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3 A (RE)CRIAO ESTILIZADA DE ARIANO SUASSUNA
Auto da Compadecida uma pea teatral escrita em 1955 pelo paraibano
Ariano Suassuna, e encenada pela primeira vez em 11 de setembro de 1956. A
publicao do texto escrito ocorreu apenas em 1957, aps o sucesso da encenao
no !io de "aneiro durante o # $estival de Amadores %acionais, ocasio em &ue seuautor 'oi premiado com a medal(a de ouro da Associao )rasileira de *r+ticos
eatrais. -tilizando elementos de tradio da cultura popular nordestina, como a
literatura de cordel, misturando a cultura popular e a tradio reliiosa brasileira com
ecos da tradio e cultura europeias, o autor conseuiu criar um di/loo
eminentemente teatral, vivo e saboroso, colorido e descritivo, popular sem ser
vular, rea'irmando o car/ter reliioso da pea.
%a verdade, a construo do Autoobedece a uma ideoloia antia do autorde unir o nacional ao popular. 0ara ele, 2...3 a arte &ue realmente expressa o pa+s e
o povo brasileiro popular ou baseada no popular, uma arte erudita baseada no
popular4 S-ASS-%A, 1, p. 8 e, em tal concepo de arte, estaria a :nese de
seu teatro, no &ual dese;ava expressar suas ra+zes e seu povo, neando, assim, os
modelos de teatro europeu, como se percebe em sua seuinte 'alanico espao culturalonde o povo brasileiro se expressou sem interven?es nem de'orma?es&ue l(e viessem de cima ou de 'ora. @ 'ol(eto de cordel um universoextraordin/rio S-ASS-%A, 1, p. 8.
e 'ato, desde a escritura da primeira pea em 1987, Uma Mule! "e#tida
de Sol, &ue se pode observar a inspirao na literatura de cordel na 'eitura do teatro
de Suassuna, em particular o Auto da Compadecida, pois vieram do cordel
nordestino as sementes prol+'eras &ue oriinaram a construo de cada ato da pea
escrita.
Ao 'alar sobre a criao de sua mais 'amosa pea, o autor mostrouBse
irreverente ao reproduzir o di/loo travado com um cr+tico de teatro
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-ma vez, um cr+tico de teatro no !io de "aneiro disse< o primeiro ato da suapea baseado num 'ol(eto popular c(amado O enterro do cachorro. Cudisse< . Cle disse< o seundo, noutro 'ol(eto popular c(amado A estria docavalo que defecava dinheiro. Cu disse< . A+, antes &ue ele acrescentasse,
eu disse< o terceiro ato tambm baseado noutro c(amado O castigo dasoberba. Csto l/ citados no comeo. Cle disse< o arcabouo mais oumenos o do teatro de Dil Eicente. Cu disse< . A linuaem a do povo donordeste. A+ eu disse< . C ele disse< o &ue &ue seuF C eu disse< a pea min(a S-ASS-%A, 1, p. 5.
Se a conversa aconteceu exatamente desta maneira no importa para esta
pes&uisa. !elevante se 'az o seu teor, o autor 'alando de suas prprias 'ontes,
indicando o camin(o pelo &ual percorreu ao elaborar seus textos, e deixando claro
para seus leitores &ue, ao recriar textos populares, aproveitou o &ue era do povo
dandoBl(e um novo ol(ar e o devolveu ao povo sob nova roupaem, com inteno
de valorizar o popular.
essa 'eita, observaBse, na construo do Auto, a oriem popular da pea
&ue, baseada em tr:s 'ol(etos da literatura de cordel nordestina e nos moldes
teatrais de Dil Eicente, ;untamente com a linuaem e crena reliiosa
predominantes nesta reio peculiar do )rasil, saindo desses limites reionais do
pa+s, atravessou o mar e c(eou aos palcos europeus e descobriuBse tematicamenteuniversal e atemporal, como o prprio autor constatou ao 'alar sobre o romanceiro
popular e literatura erudita em um evento ocorrido em na cidade de )elo
Gorizonteltimo e acaba conseuindo voltar N terra. Ao retornar, ele reencontra o compan(eiro
*(ic e os dois acabam entreando todo o din(eiro &ue Severino roubara para a
ire;a, ;/ &ue *(ic 'izera uma promessa N %ossa Sen(ora em troca da vida de
"oo. al din(eiro com &ue paaram a promessa de *(ic era, na verdade,proveniente dos roubos &ue Severino 'izera &uando invadiu a cidade de apero/ e
de &uem "oo, antes de ser baleado, peara toda a &uantia depois &ue a&uele
morrera. "oo primeiro reluta em entrear o din(eiro para paar a promessa, mas
acaba entreandoBo, dizendocleos do primeiro e
seundo atos, em &ue o protaonista "oo Drilo, a;udado por *(ic, enana os
eclesi/sticos, o Ha;or AntKnio Horaes, o 0adeiro e a Hul(er atravs das mentiras&ue cria com o ob;etivo de an(ar alum trocado ou simplesmente para vinarBse de
seus exploradores. ambm 'ica claro no des'ec(o da (istria, ;/ &ue todos escapam
da condenao eterna devido N intercesso da *ompadecida.
As marcas do tr/ico se tornam mais salientes a partir da metade do
seundo ato com a entrada de Severino do Araca;u e do *anaceiro. Cstes dois se
op?em aos demais personaens uma vez &ue entram em cena para roubar e
acabam provocando a morte de todos &ue esto na ire;a, com exceo do $rade e
de *(ic. %a cena do ;ulamento, a oposio entre as personaens tornaBse ainda
mais brusca pois veemBse de um lado as 'iuras celestiais e de outro as 'iuras
demon+acas, no (avendo acordo entre elas.
essa 'orma, podeBse observar &ue cada ato da pea possui uma (istria
n>cleo, em torno da &ual as personaens se envolvem 'ormando o enredo do texto.
%a verdade, a diviso da encenao em tr:s atos constitui apenas uma proposta do
autor, o &ual deixa livre ao encenador e ao cenra'o a montaem da pea em dois
ou tr:s cen/rios, ou simplesmente o uso de cortinas e outros acessrios pertinentes
ao enredo e N montaem c:nica para separar a cena do ;ulamento das cenas
anteriores.
*omo o prprio autor Ariano Suassuna a'irma no in+cio da pea, 4@ Auto da
Compadecida 'oi escrito com base em romances e (istrias populares do %ordeste.
Sua encenao deve, portanto, seuir a maior lin(a de simplicidade, dentro do
esp+rito em &ue 'oi concebido e realizado4 5, p. 1J, importando, ento, a
pertin:ncia da no so'isticao da montaem, o &ue re'oraria o teor popular do
texto escrito pelo autor.
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0ara a montaem c:nica do Auto da Compadecida, Suassuna 5, p.
15 con'ere Ns personaens caracter+sticas e aspectos circenses, aproximandoBas
de uma tropa de saltimbancos. A apresentao dos atores ao p>blico acontece de
'orma alere e exibida, com artistas camin(ando sobre as mos, correndo,
apresentando esticula?es laras. A entrada do rupo no palco anunciada, por
um dos atores, com o to&ue suave de uma corneta. @ autor vislumbrou uma entrada
'estiva, barul(enta, prpria de espet/culos circenses. Suere, ainda, &ue a entrada
da atriz &ue 'or representar o papel da *ompadecida se;a 'eita em tra;es comuns,
sem caracterizao, com a 'inalidade de mostrar ao p>blico &ue, na&uele momento,
ela apenas uma atriz e, dessa 'orma, desvinculaBse por completo do +cone
reliioso. 0ercebeBse a+ uma preocupao do dramaturo em resuardar a randezada 'iura de Haria, como a me do $il(o de eus e +cone sarado do *atolicismo. @
>nico ator &ue no deve se apresentar ao p>blico o &ue representar/ Hanuel, uma
vez &ue sua entrada constitui um elemento surpresa do espet/culo, devido N cor de
sua pele ser nera.
Aps um to&ue de clarim, o 0al(ao, 'iura t+pica das apresenta?es
circenses, entra e, como ocorre nesses espet/culos, conduz a encenao,
desempen(ando a 'uno de narrador, con'orme dito no in+cio deste cap+tulo. *abea ele anunciar aos espectadores, no luar do autor, o car/ter moralizador e reliioso
da pea, na &ual (/ um combate ao mundanismo, visto pelo autor como uma praa
de sua ire;a. Suassuna 5, p. 16, por considerarBse indino de 'alar sobre tal
tema, dese;ou ser representado por um pal(ao para indicar &ue sabe, mais do &ue
ninum, &ue sua alma um vel(o catre, c(eio de insensatez e de solrcia4 e
apenas ousou 'az:Blo4, baseandoBse no esp+rito popular de sua ente4, por
acreditar &ue esse povo so're e tem direito a certas intimidades4.
@ 0al(ao, ento, dirieBse ao p>bico anunciando o apelo &ue a pea 'az N
misericrdia e situa os espaos em &ue a encenao ocorrer/, neste caso, uma
ire;a e seu p/tio S-ASS-%A, 5, p. 17. Cm seuida sai danando do palco ao
som de uma m>sica para dar luar N entrada das personaens e poder iniciarBse,
assim, os con'litos (umanos e terrenos para, no 'inal, (aver o triun'o da misericrdia,
con'orme a pretenso do autor ao escrever a pea.
*om a entrada das personaens, (/ uma pausa na narrao e iniciaBse a
ao, propriamente dita, mas o 0al(ao reaparece no in+cio de cada cena 'azendo a
liao entre elas e tambm ao 'im da encenao, para encerr/Bla. *omo se
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observa, ele uma personaem de liao, aparecendo &uando convm N narrativa,
para ocupar os buracos deixados pela aus:ncia de um narrador, uma vez &ue no
espet/culo teatral no (/ um narrador propriamente dito.
%este momento separaBse de vez o teatro escrito do espet/culo.
%a pea Auto da Compadecidaa 'iura 'eminina da *ompadecida, a me
de "esus, sem d>vida 'undamental no s por&ue d/ nome N pea mas
principalmente devido N interveno &ue tal personaem 'az a 'avor das demais
personaens (umanas. Cla atua como advoada de de'esa para os mortos "oo
Drilo, 0adeiro, Hul(er do 0adeiro, )ispo, 0adre "oo, Sacristo, Severino do Araca;u
e *anaceiro diante do acusador Cncourado e do ;uiz Cmanuel.
Cm entrevista aos editores de Cade!&o# de Lite!atu!a !a#ilei!a, do
#nstituto Horeira Salles, em J de setembro de , Ariano Suassuna
&uestionado sobre a presena da 'iura 'eminina em sua obra ser menos 'orte &ue a
'iura masculina, principalmente em sua obra Roma&ce dA *ed!a do Rei&o,
considerada pela cr+tica a mais importante, em &ue no (/ protaonistas 'emininas,
o escritor respondedo tem/tico. Sua oriem,
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portanto, a literatura popular europeia, passando pela 0en+nsula #brica at c(ear
ao )rasil atravs da literatura popular portuuesa.
J. @ DA@ =-C CS*@HC4 #%GC#!@ @- SCD-%@ A@
A cena do enterro do cac(orro, utilizada para compor o primeiro ato, a
respons/vel pela &uebra do status quoda narrao, sendo, assim, o 'ator inicial da
complicao do enredo presente na pea escrita. Cssa cena in'luencia, ainda, o
in+cio do seundo ato, uma vez &ue nessa parte &ue o leitorQespectador 'ica
sabendo da re'erida discusso entre o 0adre e o )ispo, a respeito do sepultamento
do cac(orro, bem como a e'etivao do paamento aos tr:s eclesi/sticos pelosservios prestados ao animal. *ontudo, rati'icando o &ue ;/ 'ora dito, nesse seundo
ato, sure, ainda, um novo n>cleo dram/tico< a (istria do ato &ue descome
din(eiro4, baseado em outro texto da literatura de cordel.
@ primeiro ato termina com o 0adeiro, a mul(er, *(ic e "oo Drilo
acompan(ando, em procisso, a cerimKnia '>nebre do enterro do cac(orro presidida,
em latim, pelo Sacristo. A seunda cena iniciaBse, tal como a primeira, com a
entrada do pal(ao em cena, o &ual dirieBse diretamente ao p>blico, con'orme suapostura de narrador, para revelar alo &ue no acontece no palco mas &ue
imprescind+vel ao p>blico saber para entender a encenao< a con'er:ncia entre o
Ha;or e o )ispo, em &ue a&uele pede provid:ncias a este em relao N atitude de
0adre "oo.
*on'orme dito anteriormente, na abertura deste cap+tulo, aps a con'uso
ocasionada pelas mentiras de "oo Drilo ditas tanto ao p/roco &uanto ao Ha;or para
conseuir um enterro de cristo ao bic(o de estimao da mul(er do 0adeiro,AntKnio Horaes senteBse extremamente o'endido pelo 0adre e vai se &ueixar ao
)ispo. iante da cobrana do Ha;or, o )ispo dirieBse N ire;a para exiir uma
explicao de 0adre "oo. A entrada do )ispo em cena encerra a narrao do
0al(ao. urante a conversa com o 0adre, o )ispo 'ica sabendo, por "oo Drilo, do
din(eiro deixado pelo animal N diocese, em testamento. Cnto, vislumbrando a
&uantia &ue receberia, o )ispo desiste de repreender o seu subordinado e acaba
aprovando sua atitude, bem como a do Sacristo.
*omo a morte e o sepultamento do cac(orro renderiam din(eiro para os
eclesi/sticos mas no para "oo Drilo, este arma outra trapaa com a inteno de
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entrar tambm no testamento do cac(orro4 S-ASS-%A, 5, p. 71. 0ara isso, e
tendo con(ecimento de &ue bic(o e din(eiro eram as >nicas coisas &ue aradavam
a mul(er do padeiro, arran;aBl(e um ato &ue descome din(eiro4, isto , um ato
&ue de'eca din(eiro para substituir o animal morto. %a verdade, o p>blico &ue
acompan(a o espet/culo teatral, bem como o leitor da pea escrita, sabem &ue se
trata de um ato comum, no &ual *(ic 'oi incumbido, por "oo, de inserir alumas
moedas, como revelado na seuinte passaemcia e ailidade de "oo Drilo &ue, em seuida, percebendo a descoberta de sua
trapaa pelo cabra de Severino, e a;udado por *(ic, avana sobre o comparsa docanaceiro, o &ual cai 'erido no c(o devido a uma 'acada dada por "oo. Antes de
morrer, o canaceiro atira em "oo no exato momento em &ue este comemorava por
ter conseuido 'icar com todo o din(eiro &ue retirara dos bolsos de Severino. *om o
tiro &ue recebera, "oo Drilo tambm morre e encerraBse o ato com a entrada do
0al(ao pedindo aos atores para prepararem a cena do ;ulamento.
%o terceiro ato, por sua vez, acontece o ;ulamento das personaens &ue
morreram no 'inal da seunda cena, neste caso, os tr:s eclesi/sticos, o 0adeiro e
sua Hul(er, os dois canaceiros e "oo Drilo. %esta cena, podeBse perceber a 'orte
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in'lu:ncia do *atolicismo presente na cultura nordestina e na vida do autor Ariano
Suassuna.
0ara a construo da cena do ;ulamento, o dramaturo valeuBse
basicamente de dois textos< O ca#ti0o da #o1e!1ae a 21lia Sa0!ada. @ primeiro
texto um entremez, pea de um >nico ato, recriado pelo autor Suassuna, em 195J,
a partir de dois textos da literatura popular nordestina. %ovamente a literatura de
cordel deu a ele as tril(as para seuir. %este caso, podeBse a'irmar &ue o
dramaturo apropriouBse dos textos O ca#ti0o da #o1e!1a, obra recol(ida por
Leonardo Hota ;unto ao cantador Anselmo Eieira de Sousa, e A *elea da Alma, do
cantador paraibano Silvino 0irau/ Lima, e recol(ida ao !omanceiro 0opular do
%ordeste por !odriues *arval(o, para escrever a sua verso do entremez Oca#ti0o da #o1e!1a, e por 'im, reelaborou o texto escrito para ade&u/Blo ao terceiro
ato do Auto da Compadecida.
A verso do cantador Anselmo Eieira de Sousa 1I67B196 a &ue aparece,
;untamente com os 'ol(etos O e&te!!o do caco!!o e +i#t,!ia do ca-alo .ue
de/eca-a di&ei!o, no in+cio da pea para serviBl(e de ep+ra'e. %o 'ramento
selecionado por Suassuna 5, p. 9, aparecem as 'alas de tr:s personaens &ue
'iuram no 'ol(eto< a do iabo, a de Haria e a de "esus. %este caso, o iaboanuncia L/ vem a compadecidaP Hul(er em tudo se meteP4 e Haria aparece
intercedendo pela alma pecadora e, ;unto ao $il(o de eus, diz Heu 'il(o, perdoe
esta alma, ten(a dela compaixoP %o se perdoando esta alma, 'azBse dar mais
osto ao co< por isto absolve ela, lanai a vossa beno4. $rente ao apelo da He,
"esus absolve a alma dizendo 0ois min(a me leve a alma, leve em sua proteo.
ia Ns outras &ue a recebam, 'aam com ela unio. $ica 'eito o seu pedido, dou a
ela salvao4. A mesma estrutura utilizada pelo 'ol(eto mantida no Auto, uma vez
&ue Suassuna tambm se serve de tais personaens, apesar de utilizar na pea
nomes distintos para desin/Blas. @ n>cleo tem/tico em torno da exist:ncia de um
tribunal das almas mantido e nele o *risto aparece como ;uiz, Haria como
advoada e o iabo o acusador, tal como no 'ol(eto nordestino.
A seunda obra, no caso a 21lia Sa0!ada, apesar de no ser citada no corpo
da pea, , na verdade, &ue serviu de base para a con'eco de todos esses textos,
pois provm dela a inspirao para a construo das personaens de "esus ou
Hanuel, da *ompadecida ou Eirem e do iabo ou Cncourado &ue aparecem
nos re'eridos 'ol(etos nordestinos, no entremez e na pea de Ariano
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Suassuna. @ con'lito &ue se estabelece entre os seres celestes, representados por
Hanuel "esus e a *ompadecida ou a Eirem Haria, e os seres in'ernais,
representados pelo emKnio tambm denominado nas obras por L>ci'er,
Cncourado e iabo tambm se encontra nas Saradas Cscrituras. Has a
concepo de um ;ulamento em &ue a 'iura de Haria aparece como intercessora
dos (umanos, ;unto ao $il(o de eus, vem dos 'ol(etos e da tradio da cultura
popular arraiada no %ordeste brasileiro, no tem respaldo b+blico. al ideia ancoraB
se na tradio catlica de devoo a %ossa Sen(ora e, portanto, 'az parte da cultura
popular nordestina.
Cssa devoo a Haria e a crena em sua intercesso ;unto a eus $il(o,
presente na reliiosidade nordestina, ;usti'icam o t+tulo da pea de Suassuna e,dessa 'orma, encontraBse o respaldo do autor para a construo do terceiro ato.
%essa cena observaBse, di'erentemente das &ue a antecedem, o labor do
dramaturo em reaproveitar os prprios textos, o &ue bastante comum no con;unto
de sua obra. *omo dito anteriormente, a intertextualidade na obra suassuniana
muito peculiar pois, alm de valerBse de textos de outrem, tambm reelabora os
prprios textos para a con'eco de novas obras.
0ara L+ia Eassalo , p.15J, 157, em ensaio encomendado sobre adramaturia de Suassuna para Cade!&o# de Lite!atu!a !a#ilei!a, a obra deste
autor nitidamente marcada pela intertextualidade e tambm pela intratextualidade,
termos &ue ela esclarece da seuinte maneiraltimo caso incide tanto em textos da cultura popular&uanto da erudita.
Cssa ensa+sta a'irma &ue o dramaturo multiplica seus textos, reescrevendoB
os e, no caso da intratextualidade presente no Auto da Compadecida4(ouve uma
interao do texto O ca#ti0o da #o1e!1ana pea em estudo. Cssa, por ser mais
lona, enri&uece certas situa?es, pois multiplica o n>mero de personaens mortos
e, portanto, de salva?es4.
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e 'ato, a pea, por apresentar um n>mero maior de almas para serem
;uladas, explora mais a aoQintercesso da *ompadecida &ue o entremez, pois
nela a intercesso se d/ a 'avor dos oito mortos, sendo imprescind+vel seu apelo de
misericrdia ;unto a Hanuel em 'avor das personaens liadas N ire;a, o 0adeiro e
a Hul(er &ue so mandados para o puratrio e o retorno de "oo Drilo N vida. Cm
relao aos dois canaceiros, a *ompadecida nem c(ea a ;usti'ic/Blos, uma vez
&ue so absolvidos incondicionalmente por Hanuel e, por isso, vo direto para o cu.
M importante ressaltar, ainda, &ue de acordo com Eassalo , p. 157 o
entremez de Suassuna, utilizado para a construo da >ltima cena do Auto,
apresenta duas vers?es< a primeira aparece na !evista DECA epartamento deCxtenso *ultural e Art+stica, !eci'e < J9B5, 196 e a seunda em Seleta em
prosa e verso, oranizada por Silviano Santiao4.0ara a autora, essa >ltima verso
aparentemente mais elaborada e compacta &ue a primeira, re'orando o ;/
mencionado car/ter palimpsstico presente na dramaturia de Ariano Suassuna,
con'orme estudo de Deraldo da *osta Hatos citado anteriormente.
%essa >ltima verso do entremez O ca#ti0o da #o1e!1a, a intercesso da
He do $il(o de eus , por sua vez, em 'avor de uma >nica alma &ue, con'orme o'ol(eto, tratavaBse de um (omem muito rico4 &ue 4tin(a (onras de )aro4, mas se
era rande em %obreza, era rande em soberbia4, pois criouBse sem ir N missa e
nunca se con'essou4, necio de penit:ncia, ele nunca procurou4 e esmola, por
caridade, isso nunca &ue ele deu4 S-ASS-%A, 1, p. 59B6. *ontudo, para uma
Alma com to poucos &uali'icantes, como se v: neste entremez, o apelo da Eirem,
como a+ c(amada a verso popular de Haria, acaba sendo a >nica sa+da. Has
di'erentemente da pea, no entremez a intercessora no aceita de imediato advoar
pela Alma. %em mesmo "esus, como aclamado a+ o $il(o de eus, aceita a
apelao sem contra arument/Bla. Assim aparecem no entremez essas recusasltima cena do Auto da Compadecida. #nclusive o termo *ompadecida, com o
&ual Haria desinada na pea, provm desse entremez, aparecendo na seuinte
'ala do iabodo reliioso, posto
tratarBse de um auto, con'orme an/lise das 'ontes intertextuais ;/ apresentadas,
existe uma aproximao da pea, em estudo, com o teatro do autor portuu:s DilEicente, no s pelo car/ter reliioso dos autos vicentinos como tambm pela +ndole
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picaresca do protaonista "oo Drilo, a &ual assemel(aBo a personaens desse
autor portuu:s. e acordo com Suassuna 19I6, p.1I8, 1I9, no 'oram apenas as
leituras de Dil Eicente &ue o in'luenciaram &uando da concepo do Auto, mas,
ainda, 0lauto, Doldoni, Lope da Eea e *aldern de la )arca. Sobremaneira, este
>ltimo, com a obra O 5!a&de Teat!o do Mu&do. Has, para ele, a in'lu:ncia ibrica
'oi menos decisiva &ue a do texto popular nordestino O ca#ti0o da #o1e!1a, o &ue
esclarece da seuinte maneiramero de causos relatados por
*(ic e, ainda, ilustraBos a partir de recursos marcadamente televisivos,
aproveitandoBse , em aluns, da xiloravura &ue ilustra os cordis nordestinos. Csse
recurso televisivo pode ser observado atravs da 'iura 7, &ue seue.
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6i0u!a = 8 Ilu#t!a;9o do cau#o do papa0aio 8 um ac!%#cimo de A!!ae#
$onte< @ Auto da *ompadecida
A imaem anterior reistra, ainda, um acrscimo da verso cinemator/'ica
de Duel Arraes, ;/ &ue tal cena serve para ilustrar um causo de *(ic &ue no existeno texto de Suassuna.
ais exclus?es e acrscimos 'eitos por Duel Arraes e demais roteiristas em O
Auto da Compadecida so as principais di'erenas dessa recriao '+lmica
em relao ao Auto de Suassuna. Apesar de essas modi'ica?es no
caracterizarem pouca coisa, o texto primitivo de Ariano se mantm presente em toda
a montaem, acrescido de personaens e a?es presentes em outras duas peas do
autor< O #a&to e a po!cae To!tu!a# de um co!a;9o. C tambm situa?es de outras
obras liter/rias 'oram utilizadas como, por exemplo, a 'orma com &ue "oo Drilo
conseue arran;ar o din(eiro para a 'esta do casamento de !osin(a e *(ic com
AntKnio Horaes, prometendo uma tira do couro de *(ic se este no paasse o
emprstimo devidamente. -ma verso dessa situao aparece na pea O me!cado!
de "e&e>a, de S(aVespeare. As peruntas &ue o Ha;or AntKnio Horaes 'az a "oo
Drilo &uando este vai procur/Blo em sua 'azenda, so baseadas em textos da
literatura de cordel, o &ue mostra &ue tambm Arraes busca nas 'ontes populares e
eruditas, tal &ual Suassuna, a inspirao para a construo de seu texto.
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EalendoBse do discurso al(eio, o cineasta conseuiu produzir o prprio texto,
o &ual mostraBse estilizado, pois possui caracter+sticas sinulares &ue revelam o
discurso do autor Duel Arraes.
Assim, o cineasta conseuiu em 199I seu ob;etivo de 'ilmar o Auto da
Compadecida de Ariano Suassuna para uma verso mais extensa, como pede uma
microssrie televisiva, apresentando um casal romRntico bem ao osto do p>blico,
!osin(a e *(ic &ue, aps tantas aventuras e desventuras, conseuem 'ec(ar essa
montaem traicKmica com uma pitada de romance.
Aps a exibio em 1999 da microssrie em E aberta, pela Dlobo, devido
ao seu rande sucesso e tambm por&ue ;/ era uma pretenso do diretor desde as
'ilmaens, Arraes decidiu lanar a montaem do Autotambm no cinema. 0ara isso,teve apenas &ue cortar4 alumas cenas da microssrie, pois ;/ 'izera a montaem
pensando na verso cinemator/'ica, e de cerca de minutos de 'ilmaem para a
televiso alcanouBse aproximados 18 minutos para a exibio da montaem em
telas de cinema. @ texto apresentado pelo 'ilme, como se v:, outro, mas mantm
com o texto matriz de Suassuna uma relao direta de identidade em &ue poss+vel
perceber as lin(as mestras do texto liter/rio de partida na reescritura estilizada do
texto '+lmico.*omo pKde ser observado anteriormente, no 'ilme abordado por esta
pes&uisa, O Auto da Compadecida, (/ uma condensao de tr:s peas de Ariano
Suassuna, a saber Auto da Compadecida, O Sa&to e a *o!cae To!tu!a# de um
co!a;9o, apesar de aparecer no t+tulo da 'ilmaem apenas o nome do Auto. al
condensao pode ser mais 'acilmente notada do ponto de vista do acrscimo de
personaens &ue conse&uentemente alterou o enredo do 'ilme em relao N pea
inicialmente escol(ida para ser adaptada.
Cm uma an/lise deste (ipertexto '+lmico, de acordo com os pressupostos de
ZannicV Houren, sobre as tcnicas de transposio de um texto escrito para um
contexto cinemator/'ico, podeBse observar &ue a montaem de Duel Arraes
intitulada O Auto da Compadecida, na verdade, um exemplo de contaminao e
no de adaptao, pois apresenta elementos de tr:s (ipotextos distintos em sua
concepo. Cntretanto, o termo adaptao, por ser o mais usado para de'inir as
transposi?es liter/rias para o cinema, utilizado at pelos roteiristas da montaem
a&ui abordada.
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*ontudo, uardadas as di'erenas entre os conceitos de adaptao e
contaminao, observaBse &ue este >ltimo uarda, em sua abordaem, uma
de'inio mais clara do processo de transposio ocorrido no 'ilme O Auto da
Compadecida de Duel Arraes, prevenindo a um receptor do 'ilme, &ue no ten(a
lido a pea de Ariano, pensar &ue tal verso '+lmica corresponde literalmente ao texto
escrito.
&uestionamentos por parte de um leitor ideal do 'ilme.
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< CONSIDERA?ES 6INAIS
)uscando per'azer os camin(os &ue levaram N escritura da pea Auto da
Compadecida, de Ariano Suassuna, bem como as re'er:ncias &ue culminaram nas
tr:s vers?es '+lmicas baseadas no Auto, a presente pes&uisa enveredouBse por uma
investiao intertextual para dar conta dos diversos textos &ue este estudo
encontrou ao lono de sua an/lise.
#nicialmente, apresentouBse um apan(ado dos principais conceitos em torno
da intertextualidade, visto &ue esse voc/bulo passou a ser estudado ou de'inido
con'orme di'erentes en'o&ues. Assim, apresentouBse o conceito de "ulia [risteva em
contraponto a outras abordaens mais restritivas &uanto N amplitude abarcada pelo'enKmeno intertextual. %esse sentido, salientouBse o estudo de Drard Denette para
&uem a intertextualidade exie a copresena entre dois ou v/rios textos.
Cm seuida, 'oram tecidos coment/rios acerca das principais pr/ticas
intertextuais, ressaltando a pes&uisa de A''onso !omano de Sant\Anna em seu livro
*a!,dia4 *a!@/!a#e e Cia4 uma vez &ue, nessa obra, o autor no apenas apresenta
de'ini?es como &uestiona os estudos tradicionais acerca da pardia, par/'rase,
estilizao e apropriao.Aps a conceituao terica, 'ezBse uma an/lise da escritura do texto de
Ariano Suassuna, o &ual se mostrou intimamente liado N literatura popular
nordestina, uma vez &ue o dramaturo partiu de 'ol(etos da literatura de cordel para
a 'eitura desse texto. %essa investiao procurouBse avaliar a proximidade e o
a'astamento &ue a pea de Suassuna manteve em relao aos textos &ue l(e
serviram como base.
As an/lises dos 'ilmes baseados na pea de Suassuna seuiramBse apsuma breve explanao em torno dos estudos da transposio de um texto liter/rio
para o contexto '+lmico proposto por ZannicV Houren. Cm tais an/lises, en'ocouBse
de maneira mais ampla na >ltima verso '+lmica do Auto, por entender &ue esse
(ipertexto de Duel Arraes 'oi o &ue mais se distanciou do texto de partida. ambm
nas an/lises '+lmicas observouBse a perman:ncia e a recorr:ncia N cultura popular
na recriao dos textos cinemator/'icos.
Ao 'inal, de 'orma sucinta e a 'im de elucidar as di'erenas de linuaem
apresentadas por um 'ilme em relao ao texto escrito do &ual partiu, en'atizouBse a
&uesto do inslito presente na >ltima cena da pea escrita por Suassuna e em sua
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transposio para o contexto cinemator/'ico de Duel Arraes. 0ara tanto 'oi 'eito um
breve coment/rio em torno do :nero 'ant/stico de acordo com os conceitos de
zvetan odorov.
A partir do estudo da intertextualidade presente nesta pes&uisa, 'icou claro
&ue uma obra de arte no se encontra isolada do contexto scio cultural em &ue 'oi
concebida, muito menos 'ruto do :nio de um autor &ue teria 'eito alo
absolutamente oriinal. oda obra nasce a partir do con(ecimento &ue se tem de
outras obras. -m artista constri seu estilo pessoal por meio, paradoxalmente, do
estilo de outros artistas, se;a neando, contestando, a'irmando, re'azendo, relendo
os outros estilosQobras. @s escritores, em suas obras, dialoam em maior ou menor
escala com obras de outros escritores, 'azendo re'er:ncias a temas, personaens,ambiente ou linuaens contidas nas obras al(eias. Cssas re'er:ncias podem se dar
de diversas 'ormas< conscientes e propositais, como cita?es, par/'rases, pardias,
ou at mesmo inconscientemente, &uando o autor incorpora con(ecimentos
ad&uiridos ao seu texto sem saber &ue o est/ 'azendo.
0or causa da intertextualidade, a Literatura pKde alarar suas 'ronteiras na
medida em &ue uma mesma obra liter/ria pode se apresentar atravs de linuaens
distintas, ade&uandoBse N linuaem de outras artes, tais como a pintura, a m>sicae, principalmente, o cinema. A intertextualidade se trans'orma, portanto, em campo
'ecundo para investiao e comparao entre di'erentes obras.
%esse estudo, buscouBse compreender e elucidar as recorr:ncias
intertextuais de Ariano Suassuna na composio do Auto da Compadecida, bem
como analisar e compreender as contribui?es advindas dos textos '+lmicos em
relao ao texto suassuniano, a 'im de &ue portas se;am abertas para posteriores
pes&uisas sobre o estudo das 'ontes.
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RE6ERNCIAS
AD]%*#A CSA@ . Sua##u&a ap!o-a BO Auto de 5uel A!!ae#' auto!
elo0ia o# ato!e# e at% a# i&o-a;e# i&clu2da# &o /ilme pelo di!eto!. ispon+velem< (ttpe! do te$to. J. ed. So 0aulo< 0erspectiva, .
FLIA Sa0!ada. raduzida em portuu:s por "oo $erreira de Almeida. !evista eatualizada. %iteri< Lia )+blica )rasileira, 1997.
)@!DCS, "ore Luis. [a'Va e seus precursores. rad. Srio Holina. #n< .O1!a# completa#. Eol. . So 0aulo< Dlobo, 1999. p. 96B9I.
*A%#@, AntKnio et al. A pe!#o&a0em de /ic;9oGSo 0aulo< 0erspectiva, 5.
A *@H0AC*#A. ireo< Deore "onas. 0roduo< "ore "onas e%orcineQ-ni'ilm. #ntrpretes< !eina uarteY Armando )ousY Antonio $aundesY Ari
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oledoY $elipe *aroneY Analdo )atistaY 0aulo !ibeiroY %eide Honteiro. !oteiro
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