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    PIERRE DE COUBERTIN E A DIMENSO HUMANISTA DO OLIMPISMO

    Origem, Evoluo e Desafios

    Definir Olimpismono fcil e acresce, sobretudo, quando o tempo, a simplificao

    da semntica ou o puro desconhecimento, confundem o termo com os Jogos Olmpicos, com

    Olimpada, com o Olimpo ou mesmo com a prpria Olmpia. E isto verifica-se um pouco por

    todo o mundo1.

    Esta dificuldade adensa-se se considerarmos, por outro lado, que a prpria aceo deOlimpismo contm em si diferentes realidades ou dimenses, nomeadamente:

    - Dimenso Histrica - Estudo da Histria do Movimento Olmpico e dos Jogos Olmpicos,

    antigos e modernos;

    - Dimenso Desportiva Ligada cultura da excelncia na performance desportiva e

    observncia das regras do jogo2;

    - Dimenso Sociolgica Avaliao do impacto da ao do Movimento Olmpico ou da

    organizao dos Jogos Olmpicos na sociedade ou numa determinada comunidade3;

    1Numa recente entrevista concedida publicao Kelfi News (#8 Dez-Jan 15), Jean Vintzel, Presidente

    da Academia Olmpica Nacional Francesa, admitia que a maioria dos franceses no distingue entre

    Olimpismo e Jogos Olmpicos.

    2Veja-se o objeto de ao das diferentes Federaes Internacionais (FIs), reconhecidas expressamente

    pela Carta Olmpica, como parte integrante do Movimento Olmpico.

    3Considere-se, por exemplo, os estudos levados a cabo a propsito dos benefcios da disseminao do

    denominado desporto para todos na melhoria generalizada da condio fsica de determinada

    populao, ou do despertar de uma conscincia social para o fenmeno Olmpico, atravs do impactopositivo gerado pela organizao dos Jogos Olmpicos.

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    - Dimenso Poltica Impacto de um acontecimento Olmpico na poltica interna de um

    determinado Estado, na diplomacia entre Estados ou no posicionamento estratgico da

    denominada Comunidade Internacional4

    .

    - Etc.

    Em 2010, Jacques Rogge, ento presidente do Comit Olmpico Internacional, afirmou5:

    O Olimpismo Educao de gente jovem

    Nesta perspetiva, o Olimpismo j no surge enquanto conceito vago ou abstrato. Ao

    associar o Olimpismo misso de educar os Jovens, o ento Presidente do COI, procurou ir ao

    encontro da viso originalmente concebida por Pierre de Coubertin, e que conseguimos

    igualmente identificar no ponto 1. dos Princpios Fundamentais da Carta Olmpica,

    aproximando-se de uma abordagem muito concreta: a dimenso humanista do Olimpismo.

    Pierre de Coubertin, cidado francs, nasceu em Paris no dia 1 de Janeiro de 1863 e foi

    o criador e principal mentor do Movimento Olmpico durante as primeiras dcadas da sua

    existncia, tendo sido igualmente crucial no processo de criao dos Jogos Olmpicos da Era

    Moderna.

    Na sua viso, o Olimpismo , sobretudo, uma obra pedaggica, com a potencialidadede poder ser assumida, por qualquer Ser Humano, enquanto filosofia de vida, onde o

    desporto representa um meio e no um fim, e assume posio enquanto dinamizador da

    4Assinale-se os boicotes participao nos Jogos Olmpicos de 1980 e 1984 promovidos pelos blocos

    polticos, liderados respetivamente por EUA e Unio Sovitica, ou o posicionamento da Comunidade

    Internacional no intuito que a frica do Sul fosse excluda da participao nos Jogos enquanto vigorasse

    o regime do Apartheid.

    5

    Afirmao proferida no discurso perante a Assembleia Geral da Associao dos Comits OlmpicosNacionais (ACNO), durante a sua XVII Sesso em Acapulco, Mxico (21-23 Outubro).

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    vontade e correia de transmisso de valores civilizacionais, resultantes de uma corrente

    ininterrupta de pensamento humano, com origem na Antiga Grcia.

    De facto, a prpria denominao Olimpismo, resulta dessa homenagem Antiguidade,

    que sabemos, suscitava em Coubertin uma espcie de inspirao romntica, filosofia para a

    qual, a celebrao dos Jogos Olmpicos da Era Moderna deveria constituir a mais visvel

    forma de divulgao.

    Neste sentido, possvel identificar quatro grandes fontesna gnese do Olimpismo,

    isto , na construo da sua dimenso humanista:

    - A Grcia Antiga;

    - O Esprito Cavaleiresco;

    - Os Ideais das Luzes;

    - O modelo pedaggico assente no desporto promovido pelos educadores anglo-saxes;

    So de fcil compreenso os laos que ligam o Olimpismo Antiguidade Helnica.

    Recorde-se, Coubertin inspirou-se no festival religioso celebrado em Olmpia6para denominar

    o seu prprio evento moderno.

    Mas a influncia gerada pelos antigos helenos, extravasa em muito a pura associao

    aos Jogos Olmpicos, para se centrar no prprio legado civilizacional e, mais concretamente,

    num determinado modelo de organizao poltico-social: a Plis7.

    6Olmpia acolheu durante mais de um milnio (as fontes escritas apontam 776 A.C. como data de incio,

    sendo de crer, todavia, que j se realizassem antes), os Jogos Olmpicos, celebrao organizada em

    honra de Zeus e o mais importante evento de um calendrio quadrienal Os Jogos Pan-helnicos (ou

    seja, para todos os gregos) que inclua igualmente celebraes em Nemeia (Jogos Nemeus), Delfos(Jogos Pticos) e no Istmo de Corinto (Jogos stmicos).

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    No contexto do sculo VIII A.C., a Plis ou Cidade, assumia-se como um agente

    formador dos seus cidados, empenhada na promoo de uma aprendizagem diversificada de

    contedos, que preparassem o cidado para a vida, mas igualmente na promoo de uma

    determinada conduta e modelo de carter, sintetizado na expresso Kalos Kagathos, ou seja, o

    desenvolvimento harmonioso do indivduo (ideal cavaleiresco de beleza fsica e intelectual e

    bondade espiritual), que se ligava por sua vez ideia de Aret, um alto ideal de virtude moral,

    caracterstica dos heris homricos e concretizado numa conduta corts e distinta.

    Esta simbiose, produto da Paideia8, era alis produto da influncia gerada pelos

    poemas de Homero e de Hesdono9, que alis constituam a matriz educativahelnica, e um

    ideal de vida, cujos cidados deviam demonstrar com especial nfase aquando da sua

    participao nos festivais pan-helnicos, onde, precisamente, se homenageava a divindade

    e se superava o antagonismo reinante entre as diferentes cidades, pela evidenciao das

    caractersticas civilizacionais comuns de todo um povo: entre elas, Kalos Kagathos e Aret10.

    Com o advento do perodo Helenista11 e mais tarde a conquista romana, o papel

    formador da Plis desvaneceu-se, sendo substituda pelo emergir de novas correntes

    filosficas e pela atividade dos sofistas (professores privados), acabando por elitizar o

    processo educativo.

    O fim do Imprio Romano e a ascenso da Igreja, elitizam ainda mais esse processo,

    centrando-o na recluso dos mosteiros. Se de facto, o surgimento das Universidades, j na

    baixa Idade Mdia, contribuiu para a disseminao do conhecimento, a verdade que essa

    circulao realiza-se ainda em circuito fechado. As massas esto alheadas da Educao. Ainda

    7Muitas vezes traduzida por Cidade-Estado, a amplitude do seu termo , porm muito mais vasta,

    tanto mais que Plis no se identifica com o local fsico da cidade, mas antes com o conjunto dos seus

    cidados.

    8

    Do grego paidos (criana), significava criao de meninos e estava ligada a um ideal de formao

    educativa que procurava desenvolver o homem em todas as suas potencialidades e assim poder cumprir

    melhor os seus deveres de cidado.

    9A Ilada e A Odisseia de Homero e Os Trabalhos e os Dias de Hesdono. Odisseus (ou Ulisses na

    verso latina), heri dA Odisseia era particularmente admirado pela sua inteligncia e capacidade de

    superar desafios e provaes nos mais diferentes domnios, constituindo o modelo que todos os gregos

    ambicionavam igualar.

    10Os antigos, acreditavam que os deuses concediam a vitria (simbolizada pela deusa Nike que descia

    dos Cus ao encontro do vencedor) ao mais digno e valoroso dos atletas.11

    Geralmente caracterizado pela hegemonia Macednia e pela perda de importncia da Plis.

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    assim, o ideal cavaleiresco, sobrevivenos romances, histrias e canes de cavalaria12e nos

    prprios ideais de conduta da nobreza, que os exercitam nas Justas e nas Cortes.

    com o Renascimento que se assinala um momento histrico fulcral. O surgimento do

    Movimento Humanista, reclamando um regresso antiguidade clssica e o afastamento do

    teocentrismo, para colocar o Homem no centro do Universo. Esta nova ideia, representa uma

    quebra com o passado: os estudiosos focam-se na compreenso do Homem e nas formas de

    assegurar o seu desenvolvimento, relegando a teologia e a metafsica para segundo plano.

    Este Movimento potenciado pelas prprias inovaes da poca, como a inveno da

    imprensa mecnica ou a revoluo cultural suscitada pela idade das descobertas, pela

    redescoberta das civilizaes clssicas ou pelo patrocnio dos mecenas.

    Por outro lado, melhores condies alimentares e progressos na medicina reduzem a

    mortalidade infantil e aumentam a esperana mdia de vida. As crianas passam a ter rosto e

    um futuro previsvel, levando a crescente burguesia(nova classe endinheirada que emerge do

    povo) a olhar para a educao dos filhos como uma formade promover a sua ascenso social.

    Assiste-se assim a um aumento do nmero de estabelecimentos de ensino, orientados

    pela influncia dos humanistas, dedicados cada vez mais ao desenvolvimento de teorias

    pedaggicas que cumpram com o derradeiro objetivo de aperfeioamento do Homem13.

    Ao Renascimento sucede o perodo Iluminista, ou Sculo das Luzes. Se o primeiro

    promoveu uma imitao da civilizao clssica, o segundo olhou para esses modelos do

    passado enquanto bases de reflexo e inovao.

    a poca do Ideal do Homem Esclarecido e da conscincia do eterno

    aperfeioamento que sempre deve presidir existncia humana14. Ousar saber era o

    princpio que guiava o Iluminismo. A experincia passa a ser a base do conhecimento:

    desenvolve-se o mtodo cientfico e a subordinao da teoria prtica.

    Esta nfase no esclarecimento Humano conduz ao natural desenvolvimento da

    educao e ao emergir de novos estudos sobre o tema. Todavia, a prtica revela que, apesar

    12 Recordemos a lenda do Rei Artur e os Cavaleiros da Tvola Redonda nas Ilhas Britnicas ou a

    Cano de Rolando em Frana.

    13

    Em Frana, por exemplo, Montaigne faz apologia do igual desenvolvimento fsico e intelectual.14

    Ideais que estaro na base das Revolues Americana (1776) e Francesa (1789).

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    de todo o dinamismo filosfico, a pedagogia educativa ainda tributria de uma herana

    medieval, vincadamente terica e soturna.

    No Reino Unido, alguns colgios instauram uma nova dinmica, fazendo acompanhar

    o ensino das cincias com a introduo do desporto, um novo conceito que, mais do que

    promover o exerccio fsico, dotava a sua prtica de regras e metforas cujos objetivos

    pretendiam, no s promover o bem-estar, mas igualmente a tica e um conjunto de valores

    pessoais e sociais capazes de afastar os jovens do vcio ou de atividades degradantes do

    carter15.

    Tambm em Frana, o Marqus de Condorcet16, em pleno perodo revolucionrio

    (1791), dirige-se Assembleia Nacional, num discurso de especial eloquncia, em prol da

    educao pblica e universal que contemple o desenvolvimento harmonioso das faculdades

    fsicas, intelectuais e morais de todos os cidados.

    Todavia, ao contrrio da estabilidade britnica, os primeiros 70 anos do sculo XIX em

    Frana, so uma poca de forte convulso social e poltica, onde se sucedem os regimes e as

    ideologias.

    Depois da queda do II Imprio, em 1870, a Frana que reemerge das cinzas uma

    nao ferida, em busca de uma identidade forte, capaz de reerguer o seu prestgio aos olhos

    dos cidados. A III Repblica volta-se para os ideais da Revoluo Francesa, que pretende

    recuperar e difundir, sobretudo atravs da educao pblica, laica e universal.

    Coubertin colabora com o Governo, realizando diversas viagens a Inglaterra e aos EUA

    sob os auspcios do Ministrio da Instruo Pblica, onde encontra um sistema capaz de

    Rebronzer la France. O grande rosto desta causa Republicana , alis, o estadista Jules

    Simon, figura destacada do regime que, em 1888, apoia Pierre de Coubertin na formao do

    15 o conceito de Cristos Musculados, que Coubertin haveria de encontrar, por influncia de

    Hippolyte Taine as suas Notes sur Angleterre, no romance de Thomas Hugues, publicado em 1857,

    Tom Browns School Days, onde se relata uma histria vivida durante os anos de 1830, na escola

    masculina de Rugby e os impactos das reformas educativas institudas pelo Diretor, Dr. Thomas Arnold.

    16Nicolas de Cariat, Marqus de Condorcet, notvel filsofo, defensor da igualdade entre raas, dos

    direitos das mulheres e da educao pblica e universal. Foi autor da obra Quadro Histrico do EspritoHumano onde afirma a sua f no progresso e na vontade de aperfeioamento do Ser Humano.

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    Comit pour la Propagation des Exercises Physiques, tambm conhecido por Comit Jules

    Simon e que, em 1890, dar origem USFSA17.

    Mas Coubertin ambicionava mais do que apenas aportar contributos ao

    aperfeioamento do sistema educativo francs. Para o jovem que considerava a evoluo

    pedaggica ainda muito longe dos progressos cientficos e tecnolgicos do seu tempo, a

    soluo preconizada para o aperfeioamento do Homem e da Humanidade, envolvia a

    popularizao e democratizao do desporto escala global, conceito que percebia como uma

    poderosa correia de transmisso de aprendizagens ticas e dinamizadora de uma cultura de

    vontade18 atinente ao desenvolvimento integral, pessoal e social, tendo em vista a paz

    duradoura entre os povos e as naes do mundo. Era necessrio reformar a sociedade pela

    educao das massas.

    Se em suma, no rescaldo desta evoluo histrica, podemos afirmar o Olimpismo, na

    sua dimenso humanista, como uma filosofia de vida baseada em ideais humanistas e

    universalistas, onde o desporto encarado como facilitador dos objetivos de

    aperfeioamento pessoal e social e da paz, to ou mais importante o movimento evolutivo

    que lhe inerente.

    Esta , vincadamente, uma filosofia de origem Europeia mas que, simultaneamente,

    contm em si aspiraes universais, atravs da preposio de um conjunto de valores e ideias

    transversais s mais diferentes culturas.

    De facto, como uma vez afirmou o Comandante Vicente Moura, a evoluo do

    Olimpismo corresponde evoluo da prpria humanidade. Hoje representam preocupao

    do Movimento Olmpico temas to diversos como a proteo do ambiente e a sustentabilidade

    dos recursos, a integrao da mulher, ou o combate pobreza e excluso social. Tudo isto

    so reflexos da dimenso humanista do Olimpismo e esta constitui, sem dvida, uma forma

    pertinente de o Movimento Olmpico reforar a sua importncia junto do cidado comum.

    Nesta medida, e procurando concretizar a afirmao de Jacques Rogge, ser

    fundamental ter em linha de conta:

    17Union des Socits Franaises de Sports Athltiques, cujo smbolo consistia em dois anis entrelaados

    e cujo lema do seu primeiro campeonato atltico foi Citius, Altius, Fortius, de acordo com proposta

    efetuada pelo seu presidente honorrio, Henri Didon (e que em 1924, seria adotado como lema

    Olmpico.

    18A vontade uma coisa extraordinria: por ela tudo se consegue e sem ela, nada se faz Pierre deCoubertin.

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    A dimenso humanista do Olimpismo reclama um lugar de destaque, jamais podendo

    ser tratada como um paliativo, face ambio de obter resultados enquanto um fim (e

    no um meio), no qual o desporto de competio se transformou.

    Os Comits Olmpicos e Paralmpicos so subvencionados na medida dos resultados

    obtidos nas grandes competies Internacionais. Esse paradigma tem de ser revisto,

    porquanto os governos devem reconhecer o papel fundamental destas instituies

    enquanto promotoras da filosofia do Olimpismo, nomeadamente atravs das

    Academias Olmpicas.

    necessrio reforar a ao humanista dos movimentos Olmpico e Paralmpico,

    nomeadamente atravs da educao, estabelecendo uma parceria efetiva com o

    Estado, na promoo social do Ideal Olmpico num todo, e no apenas associado

    prtica desportiva.

    A Academia Olmpica Internacional, enquanto herdeira do esprito reformador e das

    aspiraes educativas de Pierre de Coubertin, deve assumir-se enquanto entidade

    verdadeiramente universal e representar uma voz prpria e ativa na definio dos

    daquilo que a linha condutora da educao a nvel internacional (nomeadamente

    organizaes internacionais desse foro), articulando com as Academias Nacionais

    formas de ao e presso junto das entidades governamentais nacionais.

    Porque todos somos obreiros da evoluo do Olimpismo e a nossa ao que faz

    progredir esta causa.

    Gustavo Soares Marcos

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    ANEXO I

    Em finais de 1918, incios de 1919, Coubertin publicou 21 Cartas Olmpicas no jornal

    de Lausanne, La Gazette. O objetivo destas cartas era suscitar a simpatia dos leitores no

    apoio causa do Olimpismo e ao trabalho realizado em Lausanne pelo Movimento Olmpico,

    tal como o Instituto Olmpico.

    Na sua Carta Olmpica III, datada de 26 de Outubro de 1918, Coubertin expressa a

    sua preocupao relativamente aos princpios gerais de educao que tomam apenas em

    considerao a existncia do esprito e do corpo. O Olimpismo, pelo contrrio, tem um

    horizonte amplo e aberto.

    ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    CARTA OLMPICA III: OLIMPISMO E EDUCAO

    Algures, Montaigne escreveu que devamos imaginar o corpo e a alma como doiscavalos atrelados ao mesmo eixo. Ele atrela a dois. Eu prefiro atrelar a quatro, e distinguir no

    apenas o corpo e a mente, o que demasiado redutor, mas sim os msculos, o entendimento,

    o carter e a conscincia. Aqui esto os que correspondem aos quatro deveres do educador.

    Mas quer num, quer noutro caso, trata-se de uma atrelagem e justamente o grande defeito da

    pedagogia moderna, que ela j no conhece a arte de atrelar, que como quem diz, de

    reunir a ao de foras diversas numa convergncia harmoniosa. Permitiu-se ser levada pela

    compartimentalizao extrema, pela qual foi ento arrastada. Cada fora trabalha

    isoladamente, sem qualquer ligao ou contacto com outra. Se o tema so os msculos, a

    nica coisa que querem ver a funo animal. Se se trata do crebro, tratam-no como se o

    pensamento fosse composto por pequenos compartimentos estanques. A conscincia

    territrio exclusivo da religio. E quanto ao carter ningum quer assumir a

    responsabilidades. Em pouco tempo, o homem educado vai acabar por parecer um daqueles

    mosaicos primitivos, cujas peas formam imagens cruas e rgidas. Que declnio em comparao

    pedagogia Grega, que era to lcida e transparente!

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    Pois bem, no escondamos o facto que o Olimpismo uma reao contra estas

    tendncias infelizes. O Olimpismo recusa fazer da educao fsica uma coisa meramente

    fisiolgica e qualquer tipo de desporto um exerccio separado e independente. Recusa

    catalogar o conhecimento e classifica-lo em categorias isoladas. O Olimpismo recusa aceitar a

    existncia de uma educao de luxo reservada s classes abastadas, sem que a mesma seja

    partilhada com as classes trabalhadoras. Recusa condensar a arte em comprimidos que cada

    um tome a horas fixas e a estabelecer horrios para reflexo que lembram os de uma estao

    de comboios. O Olimpismo um destruidor de barreiras. Reclama ar e luz para todos.

    Preconiza uma educao desportiva generalizada, acessvel a todos, aparada com coragem viril

    e esprito cavaleiresco, misturada com manifestaes estticas e literrias, servindo de motor

    vida nacional e base vida cvica. Este o programa ideal. Agora pode ser concretizado?

    Em: La Gazette de Lausanne, n. 294, 26 de Outubro de 1918, p. 1