EGOTRIP
“Navegar é preciso”.
Ao fundo de mim mesma,
quer traga pranto ou riso.
Sinto não ser capaz...
A mim mesma encontrar
é difícil, bem mais
do que olhar pra trás,
sem ter que se voltar,
em solitário cais.
(Fio de prum- 1989)
SÓ SER
Sou flor de lótus vagandona superfície de um lago.
Sou pena que vai levandoo vento que passa ao largo.
Sou beijo de amor escapandode um lábio frio e amargo.
Sou criança definhandosem alimento ou afago.
Sou espírito abortandoem ventre estéril e aziago.
Sou assim _ vida finandonum suspiro triste e vago.
Chama de vela expirando,sem sou sopro, só, me apago...
(SÓ SER -1991)
DOAÇÃO
Quisera dar-te a paz de um verdejante prado
e o leito que refaz o viajor cansado,
fazendo do meu próprio ser teu doce ninho.
Quisera alvorecer de luz tua solidão
com uma esteira de estrelas, em profusão,
jamais deixando escurecer o teu caminho.
Quisera dar-te, amor, a cada novo dia,
um sonho colorido por novo matiz.
Quisera dar-te o céu, num arco-íris de alegria
e, ao fazer-te feliz, ser muito mais feliz!
(Sonatas -1996)
HAICAIS
Na espuma clara
do mar deitei os meus sonhos.
Dormem no azul.
Na concha da mão
adormece uma lágrima.
Pérola escondida.
Duas alvas lágrimas:
contas ocultas na concha
de um mar de saudades.
Para onde vão
as almas dos sonhos mortos?
Eu não sei dizer...
(Aquarelas Poéticas- 1996)
MULTIFÁRIAS VOZESMULTIFÁRIAS VOZES
Os anjos falam
no silêncio.
É preciso calar
para ouvi - los.
E suas vozes soam,
na alma,
como o tilintar
de cristais
tocados pelo vento.
A canção que entoam,
inscrita nas pautas
do infinito,
embala a alma
que, insone e só,
suplica a Deus
a paz
dos sonhos dormidos.
(Mistral-1999)
SOBRE UMA DOR
Ainda há soluços...
Há soluços no quarto,
sob os alvos lençóis,
pairando sobre cada objeto...
Ainda há soluços,
sobrepondo-se aos silêncios,
debatendo-se no peito
como pássaros aprisionados
contra fechadas vidraças.
E há uma voz emudecida,
sem nenhum canto ou riso,
uma voz que já não canta,
e há um espinho na garganta...
(Mistral - 1999)
O FIO DE ARIADNE
Ah! Esse sabor amargo que na boca aflorae essa saudade imensae esse vazio atrozque fez de mim, sozinha,o que antes era nós...
Ah! Esse silêncio largoque me envolve agorae essa dor intensae o desamor ferozque cedo me definhae cala minha voz...
Ah! Esse amor aziagoque minh’alma chora,que torna a vida densae os dias negras mós,é o que cortou a linhade seculares nós.
(Canzoni d’amore - 1999)
FILOSOFANDO
“Nunca pisamos duas vezes
nas águas de um mesmo rio”
_ disse certo filósofo, e eu sorria...
Teimava em volver ao já passado,
águas de um rio lindo, mas já ido...
Hoje, margeando o rio da minha vida,
olho as águas que passam, noite e dia,
fluindo rumo a um fim insuspeitado.
E me contento tão somente em vê-las,
amando o que não foi, o já perdido,
saudosa do que foi, sem ter voltado.
(Canzoni d’ amore -1999)
Verde mar,
verde folha,
verde esperança
que se desfaz,
que se desfolha,
na alva areia,
entre alga e espuma...
Assim o amor,
concha esquecida
em praia deserta,
no vaivém
da onda - saudade
também se evade,
também se esfuma.
Poemar - 1999)
Celebro enfim a paz e a claridade.
Na alma, já curada do seu mal,
não mais brilha o sol negro de Nerval.
Tristeza, dor e vã temeridade
são máscaras de antigo Carnaval
que, uma vez findo, soa tão banal.
Um brilho alvinitente no olhar,
breve sorriso que o lábio esboça
são traços visíveis a espelhar
envelhecida alma que remoça.
(Inéditos- 2003)
SOL NEGRO
BUSCA
Eu TE procuro em todas as fontes
de vida do ser, latentes no mundo:
no céu, na terra e no mar profundo.
Eu TE procuro em todos instantes
que a alma imerge e vai no mais fundo
do imo, a cismar, segundo a segundo.
E eis que TE encontro, como nunca antes,
nos carmas dos homens, eternos viandantes:
nos risos, nos sonhos, os mais delirantes,
nas preces, no canto, no amor dos amantes.
(Ave-Marias - 2004)