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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINASINSTITUTO DE ARTES
BANDA DE PFANOS DE CARUARUUma anlise musical
Carlos Eduardo Pedrasse
Campinas 2002
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINASINSTITUTO DE ARTES
Mestrado em Artes
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BANDA DE PFANOS DE CARUARUUma anlise musical
CARLOS EDUARDO PEDRASSE
Dissertao apresentada ao Curso deMestrado em Artes do Instituto de Artesda UNICAMP como requisito parcialpara a obteno do grau de Mestre emArtes sob a orientao do Prof. Dr. JosRoberto Zan
CAMPINAS 2002
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FICHA CATALOGRFICA
Preparada pela Biblioteca Central da UNICAMP
Pedrasse, Carlos Eduardo.P342b Banda de Pfanos de Caruaru: uma anlise musical /
Carlos Eduardo Pedrasse. -- Campinas, SP: [s.n.], 2002.
Orientador: Jos Roberto Zan.Dissertao (mestrado) Universidade Estadual deCampinas, Instituto de Artes.
1. Bandas (Msica). 2. Msica - Anlise, apreciao.3. Msica folclrica. 4. Instrumentos musicais. 5. MsicaLatino americana. 6. Grupos de musica country. I. Zan, JosRoberto. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto deArtes. III. Ttulo.
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Ao amigo e irmo SebastioBiano que me mostrou muitas emelhores coisas alm daquelasque eu procurava.
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Agradeo,
A minha me, pela compreenso, f e ajuda inestimvel.A Eduardo Ribeiro, pelo excelente trabalho de consultoria.A Pedro Paulo Santos, pelo apoio e companhia constante.A Gustavo Graudenz, pelos estmulos e esclarecimentos.A Evandro e Carmen, por mostrarem horizontes em horas difceis.A Ivan Vilela pelas indicaes e pelo exemplo.A Edson Soares, por me colocar em contato com o grupo.Aos moradores de Caruaru, pela ajuda na pesquisa de campo: Alexandre e todogrupo Zabumba Bacamarte, famlia Biano e especialmente o professor AnselmoDuarte pela sua eterna pacincia e interesse.As funcionrias do IEB-USP, pela ajuda na pesquisa bibliogrfica.
A Vivien, da Secretaria da Ps-Graduao do IA-UNICAMP, pela eterna disposioem ajudar.A minha av Leonilda e meus irmos Rodrigo e Renato, pela segura retaguarda.A Banda de Pfanos de Caruaru: Sebastio Biano, Jos Biano, Amaro Biano,Gilberto Biano, Joo Biano e o finado Benedito Biano. Por toda ajuda, colaboraoe bom humor.A Marcelo Effori, Luciana Horta e Jos Nigro, pela amizade.A Bruno Bonna, pelas informaes e constante f no trabalho.A Remo Pellegrini, pelos excelentes trabalhos prestados e pela amizade leal.A Pacheco, pela preocupao carinhosa na indicao dos caminhos possveis.A Adelvane Nia e Cid Frana, pelo acolhimento, irmandade e ajuda.A Pedro Macedo e Joo Carlos Macruz, pela confiana.
A Julieta, pela constante e segura presena.A Soninha pela ajuda atemporal.A Chico Pedro, por sempre mostrar diferentes perspectivas.A Larry Crook, pela prontido em ajudar.A Rafael dos Santos e Esdras, pelo amvel apoio.A Sr. Edson da Cantina do IA, por toda compreenso e ajuda em uma fase difcil.A Jorge Lampa e Luiz Haddad, pelo compartilhar.A Cludio, pelo ombro amigo e os excelentes lanches noturnos.A cidade de So Paulo, pelas oportunidades.A todos que realmente acreditaram na realizao desta dissertao.
Ao meu orientador Jos Roberto Zan, pela orientao.
A FAPESP, pela Bolsa de Mestrado de vinte e quatro meses.
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Resumo
Nesta dissertao estudamos os aspectos musicais da obra da Banda de Pfanos de
Caruaru.
A Banda de Pfanos de Caruaru foi o grupo cabaal que obteve maior repercusso
junto aos meios de comunicao e de carreira fonogrfica mais estruturada do pas. Esses
fatos nos levaram a buscar, as caractersticas musicais que permitiram a um grupo de
origem folclrica chegar a lanar sete trabalhos fonogrficos pelas maiores gravadoras do
pas e obter grande reconhecimento no meio artstico.
As anlises centraram-se numa amostra significativa da obra do grupo, que foi
abordada sob aspectos meldicos, rtmicos e harmnicos. Procuramos revelar as matrizes
musicais do grupo e como ela se amalgamaram para formar a sua sonoridade. Tambm
analisamos as transformaes estilsticas no decorrer da insero do grupo no mercado.
Para uma melhor compreenso dos aspectos musicais, realizamos uma pesquisa
sobre a histria do grupo. Tambm foi feita pesquisa sobre as origens das bandas cabaais
visando-se contextualizar de forma mais abrangente as anlises musicais e histricas.
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ndice
INTRODUO................................................................................................................15
1. BANDAS DE PFANO............................................................................................ 19
1.1. Definies ......................................................................................................21
1.2. Origens..........................................................................................................26
2. INCIO E FORMAO DO GRUPO..................................................................... 41
2.1. A gnese ........................................................................................................ 432.1.1. O encontro com Lampio ....................................................................... 50
2.1.2. A Novena................................................................................................. 53
2.2. Caruaru e a formao do grupo.................................................................... 61
3. A INSERO NO MERCADO FONOGRFICO .................................................. 73
3.1. O encontro com Gilberto Gil ........................................................................ 75
3.2. A gravao do primeiro disco ....................................................................... 77
3.3. Anos 70: a consolidao da carreira.............................................................83
3.4. Anos 80 e 90: dificuldades profissionais ..................................................... 85
3.5. A retomada da carreira fonogrfica.............................................................. 87
3.6. Direitos autorais ...........................................................................................90
3.7. Apresentao da discografia do grupo ......................................................... 94
4. A ANLISE MUSICAL......................................................................................... 121
4.1. Objetivos da anlise musical ...................................................................... 123
4.2. O material ................................................................................................... 124
4.2.1. Recolhimento e processamento............................................................ 124
4.2.2. Os processos de seleo e transcrio ...................................................125
4.2.3. Dificuldades encontradas nas transcries, problemas da notao
convencional e solues encontradas ..................................................... 128
4.3. Metodologia das anlises............................................................................. 131
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ndice de figuras
Fig. 1 Banda de Pfanos de Caruaru, 1941 ................................................................ 65
Fig. 2 Benedito e famlia ........................................................................................... 65
Fig. 3 Sebastio e famlia. ........................................................................................ 65
Fig. 4 A Banda no meio do povo, anos 50................................................................. 66
Fig. 5 Anos 50, os netos de Manoel comeam a ensaiar .......................................... 66
Fig. 6 Festa dos Bacamarteiros em Caruaru, dcada de 60 ..................................... 67
Fig. 7 A Banda dos anos 60....................................................................................... 67
Fig. 8 Praa do Lactrio. Caruaru, dcada de 60...................................................... 68
Fig. 9 A Banda no fim dos anos 60 ...........................................................................68
Fig. 10 Indo para a Novena, anos 60.......................................................................... 69
Fig. 11 Rua Sete de Setembro, Caruaru, anos 30 ....................................................... 69
Fig. 12 Tocando na festa, anos 60 .............................................................................. 70
Fig. 13 Praa Joo Pessoa. Caruaru, dcada de 50..................................................... 70
Fig. 14 Benedito e Sebastio, dcada de 60................................................................. 71
Fig. 15 Rio Ipojuca, Caruaru, 1958 ..............................................................................71
Fig. 16 Na redao do Jornal Alvorada em Caruaru, anos 60.................................... 72
Fig. 17 Tocando na praa, Caruaru, anos 70 .............................................................. 72
Fig. 18 Fazendo animao do concurso de Miss Caruaru, anos 60 ........................... 72
Fig. 19 Na poca da gravao do 1 disco.................................................................. 111
Fig. 20 A Banda em uma temporada na cidade de Braslia, anos 70 ........................ 111
Fig. 21 Apresentao em So Paulo, dcada de 70.................................................... 112
Fig. 22 Benedito e Sebastio, dcada de 70............................................................... 112
Fig. 23 Encenando uma cerimnia de Novena, dcada de 70................................... 113
Fig. 24 Encenando a Briga do Cachorro com a ona, dcada de 70.......................... 113
Fig. 25 Joo Biano em show ns cidade de So Paulo, dcada de 70 .........................114Fig. 26 Apresentao no Rio de Janeiro, dcada de 70 ............................................. 115
Fig. 27 Apresentao no programa de Hebe Camargo, dcada de 70....................... 115
Fig. 28 Revista Veja, 28/08/72.................................................................................. 116
Fig. 29 Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 4/3/74....................................................... 117
Fig. 30 Anos 90, quando Edmilson do Pife substituiu Benedito Biano ....................118
Fig. 31 O grupo preparando-se para uma apresentao, fim dos anos 90 ...............118
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Introduo
No panorama musical nordestino encontramos um tipo de formao musical que
se destaca pela sua peculiaridade: as Bandas de Pfanos. Estes grupos, tambm chamados
de cabaais, so formaes musicais que utilizam instrumentos de sopro e percusso,
cuja origem remota. So encontradas em quase todos os estados do Nordeste e durante
muitos anos constituram parte importante das manifestaes musicais das comunidades
da regio. Participando de manifestaes sagradas e profanas, as bandas de pfano
guardam elementos tcnicos e estticos de pocas longnquas.
Dentre as bandas de pfano brasileiras a que mais se destacou nos meios
miditicos e a que teve uma obra fonogrfica mais estruturada foi a Banda de Pfanos de
Caruaru. Fundada no ano de 1924, dentro da famlia Biano, esta banda cabaal sofreu
transformaes ao longo da sua histria at ser lanada no mercado fonogrfico na
dcada de setenta. Construindo entre percalos a sua carreira, o grupo atuante at hoje.
Embora seja o grupo cabaal mais conhecido no pas ainda no haviam sido
realizados estudos musicais sobre o mesmo. Encontramos obras que estudaram outras
bandas cabaais, mas nenhuma especfica sobre o grupo de Caruaru. Esta dissertao
contm anlises da obra musical do grupo visando identificar suas caractersticas
musicais, as matrizes dessas caractersticas e as transformaes que as mesmas sofreram
no decorrer do tempo. Esses questionamentos tornam-se oportunos quando verificamos
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que, embora estruturalmente a Banda de Pfanos de Caruaru seja idntica a vrias outras
bandas cabaais do nordeste, foi ela que mais se destacou no cenrio fonogrfico
brasileiro.
Tambm realizamos um estudo da histria do grupo com o objetivo de
contextualizar o seu surgimento e desenvolvimento. Isso foi feito para um melhor
entendimento sobre as anlises musicais, como tambm para relacionar holisticamente a
trajetria histrica e o desenvolvimento profissional e musical do grupo.
A apresentao da pesquisa est dividida em quatro captulos. No primeiro
definimos o que vem a ser uma banda de pfanos. Para isso utilizamos a bibliografia jexistente sobre o tema, procurando confrontar as opinies de diversos autores. Com a
sntese desses vrios enfoques definimos o tipo de formao musical a qual pertence o
nosso objeto de estudo. Neste mesmo captulo discorremos sobre a origem das bandas de
pfano. Esta parte da anlise confronta a bibliografia sobre o tema com as caractersticas
musicais originrias de vrias culturas encontradas nas bandas cabaais procurando
encontrar relaes entre elas.
O segundo captulo relata o surgimento do grupo, o meio scio-cultural do qual
pertenceram seus integrantes e as primeiras formaes da Banda de Pfanos de Caruaru.
O terceiro captulo discorre sobre a insero do grupo no mercado fonogrfico,
focando especialmente a gravao do primeiro disco. Tambm descreve-se a carreira
musical do grupo, as questes financeiras e o impacto da mudana para a cidade de So
Paulo.
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O quarto captulo trata da metodologia utilizada nas anlises musicais, o material
recolhido, as caractersticas dos instrumentos do grupo, a tcnica utilizada para execut-
los, bem como os resultados dessas anlises.
Por fim, no apndice, apresentamos as transcries completas das msicas
analisadas, o que constituem um til material para a compreenso das anlises musicais.
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1. BANDAS DE PFANO
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especificar um instrumento em particular1, comumente usado para nomear as bandas
de pfano. Cmara Cascudo refere-se a esse tipo de formao instrumental como
Esquenta-Mulher e Cabaal.(Cascudo, 1999, p.925).
Percebemos com isso que h diversos nomes para o mesmo tipo de conjunto.
Cabaal, segundo Andrade, Formao instrumental encontrada no nordeste, o mesmo
que msica cabaal, com dois pfanos, um zabumba e uma caixa de guerra2 (Andrade,
1989, p.77). Para o mesmo termo, Cascudo apresenta a seguinte definio: Conjunto
instrumental de percusso e sopro, (...). Constituem um cabaal, dois zabumbas, espcies
de bombos ou tambores, e dois pifes (...). (Cascudo, 1999, p.202).Digues Jnior refere-se ao termo Esquenta-mulher no seguinte aspecto:
As orchestras negras por excelncia so as que acompanham as suas dansas religiosas e
das que o negro influenciou duas se destacam. Uma a carapeba, orchestra typica de
instrumentos de metal e percusso. Outra, ainda mais curiosa, chamada esquenta-
mulher, que muita gente confunde com a carapeba. Compe-se geralmente de trs
pfanos e uma zabumba. (...). (Digues Junior, 1940, p.302).
O pesquisador Martin Braunwieser, que durante as dcadas de trinta e quarenta
do sculo passado pesquisou essas formaes instrumentais no Nordeste, se refere s
mesmas como cabaais. Relatando sobre a formao instrumental desses grupos, o
autor escreve:
1 Instrumento (de percusso). Variante do bumbo. (...). Tambor grande, com duas membranas, percutido naposio vertical com duas vaquetas. O mesmo que xabumba ou bombo.(Andrade, 1989, p.577).2 Instrumento de percusso, muito usado nas bandas militares, de fuste [corpo principal do bombo e do tambor]mdio e bordes na membrana inferior. Tambm conhecido como caixa clara, pode ter registro de contralto ousoprano, dependendo de suas dimenses.(Andrade, 1989, p.80).
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Compe-se o conjunto de quatro instrumentos: doispifes e doiszabumbas. H excees:
as vzes falta o segundo pifista tambm pifeiro ou deixa de tocar; outras vzes h
mais de dois tocadores e todos querem participar: chega a haver seis pifistas, trs
tocando a primeira parte e outros trs a segunda. (...). Lugares h em que no existemdoiszabumbas; ento entra em substituio um tar3 ou qualquer outro instrumento de
percusso, mas nunca vi um instrumento de percusso do tipo cabaa. Uma coisa,
porm, certa: todos os tocadores com que falei afirmam que o conjunto deve conter dois
pifes e doiszabumbas. (Braunwieser, 1946, p.603).
Logo a seguir, Braunwieser relata mais uma variante do cabaal: Em Alagoa Nova
(Paraba), vi um cabaal com um s pife e apenas um zabumba talvez por ausncia oumolstia dos outros integrantes do conjunto (Braunwieser, 1946, p.606).
Oneyda Alvarenga descreve o cabaal como:
Nome com que pelo menos na Paraba, em Pernambuco e no Cear designado um
conjunto instrumental composto comumente de dois Zabumbas e dois Pifes (...) Do
conjunto costumam participar tambm Ganz4 e Tamborim5. Um dos zabumbas pode ser
substitudo por um tar. (Alvarenga, 1982, p.352).
Renato de Almeida nos informa:
3 Tambor (3) intermedirio entre a caixa clara (q. v.) soprano e a contralto, de dimetro maior e dois bordes,caracterizados pelo som claro e vibrante; tarola, caixa chata: Var. Ou f. paral.: tarola e (bras., N.E.) tar. Cf. caixaclara. (Ferreira, 1999).4 Espcie de chocalho de folha-de-flandres e formas variadas (Ferreira, 1999).5 O tamborim descrito como um pequeno aro de metal ou acrlico recoberto com pele em uma das bordas e
percutido com vaqueta ou vareta de bambu ou madeira.(Andrade, 1989, p. 498).
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Esquenta mulher uma cantiga de Alagoas, com que as orquestrinhas tpicas entram
numa localidade do interior, para fazer qualquer festa com dansa.(...) A orquestra
ordinariamente composta por duas flautas de taquara, um bombo, uma caixa surda6 ou
tambor e, por exceo pratos.(Almeida, 1942, p.115).
Guerra Peixe cita uma banda tpica, encontrada nos estados do Piau, Cear, Rio
Grande do Norte, Paraba, Alagoas, Pernambuco e no norte baiano, cuja denominao
mais usual Zabumba: Em princpio o grupo consta de um quarteto constitudo de:
duas flautas de bambu, denominadas pifes; zabumba; e tarol, ou tar.(Guerra Peixe,
1970, p.15).Mrio de Andrade define Esquenta-mulher como: Cantiga de origem alagoana
acompanhada por orquestrinhas de formao instrumental tpica, geralmente de dois a
trs pfanos e zabumba, podendo ou no ter pratos ou caixas. (Andrade,1989, p.205). J
Cmara Cascudo, para o mesmo nome, cita uma formao semelhante: Conjunto
orquestral popular em Alagoas. Consta de dois ou trs pifes (flautas) de taquara, uma
caixa, dois zabumbas (bombos mdios) e um par de pratos de metal. (Cascudo, 1999,
p.376).
Conclumos assim que a formao instrumental composta basicamente de
pfanos, zabumbas, tarol e outros tambores, sem a participao de outro tipo de
instrumento de funes meldico-harmnicas, comumente chamado de Cabaal,
Zabumba ou Esquenta-mulher. Guerra Peixe nos informa, com mais detalhes, que
6 Espcie de tambor, ou melhor, caixa, usada nas msicas militares do Brasil. Parece que de uso exclusivonosso, pelo que me informaram.(Andrade, 1989, p.81).
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existem outras denominaes para este tipo de formao, e que cada uma delas
justificada por razes diversas:
So numerosas as denominaes do conjunto:
Zabumba O nome mais generalizado. Provm da importncia do Zabumba, com seu
toque bem cadencial.
Tabocal Em virtude de os pifes serem construdos de taboca.
Banda de pife em referncia as flautas
Terno ou Terno-de-oreia O pesquisador assinalou duas informaes. Primeira: o
grupo instrumental composto de que so dois pifes, dois tambores e
dois pratos. E como os msicos executam de oitiva, da o de-oreia. Segunda: outrora osmsicos se esmeravam no trajar das festas religiosas, vestindo roupa branca completa, de
cala, palet e colte. O branco conviria como smbolo da pureza.
Quebra-resguardo Pejorativo aplicado a conjunto que executa mal e fortemente,
quebrando assim, o sossgo alheio. ste nome se estende a Zabumba.
Esquenta-mulher Duas informaes. Primeira: em determinadas ocasies a Zabumba
sai rua em busca de donativos para festas religiosas de uma das igrejas. E nessa
oportunidade as mulheres acorrem ao aplo, fazendo suas ofertas. Segunda: a msica da
Zabumba alegre e contagiante, cujo toque se torna irresistvel convite.
Cabaal Nome que parece restrito ao Cear e noroeste da Paraba. Conquanto possa
sugerir a participao da cabaa (tambm chamada afox), ste instrumento no parece
integrar o conjunto, salvo em carter de eventualidade.
Carapeba Pelo menos em Alagos [sic] pejorativo de bandinha desafinada e
desimportante. Por extenso a zabumba alagoana.
Cutilada Registro de Batista Siqueira, tambm de sentido pejorativo. Vem de bater
com cutelo.
Banda-de-pife Em referncia as flautas.
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Matu Antiga denominao em Caruaru e outras cidades pernambucanas, hoje s
lembrada por pessoas idosas. O pesquisador no encontrou a palavra na bibliografia,
especializada ou no.
A estas designaes se juntam as seguintes:Banda-cabaal,Msica-cabaal,Msica-de-pife, Terno-de-msica, Terno-de-zabumba, Zabumba-de-couro, Zabumb e Pifros.
(Guerra Peixe, 1970, p.15)[Grifo do autor]
1.2. ORIGENS
As informaes bibliogrficas sobre o surgimento das bandas de pfano no Brasil
so poucas e contraditrias. Determinados autores sustentam a origem europia dessas
formaes, outros a africana e outros afirmam que so oriundas do meio indgena.
Segundo Ferreira, a palavra pfaro, que tem o mesmo significado que pfano, vem
do alto alemo: Pifer (Ferreira, 1986, p.1327). Nascentes, para o mesmo verbete, embora
reafirmando que a palavra tem a mesma procedncia, ou seja, o alemo, afirma que a
palavra de origem Pfifer, que nesta lngua quer dizer assobio. (Nascentes, 1976,
p.1272). Corroborando para a origem europia deste instrumento, Dufourcq nos informa
sobre a ocorrncia de pfanos na Frana e na Inglaterra (na msica militar) nos sculos
passados:
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Frana - O pfano (do alemo Pfeifer, pfeifen, siffler.) um tipo de pequena flauta de seis
buracos, que foi apresentada pelos suos. Seu uso foi constatado antes da batalha de
Marignan (1515). Um pajem, subalterno de oficial, em 1515 colocou um pfano (se diz
tambm pfaro) e um tambor a cada companhia de infantaria.7
Inglaterra - Os pfanos e tambores so usados no exrcito, e os grupos escoceses
marchavam ao som do bag-pipe nacional (gaita de fole) que eles conservam ainda nos
dias de hoje. A flauta pastoril conhecida como na Frana. Na msica de Henrique VIII
(1530) no h nada alm dos pfaros e dos timbales. Mas a de Elizabeth composta de 12trompetes, dois timbales, de pfanos, cornetas, e tambores.8
Na Larousse, Encyclopedia of Music, tambm encontramos a meno a existncia
dos pfanos na Antigidade europia:
Na Frana os instrumentos de sopro formaram parte da constituio da Grande Cavalaria(i.e. da cavalaria real). Apropriando-se de instrumentos se sopro de metal como de
madeira, eles compreendiam em shawms (mais tarde os obos), curtal (mais tarde os
bassons), crumhorns, gaitas de fole, pfanos e tambores, trompetes e sack buts. Ns
pudemos averiguar que alguns destes instrumentos
7France - Le fifre (delallemand Pfeifer, pfeifen, siffler) sorte de petit fltue six trous, est introduit par les
Suisses. Son usage est constat avant la bataille de Marignan (1515). Une ordennance in 1545 atribute un fifre(on disait aussi pifre) et un tambour chaque compagnie dinfanterie. (Dufourcq,1946, p.558)
8Anglaterre - Les fifres et tambours sont en usage dans l'arme, et les troupes cossaies marchent au son du bag-pipe national (cornemuse) qu'elles conservent encore de nos jours. Le chalumeau y est connu, comme en France.La musique de Henri VIII (1530) n'a que des fifres et des timbales. Mais celle d'lisabeth est compose de douzetrumpettes, deux timbales, de fifres, cornets et tambours. (Dufourcq,1946, p.558).
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foram usados na coroao de Lus XIV, e na nave da catedral eles provavelmente
executaram uma sonoridade esplendida.9
Melo, nos d indicaes a respeito da origem portuguesa dos pfanos: Os
pastores, quando andam a guardar o gado, trazem sempre uma pequena flauta a que na
Beira-alta se chama pfaro (pfano). Essas flautas em algumas terras de Traz-dos-montes,
aonde se chamam fraitas, so muito bem gravadas." (Melo, 1882, p.238). Tambm faz
meno ao pfano nas festividades que ocorrem nos ambientes rurais: "Na cidade
acendem-se bales venezianos, na aldeia queimam-se pinhas, ali percorrem as ruas
philarmonicas melodiosas, aqui o pfaro do pastor que eleva aos cus o cntico da terra"
(Melo, 1896, p65). Relata uma observao in loco, que realizou na Serra da Estrela, em
Portugal, no dia quatro de setembro de 1916: "Junto a barraca estavam dois pastores,
(...). Um dos pastores toca pfano e outro sentado no cho, atenta a msica do
companheiro". (Melo, 1927, p.181).
Outro autor portugus, Ernesto Oliveira, nos fornece dados mais relevantes
quanto semelhana entre os pfanos dos cabaais brasileiros e os portugueses: "Em
Portugal existem dois tipos fundamentais de flautas: de bisel, e travessas. As flautas de
bisel, ou pfaros medem cerca de quarenta centmetros de comprido (...). (Oliveira,
1966, p.183). Descreve tambm o uso do vime, uma espcie de taquara ou bambu, para a
fabricao dos pfanos: (...), por exemplo, no Barco (Fundo) [regio de Portugal] so
9 In France the wind instruments formed part of the establishment of the Grand Ecurie (i.e. the royal stables).Taking the brass as well as the woodwind, they comprised shawms (later the oboes), curtals (later bassons),crumhorns, bagpipes, and fifes and drums, horn trumpets and sack buts. We have seen how some of theseinstruments were used at the coronation of Louis XIV, na in the nave of the cathedral they would have madesplendid sound. (Larousse, 1971, p.164).
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de vime, furado com ferro quente (Oliveira, 1966, p.184). Ainda falando sobre os
pfanos, Oliveira cita o seu uso junto percusso:
(...), no corpo situam-se os furos, em numero varivel conforme as regies: no Norte e no
Leste trasmontano, designadamente em Terras de Miranda, e na faixa alentejana alem-
guardiana, elas tem normalmente trs furos, dois na face superior e um na inferior, e
sustem-se e tocam-se com uma s mo. Este tipo assim o nico que permite o toque
simultneo do tamboril10 e da flauta pela mesma pessoa.(...) (Oliveira, 1966, p.183).
Estas citaes de autores portugueses sobre o pfano nos levam a crer que o
instrumento j era popular em Portugal de longa data. Interessante notar que o material
e o processo usados para a fabricao dos pfanos portugueses muito similar aos
brasileiros, pois Sebastio Biano, pifeiro da Banda de Pfanos de Caruaru, descreveu que
constri seus prprios pfanos, utilizando um ferro quente para fazer os furos no
instrumento. Quanto ao material, Oliveira cita o vime, espcie de junco, da mesma
famlia que a taquara e a taboca, bastante similar ao material usado pelos cabaais
brasileiros.
Em relao aos instrumentos de percusso, alm do tamboril j citado, Lopes Dias
descreve a existncia do Bombo, instrumento de percusso usado em Portugal:
10 Tambm chamado de tambor provenal, instrumento de percusso propriamente dito (semcordas).(Andrade, 1989, p.498).
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Bumbo, tambor grande, zabumba, bumba. No teve no Brasil a popularidade
portuguesa, figurando nas festas de arraial, nos conjuntos msicos [sic] tradicionais,
constituindo mesmo, entre os ranchos e as folias, o grupo denominado bombo, como o
bombo de Lavacolhos, Fundo, Beira Baixa, dois bombos, dois tambores ou caixas, dois
ferrinhos e um pfaro.11
Cascudo, quando se refere ao termo zabumba, tambm cita a ocorrncia de grupos
de pfanos e instrumentos de percusso em Portugal: No norte de Portugal, Beira, h um
conjunto instrumental denominado Bombo, dois bombos e dois tambores, dois e trsferrinhos e dois pfaro [sic]. (Cascudo, 1999, p.925)
Oneyda Alvarenga citando Jaime Lopes Dias, refora a existncia de conjuntos
populares em Portugal, que se utilizam instrumentos de percusso e pfanos:
Quanto ao conjunto, em Portugal, e creio na Europa em geral, h associaes
instrumentais semelhantes a essa. Jaime Lopes Dias, por exemplo, registra da existncia
na Beira de um grupo chamado Bombo, que participa das romarias, constitudo por dois
bombos, dois pfaros e dois ferrinhos12 e, alm destes, pelo grupo coral.13
11 Dias, Jaime Lopes,A Beira Baixa ao Microfone da Emissora Nacional, Lisboa, 1936, p. 92 in Cascudo, Luisda Cmara,Dicionrio do Folclore Brasileiro, So Paulo, Ediouro, 1999, p.177.12 Instrumento de percusso, o mesmo que tringulo.(Andrade, 1989, p.222).13 Dias, Jaime Lopes, A Beira Baixa ao Microfone da Emissora Nacional, Lisboa, 1936, p. 93 in Alvarenga,Oneyda, Msica Popular Brasileira, 2 Ed. Duas Cidades, So Paulo, 1982, p.353.
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Agora um guerreiro podia perfeitamente comer a perna de um inimigo, chupar o tutano
do osso, depois abrir um buraquinho no dito osso e fazer uma flauta, tirar som daquele
pfano em louvor de Tupam, atrahir as cunhats da Taba. (Lima, 1934, p.98).
Encontramos tambm relatos quanto ao uso de pfanos e tambores entre os
franceses que estiveram no Rio de Janeiro, no sculo XVI. Em carta do Padre Quiricio
Caxa da Bahia, de 13 de julho de 1565, ao Padre Doutor Diogo Miro, Provincial da
Companhia de Jesus, encontramos o captulo Ataque dos franceses e tamoyos ao Rio,
que descreve as naus francesas chegando cidade: Puzeram apontar uma espera e a
primeira que chegou que era a capitanea, a qual mui soberba com estandartes e
bandeiras de seda, pfaro e tambor de guerra, foi varada de ppa a pra, (...). (Jesuitas,
1931, p.453).
Mostrando familiaridade dos indgenas brasileiros com instrumentos de sopro,
Cameu refere-se prvia existncia de flautas utilizadas pelos ndios em terras
brasileiras:
Como flauta foram compreendidos, a princpio todos os instrumentos constitudos por
um tubo de taquara, madeira ou osso aberto em uma ou ambas as extremidades. Os
portugueses aportados no Brasil colonial e os catequistas as chamaram de gaitas.
(Cameu, 1977, p.244).
A autora tambm discorre sobre os tipos de flauta nas tribos indgenas, em que
notamos o grande parentesco com os pfanos atuais:
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Constando de um tubo de comprimento varivel, com embocadura em bisel15 ou
simplesmente com o dimetro do tubo parcialmente fechado com cera, aparecem nas
tribos do Amazonas, Par, Xingu, Mato Grosso, Territrios do Amap e Rondnia (...).
(Cameu, 1977, p.224).
Logo a seguir cita os tipos de flauta de bambu: No h exclusividade em relao
aos tipos, pois encontram-se tanto flautas retas como transversas num mesmo grupo.
(Cameu,1977, p.224). A autora faz, ainda, referncia ao flautim: De acordo com as
propores e calibres h flautas de sons graves, mdio e agudos. As flautas agudas se
aproximam da sonoridade do flautim. (Cameu,1977, p.224).
A seguir Cameu cita os tipos de tambores existentes entre os ndios desde as
pocas iniciais da colonizao:
(...) apontados, os tambores de madeira, de carapaa, de cermica, o tambor dgua.(...).
Desde a descoberta ficaram notcias atestando-lhe a utilizao entre a populao nativa.
Apontado por Pero Vaz de Caminha, logo no primeiro encontro, passando pelos demais
cronistas coloniais e pelos pesquisadores dos sculos seguintes. (Cameu, 1977, p.218).
Sobre os tambores de madeira, a autora aponta uma subcategoria, a de tambor de
pele: O instrumento confeccionado com um cilindro de madeira leve ou mesmo
pesada, curto ou afunilado, geralmente fechado de um s lado. (...). Fazem-no soar
batendo com uma s baqueta. (Cameu, 1977, p.222).
15 Borda de pea de madeira, pedra, etc., cortada obliquamente, isto , sem aresta ou quina viva. Cf. chanfradura(2). (Ferreira, 1999).
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No seguro, baseando-se nestas informaes, afirmarmos que o cabaal tenha
origem indgena, mas considerando-se que os nativos brasileiros j possuam intimidade
com flautas e tambm com tambores, somos levados a considerar que possivelmente no
tiveram estranhamento nem dificuldade em apreender a executar instrumentos do
colonizador que eram semelhantes aos seus. Provavelmente no foi difcil a assimilao
pelos ndios das caractersticas musicais dos conjuntos portugueses de flautas e
percusso.
So esparsas as referncias escritas sobre cabaais no Brasil. Devido diversidade
de nomes para o mesmo tipo de conjunto, torna-se difcil precisar informaes sobre agnese deste tipo de formao.
Viajantes estrangeiros, que estiveram no Brasil nos sculos passados, escreveram
relatos sobre grupos musicais que provavelmente deram origem aos atuais cabaais.
Koster trs uma notificao interessante:
Trs negros com gaitas de foles (8) comearam a tocar pequenas toadas enquantoestvamos jantando, mas pareciam tocar em tons diversos um do outro e, as vezes,
supunha que um deles executava peas da sua prpria composio. Imagino que algum
jamais tentou produzir harmonias sonoras com to maus resultados como esses
charameleiros (Koster, 1942, p. 272) [Traduo de Luiz da Cmara Cascudo].16
16Three negroes with bag-pipes attemped to play a few tunes whilst we were at dinner, but they seemed to playin diferent keys, from each other, and sometimes each appeared to have struck up a tune of his own composing. Ithink i never heard so bad an attempt at producing harmonious sounds as the charameleiros made (Koster, 1817,
p.321)
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Na nota do tradutor, encontramos sua interpretao para o nome charamela:
(8) Three negroes with bag-pipes... Nunca encontrei meno a gita de foles tocada no
Brasil e por negros. Linhas adiante Koster fala nos Charameleiros (que conservei na
verso). A charamela uma flauta delgada, que tem o som de tiple mui agudo, de
pequenas dimenses e sua escala no chega a duas oitavas, leio no Diccionrio Musical
de Isaac Newton (Macei, 1904). Naturalmente bag-pipe apenas uma gita, to popular
entre os negros. (Koster,1942, p.281.)
No referido dicionrio, citado por Cascudo, encontramos a descrio integral de
charamela: Charamella Instrumento prprio da msica pastoril. uma flauta delgada
que tem som de tiple mui agudo, de pequenas dimenses e sua escala no chega a duas
oitavas.(Isaac, 1904, p.65). Quanto ao termo tiple, o autor do dicionrio afirma: Tiple
a mais aguda das vozes humanas, por seu timbre. aquela que os italianos chamam
soprano.(Isaac, 1904, p.282).
Gardner, outro viajante ingls, relata sua passagem pela cidade do Crato (Cear),
no ano de 1832, em uma festividade religiosa: A pouca distncia tocavam uma banda de
msica, dois pfanos e dois tambores, msica da peor (sic) categoria, (...).(Gardner,
1942, p.160).17
Estes relatos nos indicam a existncia de formaes muito parecidas com os
cabaais j no sculo XVIII. Encontrei tambm referncias a charamelas na obra de Jaime
Diniz, Msicos Pernambucanos do Passado. O autor teve acesso ao livro de despesas da
Irmandade do Sacramento, da Matriz de Santo Antnio, em Recife (PE), e transcreve
17 At little distance, a band of musicians were playing, consisting of two fifers, and two drummers, but the musicthey produced was the most wretched description, (...)(Gardner, 1846, p.195).
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trechos que relatam a existncia dos negros charameleiros (j citados por Koster) nas
festas da Igreja: Em eras remotas, nossas festas religiosas no se faziam sem o concurso
dos negros charameleiros (...). Nenhuma festividade de Pernambuco, em tempos
coloniais, dispensava as charamelas dos nossos negros msicos.(Diniz, 1979, p.107)
Diniz registra tambm a participao de indgenas na execuo das charamelas:
Remotamente eram os meninos ndios que cultivavam as charamelas e as flautas para
oficiarem as missas em dias de festas, ornarem as procisses, na aldeia e na cidade, e em
outros atos pblicos segundo testemunho de Pero Fernandes. (Diniz, 1979, p.107).
O autor afirma que a partir do sculo XIX as charamelas foram substitudas nas
festividades por outras formaes musicais. Segue a lista com datas e tipos de conjunto
que celebraram as festas da Matriz a partir do ano de 1820. Note-se a incluso do nome
Zabumba para designar determinado tipo de formao musical:
1820 Msica de 2 Batalhes', na Semana Santa1824 Msica do Batalho'
1825 Msica do Zabumba, na festa do Orago. (Diniz, 1979, p.108).
Mario de Andrade define charamela como:
Instrumento de sopro, pequena flauta delgada de som muito agudo. O mesmo que
pfano, pfaro, chorumela, xorumela, chorumbela. A charamela foi introduzida no Brasil
no incio do sculo XVII e estava entre os instrumentos europeus destinados aos ndios,(...). (Andrade, 1989, p.129).
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O pesquisador Cmara Cascudo cita, no n 15 do jornal O Carapuceiro, do ano
de 1837, um artigo escrito por Lopes Gama: quando governou Pernambuco (1774-1787)
o General Jos Csar de Menezes, que apareceu aqui o zabumba pela primeira vez.
(Cascudo, 1999, p.925). Cascudo argumenta no texto, logo a seguir que o termo
zabumba do texto refere-se ao conjunto musical de pfanos e flautas, ou seja, o cabaal18.
Podemos deduzir que o pfaro foi utilizado no Brasil desde o incio da colonizao
e muitas vezes acompanhado por instrumentos de percusso. Notamos tambm a sua
utilizao por ndios e negros, povos que formaram a populao brasileira. Quanto a sua
provvel origem negra, alm da observao bvia sobre a larga utilizao da percussopelos povos da frica negra, Abelardo Duarte refere-se a um artigo da revista portuguesa
Panorama denominado Teatro Medieval em so Tom e Prncipe, no qual seu autor,
Fernando Reis, faz a descrio da orquestra que acompanha o citado auto:
A orquestra constituda por trs hbeis tocadores de flauta de bambu, por dois ou trs
tocadores de sucalo ou sucaia corruptela de chocalho (...). (Duarte, 1974, p.122).
O referido trecho, consultado no original:
18 Esta tese duvidosa, pois nas pesquisas em Caruaru verificamos que uso do artigo masculino o antes dezabumba servia para designar o instrumento em si, ao contrrio do artigo feminino a, que usado para designaro cabaal.
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de flautas de taquara e osso e tambm membramofones19 e a tradio da percusso
africana nos fornecem caractersticas presentes nos conjuntos cabaais. Doravante, o
mais sensato seria conjeturar que elementos dessas trs culturas musicais se
amalgamaram e formaram os conjuntos cabaais do Brasil.
19 Instrumento membranfono. Ex: tambor, pandeiro, tmpano. (Ferreira, 1999).
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1. INCIO E FORMAO DO GRUPO
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2. INCIO E FORMAO DO GRUPO
Minha filha...Um pai de famlia quandomorre, as pessoa pega a enxada, a foice e omachado e bta tudo no mato? Isso oganha-po deles! Voceis ensinem os seusfilho com pacincia. Tenha muitapacincia pra ensin a eles... Que oganha po de voceis!Manoel C. Biano.
2.1. A GNESE
Manoel Clarindo Biano, fundador da Banda de Pfanos de Caruaru, nasceu em
Alagoas em 1890 e casou-se com Maria Pastora no ano de 1910. Tiveram vrios filhos, dos
quais apenas Benedito, Sebastio, Antnio, Maria Jos e Josefa sobreviveram. Sebastio
(primeiro pfano do grupo) nasceu em 1919 e Benedito (segundo pfano) em 1912, ambos
em Olho Dgua do Chico AL, (atualmente chamada Ouro Branco) no serto alagoano.
Manoel era agricultor e quando ia trabalhar na roa levava os filhos com o intuito
de poupar a me dos garotos das suas travessuras infantis. Sebastio e Benedito
acompanhavam o pai ao servio e como no eram ainda aptos ao trabalho braal
ocupavam seu tempo com outras coisas, como conta Sebastio:
A gente comeava por ali, meu pai ia na frente, a gente ia atrais (...) E quando a
gente ia pra casa almo, eu mais meu irmo pegava a folha do talo de jirimum 1
1 Abbora
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que uma folhna... o cano grosso assim rapaz (...) a a gente tirava aquela copa
dela todinha, tirava uns pelo que ela tinha assim no p (...) fazia um buraquinho
assim e mais embaixo dois, mais embaixo dois buraco, (...) saa tocando...
(Depoimento de Sebastio Biano2)
Sebastio recorda que seu pai e o seu tio (irmo de seu pai) eram tocadores
(msicos) e tocavam juntos em uma bandinha na regio e em conjuntos cabaais na
comunidade. Manoel tocava zabumba.
Manoel ficou entusiasmado vendo as tentativas dos dois garotos tocarem e
encomendou uma parelha de pfanos para os seus filhos. Sebastio relata que comeou
aprender a tocar pfano com seu pai, que sabia executar umas duas msicas no pife, e
observando msicos das bandas cabaais que existiam na regio.
Assim que os Sebastio e Benedito comearam a ter mais desenvoltura na
execuo dos pfanos, Manoel comeou a tocar com seus filhos em eventos da
comunidade, na maioria das vezes em festas religiosas, pois as festas pags eram mais
raras. Nesta poca o grupo era composto por Manoel na zabumba, Benedito e Sebastio
nos pfanos, e na caixa um primo de Manoel chamado Martim Grande.
No tinha forr neste tempo, no tinha carnaval, no tinha So Joo. Tudo era
Marcha e Baiano3. As Marcha era marcha de Novena, tudo festa religiosa..., tocava
em Enterro de Anjo, que era criana de doze ano pra baixo, tocava incelena4...(D.
de Sebastio Biano)
2 Com intuito de tornar a identificao dos depoimentos mais prtica, usaremos a abreviatura D. paradepoimento seguido pelo nome do informante.3 Dana brasileira. Mais ou menos o mesmo que o samba e provavelmente originrio deste.(Andrade, 1989,
p.35)4 Incelncia. Cantiga de velrio em unssono, (Ferreira, 1999).
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No ano de 1926, por causa da seca, a famlia de Sebastio, juntamente com mais
doze famlias, viajou a p de Mata Grande, Alagoas, com o objetivo de se chegar em
Juazeiro no Cear.
O grupo fez uma parada no Stio dos Nunes, em Pernambuco, devido Semana
Santa. Nesta pausa da viagem chegou a notcia que havia chovido em Mata Grande, de
onde haviam partido. Onze das treze famlias que iniciaram a viagem voltaram. O pai de
Sebastio arrumou trabalho no local e a famlia se instalou em uma fazenda entre as
cidades de Custdia e Flores, ambas no estado de Pernambuco.
A famlia Biano morou nesta fazenda at o ano de 1929 quando uma forte seca
obrigou-os novamente a procurar novas terras para a sobrevivncia. Em relao ao modo
de vida retirante da famlia Biano, nas palavras de Sebastio:
Meu pai, quando tava faltando coisa em casa, ele saa sozinho at encontr uma
fazenda que tinha servio. A ele trabalhava uma semana pra vim busca a gente.Como meu pai tinha famlia geralmente ele ganhava uma casa do fazendro do
lugar. A ele vinha busca a gente com um animal. Enquanto no tinha seca meu
pai no saa dali.(D. Sebastio Biano)
No incio de 1930 a famlia Biano mudou-se para a Serra de Triunfo, no municpio
de Triunfo-PE, em uma localidade chamada Baixa Verde. Foram trabalhar em uma
fazenda que ficava em cima da citada serra, na divisa de Pernambuco e Paraba.
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Devido seca de 19325 a famlia se transferiu para Bonito de Santa F na Paraba.
Nessa poca a famlia j contava com sete pessoas: Manoel e Maria Pastora, os pais; os
filhos Benedito, Sebastio e Antonio; as filhas Maria Jos e Josefa.
Na trajetria para Bonito de Santa F a famlia Biano empregou-se em uma frente
de trabalho criada pelo governo. A cidade que estavam era Imbuzeiro, na Paraba.
As frentes de trabalho de emergncia, chamadas simplesmente emergncia pelos
sertanejos, vm sendo adotadas desde o sculo passado, como uma forma de
evitar que os flagelados morram de fome ou emigrem para as cidades grandes. Apretexto de construir-se uma obra pblica qualquer de engenharia, homens,
mulheres e, s vezes, at crianas, so empregados com um salrio apenas
suficiente para que sobrevivam, embora desnutridos. (Garcia, 1984, p.22).
De Imbuzeiro a famlia partiu para Bonito de Santa F, sempre se empregando em
alguma fazenda e fugindo da seca. Passaram pela cidade de Conceio do Pinhanc entre
os anos de 1932 e 1933. Devido s secas, as chances de trabalho tornaram-se muito
pequenas e Manoel Biano resolveu voltar para o estado de Pernambuco, mais
precisamente para a cidade de Poo Comprido onde tinha um parente.
Nessas andanas, quando estavam tocando em uma missa, os irmos Benedito e
Sebastio foram incumbidos de fazer a estoura dos fogos comemorativos da festa.
Benedito sofreu um acidente com os fogos, no qual feriu gravemente as mos. O pai de
5 A grande seca de 1932 comeou realmente em 1926, quando as chuvas foram irregulares, irregularidade que seacentuou a cada ano seguinte. Em 1932 caram chuvas finas no fim de janeiro, mas cessaram totalmente emmaro. At o incio do atual ciclo seco, foi a seca de 1932a maior ento registrada em termos territoriais. Atingiuuma populao de trs milhes de pessoas, habitantes de uma rea de 650 mil quilmetros quadrados (Garcia,1987, p.64.)
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Sebastio Manoel arranjou um caminho para levar o filho cidade mais prxima,
distante sete lguas6 do local, aonde havia um mdico. O mdico disse que seria
necessrio cortar a mo de Benedito, mas Manoel negou veementemente e convenceu o
doutor a costurar a mo de seu filho. Benedito sarou, mas ficou com seqelas. Perdeu a
ponta dos dedos e no conseguia mais abrir inteiramente a mo. Teve que reaprender a
tocar o pfano de outra maneira e, segundo Sebastio, voltou com o mesmo talento, a
ponta dos dedos ele perdeu, mas a tocada no perdeu nada, graas a Deus nunca
perdeu.
A famlia levava os instrumentos a tiracolo, embora as viagens fossem realizadas
quase sempre a p. Quando, durante as migraes pelo serto, chegavam em um
arrancho7 cedido por fazendeiros, os outros retirantes observavam o zabumba que
segundo Sebastio no dava pra esconder e viam que eles eram tocadores. Sebastio
diz que os zabumbas eram poucas nessa poca, tornando ainda mais notria a presena
do instrumento. Conta que a msica foi um elemento que muitas vezes ajudou na
sobrevivncia da famlia durante suas viagens fugindo da seca. Muitas vezes a famlia
ganhava alimentos pelo fato de gerar simpatia e amizades atravs da msica:
O pessoal via a gente com a zabumba (...). Quando era de noite, chegava trs,
quatro pessoa: !, voceis so tocad n? Tem zabumba (...) Eu sei que voceis so
tocad, tem instrumento (...) vmo toc um pquinho a? Eu e meu irmo pegava o
pife e meu pai pegava a zabumba... no tinha quem tocasse no tarol! Os treis.
Aquele pessoal que via meu irmo (...) iam pra casa e traziam farinha, feijo,
6Antiga unidade brasileira de medida itinerria, equivalente a 3.000 braas, ou seja, 6.600m; lguabrasileira.(Ferreira, 1999)7 Derivado de arranchar. Pousada, pouso, rancho. (Ferreira, 1999)
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milho, carne de bode. Nois saa munido dali de comida. A viajava dois, treis dia
sem precis pidi a ningum, s a Deus. (D. Sebastio Biano)
No incio do ano de 1933 a famlia Biano chegou em
Poo Comprido-PE, na estao chuvosa. Um parente de Manoel morava em Areia
Branca, um povoado perto de Poo Comprido e convidou a famlia para trabalhar nas
fazendas da localidade, onde a fartura era grande com grandes lavouras e cercados8 de
gado. Manoel foi contratado para trabalhar em regime de eito9. Segundo Sebastio seu
pai no se adaptou a esse regime de trabalho extenuante e preferiu sair da fazenda. Nesta
poca a famlia Biano conheceu uma certa estabilidade financeira, conseguindo comprar
uma rea de terra que foi vendida na sua partida da regio.
No final de 1933 a famlia partiu para a cidade de Buque, tambm em
Pernambuco, para buscar ajuda com um outro parente de Manoel Biano, chamado Joo
Pinto. Foi no final deste ano que Benedito Biano conheceu Maria Alice, e resolveram
morar juntos nesta cidade. Benedito viria a se casar com Maria Alice no ano de 1940 e
mudar-se para Caruaru somente em 1941. Os Biano continuaram morando em Buque at
o ano de 1939 quando a regio foi atingida pela seca. Migrando novamente desta vez
Manoel Biano decidiu ir para Caruaru, onde tambm tinha parentes.
No caminho para Caruaru a famlia Biano parou em Pesqueira onde se
empregaram no plantio de tomate para a indstria Peixe. Novamente a chuva escasseou
8 rea delimitada por cerca, para prender animais. (Ferreira, 1999).9 1. Limpeza de uma plantao por turmas que usam enxadas; 2. Roa onde trabalhavam escravos. 3. Trabalhointenso.. (Ferreira, 1999).
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e os efeitos da seca tornaram-se intensos. Era o fim da estao chamada inverno10 na
regio nordestina. A famlia resolveu ir para uma cidade prxima, chamada Belo Jardim
onde encontraram trabalho em outra plantao de tomates. Depois de uma semana a
chuva comeou a escassear novamente. Resolveram partir para Caruaru.
Os Biano viajaram para Caruaru de carona em um caminho durante a noite e
foram deixados ao amanhecer na entrada da cidade, mais precisamente no dia 15 de julho
1939. Encontraram uma casa abandonada numa das ruas da cidade, e a ocuparam.
Conheceu o dono da propriedade, um fazendeiro que permitiu que os Biano morassem
ali e cuidassem da propriedade. A famlia comeou a trabalhar em uma olaria da cidade,
na fabricao de tijolos. Sebastio, atravs de um admirador de seu trabalho na banda
cabaal foi convidado para trabalhar em um curtume.
Manoel Biano resolveu procurar um amigo em busca de novas possibilidades de
emprego. Encontrou a oportunidade de ir trabalhar em uma fazenda nas proximidades
de Caruaru, local aonde foi cuidar da plantao e tanger o gado. Tempos depois,
Benedito, irmo de Sebastio, apareceu para morar na fazenda com Maria Alice, com a
qual havia casado. Embora sua famlia tivesse ido morar no campo, Sebastio
permaneceu na cidade trabalhando em curtume.
2.1.1. O Encontro com Lampio
10 A temporada de chuvas chamada no semi-rido impropriamente de inverno, por analogia como o que ocorrena regio da Mata, onde a poca chuvosa corresponde aos meses de inverno no Hemisfrio Sul. A rigor, no hinverno no Nordeste. Situado entre a linha do Equador e o Trpico de Capricrnio, quase no ocorrem alivariaes na temperatura durante todo o ano. As estaes so melhor definidas como chuvas e estio. A palavrainverno, para definir a temporada das chuvas, foi levada para o serto pelos primeiros povoadores, e ainda hoje o termo empregado. (Garcia, 1987, p.54)
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Segundo Sebastio Biano o seu encontro com o cangaceiro Lampio foi em 1927
quando os Biano moravam beira do rio Moxot, em um lugar denominado Taracatu, no
estado e Pernambuco, em um povoado denominado Olho Dgua dos Bruni.
O pai de Sebastio, Manoel, havia conhecido Lampio quando ele ainda no
participava do cangao. Manoel trabalhava como carpinteiro na fazenda de um coronel
chamado Juca Ribeiro. Era encarregado de construir as casa da fazenda e contratou vrios
ajudantes para a obra. Para animar a empreitada e distrair os trabalhadores Manoel
chamou um amigo tocador, que era tangedor de gado e tocava harmnico11. Seu nome
era Virgulino Ferreira, o futuro cangaceiro Lampio.
O encontro de Sebastio com o cangaceiro foi em uma Novena. No ltimo dia da
mesma, nos preparativos para a missa de encerramento, Lampio chegou na fazenda do
coronel Juca Ribeiro, que ficava perto da Igreja. O cangaceiro pediu vinte e cinco caixas
de bala e dez contos de ris ao coronel. Perante a resposta negativa do mesmo Lampio
juntou vrias cabeas de gado que encontrou pela fazenda e colocou-as no curral situado
ao lado da casa. Ordenou que pegassem os troncos da cerca da propriedade e colocassem
em volta e dentro da casa e depois cobrissem com querosene e ateassem fogo em tudo.
Em seguida, juntamente com os seus capangas, e mataram a tiro todos animais que
estavam no curral.
Segundo Sebastio, Lampio devia uma promessa a Nossa Senhora das Dores que
era padroeira de Taracatu e resolveu aproveitar a oportunidade para pagar a
11Do ingls: harmonica, instrumento musical inventado na Alemanha e aperfeioado por Benjamin Franklin(1716-1790). Instrumento musical: caixa de ressonncia provida de lminas de vidro de comprimento desigualque so vibradas com uma baqueta. V. gaita, concertina. Espcie de acordeo. (Ferreira, 1999)
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promessa. Lampio ento se dirigiu igreja onde estava se realizando a missa. Nas
palavras de Sebastio:
Ento tudo l calado, s se via o vigrio celebrando a santa missa. A igrejinha
cheia de mulher, que era pequena (...). E tinha ainda um rapaz assim de frente, de
lado do oito12 da igreja (...). A ele gritou de l...a comeou sa tudo de dentro do
mato, aqueles home medonho, tudo a cavalo, tudo numa carreira, igual assim, de
par de um com outro no ptio (...). A ele gritou de l: L vem o homem! (...).
Quando a gente se virou assim pra olha meu irmo, Vich Maria!!! O mundo vinha
amarelo! Aquele eito de cavaleiro na maior carreira. Tudo a cavalo, na maiorcarrera! Meu pai e disse: Lampio. A eu quis corre mais meu irmo e meu
primo e pai seguro no brao da gente dizendo: No corre ningum... Lampio,
no corre ningum. Vmo fica aqui mesmo, vamos esper o que vai acontec daqui.
Comemo a treme. Chora nis no chormo no, mais aqui da cintura pra baixo
caiu uma chuva que molhou as cara da gente tudinho. (...).Todo mundo morreu
do medo, naquela hora. Ai arrodearam a capelinha, ficaram tudo de frente com a
gente assim, tudo com as arma em cima da gente, tudo com pareia assim, juntinhoum do outro. Arrode tomou a frente da capelinha todinha, cinqenta homem
montado a cavalo, no desceu nenhum, s Lampio e os dois guarda costa dele,
que ele s andava com dois cabra de confiana dele, um de um lado e um de outro
e ele no meio (...). A Lampio desceu do cavalo e os dois cara, foram direto pra
dentro da igreja. Chegou l as mulher caiu tudo um por cima da outra. Lampio
chegou no p do altar assim e tava o vigrio celebrando a missa e o vigrio
quando olho aqueles trs home de frente dele... a morreu tambm. Col! Botoupra treme, tremia mais de que vara verde A o Lampio falou: Seu vigrio no tenha
medo no, eu vim aqui mais no vim faze mal a ningum, no vim ofende ningum seu
vigrio. S vim aqui porque queria ter um negcio com o senhor, mas ningum vai ofender
a ningum... pode continua a Santa Missa. A foi que o padre comeou com
12 Cada um dos espaos laterais de um edifcio.. (Ferreira, 1999).
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aquela...parando mais a tremedeira. Ento terminou, ento a foi pra sacristia tira a
roupa da santa missa n? Lampio foi pra onde tava nis quatro, no banquinho a
gente tava sentado. Quando chego aqueles trs home de frente com a gente ... nis
sentadinho l no banco. Tremendo, tudo molhado da cintura pra baixo... a
disseram assim: Olha meninos, eu to vendo vocs com os instrumentos na mo... Nis
tava tocando e os instrumento no interior da mo pra celebra a santa missa. Ento
fiqumo ali meu irmo, os dedos da mo ningum sabia o que era, tudo dormente,
a lngua, aquele bolo dentro da boca, enrolado. Que inchou que no sei como
uma coisa daquela, o medo faz uma coisa daquela rapaz! A ele chegou
perguntou: Menino, eu t vendo voceis com instrumento na mo, vocs so tocad...
Voceis to com instrumento na mo eu sei que vocs so tocad, agora eu queria pedi avoceis pra voceis toca o meu toque. H meu irmo...Ainda bem meu irmo que no
tempo que eu aprendi a toca o pife mais meu irmo, 1924, (...) nis tinha
apreendido um verso que eles cantavam, e nis ouvia o pessoal assovia e nis
aprendmo. Nis s no tinha aprendido a letra, que letra era muito difcil pra
gente aprende, mas a msica nis aprendmo (...). Ainda bem que eu falei pra ele:
nis sabe sim sinh. Toqumo, s tocada n? (...). A Lampio, quando nis parmo,
Lampio virou pro dois cabra dele n? Disse assim: olha, essas criana como quetoca viu? E vocs dois cavalo desse no toca piroca nenhuma! A eu mais meu irmo
tomamo mais um fogozinho n? Parece que deu esse valor pra gente a a gente
fic mais maneiro um pouco, fiqumo mais maneiro...Tambm no toqumo mais
nada, s foi isso. (D. De Sebastio Biano)
Aps a missa os cangaceiros acompanharam os participantes at uma casa de
fazenda prxima a igreja onde seria realizada uma comemorao. Todos almoaram e
danaram, e depois os cangaceiros foram embora, sem molestar ningum.
2.1.2. A novena
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das rezas, que aconteciam por volta das vinte e duas horas. Algumas novenas de casas
costumam realizar alvoradas trs vezes ao dia: s seis da manh, ao meio-dia e s seis da
tarde. As rezas so praticadas apenas na alvorada da tarde. Essas horas eram chamadas
de horas cheias. Nessas ocasies a banda dormia na casa da novena no dia anterior,
sendo que por volta das quatro horas da manh acontecia a reza do tero seguido pela
primeira alvorada.
Em determinadas novenas, aps a alvorada, era realizada a busca do santo ou da
bandeira, (no caso a bandeira do santo). Esse ritual consistia em buscar a imagem ou a
bandeira do santo na casa de outro devoto da comunidade e era acompanhada pela
banda e pelos participantes da novena. No caminho de ida a Banda ia tocando na frente
seguida por outros devotos que iam cantando e rezando. Chegando na casa onde estava
imagem/bandeira, ocorriam oraes curtas e era servida alguma bebida. Rapidamente o
grupo de devotos reunia-se novamente e partia para a casa de origem. Desta vez, o
andor13 com a imagem (ou a bandeira) ia frente seguida pela Banda tocando. Durante
todo o caminho de volta tambm eram realizadas oraes e cnticos.
Chegando casa, a imagem do santo era colocada dentro de um oratrio14 que,
em geral, era posto sobre uma grande mesa ao lado de velas, outras imagens de santo,
flores e as prendas15 se houvesse bandeira a mesma era iada em mastro contguo a
casa. A mesa do oratrio geralmente era colocada do lado de fora da casa, em um
13 Padiola porttil e ornamentada, sobre a qual se conduzem imagens nas procisses; charola, andas. (Ferreira,1999)14 Nicho ou armrio com imagens religiosas; adoratrio. Capela domstica. (Ferreira, 1999)15 As prendas consistem em objetos que vo ser leiloados na arrematao. A variedade infinda: presentes,alimentos, animais vivos e mortos, flores, etc.
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terreiro, sob uma latada16, para que um maior nmero de pessoas pudesse participar da
cerimnia. Depois destes procedimentos a Banda continuava tocando e eram servidos
pratos preparados pelos donos da casa.
A cerimnia da novena comeava por volta das vinte e duas ou vinte trs horas e
geralmente era liderada por uma pessoa que organizava as rezas e cantos. Tambm eram
convidados grupos de homens e mulheres chamados de rezadeiras (os). Esses grupos
eram formados por indivduos acostumados aos procedimentos litrgicos da novena e,
geralmente, trazem decorados cnticos e rezas. As rezas consistiam em leitura de rezas
escritas em um livrinho, oraes decoradas e o tero. No existia necessariamente uma
ordem definida. Geralmente as leituras do livro eram realizadas entre partes do tero
que, segundo Sebastio, consistiam em cinco grupos de Ave Marias, cada um deles
intercalado por um Pai Nosso. Muitas vezes as rezas da novena eram direcionadas para o
santo o qual a novena dedicada. Nestes momentos a banda no tocava.
Acabadas as rezas realizada a vnia do santo. Segundo Sebastio, existiam vrios
tipos de vnia. A Banda de Pfanos de Caruaru a realizava em trs pares de msicos que
enquanto tocam realizam mesuras em frente imagem do santo. Esses trs pares se
revezam em uma fila indiana dupla, finalizando na formao de uma roda em volta do
altar. As msicas executadas eram hinos litrgicos cantados e instrumentais. At esse
momento da novena a Banda somente executava msicas ligadas ao clima religioso, e
nenhuma msica profana.
16 Bras. N. N.E. Cobertura improvisada (em geral de folhas de coqueiro) para abrigar algum ou alguma coisa.(Ferreira, 1999)
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Concluda a parte litrgica era realizada a rematao17, um tipo de leilo onde
eram leiloadas as prendas colocadas juntas ao altar. A rematao era feita pelo
apregoador que ao entregar a prenda ao comprador geralmente segurava uma vela em
uma mo e a prenda em outra realizando mugangas18 em volta do mesmo. Depois que
o comprador recebesse a prenda era sua obrigao pagar uma bebida aos msicos.
Geralmente a rematao era feita para ajudar o dono da casa a ressarcir os seus gastos
com a novena. As prendas eram doadas pelos participantes. Entre cada prenda leiloada a
banda executava uma msica rpida e curta que criava um clima de expectativa at a
prenda ser entregue na mo do comprador.
Aps a rematao eram servidas bebidas e comidas e a banda tocava msica para
danar, para o povo se divertir. A festa se estendia at o almoo do dia seguinte (por
volta das 9:00 hs.), onde era realizada a alvorada e a vnia de encerramento.
Comparamos estas descries sobre a novena com os estudos do pesquisador
norte-americano Larry Crook19 sobre as bandas cabaais da cidade de Caruaru, realizado
no incio da dcada de 90. Nas descries deste autor, a vnia de santo realizada duas
vezes, quando o grupo chega casa da novena e antes da arrematao. Crook relata
tambm que quando se busca o santo ou a bandeira em outra casa a procisso obedece a
uma ordenao espacial bem mais meticulosa que a descrita pelos msicos do grupo. Na
descrio do autor ocorre separao entre o grupo de homens e mulheres em filas
ordenadas onde os integrantes carregam velas, rezam e entoam cnticos. Crook tambm
17 De arrematar: arrematar (...) Vender ou dar de arrendamento em leilo ou almoeda, aos lanos ou a quem maisder; adjudicar a quem oferece maior lano. (Ferreira, 1999)18 Caretas, trejeitos, esgares, momices; mogiganga. (Ferreira, 1999)19 Crook, 1991.
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no denomina de alvorada a hora que a banda cabaal toca para inaugurar a novena,
relata apenas, como citado acima, que o grupo realiza a vnia de santo. Atribumos as
diferenas ritualsticas entre esta pesquisa e a de Crook primeiramente devido poca
sobre a qual foram coletados os relatos. No caso de Crook, entre 1989 e 1991. J os relatos
sobre os quais trabalhamos se referem s dcadas de quarenta, cinqenta e sessenta. Em
segundo lugar isso se deve, provavelmente, s diferenas rituais da cerimnia que
existiam de localidade para localidade, como j afirmaram os msicos.
Larry Crook diz que as novenas de casa so derivadas das novenas oficiais da
igreja catlica (Crook, 1991, p.80) e para elucidar a sua origem, cita Meagher20:
De acordo com Meagher (1967), os nove dias devocionais da novena tiveram seu
aparecimento na Frana e Espanha no incio da Idade Mdia, e eram
originalmente associadas com o perodo que conduzia s festas de Natal. Vieram
tambm preceder as festas de santos e especialmente a da Virgem Maria. 21
Crook afirma que embora na doutrina catlica no exista a condenao explcita s
novenas, essas foram durante muito tempo criticadas pela Igreja. Os motivos das crticas
eram referentes aos milagres e supersties que habitualmente faziam parte do contexto
da novena. Por esse motivo as novenas foram marginalizadas pela igreja at o sculo
20 Crook, 1991, p.80. ( Meagher, Paul Kevin. (1967). Novena. In New Catholic Encyclopedia, ed. By EditorialStaff at the Catholic University of America. Vol. 10, pp 543-44. New York : McGraw Hill).21 According to Meagher (1967), the nine day devotional novena made its appearance in France and Spain in theearly Middle Ages and was originally associated with the period leading up to the feast of Christmas. It latercame to precede the feasts of popular saints and especially of the Virgin Mary. (Crook, 1991, p.80).
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dezenove, quando as autoridades catlicas permitiram o ritual como um meio legtimo
de oferta de indulgncias.
Os msicos tambm relataram a existncia das novenas realizadas na igreja
(chamadas por eles de novena na Matriz) que duravam nove dias e durante os quais a
banda tocava. Em cada dia eram realizadas trs alvoradas s seis, s doze e s dezoito
horas. Nessas alvoradas eram realizadas queima de fogos. Segundo Sebastio as
alvoradas tambm servem para avisar a comunidade do acontecimento da novena.
Este tipo de novena mobilizava toda a comunidade e movimentava tambm o
comrcio. Segundo Sebastio armavam-se vrios butiquins e camels em volta da
matriz que vendiam comida e bebida e outras quinquilharias. O perodo das rezas
realizado dentro da igreja costumava comear mais cedo e acabar por volta das vinte e
duas horas. A cerimnia era toda dirigida pelo padre e baseada majoritariamente em
cnticos de hinrios e leituras litrgicas. A banda no tocava nesse momento. A vnia era
realizada no final da cerimnia. Dificilmente a rematao realizava-se nesse tipo de
novena, e quando ocorria era em um lugar distante da igreja. Aps a parte litrgica
fechava-se a igreja e ocorriam as festividades, onde a banda tocava um repertrio prprio
para a dana. Geralmente as festas de cada dia da novena de igreja eram dedicadas a
determinado grupo da cidade: o dia das moas, dos rapazes, dos comerciantes, etc.
A Banda de Pfanos de Caruaru era constantemente requisitada para tocar nas
festas religiosas das localidades aonde morava. Os motivos eram a qualidade musical do
grupo, a responsabilidade dos msicos com a pontualidade e, o fato de no se
embriagarem durante as festas da Novena (hbito comum da maioria das bandas de
pfano). Sebastio salienta o esmero que Manoel Biano tinha com o vesturio do grupo:
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Meu pai mando faz uns terno branco...um pra cada um. Bem bonito, pra tudo
nis fica igualzinho, bem bonito (...). Ele prestava ateno nessas coisa ! Tinha
cada banda que a gente via...com chapu furado, instrumento sujo, as cara
[calas] que voc no conseguia v qual era o primeiro pano, de tanto remendo
que tinha... (Dep. de Sebastio Biano)
Ocorria, em alguns casos, de algum cham-los para pagar uma promessa, ou seja,
a novena era um modo de retribuir a graa alcanada. Geralmente o grupo recebia pouco
para ir tocar nas novenas. Em certos casos as tocadas do grupo foram barganhadas com
animais de criao como bodes, galinhas, etc. Joo Biano relata que s vezes o dono da
novena fazia um catinha, uma espcie de pedido de contribuio feita aos presentes,
sendo que o dinheiro arrecadado servia para pagar os msicos. Muitas vezes o dono da
novena era pessoa muito pobre e pedia a seu pai Manoel que fosse tocar de graa.
Manoel Biano atendia ao pedido por pena e cumpria o trato, mesmo que surgisse uma
outra chance de tocar na mesma data em troca de remunerao:
Tinha veiz que a gente ia toca no pelo amor de Deus. O home chegava e dizia que
no tinha dinheiro nenhum...chegava falando: Seu Manoel, pelo amor de Deus,
minha filha ta doente, eu quero faze uma novena pra sara ela mais no tenho dinheiro, o
senhor podia ir l pra mim? E meu pai, se no tivesse compromisso ia (...). Nunca,
nunca meu pai neg ajuda a algum pela razo do dinheiro! Memo que aparecesse
uma outra novena que a gente ia ganh ele no arredava, falava que j tinha
compromisso! isso meu irmo, muitas veiz a gente foi no pelo amor de Deus. (D.
Sebastio Biano).
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2.2. CARUARU E A FORMAO DO GRUPO
Chegando em Caruaru, em 1939, o grupo comeou a tocar na rea rural da cidade
com a seguinte formao: Manoel na Zabumba, Sebastio e Benedito nos pfanos e as
duas filhas da famlia, uma tocando tringulo e a outra cantando.
Por volta do ano de 1942 Manoel Biano inseriu no grupo um caixeiro chamado
Chico Preto, e um tocador de surdo chamado Jos Moiss. s filhas de Manoel foi
reservada a funo do canto e s vezes o ganz22. Alguns anos depois morreu Jos Moiss
que foi substitudo por Lol, um primo de Maria, esposa de Sebastio.
As bandas de pfano que existiam em Caruaru se localizavam na zona rural e
raramente vinham cidade. A primeira que iniciou incurses a cidade foi a dos Biano,
como ele Sebastio conta:
Tinha vrias banda de pife l, mas...nunca vinha na cidade no, s nas fazenda
que moravam...depois que nis comeemo toca na cidade que os cara vieram se
chegando, (...). Tinha vrias banda assim no stio n? Tudo municpio de Caruaru,
l perto da cidade. Mais no iam na cidade no, no sei porque...(D. Sebastio
Biano)
Nos idos de 1950 Manoel Biano resolveu colocar pratos de choque no grupo
inspirado nas bandas de coreto e fanfarras. Os primeiros pratos do grupo foram
construdos pelo prprio Manoel, com folhas de zinco. Foi chamado o irmo de Jos
22 Espcie de chocalho de folha-de-flandres e formas variadas. Var.: canz. Sin.: amel, pau-de-semente, xeque,xeque-xeque, xique-xique. (Ferreira, 1999)
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Moiss, Joo Moiss para toc-los. Nessa poca as irms de Sebastio deixaram de tocar
no grupo, proibidas pelos namorados.
Os primeiros netos de Manoel que comearam a tocar na banda foram Gilberto
Biano (caixa) e Joo Biano (zabumba), filhos de Benedito Biano. Nas festas e novenas os
dois acompanhavam a banda e nos intervalos do grupo ficavam tentando tocar os
instrumentos. Manoel tambm ensinava o neto Joo a tocar zabumba nas horas vagas.
Manoel Biano morreu no ano de 1955 de pneumonia. Uma das filhas de
Manoel disse para o mesmo no leito de morte que o pai deveria vender os instrumentos,
j que sem ele a banda no iria mais existir. A resposta de Manoel foi emblemtica:
Minha filha...Um pai de famlia quando morre, as pessoa pega a enxada, a foice e
o machado e bota tudo no mato? Isso o ganha-po deles! Voceis ensinem os seus
filho com pacincia. Tenha muita pacincia pra ensin a eles... Que o ganha po
de voceis! (Depoimento de Maria Alice Biano)
Embora Joo e Gilberto gostassem de brincar com os instrumentos ainda eram
muito novos para assumir as funes de msicos do grupo, com isso Joo Moiss que
tocava prato assumiu a zabumba e um filho de Sebastio chamado Lus, vulgo Lula,
entrou para tocar pratos. Amaro (futuro tocador de surdo do grupo) tambm comeou a
tocar ocasionalmente com a banda tocando surdo e zabumba. Com o passar do tempo
passou a substituir Jos Moiss no surdo e se consolidou como membro efetivo do
grupo.Outras duas pessoas que participaram no grupo, se revezando em vrios
instrumentos foram Jos Brito e Jos Alves. Com o passar do tempo os filhos de Sebastio
e Benedito foram paulatinamente assumindo as funes de msicos oficiais do grupo,
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presenteou com a co-autoria da msica De Alagoas a Pernambuco23 lanada em um Lp
do grupo.
Na dcada de sessenta e setenta o grupo realizou vrios documentrios para
cinegrafistas de pases da Europa, como Blgica, Alemanha e Portugal. Em 1963
participaram do filme, Terra sem Males, do diretor Jos Carlos Burle. No ano de 1971 o
grupo participou da trilha sonora e como figurantes do filme Fausto, dirigido por
Eduardo Coutinho.
23 Faixa 6/lado B do disco A bandinha vai tocar, 1980, (Discos Marcus Pereira).
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Figura 1. Banda de Pfanos de Caruaru, 1941. Da esquerda para direita: Sebastio, Benedito, Chico Preto, Joo
Moiss e Manoel (1941).
Fig. 2 Benedito e famlia Fig. 3 Sebastio e famlia.
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Fig. 4. A Banda no meio do povo, anos 50. Da esq. p/ direita: Benedito, Chico Preto, Gilberto e Joo.
Fig. 5. Anos 50, os netos de Manoel comeam a ensaiar. Da esq. p/ direita:Gilberto, Amaro, Joo, Sebastio e
Benedito.
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Fig. 6. Festa dos Bacamarteiros em Caruaru, dcada de 60.
Fig.7. A Banda dos anos 60. Esq. p/ direita: Benedito, Sebastio, Z Moiss, Amaro, Lula e Joo.
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Fig. 8. Praa do Lactrio. Caruaru, dcada de 60.
Fig. 9. A Banda no fim dos anos 60. Esq. p/ direita: Gilberto, Z Brito, Jos e Joo.
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Fig.10. Indo para a Novena, anos 60. Da esq. p/ direita: Benedito, Sebastio, Gilberto, Amaro, Lula e Joo.
Fig.11. Rua Sete de Setembro, Caruaru, anos 30.
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Fig.12. Tocando na festa, anos 60. Da esq. p/ direita: Benedito, Sebastio, Gilberto, Amaro, Lula e Joo.
Fig.13. Praa Joo Pessoa. Caruaru, dcada de 50.
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Fig.14. Benedito e Sebastio, dcada de 60.
Fig.15. Rio Ipojuca, Caruaru, 1958.
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Fig. 16. Na redao do Jornal Alvorada em Caruaru, anos 60.
Fig. 17. Tocando na praa, Caruaru, anos 70.
Fig. 18. Fazendo animao do concurso de Miss Caruaru, anos 60.
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3. A INSERO NO MERCADO FONOGRFICO
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3. A INSERO NO MERCADO FONOGRFICO
Comeamos a tocar no mato... e depoisfomos pra cidade.
Gilberto Biano
3.1. O ENCONTRO COM GILBERTO GIL
No final do ano de 1971 o msico paulistano Jards Macal1 estava visitando
Caruaru. Nesta poca o grupo se apresentava no restaurante Guanabara, muito
freqentado por turistas. Macal no chegou a se apresentar ao grupo, mas na poca era
amigo de Gilberto Gil e comunicou-lhe que na cidade existia uma banda de pfanos de
qualidade. Risrio relata que Gil, neste perodo, estava exilado em Londres e planejava,
quando voltasse ao Brasil, realizar pesquisa sobre folclore brasileiro a procura de
manifestaes regionais relevantes da cultura popular. (Risrio, 1982, p.67).
No incio de 1972, aps voltar do exlio, Gil se dirigiu cidade de Caruaru com o
intuito de manter contato e gravar alguma performance do grupo. O msico chegou nacidade e passou nela trs dias. Em um sbado, enquanto se apresentava diante de uma
loja de tecidos, a banda foi chamada pelo filho do prefeito Anastcio Rodrigues para ir
1 Jards Macal cantor, compositor e violonista. Participou de vrios discos do movimento tropicalista, inclusive
com Caetano Veloso e Gilberto Gil.
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sua casa, pois o maior cantor do Rio queria v-los, um tal de Gilberto Gil, que os
integrantes da Banda, nem tinham idia de quem era.
Gilberto Biano conta que quando o grupo chegou casa do prefeito havia muita
gente e Gilberto Gil estava sentado no cho. Vestia uma roupa de pano de saco e quase
no falava. O prefeito disse que Gil queria que eles tocassem. A Banda executou vrias
msicas e parou. Segundo Joo Biano, Gil disse: Muito bom, vocs tocam muito bem.
Uma dessas msicas que eu gravei vai entrar no meu disco. Joo Biano pediu a Gil que
tocasse as suas msicas. Gil tocou e os integrantes do grupo acharam as msicas
estranhas, e no entenderam nada.
O prefeito ento os chamou rapidamente para almoar e pagou-lhes um cach
pela gravao. Os msicos do grupo contam que no conversaram mais com Gil e que o
contato foi s durante a gravao, mais ou menos uns quinze minutos. O grupo no se
interessou muito pela gravao e nem pela promessa de Gil, pois outras pessoas j
tinham ido a Caruaru e dito a mesma coisa e nada havia acontecido. Muitos turistas
estrangeiros e artistas nacionais visitavam a cidade de Caruaru e prometiam divulgar a
obra do grupo, fato que no havia se realizado efetivamente at ento.
Logo depois o grupo soube pela Rdio Cultura de Caruaru na qual Gilberto Gil
tinha dado entrevista que o artista iria apresentar o grupo para a gravadora Philips, da
qual fazia parte na poca.
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3.2. A GRAVAO DO PRIMEIRO DISCO
Alguns meses aps a visita de Gilberto Gil Caruaru notcias da Banda haviam
chegado s gravadoras do sudeste e a imprensa comeava a comentar o grupo. A CBS foi
a primeira gravadora a se oferecer para gravar com a Banda. Na poca a gravadora tinha
um Departamento de Msica Regional que era comando pelo sanfoneiro Abdias Filho
cujo nome artstico era Abdias dos oito baixos. Abdias era amigo ntimo do compositor
caruaruense Onildo Almeida2 e soube da Banda de Pfanos de Caruaru atravs da
imprensa. Entrou em contato com Onildo Almeida e sugeriu a gravao. O acerto,
segundo Onildo, foi de que a gravadora se comprometeria a gravar e distribuir o disco se
a prefeitura de Caruaru se comprometesse a comprar quinhentos exemplares. Alm
disso, a prefeitura teria que fornecer o transporte dos msicos e de Onildo Almeida para
o Rio de Janeiro. A gravadora arcaria com as despesas de hospedagem e alimentao. O
prefeito Anastcio concordou rapidamente com a proposta e foi enviado um contrato
pela CBS a Onildo de Almeida que se encarregou de legalizara relao entre os msicos e
a prefeitura.
Alguns dias depois da Banda ter acertado a gravao do disco com a CBS
apareceram vrias gravadoras em Caruaru. Jos Biano conta que representantes da
Philips, da Copacabana e da Continental estiveram em Caruaru oferecendo contratos
para gravao, mas os msicos estavam comprometidos com a CBS e no aceitaram as
ofertas.
2 Compositor e radialista caruaruense. Tem mais de 530 msicas, vrias delas gravadas pelos mais famosos
cantores brasileiros: Agostinho dos Santos, Maysa, Luiz Gonzaga, Ludugero, Trio Nordestino, Gilberto Gil,
Marines.
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instrumentos. Os msicos se alimentavam em postos e restaurantes beira da estrada,
locais onde tambm dormiam segundo Joo Biano todos amontoados dentro do carro.
Os msicos gravaram no estdio A da CBS, o mesmo que Roberto Carlos
gravava segundo Joo Biano. Inclusive o mesmo Joo conta que o prprio Roberto
Carlos foi assistir a gravao da Banda na CBS.
Antes de comear as gravaes a Banda mostrou as msicas que j tocava para o
produtor Abdias, que ficou impressionado com a qualidade musical do grupo e disse
para eles irem gravando uma aps a outra. No final dos perodos de estdio a Banda
tinha gravado vinte e oito msicas. Os msicos gravaram em cabinas separadas as quais
tinham pequenas janelas envidraadas para que os mesmos se observassem. As vozes
foram gravadas mais tarde, depois da base instrumental ficar pronta. Onildo Almeida diz
que cantou vrias msicas com o grupo para dar mais segurana em relao afinao e
pronncia. Cantei com eles porque eles eram rsticos... faltava segurana na afinao...
faltava um lder para conduzi-los.(D. de Onildo Almeida).
As fotos da capa do disco foram realizadas em um estdio fotogrfico da cidade e
inspiradas nas coreografias que a Banda realizava nos shows e em orientaes da Abdias.
Onildo Almeida escolheu as msicas que foram para o disco e fez a mixagem sem
a presena dos msicos. A nica msica que foi lanada no seu tempo integral e original
foi a Briga do cachorro com a ona, visto que em vrias outras foi usado o recurso de
fadeout8 para adapt-las a uma durao mais comercial.
A estadia da Banda no Rio de Janeiro durou aproximadamente um ms. Neste
perodo, alm de gravar, o grupo tambm realizou um show no MAM (Museu de Arte
8 Aumento (fadein) ou diminuio (fadeout) gradual do volume do udio. (Ferreira, 1999).
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Moderna no Rio de Janeiro). Esse show foi contratado pelo empresrio de Roberto
Carlos.Para o show no MAM o grupo ensaiou sete msicas que eram para ser executadas
em meia hora. Quando chegaram assustaram-se com o enorme volume de carros no
estacionamento e perguntaram se ali era realmente o lugar certo. Cerca de trs mil
pessoas lotavam o espao.
Na hora do show, Onildo entrou primeiro no palco provocando riso geral.
Segundo ele, isso foi porque vestia terno e sapato e parecia um matuto no meio daqueles
universitrios de jeans e camiseta. Onildo se apresentou e disse que tinha vrias msicas
gravadas por Gilberto Gil. Um estudante o interpelou e perguntou se ele podia tocar uma
delas. Onildo no se fez rogar e tocou em um violo Sai do sereno de sua autoria e gravada
por Gilberto Gil no seu disco recm lanado, Expresso 2222. Em seguida chamou a Banda
para o palco, os verdadeiros sopradores de pau-furado. Pegou um pfano de Sebastio
e desafiou o pblico, convidando algum para toc-lo. Alguns se ofereceram, mas
ningum conseguiu tirar som do instrumento. O show durou muito mais do que o
previsto, pois o pblico pedia vrias vezes que o grupo voltasse ao palco. O grupo ento
fez uma pausa onde foram respondidas perguntas do pblico. Essa seo durou em torno
de uma hora. Os integrantes do grupo contam que muitos msicos vieram conversar com
eles, maestros escreviam partituras, e muitos tiravam fotografias ou filmavam. Em
seguida a Banda executou uma seo de frevos. O pblico que estava sentado levantou-se
e comeou a danar. A Banda continuou tocando noite adentro at, aproximadamente, s
duas horas da madrugada do dia seguinte. No dia seguinte, o Jornal do Brasil reservou
uma pgina inteira ao grupo. Segundo Jos Biano, essa reportagem foi fruto de uma
entrevista realizada em Caruaru por um reprter do referido jornal na vspera da
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partida para o Rio de Janeiro. Onildo conta que ocorreu uma verdadeira ciznia na
imprensa, em que determinados jornais criticavam e outros elogiavam o grupo. Sebastio
Biano revela que no dia seguinte alguns maestros foram ao hotel para entrevist-los.
Sebastio ganhou alguns presentes dos mesmos como um xilofone e um disco com
exemplos de percusso.
Os msicos do grupo receberam um bom cach pelo show realizado no MAM. No
entanto, no receberam valor algum pelas gravaes. Contam que tiveram que assinar
vrios papis e s.
Voltando cidade de Caruaru, no ms de setembro, o grupo foi recebido com
grande alarido na imprensa. Jornais e rdios realizaram seguidas reportagens sobre a
gravao e a estada do grupo no Rio de Janeiro.
Alguns meses depois os discos chegaram a Caruaru. Como era o combinado, a
prefeitura comprou quinhentos discos. Os msicos receberam gratuitamente uma caixa
com vinte e cinco.
Segundo Jos Biano, as vendas foram grandes. Todas as lojas de Caruaru e regio
estavam vendendo o disco do grupo em grande quantidade. As rdios comearam a tocar
as msicas. Jos conta que se surpreendia com a divulgao do nome da banda
promovida pelo disco:
Vendeu adoidado...A gente ia fazer novena, toc festa por este serto l pelo lado
de Custdia, Corrente, aquele fim de mundo l (...). Chegando l o pessoal
comeava a pedir msica pra gente. As veiz tinha lugarzinho em que a gente tava
tocando pela primeira veiz que o pessoal pedia: toca aquela msica, toca aquela
msica...comeava a toc...o povo assistindo...(D. Jos Biano)
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um bar no seu bairro. Sebastio Biano tinha aposentadoria e contava com a ajuda de
outros filhos que moravam com ele. Este era o mesmo caso de Gilberto Biano.
Nesta poca o grupo contava com somente um pfano, pois Benedito morava em
Caruaru. Os shows eram escassos. No ano de 1985 surgiu um substituto para o lugar de
Benedito. Seu nome era Edmilson Ferreira da Silva, conhecido como Edmilson do
pfano. Edmilson nasceu em Lagedo PE. Seu pai tinha uma banda de pfanos na qual
ele comeou a tocar com dez a