mesmo cientes de que estes métodos “são
mais que apenas [diferentes] estratégias de pesquisas e procedimentos de coleta de
dados. [E que] esses enfoques representam [...] diferentes referenciais epistemológicos”
no processo de conhecimento dos fenômenos sociais; contudo, entendem que no
desenvolvimento da pesquisa social não há quantificação sem qualificação e não há
análise estatística sem interpretação (BAUER E GASKELL, 2010, p.29). Argumentam
também a favor, por compreenderem que no processo de pesquisa há instâncias de
integração entre ambos os métodos no que se refere ao planejamento da pesquisa, a
coleta de dados e análise da informação obtida (RICHARDSON et al, 2009);
entendendo que a “combinação de métodos pode ser feita por razões suplementares,
complementares, informativas, de desenvolvimento e outras [...]”, e que, “a contagem,
mensuração e até mesmo procedimentos estatísticos podem ser úteis para suplementar,
estender ou testar suas formas de pesquisa”, atestando que esses métodos são
complementares (STRAUSS E CORBIN, 2008, p. 40).
Esses argumentos de longe não esgotam as discussões, mas são considerados
referencias no debate metodológico da pesquisa social acerca do método quantitativo e
qualitativo. Desvelam os contornos do percurso traçado pelo debate em torno dos
procedimentos metodológicos nas pesquisas sociais. Entendemos que a construção
destes argumentos não é externa ao contexto histórico-social. Por essa razão,
passaremos a seguir a tratar da evolução histórica das tendências em pesquisa
qualitativa.
2 A evolução histórica das tendências em pesquisa qualitativa
Triviños (2008) reconhece na evolução histórica das tendências em pesquisa
qualitativa a existência de pelo menos duas dificuldades para se definir o entendimento
3 Há três maneiras segundo Silverman (2009, p. 55) para se articular o método quantitativo e qualitativo:
usar a pesquisa qualitativa para explorar um tema particular visando a montar um estudo quantitativo;
começar com um estudo quantitativo a fim de estabelecer uma amostra de respondentes e de estabelecer
os contornos amplos do campo, e engajar-se em um estudo qualitativo que utilize dados quantitativos para
localizar os resultados em um contexto mais amplo.
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real do que esta representa. Uma dificuldade encontra-se na abrangência do conceito no
tocante às suas especificidades de ação e dos limites deste campo de investigação; a
outra reside na busca de uma concepção precisa da idéia de pesquisa qualitativa. Essas
dificuldades desvelam as tensões teóricas subjacentes ao campo, marcado
tradicionalmente por rupturas metodológicas e epistemológicas.
(cf. Chizzotti, 2006). Mesmo assim, diante deste percurso sinuoso, diversos autores têm
desenvolvido o esforço de mapear as tendências da pesquisa qualitativa no campo da
pesquisa social, entre eles, Denzi e Lincoln (1994), Vidich e Lyman (1994), Bogdan e
Biklen (1994)4. A rigor estes autores estabeleceram suas delimitações acerca da
pesquisa qualitativa tomando como referência o século XX, momento de maior
expressão deste tipo de pesquisa.
Vidich e Lyman (1994) optando por uma perspectiva ampla e distinta da
demarcação habitual das etapas da pesquisa qualitativa; ultrapassam as barreiras do
século XX e XIX, amparando-se nas disciplinas da antropologia e da sociologia por
meio de um percurso supostamente histórico linear. Apontam como origem da pesquisa
qualitativa o momento do desenvolvimento da “etnografia primitiva” demarcada pela
descoberta do outro; desenvolvendo-se em uma segunda etapa, para um tipo de
“etnografia colonial”, característicos dos viajantes exploradores dos mundos coloniais
dos séculos XVII, XVIII e XIX; desdobrando-se numa terceira etapa, a fase da
“etnografia do índio americano” realizada pela antropologia norte-americana do final do
século XIX e começo do XX; numa quarta etapa, desenvolvida pela “etnografia dos
outros cidadãos”, estudos de comunidades e as etnografias dos imigrantes americanos,
do início do século XX aos anos de 1960; numa quinta etapa, a recorrência dos estudos
sobre a etnicidade e a assimilação, entre os meados do século XX e a década de 1980; e
uma sexta etapa, ainda em andamento, marcada pelas mudanças epistemológicas e
metodológicas propostas pela pós-modernidade.
Bogdan e Biklen (1994), tomando como referencia o campo educacional,
estabeleceram quatro fases fundamentais no desenvolvimento da pesquisa qualitativa.
Esses autores, diferentemente de Vidich e Lyman (1994), restringem a sua delimitação
classificatória aos fins do século XIX e o século XX, adotando uma perspectiva de
4 Ver, também, conforme Chizzotti (2006): Erikson (1986); Kirk e Miller (1986); Le Compte, Millroy e
Preissle (1992).
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análise não linear, mas reconhecendo e identificando os elementos característicos de
cada fase potencialmente capazes de influenciar a maneira como se faz pesquisa
qualitativa atualmente. Para Bogdan e Biklen (1994) as fases da pesquisa qualitativa,
delimitam-se, num primeiro momento ao final do século XIX até a década de 1930,
quando são formulados os primeiros trabalhos qualitativos, adotando como
instrumentos de pesquisa a observação participante, a entrevista com detalhe e/ou
documentos pessoais; num segundo momento, compreende o período da década de
1930 aos anos de 1950, caracterizado por um declive do enfoque qualitativo; num
terceiro período, da década de 1960 influenciado por intensas mudanças sociais
proporciona o ressurgimento dos métodos qualitativos; numa quarta fase, a partir dos
fins dos anos de 1960 e, sobretudo, na década de 1970, a pesquisa qualitativa passa a ser
ascendentemente utilizada por pesquisadores da área de educação, não se restringindo
aos sociólogos.
Denzin e Lincoln (1994) distintamente dos autores citados, porém, tomando
como mesmo norte de referência o século XX, restringem sua classificação a este
período. E semelhantemente a Bogdan e Biklen (1994) não adotam uma perspectiva de
analise linear, delimitando a evolução da pesquisa qualitativa em cinco períodos: o
tradicional (1900-1950), o modernista ou idade do ouro (1950-1970), os gêneros
imprecisos (1970-1986), a crise da representação (1986-1990) e a pós-modernidade
(1990 até o momento atual). Mesmo com possibilidades e enfoques de classificação
distintos, mas apresentando a mesma lógica de delimitação; os autores citados parecem
compartilhar do ponto de vista de que a pesquisa qualitativa tem suas origens nas
práticas desenvolvidas primeiramente pelos antropólogos e posteriormente pelos
sociólogos, nos estudos realizados acerca da vida em comunidades; somente mais tarde
esta perspectiva foi introduzida na investigação do campo educacional.
Com o objetivo de aprofundarmos um pouco mais a discussão, apresentamos a
seguir um quadro sintético, com as principais características das fases da pesquisa
qualitativa, considerando as contribuições dos autores citados, e tomando como
referência a classificação de Denzi e Lincoln (1994), comparando-as com o
desenvolvimento da pesquisa em educação.
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Tabela 1 – Tendências (fases) da pesquisa qualitativa FASES PERÍODO PESQUISA QUALITATIVA CAMPO EDUCACIONAL
PERÍODO TRADICIONAL
1900-1930
1930-1950
Intensificação dos problemas sociais (crises do capitalismo)
“Movimento dos
levantamentos sociais” desenvolve multimétodos para abordar os problemas sociais articulando o quantitativo e o qualitativo
Surgem as primeiras discussões práticas da
pesquisa qualitativa
Surgimento da antropologia e
a influência da “Escola de Chicago” – estudos etnográficos
Hiato na abordagem
qualitativa
Declínio do departamento de
sociologia de Chicago
A pesquisa educacional era monopolizada pela sociologia e
psicologia da educação
Interesse inexistente nos métodos
qualitativos; grande ênfase da sociologia da educação nos métodos das ciências naturais e na avaliação quantitativa
Pouco interesse da Escola de Chicago pela educação
A pesquisa era restrita a
abordagem quantitativa e experimental (grande influência da psicologia)
Aumento do interesses dos
antropólogos pela educação
PERÍODO MODERNISTA
(IDADE DO OURO)
1950-1970 Intensas mudanças sociais
(auge da Guerra Fria)
Métodos qualitativos
adquirem popularidade, fase áurea, consolida-se como modelo de pesquisa, revigora-
se o debate quali-quanti
Modificações nas disciplinas
de Antropologia e sociologia (Etnometodologia)
Influência do pós-positivismo,
marximo, fenomenologia, hermenêutica e teorias críticas
Emergência dos problemas
educacionais
Certo interesse dos pesquisadores
educacionais e das agências estatais pelo método qualitativo
Aumento das pesquisas
qualitativas no campo
PERÍODO
GÊNEROS IMPRECISOS
1970-1986 Intensificação do debate quali-
quanti
Os pesquisadores
quantitativistas reconhecem relativamente a metodologia qualitativa (Clima de diálogo)
Tensões estilísticas, novas perspectivas emergentes (pós-
estruturalismo (Barthes), neopositivismo (Philips), neomarxismo (Althusser), descritivsmo micro-macro (Geertz), etnometodologia (Garfinkel)
Mesmo na marginalidade, a
pesquisa qualitativa adquiria maior número de adeptos
Interesse crescente das agências
governamentais da perspectiva qualitativa na área de avaliação, surgimento da avaliação institucional
Influência dos paradigmas pós-
positivista e do construtivismo
PERÍODO
CRISE DE REPRESENTAÇÃO
1986-1990 Novos modelos causam a
erosão das normas clássicas na antropologia
Teóricos da educação ainda
discutem as diferenças entre a investigação quantitativa e qualitativa e suas possibilidades de articulação
PERÍODO
PÓS-MODERNIDADE
1990 -... Influência do feminismo e
pós-modernismo
Uso da TIC na análise dos dados
Persistência da tendência de
formalização da análise dos dados nas pesquisas qualitativas
Fonte: Denzi e Lincoln (1994); Bogdan e Biklen (1994)
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Analisando o quadro e ampliando as discussões acerca destas fases, por meio das
contribuições dos autores citados, pode-se comentar que a primeira fase, o período
tradicional, foi marcada por um contexto histórico que atravessou duas grandes guerras
e uma grande depressão econômica. E este contexto trouxe inúmeras implicações para a
pesquisa social, sobretudo na adoção pelo “movimento dos levantamentos sociais” de
novas técnicas de investigação, com a aplicação das metodologias de “observação
participante” (LePlay, Frederick - FRA), “história de vida” e as “entrevistas exaustivas”
(Mayhew, Henry - ING), para investigar uma realidade social mais complexa. Nesta
fase, destaca-se a tentativa de aplicar o método científico ao estudo dos problemas
sociais, utilizando entrevistas, desenhos e fotografias, articulando a metodologia
quantitativa e qualitativa. Também, com o aparecimento da antropologia e sua
influência na Escola de Chicago, desenvolvem-se os fundamentos para se estudar o
“outro”, criando métodos interpretativos realistas, onde o pesquisador assumia uma
postura empática com o ambiente, as pessoas e o problema. O que marca esta fase é a
ausência de interesse do campo educacional nas discussões e desenvolvimento da
metodologia qualitativa.
A segunda fase, o período modernista, foi enormemente influenciada pelo
contexto da Guerra Fria e por intensas mudanças sociais. Ficou conhecida como o
momento áureo da metodologia qualitativa, assinalando-a como modelo de pesquisa.
Para isso, foram reelaborados os conceitos de objetividade, validade e fidedignidade,
procurando definir a formalização e a análise rigorosa dos estudos qualitativos,
admitindo-se o discurso da falseabilidade, pós-positivista. Várias mudanças ocorreram
nas disciplinas da antropologia e da sociologia contribuindo para que vigorassem os
métodos clínicos de observação participante, a coleta partilhada de dados e a
interpretação participante; a arte de interpretação sobrepuja-se a estatística. Além disso,
o contexto social emergente exigiu uma nova postura dos pesquisadores sociais, frente
aos problemas sociais, as questões de ordem de emancipação humana e transformação
social, revigorando o debate qualitativo versus quantitativo. A popularidade da pesquisa
qualitativa acabou atraindo certo interesse dos pesquisadores educacionais e das
agências governamentais de fomento da pesquisa.
A terceira fase, período dos gêneros imprecisos, foi marcada inicialmente pela
ampliação dos investimentos públicos e privados nas pesquisas. Surgiram novas
orientações e paradigmas de pesquisa com a propagação de métodos e técnicas de
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pesquisa em todas as áreas do conhecimento5. No campo educacional os investigadores
qualitativos realizaram trabalhos de campo, através de observação participante,
entrevistas em profundidade nos locais de investigação, com os sujeitos ou documentos.
São postas de lado as certezas unívocas da pesquisa em ciência sociais e originam-se
novos temas e problemas de pesquisa, como classe, gênero, etnia, raça e culturas
trazendo novas questões teórico-metodológicas aos estudos qualitativos.
Na quarta fase, período da crise da representação, estruturalismo, pós-
estruturalismo (pós-modernismo) e o feminismo introduzem críticas à autoridade
privilegiada de teorias, certezas, paradigmas, narrativas e métodos de pesquisa. Destes
destacam-se as influências do feminismo, evidenciando os papéis psicossexuais nas
investigações sociais, os tipos de sujeitos a serem estudados; ressignificam as
interpretações das mulheres na sociedade; afetou as questões de ordem metodológica no
tocante a questão do poder na relação de entrevista, desenvolvendo a “etnografia
institucional”, contribuindo para que os pesquisadores qualitativos revissem suas
relações com os sujeitos e reconhecessem as implicações políticas de suas opções
metodológicas. Nesta perspectiva, as pesquisas desvinculam-se dos referenciais
positivistas direcionando o foco de pesquisa para as questões de ordem local,
apreendendo os sujeitos no ambiente natural.
Na quinta fase, o período do pós-modernismo, a ascendência da globalização, do
neoliberalismo e o ressurgimento das teses da “sociedade do conhecimento” e o “fim
das ideologias” influenciaram enormemente a pesquisa qualitativa ressignificando as
metodologias com o entendimento da natureza da interpretação no papel do investigador
como intérprete, enfatizando a interpretação e a escrita como elementos proeminentes
da pesquisa. Vários aspectos são evidenciados, como a posição social do autor da
pesquisa, a onipotência do texto científico, a credibilidade da transcrição objetiva da
realidade, a influência da realidade social sobre o pesquisador, implicando na
compreensão na perspectiva de que a observação é impregnada pela teoria e pelo
comprometimento do sujeito com determinada realidade.
Todas essas fases trouxeram contribuições para o entendimento atual da
pesquisa qualitativa, sendo marcada por rupturas, muitas vezes abruptas, e avanços
significativos. O que tentamos realizar aqui foi um esboço geral destas tendências
5 Estudo de desing, estudo de caso, etnografia (observação participante), fenomenologia
(etnometodologia), teoria fundamentada, método biográfico, método histórico, pesquisa clínica.
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reduzindo-as a um processo didático de compreensão, mesmo sabendo das dificuldades
de mapeamento. Para um melhor entendimento do que seja a pesquisa qualitativa hoje,
passaremos a seguir, a caracterizar seus principais pressupostos teórico-metodológicos.
3 Características da pesquisa qualitativa
A crescente e recorrente opção dos pesquisadores pelos métodos qualitativos
tem levado a literatura acadêmica a empreender esforços no sentido de identificar as
características peculiares deste método diante do cenário de inúmeras tendências da
pesquisa qualitativa e social. Compreendemos que tais características, permitem, a
princípio, identificar elementos cristalizados desta metodologia ao longo dos debates e
discussões sobre a metodologia qualitativa na pesquisa social. Essa tentativa torna-se
relevante, pelo fato de que entendê-las, significa construir diversas possibilidades de
compreensão e apropriação acerca da lógica de construção das metodologias com o
objetivo de delimitar o rigor, o contexto, os limites, os avanços e perspectivas das
pesquisas sociais.
Neste caso, diversos autores têm apontado que para si fundamentar a opção
quanto ao método a ser utilizado na pesquisa, é necessário entender a natureza do objeto
investigado; dentre estes, destacamos Richardson et al (2009), quando afirma sobre a
pesquisa qualitativa
Os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a
complexidade e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais,
contribuir no processo de mudança de determinado grupo e possibilitar, em
maior nível de profundidade, o entendimento das particularidades do
comportamento dos indivíduos. Há, naturalmente, situações que implicam
estudos de conotação qualitativa e, nesse sentido, alguns estudiosos têm
identificado, pelo menos, três: situações em que se evidencia a necessidade de substituir uma simples informação estatística por dados qualitativos [...];
situações em que se evidencia a importância de uma abordagem qualitativa
para efeito de compreender aspectos psicológicos cujos dados não podem ser
coletados de modo completo por outros métodos [...]; situações em que
observações qualitativas são usadas como indicadores do funcionamento de
estruturas sócias. (p.80).
Segundo este autor, os argumentos enunciados desvelam aspectos importantes
da natureza dos objetos que são investigados pela pesquisa qualitativa; no caso dos
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estudos comparativos estes são tratados a partir de uma abordagem funcionalista para
explicar os elementos culturais característicos de um grupo; no caso de si tratar de
estudos sobre a personalidade, atitudes e motivações; no caso de si tratar da importância
das metodologias de observação qualitativa na explicação do funcionamento das
estruturas sociais, pois podem revelar inesperados resultados, obter informações sobre
fenômenos e problemas novos.
No nosso entendimento, restringir-se à apenas a natureza do objeto não é
suficiente, para se caracterizar a pesquisa qualitativa. É preciso ter ciência de outros
elementos integrantes deste processo. A rigor diversos autores têm buscado a
delimitação e compreensão destes elementos característicos do método qualitativo na
pesquisa social, dentre estes, destacamos: Triviños (2008), Gonzaga (2006) e Bogdan e
Biklen (1994). Dos autores citados, a contribuição mais relevante para o campo, recai
sobre os últimos, por se destacarem historicamente no debate sobre os elementos
característicos da pesquisa qualitativa influenciando inúmeros pesquisadores em todo o
mundo.
Esses autores concordam, enquanto elementos característicos da pesquisa
qualitativa que:
1) A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como fonte direta dos dados e o
pesquisador como instrumento-chave.
2) A pesquisa qualitativa é descritiva.
3) Os pesquisadores qualitativos estão preocupados com o processo e não
simplesmente com os resultados e o produto.
4) Os pesquisadores qualitativos tendem a analisar seus dados indutivamente.
5) O significado é de importância vital na abordagem qualitativa.
A estes elementos, Gonzaga (2006) acrescenta:
6) Na pesquisa qualitativa, o pesquisador vê o cenário e as pessoas a partir de uma
perspectiva holísticas.
7) Os pesquisadores qualitativos são sensíveis aos efeitos que eles mesmos causam
sobre as pessoas que são objetos de seus estudos;
8) Os pesquisadores qualitativos tratam de compreender as pessoas dentro do
marco de referência delas mesmas.
9) O pesquisador qualitativo suspende ou afasta suas próprias crenças, perspectivas
e predisposições, vê as coisas como se estivessem ocorrendo pela primeira vez.
10) Os métodos qualitativos são humanistas.
11) Os métodos qualitativos nos mantêm próximos ao mundo empírico.
12) O pesquisador qualitativo é um artesão, pois é instigado a criar seu próprio
método.
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Além destas características, há no campo da pesquisa qualitativa a compreensão
de que esta abordagem é ampla, oferecendo uma variedade de métodos, dos quais
mencionamos alguns, apropriando-nos de Gonzaga (2006, p.75): estudos de caso,
investigação-ação, antropologia cognitiva, análise de conteúdo, investigação holística,
análise conversacional, estudos “Delphi”, pesquisa descritiva, pesquisa direta, análise
do discurso, estudo de documentos, psicologia ecológica, criticismo educativo,
etnografia educativa, etnometodologia, hermenêutica, avaliação interpretrativa, estudos
sobre biografias ou histórias de vida, pesquisa participante, avaliação qualitativa,
interacionismo simbólico, entre outras. Devido às limitações do trabalho, não será
possível reportar comentários a cada tipo de pesquisa enunciado, uma vez que nosso
intuito é o de apenas caracterizar em linhas gerais a pesquisa qualitativa.
No entendimento de Bauer e Gaskell (2010) a maneira como a pesquisa
qualitativa vem sendo delineada ao longo de sua evolução “emblemática”, permitiu
desenvolver algumas possibilidades na elaboração de pesquisas, sobretudo no tocante a
construção do corpus nas ciências sociais, pois “à medida que a pesquisa qualitativa vai
ganhando magnitude crítica, a seleção das entrevistas, dos textos e de outros materiais
exige um tratamento mais sistemático comparável ao da pesquisa por levantamento”
(p.54). Para esses autores, a contribuição da abordagem qualitativa reside no fato de que
é possível ter um entendimento do corpus como um sistema crescente, desde que
observados critérios de relevância, homogeneidade e sincronicidade. Além disso,
lembram e acrescentam a perspectiva histórica, pois os materiais estudados devem ser
escolhidos dentro de um ciclo natural, sincrônicos. A fim de sintetizar as idéias
apresentadas nesta seção, resolvemos trazer em três anexos, um quadro comparativo das
principais características da pesquisa qualitativa. A seguir, abordaremos acerca das
influências destas características da pesquisa qualitativa na pesquisa em educação.
15
4 O método qualitativo e suas contribuições para a pesquisa em educação
Cada vez mais a pesquisa educacional ao longo das últimas décadas vem sendo
influenciada pela pesquisa qualitativa. Esse fenômeno, por um lado, pode ser explicado
pela razão da adoção e interesse mais recorrentes por parte dos pesquisadores em
educação dos métodos qualitativos em suas pesquisas; e, por outro lado, pelo
reconhecimento dos limites do método quantitativo no trato da interpretação dos
fenômenos educativos, devido às dinâmicas que estes têm adquirido na “sociedade do
conhecimento” e no mundo globalizado.
Bogdan e Biklen (1994) apontam três contribuições da pesquisa qualitativa para
o campo educacional. A primeira refere-se ao fato de que a pesquisa qualitativa tem
sido frequentemente usada em estudos que visam à melhoria da eficácia do trabalho
docente. A segunda refere-se ao fato de que a pesquisa qualitativa vem sendo usada nos
estudos de formação inicial e continuada do professor. A terceira refere-se aos estudos
acerca de métodos qualitativos introduzidos, para facilitar a adequação das novas
propostas curriculares no cotidiano escolar. Essa utilização almeja tornar os agentes –
docentes, técnicos administrativos, gestores, discentes, famílias – mais próximos do
processo educacional, refletindo sobre suas práticas cotidianas.
Também, num contexto mais amplo, a pesquisa qualitativa tem contribuído na
construção de novas abordagens nos estudos acerca do entendimento das políticas
educacionais. A exemplo, vários autores, entre eles, Azevedo (2004), propõem uma
intersecção de abordagens, para se estudar as representações sociais dos envolvidos no
processo educacional. Esta tentativa visa superar, além dos limites do método
quantitativo, as abordagens macro-explicativas das políticas educacionais. Assim, esta
proposta de abordagem de interseção busca entender, através do estudo da política
pública, qual a perspectiva (significado/sentido) de sociedade que os fazedores de uma
política possuem, quando tomam determinadas decisões em relação à definição e
formulação da própria política pública. Procura, também, compreender o referencial
normativo – valores – que é a representação social de toda a sociedade, considerando a
dimensão cognitiva (conhecimento técnico-científico e a representação social dos
fazedores da política), e instrumental (medidas de adotadas para resolver os problemas –
instituições, princípios, normas, critérios...) do fenômeno da política educacional.
16
Na realidade, a contribuição da pesquisa qualitativa rompe com a abordagem
seqüencial da avaliação das políticas públicas, uma vez que o foco da pesquisa reside na
identificação do referencial normativo; como também na dinâmica que este adquire no
seu processo de implementação quanto às representações sociais na qual os seus
formuladores e implementadores vão apreendendo este processo, entendendo as
políticas como espaços de disputas para inserir suas estratégias na solução dos
problemas indutores destas políticas. Por essa razão, é possível afirmar que esses
autores propõem um percurso metodológico que provoque uma ruptura paradigmática,
migrando de uma análise pautada na neutralidade, adotada pelo pressuposto positivista;
para uma análise baseada numa concepção teórico-analítica, que avance, articulando
além da análise dos aspectos macro e micro das políticas públicas, para a análise dos
sentidos que a ação do Estado adquire neste processo.
Outra contribuição da abordagem qualitativa importante, refere-se ao
delineamento das discussões, formulações e implementação das políticas avaliativas
educacionais no Brasil no contexto das reformas educacionais. No caso da avaliação da
educação superior, as discussões em torno da qualidade deste nível de ensino
potencializaram a avaliação como ferramenta principal da organização e implementação
das reformas que marcaram este período de reestruturação, desencadeando modificações
nos modelos de regulação, gestão e controle da produção acadêmica das IES. (cf.
CATANI, OLIVEIRA E DOURADO, 2004).
Essas reformas constituíram distintas concepções acerca do papel da educação
superior desvelando tensões paradigmáticas6 no campo da avaliação, alterando a
perspectiva de avaliação institucional7. Essas tensões paradigmáticas materializam-se no
embate entre os que defendem os testes estandardizados e padronizados aplicados pelos
6 Essa tensão paradigmática configura a avaliação da educação superior como um campo político, pois é
mais que uma simples confrontação teórica ou meramente acadêmica de grupos em disputa por uma
hegemonia semântica, “um lugar em que se geram, na concorrência entre agentes [...] produtos políticos,
problemas, programas, análises, comentários, conceitos, acontecimentos, entre os quais os cidadãos
comuns, reduzidos ao estatuto de consumidores devem escolher” (BOURDIEU, 1989, p. 164). Desse modo, observa-se numa perspectiva a preponderância do controle e verticalização da qualidade
articulado ao desempenho e eficiência do sistema de educação superior, reduzindo o conceito de
avaliação às dimensões de supervisão e controle baseado num processo externo de verificação de cursos e
instituições; e noutra, o exercício de práticas avaliativas constituídas a partir da horizontalização da
qualidade, construídas coletivamente, articulando os processos internos institucionais. 7 Essas tensões desvelam-se nas duas últimas décadas em três momentos distintos da avaliação da
educação superior no Brasil, no Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras
(PAIUB), no Exame Nacional de Cursos (ENC/PROVÃO), e no Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Superior (SINAES).
17
governos, baseados no paradigma objetivista/quantitativista (caracterizado pela
mensuração de desempenho e resultados, com o estabelecimento de hierarquias e
rankings entre as IES, na ênfase ao controle técnico-burocrático e aos instrumentos
elaborados exteriormente, testes de larga escala) e os que defendem a avaliação
realizada pela comunidade acadêmica, baseada no paradigma subjetivista/qualitativo
(caracterizado pela perspectiva formativa, emancipatória, transformadora, com ênfase
ao respeito à identidade institucional e a participação democrática significando os
processos e as atividades da comunidade acadêmica) (DIAS SOBRINHO, 2004;
PEIXOTO, 2004).
Considerações finais
Os argumentos acerca da metodologia qualitativa levantados neste trabalho
desvelam as opções, das quais dispõem os pesquisadores sociais, quanto à construção
metodológica de suas pesquisas. No início, afirmamos que a complexidade da vida
social levou vários pesquisadores a questionarem os métodos quantitativos. Talvez, não
seja apenas esta afirmativa a única parte da verdade; mas, também, o reconhecimento
das limitações humanas em conhecer a realidade social, tenha contribuído
decisivamente para o crescimento e consolidação da abordagem qualitativa nas últimas
décadas e sua adoção no campo educacional.
No entanto, é preciso reconhecer que esta opção, quanto aos desvios do método
quantitativo, não se desenvolveu sem lacunas e obstáculos, mesmo sabendo que
ocorreram inúmeros avanços. Há ainda uma longa estrada a percorrer, pois existe a
persistência da proeminência do método quantitativo na pesquisa social, sobretudo
naquelas ligadas diretamente aos interesses de legitimação do Estado e do mercado. A
forma como as tendências da pesquisa qualitativa foram delineadas no último século,
demonstram os seus limites, dificuldades, as recusas e os avanços por parte dos
pesquisadores sociais na aceitação desta via metodológica.
Sem dúvida, é reconhecido que a pesquisa educacional avançou com as
contribuições do método qualitativo por aproximar pesquisadores dos ambientes de
pesquisa e de eliminar a frieza e “neutralidade” dos dados estatísticos, realizando uma
18
análise interpretativa de cunho vertical no dizer de Bauer e Gaskell (2010). No entanto,
esses aspectos têm trazido uma carga de maior responsabilidade dos pesquisadores
qualitativos, sobretudo no campo da educação. E realizar a pesquisa qualitativa em
cursos de pós-graduação, que cada vez mais tem seus prazos para a pesquisa reduzidos,
tem se constituído um grande desafio ao campo. Outro aspecto importante, é que cada
vez mais perceptível as possibilidades de articulação entre os métodos quantitativos e
qualitativos nas pesquisas. Por fim, compreendemos que a polêmicas geradas neste
debate estão longe do fim e que a cada momento podem surgir rupturas abruptas no
desenvolvimento metodológico das pesquisas sociais.
REFERÊNCIAS
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SP: Autores associados, 2004.
BAUER, Martin W; GASKELL, George (orgs.). Pesquisa qualitativa com texto:
imagem e som: um manual prático. Tradução de Pedrinho A. Guareschi, 8ª Ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.
BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação: uma
introdução à teoria e aos métodos. Porto, Portugal: Porto Editora, 1994.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989.
CATANI, Afrânio Mendes; OLIVEIRA, João Ferreira; DOURADO, Luiz Fernandes.
As políticas de gestão e de avaliação acadêmica no contexto da reforma da educação
superior. In: MANCEBO, Deise; e FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque.
(Orgs.) Universidade: políticas, avaliação e trabalho docente. – São Paulo: Cortez,
2004.
CHIZZOTTI, Antônio. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.
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et al. Handbook of qualitative research. London, Sage 1994.
DIAS SOBRINHO, José. Avaliação ética e política em função da educação como
direito público ou como mercadoria? Educação & Sociedade, Campinas, vol. 25, n. 88
p. 703-725, Especial – Out. 2004. Disponível em <http: //www.cedes.unicamp.br>.
Acesso em: ago. 2007.
GONZAGA, Amarildo Menezes. A pesquisa em educação: um desenho metodológico
centrado na abordagem qualitativa. In: PIMENTA, Selma Garrido; GHEDIN, Evandro;
FRANCO, Maria Amélia Santoro (orgs.). Pesquisa em educação: alternativas
investigativas com objetos complexos. São Paulo: Edições Loyola, 2006.
19
GUBA, E; LINCOLN, Y. Competing paradigms in qualitative research. In: DENZIN,
Norman K. et. Al. Handbook of qualitative research. London, 1994.
LANKSHEAR, Colin; KNOBEL, Michele. Pesquisa pedagógica: do projeto à
implementação. Tradução Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 2008.
PEIXOTO, Maria do Carmo de Lacerda. O debate sobre avaliação da educação
superior: regulação ou democratização? In: MANCEBO, Daise; e FÁVERO, Maria de
Lourdes de Albuquerque. (Org.). Universidade: políticas, avaliação e trabalho
docente. – São Paulo: Cortez, 2004.
RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3 ed. São Paulo:
Atlas, 2009.
SILVA, Antônio Carlos Ribeiro de. Metodologia da pesquisa aplicada à
contabilidade: orientações de estudos, projetos, relatórios, monografias,
dissertações, teses. São Paulo: Atlas, 2003.
SILVERMAN, David. Interpretação de dados qualitativos: métodos para análise
de entrevistas, textos e interações. Tradução Magda França Lopes. Porto Alegre:
Artmed, 2009.
STRAUSS, Anselm; CORBIN, Juliet. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos
para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2ª Ed. Tradução Luciane de
Oliveira da Rocha. Porto Alegre: Artmed, 2008.
TRIVIÑOS, Augusto N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa
qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 2008.
VIDCH, A. J.; LYMAN, S. M. Qualitative methods. Their hitory in sociology and
antropology. In: DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S (orgs.). Handbook of qualitative
research. Londres, Sage, 1994.
20
ANEXO 01
Quadro 1 – Expressões, conceitos, afiliação teórica e acadêmica da pesquisa qualitativa
Expressões/frases associadas
com a abordagem
Etnográfico; trabalho de campo; dados qualitativos;
interação simbólica; perspectiva interior; naturalista;
etnometodológico; descritivo; observação participante;
fenomenológico; escola de Chicago; documentário;
história de vida; estudo de caso; ecológico
Conceitos-chave associados
com a abordagem
Significado; compreensão de senso comum; pôr entre
parênteses; compreensão; definição da situação; vida
quotidiana; processo; ordem negociada; para todos os
propósitos práticos; construção social; teoria
fundamentada
Afiliação teórica Interação simbólica; etnometodologia; fenomenologia;
cultura; idealismo
Afiliação acadêmica Sociologia; história; antropologia
Fonte: adaptado de Bogdan e Biklen (1994)
ANEXO 02
Quadro 2 – Objetivos, plano, propostas de investigação, dados, amostra, técnicas ou
métodos da pesquisa qualitativa
Objetivos
Desenvolver conceitos sensíveis; teoria fundamentada;
descrever realidades múltiplas; desenvolver a
compreensão
Plano Progressivo, flexível, geral; intuição relativa ao modo
de avançar
Elaboração das propostas de
investigação
Breves; especulativas; sugere áreas para as quais a
investigação possa ser relevante; normalmente escritas
após a recolha de alguns dados; parcas em revisão da
literatura; descrição geral da abordagem
Dados
Descritivos; documentos pessoais; notas de campo;
fotografias; o discurso dos sujeitos; documentos
oficiais e outros
Amostra Pequena; não representativa; amostragem teórica
Técnicas ou métodos Observação; estudo de vários documentos; observação
participante; entrevista aberta
Fonte: adaptado de Bogdan e Biklen (1994)
21
ANEXO 03
Quadro 3 – Relação com os sujeitos, instrumentos, análise dos dados, problemas com o
uso da abordagem qualitativa
Relação com os sujeitos Empatia; ênfase na confiança; igualdade; contato
intenso; o sujeito como amigo
Instrumentos Gravador; transcrição; frequentemente a pessoa do
investigador é o único instrumento
Análise dos dados Contínua; modelos, temas, conceitos; indutivo; indução
analítica; método comparativo constante
Problemas com o uso da
abordagem
Demorada; difícil a síntese dos dados; garantia; os
procedimentos não são estandardizados; dificuldade
em estudar populações de grandes dimensões
Fonte: adaptado de Bogdan e Biklen (1994)
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