PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Alessandra Felix de Almeida
DESCONTINUIDADES, CONTROVÉRSIAS E SIGNIFICAÇÃO DAS
POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL
Estudo de caso “Programa Mais Educação”
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
São Paulo
2017
Alessandra Felix de Almeida
DESCONTINUIDADES, CONTROVÉRSIAS E SIGNIFICAÇÃO DAS
POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL
Estudo de caso “Programa Mais Educação”
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
Mestre em Ciências Sociais (Política), sob a
orientação da Profa. Dra. Rosemary Segurado.
São Paulo
2017
Banca examinadora:
_____________________________________
Profª. Dra. Rosemary Segurado (PUC-SP)
_____________________________________
Profª. Josildeth Gomes Consorte (PUC-SP)
_____________________________________
Prof. Dr. Marcos Tarcísio Florindo (FESPSP)
À Jô e Paulo, meus pais, por me ensinarem a aprender.
À Laila, minha filha, por me ensinar a ensinar.
À Anísio Teixeira, por me ensinar que a tarefa educativa necessita de paixão.
À Darcy Ribeiro, por me ensinar que a educação democrática necessita de coragem.
À Rosemary Segurado, por me ensinar que leveza e respeito também são formas de educação.
À Josildeth Gomes Consorte, por me ensinar que a escola é o lugar no qual o Brasil se encontra.
À Marcos Florindo, por me ensinar que Política Pública é o lugar no qual o Brasil se apresenta.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Exu, aquele que cruza e descruza os caminhos; aos meus orixás Iansã,
Oxóssi, Xangô e Oxum, aqueles que cuidam da minha cabeça; a Ogum, Iemanjá e Oxalá,
aqueles que protegem sem distinção; a Iroko, aquele que cuida do Tempo; às Mulheres que
lutaram pelo direito à nossa educação; aos meus pais, sem vocês esta dissertação não teria
nascido.
Agradeço à minha orientadora, companheira de jornada e luta, Rosemary Segurado,
agradeço pela amizade, pela paciência, pelo seu modo de encarar a vida, de maneira generosa,
afetiva e firme; à Banca, Josildeth Gomes Consorte e Marcos Tarcísio Florindo, por
concederem seu tempo para avaliar e orientar esta importante fase da minha vida, sem vocês
esta dissertação não teria sido desenvolvida.
Agradeço às amigas Aline Rocha, Caroline Freitas, Daisy Serena, Karina Lima, Marisa
Mateus e Patrícia Cucio Guisordi, pela paciência com as minhas ausências, pelos incentivos,
pelos elogios, pelos ombros disponíveis, pelos sorrisos de cumplicidade, sem vocês esta
dissertação não faria sentido.
RESUMO
A presente dissertação tomou como estudo de caso o Programa Mais Educação com o
objetivo de discutir a relação entre as fases de Formulação e Implementação de Políticas
Públicas, tendo como base a ideia de Ciclo da Política Pública. O estudo considerou o
histórico da Educação Integral no Brasil, a atuação dos professores no processo educacional,
o desenvolvimento da docência no cenário brasileiro, os elementos da Gestão da Política e o
histórico político-social brasileiro como dados relevantes para a Análise de Políticas Públicas.
O caso estudado foi impactado pela conjuntura política de 2016, marcada pela aprovação do
processo de Impeachment e respectiva perda do mandato presidencial de Dilma Rousseff,
resultando, entre outras mudanças na agenda governamental, na extinção do Programa
analisado. Este dado ganha destaque neste trabalho, pois revela a complexidade da Análise de
Políticas Públicas, assim como a fragilidade das Políticas Sociais.
Palavras-chave: Ciclo da Política Pública; Educação Integral; Políticas Públicas
Educacionais; Programa Mais Educação.
ABSTRACT
The current dissertation took as a case study the “Programa Mais Educação” (More
Education Program), with the goal of discussing the relationship between the phases of
Formulation and of Implementation of Public Policies, based on the idea of Policy Cycle. The
study considered the history of Integral Education in Brazil, the role of teachers in the
educational process, the development of teaching in the Brazilian scenario, the elements of
Policy Management and the Brazilian political-social history, all as relevant data for the
Policy Analysis. The case studied was affected by the political conjuncture in 2016, which
was marked by the approval of the Impeachment process and the respective loss of Dilma
Rousseff's presidential term, resulting, among other changes in the governmental agenda, in
the extinction of the Program in question. This is highlighted in this work, as it reveals the
complexity of the Policy Analysis, as well as the fragility of Social Policies.
Keywords: Policy Cycle; Integral Education; Public Educational Policies; “Programa Mais
Educação” (More Education Program).
Lista de quadros
Quadro 1: Programas e políticas de educação integral no decorrer da história brasileira ........ 51
Quadro 2: Evolução da adesão ao Programa Mais Educação – 2008 a 2011 ......................... 82
Lista de figuras
Figura 1: Centro Educacional Carneiro Ribeiro ....................................................................... 23
Figura 2: Planta do Centro Educacional Carneiro Ribeiro ....................................................... 27
Figura 3: Biblioteca Centro Educacional Carneiro Ribeiro...................................................... 29
Figura 4: Sala de aula – Escola-Classe Centro Educacional Carneiro Ribeiro ........................ 29
Figura 5: Pavilhão de Trabalho (Artes Aplicadas, Industriais e Plástica) – Escola-Parque
Centro Educacional Carneiro Ribeiro....................................................................................... 30
Figura 6: Pavilhão de Educação Física – Escola-Parque Centro Educacional Carneiro Ribeiro ... 30
Figura 7: Vestiário – Escola-Parque Centro Educacional Carneiro Ribeiro ............................ 31
Figura 8: Atividades Físicas – Escola-Parque Centro Educacional Carneiro Ribeiro ............. 31
Figura 9: Atividades Físicas (balé) – Escola-Parque Centro Educacional Carneiro Ribeiro ... 32
Figura 10: Área de convivência –Centro Educacional Carneiro Ribeiro ................................. 32
Figura 11: Arquitetura (projeto padrão) CIEP .......................................................................... 38
Figura 12: Construção CIEP ..................................................................................................... 39
Figura 13: Atendimento médico CIEP ..................................................................................... 40
Figura 14: Atendimento Odontológico CIEP ........................................................................... 40
Figura 15: Refeitório CIEP ....................................................................................................... 41
Figura 16: Cardápio CIEP ........................................................................................................ 42
Figura 17: Cardápio CIEP ........................................................................................................ 43
Figura 18: Fachada CIEP Thomas Jefferson ............................................................................ 45
Sumário
Introdução ............................................................................................................................... 11
1. A Escola Integral no Brasil: Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro ....................................... 20
2. Componentes da Análise e Gestão de Políticas Públicas ................................................ 54
2.1 Sistema Federativo Brasileiro: impactos na adesão e implementação de políticas
públicas ....................................................................................................................... 54
2.2 A Fase de Implementação .......................................................................................... 58
2.3 Variáveis determinadas e estruturas político-sociais determinantes .......................... 60
3. O Programa Mais Educação - PME .................................................................................. 67
3.1 Antecedentes do Programa ......................................................................................... 68
3.1.1 As Dimensões da Política ............................................................................................. 69
3.1.2 A Janela de Oportunidade do PME .............................................................................. 82
3.2 Controvérsias entre Formulação e Implementação .................................................... 86
4. Os professores, sua formação, a relação com o serviço público e considerações sobre
sua relação com o Programa Mais Educação ................................................................ 96
4.1 Malu e Rosa: a Docência, a Escola e o Programa Mais Educação ......................... 103
Considerações Finais ............................................................................................................ 120
Referências Bibliográficas ................................................................................................... 126
Anexo - Roteiro de Entrevista ............................................................................................. 135
11
Introdução
Em 1934, Jean Piaget, como de diretor do Bureau International d’Éducation
(BIE), hoje parte da UNESCO, proferiu em discurso o seguinte pensamento: “somente a
educação pode salvar nossas sociedades de uma possível dissolução, violenta ou
gradual”. A Educação, para Piaget, seria a “primeira tarefa de todos os povos” e em
1940, ainda como diretor do BIE, afirmou que o “bem comum de todas as civilizações
[é] a educação da criança” (PIAGET apud MUNARI, 2010, p. 17). T. H. Marshall
(1967, p. 75, 80), em 1949, ao desenvolver o conceito de cidadania, elege a Educação
das crianças – oferecida e obrigada pelo Estado – como a base do direito social – um
dos direitos que compõe o conceito de cidadania –, sua argumentação se dá quando
identifica que sujeitos educados teriam melhores condições para compreender e
reivindicar os demais direitos, deste modo, a desigualdade social, fruto de uma frágil
cidadania, teria, potencialmente, chances de ser diminuída. Já em 1962, Adorno (1962,
p. 112, 154) identificou na Educação a qualidade para o enfrentamento à Barbárie, esta
compreendida como uma relação paradoxal entre avanço intelectual e tecnológico, que
caminhariam lado a lado com uma “agressividade primitiva, um ódio primitivo, [...] um
impulso de destruição [...] que contribui para aumentar ainda mais o perigo de que toda
esta civilização venha a explodir”.
O interesse desta pesquisadora pela área educacional teve início nos primeiros
anos de sua graduação em Sociologia e Política, nos anos 2011, estimulada pelo
pensamento que atribui à Educação a solução de diversas demandas sociais. Ao iniciar
suas pesquisas, deparou-se com um vasto campo de métodos, técnicas, modelos,
teorias, legislações e até algumas experiências práticas que, pelo menos em tese, seriam
mais do que suficientes para dar à Educação brasileira a qualidade que solucionaria as
referidas demandas, no entanto, o fato concreto era que os dados da Educação ainda
necessitavam de atenção. Passados mais de duzentos e cinquenta anos da ideia da
implementação de uma Educação Pública no Brasil1, ainda tínhamos, em 2010, segundo
o IBGE (2012), 28,2% das pessoas na faixa-etária dos 25 aos 29 anos de idade, com
ensino fundamental incompleto, e 39,9% com ensino médio completo e/ou superior
1 Em 1759 tivemos a emissão do Alvará Régio para a introdução do ensino púbico no Brasil, o seu
objetivo pedagógico era o de renovar a educação da colônia para modernizar o país. Na elaboração do referido Alvará não foram consideradas as “escolas de primeiras letras”, dificultando assim a sua implementação, esta ocorreria apenas em 1772 (MARCÍLIO, 2005, p. 19-21).
12
incompleto. Ou seja, 68,1% desta população não concluiu seu processo educacional e
não estaria qualificada para o mercado de trabalho, cada vez mais exigente e um dos
mais eficientes motivadores para a busca pela Educação.
Ainda que Leis, teorias, métodos e diagnósticos educacionais representem
instrumentos para o posicionamento e tratamento da Educação, assim como para o seu
aprimoramento e qualidade, correspondendo aos interesses da população e do Estado,
foi possível perceber um choque entre desenho educacional e realidade educacional, o
que poderia ser considerado como uma incompatibilidade entre pensado e produzido,
meta e resultado, entre ideal e real, na qual a significação da Educação, nos campos
cultural e político, seria anterior aos referidos instrumentos. Neste sentido, a primeira
questão que estimulou o desenvolvimento desta pesquisa foi como a Educação está
colocada no campo político, especificamente na ação do Estado, entendida como
Política Pública.
Se a Educação representa ou não a solução para todas as demandas sociais, ainda
não sabemos, pois ela ainda parece embrionária se a compararmos com o idealizado e o
realizado. Um caminho possível para compreender o exercício da Educação, enquanto
ação do Estado, seria através da análise de Políticas Públicas direcionadas para esta
área, pois seriam elas que atenderiam às necessidades da população, mas há um porém,
Política Pública não é algo mágico, que uma vez regulamentada torna-se realidade, e
esta foi a segunda questão que deu estímulo ao desenvolvimento desta pesquisa: a
compreensão entre a formulação e a implementação de Políticas Públicas, fases que
compõem o método Ciclo da Política Pública, tomando como estudo de caso a política
Programa Mais Educação – PME, a partir da percepção de seus principais
implementadores: os Docentes.
Sabe-se que as Políticas Públicas dificilmente são definitivas, os processos de
adaptação e redesenho são relativamente comuns, no entanto, por mais redesenhos que
essa política sofresse, a questão da significação do servidor público professor merecia
ser considerada, afinal, seria o seu serviço que, necessariamente, colocaria a política em
ação. O Programa Mais Educação trazia consideráveis níveis de sofisticação, do ponto
de vista da esfera federal, se comparado às ações que lhe deram base, como as escolas
de tempo integral implementadas nas décadas de 1950, 1960 e 1980, porém, seu
principal ator, o docente, parecia não ter sido contemplado com a mesma sofisticação
13
contida na letra da Lei do PME, neste sentido, pareceu haver um contrassenso entre a
perfeição objetivada pelo Programa Mais Educação, com a imperfeição do tratamento
recebido pelos professores por parte do Estado. A escolha do PME, como estudo de
caso, se justificou pela amplitude de seu desenho, que objetivava reposicionar a
Educação das crianças em um sentido Integral, sentido este, cujo desenho recebeu seus
primeiros traços nos anos 1920, já a escolha dos docentes como atores a serem
investigados, se justificou no sentido de coloca-los, nesta pesquisa, como os atores
principais do processo de implementação.
Nos anos 1960, Anísio Teixeira nos alertou que a Educação brasileira sempre
teve como base as leis e os decretos elaborados por intelectuais que pouco sabiam da
realidade nacional, e ainda, que a “lei era algo mágico”, capaz de subitamente mudar a
face das coisas. (TEIXEIRA apud MARCÍLIO, 2005, p. 127-8). O Programa Mais
Educação, do ponto de vista de sua formulação, trouxe aspectos deste “algo mágico”,
tratava-se de uma política pioneira, ainda que indutora, que partiu da esfera federal,
neste sentido, apresentava-se como uma política inovadora, no que diz respeito às bases
de seu planejamento, critérios para adesão, disponibilização de verbas e orientações
operacionais, pois propunha elementos que até então não faziam parte da Educação
enquanto prática, esta prática seria exercida pelos atores implementadores que teriam
suas próprias significações quanto ao papel da Educação e de si mesmos no interior do
processo educacional.
O processo de finalização desta dissertação teve início na última quinzena de
agosto/2016, nos últimos dias desse mês (25/08/2016), foi anunciado pelo Ministério da
Educação, que o Programa Mais Educação seria extinto. O mesmo Ministério passou
por uma nova composição de seus quadros, em razão da aprovação da abertura de
processo de Impeachment ocorrida em 12/05/2016. O vice-presidente Michel Temer
(PMDB), ainda que governando interinamente, reformulou a direção de todas as Pastas
Governamentais, como consequência, as políticas – principalmente as sociais –
desenhadas nos mandatos presidenciais de Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010) e
Dilma Rousseff (2011-2016), ambos do Partido dos Trabalhadores (PT), passaram a
correr riscos de descontinuidades, tendo em vista as propostas de enxugamento da
máquina estatal anunciadas pelo governo interino, ainda que o processo de
Impeachment não havia sido finalizado. Tais propostas pareciam já em fase de
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formulação, uma vez que doze dias após a aprovação de abertura do Processo, o
governo interino já lançava a nova marca do Governo Federal (SECOM/BRASIL,
2016).
Durante o desenvolvimento do capítulo “A Escola Integral no Brasil: Anísio
Teixeira e Darcy Ribeiro”, já com o processo de Impeachment em curso, esta
pesquisadora foi tomada por uma sensação de reviver o passado histórico da Educação
Integral no Brasil. O Programa Mais Educação descendeu dos ideais de Anísio Teixeira
e Darcy Ribeiro, o primeiro na construção das Escolas Parques e o segundo, na
construção dos CIEPS, embora essas construções sejam distantes, do ponto de vista da
infraestrutura, relacionada com o Programa Mais Educação, aproximavam-se na
questão da formação integral dos educandos, ainda que ideologicamente, no entanto
suas descontinuidades eram semelhantes, pois foram definidas por cenários políticos,
por governos específicos. Nos anos 1950, Anísio Teixeira (1977, p. 164) colocava o
problema da Educação brasileira na esfera política, não na técnica e conteúdo, era um
problema da formação nacional, pouco acostumada à vida democrática, já Darcy
Ribeiro (1986, p. 11), nos anos 1980, entendia o fracasso da Educação como resultado
da atitude das classes dominantes brasileiras, ambos parecem ainda ter razão.
Diante do cenário político, brevemente apresentado, e suas consequências para o
objeto de estudo desta dissertação, a discussão sobre a relação entre a formulação e a
implementação do Programa Mais Educação, através da perspectiva e vivência dos
docentes, foi impactada. As primeiras entrevista realizadas apontaram para a questão do
atendimento à burocracia, presente nos programas educacionais, como a principal tarefa
dos funcionários do setor educacional, entre eles os docentes, e estes manifestaram suas
auto percepções no processo educacional quanto a implementadores de políticas
públicas: “somos nada”; “me sinto um boneco”; “sou substituível” . No entanto, esta
questão apresenta-se como coadjuvante no processo de formulação e implementação de
Políticas Públicas (Policy: dimensão material da Política), pelo menos para o caso
estudado nesta dissertação. A dimensão institucional (Polity) apresenta-se como o ator
principal das políticas educacionais, no que diz respeito ao seu nascimento e ao seu fim,
a gestão, na qual podemos localizar as dimensões material e processual (Politics), neste
caso, parecem ser dependentes da Polity. Estudos de análise de Políticas Públicas
entendem que as três dimensões da Política (Polity, Politics e Policy) não teriam uma
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hierarquização (FREY, 2000, p. 217), mas para o caso das políticas educacionais, e
possivelmente das políticas sociais de modo geral, essa hierarquização, assim como os
elementos e significações culturais possam ser consideradas em estudos futuros.
São Paulo foi a região escolhida para a realização das entrevistas com os
docentes, tomados no planejamento desta dissertação, como os atores principais do
estudo de caso PME, seriam eles aqueles que dariam voz à concretude do Programa
analisado. Ocorre que em outubro/2015, o governo do Estado de São Paulo, anunciou a
política “Reorganização Escolar”, dentre seus resultados – atingindo estudantes de
todos os ciclos educacionais e seus respectivos professores – o maior deles seria o
fechamento de diversas unidades escolares, a resposta dos estudantes secundaristas foi a
ocupação de suas escolas, como uma ação de protesto. A resposta do Estado foi a
violência, tanto dentro das escolas ocupadas, quanto nas manifestações dos estudantes
secundaristas nas ruas de São Paulo. O papel da mídia tradicional foi o de divulgar os
benefícios da política, pautada, de acordo com o Governo, como a redução de despesas,
o que beneficiaria o Estado de São Paulo, e o de não divulgar a violência sofrida pelos
estudantes pelas mãos da política militar. Por outro lado, os estudantes organizados,
criaram redes virtuais nas quais difundiam o que de fato ocorria: 1) as consequências da
política estadual, caso fosse implementada; 2) as ações de violência do Estado; e 3) a
vivência nas ocupações. Não temos como avaliar o resultado das ações dos estudantes
secundaristas, mas o fato concreto é que o governo estadual anunciou em
dezembro/2015 que a política da “Reorganização Escolar” seria redesenhada, e o fato
subjetivo é que a relação entre estudantes, professores, escola e política pública teria
sido ressignificada.
A segunda etapa das entrevistas com os docentes foi colocada como a penúltima
tarefa do cronograma de planejamento de pesquisa (a ser seguida pela análise das
entrevistas e considerações finais), prevista para o mês de setembro/2016. Os
agendamentos foram realizados na última semana do mês julho/2016, porém quando
retomados os contatos para os encontros entre pesquisadora e entrevistados, estes se
mostraram desmotivados pelo cenário político, pela ameaça das políticas educacionais
do Estado Federal e Estadual, mas principalmente pela extinção do Programa Mais
Educação. Falas concedidas na primeira etapa das entrevistas foram repetidas por estes
novos atores: “somos nada”, “somos substituíveis” e complementadas por “eu sabia que
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não daria certo”, “ninguém quer saber da escola”, “mais um programa sem sentido”,
“tanto trabalho jogado fora”, “agora é esperar a nova meta”. Os docentes a serem
entrevistados, se mostraram pouco interessados em conceder seu tempo para falar sobre
algo que não existia mais e sobre um tema constantemente desqualificado pelo Estado:
Educação e Escola. Não disseram explicitamente que não concederiam as entrevistas,
mas buscaram formas de novos agendamentos. Percebi seus constrangimentos, lidos
como um conflito entre suas vontades e o respeito pelo compromisso assumido. Decidi
que não os constrangeria ainda mais.
O planejamento inicial desta dissertação foi divido em duas etapas principais:
1. Análise da fase de Formulação do Programa e seus antecedentes; e
2. Análise da fase de Implementação, através da ótica das professoras e
professores que lecionavam em escolas que aderiram ao PME.
Esta segunda etapa da pesquisa foi objetivada como uma tentativa de identificar
os papéis dos entrevistados como servidores públicos e/ou como docentes, o primeiro
como o corpo da ação do Estado, seu recurso humano, e o segundo como protagonista
do desenvolvimento da Educação, sendo que ambos, em tese, fazem parte de um mesmo
processo. O objetivo geral era o de compreender como teria sido o diálogo entre a
Formulação da Política, tradicionalmente elaborada por equipes descoladas da realidade
dos atores implementadores, com a Implementação, que necessariamente, seria
concretizada através dos servidores públicos, estes possuiriam suas próprias
perspectivas, objetivos e significações, que não obrigatoriamente estariam em sintonia
com o desenho da política. O possível contraste entre estas duas realidades, dos atores
implementadores e dos atores formuladores de Políticas Públicas, somadas à
significação dos docentes pelo Estado e seu papel como servidores públicos, teria sido a
base da problematização desenvolvida nesta pesquisa, através do estudo de caso do
Programa Mais Educação (PME).
O resultado da decisão desta pesquisadora, ao não dar continuidade à fase das
entrevistas, foi colocar em cheque os objetivos iniciais desenhados para esta dissertação.
A saída encontrada pautou-se na orientação recebida na fase de Qualificação: o
desenvolvimento do capítulo “A Escola Integral no Brasil: Anísio Teixeira e Darcy
Ribeiro”. Assim como já anunciado, a Educação, no caso brasileiro, não seria um
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problema de conteúdo, método ou quantidade de unidades escolares, mas sim um
problema da Política. Esse capítulo de abertura, traz um levantamento do histórico das
primeiras escolas de tempo integral implementadas no Brasil, os anos 1950 e 1980. Sua
elaboração contribuiu para o contato com ideia de Educação Integral das crianças como
um desejo dos principais educadores brasileiros, desejo este que não se perde no tempo,
ainda que seja como um desejo. É possível perceber nesse capítulo, os pontos de
convergência entre as primeira experiências de Escola Integral com o PME,
principalmente no que diz respeito às descontinuidades, estas como resultado de fortes
alterações no cenário político.
O capítulo “Componentes da Análise e Gestão de Políticas Públicas” apresenta
as especificidades do Sistema Federativo Brasileiro e seus impactos na adesão e
implementação de Políticas Públicas; apresenta ainda a discussão da relação entre as
fases de Formulação e Implementação, o argumento inicial que estimulou o
desenvolvimento desta pesquisa. Nesse item são tratadas: 1) a importância que a fase de
implementação passou a representar na Análise de Políticas Públicas, uma vez que,
tradicionalmente, a ideia de sucesso desta fase estava relacionada ao desenho da política
(Formulação); 2) os conflitos existentes entre formulador e implementador; e 3) a
conjuntura política como mais um ator no processo de Implementação, o que, para o
nosso caso, resultou na extinção do objeto desta pesquisa. Por fim são apresentadas as
variáveis necessárias para o processo da Gestão de Políticas Públicas, tais variáreis
demonstram a complexidade de tal processo, que pode ser potencializada pela
Gramática Política do Brasil e pelo tipo de cidadania desenhada em nosso histórico
político-social.
O Programa Mais Educação é apresentado na sequência. Esse capítulo é
composto pelos antecedentes do Programa, descritos através das dimensões Polity
(institucional), Politics (processo político) e Policy (conteúdo concretos da política).
Ainda nesse capítulo é discutida a Janela de Oportunidade, termo utilizado para
demonstrar quais seriam as condições necessárias para que determinada demanda ou
problema, seja objeto da atenção governamental, no que diz respeito à ação efetiva do
Estado, ou seja, a sua entrada na Agenda Decisória. As referidas condições estão
divididas entre Problemas (condições sociais), Alternativas e soluções (propostas já
desenvolvidas para os Problemas identificados) e Político (somatória do clima ou
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humor nacional, forças políticas organizadas e mudanças no interior do próprio
governo). Nesse capítulo é possível perceber a entrada do problema da Educação das
crianças na Agenda Decisória, a partir das condições descritas, mas a condição que
ganha destaque é a Política (fluxo Político), essa é a mesma que lhe dá a vida e a
extinção, confirmando assim o que já fora diagnosticado por Anísio Teixeira e Darcy
Ribeiro.
O capítulo que antecede as Considerações Finais desta dissertação, é “Os
professores, sua formação, a relação com o serviço público e considerações sobre sua
relação com o Programa Mais Educação”. Esse capítulo foi o primeiro a ser
desenvolvido, uma vez que julguei necessário compreender quem seria o ator a ser
entrevistado para esta pesquisa. Embora sua importância, enquanto implementador,
tenha sido ofuscada pela atual conjuntura política, colocada como determinante em todo
o Ciclo da Política Pública, esse capítulo foi mantido, pois se esse ator foi preterido
desde a fase de Formulação do PME até sua extinção, ele será reconvocado para
implementar outras Políticas Públicas, sejam elas redesenhos de políticas anteriores,
sejam elas novas políticas, em outro ou no mesmo cenário político, no entanto seu
histórico e sua significação, provavelmente, continuarão os mesmos. Esse capítulo deu
ênfase ao histórico do professor no Brasil, teve por objetivo relacionar as condições do
professor construídas neste histórico com as necessidades da implementação de uma
política pública, na qual, no campo da prática, ele é o ponto de partida e o ponto de
chegada. Por fim, há duas entrevistas realizadas quando da primeira etapa desta
pesquisa, nelas o objeto investigado foi o PME, no entanto, é possível ter contato com
as sensações das entrevistadas, quanto às suas relações com a docência, com a escola e
com as políticas educacionais.
O aprendizado adquirido por esta pesquisadora, no processo de desenvolvimento
desta dissertação é composto por duas categorias. A primeira categoria engloba os
objetos estudados, ela ensinou que a Educação é um processo contínuo de
descontinuidades, influenciadas, necessariamente, pelas instituições políticas. Este
aprendizado, para a comunidade acadêmica, para os implementadores e formuladores de
políticas educacionais, possivelmente não é um novo aprendizado, assim como também
não o é para os decisores das políticas, para estes, as descontinuidades podem
representar um objeto contínuo de bandeiras partidárias e políticas. Enquanto o
19
problema da Educação não for solucionado, ele sempre estará presente em comícios,
discursos, pautas e debates. A Educação como problema, se coloca como uma fonte
inesgotável de propostas governamentais, compostas por meio e fim, sendo este
necessário para outro meio, mas dificilmente para um novo início.
A segunda categoria engloba as minhas sensações. A primeira delas esteve
vinculada ao desenho do Programa Mais Educação, ele era sofisticado, tinha bases
teóricas consolidadas, havia verba. Havia problema e solução. Havia um caminho longo
a ser percorrido, mas havia caminho. Havia falhas em seu desenho, mas havia a
possibilidade de redesenhos. Essa sensação foi sendo desmistificada durante o processo
de pesquisa, entendo essa desmistificação como um aprendizado básico para a formação
de uma pesquisadora. A segunda sensação se deu quando da extinção do PME, e gerou
a pergunta “O que faço agora?”. O primeiro aprendizado foi a compreensão de que
pesquisa não se faz sozinha, a orientação da professora Rosemary Segurado foi
fundamental para a minha reconexão com o meu plano de trabalho, que não
necessariamente estava vinculado à problematização do objeto, mas sim ao meu
processo educacional, tema trabalhado nesta pesquisa. O terceiro aprendizado foi o
respeito emocional dado às professoras agendadas para as entrevistas, elas não mais
queriam falar sobre o assunto, estavam cansadas de serem objetificadas por estudantes,
mas principalmente pelo Estado, um dos problemas identificados nesta pesquisa. O
quarto aprendizado foi a significação da necessidade do redesenho desta dissertação, tal
como ocorre com as políticas públicas, que não atingem os resultados previstos quando
de seu desenho. O quinto aprendizado é resultado dos aprendizados anteriores desta
categoria: o primeiro passo rumo ao meu amadurecimento como pesquisadora.
20
1. A Escola Integral no Brasil: Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro
Falar do dito não é apenas redizer o dito, mas reviver o vivido que gerou o
dizer agora, no tempo do redizer, de novo se diz. Redizer, falar do dito, por
isso envolve ouvir novamente o dito pelo outro sobre ou por causa do nosso
dizer (FREIRE, 2011, p. 23).
Ampliar a jornada escolar, tendo como tarefas principais as questões sociais e
culturais, foi a base do conceito de Educação Integral, que começou a ser desenhado nos
anos 1920 e 1930, através de diferentes correntes políticas: a) Autoritárias e Elitistas,
estando em seus extremos a Ação Integralista Brasileira; e b) Liberal, na qual Anísio
Teixeira teve maior destaque. Neste período, foram os Integralistas que atribuíram à
Educação uma função moralizadora, pautada por valores como sacrifício, sofrimento,
disciplina, obediência aos superiores e disposição para morrer pelos ideais nacionais, o
“indivíduo seria moldado para servir aos interesses do Estado Integral”, já na visão das
“correntes liberais”, o objeto principal era a Escola, que teria como função principal e
como fundamento da Educação a “propagação da mentalidade e das práticas
democráticas” (CAVALIERE, 2010, p. 249-50). Cavaliere (2010, p. 250) chama a nossa
atenção para o fato de que Anísio, o representante mais expressivo dessa corrente e aquele
que concretizou a construção de escolas de jornada ampliada, praticamente não fez uso da
expressão Educação Integral, segundo sua análise, essa curiosidade se deve ao fato de que
Anísio procurava “evitar qualquer identificação com os Integralistas”, que usaram
abundantemente as expressões “Homem Integral”, “Estado Integral” e “Educação
Integral”. Embora esse termo tenha ligações mais expressivas com as correntes
autoritárias, a “Educação Integral” da qual trataria o Programa Mais Educação - PME
(2007) teria suas origens teóricas mais próximas do pensamento desenvolvido por Anísio
Teixeira e é com este autor que este capítulo começará a ser desenvolvimento.
Clarice Nunes (2010, p. 12), inicia seu ensaio sobre Anísio Teixeira,
questionando o leitor: “Qual seria o propósito da vida de Anísio Teixeira?” e nos conta
que Anísio nasceu em 1900, na pequena cidade de Caetité no interior baiano. Sua
origem social teria colocado à sua disposição um diverso quadro de alternativas para o
encaminhamento de sua vida adulta como o
sacerdócio, a magistratura, o exercício liberal da advocacia, medicina ou
engenharia, o exercício do jornalismo e das letras, a condução dos negócios e
interesses familiares ou a carreira de político profissional. Tratava-se de um
amplo repertório se comparado ao de outras crianças de origem social
diferente (NUNES, 2010, p. 12).
21
Em 1924, dirigindo a instrução pública da cidade de Salvador, na função de
Inspetor Geral do Ensino, Anísio começa a ter contato com a área educacional, é neste
momento que o nosso futuro educador se depara com o contraste entre sua formação
educacional e a realidade da Educação do sistema público, esse contraste lhe expõe a
“pobreza de recursos materiais e humanos, a dispersão e a desarticulação dos serviços
educativos, o despreparo do professor, a imoralidade, a corrupção e a acomodação dos
poderes públicos”. Em 1927, Anísio, em viagem aos Estados Unidos, conhece um
diferente tipo de sistema público de educação, baseado na literatura de John Dewey
(1859-1952), que seria a sua fundamentação teórica para pensar uma Educação voltada
ao conhecimento e ao exercício da democracia. A escolha dessa literatura representou a
substituição de seus valores católicos pelo pensamento científico, “apostando na crença
de que o enraizamento e as direções da mudança social a favor da democracia estavam
apoiadas na infância”. A literatura deweyana fomentou as bases para o combate à
improvisação e ao autodidatismo, característicos da história educacional brasileira até
aquele período. Quando de seu retorno, em novembro de 1927, Anísio escreveu ao pai,
confessando seu gosto pelos assuntos educacionais, afirmou “sua convicção de não mais
se afastar desse rumo, a despeito das oscilações políticas e da imprensa que não lhe
poupava críticas”, no entanto, reconhecia que tal convicção era idealista, uma “paixão
necessária para a tarefa educativa” (NUNES, 2010, p. 16, 18-9).
A “paixão necessária para a tarefa educativa”, pode ter sido um dos alicerces para a
elaboração do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, no qual Anísio foi um
de seus signatários. O Manifesto é marcado pela construção de uma “Educação Nova”, na
qual a educação integral dos indivíduos é o seu maior fundamento, e dentre esses
indivíduos, as crianças têm destaque. Essa Educação Integral idealizada, teria como objeto
“organizar e desenvolver os meios de ação durável com o fim de dirigir o desenvolvimento
natural e integral do ser humano em cada uma das etapas de seu crescimento”. Neste
sentido, o papel da escola necessitaria de um redesenho, ela seria o vínculo com o meio
social, o seu ideal seria condicionado “pela vida social atual, mas profundamente humano,
de solidariedade, de serviço social e cooperação”. Olhando para o futuro, o Manifesto
vislumbrou a formação integral das novas gerações através de um novo tipo de escola
(MANIFESTO DOS PIONEIROS, 1932, p. 191, 194).
22
Em 1935, Anísio redige o programa do Partido Autonomista do Distrito
Federal2, no qual faz críticas às organizações políticas, tanto liberais, quanto as
extremistas de esquerda e de direita. Os liberais, para Anísio, “não percebiam a
necessidade de homogeneidade e coesão”, já os extremistas de esquerda e de direita,
tornavam-se “pequenos sacerdotes ativos e operantes”. O programa partidário foi
considerado por seus opositores como uma “obra anárquica”, mas para Anísio, o seu
partido era revolucionário, não necessitaria de “censura ou segredo”, ocorre que a
conjuntura da época, marcada pelo autoritarismo de Getúlio Vargas, não conformaria a
organização de nada que estivesse livre de censura e quando a ditadura de Getúlio
Vargas se consolidou, Anísio Teixeira foi uma de suas vítimas. Ele e seus colaboradores
foram calados e o histórico de sua obra pública foi apagada (NUNES, 2010, p. 20-4).
Em meados de 1940, Monteiro Lobato escreve a Anísio:
Lembro-me quando te vi no Rio de Janeiro, perseguido pela polícia,
escondido pelos amigos como um grande criminoso – e naquela ocasião
também chorei. To whom the bells toll?3 Todos estávamos implicitamente
perseguidos, foragidos, escondidos com você (...) Dez anos passou, você
caminhando como minhoca por baixo da terra, escondido da Reação
Triunfante, mas caminhando sem o saber (VIANNA & FRAIZ, 1986, p. 101
apud NUNES, 2010, p. 25)
Monteiro Lobato havia profetizado que os “tocos” da obra de Anísio ficariam
enterrados e brotariam novamente, e após ser desmoralizado pelo fascismo brasileiro,
acusado de “tapeador público, denunciado nos subterrâneos do Serviço Secreto da
Polícia varguista, ao lado de estupradores, estelionatários e mandantes de homicídio”,
minerar manganês no Amapá e vender carros em Salvador, Anísio foi reconhecido pela
Unesco, que o convidou, em 1946, para ser um de seus conselheiros do Ensino
Superior, no ano seguinte foi convidado para o cargo de Secretário de Educação e Saúde
do Estado da Bahia, cargo que ocupou até 1950. Nesse cargo e em um novo momento
democrático, os ideais dos Pioneiros da Educação foram retomados e em 1950, foi
construído o Centro Popular de Educação Carneiro Ribeiro, popularmente denominado
de Escola-Parque, em Salvador no bairro da Liberdade, que fornecia às crianças “uma
educação integral, cuidando de sua alimentação, higiene, socialização e preparação para
o trabalho e a cidadania” (NUNES, 2000, p. 11-2, 26).
2 À época, o Distrito Federal era na cidade do Rio de Janeiro. 3 A quem os sinos dobram?
23
Figura 1: Centro Educacional Carneiro Ribeiro4
4 “Fotos de HANS MANN, EDMUNDO e cedidas gentilmente pela USAID. Reprodução de fotos
autorizadas” (EBOLI, 1969, p. 12)
24
Inaugurada em 21 de setembro de 1950, o Centro Educacional Carneiro Ribeiro
(CECR) era composto por Escolas-classe e pela Escola-parque, sendo esta última
formada por teatro, biblioteca, pavilhão de educação física, pavilhão de trabalho, artes
plásticas, jornal, rádio e banco econômico. O Centro
constitui uma imagem viva em prol dos benefícios da educação integral, ou
seja, do processo educativo que considera o educando na inteireza da sua
individualidade, desenvolvendo-lhe todos os aspectos da personalidade e
procurando afirmar nele os valores maiores da pessoa humana, como a
liberdade com responsabilidade, o pensamento crítico, o senso das artes, a
disposição da convivência solidária, o espírito aberto a novas ideias, a
capacidade de trabalhar produtivamente (EBOLI, 1969, p. 5, 6).
O projeto arquitetônico do CECR foi considerado um “excelente modelo de
organização e principalmente corajoso e arrojado para o sistema rotineiro e acanhado do
País”. O Centro era constituído por um conjunto de prédios nos quais funcionariam “a
mais completa demonstração de Educação Integral, em nível primário, da América
Latina, idealizada por Anísio Teixeira” (EBOLI, 1969, p. 12):
Quatro Escolas-classe de nível primário para mil alunos cada, com
funcionamento em dois turnos;
Uma Escola-parque, com sete pavilhões, destinados às chamadas práticas
educativas, onde os mesmos alunos completavam sua educação, em horário
diverso, de maneira a oferecer, aos alunos, o dia completo de permanência
em ambiente educativo.
Objetivos gerais do CECR:
1. Dar aos alunos a oportunidade de maior integração na comunidade escolar,
ao realizar atividades que os levariam à comunicação com todos os colegas
ou com a maioria deles;
2. Torná-los conscientes de seus direitos e deveres, preparando-os para atuar
como simples cidadãos ou líderes, mas sempre como agentes do progresso
social e econômico; e
3. Desenvolver nos alunos a autonomia, a iniciativa, a responsabilidade, a
cooperação, a honestidade, o respeito a si mesmo e aos outros (EBOLI,
1969, p. 20-1).
25
Seguem abaixo, trechos do discurso de Anísio Teixeira, quando da inauguração
do Centro Educacional Carneiro Ribeiro (ainda em construção), a partir deles podemos
ter uma ideia geral de sua estrutura e objetivos:
Todos sabemos que sem educação não há sobrevivência possível. A questão é
sobre a escola e não a educação. É sobre a escola que o ceticismo nacional
assesta os seus tiros tão certeiros e eficazes. O brasileiro não acredita que a
escola eduque. E não acredita, porque a escola, que possui até hoje,
efetivamente não educou.
[...] A escola primária é dividida em dois setores: o da instrução,
propriamente dita, ou seja, da antiga escola de letras, e o da educação,
propriamente dita, ou seja da escola ativa. No setor de instrução, manter-se-ia
o trabalho convencional da classe, o ensino da leitura, escrita e aritmética e
mais ciências físicas e sociais, e no setor educação, as atividades
socializantes, a educação artística, o trabalho manual, as artes industriais e a
educação física. A escola é construída em pavilhões, num conjunto de
edifícios que melhor se ajustem às suas diversas funções.
[...] Para economia tornava-se indispensável que se fixe um número máximo
para a matrícula de cada centro. Pareceu-nos que 4.000 seria esse número,
acima do qual não seria possível a manipulação administrativa.
[...] A criança fará um turno na Escola-Classe e um segundo turno na Escola-
Parque. Nesta escola, além de locais para suas funções específicas, temos
mais a biblioteca infantil, os serviços gerais e de alimentação. [...] A criança
terá um regime de semi-internato, recebendo educação e assistência
alimentar.
[...] Teremos os professores primários comuns para as Escolas-classe e para a
Escola-parque, os professores primários especializados de música, de dança,
de atividades dramáticas, de artes industriais, de desenho, de biblioteca, de
educação física, recreação e jogos. Em vez de um pequenino gênio para tudo,
muitos professores diferenciados em dotes e aptidões para a realização da
tarefa sem dúvida extraordinária de formar e educar a infância nos seus
aspectos fundamentais de cultura intelectual, social, artística e vocacional. A
escola primária terá, em seu conjunto, algo que lembre uma pequenina
universidade infantil (EBOLI, 1969, p. 14-6).
Anísio Teixeira (1977, p. 35, 53, 164) colocava para a Educação e para a Escola,
funções sociais, a primeira relacionava-se com a qualidade da vida individual e em
comunidade, tornando as crianças futuros brasileiros. A função social da Educação seria
efetiva a partir da função social da Escola, esta seria o ambiente legítimo para formar
valores, hábitos e atitudes que seriam indispensáveis ao cidadão de uma democracia.
Anísio, compreendia a complexidade dessa formação, por este motivo se justificava a
necessidade de uma Escola de tempo integral, construída e planejada para a “tarefa
educativa”, tanto da perspectiva arquitetônica, quanto metodológica. Os problemas
técnicos, como financiamento, construção dos edifícios e contratação de funcionários
pertenciam à ideia deste tipo de Escola, no entanto, a técnica não era um problema da
26
Educação, seu problema estava na esfera da política, a Educação era um problema, por
excelência, de uma nação, de sua formação nacional.
Anísio, em 1952, compreende a necessidade de observação e resolução dos
problemas econômicos, políticos e sociais, mas elege a Educação como o primeiro
problema a ser resolvido, pois a sua solução daria condições para o enfrentamento dos
demais problemas (TEIXEIRA, 1977, p. 164). Essa ideia dialoga com o pensamento de
T. H. Marshall (1967, p. 73), que em 1949 também elegeu a Educação como o primeiro
passo, a ser obrigado pelo Estado para as crianças, para a transformação do homem em
cavalheiro, do indivíduo em cidadão, seria a primeira fase do ensino a responsável pela
formação do adulto em perspectiva, não se deveria apenas atender ao direito da criança
em frequentar a escola, mas sim, ao direito do cidadão adulto ter sido educado. Marshall
entende a cidadania como o conjunto dos direitos sociais, civis e políticos, aqui a
Educação é colocada como a base do direito social, pois assim, os indivíduos educados
teriam melhores condições para compreender e conquistar os demais direitos. Anísio
também elenca essas esferas como problemas da construção democrática e cidadã,
colocando-as como esferas de Direitos, como partes de um problema básico:
Este é o problema básico - econômico, político e social. Problema
econômico - porque resolve o da igualdade de oportunidade para todos;
político - porque habilita ao uso das franquias políticas; e social - porque cria
a única hierarquia que não é iníqua: a do mérito e do valor. Somente, pois,
com a sua solução é que o homem brasileiro estaria em boas condições de
lutar pelas reivindicações posteriores - de melhor equilíbrio social. Seu
preparo educacional é que o habilitaria para receber as novas franquias e
novos direitos, sem o perigo de deformá-los transformando-os em ameaças
ao próprio equilíbrio social (TEIXEIRA, 1977, p. 164).
27
Figura 2: Planta do Centro Educacional Carneiro Ribeiro5
Em 1964 o Centro era constituído por 11 prédios divididos em:
Quatro Escolas-Classe;
A Escola-Parque, numa área arborizada de 42.000 m2 com os seguintes
setores: 1) pavilhão de trabalho; 2) setor socializante; 3) pavilhão de
educação física, jogos e recreação; 4) biblioteca; 5) setor administrativo
geral e almoxarifado; 6) teatro de arena ao ar livre; e 7) artístico.
Cada Escola-Classe, contava com 12 salas de aula cada uma, áreas cobertas,
consultório médico e dentário, instalações para administração, jardins, hortas e áreas
livres. Os alunos permaneciam nestas salas por quatro horas em aprendizagem escolar:
linguagem, aritmética, ciências e estudos sociais. Após este período, os alunos
encaminham-se para a Escola-Parque, na qual permaneciam por mais quatro horas,
agrupados por suas preferências e distribuídos em turmas de 20 a 30 alunos no máximo,
para realizar as seguintes atividades (EBOLI, 1969, p. 20):
5 “Fotos de HANS MANN, EDMUNDO e cedidas gentilmente pela USAID. Reprodução de fotos
autorizadas” (EBOLI, 1969, p. 21)
28
1. Setor de trabalho: artes aplicadas, industriais e plásticas;
2. Setor de Educação Física e Recreação: jogos, recreação, ginástica;
3. Setor Socializante: grêmio, jornal, rádio escola, banco e loja;
4. Setor Artístico: música instrumental, canto, dança, teatro;
5. Setor de Extensão Cultural e Biblioteca: leitura, estudo, pesquisa.
Havia ainda, na Escola-Parque, os seguintes setores:
Direção e Administração Geral do CECR;
Currículo, Supervisão e Orientação Educativa;
Assistência médico-odontológica; e
Assistência Alimentar.
Os alunos recebiam os uniformes, material didático, merenda e medicamentos
necessários. As Escolas-Classe 1, 2 e 3 atendiam crianças de 7 a 13 anos, em grupos
organizados pela idade cronológica. Procurava-se “constituir a classe de alunos com
interesses comuns, próprios de cada idade, em total oposição às conhecidas e artificiais
classes homogêneas que só tomam em consideração a capacidade mental do aluno e os
resultados de exames” (EBOLI, 1969, p. 22).
Na Escola-Classe 4 funcionava a Educação Complementar (ginasial da época,
atualmente corresponde aos 6º, 7º, 8º e 9º anos do ensino fundamental). Essa Educação
era a ampliação e o melhoramento do ensino primário adaptado às necessidades da
época e contemplava as seguintes disciplinas e práticas:
1. Disciplinas: Português, Matemática, Iniciação à Ciência, Geografia, História,
Estudos Socioeconômicos baianos, Organização Social e Política Brasileira,
Higiene (para meninos), Higiene e Puericultura (para meninas), Ciências
Físicas e Biológicas, Desenho, Noções de Comércio e Inglês.
2. Práticas Educativas: Educação Física, Artes Industriais e Domésticas,
Atividades Comerciais, Religião, Atividades Artísticas e Extensão cultural.
3. Atividades complementares relacionadas: a) com programas de estudo de
uma ou mais disciplinas; b) com a vida social, artística e recreativa dos
alunos e da comunidade; c) com atividades vocacionais.
29
a. Organização das Atividades complementares: clube de ciência, de
literatura, de línguas estrangeiras, de arte musical, de artes
domésticas, de enfermagem de urgência e de jornalismo.
Nessa Escola-classe, também estavam instalados o Serviço de Orientação
Pedagógica; os Conselhos de Classe; e o Grêmio Estudantil (EBOLI, 1969, p. 24-5).
Figura 3: Biblioteca Centro Educacional Carneiro Ribeiro6
Figura 4: Sala de aula – Escola-Classe Centro Educacional Carneiro Ribeiro7
6 “Fotos de HANS MANN, EDMUNDO e cedidas gentilmente pela USAID. Reprodução de fotos
autorizadas” (EBOLI, 1969, p. 28). 7 Idem.
30
Figura 5: Pavilhão de Trabalho (Artes Aplicadas, Industriais e Plástica) – Escola-Parque Centro
Educacional Carneiro Ribeiro8
Figura 6: Pavilhão de Educação Física – Escola-Parque Centro Educacional Carneiro Ribeiro9
8 Idem. 9 Idem (EBOLI, 1969, p. 54).
31
Figura 7: Vestiário – Escola-Parque Centro Educacional Carneiro Ribeiro10
Figura 8: Atividades Físicas – Escola-Parque Centro Educacional Carneiro Ribeiro11
10 Idem (EBOLI, 1969, p. 54). 11 Idem (EBOLI, 1969, p. 56).
32
Figura 9: Atividades Físicas (balé) – Escola-Parque Centro Educacional Carneiro Ribeiro12
Figura 10: Área de convivência –Centro Educacional Carneiro Ribeiro13
12 Idem (EBOLI, 1969, p. 63). 13 Idem (EBOLI, 1969, p. 64).
33
Embora o Centro Educacional Carneiro Ribeiro tenha sido um considerável
empreendimento educacional, a sua importância parecia não ganhar destaque no cenário
nacional da época. O jornal A Tarde de Salvador, em 1967, publicou a seguinte matéria,
sob o título “A obra monumental que o Brasil desconhece”:
Por que estamos usando desta linguagem superlativa com relação ao CECR?
Porque acabamos de conhecê-lo. E no caminho de volta viemos debatendo-
nos entre duas emoções contraditórias: um enorme orgulho verde-amarelo
por ter constatado de quanto somos capazes, quando realmente nos dispomos
a fazer as coisas bem feitas; e certa melancolia, também verde-amarela, por
ver quanto somos idiotamente cegos, abandonando a uma obscuridade
incompreensível as obras máximas. Ficamos um pouco envergonhados até ao
saber que o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, focalizado em reportagens
por diversas revistas estrangeiras, conhecido e divulgado na ONU e objeto de
visita de técnicos em educação de diversos países, é quase completamente
desconhecido, não só em todo o Brasil, mas até aqui na Bahia. (JORNAL A
TARDE apud EBOLI, 1969, p. 35).
Eboli (1969, p. 35) sinalizou, no final dos anos 1960, que o pior não era a falta
de reconhecimento público, mas sim a questão dos recursos financeiros que eram
reduzidos dia a dia “o que poderá levar à extinção total da obra, que tem sobrevivido
pelo esforço da equipe abnegada que a dirige e de alguns administradores que fazem
milagres com o reduzido orçamento”. O Centro não foi completamente extinto, no
entanto, conforme analisado por Cordeiro (2001, p. 241) os efeitos do tempo, assim
como a descontinuidade administrativa e, provavelmente, a incompreensão da proposta
original, “fizeram com que a Escola Parque se descaracterizasse, quase nada restando
dos seus pressupostos teóricos e princípios de atuação, dos seus mestres e dos produtos
concretos dos seus trabalhos”. Essa análise pode ser complementada por Cavaliere
(2010, p. 258) que pontua o afastamento de Anísio Teixeira da vida política, por conta
da ditadura militar iniciada em 1964, como um dos motivos pelos quais a ideia dos
Centro Educacionais, nos moldes do CECR, não tiverem continuidade, “a concepção de
educação integral esteve esquecida por cerca de 20 anos”, sendo retomada nos anos
1980 e 1990 através do programa dos CIEPs – Centros Integrados de Educação Pública
do Rio de Janeiro, idealizado por Darcy Ribeiro, que seria uma atualização da proposta
de Anísio para a Educação Integral, de acordo com a autora, as propostas, de Anísio e
Darcy Ribeiro possuíam “enormes convergências”.
Implantados entre 1984-1987, na cidade do Rio de Janeiro, no Governo de
Leonel Brizola, sob orientação de seu vice, Darcy Ribeiro, os primeiros CIEPs –
Centros Integrados de Educação Pública, foram assim descritos por Brizola:
34
O CIEP é uma nova instituição que surge, questionando, por dentro, esta
realidade social injusta, desumana e impatriótica. Estas novas escolas
proporcionarão às nossas crianças alimentação completa, aulas, a segunda
professora que os pobres nunca tiveram, esporte, lazer, material escolar,
assistência médica e dentária. Depois de permanecer todo o dia no colégio,
voltam, de banho tomado, para o carinho da família. Mais de 50% de nossas
crianças, depois de anos de repetência, deixam a escola mal assinando o
nome. Noutras palavras, analfabetas e ressentidas. Por quê? Deficientes de
saúde e alimentação, apenas permanecem algumas poucas horas no ambiente
escolar, o qual, por sua vez, tem sido precário e ineficaz. Os alunos dos
CIEPs vêm alcançando cerca de 90% de aprovação. Só este alto rendimento
justifica, inclusive economicamente, os Centros Integrados de Educação
Pública. (RIBEIRO, 1986, p. 6).
Já Darcy Ribeiro (1986, p. 11, 13) revela-se impressionado com a magnitude da
rede escolar pública e sua precariedade, para ele a escola brasileira era uma produtora
de analfabetos. O fracasso educacional não seria resultado da falta de escolas, nem da
falta de escolaridade ou de alguma prática pedagógica, segundo Darcy, o fracasso se
devia à “atitude das classes dominantes brasileiras para com o nosso povo, um fator
importante do nosso baixo rendimento escolar reside na exiguidade do tempo de
atendimento que damos à criança”. Tal como Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro percebia
que a tarefa de educar não poderia ficar sob total responsabilidade da família, pois na
“imensa maioria das famílias brasileiras não há pessoa desocupada e pronta para tomar
conta das crianças e estudar com elas, a escola não tem o direito de esperar isto”
(RIBEIRO, 1986, p. 14). Anísio, neste sentido, afirmava que
Existe algo de irreal e equívoco nessa afirmação de que cabe à família o
controle da escola. Costumam os defensores dessa posição afirmar que a
família é o grupo social natural e concreto e que o Estado é vago e abstrato.
Ai de nós, que hoje é exatamente o contrário. Por mais desagradáveis que
sejam certas realidades, há que aceitá-las e dispor as coisas à vista dos fatos,
dos "teimosos fatos" de que falava William James. Respeitar os fatos é o
começo de toda sabedoria (TEIXEIRA, 1977, p. 211).
As convergências, entre as perspectivas de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro,
apontadas por Cavaliere, podem ser percebidas na construção de uma escola de tempo
integral direcionada para as crianças mais pobres, assim como a consciência de que
cabia ao Estado e não exclusivamente às famílias, oferecer este tipo de educação. O
CIEP, desenvolvido como um projeto educacional, foi resultado de uma das medidas
elencadas no Programa Especial de Educação, esse programa começou a ser formulado
no início do governo Brizola, em 1983, a partir da Comissão Coordenadora de
Educação e Cultura, presidida por Darcy Ribeiro, que acumulava, naquele ano, os
cargos de vice-governador, secretário de Ciência e Cultura e chanceler da Universidade
35
do Estado do Rio de Janeiro. A meta principal do Programa era “recuperar a dignidade
da escola pública”,
a partir de uma análise que apontava um quadro desolador no que se referia à
qualidade dos serviços públicos. A máquina administrativa herdada era vista
pelos novos administradores como a serviço do clientelismo, marcada pela
corrupção, por tráfico de influências e inchada por contratações de cunho
eleitoreiro. (MIGNOT, 2001, p. 156).
Em 1986, cerca de quinhentos mil alunos estavam matriculados em toda a rede
dos CIEPs. Cada uma de suas unidades, durante um período de 8 horas diárias (das
08h00 às 17h00), oferecia aulas do 1º Grau, atividades esportivas, participação em
eventos culturais, quatro refeições, um banho e ainda, sessões de Estudo Dirigido, esta
atividade significava “Aprendendo a Estudar”, na qual buscava-se o “rendimento global
de todos os alunos, oferecendo um tempo específico para os deveres, trabalhos e
atividades que normalmente seriam desenvolvidos em casa (RIBEIRO, 1986, p. 127).
No período da noite, os CIEPs atendiam 400 jovens de 14 a 20 anos, analfabetos ou
insuficientemente instruídos. A Proposta Pedagógica dos CIEPs se colocava em uma
perspectiva de “escola-casa”, suprindo as questões alimentares, de higiene e saúde.
Todos os profissionais envolvidos na dinâmica dos CIEPs participavam de treinamento
inicial intensivo, complementando-se por treinamentos periódicos e por reuniões com o
objetivo de estimular a constante “troca de ideias e vivências”. A principal tarefa do
CIEP era introduzir a criança no “domínio do código culto” em diálogo com sua
“bagagem de vida”, pois essa concepção de escola objetivava ser uma “ponte entre os
conhecimentos práticos já adquiridos pelo aluno e o conhecimento formal exigido pela
sociedade letrada”, recuperando assim, o papel político e social da escola (RIBEIRO,
1986, p. 17, 42, 47-9).
O trabalho pedagógico dos CIEPs era orientado por sete eixos (RIBEIRO, 1986,
p. 98-100):
1. Vontade Política: estruturação de uma escola voltada para o atendimento
das camadas populares, através do compromisso político dos educadores
para com os alunos; recuperação do senso de trabalho público, erradicando a
“descrença e a apatia geradas no magistério pelos anos de autoritarismo”;
2. Gestão e Decisão na (pela) Escola: democratização da escola púbica versus
relações de poder presentes nas Instituições educacionais, a partir de
36
treinamentos que estimulavam a superação da “arbitrariedade e da
centralização do poder na escola”. Além desses treinamentos, também
foram construídos canais de informação e de participação com o objetivo de
serem espaços de “formulação, reformulação, reflexão e debate contínuo
sobre as práticas pedagógicas”;
3. Cultura: valorização da cultura do aluno como parte do conteúdo
pedagógico, tais como “conhecimentos e habilidades construídos na luta
pela sobrevivência, no seio de suas relações sociais” que, de modo geral,
eram ignorados pelos professores oriundos dos setores médios da
população;
4. Essencialização dos Conteúdos: desenvolvimento de livros didáticos com
conteúdos que, de um lado, dialogassem com as experiências dos alunos
visando mudanças pessoais e assim, na sociedade, e de outro, voltados aos
pontos fundamentais de uma ciência. A essencialização não significava
“tratar a educação das classes populares de forma superficial”, ela tinha
como objetivo o “aumento real das possibilidades dos alunos adquirirem o
domínio básico da língua, da matemática, das ciências humanas e naturais”,
aplicando-as em suas vidas;
5. Unificação dos Conteúdos e Métodos de Ensino: revisão da tendência dos
cursos de formação dos professores que, até então, não articulavam os diversos
conteúdos trabalhados em sala de aula. Assim, este eixo, a partir de uma
Consultoria Pedagógica de Treinamento trabalhava, na perspectiva de que cada
professor dominasse seu “ramo de conhecimento e as formas de transmiti-los”,
mas articulados com os demais ramos que não fossem suas especialidades;
6. Interdisciplinaridade: esta metodologia de ensino tomava a disciplina de
Língua Portuguesa “como o elo integrador, uma vez que o domínio dos
conteúdos das demais disciplinas se efetiva através da linguagem”; e
7. Avaliação: entendido com o eixo mais sensível de todos, pois seria a
avaliação o “maior instrumento de poder do professor e da instituição
escolar”, geradora de alunos submissos, sistematicamente reprovados e
assim “fracassados”. A escola tradicional avaliaria apenas aquilo que o
37
aluno não sabia, de acordo “com os padrões da cultura formal”. Com o
objetivo de superar essa tradição, o sistema de avaliação dos alunos dos
CIEPs, era ser um “instrumento para o aperfeiçoamento contínuo do
trabalho pedagógico”. Todos eram avaliados: alunos, professores e escolas.
Para o desenvolvimento e aplicação do Trabalho Pedagógico, todo o corpo docente
passava pela “Capacitação do Magistério”, na qual, todos os professores participavam,
periodicamente, de encontros pedagógicos que procuravam 1) articular os diversos aspectos
do universo educacional; 2) compreender o fazer pedagógico como um processo filosófico,
político e ideológico; 3) selecionar e priorizar conteúdos programáticos em uma
metodologia que pudesse estabelecer as diretrizes práticas que permitissem “a efetivação
das condições que proporcionam aos alunos um real crescimento de suas possiblidades de
participação na sociedade”. Essas capacitações eram organizadas pela “Consultoria
Pedagógica de Treinamento” do Programa Especial de Educação, as atribuições dessa
Consultoria estavam organizadas da seguinte maneira (RIBEIRO, 1986, p. 83-4):
1. Aperfeiçoamento do corpo docente e dos funcionários:
a. Efeito multiplicador: professores orientadores repassavam aos seus
colegas o treinamento recebido; cada professor-orientador era
responsável pela coordenação do treinamento de 10 professores; a
estratégia “efeito multiplicador” foi adotada em razão da dificuldade
operacional em convocar o número necessário de professores para
treinamento centralizado.
2. Orientação das equipes técnico-pedagógicas dos CIEPs, para a organização
dos currículos;
3. Acompanhamento do processo de implantação do trabalho pedagógico, dando
especial atenção a: a) projetos prioritários (Alfabetização e Língua Portuguesa
na 5ª série), b) desenvolvimento do Estudo Dirigido, e c) repasse dos
treinamentos recebidos pelos professores e funcionários no interior dos CIEPs; e
4. Participação na avaliação de todo o processo de implantação dos CIEPs.
Toda a proposta pedagógica do CIEP era vivenciada em prédios projetados por
Oscar Niemayer, que segundo Darcy Ribeiro, eram 30% mais baratos que um prédio
escolar convencional”. O Projeto-Padrão era composto por três construções distintas
(RIBEIRO, 1986, p. 103-4):
38
1) Prédio Principal: três pavimentos ligados por uma rampa central:
a. Pavimento térreo: refeitório com capacidade para 200 pessoas e uma
cozinha dimensionada para café da manhã, almoço e lanche, para até
1.000 crianças; centro médico; e “amplo recreio coberto”;
b. Pavimentos superiores (2): salas de aulas; auditório; salas especiais
(Estudo Dirigido e outras atividades); instalações administrativas; e
c. Terraço: área reservada para atividades de lazer.
2) Salão Polivalente: ginásio desportivo coberto, com arquibancadas, vestiários
e depósito para guarda de materiais. Este espaço, “polivalente”, era utilizado
para prática de Educação Física e Esportes diversos, apresentações de
espetáculos teatrais, shows de música, rodas de capoeira e festas promovidas
pela Associação de Moradores.
3) Biblioteca: atendimento aos alunos para consultas individuais ou em grupos
supervisionados, e também à disposição da comunidade. Sobre a Biblioteca,
havia alojamentos para vinte e quatro crianças, que poderiam “morar na escola
em caso de necessidade, sob os cuidados de um casal”.
Figura 11: Arquitetura (projeto padrão) CIEP14
14 (RIBEIRO, 1986, p. 104)
39
Relação das Áreas dos CIEPs (RIBEIRO, 1986, p. 108):
CIEP Padrão (Área Total: 6.800 m2):
• Prédio Principal: 5.400 m2
• Biblioteca/Alojamento para crianças: 320 m2
• Ginásio: 1.080 m2
CIEP Compacto: 5.400 m2
Figura 12: Construção CIEPs15
15 (RIBEIRO, 1986, p 112)
40
Sobre a “Vida nos CIEPs”, Darcy Ribeiro (1986, p. 115) destaca a assistência
médico-odontológica, como uma rotina vivenciada pela primeira vez no ambiente escolar
como “parte integrante e inseparável de um projeto educativo renovador, ultrapassando os
limites da escola para ir ao encontro das necessidades comunitárias”. Nos Centros Médicos,
era desenvolvido um trabalho nos moldes da medicina preventiva, “mas sem descuidar da
assistência curativa”, oferecendo atendimento odontológico, oftalmológico, assistência
profissional em nutrição e atividades de educação para a saúde.
Figura 13: Atendimento médico CIEP16
Figura 14: Atendimento Odontológico CIEP17
16 (RIBEIRO, 1986, p. 117)
41
O Planejamento Alimentar das crianças também é objeto de destaque, assim
como a higiene, ambos relacionados à saúde. A cozinha tinha capacidade para produzir
3 mil refeições e 3 mil lanches por dia, orientadas por nutricionistas. A proposta básica
do plano alimentar consistia no fornecimento de 4 refeições diárias e suplementação
alimentar para os alunos-residentes e participantes do Programa de Educação Juvenil
(RIBEIRO, 1986, p. 120-1).
Figura 15: Refeitório CIEP18
17 (RIBEIRO, 1986, p. 114) 18 (RIBEIRO, 1986, p. 121)
43
Figura 17: Cardápio CIEP20
Na “Vida nos CIEPs” os Esportes e a Educação Física também eram fatores
importantes para a educação integral, pois agilizariam “o desenvolvimento dos alunos,
melhorando seu desempenho global”. O objetivo principal da Educação Física era
reverter sua posição tradicional nos currículos, no qual as crianças praticavam esportes e
aprendiam suas regras sem associa-los às demais disciplinas cursadas em sala de aula. A
Educação Física era realizada nos CIEPs “por meio da aplicação da filosofia de ensino
20 (RIBEIRO, 1986, p. 123)
44
integrado, todas as atividades desenvolvidas na escola estão entrelaçadas e a Educação
Física não é exceção”. Havia ainda, na “Vida nos CIEPs” os “Alunos-Residentes”, esses
alunos, considerados desamparados, eram abrigados em moradias no edifício principal e
eram assistidos por um casal-residente “especialmente treinado para essa missão”. O
projeto “Alunos-Residentes” não tinha o objetivo de ser um internato, a ideia era que a
permanência das crianças fosse temporária, pois também visava um trabalho conjunto
com os responsáveis pela criança, o que poderia resultar no seu retorno ao núcleo
familiar (RIBEIRO, 1986, p. 129-0).
Por fim, os CIEPs desenvolviam atividades de “Animação Cultural”,
compreendidas como um “elo integrador”. A “Animação Cultural” era uma ponte de
“mão dupla entre a escola e a vida comunitária”, na qual as apresentações e os artistas
faziam parte do cotidiano da comunidade, deste modo, incorporavam-se ao dia-a-dia da
escola (RIBEIRO, 1986, p. 133). O “elo integrador” pode ser visto como uma
estratégia que dialoga com a ideia da municipalização do ensino pensada por Anísio
Teixeira, no que diz respeito à valorização dos saberes locais e dos atores da
comunidade, uma forma de dar vida ao papel político e social da escola em sua própria
localidade a partir de elementos e experiências da vida cotidiana, o que traria concretude
às atividades escolares.
Nesse processo de estreitamento de laços entre a escola e sua comunidade, as
atividades de animação cultural passam a ter especial importância. Além de
contribuírem para a aprendizagem global dos alunos, pela valorização do
trabalho criativo no espaço escolar, as atividades culturais possibilitam um
reencontro com o próprio prazer de aprender. No dia-a-dia dos CIEPs, a
educação não pode mais ser dissociada das manifestações culturais e
artísticas, sobretudo daquelas que já se desenvolvem no interior da própria
comunidade. Afinal, elas são a ponte viva que leva a comunidade para dentro
da escola e vice-versa (RIBEIRO, 1986, p. 49)
45
Figura 18: Fachada CIEP Thomas Jefferson21
A Imprensa deu ampla cobertura ao projeto CIEPs, através de pronunciamentos
e entrevistas com Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, que defendiam e justificam o projeto,
por outro lado, também dava voz à crítica, pautada principalmente pelo custo e
manutenção das escolas, assim como uma demasiada atenção de Leonel Brizola à
Educação, o que teria deixado de lado outras áreas sociais. Tais críticas foram
iluminadas nas eleições de 1986, para governo do Estado do Rio Janeiro, que teriam
selado “quase definitivamente o destino dos CIEPs” (BOMENY, 2008, p. 13),
21 (RIBEIRO, 1986, p. 155)
46
Na disputa eleitoral, a bandeira da Educação e da construção dos CIEPs
colocou o governo Leonel Brizola como alvo de acusações divergentes: ao
mesmo tempo em que se criticava o chamado ‘governo de uma obra só’,
também se denunciava o fato de o governador não ter cumprido
integralmente as metas anunciadas. Assim, nem o brilho intelectual de Darcy
Ribeiro, nem os esforços depositados na modernização do ensino público
estadual foram suficientes para garantir a continuidade do PDT no governo
do estado do Rio de Janeiro. Venceria o candidato da oposição (XAVIER
apud BOMENY, 2008, p. 13)
Bomeny (2008, p. 14) chama a atenção para o posicionamento político de
Brizola, que antes das eleições de 1986, colocou-se, publicamente, contra “o que
chamava a ‘farsa do Plano Cruzado’”, denunciando como “eleitoreira a política
econômica do então presidente José Sarney”, a autora analisa que Brizola “amargaria
não só a crítica implacável em toda a mídia como a derrota do candidato do PDT, Darcy
Ribeiro, ao governo do Rio de Janeiro”. Tanto o Programa Especial de Educação,
quanto os CIEPs, eram identificados com o governo de Leonel Brizola e com Darcy
Ribeiro, sendo assim, com a derrota nas eleições, também foram derrotados os seus
projetos educacionais, o Programa Especial de Educação foi totalmente interrompido a
partir de 1987.
Com a derrota eleitoral de Darcy Ribeiro para o governo estadual em 1986, o
projeto foi interrompido. Em ruas, estradas, praças, bairros e favelas onde os
CIEPs estavam apenas em fase inicial da construção, os canteiros de obras
foram abandonados. Eram resquícios de um sonho, escombros de um
monumento à educação. Tapumes e entulhos macularam a paisagem e a
imagem da cidade vitrine do país. A escola que havia se tornado o seu mais
novo cartão postal, ainda assim pretendia dar mais uma lição: a lição sobre a
importância da continuidade administrativa. O debate sobre qualidade do
ensino que gerou, continuou vivo, apaixonado e apaixonante. (MIGNOT,
2001, p 163).
Brizola vence as eleições de 1990 para o governo do Estado do Rio de Janeiro e
uma das primeiras medidas foi retomar e ampliar o Programa Especial de Educação,
assim como concluir a construção dos CIEPs que ficaram paralisadas e dar continuidade
aos que foram construídos em seu governo. Ao final de 1993 já era possível
avaliar a pertinência do programa pela procura crescente por esta Escola e
pelo depoimento dos alunos e da comunidade como sendo uma escola
diferente: o respeito aos valores culturais, às diferentes individualidades.
Pontos determinantes para a construção do conhecimento e o acesso ao saber
legitimado pela sociedade (BARBOSA apud BOMENY, 2008, p. 16).
Restava, no entanto, a tarefa de completar a construção dos 500 CIEPs, meta do
primeiro governo Brizola, a questão que se colocava era a falta de professores
capacitados. Darcy Ribeiro, “um crítico impiedoso dos cursos de pedagogia [...]
47
ironizava: ‘A Pedagogia é como a neblina: quanto mais densa, menos se vê’”. Este
posicionamento significava que a formação docente não deveria passar pelo crivo da
pedagogia, a formação em serviço era a palavra de ordem. O que se deu foi uma
quantidade “imensa de escolas e de professores formados em tempo recorde”. Dada a
urgência da demanda por professores, foi criado um centro de capacitação, no qual era
ministrado um curso de dois anos e neste período o professor estagiava em sua futura
escola. Esse projeto de formação enfrentou severa resistência e pressão por parte da
comunidade acadêmica, que classificava como “eleitoreiro, populista e empreguista”,
sendo assim, o projeto de formação docente, idealizado por Darcy Ribeiro, foi sendo
abandonado. Em meio ao desgaste da imagem de Darcy Ribeiro, em 1993 Brizola
renunciou ao mandato para concorrer às eleições presidenciais de 1994, e além de não
ter saído vitorioso, viu o candidato do PSDB vencer as eleições para o governo do
estado do Rio de Janeiro, mais uma vez o Programa Especial de Educação foi paralisado
(BOMENY, 2008, p. 17, 19).
A relação entre as propostas de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro não teria sido
marcada pelo projeto ou pela prioridade a ser dada ao ensino básico, segundo Bomeny
(2008, p. 26-7), o que os diferenciou foi o volume de estabelecimentos, a velocidade
que Darcy “impôs a si mesmo para solucionar um problema com o qual a sociedade
brasileira conviveu em todo período republicano”, foram ainda, os atributos políticos e
sociológicos colocados acima dos pedagógicos na dinâmica dos CIEPs. A autora analisa
ainda o perfil de Darcy Ribeiro contrastado com os meios burocráticos, que orientam as
instituições educacionais. O perfil de Darcy seria aquele entusiástico, totalizador,
sintonizado “com mobilizações em que as fronteiras hierárquicas se dissolvem”. Este
tipo de perfil seria o oposto da rotina e da disciplina, características da burocracia, na
qual não caberiam os fundamentos das ações de Darcy Ribeiro, como a emoção, a
independência, o decidir no clamor da interação imediata, pois as rotinas institucionais
são pautadas pela regularidade, repetição e racionalidade.
Em 1995, diz assim Darcy Ribeiro:
Todos nós que participamos desse empreendimento sentimos a frustração de
ver ameaçado nosso projeto educacional, que efetivamente foi desativado e
descaracterizado. Trata-se de um ato de vandalismo cultural só comparável
ao que recaiu, há 60 anos, sobre Anísio Teixeira, que viu o seu programa
educacional extinto por obscurantismo. Era o maior e melhor experimento de
educação que se realizara em nosso País até então. Vivemos ainda hoje das
ideias de Anísio, encarnadas naquela época por Pedro Ernesto em duas
dezenas de grandes escolas públicas primárias, no Instituto de Educação e na
48
Universidade do Distrito Federal. Soterradas todas pela onda fascista que
invadiu o mundo. Hoje, o mesmo obscurantismo se repete, agora contra os
CIEPs e contra os GPs [Ginásios Públicos]. Por quê? (RIBEIRO, 1995, s/nº).
A Educação Integral no Brasil pode ser visualizada na seguinte linha do tempo:
Ano Descrição
1932
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova
O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, redigido por 26 importantes
intelectuais brasileiros, foi lançado em 1932 e teve como objetivo implementar
um sistema de Ensino Público no Brasil que integrasse diferentes frentes de
aprendizagem: leitura, aritmética, escrita, ciências físicas e sociais, artes
industriais, desenho, música, dança, educação física, saúde e alimentação. No
texto intitulado A reconstrução educacional no Brasil: ao povo e ao governo, a
escola era descrita como um elemento vivo, que pode sofrer alterações
conforme o meio social onde está inserida. A influência da família e de toda a
sociedade no processo educativo já aparecem na declaração como uma
necessidade real para alcançar um modelo educacional eficiente.
1950
Centro Educacional Carneiro Ribeiro
Idealizador(a): Anísio Teixeira
Área de Abrangência: Nacional
Resumo: Entre os estudiosos que assinaram o Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova, destaca-se o educador Anísio Teixeira (1900 -1971), que em
1948 foi secretário de educação e saúde do governo de Otávio Mangabeira,
na Bahia. Anísio Teixeira foi responsável pela implementação do primeiro
modelo de Educação Integral bem sucedido no Brasil, com a criação do
Centro Educacional Carneiro Ribeiro (CECR), em Salvador, em 1952. Nesse
modelo, as atividades escolares aconteciam nas chamadas Escolas-Classe no
turno básico e nas Escolas-Parque no contraturno, complementando a
aprendizagem em sala de aula. Havia quatro Escolas-Classe com mil alunos
cada uma, construídas ao redor de uma única Escola-Parque com capacidade
para 4 mil estudantes em turnos alternados. A Escola-Parque tinha como
objetivo oferecer uma Educação Integral, garantindo à criança alimentação,
atividade esportiva e artística, higiene, maior socialização, além de preparação
para o mundo do trabalho e de discussões permanentes sobre cidadania e
cultura colaborativa.
1960
Escolas-classe e Escolas-parque
Idealizador(a): Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro
Área de Abrangência: Brasília (DF)
Resumo: Em 1960, Anísio Teixeira junto a Darcy Ribeiro e outros
importantes nomes da educação brasileira, criaram o Plano Humano do
Distrito Federal. Com a fundação da cidade de Brasília foram inaugurados
vários centros educacionais, construídos na mesma perspectiva do Centro
Educacional Carneiro Ribeiro, implementado em Salvador, na Bahia. O
Centro de Educação Elementar, pioneiro entre as iniciativas na capital, era
formado por diversos prédios escolares, que abrigavam jardim de infância,
Escolas-Classe e uma Escola-Parque. Foram construídas Escolas-Classe
e Escolas-Parque, onde eram realizadas atividades variadas, na mesma
perspectiva da formação desenvolvida na proposta baiana.
49
1980
Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs)
Idealizador(a): Darcy Ribeiro
Área de Abrangência: Rio de Janeiro (RJ)
Resumo: Os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) foram
idealizados por Darcy Ribeiro nos anos de 1980, a partir da experiência do
Centro Educacional Carneiro Ribeiro, experiência da Bahia. Durante os
dois mandatos do então governador Leonel Brizola (PDT), foram criados
aproximadamente 500 prédios escolares que respondiam a uma estrutura
denominada “Escola Integral em horário integral”. Os CIEPs atendiam
crianças e adolescentes em turnos estendidos e buscavam oferecer, além
das atividades pedagógicas tradicionais, outras possibilidades educativas,
recreativas e culturais e amparo assistencial, como atenção básica à
saúde e alimentação aos estudantes.
1993
Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (CAIC) de Seropédica
Idealizador(a): Universidade Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
Área de Abrangência: Seropédica (RJ)
Resumo: O Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (CAIC)
de Seropédica nasceu em 1993, a partir da solicitação de estudantes dos
cursos de licenciatura do campus central da Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro (UFRRJ) que desejavam experimentar processos de
educação integral como educadores ainda durante a graduação. O centro
foi implementado no município de Seropédica, a 75 quilômetros da capital,
e tinha como objetivo a maior integração da comunidade com o processo
escolar e o acompanhamento dos estudantes de licenciatura desde a pré-
escola até a graduação. O projeto ainda existe no município e também foi
ampliado a outras regiões do Rio de Janeiro.
2000
Projeto/Programa: Centros Educacionais Unificados (CEUs)
Idealizador(a): Governo Marta Suplicy
Área de Abrangência: São Paulo (SP)
Resumo: Os Centros Educacionais Unificados (CEUs) foram criados em
2000, na capital paulista durante a gestão da prefeita Marta Suplicy (PT).
Os centros, que existem até hoje e permaneceram como política de
governos posteriores, são constituídos por creche, educação infantil e
fundamental, além de estruturas para desenvolver práticas educacionais,
recreativas e culturais no mesmo espaço da formação escolar e têm como
proposta agregar a comunidade do entorno à oferta de atividades.
2006
Programa: Bairro-escola Nova Iguaçu
Idealizador(a): Secretaria Municipal de Educação de Nova Iguaçu (2005-
2010)
Área de Abrangência: Nova Iguaçu (RJ)
Resumo: Sob a égide da educação integral e do conceito de Bairro-escola,
desenvolvido pela Associação Cidade Escola Aprendiz a partir de
experiências práticas em diversas localidades brasileiras, a prefeitura de
Nova Iguaçu criou e implementou o programa Bairro-escola Nova Iguaçu.
No programa, praças, clubes comunitários, teatros e até as próprias ruas
viraram espaços educativos. Como extensão das salas de aula, esses
espaços eram acionados pelas escolas em parceria com o governo
municipal, oferecendo aos estudantes outras possibilidades educativas,
sempre ancoradas no currículo e na proposta pedagógica da escola. Além
50
da reformulação curricular e mudança no papel dos professores,
assumindo dentro da escola, novos agentes educativos, o Bairro-escola
propôs a reconfiguração da cidade como um todo. O projeto era concebido
intersetorialmente e reunia todas as secretarias sob a agenda da
educação integral (O programa continua, porém tem outras
características).
2006
Escola Integrada de Belo Horizonte
Idealizador(a): Secretaria Municipal de Educação Belo Horizonte (2006-
2010)
Área de Abrangência: Belo Horizonte (MG)
Resumo: A partir do conceito de Bairro-escola, de Cidades Educadoras e
de Educação Integral, a Secretaria Municipal de Belo Horizonte,
desenvolveu o Programa Escola Integrada, que tinha como grande
objetivo fortalecer a relação entre a escola e a comunidade onde se
inseria. O programa ampliava a jornada educativa para nove horas diárias
e uma integração ao currículo de novas atividades pedagógicas, em
diálogo com formação pessoal, artes, esporte, cultura e lazer. Além das
próprias escolas, as atividades mobilizam parques, centros culturais e
outros espaços comunitários, que recebem os estudantes em parcerias
efetivamente colaborativas. O poder público também atua articulado,
integrando diferentes secretarias. E, para apoiar as escolas na oferta de
oficinas, o Programa congregava estudantes universitários para apoiar as
escolas na execução de atividades. A escola recebia um cardápio de
oficinas e seu professor comunitário (havia um por unidade) determinava
com os estudantes e corpo docente quais seriam as oficinas ali oferecidas.
Por fim, cada escola operava seu orçamento para o programa de forma
autônoma: a verba era depositada em caixas-escolares e a escola tinha
liberdade, dentre os critérios dispostos da secretaria, para estruturar suas
ações (O programa continua, porém tem outras características).
2007
Programa Mais Educação
Área de Abrangência: Brasil
Resumo: O Programa Mais Educação é um dos objetivos do Plano de
Desenvolvimento em Educação e a principal ação indutora para a agenda
de educação integral no país. Criado em 2007, no governo Lula, o
programa tem como foco a ampliação da jornada escolar e reorganização
curricular, visando uma educação integral, com um processo pedagógico
que conecta áreas do saber à cidadania, ao meio ambiente, direitos
humanos, cultura, artes, saúde e educação econômica. O Programa é
coordenado pela Coordenação de Ações Educacionais Complementares
da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
(SECADI/MEC), em parceria com a Secretaria de Educação Básica
(SEB/MEC) e com as Secretarias estaduais e municipais de educação.
Criado pela Portaria Interministerial nº 17/2007, o Mais Educação aumenta
a oferta educativa nas escolas públicas por meio de atividades optativas
que foram agrupadas em macrocampos, como, por exemplo,
acompanhamento pedagógico, meio ambiente, esporte e lazer, direitos
humanos, cultura e artes, cultura digital, prevenção e promoção da saúde,
educomunicação, educação científica e educação econômica. As
atividades tiveram início em 2008, com a participação de 1.380 escolas,
51
em 55 municípios, nos 27 estados para beneficiar 386 mil estudantes. Em
2009, houve a ampliação para cinco mil escolas, 126 municípios, de todos
os estados e no Distrito Federal com o atendimento previsto a 1,5 milhão
de estudantes, inscritos pelas redes de ensino, por meio de formulário
eletrônico de captação de dados gerados pelo Sistema Integrado de
Planejamento, Orçamento e Finanças do Ministério da Educação (SIMEC).
Hoje [até agosto/2016], o Mais Educação está em quase 60 mil escolas
nos 26 estados e Distrito Federal.
Quadro 1: Programas e políticas de educação integral no decorrer da história brasileira22
O principal eixo em comum dos programas e experiências de Educação Integral,
apresentados acima, é a ampliação das atividades escolares, essa ampliação tem como
referência o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, do qual Anísio Teixeira foi um
de seus signatários e também aquele que colocou em prática a primeira experiência de
Educação Integral em Tempo Integral, conforme apresentado neste capítulo. O mesmo
Anísio Teixeira foi um defensor da municipalização do ensino e este é o segundo eixo
em comum das experiências descritas no quadro acima, entendido como a escola
integrada à comunidade. Estes dois eixos, reivindicados desde os anos 1930, apresentam
dois problemas, que em alguma medida, estão relacionados entre si: 1) Currículo; e 2)
Descentralização da Educação.
A necessidade de ampliação da grade curricular sugere que as disciplinas
tradicionais, como português, matemática, geografia e ciências, por exemplo, não é
capaz de formar integralmente as crianças, as futuras cidadãs. A questão do ser cidadão,
da perspectiva do currículo escolar, pode ser problematizada a partir da teoria do
currículo, analisada por Tomaz Tadeu da Silva (2010). Silva (2010, p. 15) faz os
seguintes questionamentos: 1) Qual saber deve ser ensinado? 2) Qual conhecimento ou
saber é considerado válido ou essencial para ser inserido no currículo? 3) Qual é o tipo
de ser humano desejável para um determinado tipo de sociedade? O currículo é
entendido pelo autor como uma questão de identidade, ele nos torna o que somos,
Nas discussões cotidianas, quando pensamos em currículo pensamos apenas
em conhecimento, esquecendo-nos de que o conhecimento que constitui o
currículo está inextricavelmente, centralmente, vitalmente, envolvido naquilo
que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa identidade, na nossa
subjetividade. Talvez possamos dizer que, além de uma questão de
conhecimento, o currículo é também uma questão de identidade (SILVA,
2010, p. 15-6).
22 Fonte: Centro de Referências em Educação Integral. Disponível em http://educacaointegral.org.br/linha-
do-tempo. Acesso em: 05/08/2016.
52
Silva (2010, p. 11, 16) nos mostra qual teoria do currículo teria se tornado uma
realidade, esta seria um “processo de racionalização de resultados educacionais,
cuidadosamente especificados e medidos”, um processo semelhante ao das fábricas, a
Teoria Tradicional do Currículo23. O autor coloca ainda a decisão sobre o conteúdo
curricular como uma questão de poder. O objetivo dos programas e experiências da
Educação Integral, pode ser visto como um esforço para romper com esse padrão fabril
da Educação, o que resultaria na construção de uma nova identidade dos brasileiros e
assim do Brasil, uma possibilidade de formar integralmente os indivíduos para o
exercício da cidadania, diminuindo as desigualdades de entendimento e acesso aos
direitos que a compõe, fortalecendo assim a democracia.
O eixo Currículo encontra o eixo Descentralização a partir do pensamento de
Anísio Teixeira, uma das justificativas para a Descentralização (Municipalização)
estava “na possibilidade do currículo escolar refletir a cultura local” (AZANHA, 1991,
p. 62). Anísio ainda enfrenta o poder central, enfatizando que
Superada a fantasia legislativa dos sistemas escolares uniformes, ideados
pelos caprichos intelectuais do legislador, não iremos conservar e muito
menos repetir esses monstruosos códigos de educação, mas, fixar na lei
apenas os objetivos amplos e claros da escola e dar-lhe recursos para que ela
se crie ou se reajuste e cresça e se aperfeiçoe dentro das condições ambientes,
autônoma e responsável, procurando, apesar da diversidade de programas e
de condições, certa equivalência de resultados dentro dos objetivos comuns
(TEIXEIRA, 1977, p. 74).
Azanha (1991, p. 62) aponta para uma possível visão romântica de Anísio,
quanto à Municipalização da Educação, pois não teria levado em conta o jogo político
que coordena a política educacional brasileira e ainda salienta que
o tema da municipalização do ensino é também um componente de um
pathos participativo. Após duas décadas de uma ordenação legal autoritária
da vida nacional, há uma ânsia participativa em torno da qual tem se
congregado todas as camadas da população. Hoje, há até um mito da
participação como se apenas as iniciativas que dela decorressem fossem
válidas e aceitáveis [...] Todos sabemos que as coisas não são bem assim
(AZANHA, 1991, p. 62).
E de fato não foram bem assim. Desde o Centro Popular de Educação Carneiro
Ribeiro (BA), passando pelos Centros Integrados de Educação Pública (RJ) e a Escola
Integrada de Belo Horizonte (MG), estas experiências, de âmbito local, foram
23 Teoria desenvolvida pelo professor estadunidense Franklin John Bobbitt no livro The curriculum,
publicado em 1918.
53
descontinuadas ou perderam seus objetivos iniciais. Se a decisão de conteúdos
curriculares definem a identidade de uma população, o não acolhimento de uma nova
proposta curricular denota uma identidade da Educação e portanto, do nosso país, como
algo cristalizado, com profundas raízes políticas e culturais. Se o estreitamento do
vínculo entre município e escola fortalece o valores locais, pois estes são mais próximos
da população e assim, são concretos, a não municipalização representa que os valores
são os Centrais, os do Governo Federal, e estes são distantes da população, portanto
seriam abstratos, provavelmente abstratos entre si, Município e Governo Federal.
54
2. Componentes da Análise e Gestão de Políticas Públicas
2.1 Sistema Federativo Brasileiro: impactos na adesão e implementação de
políticas públicas
Celina Souza (2005, p. 106) apresenta o Federalismo brasileiro como sinônimo
de Descentralização, no qual, o seu fato gerador é ao mesmo tempo um de seus maiores
problemas: as diferenças econômicas entre as regiões brasileiras, o que resulta na
dificuldade dos governos em redirecionar o rumo de certas políticas públicas de acordo
com suas questões macroeconômicas, não previstas pelos constituintes de 1988. Para a
autora, este fato é um problema marcado pela “distância entre os dispositivos
constitucionais e as circunstâncias políticas e econômicas, com as últimas prevalecendo
sobre os mandamentos constitucionais”.
Haveria, segundo Souza (2005, p. 113), duas visões sobre o peso do poder para
os entes da Federação. A primeira, dos juristas, defende que a divisão de poder favorece
o governo federal, pois este é o responsável pela definição de políticas, é o detentor e
distribuidor dos recursos financeiros e ainda tem o “excessivo” poder de legislar. A
segunda visão, de analistas de políticas públicas, defende que a divisão de poder
favorece ao governo local, “que vem expandindo sua autonomia ao longo da história”.
A autora não compartilha desta visão, pois não há fundamentação na teoria do
federalismo, nesta teoria não há o ente Município, como é caso do Brasil, a teoria do
federalismo considera apenas as esferas federal e estadual de governo. Neste sentido, o
federalismo brasileiro, deve ser compreendido como “descentralização de relações
intergovernamentais”, para a autora, essa compreensão é de “crucial importância para o
melhor entendimento de como o federalismo atua na prática”.
O tipo de federalismo brasileiro, que atribui ao Munícipio o status de ente
federativo, sugere um tipo de federalismo cooperativo, no entanto essa dinâmica não se
realizaria, “as relações intergovernamentais são altamente competitivas, tanto vertical
como horizontalmente, e marcadas pelo conflito” permanente, pois não haveria “canais
institucionais de intermediação de interesses e de negociação”, como resultado desse
conflito, é instalada uma tensão entre os entes da federação, na qual o governo federal
não encontra um ambiente favorável para reduzir as desigualdades regionais através da
implementação de políticas públicas (SOUZA, 2005, p. 114, 118)
55
Por fim, na análise de Celina Souza (2005), o federalismo brasileiro está diante
dos seguintes problemas:
A federação está assentada em alto grau de desigualdade entre as regiões, a
despeito das medidas constitucionais que buscam diminuí-la; e a escassa
existência de mecanismos de coordenação e cooperação intergovernamentais,
tanto vertical como horizontal, coibindo a criação de canais de negociação que
diminuam a competição entre os entes federados (SOUZA, 2005, p. 118-9).
Para a autora, a solução para esses problemas não é matéria a ser solucionada
pelo desenho constitucional ou institucional, a solução estaria no âmbito das políticas
públicas, estas seriam capazes de mediar conflitos políticos mais amplos, em especial o
das desigualdades regionais, através da “redefinição de prioridades governamentais”
(SOUZA, 2005, p. 119).
Os Estados e Municípios brasileiros são politicamente autônomos, sendo assim,
as políticas desenhadas pela esfera federal necessitam primeiramente, além de um
desenho palatável, de uma estratégia de indução que seja suficientemente atrativa para
que os demais entes sintam-se motivamos à adesão. Após a adesão é apresentado um
segundo problema, no caso do Brasil, representado pelas desigualdades estruturais
presentes no universo de vinte e seis estados e mais de cinco mil e quinhentos
municípios. Para Marta Arretche (1999, p. 112), as desigualdade estruturais podem ser
equilibradas pelos seguintes elementos: 1) legado das políticas prévias; 2) regras
constitucionais; 3) engenharia operacional; e 4) estratégia para estimular a adesão. No
caso do PME, esses elementos demonstram alguma fragilidade, pois não foi
identificado: 1) legado federal de sucesso relacionado à Escola de Tempo Integral, 2) as
regras institucionais existem, mas ainda parecem estar presentes no campo da ideia, 3) a
engenharia operacional considerou apenas os âmbitos dos recursos financeiros
necessários e elaboração de materiais orientadores para a sua implementação; e 4) a
estratégia de indução fundamentou-se apenas nos pré-requisitos necessários para
adesão, pautados por medidores de avaliação dos alunos e suas condições de
vulnerabilidade. Este último elemento, do ponto de vista desta pesquisadora, não é o
suficiente para a adesão ao Programa, no que diz respeito à ideia de Educação Integral,
desenvolvida e executada por Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, que, segundo o
Ministério da Educação, deu os fundamentos para o desenho do Programa Mais
Educação.
56
Outro problema para a adesão às Políticas Públicas formuladas pela esfera
federal, é a competição partidária em estados federados (ARRETCHE, 1999, p. 115).
Este problema é facilmente identificado no Estado e na Cidade de São Paulo. O
Programa Mais Educação, formulado em 2007 pelo governo federal, na gestão do
Partido dos Trabalhadores (PT), teve adesão do Estado de São Paulo, governado pelo
Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) desde 1995, ao PME apenas em 2014.
Já o município de São Paulo, aderiu ao PME no primeiro ano de governo, na gestão do
PT. Arretche (1999, p. 115) ainda chama a atenção para os conflitos
intergovernamentais como resultado da competição partidária, que geram “barganhas
federativas” nas quais “cada nível de governo pretende transferir a uma outra
administração a maior parte dos custos políticos e financeiros da gestão das políticas e
reservar para si a maior parte dos benefícios dela derivados”.
Diante dos fatores apresentados, podemos questionar quais seriam as variáveis
quer resultariam em maior ou menor grau de adesão às políticas desenhadas pelo
governo federal. De acordo com Arretche, são as variáveis de natureza estrutural e
institucional que determinam a descentralização e adesão às políticas, “na medida em
que são elementos da tomada de decisão pela qual uma dada administração virá a
assumir (ou não) a gestão de uma política qualquer” (ARRETCHE, 1999, p. 133). Em
se tratando do PME e o respectivo atendimento à burocracia necessária para a sua
adesão, somado às desigualdades dos municípios, no que se refere aos recursos
humanos e estruturais, e ainda ao histórico de descontinuidade de políticas de Educação
Integral e a definição do papel da instituição escolar, é possível perceber o quanto a
adesão e consequente implementação desse programa se tornam difíceis.
O fato do Brasil ser formado por “uma esmagadora maioria de municípios
fracos, com pequeno porte populacional, densidade econômica pouca expressiva e
significativa”, os governos estaduais seriam os atores principais na condução das
adesões de seus municípios aos programas federais (ARRETCHE, 1999, p. 133), aqui o
conflito de competição partidária se faz presente, no exemplo do Estado de São Paulo
relacionado com o Programa Mais Educação. A importância do protagonismo do
governo estadual é apresentado por Arretche nos estados do Ceará e Paraná, estes, para
que
57
alcançassem os mais elevados graus de descentralização da amostra, foi
decisivo que seus sucessivos governos estaduais tenham instituído políticas
ativas e continuadas de capacitação municipal e de transferência formal de
atribuições de gestão a seus municípios. Esta ação do executivo estadual foi
mais decisiva para as taxas de municipalização do que o fato de que, no
Estado do Ceará, apenas 11% de seus municípios tenham mais de 50 mil
habitantes e que apenas esta classe de municípios nos estados do Nordeste
disponha de uma receita própria média superior a R$ 10 per capita, ou ainda
que, no caso do Estado do Paraná, apenas 8% de seus municípios tenham
população superior a 50 mil habitantes e uma receita própria média superior a
R$ 53,20. (ARRETCHE, p. 1999, p. 134)
Quanto à implementação de Política Públicas, o tipo de federalismo brasileiro,
descentralização ou federalismo cooperativo, segundo Kleinke (et al., 2010, p. 3),
privilegiaria os governos locais como mais eficientes que o governo central para
prestação de serviços à população, em razão de sua proximidade com os usuários. Esta
ideia dialoga com o pensamento da municipalização da Educação, por exemplo, a
questão a destacar é que essa ideia não se realiza plenamente, pois há um plano de ação
já definido pelo governo central que não encontra condições para sua execução, nas
diversas localidades do país. O desenho da política, assim como os recursos financeiros
disponíveis não são suficientes para que sua implementação corresponda aos resultados
esperados quando de sua formulação, pois cada localidade tem infraestruturas diversas.
De acordo com Kleinke (et al., 2010)
a decisão de descentralizar poderes favoreceu a consolidação da democracia
pela emergência de novos atores e centros de poder, mas não excluiu a
necessária regulação do governo federal para assegurar a efetividade da
implementação e execução da prestação dos serviços à população (KLEINKE
et al., 2010, p. 4).
Sendo assim, a descentralização encontra consideráveis barreiras para sua
efetivação e como consequência, a autonomia do poder parece ainda estar mais próxima
do governo central, no que diz respeito à formulação das políticas, no entanto, a
implementação e o grau de resultados esperado pelo desenho original, está nas mãos dos
governos regionais. No caso da Educação, o problema da centralização, no que se refere
ao desenho das políticas, já era anunciado por Anísio Teixeira nos anos 1950, para ele,
uma dos maiores problemas estava na substituição do pensar a Educação, pelo
cumprimento de instruções,
até o estudo das questões do ensino está a desaparecer. Ninguém se sente
estimulado para isso, porque a centralização determina se transformem todos
os educadores estaduais em simples cumpridores de instruções, de ordens
recebidas. Perdido o incentivo, perdida a liberdade, pois centralização é,
sobretudo, uma tirania, o homem perde as suas qualidades e se faz autômato.
58
E não só no ensino, mas, em todos os demais setores da técnica e do saber, o
monstruoso centralismo brasileiro está a destruir muitas possibilidades de
progresso, de diversificação e de florescimento brasileiro. Somos todo um
povo a cumprir regulamentos, instruções e ordens emanadas de um poder
central, distante e remoto, como o da metrópole, ao tempo da colônia. A
descentralização, a autonomia estadual, a autonomia municipal ora em
debate, relativamente ao problema da educação, constituem problemas
essenciais da democracia e da implantação definitiva do regime federativo no
país (TEIXEIRA, 1977, p. 170).
Os problemas apresentados: 1) distância entre os dispositivos constitucionais e
as circunstâncias políticas e econômicas; 2) desigualdade estruturais; 3) legado de
políticas prévias; 4) engenharia operacional de cada política; 5) estratégia de estimulo à
adesão; 5) competição partidária; e 6) protagonismo dos governos estaduais; poderiam
ser acolhidos como causas do descompasso entre formulação e implementação de
Políticas Públicas federais.
2.2 A Fase de Implementação
Tendo como base o método Ciclo da Política Pública, a fase da Formulação é
aquela que antecede a fase de Implementação. Por Formulação, entende-se um processo
através do qual os governos traduzem seus propósitos em programas e ações, que
produzirão resultados ou mudanças desejadas no mundo real (SOUZA, 2006, p. 26).
Quanto à fase de Implementação, é recente a atenção que ela tem recebido dos analistas
de políticas públicas, pois a ideia do resultado de uma política estava ligada diretamente
ao seu desenho (formulação). O momento da Implementação começa a ganhar destaque
quando é percebido que um bom desenho, somado a recursos financeiros disponíveis e
apoios político e social, não necessariamente atingem os efeitos objetivados quando da
formulação da política. Deste modo, a fase de Implementação “passou a ser considerada
como um momento da política pública que possui estrutura e dinâmica próprias, exigindo
um campo específico de análise”. Esta fase da política tem sido tratada como um
problema reforçado pela ideia de que “o sucesso da política seria resultante da perfeição
de seu desenho, mas seu fracasso seria derivado da forma como ela foi executada”
(LIMA; D’ASCENZI, 2014, p. 51-2).
Baptista e Rezende (2011, p. 149-52) nos mostram que, de maneira geral, a fase
de Implementação é definida como o momento de colocar uma determinada solução em
prática, é a fase da administração da política e envolve os sistemas gerencial, decisório,
logístico, operacional e de informação. As autoras nos apresentam dois pontos de vista
59
teóricos para a análise desta fase. O primeiro deles é o chamado top-down, aqui haveria
uma organização central que assumiria o controle dos fatores políticos, organizacionais
e técnicos, nesta visão há uma divisão de responsabilidades, entendida como uma
divisão do trabalho, em que de um lado, estão aqueles do nível central de poder e de
outro, aqueles que colocarão a política em prática procurando atender às diretrizes e
regras daqueles que a elaboraram.
O segundo ponto de vista é o chamado bottom-up, aqui a implementação da
Política Pública não parte da administração, mas sim da sua execução, sendo esta
analisada através das redes de decisões e de seus respectivos atores, sem considerar as
estruturas pré-existentes, segundo a análise bottom-up, o processo de elaboração da
Política Pública é controlado de maneira imperfeita e esta imperfeição é percebida no
momento da Implementação, pois é apenas nesta fase que se vivencia as relações entre a
teoria (fase de Formulação) e os contextos e atores responsáveis por sua execução (fase
de Implementação), seria aqui que teríamos contato com universo concreto da política.
Os pontos de vista apresentados, apontam para a síntese da fase de
Implementação: “um jogo em que uma autoridade central procura induzir agentes
implementadores a colocar em prática objetivos e estratégias que lhe são estranhas”,
este jogo pode ter como resultado a aceitação, neutralidade ou rejeição da Política
Pública e este resultado é permeado pelo entrosamento entre formuladores e
implementadores, pela compreensão da política, pelo conhecimento de cada fase do
processo e pela quantidade de mudanças envolvidas. De acordo com as autoras, este
último aspecto representa o mais crítico dentro da fase de Implementação, pois é ele que
“determina os graus de consenso ou conflito em torno das metas e objetivos de uma
política, e quanto maior a mudança, menor o consenso” (BAPTISTA e REZENDE,
2011, p. 151).
Para Lima e D’Ascenzi (2014, p. 52) a implementação de uma política pública
“inevitavelmente diferirá das intenções daqueles que a formularam”, pois haveria um
distanciamento entre as experiências e vivências dos atores formuladores e
implementadores, e o agravante seria que ainda hoje a política tem sido “observada a
partir do plano que lhe deu origem”, isto por parte do Estado. Os autores ainda apontam
duas definições possíveis para os problemas da fase de implementação: 1) “a natureza
do problema é administrativo-organizacional, e sua resolução depende da especificação
de objetivos e do controle dos subordinados”; e 2) “o problema da implementação
60
decorre de conflito de interesses, e a preocupação é com a obtenção de cooperação dos
participantes do processo”. Baptista e Rezende (2011, p. 151-2) apontam para a
“complexidade de elementos que convergem na fase de Implementação”, tornando-a um
momento crucial no Ciclo da Política e como consequência a “necessidade de se buscar
entender o processo político de forma mais dinâmica e interativa”, pois se de um lado há
grandes consensos na fase de Formulação, de outro, na fase de Implementação temos as
reais potencialidades da Política Pública, há contato com os atores que a apoiam, com o
que cada um dos grupos disputa e com os seus interesses. Por fim, Rodrigues (2011, p.
53) orienta que para a análise desta fase seria necessário levar em consideração as
condições que permeiam tanto a formulação quanto a implementação das políticas,
principalmente as políticas públicas sociais, tais como condições institucionais,
históricas, culturais e sociais.
2.3 Variáveis determinadas e estruturas político-sociais determinantes
O processo de uma Política Pública, seu início, meio e fim, é impactado por um
considerável conjunto de variáveis, que vai desde as condições necessárias para que
determinada demanda entre na Agenda Decisória, com o objetivo de ser atendida, até a
Implementação de fato. Nesse processo, a Gestão da Política Pública, de maneira geral,
investe esforços para gerir (COSTA, 2013):
1. Mudanças Estruturais necessárias;
2. Plano de Ação, no qual estão inseridos a medição de:
a. apoio político;
b. disponibilidade de governo;
c. custos;
d. prazos;
e. tempo político e administrativo; e
f. fontes de financiamento.
3. Atores Envolvidos e seus interesses;
4. Riscos, no qual são analisados:
a. se o orçamento contempla;
b. se o tempo é viável;
c. se existem problemas de meio ambiente ou social; e
61
d. se existe risco de sofrer ataques e desgaste político.
5. Balanço da Política, no qual são previstos:
a. a possibilidade de alcance dos resultados esperados;
b. os responsáveis pela implementação da política;
c. capacidade da equipe implementadora;
d. necessidade de redesenho (plano B); e
e. relação entre resultados previstos e riscos/custos da política.
Esta breve descrição das etapas da Gestão, demonstra a complexidade do
processo pelo qual passa uma Política Pública. As variáveis apresentadas são,
relativamente, controláveis e na pior das hipóteses, a equipe formuladora da política
pode chegar à conclusão de que a proposta não é viável, como resultado, a política pode
ser redesenhada, ou ainda, pode-se aguardar o alinhamento das variáveis problemáticas
para que a política seja implementada futuramente. No entanto, uma vez decidido que a
política possui os elementos necessários para sua implementação, serão somados ao seu
processo as especificidades da fase de Implementação e o tipo de Sistema Federativo
brasileiro, que dialogam entre si. Estes dois fatores possuem baixa capacidade de
controle, pois contém elementos estruturantes e estruturados, seja na capacidade dos
atores evolvidos até os recursos materiais existentes. Tal problemática – variáveis da
gestão mais os elementos estruturantes e estruturados – é potencializada pelo tipo da
Gramática Política do Brasil (NUNES, 2003) e pelo tipo da cidadania brasileira,
entendida por Santos (1994) como Cidadania Regulada, ambos também com baixa
capacidade de controle, senão, nenhuma. Esses dois estudos, o primeiro publicado em
1997 e o segundo em 1979 (com segunda edição revisada em 1994) tiveram como ponto
de partida, o período Getúlio Vargas e seus antecedentes. Passados mais de oitenta anos
do período Getúlio Vargas, marcados por uma segunda ditadura e duas
redemocratizações, os elementos trazidos por Nunes e Santos parecem ainda ativos, essa
atividade é concretizada na aprovação do impeachment da presidenta Dilma Rousseff,
em agosto/2016. A mudança na condução do governo, além de impactar diretamente e
principalmente as políticas sociais desenhadas e implementadas no governo anterior,
reforçam as ideias dos autores citados.
Em Cidadania e Justiça: a política social na ordem brasileira, obra que trata da
cidadania regulada, Santos (1994) alerta no prefácio da segunda edição:
62
Seria, talvez, o caso de acrescentar um capítulo sobre a evolução política
social no contexto da transição [democrática]. O compromisso do atual
governo com o resgate da dívida social brasileira é tema frequente nos
documentos oficiais. E, sem dúvida, medidas importantes têm sido
anunciadas [...]. Entretanto, recomenda a prudência que se aguarde algum
tempo para aferir até que ponto as forças conservadoras do país conseguiram
frear o processo de modernização social e até que ponto conseguiu-se romper
a estrutura presidida pela concepção de uma cidadania regulada (SANTOS,
1994, p. 7)
A prudência recomendou de maneira assertiva. O conceito de cidadania de
Marshall (1967), como um conjunto de direitos (civis, políticos e sociais), não se
aproximaria do conceito experienciado no caso brasileiro. A cidadania brasileira,
pensada por Santos, é aquela que regula, aquela que subordina, pacifica ou estimula, e
está assentada na ideia de acumulação, isto significa dizer que os estímulos para o
desenho das primeiras políticas sociais não estavam relacionados à “expansão dos
valores inerentes ao conceito de membro da comunidade”, mas sim à “regulamentação
de novas profissões e/ou ocupações, mediante a ampliação do escopo dos direitos
associados a estas profissões”, como resultado desta visão de política social, os cidadãos
são divididos em duas categorias: 1) cidadão por direito, mediante sua ocupação
prevista em lei; e 2) “pré-cidadão, aquele cuja ocupação a lei desconhece” (SANTOS,
1994, p. 68). Neste sentido é possível pontuar duas questões preliminares: 1º
nascimento da cidadania brasileira como um direito reservado apenas aos trabalhadores
reconhecidos por lei; e 2º estratificação dos indivíduos, entre cidadãos de primeira e
segunda categoria, e portanto com direitos sociais seguindo a mesma ordem de
classificação. Esse tipo de ordenamento social é reconsiderado por Santos (1994) nas
últimas linhas de seu livro, quando analisa o pós ditadura militar de 1964:
O início de novos programas, em anos recentes, revelou a impossibilidade de
replicar o modelo de cidadania regulada [...]. É bem possível que, ao
despertar o país do longo período de recesso cívico, seja, também, impossível
repetir o modelo anterior de participação limitada e de cidadania estratificada.
A desorganização da vida social que se seguiu ao movimento de 1964 poderá
ter gerado, apesar de seus líderes, as condições para a emergência de um
sistema de valores centrados em torno dos conceitos de cidadania universal,
trabalho e justiça (SANTOS, 1994, p. 88)
O previsto por Santos (1994) teve alguma concretização, como por exemplo, a
implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), aqui, não apenas os trabalhadores,
reconhecidos por lei, tinham acesso à saúde pública, mas sim todos os cidadãos, a partir
de 1988, com a nova Constituição Federal. No entanto, o mesmo autor chama a atenção
para a fragilidade das políticas sociais quando relacionadas às mudanças na composição
63
da elite política, aquelas que monopolizam as instituições de poder, tal elite é produzida
“pelas próprias instituições, sejam as instituições econômicas, sejam as burocrático-
administrativas, públicas e privadas, sejam as políticas” (MICHELS apud SANTOS,
1994, p. 53) e estabelecem-se como ator com forte capacidade de governo para a
decisão e estabilidade das políticas públicas (SANTOS, 1994, p. 54).
A mudança na composição da elite política ocorrida em 2016, por ocasião do
impeachment da presidenta Dilma Rousseff, confirma a fragilidade das políticas sociais
apontada por Santos, em especial com a extinção do objeto de estudo desta dissertação.
A ideia de cidadania regulada marca alguma presença, no que diz respeito às suas
raízes, no exemplo da proposta de política educacional da atual gestão federal,
conduzida pelo presidente Michel Temer, do Partido do Movimento Democrático do
Brasil (PMDB), partido tradicional da elite política brasileira. Esta proposta, intitulada,
Reforma do Ensino Médio propõe inicialmente a flexibilização do currículo e a
ampliação da jornada escolar, a primeira retira do currículo, ou não obriga, as
disciplinas da área de humanas (filosofia, sociologia, geografia e história) e oferece
disciplinas relacionadas ao mercado de trabalho, através de cursos técnicos. A questão
curricular sugere a (re)centralização ou a (re)significação de políticas sociais
relacionadas ao mercado de trabalho, já a questão da ampliação da jornada escolar
apresenta-se como inviável, pois a maiorias das escolas têm seus três turnos ocupados,
não há infraestrutura que comporte essa proposta. Se é inviável, por que foi proposta?
A essa questão, tomo como exemplo a condução da política educacional do
Estado de São Paulo, também governado por uma elite política tradicional, na figura do
governador Geraldo Alckmin do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB),
partido este formado por dissidentes do PMDB. No estado de São Paulo, a proposta é a
Reorganização Escolar, e é significada pelo Movimento dos Estudantes Secundaristas e
por demais críticos à proposta, como a Privatização do Ensino. A Reorganização
Escolar também prevê a ampliação da jornada escolar, porém não há infraestrutura
necessária conforme apontado no caso federal, portanto essa proposta também é
inviável. Aqui é possível responder o porquê de tal proposta sendo ela inviável, isto de
acordo com os estudos realizados pelo Movimento dos Estudantes Secundaristas. De
acordo com o Movimento, o modelo sugerido pelo governo estadual tem suas bases no
modelo Norte Americano de escolas de tempo integral, no qual as escolas são
administradas por empresas privadas, sendo que no contraturno escolar são oferecidas
64
atividades extracurriculares ministradas também por empresas privadas ou
Organizações Não Governamentais (ONGs). Grosso modo, “as escolas são financiadas
com recursos públicos, mas geridas por empresas e mais ‘livres’ de restrições legais do
que as escolas regulares” (ESCOLA SEM EMPRESA, 2016, p. 4). O que temos aqui é
o encontro das elites descritas por Santos (1994), aquelas com capacidade para a decisão
e estabilidade das políticas públicas.
Luiz Carlos Bresser Pereira, em 1996, no prefácio da obra A Gramática Política
do Brasil: clientelismo e insulamento burocrático, de Edson Nunes (2003) também
demonstra algum otimismo, tal qual Wanderley Guilherme dos Santos (1994), nas
últimas linhas de seu livro. Para Bresser
No plano político, por sua vez, ocorre um grande avanço democrático. O
clientelismo continua presente nos partidos políticos, mas a crítica da
sociedade a esse tipo de comportamento é cada vez mais forte, abrindo
espaço para o aparecimento de políticos modernos, situados tanto na
esquerda quanto na direita do espectro político-ideológico. [...] As
instituições integradoras e coordenadoras hoje relevantes, entretanto, não são
mais as mesmas (NUNES, 2003, p. 14).
Bresser não se apoia na experiência conselheira da prudência, assim como o fez
Santos (1994), mas sinaliza que “a definição de quais sejam elas [as instituições] nos
anos 90 e como se inter-relacionam é uma tarefa a ser realizada” (NUNES, 2003, p. 14).
As instituições às quais Bresser se refere são as descritas por Nunes como: 1)
Clientelismo; 2) Corporativismo; 3) Insulamento Burocrático; e 4) Universalismo de
Procedimentos. Essas instituições são problematizadas como “padrões
institucionalizados de relações ou ‘quatro gramáticas’ que estruturam os laços entre
sociedade e Estado no Brasil” (NUNES, 2003, p. 11). Para a compreensão da
complexidade que envolve tanto a gestão de Políticas Públicas, quanto a sua análise,
assim como o rumo tomado para a extinção do PME, como resultado da mudança na
condução do governo federal, chamo a atenção para as gramáticas Clientelismo e
Corporativismo como resistentes no desenvolvimento político do Brasil, impactando
diretamente as Políticas Sociais.
As duas gramáticas políticas escolhidas, seriam, na análise de Nunes (2003, p.
11-2, 18) os “instrumentos de legitimidade política”. O Clientelismo, presente em todas
as fases da política brasileira, com algumas adaptações de acordo com o momento
histórico, é entendido, grosso modo, como sendo uma relação de subordinação, na qual
os valores estão assentados em critérios pessoais e não-universalistas, o processo de
65
troca depende de relações anteriores entre as partes envolvidas e prevê expectativas
futuras, esse tipo de troca é “transferida para associações, instituições políticas, agências
públicas, partidos políticos”, cristalizando nestas esferas o caráter personalista das ações
(NUNES, 2003, p. 27-9). Já o Corporativismo, formalizado por leis, foi uma tentativa
de enfrentar a “natureza informal do clientelismo”, no entanto suas leis “preocupam-se
com incorporação e controle, não com justo e igual tratamento de todos os indivíduos” e
ainda é um mecanismo que absorveria antecipadamente conflitos políticos através da
incorporação e da organização do trabalho (NUNES, 2003, p. 36). O ponto de
convergência entre Clientelismo e Corporativismo é que este também opera como uma
“arma de engenharia política para o controle político, a intermediação de interesses e
controle do fluxo de recursos materiais disponíveis”. Por fim e para objeto deste
trabalho, o Corporativismo se constitui também como um “sistema de formulação de
políticas” (NUNES, 2003, p. 37).
Para o desenvolvimento desta dissertação não foram descritos de maneira densa
as duas gramáticas escolhidas, bem como o conceito de cidadania regulada, a função de
suas anotações e breves apresentações é chamar a atenção para o caminho sinuoso pelo
qual percorre uma Política Pública, desde seu nascimento, passando pela fase adulta, até
sua morte. Sendo que o acompanhamento de sua vida, com seus altos e baixos
desempenhos, podem ser controlados, ou no limite, monitorados, através das variáveis
de caráter mais técnicos, presentes na área da Gestão da Política Pública, no entanto os
fatores estruturais e estruturantes, mais localizados no universo da subjetividade, são
determinantes para a orientação das ações governamentais. O episódio do impeachment
alterou significativamente a condução do governo e em seu bojo, alterou-se também o
entendimento das políticas sociais, sua função, seu custo, seu valor social e até mesmo
seu papel como mediadoras de conflitos. Essa alteração não tem por base um estudo
técnico, pautado, por exemplo, em Viabilidade do Projeto, termo característico da área
de Gestão de Políticas Públicas, um estudo de tal magnitude – isto levando em
consideração as dimensões continentais de nosso país – não é realizado em pouco mais
de três meses (período entre a abertura do processo de impeachment e a extinção do
PME), essa alteração, em caráter de urgência, pode ter suas fundamentações na ideia de
cidadania regulada, assim como nas estruturas clientelistas e corporativistas.
* * *
66
O que fica deste capítulo é a sensação de um eterno ciclo político composto
pelos mesmos elementos e orquestrados por uma mesma elite de poder. Neste ciclo
haveria pequenos períodos de avanço, no sentido do fortalecimento da democracia
brasileira, assim como na aquisição e exercício de direitos. Ainda neste ciclo, a
formulação, implementação e descontinuidade de políticas, especialmente as sociais,
são condicionadas mais pelos interesses e respectivas significações do propósito
governamental das elites tradicionais de poder, que pelas demandas sociais de fato.
Neste sentido, população e agentes implementadores de políticas públicas, tomam a
posição dos atores mais frágeis e portanto mais impactados pela vontade e humor das
instituições brasileiras.
No caso da Educação, especificamente a Educação das crianças e o papel do
professor, o histórico brasileiro nacional apresenta uma sucessão de conflitos,
irresponsabilidades e equívocos para a construção de uma agenda educacional eficaz e
efetiva, colocando em risco contínuo a construção de uma cidadania universal e ainda, e
não menos relevante, o desperdício de recursos de tempo, humanos, financeiros e até
emocionais de todos os atores envolvidos, desde o formulador até o beneficiário. Como
exemplo, temos o Programa Mais Educação (PME), que procurou resgatar os
princípios de educação democrática idealizados e executados, regionalmente, por Anísio
Teixeira e Darcy Ribeiro, nos anos 1950 e 1980. O PME, criado em 2007,
regulamentado em 2010, com diretrizes operacionais disponibilizadas entre 2011 e
2012, envolveu os Ministérios da Educação, do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome, da Ciência e Tecnologia, do Esporte, do Meio Ambiente, da Cultura, da Defesa e
a Controladoria Geral da União e, ainda que de maneira imperfeita, investiu em
materiais de apoio, sistemas de informática, disponibilizou e distribui recursos
financeiros. Esta política foi extinta em 2016, seis anos após a sua regulamentação,
período inviável para qualquer tipo de avaliação no setor educacional, é esta política,
objeto desta dissertação, que é apresentada no próximo capítulo.
67
3. O Programa Mais Educação - PME
As esferas federal, estadual e municipal, possuem uma relativa autonomia para a
organização dos sistemas de ensino, se levarmos em consideração as áreas de sua
jurisdição, de todo modo, essas esferas procuram operar de forma cooperativa, tanto na
oferta, quanto no financiamento da Educação, ou seja, “autonomia, colaboração e
cooperação na educação, são expressões setoriais da organização política federativa do
país” (FARENZENA; LUCE, 2014, p. 202). Neste sentido, Farenzena e Luce (2014, p.
212-3) entendem que as políticas para a educação básica, propostas pela União, não
podem ser consideradas como políticas federais, mas sim, como políticas
intergovernamentais, e este fato seria colocado como um desafio para a educação básica
brasileira, pois embora exista uma autonomia relativa das esferas citadas, elas devem
obedecer às regulamentações da ordem nacional, que subordinam o sistema educacional
como um todo. Sendo assim, os componentes do desafio apontados pelas autoras
estariam no universo conceitual e de articulação política “que precisa corresponder à
complexidade do tecido social, dos interesses conflitantes de diversos atores e de suas
di(con)fusas linguagens/mensagens de participação”.
O Programa Mais Educação, uma ação indutora do Governo Federal para a
implementação do Ensino de Tempo Integral (ETI) em todo o território nacional,
apresenta um desenho sofisticado que dificilmente dialoga com toda a diversidade das
regiões brasileiras, no que diz respeito à tecnologia disponível, recursos humanos e
infraestrutura. Madeira (2014, p. 7-11) mostra que implementações de políticas sociais,
entre elas as educacionais, a partir dos anos 1990, geraram fortes expectativas em seus
usuários e em seus principais atores políticos, uma vez que o debate para a formulação
de tais políticas se deu em meio ao processo constituinte de 1988, como uma resposta
aos “altos níveis de pobreza e desigualdade que recortavam o país”, estas políticas se
colocavam “no centro dos debates sobre a agenda de desenvolvimento”. Ocorre que
dada a dimensão do Brasil e a consequente diversidade cultural e socioeconômica das
regiões brasileiras, os processos de implementação representaram desafios para os
municípios mais pobres, que além de sua condição financeira, também deveriam
responder aos novos critérios de gestão e governança. A autora observa que na
implementação de políticas educacionais há consideráveis diferenças em relação à
qualidade dos serviços prestados pelo setor público, para exemplificar tínhamos em
68
2013, nos estados do Norte do país, 60% dos professores com ensino superior, já nos
estados das regiões Sudeste e do Sul, os professores com ensino superior representavam
83% do corpo docente. Neste sentido “é de se esperar que níveis diferenciados na
formação dos professores venham a impactar na qualidade da prestação de serviços
educacionais”.
3.1 Antecedentes do Programa
A literatura que trata da Análise de Políticas Públicas divide a política, para
efeito de categorização, em três dimensões: 1) Polity: dimensão institucional – “se
refere à ordem do sistema político, delineada pelo sistema jurídico, e à estrutura
institucional do sistema político-administrativo”; 2) Politics: dimensão processual –
considera o processo político, “frequentemente de caráter conflituoso, quanto à
imposição de objetivos, aos conteúdos e às decisões de distribuição”; e 3) Policy:
dimensão material – conteúdos concretos da política, “configuração dos programas
políticos, problemas técnicos e conteúdo material das decisões políticas”. Estas três
dimensões influenciam-se mutualmente durante todo o Ciclo da Política Pública24
(FREY, 2000, p. 216-7), assim como as fases do próprio Ciclo. De todo modo, com o
objetivo de mapearmos os estímulos que deram origem à formulação do PME e para
que o leitor tome contato com o processo desta política, o texto que segue é uma
tentativa de recuperar os seus antecedentes a partir das dimensões descritas acima.
24 Método para análise de Políticas Públicas, composto, de maneira geral, pelas fases: 1) Agenda; 2)
Formulação da política; 3) Implementação; e 5) Avaliação. “A ideia de ciclo da política talvez seja a perspectiva mais corrente e compartilhada nos estudos atuais de política, com grande parte dos estudos fazendo uma análise por momentos ou fases do processo político. Apesar das críticas ao modelo (caráter funcionalista, racional e que tenta manter o controle sobre o processo político), este persiste no debate acadêmico como referência. [...] Talvez a principal contribuição da ideia do ciclo da política seja a possibilidade de percepção de que existem diferentes momentos no processo de construção de uma política, apontando para a necessidade de se reconhecer as especificidades de cada um destes momentos, possibilitando maior conhecimento e intervenção sobre o processo político. Já as desvantagens estão por conta da inevitável fragmentação que a ideia de fases provoca em qualquer análise a ser empreendida. Por mais que haja um cuidado do analista em não isolar uma fase e seus efeitos, há sempre o risco de tratá-la de forma estanque. Além disto, a aplicação deste(s) modelo(s) carrega consigo o perigo de se imaginar que a política se comporta de forma previsível. Imagina que é possível fazer um estudo das políticas que seja neutro ou que abstraia totalmente das disputas e intenções dos analistas. Ou seja, há dificuldade de se discutir as implicações políticas na afirmação deste ou daquele modelo. No entanto, esta é uma questão que se apresenta para todo o campo de análise da política e não apenas para o uso específico deste modelo (BAPTISTA, T. W. F.; REZENDE, M. A ideia de ciclo na análise de políticas públicas. In MATTOS, R. A.; BAPTISTA, T. W. F. Caminhos para análise das políticas de saúde, 2011.)
69
3.1.1 As Dimensões da Política
O Programa Mais Educação encontra sua base legal na Constituição Federal;
no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 9089/1990); na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394/1996); no Plano Nacional de Educação (Lei
nº 10.172/2001); no Fundo Nacional de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério (Lei nº 11.494/2007); no Plano de
Desenvolvimento da Educação – PDE (2007); e no Plano de Metas Compromisso
Todos pela Educação (Decreto nº 6.094, de 24/04/2007).
A Constituição Federal, o principal conjunto de normas legais que orientam o
país, já tratava o cuidado da criança e do adolescente como uma questão de absoluta
prioridade, este cuidado, expresso em seu Capítulo VII – Da Família, da Criança, do
Adolescente, do Jovem e do Idoso – Art. 227, é composto pelos direitos à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (BRASIL, 1988). O
Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), que dispõe sobre a proteção integral à
criança e ao adolescente, reforça os artigos da Constituição Federal que tratam desta
população e ainda prevê assegurar “todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes
facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de
liberdade e de dignidade” (BRASIL, 1990). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação –
LDB (1996), começa a desenhar os objetivos da ampliação da jornada escolar, quando
afirma que “serão conjugados todos os esforços objetivando a progressão das redes
escolares públicas urbanas de ensino fundamental para o regime de escolas de tempo
integral. O Plano Nacional de Educação - PNE, aprovado em 2001, é a regra que mais
oferece as características que compõe o Programa Mais Educação.
Aprovado em 24/04/2007, o Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE,
oferece as condições instrumentais para o desenvolvimento das ações que atendam às
determinações do Plano Nacional de Educação. Os programas do PDE estão
organizados em quatro eixos norteadores: educação básica, educação superior, educação
profissional e alfabetização (BRASIL/MEC, 2007, p. 7, 15), no eixo Educação Básica, a
ampliação da jornada escolar é tratada no Plano de Metas Compromisso Todos pela
Educação (Decreto nº 6.094, de 24/04/2007), que representa um programa estratégico
do PDE. No mesmo dia 24/04/2007, é instituído o Programa Mais Educação, através da
70
Portaria Normativa Interministerial nº 17. Por fim, o Fundo Nacional de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - FUNDEB
(Lei nº 11.494/2007), o maior financiador do PME.
As legislações apresentadas podem ser consideradas como o resultado de
processos políticos protagonizados tanto pelo Estado, quanto pela sociedade civil. Tal
processo, “frequentemente de caráter conflituoso” (FREY, 2000, p. 216), pode ser
confirmado na leitura do histórico da Educação brasileira, cujo debate, assim como o
entendimento sobre os objetivos da escola pública, o seu papel e de seus atores, se
mantém como um constante ponto de pauta, presente nos principais episódios políticos
do país. No caso da Educação das crianças, o debate tem início nos anos 1920 e o
aparato legal desenvolvido, apresentado na dimensão institucional, também pode ser
considerado um resultado do processo que ganhou alguma organização a partir do
governo Getúlio Vargas, com a criação no Ministério da Educação e Saúde Pública.
Nos anos 1920, começa a nascer no Brasil dois movimentos educacionais
formados por intelectuais: “O entusiasmo pela educação25”, preocupado com a abertura
de mais unidades escolares, e o “Otimismo pedagógico26”, cujo foco eram os métodos e
conteúdos educacionais. Nesta época, pós Primeira Guerra Mundial, estes intelectuais
começaram a ter contato com literaturas educacionais estadunidenses, percebiam que a
República não havia se tornado algo de fato público e defendiam a ideia de
“republicanização da República”; no Brasil, o campo econômico começa a ser marcado
pelo desenvolvimento industrial, e consequente urbanização; e no campo educacional
tínhamos, em dados quantitativos, 75% da população analfabeta (GHIRALDELLI,
2009, p. 32-3). Estes quatro fatores: literaturas educacionais estadunidenses; a não
efetivação da República; o desenvolvimento industrial; e o alto índice de analfabetismo,
foram fatores que contribuíram para o desencadeamento dos referidos movimentos, no
qual o “Otimismo pedagógico” teve maior destaque por conta de ações concretas,
embora pontuais, em estados e municípios, quando da implementação de escolas de
tempo integral e que visavam o ensino integral, não apenas uma carga horária
expandida.
25 "Crença de que, pela multiplicação das instituições escolares, da disseminação da educação escolar,
será possível incorporar grandes camadas da população na senda do progresso nacional e o Brasil no caminho das grandes nações do mundo" (NAGLE, 1976, p. 100). 26 “Crença de que determinadas formulações doutrinárias sobre a escolarização indicam o caminho para a
verdadeira formação do novo homem brasileiro” (NAGLE, 1976, p. 100).
71
No Governo Provisório, a questão educacional começa a ser organizada, do
ponto de vista da esfera federal, a partir da criação do Ministério da Educação e Saúde
(1931), neste sentido, a Educação passou a ser tema de um programa definido e
integrado (MARCÍLIO, 2005, p. 144). No entanto, o primeiro nome a liderar a pasta da
Educação, Francisco Campos, embora fosse leitor de um dos principais intelectuais
estadunidenses adotados pelo movimento “Otimismo pedagógico”, John Dewey,
focalizou suas ações/reformas distantes das orientações deweyanas, preferindo investir
esforços nos arranjos políticos varguistas. No mesmo ano, a Associação Brasileira da
Educação – ABE organizou a IV Conferência Nacional de Educação, cujo tema
orientador foi “Grandes Diretrizes da educação popular”, estiveram presentes, além
dos intelectuais e educadores, o então presidente Getúlio Vargas e seu ministro
Francisco Campo, ambos provocaram a ABE para que respondessem à questão sobre o
“sentido pedagógico da Revolução”, referindo-se à Revolução de 1930. A resposta da
ABE ocorreu no ano seguinte, 1932, através do “Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova”, que “compunha uma autêntica e sistematizada concepção pedagógica, indo da
filosofia da educação até formulações pedagógico-didáticas, passando pela política
educacional”, ainda que sob influências de John Dewey e Émile Durkheim
(GHIRALDELLI, 2009, p. 40-2).
As questões conflituosas, características da dimensão Politics (processo
político), podem ser observadas quando da resposta do Governo Provisório às
manifestações dos Pioneiros da Educação Nova. A Associação Brasileira de Educação,
a partir de seus estudos, desenvolveu uma proposta para o capítulo da nova Constituição
sobre educação, na qual destacava a necessidade de se fugir das “divisões e lutas de
classes e de religião, para fundar, deste lado do Atlântico, uma nação livre [...] cujos
filhos tenham, todos, oportunidades proporcionais às suas capacidades”
(GHIRALDELLI, 2009, p. 72-3). A resposta do Governo Provisório ao trabalho
desenvolvido pela ABE foi uma “não resposta”. Os oito artigos elaborados pela ABE
foram reduzidos a dois, cujos conteúdos contrariavam o proposto pela Associação para
o anteprojeto à Constituição. De todo modo, o texto aprovado pela Constituinte, embora
não contemplasse todos os pontos elencados pela Associação Brasileira de Educação,
representou algum avanço para a Educação na Constituição de 1934, se comparada à
primeira Constituição Republicana de 1891 (GHIRALDELLI, 2009, p. 74, 76). Ocorre
72
que em 10 de novembro de 1937, temos um golpe de Estado liderado por Getúlio
Vargas, resultando em um governo autoritário que durou nove anos, o Estado Novo.
A Educação volta ao debate democrático, com o fim do Estado Novo, no qual a
nova Constituição (1946), traz o texto “a educação é direito de todos e será dada no lar e
na escola”, tratava agora de mais uma reforma no ensino que levou treze anos de
debates para resultar na primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1961
(MARCÍLIO, 2005, 148-9). Porém, com o Golpe Militar de 1964, é elaborada uma
nova Constituição (1967) onde foram produzidos instrumentos rígidos de controle da
Educação, esta, por conta da aceleração do crescimento nacional, passou a ser orientada
para o desenvolvimento do país, procurando inserir as classes mais baixas da população
no mercado de trabalho (MARCÍLIO, 2005, p. 151). Em 1971 ocorre uma nova
reforma do ensino com ênfase no 2º grau, este teria como objetivo a profissionalização
universal e compulsória, sua função era a de alimentar o mercado de trabalho e também
inibir o acesso ao ensino superior. Este formato de ensino durou 21 anos e pode ser
caracterizado pela repressão, privatização do ensino, institucionalização do ensino
profissionalizante, tecnicismo pedagógico, confusa legislação educacional,
autoritarismo, forte centralização e desestruturação da formação dos professores dos
ensinos fundamental e médio (MARCÍLIO, 2005, p. 154).
De acordo com Ghiraldelli (2009, p. 167-8), durante o governo Sarney
(mandato: 1985-1990), embora o MEC tenha ocupado a posição do segundo maior
orçamento da União, a política educacional do período foi “pouco criativa”; o governo
posterior, Fernando Collor de Mello (mandato: 1990-1992) foi um governo conturbado,
no qual a política educacional teria sido “improdutiva”. Quando deposto, pelo processo
de impeachment, deixou para seu sucessor, Itamar Franco (mandato: 1992-1995), “um
país em frangalhos, em particular o MEC e todo o aparato estatal de fomento à cultura,
educação e ciências”. De todo modo, em 1993, o novo Projeto de Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional foi aprovado pelo plenário da Câmara Federal e segundo
Rocha e Pereira (1994, p. 428), o debate iniciado em 1988 teria levado cinco anos para
a aprovação em razão do “desinteresse da maioria e da oposição” e quando de sua
aprovação, as autoras chamam a atenção para o surpreende fato desse projeto “ter sido
aprovado sem que nenhum do seus artigos, no momento da votação, tivesse gerado
73
debate em plenário. As sessões de votação sequer repercutiram no âmbito do
Congresso”.
Em 1996 é decretada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, já no
governo Fernando Henrique Cardoso (mandato: 1995-2002), em seu texto temos a
menção da ampliação da jornada escolar, “Serão conjugados todos os esforços
objetivando a progressão das redes escolares públicas urbanas de ensino fundamental
para o regime de escolas de tempo integral” (BRASIL/MEC, 1996), estabeleceu que a
União seria responsável, com a colaboração dos estados, municípios e do Distrito
Federal, pela elaboração do Plano Nacional de Educação - PNE com diretrizes e metas
para os dez anos seguintes, e declarou que a partir daquela data (20/12/1996) seria
instituída a “Década da Educação”, estabelecendo que a União, no prazo de um ano,
deveria encaminhar ao “Congresso Nacional, o Plano Nacional de Educação (PNE),
com diretrizes e metas para os dez anos seguintes, em sintonia com a Declaração
Mundial sobre Educação para Todos” (BRASIL, 1996), esta Declaração, elaborada por
ocasião da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, no ano de 1990
organizada pela UNESCO, na qual participaram 155 países, teve como meta principal
“a revitalização do compromisso mundial de educar todos os cidadãos do planeta”
(BOTEGA, 2005) e teve como patrocinadores e financiadores a Organização das
Nações Unidas para a Educação (UNESCO); o Fundo das Nações Unidas para a
Infância (UNICEF); o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD);
e o Banco Mundial (BID). Em seu Artigo 5º declara que a escola é o principal “sistema
de promoção da educação básica fora da esfera familiar” e ainda que a educação
fundamental deve “levar em consideração a cultura, as necessidades e as possibilidades
da comunidade” (UNESCO, 1998, p. 5).
Em pouco mais de um ano (11/02/1998), o poder executivo enviou ao Congresso
Nacional o projeto de lei que instituía o PNE, tendo sido aprovado em 09/01/2001,
penúltimo ano do governo Fernando Henrique Cardoso. Dentre suas cinco prioridades, a
serem cumpridas no prazo de dez anos, é possível perceber os primeiros traços do
Programa Mais Educação:
Prioridade 1: Garantia de ensino fundamental obrigatório de oito anos a todas
as crianças de 7 a 14 anos, assegurando o seu ingresso e permanência na
escola e a conclusão desse ensino. Essa prioridade inclui o necessário esforço
dos sistemas de ensino para que todas obtenham a formação mínima para o
exercício da cidadania e para o usufruto do patrimônio cultural da sociedade
74
moderna. O processo pedagógico deverá ser adequado às necessidades dos
alunos e corresponder a um ensino socialmente significativo. Prioridade de
tempo integral para as crianças das camadas sociais mais necessitadas
(BRASIL/Casa Civil, Lei nº 10.172, de 9/01/2001) (grifo nosso).
O PNE (2001) considera que “a educação infantil terá um papel cada vez maior
na formação integral da pessoa” e determina que seja adotado, progressivamente, o
atendimento em tempo integral, pois, internacionalmente “a ampliação da jornada
escolar para turno integral tem dado bons resultados”, esta ampliação seria composta
pela “orientação no cumprimento dos deveres escolares, prática de esportes,
desenvolvimento de atividades artísticas e alimentação adequada”, de modo a resultar
em “um avanço significativo para diminuir as desigualdades sociais e ampliar
democraticamente as oportunidades de aprendizagem”, o PNE ainda prevê que a
implantação de escolas de tempo integral resultará em mudanças significativas quanto
“à expansão da rede física, atendimento diferenciado da alimentação escolar e
disponibilidade de professores, considerando a especificidade de horários” (BRASIL,
2001). O Ministério da Educação entende o PDE como um “plano executivo, como um
conjunto de programas” que visam cumprir as metas quantitativas estabelecidas pelo
PDE, sem desconsiderar a necessidade de melhoria da qualidade da Educação nacional,
tal qualidade seria alcançada através de uma “visão sistêmica da educação e a sua
relação com a ordenação territorial e o desenvolvimento econômico e social”
(BRASIL/MEC, 2007, p. 7).
O primeiro mandato do presidente Lula, iniciado em 2003, de acordo com Dalila
Andrade Oliveira (2009, p. 198, 204), teria sido marcado, no campo educacional “mais
por permanências que rupturas em relação ao governo anterior”. Em seu primeiro
mandato (2003-2006) a educação básica sofreu pela ausência de “políticas regulares e
de ação firme no sentido de contrapor-se ao movimento de reformas iniciado no
governo anterior”. Nesse período houve programas pontuais e diversificados cujo
público alvo era aquele das faixas mais baixas da população, quanto à vulnerabilidade
social (esta característica representa um dos pré-requisitos para a adesão ao Programa
Mais Educação criado em 2007, primeiro ano do segundo mandato do presidente Lula),
e ainda esses programas “chegam à escola pública como mais uma tarefa a ser
desempenhada em meio ao conjunto de exigências apresentado aos docentes”, uma
crítica dos implementadores do PME.
75
Em 2006, último ano do primeiro mandato do presidente Lula, foi criado o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (FUNDEB)27, que representa o principal mecanismo de
financiamento da educação básica e portanto é o financiador do Programa Mais
Educação. No dia 24 de abril de 2007, foi publicada a Portaria Interministerial nº 17,
que instituíra o PME, que visa fomentar a educação integral de crianças, adolescentes e
jovens, por meio do apoio a atividades sócio-educativas no contraturno escolar. No
mesmo dia da criação do PME, foi decretado o Plano de Metas Compromisso Todos
pela Educação, seu primeiro artigo o define como “a conjugação dos esforços da União,
Estados, Distrito Federal e Municípios, atuando em regime de colaboração, das famílias
e da comunidade, em proveito da melhoria da qualidade da educação básica” (BRASIL,
Decreto nº 6.094, de 24/04/2007). Oliveira (2009, p. 206) alerta para a ideia inserida
nesse plano: “Compromisso todos pela educação”, nesse “todos”, além da União,
Estados e Municípios, também está a família e a sociedade civil, neste sentido,
a escola pública necessita do apoio de todos os segmentos para cumprir seu
papel de educar [...] como se estivesse nas mãos de cada indivíduo, em
particular, melhorar o mundo, melhorando a educação – quando se sabe que
fatores estruturais intra e extraescolares são determinantes do baixo
desempenho obtido nos exames de “medição” de qualidade (OLIVEIRA,
2009, p. 206).
Este tipo de apelo social, iniciado dos anos 1990, acaba articulando setores da
sociedade civil, em especial as ONGs, o Estado terceiriza o seu papel e esta
possibilidade também está no PME, sendo inclusive, estimulada e também é alvo de
críticas de seus implementadores. Este “voluntarismo”, analisado por Oliveira (2009),
pode ser considerado como riscos políticos
à medida que desarmam as formas de controle direto, o que pode resultar, em
última instância, que a delegação de poder por parte do Estado a outros atores
envolvidos no processo de implementação dessas políticas pode gerar um
vazio que vai sendo paulatinamente preenchido por interesses particulares.
Tal processo pode resultar em que a ação pública seja cada vez menos estatal
e, por isso mesmo, menos pública. Esse é um risco de esvaziamento de poder
e de referência que tal modelo de gestão de políticas públicas pode ensejar
(OLIVEIRA, 2009, p. 208).
De todo modo, o Estado, através do MEC, mantém o seu papel de protagonista
na definição de Políticas Públicas educacionais, ainda que como indutor, o que
27 Criado pela Emenda Constitucional nº 53/2006 e regulamentado pela Lei nº 11.494/2007 e pelo Decreto
nº 6.253/2007.
76
representa um avanço se o compararmos com o histórico da educação nacional.
Segundo o Texto de referência para o debate nacional (BRASIL/MEC/SECAD, 2009,
p. 11) elaborado pelo MEC, a partir do final do ano de 2007 até o final do primeiro
semestre de 2008 (o PME foi criado em abril de 2007), um grupo de trabalho,
convocado pelo Ministério, sob a coordenação da SECAD - Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, através da Diretoria de Educação
Integral, Direitos Humanos e Cidadania, reuniu-se periodicamente para que a política de
Educação Integral fosse formulada. O trabalho deste grupo, formado por gestores
municipais e estaduais, representantes da União Nacional dos Dirigentes Municipais de
Educação (UNDIME), do Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED),
da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), da Associação
Nacional pela Formação de Profissionais da Educação (ANFOPE), de ONGs
comprometidas com a educação pública e de professores universitários, pautou-se na
“intersetorialidade da gestão pública, na possibilidade de articulação com a sociedade
civil e no diálogo entre saberes clássicos e contemporâneos” com o objetivo de
responder à pergunta “Por que Educação Integral no contexto brasileiro
contemporâneo?”, entendeu-se que o debate nacional sobre a Educação Integral não
deveria se pautar somente
pelo acesso à escola, mas pela permanência, com aprendizagem, de cada
criança e de cada adolescente nesse espaço formal de ensino. O direito à
educação de qualidade é um elemento fundamental para a ampliação e para a
garantia dos demais direitos humanos e sociais, e condição para a própria
democracia, e a escola pública universal materializa esse direito.
(BRASIL/MEC/SECAD, 2009, p. 15).
O grupo ainda considerou complexa e urgente as demandas sociais e estas
dialogariam diretamente com os “processos escolares”, entendidos como um desafio
que poderia ser enfrentado a partir da adoção da Educação Integral articulada com
“outras políticas sociais, outros profissionais e equipamentos públicos, na perspectiva
de garantir o sucesso escolar”, a garantia desse sucesso representaria um “compromisso
ético com a inclusão social” (BRASIL/MEC/SECAD, p. 15, 21).
A Educação Integral, o que na prática está mais próxima da Educação em
Tempo Integral (ETI), se coloca, nas palavras do Ministério da Educação, como “um
ideal presente na legislação educacional brasileira e nas formulações de nossos mais
brilhantes educadores”. O Ministério aponta que houve iniciativas, em diferentes
77
momentos da história brasileira, que objetivaram este ideal, porém, de maneira pontual
e esporádica. A criação do Programa Mais Educação representa a retomada deste ideal,
por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD)
e de Educação Básica (SEB), em parceria com o FNDE, a partir de experiências que
indicaram o papel central que a escola deve ter no projeto de Educação Integral, e ainda
a “necessidade de articular outras políticas públicas que contribuam para a diversidade
de vivências que tornam a Educação Integral uma experiência inovadora e sustentável
ao longo do tempo” (BRASIL/MEC, 2009, p. 7).
O conteúdo concreto do Programa Mais Educação, a sua dimensão material,
denominada Policy nos estudos de análise de Políticas Públicas, é representado por um
desenho sofisticado e em sintonia, pelo menos em tese, com as dimensões institucional
e processual já descritas. O Programa criado pelo Ministério da Educação, em 2007,
regulamentado em 2010, teve suas diretrizes operacionais disponibilizadas entre 2011 e
2012, é parte do Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE, e se define como uma
estratégia do Governo Federal para induzir a ampliação da jornada escolar e a
organização curricular, na perspectiva da Educação Integral e atende aos Ensinos
Fundamental e Infantil. O PME, de acordo com a documentação oficial, trata da
construção de uma ação intersetorial entre as Políticas Públicas educacionais e sociais,
contribuindo para a diminuição das desigualdades educacionais e para a valorização da
diversidade cultural brasileira.
Para demonstrar o caráter intersetorial, o Programa é articulado entre os
Ministérios da Educação, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, da Ciência e
Tecnologia, do Esporte, do Meio Ambiente, da Cultura, da Defesa e a Controladoria
Geral da União. Já a valorização da diversidade cultural brasileira, pode ser
representada pela ampliação de oportunidades educativas e pelo compartilhamento da
tarefa de educar entre os profissionais da educação e de outras áreas, as famílias e
diferentes atores sociais dentro dos macrocampos: acompanhamento pedagógico,
educação ambiental, esporte e lazer, direitos humanos em educação, cultura e artes,
cultura digital, promoção da saúde, comunicação e uso de mídias, investigação no
campo das ciências da natureza e educação econômica, de modo a associar ao processo
de escolarização a aprendizagem conectada à vida e ao universo de interesses e de
possibilidades das crianças, adolescentes e jovens (MEC, 2012, p. 4-9). O Programa tem
78
como base os princípios da Educação Integral previstos no Decreto n° 7.083/2010,
sendo eles:
Compreensão do direito de aprender como inerente ao direito à vida, à saúde,
à liberdade, ao respeito, à dignidade e à convivência familiar e comunitária e
como condição para o próprio desenvolvimento de uma sociedade
republicana e democrática. Por meio da Educação Integral, reconhecem-se as
múltiplas dimensões do ser humano e a peculiaridade do desenvolvimento de
crianças, adolescentes e jovens (MEC, 2013, p. 4).
Cabe ressaltar que os princípios acima citados, são os mesmos desenvolvidos no
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, publicado em 1932, e que produziu
experiências de escolas com jornadas ampliadas de ensino, embora de maneira
fragmentada em estados e município. De todo modo, este Programa pode ser
considerado uma Política Pública pioneira, no âmbito do Governo Federal, para a
Educação Fundamental e Infantil, no que diz respeito às bases de seu planejamento,
critérios para adesão, disponibilização de verbas e orientações operacionais.
A Portaria Normativa Interministerial nº 17, de 24/04/2007, que instituiu o
Programa Mais Educação, apresenta suas considerações e objetivos, dos quais destaco:
O programa será implementado por meio do apoio à realização, em escolas e
outros espaços sócio-culturais, de ações sócio-educativas no contraturno
escolar, incluindo os campos da educação, artes, cultura, esporte, lazer,
mobilizando-os para a melhoria do desempenho educacional, ao cultivo de
relações entre professores, alunos e suas comunidades, à garantia da proteção
social da assistência social e à formação para a cidadania, incluindo
perspectivas temáticas dos direitos humanos, consciência ambiental, novas
tecnologias, comunicação social, saúde e consciência corporal, segurança
alimentar e nutricional, convivência e democracia, compartilhamento
comunitário e dinâmicas de redes. (Portaria Normativa Interministerial nº 17,
de 24/04/2007 - Art. 1º - Parágrafo único)
Das finalidades do Programa, destaco:
contribuir para a redução da evasão, da reprovação, da distorção idade/série,
mediante a implementação de ações pedagógicas para melhoria de condições
para o rendimento e o aproveitamento escolar; promover a aproximação entre
a escola, as famílias e as comunidades, mediante atividades que visem a
responsabilização e a interação com o processo educacional, integrando os
equipamentos sociais e comunitários entre si e à vida escolar (Portaria
Normativa Interministerial nº 17, de 24/04/2007 - Art. 2º - itens II e VIII);
O Art. 4º do Capítulo – Da Execução, destaco:
O Programa Mais Educação poderá contar com a participação de ações
promovidas pelos Estados, Distrito Federal, Municípios e por outras
instituições públicas e privadas, desde que as atividades sejam oferecidas
gratuitamente a crianças, adolescentes e jovens e que estejam integradas ao
projeto político-pedagógico das redes e escolas participantes (Portaria
Normativa Interministerial nº 17, de 24/04/2007 - Art. 4º - Parágrafo 2º).
79
Das atribuições dos integrantes do Programa, destaco:
mobilizar e estimular a comunidade local para a oferta de espaços, buscando
sua participação complementar em atividades e outras formas de apoio que
contribuam para o alcance das finalidades do Programa (Portaria Normativa
Interministerial nº 17, de 24/04/2007 - Art. 8º - item III).
O Manual Operacional de Educação Integral (MEC, 2012, p. 5-12) apresenta o
Programa Mais Educação como operacionalizado pela Secretaria de Educação Básica
(SEB), por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), do Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação (FNDE), e é destinado às escolas de territórios
prioritários. Nele são encontrados os principais critérios técnicos para adesão,
habilitação e financiamento, conforme transcritos abaixo:
a) Critérios para seleção
Escolas contempladas com o Programa Dinheiro Direto na Escola/Integral
(PDDE) a partir de 2008;
Escolas estaduais, municipais e/ou distritais que foram contempladas com o
Plano de Desenvolvimento da Educação/Escola (PDE) e que possuam o IDEB
(Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) abaixo ou igual a 4,2 nas
séries iniciais e/ou 3,8 nas séries finais;
Escolas localizadas nos territórios prioritários do Plano Brasil Sem Miséria;
Escolas com índices igual ou superior a 50% de estudantes participantes do
Programa Bolsa Família;
Escolas que participam do Programa Escola Aberta; e
Escolas do campo.
b) Etapas de Habilitação
Para que as escolas sejam habilitadas para o recebimento dos recursos
financeiros, é imprescindível que as entidades executoras (municípios, estados, Distrito
Federal, escolas federais, estaduais e municipais), cumpram os prazos divulgados pela
Secretaria de Educação Básica (SEB) para as seguintes diretrizes:
Adesão das entidades executoras e indicação dos técnicos das secretarias
estaduais, distrital e municipais de educação, para a coordenação e
acompanhamento do Programa;
80
Liberação de senhas no Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e
Controle (SIMEC: http://www.simec.mec.gov.br) para os técnicos das
secretarias estaduais, distrital e municipais de educação e para os cadastradores
das escolas pré-selecionadas para o Programa;
Preenchimento, no SIMEC, do Plano de Atendimento pelas escolas que farão a
adesão, incluindo as escolas que já participam do Programa;
Validação pelas secretarias estaduais, distrital e municipais de educação do
Plano de Atendimento das escolas e envio, via SIMEC, para avaliação do MEC;
Aprovação e finalização, pelo MEC, do Plano de Atendimento;
Confirmação do Plano Geral Consolidado no SIMEC pelas Secretarias estaduais,
distrital e municipais de educação.
Uma vez atendidos a todos esses critérios, as escolas pré-selecionadas deverão
confirmar a adesão ao PME, via ofício, e nomear no mínimo um técnico da Secretaria
Estadual, Distrital ou Municipal de Educação, com a responsabilidade de coordenar as
atividades realizadas nas escolas participantes do Programa. Esses técnicos ficam
responsáveis por acompanhar a disponibilização das senhas, o preenchimento do Plano
de Atendimento, pelos representantes das escolas, a tramitação dos documentos no
SIMEC e a confirmação do Plano Geral Consolidado. Cabe à Secretaria Estadual,
Municipal ou Distrital de Educação disponibilizar um professor vinculado à escola, com
dedicação de no mínimo vinte horas, preferencialmente quarenta, denominado
“Professor Comunitário”. Este é responsável pelo acompanhamento pedagógico e
administrativo do Programa.
Às Unidades Executoras compete ainda que estabeleçam critérios claros e
transparentes para a gradativa implementação da ampliação da jornada escolar na
perspectiva da Educação Integral, selecionando, preferencialmente, para a participação
no Programa:
Estudantes que apresentam defasagem idade/ano;
Estudantes das séries finais da 1ª fase do ensino fundamental (4º e/ou 5º
anos), onde existe maior saída espontânea de estudantes na transição para a
2ª fase;
81
Estudantes das séries finais da 2ª fase do ensino fundamental (8º e/ou 9º
anos), onde existe um alto índice de abandono após a conclusão;
Estudantes de anos/séries onde são detectados índices de evasão e/ou
repetência; estudantes beneficiários do Programa Bolsa Família.
Cada turma deve ter 30 estudantes, que poderão ser de idades e séries variadas,
conforme as características de cada atividade.
c) Financiamento
O montante de recursos destinados a cada escola será repassado por intermédio
do Programa Dinheiro Direto na Escola – PDDE/Educação Integral, para conta corrente
em nome da Unidade Executora Própria (UEx)28 representativa da unidade escolar,
liberado em duas parcelas. A primeira parcela corresponde a seis meses letivos do valor
de serviços, materiais de consumo e ressarcimento de monitores29, mais 100% dos
valores dos Kits30. A segunda parcela se refere aos quatro meses letivos restantes. Os
valores a serem ressarcidos a monitores e custeio de material estão devidamente
especificados em tabelas no manual operacional do programa. O recebimento dos
recursos do PDDE/Integral está condicionado à apresentação e aprovação de prestação
de contas pela UEx.
Ampliação do Programa
De acordo com os dados disponíveis no portal do Ministério da Educação, o
PME teve suas atividades iniciadas em 2008 e até 2011 temos a seguinte evolução:
28 Unidade Executora Própria (UEx): entidade privada sem fins lucrativos, representativa das escolas
públicas, integrada por membros da comunidade escolar comumente denominada de caixa escolar, associação de pais e mestres, conselho escolar, círculo de pais e mestres, etc., constituída para receber, executar e prestar contas dos recursos destinados às referidas escolas (BRASIL, Resolução nº 17, de 19/04/2011). 29 O trabalho de monitoria deverá ser desempenhado, preferencialmente, por estudantes universitários de
formação específica nas áreas de desenvolvimento das atividades ou pessoas da comunidade com habilidades apropriadas, como, por exemplo, instrutor de judô, mestre de capoeira, contador de histórias, agricultor para horta escolar, etc. Além disso, poderão desempenhar a função de monitoria, de acordo com suas competências, saberes e habilidades, estudantes da EJA e estudantes do ensino médio. (BRASIL/MEC, 2012, p. 10). 30 Os kits são compostos por materiais pedagógicos e de apoio indicados para o desenvolvimento de cada
uma das atividades. Para cada uma das atividades do Programa, há um kit de material específico. (BRASIL/MEC, 2012, p. 10).
82
Ano Escolas Municípios Estados Estudantes
2008 1.380 55 26 386.000
2009 5.000 126 Todos 1.500.000
2010 10.000 389 Todos 2.300.000
2011 14.995 Não informado Todos 3.067.644
Quadro 2: Evolução da adesão ao Programa Mais Educação – 2008 a 201131
3.1.2 A Janela de Oportunidade do PME
Uma das primeiras perguntas, ao analisar uma Política Pública, é “qual o
interesse governamental ao inserir em sua agenda decisória (ou não inserir) determinada
demanda?” e ainda “como é possível analisar as tomadas de decisões quando
relacionamos os interesses da sociedade versus os interesses do Estado?” (RUA e
ROMANINI, s/d, p. 3). Dentre os diversos instrumentos para a análise de Políticas
Públicas, foi escolhido, primeiramente, a Janela de Oportunidade (KINGDON apud
BAPTISTA e REZENDE, 2011, p. 145-6). Embora exista uma série de problemas
sociais que demandam por soluções, para que estes problemas ganhem a atenção
governamental, é necessário que a referida Janela seja aberta. A sua abertura se dá pela
combinação dos Fluxos:
1) Problemas: referente às condições sociais e à forma como cada condição
desperta a necessidade de ação;
2) Alternativas e soluções: propostas rotineiramente elaboradas por
especialistas, funcionários públicos, grupos de interesse, entre outros; e
3) Político: dimensão da política na qual as coalizões são construídas a partir de
barganhas e negociações. Neste fluxo, três elementos exercem influência
sobre a agenda governamental: a) “clima” ou “humor” nacional; b) forças
políticas organizadas (grupos de pressão); e c) mudanças no interior do
próprio governo.
Uma vez que os três fluxos se encontram, e com isto a Janela de Oportunidade é
aberta, o problema entra na Agenda Decisória, no entanto, esta fase da agenda, segundo
os estudos de Kingdon (apud BAPTISTA e REZENDE, 2011, p. 144) é precedida pelas
fases:
31 Disponível em
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=16689&Itemid=1113. Acesso em 02/03/2015.
83
1) Sistêmica ou não-governamental: corresponde à lista de assuntos e problemas
que por algum motivo não despertaram a atenção do governo e dos
formuladores de políticas e assim, ficam aguardando uma oportunidade e
disputando espaço para entrar na agenda governamental; e
2) Institucional ou governamental: inclui os problemas que obtêm a atenção do
governo, mas ainda não se colocaram na mesa de decisão.
Tanto a Janela de Oportunidade, com a convergência de seus Fluxos, quanto às
fases da Agenda, nos servem de base para a Análise de Políticas Públicas, mas elas não
são estanques ou correspondem a um passo a passo rígido, tendo em vista que
problemas que colocam em risco o poder político podem compor a Agenda Decisória
sem aviso prévio.
O PME encontra sua Janela de Oportunidade no segundo mandato do governo
federal do Partido dos Trabalhadores, em 2007 (presidente Luiz Inácio Lula da Silva).
No entanto, o tema da Educação Integral para as crianças, previsto pelo PME, começou
a ser debatido no Brasil no início dos anos 1920. As experiências, já apresentadas,
concentraram-se em estados e municípios, neste sentido este tema não despertou a
atenção da esfera federal até os anos 2007, sendo assim, pode-se considerar, que do
ponto de vista da convergência dos Fluxos, não havia até o referido período,
possibilidades para que fosse aberta uma Janela de Oportunidade para a Educação
Integral das crianças.
Primeiramente, o Fluxo de Problemas estava presente de maneira ainda
embrionária, pois nos anos 1930, a Educação, da perspectiva do governo federal, tinha
como objetivo colocar o país na marcha do desenvolvimento, sendo assim, o foco da
ação governamental, para esta área, eram os ensinos técnico-profissionalizante e
superior, a Educação passou a ser significada como uma “oportunidade de ascensão
social (GHIRALDELLI, 2009, p. 53). Já o Fluxo de Alternativas e Soluções, estava
pautado por ideais norte-americanos e europeus, que embora tenham fundamentações
relevantes, não faziam parte do ideário brasileiro no que se refere ao tratamento e ao
entendimento da Educação das crianças. Por fim, o Fluxo Político, que se dá através de
barganhas e negociações, era ausente, uma vez que na década de 1930 estávamos sob o
governo Getúlio Vargas, cujo foco, entre outros, era colocar ordem e progresso à
84
crescente urbanização do país, em que a responsabilidade da educação das crianças, de
maneira geral, estava ao cargo dos pais.
Sem a convergência dos Fluxos, portanto sem a abertura da Janela de
Oportunidade, a Educação Integral não encontrou espaço em nenhuma fase da Agenda
até os anos 1987, ano em que foi iniciada a nossa última constituinte. Passados vinte e
um anos de ditadura militar e portanto, de repressão social e política, os elementos que
exercem influência sobre a agenda governamental se fizeram presentes com a
redemocratização: 1) clima ou humor nacional; 2) forças políticas organizadas (grupos
de pressão); e 3) mudanças no interior do próprio governo. Sendo assim, pode-se
considerar que o problema da Educação Básica teria se colocado na Agenda sistêmica
ou não-governamental a partir da Constituição de 1988, teria passado a ocupar a Agenda
institucional ou governamental no governo Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2002) e
encontrou o seu espaço na Agenda decisória ou política apenas no segundo mandato do
governo Lula (2007), a partir da combinação dos Fluxos citados, que resultaram na
Janela de Oportunidade, deste modo, a elaboração do PME só foi possível a partir de
um conjunto de condições favoráveis a alterações nas agendas governamental e de
decisão.
Além da Janela de Oportunidade, há ainda alguns indicadores relativos à
Educação que podem ter contribuído para a formulação do PME. O Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB)32 – que sintetiza dois conceitos para a
qualidade da educação: aprovação e média de desempenho dos estudantes em língua
portuguesa e matemática – apurou que nos anos iniciais do ensino fundamental em
2005, a nota foi de 3,8, já nos anos finais foi de 3,5. Em 2007, ano de criação do PME,
os anos iniciais pontuaram 4,2 e os anos finais, 3,8. Embora a variação entre os anos
iniciais e finais não seja alta, é possível verificar o seu resultado negativo. Outro ponto
de atenção é o declínio da proficiência em Língua Portuguesa, no período entre 1995 a
2005, em uma escala de 125 a 325 pontos, em que a proficiência insuficiente está entre
0 e 199 pontos; a básica, entre 200 a 274 pontos; proficiente, entre 275 e 324 pontos; e
avançado, igual ou maior que 325 pontos, os alunos do 9º ano do ensino fundamental
pontuaram 256,1, em 1995; 250,0, em 1997; 232,9 em 1999; 235,2, em 2001; 232,0, em
2003; e 231,9, em 2005 (BRASIL/MEC/SAEB, 2007).
32 O indicador é calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e
médias de desempenho nas avaliações do Inep, o Saeb e a Prova Brasil. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/portal-ideb. Acesso em 26/04/2015.
85
Nos demais campos sociais, que contribuem para a Janela de Oportunidade,
temos o campo político. Em 2004, ano da criação da SECAD33, estávamos no primeiro
mandato do governo federal do Partido dos Trabalhadores. O Ministério da Educação
era chefiado por Tarso Genro (PT), que ficou à frente da pasta, aproximadamente, por
um ano e seis meses, neste período foi responsável pela criação do Programa
Universidade para Todos - PROUNI (Decreto nº 5.245, de 15/10/2004) e pelo envio ao
Congresso dos projetos de criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica (Fundeb) e do Piso Nacional dos Professores. Genro também deu
início à expansão das Escolas Técnicas Federais, que seria concluída por seu sucessor
Fernando Haddad, sendo este o responsável, enquanto Ministro da Educação, pela
formulação do PME.
Do ponto de vista econômico, segundo Guilherme Delgado (ADITAL, 2007), o
cenário em 2007, era positivo com forte crescimento do emprego formal, assim como
do PIB (em torno dos 5% ao ano). Quanto à valorização cambial, Jurandir O. Negrão
apontou que, em comparação a 2006, a cotação média do dólar caiu 13% – ou seja, o
real se valorizou nessa proporção, considerando ainda as moedas de outros países que
são importantes no comércio exterior do Brasil, o real terminou o ano valendo cerca de
20% a mais do que valia no começo do ano, e quase 40% a mais do que no final de
2004. A dívida externa líquida, em 2007, foi negativa, deste modo o Brasil passou a ser
credor internacional (BCB, 2015), o total registrado de sua dívida externa passou a ser
menor que o montante de suas reservas cambiais.
Por fim, a significação da Educação, no cenário internacional, ganha um reforço
nos anos 2000, quando da elaboração dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
(ODMs)34 e da modernização do Marco de Ação de Dakar35, referente às metas de
33 “Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) em articulação
com os sistemas de ensino implementa políticas educacionais nas áreas de alfabetização e educação de jovens e adultos, educação ambiental, educação em direitos humanos, educação especial, do campo, escolar indígena, quilombola e educação para as relações étnico-raciais. O objetivo da Secadi é contribuir para o desenvolvimento inclusivo dos sistemas de ensino, voltado à valorização das diferenças e da diversidade, à promoção da educação inclusiva, dos direitos humanos e da sustentabilidade socioambiental, visando à efetivação de políticas públicas transversais e intersetoriais”. Disponível em http://portal.mec.gov.br/secretaria-de-educacao-continuada-alfabetizacao-diversidade-e-inclusao/apresentacao. Acesso em 05/12/2015. Quando de sua criação, a sigla adotada foi SECAD, o termo “Inclusão”, foi inserido posteriormente. 34 “Em setembro de 2000, refletindo e baseando-se na década das grandes conferências e encontros das
Nações Unidas, os líderes mundiais se reuniram na sede das Nações Unidas, em Nova York, para adotar a Declaração do Milênio da ONU. Com a Declaração, as Nações se comprometeram a uma nova parceria global para reduzir a pobreza extrema, em uma série de oito objetivos – com um prazo para o seu alcance
86
Educação para Todos (EPT) definidas nos anos 1990. Estes compromissos, assumidos
pelos países membros Organização das Nações Unidas (ONU), elencavam metas a
serem cumpridas até os anos 2015. Sendo assim, os cenários político, econômico e
internacional se mostravam favoráveis e somados a este cenário, os dados do
desenvolvimento e aproveitamento escolar podem ter contribuído para que a Agenda
Decisória abrisse espaço para uma Política Pública direcionada ao ensino básico, fase
esta que ganhou pouca ou nenhuma atenção do governo federal em toda a história do
país. Como dito anteriormente, este quadro analítico não é estanque, pois há problemas
que quando ameaçam o poder governamental entram na Agenda Decisória sem,
obrigatoriamente, atender aos “passos” analisados. De acordo com o exposto, pode-se
entender que a Educação básica não seja um problema que ameace a governabilidade,
mas passou a ser objeto de uma política pública federal.
3.2 Controvérsias entre Formulação e Implementação
O Ministério da Educação tomou como referência, para a formulação do PME,
os pensamentos e as experiência de Escola Integral de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro,
tais referências estão no conteúdo da política, mas foram colocadas apenas como
propostas e sugestões. Nas experiências concretas, o exercício das atividades era
desenvolvido em infraestruturas construídas para esse fim e este é um dos quesitos
principais que afasta a referência inspiradora do Programa Mais Educação. O
desenhado pelo MEC destaca-se pelos fatores burocráticos a serem atendidos, quando
da solicitação, adesão e permanência ao Programa. Houve ainda, a autonomia dos entes
da Federação para aderir ou não à indução do governo federal e no caso da adesão, a
diversidade de recursos humanos, de infraestrutura e até mesmo especificidades
políticas, culturais e ambientais poderiam ser tomadas como pontos de atenção para a
implementação da política, tal como foi desenhada. Ainda que, quando da formulação
do PME, tenha havido a abertura da Janela de Oportunidade com disponibilidade de
em 2015 – que se tornaram conhecidos como os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM).” Disponível em http://www.pnud.org.br/odm.aspx. Acesso em 05/05/2016. 35 “O Marco de Ação de Dakar é um compromisso coletivo para a ação. Os governos têm a obrigação de
assegurar que os objetivos e as metas de EPT (Educação Para Todos) sejam alcançados e mantidos. Essa responsabilidade será atingida de forma mais eficaz por meio de amplas parcerias no âmbito de cada país, apoiada pela cooperação com agências e instituições regionais e internacionais. Disponível em http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direito-a-Educa%C3%A7%C3%A3o/declaracao-de-dakar.html. Acesso em 05/05/2016.
87
governo (Federal), recursos financeiros disponíveis, tempo político e administrativo
favoráveis, a Implementação da política foi um elemento de controvérsia, entre o
desenhado e o executado.
Do ponto de vista estratégico o programa surpreendeu, primeiramente por ter
sido uma política transversal que englobou um considerável número de Ministérios. Do
ponto de vista do planejamento, é possível considerar que o programa apresentou um
desenho eficaz, desde cartilhas para a sugestão de aulas a serem ministradas no
contraturno, até tutoriais para adesão e preenchimento de formulários, deste modo, à
primeira vista, o programa teve condições para atender a demanda do problema da
educação básica, não fossem duas pesquisas exploratórias, realizadas para este trabalho,
que colocam em questão a eficiência do programa. A primeira, realizada com uma
secretária de escola na Zona Leste da cidade de São Paulo, na qual o programa foi
implementado, esta, confessou que a dinâmica proposta pelo PME não foi atendida,
tendo em vista a qualidade da capacitação dos professores, e estes por sua vez,
compreenderam o programa como mais uma tarefa a cumprir, já a segunda entrevistada,
uma diretora de escola na Zona Norte, relatou que embora a demanda por Educação
Integral seja considerável na região, pois a maioria das mães trabalha, e ainda por ser
um local de tráfico intenso de drogas, a escola que dirige não atendeu aos pré-requisitos
para adesão ao PME.
Nóbrega e Silva (2013, p. 11-2) analisaram as dificuldades ocorridas no
município de Caruaru/PE, quando da implementação do PME. Os destaques deste
estudo são: 1) indisponibilidade dos espaços físicos para as atividades no contraturno
escolar, pois a maioria das escolas possuem turmas nos três turnos regulares; 2)
necessidade de treinamento em informática por parte do setor administrativo das
instituições de ensino, para que estes possam preencher os diversos ofícios exigidos, e
como exemplo, apresentam que das 51 escolas participantes do Programa, 15 não
conseguiram executar o preenchimento dos formulários e assim, perderam os repasses
financeiros; e 3) ausência de capacitação dos professores, primeiro porque não haveria,
por parte do município, a intenção de capacita-los, e se houvesse, os professores não
teriam tempo para tanto, pois ministram aulas em mais de uma escola, ocupando todo o
seu dia, a alternativa que o município encontrou e que também é estimulada pela
formulação do PME é a contratação de coordenadores (corresponde ao “Professor
Comunitário”) que passam por treinamento, mas estão descolados da dinâmica das
88
escolas e não, necessariamente, são professores que passaram por formação pedagógica.
Estes coordenadores, depois de contratados, têm sob sua responsabilidade a contratação
de monitores, que embora tenham experiência prática quanto às suas áreas de atuação,
não possuem nenhum domínio pedagógico. Seguindo este mesmo objeto de
problematização, Rosa (2012, p. 10) chama a atenção para a impossibilidade de atender
à magnitude do programa através dos escassos recursos humanos disponíveis, sendo
assim, o Estado, para equacionar esta escassez, estimula as parcerias público-privadas e
o voluntariado, deste modo, o resultado destes estímulos acabaria por
desprofissionalizar as funções de professoras e professores.
Coelho (2011, p. 78) em seu ensaio Alunos no Ensino Fundamental, ampliação
da jornada escolar e Educação Integral, nos mostrou que os alunos entrevistados
percebem a qualidade das mudanças provocadas pelo PME como positivas (novas
perspectivas para o futuro, contato com temas inéditos em suas vidas, alimentação
garantida, melhor utilização do tempo antes ocioso). Já as professoras entrevistadas por
Amorim (2013, p. 16) para a elaboração do artigo Docência e educação integral:
percepções das professoras da escola básica adotiva Liberato Valentim, não tinham
experiência em Educação Integral e não houve capacitação para tanto, e ainda,
criticaram o Programa, pois este destina-se às crianças com baixo aproveitamento
escolar e segundo elas, o programa deveria ser oferecido a todos alunos, uma vez que
dividir as crianças entre alto e baixo desempenho pode caracterizar segregação. Temos
ainda a visão dos diretores escolares entrevistados por Parente e Conceição (2011, p. 9),
para o artigo Gestão escolar: o perfil do diretor das escolas públicas municipais de
Itabaiana – SE, embora os entrevistados não atribuam, de maneira explícita, aspectos
negativos ou positivos, declararam que o acúmulo de atividades, como as
administrativas e a intervenção no processo de planejamento pedagógico geral,
representam constantes desafios quando relacionados com o tempo necessário para
cumpri-los.
No ano de criação do PME, Ana Maria Cavaliere (2007, p. 1016) apresenta em
seu artigo Tempo de escola e qualidade na educação pública, alguns entendimentos que
justificariam a ampliação da jornada escolar: 1) o alcance de melhores resultados dos
educandos; 2) “adequação da escola às novas condições da vida urbana, das famílias e
particularmente da mulher”; e 3) mudança da concepção de educação escolar, “isto é, no
papel da escola na vida e na formação dos indivíduos”. De acordo com a autora, a
89
última justificativa seria aquela que englobaria as anteriores, por ser a mais abrangente e
coloca em debate as questões:
Que tipo de instituição pública de educação básica a sociedade brasileira
precisa? Que funções relativas ao conhecimento cabem à escola, frente aos
demais meios de informação e comunicação presentes na vida social? Qual o
papel da instituição escolar na formação para a vida em sociedade e para a
democracia? (CAVALIERE, 2007, p. 1017).
Cavaliere (2007, p. 1017-8) aponta que a ampliação da jornada escolar, pautada
nas justificativas descritas, não está em uma relação direta de causa e efeito, ou seja,
ampliar o tempo de permanência no ambiente escolar não resulta obrigatoriamente na
melhoria das práticas escolares, pois há variáveis que influenciam tanto o entendimento
de uma Educação Integral, assim como o que se entende por qualidade do ensino. As
variáveis, colocadas pela autora: 1) circunstância histórica ou local; 2) cultura familiar;
3) “tipo de visão sobre a formação geral da criança e do adolescente”; e 4) “tipo de
associação entre educação escolar e políticas públicas de assistência social ou de
preparação para o trabalho”, podem nos ajudar a compreender a questão da Educação
em tempo integral.
Tanto para a leitura do desenho do PME, quanto para a compreensão de sua
implementação e de seus respectivos atores, Cavaliere (2007, p. 1018-9) nos ajuda,
quando coloca, em seu artigo, possíveis fatores que determinariam a implementação de
uma Educação em tempo integral, de um lado teríamos o bem-estar das crianças; as
necessidades do Estado e da sociedade; e ainda o diálogo com a rotina e conforto dos
adultos, pais ou professores. A autora chama a atenção para a complexidade que evolve
estes fatores, pois estão localizados na dimensão cultural, neste sentido, não seria
possível trata-los apenas nas dimensões administrativas ou burocráticas, pois a
significação da Educação em tempo integral, assim como seus objetivos, seriam
resultado não apenas de um desenho consistente da política pública, mas também do
resultado “de conflitos e negociações”.
Sete anos após a criação do Programa Mais Educação, Cavaliere (2014)
apresenta suas análises quanto à relação do Programa com a ideia de assistencialismo e
do voluntarismo, também apontada por Oliveira (2009), uma prática estimulada pelo
Estado a partir dos anos 1990. O Plano Nacional de Educação de 2014 fortalece as
possibilidades de parcerias com entidades da sociedade civil “de variados matizes na
oferta de atividades complementares ao horário escolar convencional” (CAVALIERE,
90
2014, p. 1209), isto significa que as atividades oferecidas no contraturno escolar podem
ser realizadas em espaços outros, que não a escola, embora esta, à princípio seja a
coordenadora das referidas atividades, e executadas por voluntários, não
necessariamente por professores, para Cavaliere (2014, p. 1210) esta prática traz
mudanças significativas para a concepção da Educação em Tempo Integral.
Cavaliere (2014, p. 1210-2) entende que o PME pode representar uma resposta
às “emergências colocadas pela realidade social associadas às dificuldades em criar em
grande escala ou transformar escolas convencionais em ETI” (Escolas de Tempo
Integral), e ainda, o Programa procura se colocar como um “tipo de solução” para a
melhoria da qualidade da Educação, no entanto, de acordo com a própria ideia de
voluntariado e ocupação e/ou locação para a realização das atividades de contraturno,
acaba reforçando “os estigmas da escola pública precária e de fraca ambição”. A
concepção de uma Educação em Tempo Integral em locais para além do espaço escolar
e ministrada por um corpo de voluntários, remunerados ou não, segundo a autora, faz
com que o formato do PME fique desconectado das atividades “ordinárias” da escola,
como consequência,
essa solução organizacional do tempo integral, que na verdade não constrói
uma escola de tempo integral e nem cria as condições para o
desenvolvimento da chamada “educação integral”, mas apenas oferece um
regime escolar diferenciado para os alunos “mais necessitados”, gera uma
excessiva dispersão de objetivos, ao mesmo tempo em que não mexe com o
“coração” da instituição e pode levar a um trabalho com identidade
educacional inespecífica, ao sabor de idiossincrasias locais e pessoais, ainda
que em alguns casos ele possa aliviar tensões e situações emergenciais
relacionadas aos direitos humanos específicos da infância e da adolescência
(CAVALIERE, 2014, p. 1212-3)
Viviane Silva da Rosa (2012) aponta o incentivo do MEC quanto à ampliação
dos espaços escolares para além da escola e a inserção de ONGs como atores do
processo educacional público, como um ato irresponsável e ainda traria aos conceitos de
Estado e Sociedade Civil alguma releitura, pois o Programa Mais Educação seria uma
oportunidade de maior atuação do Estado, mas quando delega a outras esferas o seu
dever, mostraria certa “desresponsabilização do Estado com a Educação Pública na
medida em que apresenta novas funções para a escola, professores/as e sociedade civil”,
sendo assim, ao sugerir a ampliação dos espaços educativos e o incentivo ao
voluntariado, o Estado desprofissionaliza a função do/a professor/a” (ROSA, 2012, p. 9-
10). Essa tendência, iniciada nos anos 1990, quanto à descentralização das políticas
91
sociais, embora tenha sido constante alvo de críticas dos pesquisadores, parece ter se
estabelecido.
Em 2007, o Ministério da Educação convidou as Faculdades de Educação das
Universidades UNIRIO (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), UFPR
(Universidade Federal do Paraná), UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), e
UnB (Universidade de Brasília) para a realização de uma pesquisa qualitativa intitulada
“Educação integral/educação integrada e(m) tempo integral: concepções e práticas na
educação brasileira - Mapeamento das experiências de jornada escolar ampliada no
Brasil”, com os seguintes objetivos: 1) mapeamento das experiências de ampliação de
jornada no ensino fundamental, em curso no Brasil; 2) análise das experiências
mapeadas, a partir da construção de critérios que evidenciassem suas concepções e
práticas; e 3) subsidiar a proposição de políticas públicas voltadas para a
implementação de educação integral (BRASIL/MEC/SECAD, 2010, p. 6).
A pesquisa, iniciada em 2008 e publicada em 2010, apresenta pontos de atenção
quando da implementação do Programa Mais Educação, especificamente os
relacionados à infraestrutura, formação dos profissionais, resistência dos gestores
escolares, fraca formação dos professores, sobrecarga de trabalho e baixos salários. No
município de Olímpia (SP) foi identificado, nas escolas pesquisadas (duas), o problema
do espaço físico, que fora adaptado para que as atividades, a serem realizadas no
contraturno escolar, pudessem ser incorporadas à rotina das escolas, no entanto, a
equipe de pesquisa considerou que essas adaptações não estavam em consonância com a
concepção do que seria Educação Integral realizada em jornada ampliada, pois “não
foram pensados espaços alternativos, cujas atividades não interferissem em outras que
lhe fossem próximas”, foi identificada ainda, a resistência, por parte dos gestores
escolares, na implementação da jornada ampliada, tal resistência se pauta nas seguintes
justificativas: 1) adequação das crianças à alimentação escolar; 2) espaço físico
inadequado; 3) ampliação da jornada de maneira compulsória; e 4) cansaço dos alunos,
gerando pouca aprendizagem. Por outro lado, pais e professores puderam perceber
aspectos positivos na Educação de Tempo Integral “relacionadas à sociabilidade e à
aprendizagem mais significativa para as crianças”. Por fim, nas escolas pesquisadas no
município de Olímpia (SP), o principal desafio identificado para a implementação de
uma Educação em Tempo Integral foi “a ausência de uma formação continuada que
92
solidifique conhecimentos e habilidades dos professores e, ainda, no que tange à
profissionalização, de uma situação que transforme os contratos anuais e temporários
em contratos efetivos” (BRASIL/MEC/SECAD, 2010, p. 94-5, 98).
No município de São Paulo, à época da pesquisa, todas as escolas ofereciam
atividades no contraturno escolar a partir dos programas “Jornada Ampliada” e “São
Paulo é uma escola”, as atividades se davam tanto no espaço escolar, quanto em outros
espaços, atendendo aos alunos dos anos iniciais e finais do ensino fundamental. A
equipe de pesquisa selecionou o Centro de Educação Unificada (CEU) Caminho do Mar
(Zona Sul) e a Escola Municipal Carlos Pasquale (Zona Leste) para conhecer as suas
experiências na implementação de jornada escolar ampliada (BRASIL/MEC/SECAD,
2010, p. 101, 105). Nas duas instituições, os fatores tempo e espaço físico também
colocam-se como desafios para a implementação de uma Educação de Tempo Integral,
a equipe verificou que
mesmo adequando os espaços existentes, nem sempre as instituições
conseguem viabilizar as situações de aprendizagem que pretendem a partir
dos ambientes construídos e/ou (re)adaptados, o que não impede as tentativas
várias de realização do melhor trabalho. Vale destacar que a diversidade dos
locais visitados coloca em destaque o engajamento e a articulação da equipe
para além da disponibilidade espacial (BRASIL/MEC/SECAD, 2010, p. 101,
108).
Nos municípios mais afastados dos grandes centros populacionais e financeiros
do país, a implementação da Educação de Tempo Integral, encontra maiores obstáculos,
como é o caso de Santarém (PA), um dos municípios selecionadas pela equipe de
pesquisa, neste munícipio as experiências de ampliação do tempo no ambiente escolar
não tem destaque, de todo o modo, nos projetos relacionados à ampliação do tempo
escolar, a equipe identificou como sendo o maior problema a ser enfrentado na região,
os baixos salários dos educadores dos Projetos e ainda, a ausência de “normatização ou
regulamentação das experiências vividas” (BRASIL/MEC/SECAD, 2010, p. 20). Em
Palmas (TO), município em que havia “uma proposta de educação integral considerada
referência no Brasil, já registrada em algumas publicações e atendendo um grande
número de alunos”, os gestores, pais e alunos aprovam a ampliação da jornada escolar,
já os professores se queixaram do “cansaço pelo trabalho excessivo e o tempo de
permanência na escola”, pois embora tenham “horário para planejamento, ainda levam
tarefas para a casa”, de todo modo, estas manifestações não significam que os
professores rejeitem o projeto (BRASIL/MEC/SECAD, 2010, p. 22-3).
93
Em Recife (PE) um coordenador do Programa Mais Educação demonstrou uma
significativa repercussão do PME na região, pois até a sua implementação alguns
projetos estavam “semidesativados” e sem infraestrutura, neste sentido “o PME teria
sido uma porta de entrada para que eles fossem relacionados à proposta pedagógica da
secretaria e chegassem às escolas por uma outra via”, de todo modo, os problemas de
espaço também foram identificados, assim como a insuficiência de formação dos
educadores, monitores e tutores, e ainda a ausência de planejamento das atividades, que
resulta em um constante “regime de urgência em que tudo é sempre feito”. No caso da
insuficiência dos espaços, foi observado que as parcerias firmadas, com entidades
religiosas, para enfrentar este problema se deram a partir de relações pessoais dos
tutores e monitores. A equipe de pesquisa considerou a relação com entidades religiosas
como um ponto de atenção, pois é uma prática frequente e não possuiu nenhuma espécie
de normatização. No caso da contratação, por parte da Secretaria de Educação, de
monitores e tutores, os pesquisadores também pontuaram a ausência de critérios no
processo seletivo, foi identificado que esses profissionais não necessariamente “estão
ligados ao bairro da escola em que atuam e nem sempre trazem consigo uma proposta
educativa [...] e salvo exceções, não preenchem os requisitos de parceiros”
(BRASIL/MEC/SECAD, 2010, p. 28-31). De todo modo
a chegada de recursos às unidades escolares em Recife, através do PME,
serviu ao atendimento de necessidades reais, seja de pessoal ou de material, e
representou um fortalecimento para as escolas envolvidas. De acordo com os
profissionais que atuam nas escolas, a escolha dos alunos obedeceu
estritamente aos critérios contidos em documento do MEC
(BRASIL/MEC/SECAD, 2010, p. 32).
A Secretaria Municipal de Educação de Natal (RN) aderiu ao PME como uma
estratégia “para colocar em prática o que já vinha sendo estudado e discutido” quanto à
implementação de uma Educação em Tempo Integral, no entanto os pesquisadores
identificaram dificuldades no âmbito das parcerias, relativas aos espaços para a
realização das atividades do contraturno, necessárias para implementação do Programa
na região, entre elas estão 1) “grande parte das escolas municipais está localizada em
áreas com pouquíssimos ou cujos equipamentos públicos integrantes do bairro carecem
de conservação”; e 2) não há “benefícios financeiros aos parceiros, os quais, em geral,
tendem a ter aumento de despesas”. (BRASIL/MEC/SECAD, 2010, p. 39). Em todas as
entrevistas realizadas, foram identificados avanços na educação local,
94
foram mencionados aspectos associados à melhoria da aprendizagem e a
inclusão social dos alunos. Melhoria no rendimento escolar, aumento da
concentração, da autoestima, resgate do prazer de estar na escola, aumento da
colaboração nos trabalhos em grupo, aproximação da comunidade e das
famílias à escola, melhoria da disciplina dos alunos, redução da violência nas
escolas (BRASIL/MEC/SECAD, 2010, p. 40).
No estado do Ceará as iniciativas de implementação de Educação em Tempo
Integral, tem se consolidado como uma política municipal, financiada pelos próprios
municípios, embora não esteja normatizada em lei orgânica. As atividades, realizadas no
contraturno, são desenvolvidas por professores efetivos e por monitores, no entanto são
os professores a “peça-chave” para o sucesso da ampliação da jornada escolar, neste
sentido, os professores são remunerados pelo estudo necessário para o projeto assim
como, para o planejamento escolar. Segundo a Secretaria de Educação é indispensável
“o professor aceitar, o professor querer, o professor se sentir parte daquele sucesso [...]
determinados lugares-comuns que são repetidos reiteradamente pelos professores têm
que ser desconstruídos”. A equipe de pesquisa identificou o “orgulho” dos professores
que atuam na jornada ampliada, quando observaram “os painéis de fotografias, as
apresentações, o campeonato, a fala das professoras e coordenadoras e o incansável
trabalho das equipes”. A Secretaria de Educação não pretende realizar um “projeto nota
dez”, ela reconhece que faltam recursos, espaços e profissionais, no entanto, o que
importa é o processo de aprendizagem das crianças das classes populares
(BRASIL/MEC/SECAD, 2010, p. 50-3).
O Ministério da Educação entende que o PME, embora seja uma realidade,
aceita que tudo em educação, e assim o próprio programa, se dá de maneira progressiva,
com a participação de educadores, educandos, artistas, atletas, equipes de
saúde e da área ambiental, cientistas, gestores das áreas sociais, enfim, com
todos aqueles que, pessoal e profissionalmente, dedicam-se à tarefa de
garantir os direitos de nossas crianças, adolescentes e jovens.
(BRASIL/MEC/SECAD, 2009, p. 7).
O processo do Programa Mais Educação, desde seus antecedentes até a sua
formulação, pode ser compreendido dentro de uma expectativa favorável quanto à sua
eficácia (resultados), isto do ponto de vista quantitativo e da racionalidade burocrática.
No entanto, o observado em algumas experiências de implementação, descritas acima,
revelou o descompasso entre o desenho e a execução, o que de uma perspectiva
racional, impacta diretamente a própria eficácia da política e consequentemente a sua
efetividade (transformação/impacto social). Os destaques deste descompasso estão: 1)
95
na significação da Educação Integral proposta; 2) na infraestrutura disponível nas
diversas regiões do Brasil; e 3) na questão dos professores. Este último item se coloca
como o mais relevante para esta dissertação, uma vez que entendo este ator, como o
principal implementador, ainda que ele receba orientações e autorizações da direção
escolar, é ele o responsável pela tarefa concreta da execução da política. O professor é
ainda, o que mais aparece nas pesquisas descritas neste capítulo, no que diz respeito à
sobrecarga de trabalho e respectivo cansaço, baixos salários, desprofissionalização de
sua função, fraca formação, ausência de capacitação continuada, pouca ou nenhuma
experiência em Educação Integral e portanto baixa compreensão da política a ser
executada. Neste sentido, é este ator que conheceremos no próximo capítulo.
96
4. Os professores, sua formação, a relação com o serviço público e
considerações sobre sua relação com o Programa Mais Educação
A categoria dos professores de “primeiras letras” foi desvalorizada até o final do
Império e era formada pelas categorias mais pobres da população. “Nossos mestres são
o alvo do menosprezo, os párias na sociedade dos empregos públicos”, esta frase
proferida pelo inspetor-geral da Instrução Pública de São Paulo, data de 1864
(MARCÍLIO, 2005, p. 72), estes mestres, docentes nas Escolas Normais, tinham como
responsabilidade apenas a transmissão de conteúdos determinados pelo Estado, questões
de caráter didático-pedagógico não ganharam nenhum destaque na formação dos
professores até os anos 1890, após este período e até 1932, a questão didática e
pedagógica ganhou algum destaque na formação dos docentes das Escolas Normais do
Estado de São Paulo e ainda houve a tentativa de expandir esta atenção para os outros
estados do país, no entanto a marca conteudista, na formação docente, não perdeu o seu
status, de maneira a ofuscar as novas intenções dos métodos educacionais.
Os Institutos de Educação implantados em Brasília (1932) e em São Paulo
(1933), por Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, respectivamente, trouxe novamente
a questão pedagógica para a formação docente, no entanto, ainda restrita ao âmbito das
duas referidas localidades. A implantação dos cursos de pedagogia e licenciatura ocorre
no período de 1939 a 1971, sendo expandida para todo o território nacional com a Lei
Orgânica do Ensino Normal (1946), no entanto, nestes cursos ainda continuou sendo
desprezado o aspecto didático-pedagógico, este “em lugar de se constituir em um novo
modelo a impregnar todo o processo da formação docente, foi incorporado sob a égide
do modelo dos conteúdos culturais-cognitivos”. De 1971 a 1981 (período sob o regime
militar), a exigência para a docência na educação básica foi reduzida a uma habilitação
de 2º grau – a formação em Magistério –, “configurando um quadro de precariedade
bastante preocupante”, tal quadro chamou a atenção do Estado e este lançou, em 1982,
os Centros de Formação e Aprimoramento do Magistério, o que também não gerou
resultados satisfatórios (SAVIANI, 2009, p. 144-5, 147).
Nos anos 1980, paralelamente à ineficiência da formação dos docentes, foi
desencadeado o movimento pela reformulação dos cursos de Pedagogia e Licenciatura,
cujo princípio era o da “docência como a base da identidade profissional de todos os
profissionais da educação” (SILVA apud SAVIANI, 2009, p. 148). Este movimento,
97
somado à redemocratização do país, em 1985, gerou nos educadores a ideia de que o
problema da Educação teria melhores chances de entrar na agenda governamental,
porém mesmo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, o
equacionamento do problema educacional continuou a frustrar aqueles que por ele se
dedicaram. A política educacional sinalizada pela LDB, quanto à formação dos
docentes, tendeu a um nivelamento por baixo: “os institutos superiores de educação
emergem como instituições de nível superior de segunda categoria, provendo uma
formação mais aligeirada, mais barata, por meio de cursos de curta duração” (SAVIANI
apud SAVIANI, 2009, p. 148). As significações da formação docente para o ensino
básico, descritas acima, vão até os anos 2006, último ano do período analisado por
Saviani (2009), e o Programa Mais Educação é criado em 2007.
Nos anos 2012 as greves dos professores públicos chegaram a atingir vinte dos
vinte e sete estados brasileiros (UOL, 2012). Em março de 2015, a greve dos
professores públicos atingiu cinco estados brasileiros (OESP, 2015) e em 12/06/2015, a
greve dos professores do estado de São Paulo completou noventa e dois dias,
configurando-se como a mais longa de toda a história das greves no estado (EBC, 2015)
desde 1978, data da primeira greve (APEOESP). Farenzena e Luce (2014, p. 211)
destacam que embora, os investimentos em Educação têm sido expressivos, assim como
a oferta de vagas para os educandos, ainda persiste o “constrangimento das condições de
trabalho” dos professores, que vão desde os déficits de sua formação até a precariedade
de infraestrutura material e tecnológica, esta colocação é reforçada com as
reivindicações dos professores nessa última greve, segundo a APEOESP – Sindicato
dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, as reivindicações foram as
seguintes: 1º melhores salários; 2º melhores condições de trabalho; 3º melhores
condições de infraestrutura nas escolas e melhoria das condições de ensino-
aprendizagem para os estudantes, como bibliotecas, laboratórios, espaços multiuso,
salas-ambiente, laboratórios de informática e outras; 4º mais participação de
professores, pais e estudantes na vida da escola “queremos conselhos de escola
democráticos, atuantes e participativos” (APEOESP, 2015).
Dalila Andrade Oliveira já apontava em 2004 a precarização do trabalhado
docente vinculada às reformas educacionais ocorridas a partir dos anos 1990 nos países
da América Latina por conta do “imperativo da globalização”. Se de um lado as
reformas educacionais dos anos 1960, tinham como objetivo primeiro a ampliação do
98
acesso às escola, o que resultaria na redução das desigualdades sociais e assim em uma
mobilidade social dos educandos, as reformas de 1990, de outro lado, tiveram como
eixo principal “a educação para a equidade social”, para a autora essa mudança de
objetivos impactou a gestão da educação pública, que necessitou inserir em sua pauta a
formação de indivíduos para o mercado de trabalho, dito de outro modo “a educação
geral é tomada como requisito indispensável ao emprego formal e regulamentado”, essa
forma de conceber a Educação seria uma forma de atender às orientações da
Organização das Nações Unidades (ONU) para os países latino-americanos que
deviriam entender a Educação como o meio para a “transformação produtiva com
equidade”. A consequência imediata desse entendimento teria sido a reconfiguração dos
aspectos físicos e organizacionais nas redes de ensino, que foram obrigadas a inserir em
sua dinâmica cotidiana os “conceitos de produtividade, eficácia, excelência e eficiência,
importando, mais uma vez, das teorias administrativas as orientações para o campo
pedagógico” (OLIVEIRA, 2004, p. 1129-0).
As marcas mais profundas das reformas a partir dos anos 1990, de acordo com
os compromissos firmados na Conferência Mundial sobre Educação para Todos,
realizada pela Unesco em março de 1990, estão na padronização e massificação dos
processos administrativos e pedagógicos. No campo da gestão escolar, o modelo
adotado teria sido o da “combinação de formas de planejamento e controle central na
formulação de políticas, associado à descentralização administrativa na implementação
dessas políticas”. É possível perceber, na análise de Oliveira (2004), nuances das linhas
mestras do Programa Mais Educação, que seria criado em 2007, a autora percebe que
para atender aos objetivos da Unesco para a Educação nos países com altos índices de
desigualdade social, seria necessário elencar na formulação de políticas públicas
educacionais apelos “ao voluntarismo e ao comunitarismo”, uma estratégica que
possibilitaria “arranjos locais como a complementação orçamentária com recursos da
própria comunidade assistida e de parcerias”. No campo da educação básica, a
consequência para os professores estaria na sobrecarga e reestruturação do seu trabalho
e ainda como protagonistas do sucesso ou insucesso dos alunos, das políticas
educacionais, da escola e do sistema educacional, o que traria para os professores,
segundo a autora, “constrangimentos” relacionados aos limites de sua formação com o
exigido pela administração pública. (OLIVEIRA, 2004, 1132).
99
A combinação de exigências e constrangimentos geraria nos docentes “um
sentimento de desprofissionalização, de perda de identidade profissional, da constatação
de que ensinar às vezes não é o mais importante (NORONHA apud OLIVEIRA, 2004,
p. 1132). Sampaio e Marin (2004, p. 1204) também consideram os constrangimentos
dos professores relacionados à sua formação, que somada às condições materiais do
ambiente escolar e à focalização no atendimento às metas das políticas públicas,
resultam na precarização de seu trabalho. As autoras utilizam como exemplo o currículo
“prescrito” alinhado às prioridades internacionais, tal como também verificado por
Oliveira (2004), esse currículo também importa teorias administrativas para o campo
pedagógico, nele estão articulados “avaliações externas, que classificam as escolas e as
obrigam a redirecionar seu trabalho pedagógico” (SAMPAIO e MARIN, 2004, p.
1205). Para a compreensão dessas práticas curriculares, as autoras convidam para a
análise dos elementos que cercam o trabalho docente: 1) Necessidade de escolaridade e
de professores; 2) Salário; e 3) Condições de trabalho.
No elemento “Necessidade de escolaridade e de professores”, as autoras
apontam a dificuldade de transformar o que aprenderam em sua graduação com os
conteúdos a serem ensinados para os educandos, o que faz com que a experiência
docente seja o fator mais relevante na prática em sala de aula. O elemento “Salário”,
seria a questão mais visível na precarização do trabalho docente, pois significaria a
“pauperização da vida pessoal nas suas relações entre vida e trabalho, sobretudo no que
tange ao acesso a bens culturais”, as autoras relacionam a dificuldade de acesso aos
bens culturais com a própria atuação do docente em sala de aula. O não acesso, ou o
acesso precário a esses bens, reduz os momentos de lazer, a sua atualização e o contato
com o que ocorre na esfera cultural e no mundo, “o processo de realimentação quanto a
informações, em geral, fica restrito à frequência a cursos de especialização”, os
professores pesquisados pelas autoras disseram manter-se atualizados através da
televisão, isto “quando há tempo” (SAMPAIO e MARIN, 2004, p. 1209-11).
Sampaio e Marin (2004, p. 1212-6), quando analisam o elemento “Condições de
trabalho”, têm o cuidado de dividi-lo em carga horária de trabalho e de ensino; tamanho
das turmas; razão professor/alunos; e rotatividade/itinerância dos professores pelas
escolas. A carga horária, estaria diretamente relacionada ao salário, os professores
tendem a lecionar em diversas escolas, com características diversas (escolas privadas,
públicas, municipais e estaduais) de modo a terem um rendimento mensal que possa
100
mantê-los. As turmas, em geral, são superlotadas (principalmente nos locais em que
ocorreu a reorganização das escolas públicas), este fator também é fonte de queixa
constante dos professores, pois além da dificuldade no ensino/aprendizagem, ainda
resulta na evasão dos alunos. A “razão professor/alunos” está relacionada diretamente
com o tamanho das turmas, em 1999 a razão professor/alunos no ensino fundamental no
Brasil era de 28,9, sendo que a média obtida pelos países da OCDE (Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico) era de 17. O elemento
Rotatividade/itinerância é tratado pelas autoras, como um fenômeno da educação
brasileira, a rotatividade dos professores pode ocorrer de um ano para outro “ou, às
vezes, num mesmo ano, e da itinerância deles por várias escolas, ao mesmo tempo, ao
longo do ano”, fatores que contribuem para o seu desgaste e consequente precarização
do seu trabalho. Por fim, as autoras entendem que a precarização do trabalho docente
está inserida no currículo, nele “explicita-se como se pensa e se avalia a sociedade,
quais modelos humanos são apontados ou desvalorizados, quais crenças são respeitadas,
como se vivem as diferenças, o que ainda vale a pena na escola”.
Entre 2012 e 2013 a Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem
(TALIS – Teaching and Learning International Survey), coordenada pela Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), investigou o ambiente de
ensino e aprendizagem em escolas de educação básica de 34 países, no Brasil a pesquisa
foi organizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (INEP), para a qual foram entrevistados 14.291 professores, distribuídos em
escolas dos níveis federal, estadual e municipal e de acordo com o INEP “os resultados
relativos ao Brasil representam todas as escolas brasileiras desse nível educacional”. A
pesquisa revelou que 71% dos professores no Brasil são mulheres, têm, em média, 39
anos de idade (os professores das redes privadas, tendem a ser mais jovens que os das
rede pública), 96% deles concluíram algum curso de educação superior36, possuem, em
média, 14 anos de experiência como professor, 77% têm contrato permanente e 40%
estão empregados em tempo integral (BRASIL/MEC/INEP, 2014, p. 9-10).
De acordo com a pesquisa TALIS, 19,8% dos professores utilizam grande parte
do seu tempo mantendo a ordem em sala de aula, esta taxa é a maior de todos os países
36 Embora 96% dos professores tenham curso superior, verificou-se que há grande variação daqueles das
redes municipal e estadual e esta variação é acentuada quando considera-se as regiões do país. “Por exemplo, enquanto no Distrito Federal e no Paraná não há professores sem nível superior, no estado da Bahia, 19% dos docentes não tem formação em nível superior, seguido por Roraima e Maranhão (16%)” (BRASIL/MEC/INEP, 2014, p. 12).
101
pesquisados, assim como o tempo utilizado para o cumprimento das tarefas
administrativas em sala de aula – registro de frequência, distribuição de informativos e
formulários – deste modo, os professores brasileiros são aqueles que “dedicam o menor
tempo médio em sala de aula com ensino e aprendizagem de fato”. Quanto aos
componentes de sua formação, apenas 51% dos professores pesquisados afirmaram que
seus cursos contemplaram a pedagogia ou a didática de todas as disciplinas. Na temática
“Indução”37, verificou-se a ausência de políticas para os professores recém formados, a
consequência dessa ausência está na baixa retenção de docentes no início de suas
carreiras, menos de um terço dos professores brasileiros participaram de programas
dessa temática e este dado é um dos menores em todos os países pesquisados
(BRASIL/MEC/INEP, 2014, p. 18-20).
O relatório da OCDE (2014) para o Brasil, referente à TALIS, destacou, como
um dos principais resultados, que os professores brasileiros são aqueles que mais
trabalham, dentro do universo pesquisado. Os professores entrevistados relataram que
sua jornada semanal é de 25 horas, sendo que a média da TALIS foi de 19 horas
semanais. A OCDE destacou ainda, que no Brasil os professores utilizam 20% de seu
“tempo de aula mantendo a ordem em sala”. Dessa forma, no Brasil, menos de 70% do
tempo de aula é gasto com ensino e aprendizagem de fato (OECD, 2014, p. 1). Esse
relatório não contemplou a questão da remuneração docente, mas esse item foi
levantado pela Secretaria do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social
(SEDES) no relatório As desigualdades na escolarização no Brasil (BRASIL/SEDES,
2014, p. 13, 24), a Secretaria reconhece que a remuneração dos professores da educação
básica tem melhorado lentamente, no entanto, o destaque principal é a diferença entre as
remunerações dos profissionais com ensino superior. O salário médio do professor
brasileiro “foi equivalente a 51,7% do rendimento médio obtido pelos demais
profissionais com nível superior completo” e ainda que, embora exista um piso salarial
para a categoria, firmado em 2008, há estados e municípios que não remuneram seus
professores de acordo com este piso, o que resulta, segundo o relatório da SEDES, para
além da persistência da desigualdade salarial, a “desvalorização social à qual vem sendo
submetida essa categoria, tanto por parte do Estado quanto pela comunidade”. Por fim, a
37 “Um ‘programa de indução’ é definido como uma gama de atividades estruturadas para dar apoio à
introdução do professor em sua profissão, por exemplo, trabalho em pares com outros professores novatos, tutoria com professores mais experientes, etc”. (BRASIL/MEC/INEP, 2014, p. 20).
102
Secretaria reconhece como “grave” a situação de precariedade do vínculo profissional
do docente, quando em 2012 o Censo Escolar levantou que “cerca de 30% dos
professores da rede estadual são temporários, ou seja, não são concursados, nem sequer
CLT. E, em pelo menos 10 estados, o percentual de professores com contrato
temporário se aproxima ou supera os 50%.”.
Embora exista uma abundante produção acadêmica que desenvolveu e
desenvolve modelos educacionais, considerando que esta produção é fundamental e
necessária para a problematização e desenvolvimento da educação formal e pública, e
ainda, sem diminuir os esforços dos formuladores de Políticas Públicas, estas só se
realizam, enquanto ação concreta na esfera do Estado, através do servidor público, este
representa os recursos humanos estatais, “o interesse público, o interesse daquilo que é
coletivo” (FRANÇA, 1994, p. 199). No caso da Educação, a ponta final da
implementação de uma Política Pública (ação do Estado), se dá pelo trabalho do
professor e este, necessariamente, deve legitimar o que foi formulado pelas esferas
superiores do Estado, é este servidor que já foi o “alvo do menosprezo, os párias na
sociedade dos empregos públicos”, que teve uma política precária para sua formação e
que ainda precisa reivindicar por questões mínimas de trabalho, como salário e
infraestrutura, é este servidor que é convocado a ser em “tudo devotado ao Estado”
(HEGEL apud FRANÇA, 1994, p. 200), “o Estado, no final das contas, são os seus
funcionários” (TEIXEIRA, 1977, p. 111) seria sobre este funcionário que estaria a
responsabilidade da implementação do Programa Mais Educação, nas escolas que a ele
aderiram.
Em 1956, no artigo A administração pública brasileira e a educação, Anísio
Teixeira (1977, p. 118-21) aborda a relação entre professor e Estado, demonstrando suas
críticas quanto à organização impessoal que permeia essa relação, seriam os professores
como hóspedes da esfera estatal, “mais ou menos passageiros”. Nessa relação, o mais
grave seria a desmoralização generalizada dos serviços, encorajando “cada vez mais a
sua progressiva desagregação”. Quanto aos órgãos que administram a Educação, Anísio
revela que estes a transformaram em uma “atividade estritamente controlada por leis e
regulamentos, como resultado, a Educação “que é um processo de cultura individual,
passou a ser um processo formal, de mero cumprimento de certas condições externas,
que se comprova mediante documentação adequada”. Essas críticas, apresentadas há
103
sessenta anos, ainda estão ativas e nas falas das duas entrevistas de pré-campo para esta
dissertação.
4.1 Malu e Rosa: a Docência, a Escola e o Programa Mais Educação
Duas mulheres docentes no ensino fundamental em escolas da rede municipal,
residentes no bairro Vila Brasilândia (Zona Norte da cidade de São Paulo), bairro no
qual também trabalham, são mulheres casadas e sem filhos, com nível superior de
ensino e com diversos cursos de extensão e especialização na área educacional; a
primeira entrevistada, A1, se autodeclara Parda, tem 33 anos de idade, é docente há 8
anos, sua jornada de trabalho semanal oficial é de 25 horas e seu rendimento mensal é
de R$ 3.500,00, a segunda entrevistada, A2, se autodeclara Negra, tem 35 anos de
idade, é docente há 15 anos, sua jornada média de trabalho oficial semanal é de 50
horas, ela trabalha em duas escolas, em uma como professora e em outra como
coordenadora pedagógica, seu rendimento mensal é de R$ 4.500,00; foram essas duas
mulheres que, gentilmente, relataram o que é o ser docente para elas, como significam a
Educação e a Escola, o que sabem sobre legislação e políticas educacionais, o que
pensam sobre a Educação Integral e o Programa Mais Educação, e como se percebem
nestes eixos.
O ser docente
Gosto pelo conhecimento contínuo e o desenvolvimento do ser humano, foram
as duas maiores motivações para a escolha da docência. A experiência de observar o
processo de aprendizagem dos alunos lhes proporciona muita satisfação, desde aquele
aluno que não sabia escrever o próprio nome até o contato com história e a geografia,
por exemplo, o acesso a esses temas e a utilização de novas linguagens lhes emociona.
A1, teve como exemplo de professor um familiar, um primo do interior da Bahia, que
foi um “excelente” professor sem nível superior. Já A2 sempre quis ser professora,
desde criança, confessa ser apaixonada pela profissão embora reconheça o desgaste
desse ofício.
Para as duas entrevistadas, a formação acadêmica (graduação) não é o suficiente
para o exercício da docência, são necessários, além da troca de experiência com os
colegas veteranos, a formação em cursos de extensão e especialização. A graduação de
104
A1, em universidade pública, auxiliou no conhecimento sobre o que é escola, por
exemplo, mas a prática da sala de aula não é ensinada nessa formação, tal prática é
aprendida através da discussão com outros professores e no “chão da sala” mesmo. A1,
dá como exemplo a questão da Literatura, disciplina que não foi trabalhada em sua
graduação, segundo ela, é possível que o programa do curso imaginasse que os
graduandos já a conhecesse, mas ela como ex-aluna de escola pública de periferia não
havia tido contato com a Literatura, A1 só foi saber sobre Literatura conversando com
outros professores, fazendo pesquisas e cursos de extensão que são realizados com
muito esforço financeiro, pois seus recursos são baixos.
A2 acorda às 05h30 todos os dias, sai de casa por volta das 06h30 e retorna às
23h00, em alguns dias da semana goza de 1 hora de descanso que utiliza para ir ao
banco ou comprar mantimentos para sua casa, que fica perto das duas escolas nas quais
trabalha. Como coordenadora pedagógica trabalha mais com a parte burocrática, a
coordenação pedagógica de fato fica para quando “sobra tempo”, uma vez que a
burocracia toma grande parte de seu expediente, embora exista uma secretária, esta está
sobrecarregada, “falta mais mão de obra para a burocracia do que para pensar a escola”,
sendo assim, o trabalho pedagógico ocupa os horários de descanso e os finais de
semana.
No início de sua carreira, A2 foi professora em escola particular e essa
experiência lhe mostrou o quanto a educação nesse espaço, segundo sua visão, é
limitadora. A2 reconhece-se como uma “idealista”, seguidora de Paulo Freie, e este
idealismo em conjunto com a corrente paulofreiriana não é possível dentro de uma
escola particular, para ela, apenas a escola pública viabiliza esse tipo de prática, ela dá
como exemplo a questão da “consciência negra”, segundo ela, é quase impossível falar
sobre isso na rede particular. Seu ideal, como professora e coordenadora pedagógica, é
“ajudar as pessoas que estão na condição de oprimidas, fazendo com que elas
compreendam essa condição, este idealismo é um trabalho de “formiguinha”, nem todo
mundo está a fim”.
Para A2, tanto a formação acadêmica, quanto a troca de experiências com outros
professores são importantes para o desenvolvimento da docência, mas o que mais conta
são os cursos de extensão ou especialização, eles permitem “enxergar coisas que a
prática do cotidiano não permite, como a questão das questões étnico raciais, na prática
105
cotidiana fica muito no senso comum, conforme fui estudando mudou muito a prática”,
na graduação, A2, diz que não teve contato com este tema, por exemplo, “o fazer
pedagógico é melhorado com os cursos e os cursos que faço, eu compartilho com os
colegas que não podem fazer”.
A Educação e a Escola
A1 significa a Educação como o acesso ao desenvolvimento, ao lidar com o
conhecimento, o “pensar o mundo, pensar a gente, ela está no dia a dia desde quando a
criança nasce, no desenvolvimento das habilidades motoras, a fala, depois vem a escola
com a escrita, a leitura. Educar também é ensinar as regras sociais”. O ensinar, para A1,
é um processo, é a elaboração de método para transmitir alguma coisa que o outro não
sabe. Quanto questionada sobre os papéis da Educação e da Escola, A1 permanece
calada por alguns segundos, pede para que a pergunta seja repetida, coça a cabeça, sorri,
repete a pergunta em voz alta, sorri novamente, fica em silêncio, abaixa a cabeça,
respira fundo e inicia a sua resposta:
Eu acho que pensar a educação de uma forma mais ampla é o
desenvolvimento mesmo, é cultural, motor, intelectual, artístico, é das
pessoas, o desenvolvimento da linguagem, é tudo. Pensando de uma forma
geral, é algo para vida, é para facilitar esse nosso tempo aqui na terra. Ajudar
as pessoas a ajudarem o máximo de pessoas. É poder sentir mais que ela está
participando da vida, entender melhor o mundo, ler, escrever, enfim. A escola
é fundamental nisso tudo, por isso ela tem que melhorar. Sem ela, muitas
pessoas, muitas crianças teriam insucesso. A escola faz com que as pessoas
possam acompanhar melhor o mundo, entender melhor o mundo. O papel da
escola é inserir a pessoa nesse mundo.
No processo educacional, A1 se significa como “substituível” um “quase nada”,
ela percebe a rede pública dessa forma, pois é normal mudar de escola, assumir outra
turma, ficar de licença, quando essas alterações ocorrem, uma outra professora fica em
seu lugar, sem que os motivos que levaram a essas mudanças sejam pensados e
questionados, tudo fica do mesmo jeito,
Não dão voz ao professor, o professor não expõe o que ele faz, não existem
espaços para você expor o que você faz, para você compartilhar dificuldades,
então nesse sentido, de quem sou eu dentro disso, eu me sinto quase nada, eu
tenho esse ponto de vista, de que é esse sistema e de quem eu sou, então eu
me sinto substituível, sinto que o professor é jogado em um esquemão ali,
tantas horas por semana, tantos alunos, segue esse currículo, então, parece
que é um pouco isso, tanto faz.
Por outro lado, A1 se sente valorizada por parte dos alunos e de seus pais
106
Esse papo de que o pai pobre, o pai da periferia, a mãe da periferia para eles
tanto faz, que eles não estão nem aí, tanto faz o filho aprender ou não, é
mentira, pelo contrário, eu já tive abraços assim calorosos de uma mãezinha
que veio falar ‘muito obrigada porque eu vi minha filha tendo interesse pela
leitura, animada para ir à escola’. Então, desse ponto de vista mais íntimo, eu
me sinto bem importante, bem valorizada.
A1 significa o papel do professor na escola como uma peça de um quebra
cabeça, uma peça importante dentro do sistema educacional, o fato de haver muitos
alunos faz com que a rotina da escola seja “bem acelerada”, neste sentido, “se o
professor não está ali e não tem alguém para substituí-lo, o ambiente se torna um pouco
caótico e complicado”, o papel do professor para A1, também pode ser significado
como o de um “agente de diálogo”, embora não existam muitos momentos para isso,
em função da própria rotina acelerada da escola e da rotina do professor que costuma
lecionar em mais de uma instituição.
Quanto ao ambiente de trabalho, de maneira geral, ele é agradável, embora
existam os contratempos relacionados ao “corpo mole” que alguns funcionários,
inclusive professores, fazem, como exemplo, a entrevistada cita as ocorrências de
aparelhos instrucionais que não funcionam ou de alunos que precisam de ajuda, essas
ocorrências são urgentes, e muitas vezes não são atendidas, provavelmente em função
da insuficiência de recursos humanos relacionado ao grande número de alunos na escola
e por sala. A1 tem 35 alunos em sua turma em uma pequena sala com poucos recursos,
o que torna o ambiente “muito desgastante” tanto para ela, quanto para os alunos, um
desgaste físico e mental, a entrevistada ainda cita o exemplo da arquitetura da escola na
qual leciona,
outra coisa é o excesso de barulho, eu não sei porque a escola que eu trabalho
foi projetada com a quadra esportiva ao lado da janela. É um absurdo, é uma
coisa mínima a ser percebida por quem estaria dentro de um ambiente
escolar. Foi feito sem nenhuma consulta. Essa construção é totalmente
inviável no ambiente escolar. Você vai ter um espaço com setenta crianças
com atividades livres, uma atividade corporal, brincando, gritando, e você
com a sala ao lado.
O apoio pedagógico na escola na qual A1 leciona é quase inexistente, e ela
reconhece que não se trata da “má vontade” das coordenadoras (são 3), pois elas são
totalmente absorvidas pelo atendimento à burocracia,
Elas não conseguem porque estão com demandas burocráticas, muita coisa,
muita mesmo, a gente percebe, é muita coisa para preencher, por exemplo,
campanhas de saúde que tem na escola que demanda esse tempo da
107
coordenadora que não era para isso, então quando o professor fala ‘absurdo
vacinação na escola’, a gente não tá querendo que as crianças deixem de ser
vacinadas ou a gente acha absurdo a vacina ser no espaço escolar, não é isso,
é usar os funcionários, os recursos humanos que você tem na escola para
organizar isso. Tirar o aluno da sua aula, para fazer isso, isso não é pouca
coisa. Você está dando aula bate na porta e fala ‘agora é a vacinação’, ‘agora
é o uniforme’, ‘agora é o não sei o que’.
A1 mudaria muita coisa na Escola, “bastante coisa”, desde o número de crianças
por turma (o ideal seriam 20) até o acesso a vídeos e à internet. A1 conta que “é
impressionante, você arrisca ali dez minutos para explicar alguma coisa depois de uma
leitura, quando você pede atenção nem a metade está atenta, mas se pega um vídeo do
mesmo assunto, nossa, eles prestam atenção em detalhes que você não percebeu”. As
mudanças necessárias para a Educação, caso A1 tivesse o poder de executa-las,
começaria pelo currículo que é “muito, muito fechado, muito pensado por uma minoria
brasileira, sabe? É um currículo que dialoga pouco com a vida das crianças”, A1
compara o conteúdo do currículo com o que é necessário para ter uma boa pontuação no
ENEM, por exemplo, “as provas do ENEM estão baseadas em interpretação, diálogo,
dia a dia, violência doméstica, e o currículo escolar não contempla esses temas, de
maneira geral, o currículo é ‘conservador’”. A1 ainda faz um desafio,
Eu faço um desafio para você que está estudando, pega o livro de geografia e
folheia, não tem imagens da periferia, se ele tá falando de cidade, ele está
falando de vegetação, aí ele mostra várias paisagens, mostra a floresta
amazônica, os pampas, o cerrado, as grandes cidades, e aí é assim, a maior
parte das pessoas mora na periferia e não mostra [...] você fica amarrado
enquanto professor, porque você tem pouco recurso para trabalhar.
A1 imprime outras imagens em sua impressora particular para levar para os
alunos, mas é um recurso dispendioso que ela não poder arcar a “toda hora”, e o livro
didático que é comprado pelo Estado “é muito caro, então eu tenho que usar alguma
coisa dele, eu tenho que usar algumas coisas, mas tenho que complementar se eu quiser
trabalhar além do currículo que está colocado”.
A2 percebe que a dinâmica da escola gira em torno de datas comemorativas, e
quando questionada sobre o que significa a Educação, A2 ficou em silêncio por alguns
segundos, que foi quebrado pela frase “É difícil pensar nisso” e recorre a Paulo Freire,
que ensinou que “não existe a posição privilegiada do professor”, no entanto o professor
“é um facilitador para informações que não seriam alcançadas fora da escola”, daí a
importância dos dois na vida das crianças: Professores e a Escola. Mas, após mais
alguns segundos de reflexão, A2 confessa que “isso é tudo ideal, na realidade é uma
108
educação conteudista, uma educação bancária”. A sua importância no processo
educacional começa com a quebra de estereótipos que os alunos já aprenderam em casa,
por exemplo, como questões de raça e opção sexual. Com a participação dos alunos,
através de projetos, ela se vê como uma desmistificadora de estereótipos, pois essa coisa
de “enquadrar as pessoas nas caixinhas, é uma tradição da escola e de muitos
professores que são preconceituosos com negros e gays, sem contar que existem
professores que fazem oração dentro da sala”.
Assim como para A1, A2 percebe que para um ambiente de trabalho agradável
são necessários o “comprometimento e o companheirismo”, além de uma gestão
democrática, “sem tirania do diretor”, o diretor tem o dever de “ouvir o que o professor
sente, porque o que ele sente é real [...] a gestão democrática é isso, ouvir o que os
professores têm a dizer, porque eles são o chão da escola, se a gestão não é democrática
o ambiente fica pesado”. Quanto à Educação, assim como A1, A2 também começaria as
mudanças a partir do currículo, essa é a mudança mais importante para A2, desde a aula
“quebrada de 45 minutos”, o que traz muitos problemas para os alunos com dificuldade
de aprendizagem. Segundo A2
o sonho do professor é uma sala homogênea, aquela escola antiga não
democratizada, em que havia uma peneira natural, as crianças saiam. Hoje a
escola é para todos e isso pressupõe trabalhar com a diversidade; no ano
passado tinha um aluno que viu o pai matar a mãe, esse é o aluno real e ele
terá problemas .
O currículo atual, que não interliga as disciplinas, faz com que o conhecimento
fique cada vez mais sem sentido, o “aluno não consegue conectar as matérias que teve
durante o período”, fica desestimulado e o professor também.
Já quanto às mudanças necessárias na Escola, A2 se mostra cautelosa, quando
diz que as mudanças que ela percebe são “facas de dois gumes”, pois envolvem,
primeiramente, o professor. Esse termo “faca de dois gumes” representa um contradição
para ela, pois “há professores que se acomodam por terem estabilidade”, mas o
professor “também fica muito desgastado, então não dá para saber o que é esta
acomodação de verdade”. O professor que falta muito, prejudica o andamento da escola,
há casos de
Compra de atestado médico, vira um oba-oba, mas há gente que realmente
fica doente, sei lá, por isso é contraditório, porque um controle sobre isso
poderia gerar um diretor tirano, de se aproveitar desse poder a mais. Fico
109
confusa. Essa coisa de não ser mandado embora é um problema. Teve um
caso de um professor que deixou uma aluna de castigo de joelhos virada para
parede e por acaso essa aluna era negra. Isso foi a maior dor de cabeça para
montar um processo com termos jurídicos, foi mais uma burocracia para a
direção e no final das contas o professor recebeu apenas uma advertência e
ok, como ele sabe que nada acontece, é difícil mudar isso.
A2 sabe que há muito professor agressivo, mas entende que esse professor está
esgotado, de todo modo, “é preciso haver mecanismos para isso ser combatido e não
acontecer mais. Há a precarização, sei que é difícil, mas ninguém foi obrigado a
trabalhar na escola”. A2 fica dividida entre o risco da tirania do gestor, com a
impunidade do professor com estabilidade. A entrevistada também realizaria mudanças
na arquitetura das escolas, “precisaria ter espaço verde mais amplo, ajudaria a tirar essa
cara de prisão”.
Legislações que regulamentam a Educação brasileira
A1 não possui muito conhecimento relativo às legislações que regulamentam a
Educação brasileira, a norma com a qual ela mais tem familiaridade é o PCN –
Parâmetros Curriculares Nacionais, mesmo a LDB - Lei de Diretrizes e Bases da
Educação, não lhe é familiar, as regras
dentro da escola não se fala tanto, às vezes em uma reunião pedagógica
comenta alguma coisa, mas não discute, sabe? [...] tem essa Lei 10.639/2010
da história afro, eu não me lembro, provavelmente ela está dentro dos PCNs,
isso eu não lembro se é uma alteração dentro da questão do currículo.
A2 tem mais conhecimentos sobre legislações, ela também é coordenadora
pedagógica e possui mais cursos de extensão e especialização do que A1. Para A2 “o
que vem à mente é que muita coisa tem que sair do papel, por exemplo a escola laica,
tem professor que reza o ‘pai nosso’, eles pensam que o ‘pai nosso’ é uma reza
universal”. Em termos de LDB, o que é seguido é “o mínimo do mínimo”, um exemplo
de Leis que não saem do papel é a Lei 10.639/2010, que a escola não conseguiu
implementar, “tem muitos professores que trazem as suas questões religiosas para
escola; há livros que trazem a mitologia dos orixás e tem professores que se recusam a
ensinar, por exemplo. Em termos de legislação há muito a ser implementado nas
escolas”.
110
Políticas Públicas para a Educação
A1 conhece apenas o Programa Mais Educação, ouviu falar do Mais Cultura,
mas este programa chegou muito em cima da hora em sua escola, “não deu tempo da
minha escola mandar nada, porque tem que ser em parceria com alguma ONG da
região, você manda o projeto e eles enviam o dinheiro e aí você faz, esse é o Mais
Cultura na Escola”. Foi sugerido à entrevistada que ela se imaginasse como uma
formuladora de políticas públicas educacionais e em seguida foi questionada sobre quais
políticas ela formularia, ela sorriu e fez as suas propostas:
Começaria pela construção de mais escolas, para diminuir o número de
alunos por sala, porque eu sei que o professor conseguiria trabalhar melhor,
teria mais qualidade e poderia trabalhar mais a dificuldade dos alunos, porque
seriam menos.
A formulação de políticas públicas educacionais, para A1, possui um “nó” que é
a não participação do professor nesse processo,
é o Secretário, é o economista, é um juiz. Eles podem ser bons, podem ter
boa intenção, mas se não estão na escola, não vivenciam a escola, esse lado
fica faltando. É importante ter uma sensibilidade sobre o que está
acontecendo na escola. Eles não têm tempo. Dificilmente o cara vai dizer ‘eu
vou em uma escola, vou ficar ali, vou conversar um pouco com os
professores’, então é muito complicado porque isso muitas vezes está dentro
de um jogo político mesmo, de indicação. A gente vê Secretária entrar e sair
muito rápido, não se dialoga com os professores, dá a impressão que não
quer, ‘ah, a gente não quer saber o real’. Muitas vezes tiram o que o anterior
fez e não coloca nada no lugar. A pessoa, o grupo, ou o secretário tal assume
aquele grupo, e a primeira coisa é eliminar todos os resquícios da gestão
anterior, e aí eles começam a elaborar uma nova gestão que chega ao seu
final sem ter terminado o que foi elaborado.
Sobre o conhecimento do Programa Mais Educação, A1 foi comunicada através
das reuniões pedagógicas, do grupo de e-mail e de conversa com os outros professores.
Para ela a forma como as políticas públicas, a serem implementadas em sua escola, são
comunicadas está muito boa, pois as coordenadoras pedagógicas são “bem acessíveis”.
A1 se vê como uma implementadora de políticas públicas educacionais, quando
questionada “Por quê?” ela fica em silêncio por alguns instantes e diz que
A educação está dentro de um direito, uma política pública das mais
importantes, talvez a mais importante, então quando a gente pega lá a Lei tal
que diz que o aluno tem o direito a ler e a escrever, a ter acesso ao
conhecimento científico, a ter uma noção, a aprender sobre localização,
enfim, toda aquela parte de currículo e do direito do aluno, eu estando em
uma sala de aula estou propiciando isso, então eu vejo que estou
implementando a Lei.
111
A2 também dá destaque para o Programa Mais Educação, quando questionada
sobre quais programas tem conhecimento, para ela era uma proposta interessante, que
em sua escola foi implementada apenas por um ano, ela não sabe o porque, mas a escola
deixou de receber os recursos. A2 ainda citou a política Universidade Aberta do Brasil
que considera muito importante porque “tem o fazer cotidiano que é no automático, e a
formação é de extrema importância”; e o Programa Projovem que “ainda não virou”.
Quando uma política pública deverá ser implementada na escola na qual A2
leciona, a comunicação se dá como um “vai acontecer e acabou”, ela explica que há o
IDEB no qual há uma meta estabelecida e quando a escola não atinge essa meta ela fica
meio obrigada a ter um programa, o diretor é pressionado a aceitar e
pressiona os professores, não tem como sair disso. Não tem diálogo, o que
fazemos, no máximo, é ler o decreto, a minha sensação é de impotência, eu
só sou um boneco.
Quando questionada se se sente como uma implementadora de políticas
públicas, sua resposta é “que pergunta difícil” mas dá continuidade: “uma vez que existe
a política pública e ela está sendo implementada, eu costumo vestir a camisa, por mais
que existam críticas a gente quer fazer com que dê certo, então eu me sinto uma
implementadora”. A2 procura fazer o exercício de se ver como uma servidora pública,
pois afinal ela está
servindo os munícipes, os contribuintes. Nós prestamos um concurso público
cientes disso, mas sei que existe uma ruptura entre professor e servidor,
porque tem muito professor que se acha o deus do saber, mas há mães muito
cientes dos seus direitos, e o professor muitas vezes não aceita, há uma
inversão de valores, ele não aceita ser exigido pela comunidade porque ele
não se vê como servidor, eu mesma não consigo todo tempo, mas tento trazer
essa reflexão.
Educação Integral
A1 não atribui à jornada ampliada das escolas nenhum dos termos Educação
Integral ou Educação em Tempo Integral, para ela o termo é apenas Jornada Ampliada,
porque na verdade o aluno tem um período comum de aula, o que fazem é
ampliar em mais uma hora e meia na escola e de forma improvisada, com
poucos recursos, não aumentaram os recursos na escola para se fazer isso, é
assim ‘se virem aí meio do jeito que der, tem a sala vazia você vai lá e usa’. E
muitas vezes não há nenhuma sala vazia.
112
O posicionamento de A1 se deve à relação que ela fez com o que “se diz sobre
educação integral” com o que de fato acontece nas escolas, na educação integral
propriamente dita
o aluno entra oito, nove horas da manhã, tem acesso a várias linguagens
diferentes, ele vai trabalhar o corpo, vai aprender danças e lutas, vai trabalhar
a parte artística, plástica, música, ele vai ter acesso às aulas e a momentos
bem diferenciados, isso para mim é escola integral, então uma hora e meia a
mais é jornada ampliada.
As atividades desenvolvidas na “jornada ampliada”, o que o PME chama de
“contraturno” são definidas por A1 como “Ações Educativas complementares” e este
termo não aparece em nenhuma documentação do MEC. Quando lida uma lista de
denominações A1 relacionou Ações Educativas Complementares com aula de reforço;
Atividades extracurriculares com Karatê e Xadrez, não identificou a palavra
“contraturno” e questionou “Eles usam essa denominação?”. Não conhecia os
termos/programas reforçados pelo MEC como o Bairro na escola, Educação Integral,
Escola Integrada, Segundo tempo, Turma Complementar, Turno Complementar, Turno
Contrário ou Turno Inverso, mas conhecia o Programa Mais Educação.
A2 quando questionada sobre qual a melhor expressão para a Jornada Ampliada,
Educação de Tempo Integral ou Educação Integral, ela diz que no caso do PME,
o ideal seria educação integral, não é o tempo que tem que ser integral,
porque se o aluno fica na escola com mais do mesmo não vai ter beneficio,
precisa possibilitar atividades diferenciadas que ele não vai ter acesso, mais
uma hora na escola copiando matéria não ajuda em nada na questão da
educação integral de um conhecimento integrado e o que temos é uma escola
em tempo integral.
O Programa Mais Educação
A1 teve conhecimento sobre o Programa Mais Educação através das reuniões
de planejamento de sua escola, o PME foi comunicado, mas não foi discutida a forma
pela qual seria implementado. A1 critica o excesso de “variáveis” necessárias para que o
programa seja oferecido, ela pensa que deveria comunicar os professores de melhor
forma “levantando a demanda” para o professor que pudesse e tivesse condições para
participar, “a diretora fala ‘vou tentar solicitar esse material’, mas como depende de
muitas variáveis, você não consegue o material e acaba não conseguindo participar do
113
programa como deveria ser”. Essas variáveis também impactam a adesão ao programa,
pois há
regiões em São Paulo que mais precisariam do programa, porque a
vulnerabilidade social é gigante, e aí o professor que tá lá, ele mal quer dar
aquelas aulas porque é um lugar horrível, ele não gosta, a escola é horrível,
ou seja, não tá rolando nada lá. De repente um lugar é legal, o professor tá lá
num trabalho bacana, tá rolando a mil por hora, então não depender dessas
variáveis, teria que ser assim, regiões de São Paulo que tenha vulnerabilidade
vão acontecer X projetos lá, não tem o professor? Contrata, sei lá, dá um
jeito. Teria que atender.
Na escola na qual A1 leciona, o tipo das atividades a serem desenvolvidas no
PME são escolhidas pelos próprios professores, a direção diz
Você quer desenvolver o que? O professor, tem várias coisas que gostaria de
desenvolver, eu, por exemplo, eu poderia trabalhar alguma coisa com eles, na
área de rádio, na área de dança, porque eu tenho um conhecimento ali que
seria possível trabalhar, só que para mim não dá por causa do horário que já
estou com os meus alunos e com a minha turma, entendeu? Para eu ficar
mais, planejar as coisa, ficar naquele ambiente mais tempo, é muito
cansativo, e com uma remuneração baixa, porque é uma remuneração baixa,
não tem nada que implique em cima disso, então é assim, eles pegam o
padrão do professor lá, divide por tantas aulas, se você der duas aulas a mais
você ganha aquele pouquinho a mais, em cima disso não tem um vale
alimentação, não tem nada, não tem nenhum tipo de benefício, você vai
demandar mais tempo, você tem que preparar mais aulas, e não tem nenhum
tipo de bonificação, não tem um retorno para você. Então eu penso que essa
questão de ficar muito solto, ser um programa assim, ‘ah, quem quer?, quem
está a fim?’ Não funciona.
A1 acredita que a adesão ao programa se deu por imposição da secretaria, ela
sorri e diz “falando sério, teve uma preocupação também em levar acessos diferentes
aos alunos, a outras linguagens, houve essa preocupação, além da imposição”. A1
imagina que o PME tenha alguma base legal, mas se tiver, ela não sabe qual é
exatamente, seria “uma meta do PNE sobre escola integral até tal ano? Acho que está
dentro disso”. A1 sabe que o Programa Mais Educação está
acontecendo na rede municipal e está inserindo muita criança ao trabalhar a
linguagem através do xadrez, a própria recuperação paralela, o reforço, sabe?
Está dentro desse Mais Educação, então eu vejo que ele é importante, só que
ele é feito também um pouco marginalizado, ele não é ainda algo para todo
mundo que quer, para todo mundo que tem interesse, por exemplo, tem aluno
que não consegue, ou mora muito longe e depende do transporte, ou não tem
vaga o suficiente.
Os professores que trabalham nas atividades do PME, na escola de A1, são da
própria rede, pois não foi permitido pela diretoria que fossem professores de fora, este
fator prejudicaria o desenvolvimento das atividades, por exemplo “um professor vai
114
fazer uma cirurgia no joelho aí não vai ter a atividade nesse ano, entendeu? Então fica
assim um pouco difícil, estou falando da realidade da escola que eu trabalho, eu não sei
como é por aí”. A1 teve acesso a alguns materiais disponibilizados pelo MEC referentes
às atividades que poderiam ser executadas no contraturno, como “tatame”, xadrez e
algumas apostilas. A1 considera o PME um programa importante, mas sua crítica maior
está no atendimento aos alunos, à forma como esses alunos deveriam ser interpretados
pelo programa,
o aluno mais vulnerável não está nesse programa, porque é o aluno que nem
vai para escola, é o aluno que vai evadir, é o aluno que tem dificuldade, ele
está na rua, ele não participa desse programa. Ele não vai ao reforço,
recuperação paralela, ele não vai no karatê, ele não vai no xadrez, ele não vai.
Eu acho que quem está indo, está aproveitando. Eu acho que tem que
ampliar, eu sou muito a favor, tem que estar ali, não tem problema que gera
mais trabalho para gente. Mas aquele aluno que é mais vulnerável ele não
está, eu tinha um aluno no ano passado. O que eu conversava com ele! Ele
faltava nas aulas de reforço, ele não se inscreveu para nada, ele achou que
não ia conseguir, eu perguntei sobre ele e ele falou que ficava sozinho em
casa, ele tem dez anos. Teve vários dias que pediram para ele levar a irmã na
escola, e ele está em uma situação de vulnerabilidade total. Eu saía da escola
ele estava na rua. Então o programa não chega nesse aluno, ele abandona a
escola.
O critério que a escola de A1 adotou para que os alunos entrassem no programa
foi o “sorteio”, “o aluno levanta a mão, se inscreve, e aí faz o sorteio, tem o número de
vagas e o número de interessados”, pois as vagas não são suficientes para todos,
provavelmente porque
tem pouco material, está certo que quando o programa vai mesmo acontecer,
o material vem. Então por exemplo, o professor vai dar karatê, tem lá
bonitinho as roupas. Mas é isso, qual a palavra que eu usei mesmo? Variável.
Se o professor for trabalhar esse ano, se tiver professor disponível, então o
material é comprado, mas se acontecer alguma coisa com esse professor, o
material fica guardado, não será utilizado. Assim fica ruim. Se o professor
não pode, que venha outro, contrata alguém para continuar o projeto.
A1 sabe que a direção não permite que sejam contratados professores de fora,
mas ela não sabe que o MEC estimula essa prática, e também não concorda com ela,
pois o ideal seria
pagar melhor para o professor fazer a atividade. O professor vai dar aula de
karatê em um outro lugar, vai ganhar cem reais a aula, lá na escola é quinze,
vinte reais, não é complicado? O professor que tem outras habilidades na área
artística, de luta ou de idioma, ele vai trabalhar por fora, ele não vai trabalhar
ali, tem que ter muito amor para ele querer trabalhar ali. Eu nem por causa
disso, eu até trabalharia, mas é cansativo para mim, eu sou um pouco
contrária sobre isso, a tarde inteira na escola já me suga, porque às onze horas
da manhã eu já estou preparando alguma coisa, eu vou para escola, às vezes
115
tem reunião, muitas coisas. Depois fico com os alunos da uma e meia às seis
e meia. Para mim já está no limite. Não dá para mim, porque eu quero, à
noite, fazer outras coisas, descansar, ir à academia, enfim, tenho outras
coisas.
Todas as atividades são realizadas dentro do ambiente escolar; todos os
professores são concursados, não há estagiários ou oficineiros; A gestão acompanha as
atividades quanto à inscrição dos alunos online e, solicita os materiais.
Em uma escola anterior, na qual A2 lecionou, o PME não foi implementado,
pois
o IDEB não estava abaixo do que o MEC determinou, embora fosse uma
escola de periferia, com alunos em completa vulnerabilidade social, então
como a escola não foi obrigada a participar, a direção escolheu não aderir,
mas as escolas deveriam aceitar porque tem a verba, ela está disponível,
precisaria de um diálogo para que essa verba fosse melhor aproveitada.
Na escola atual de A2, há oficineiros contratados, pois em sua escola “falta
muito pessoal, a autonomia do diretor para contratar é apenas no PME e então ele
contrata”. Mesmo assim, o PME “não dá para todo mundo, a gente tenta ser o mais
democrático possível, tipo fazer um sorteio, gera muito trabalho, mas é uma forma de
fazer dar certo”. Quando houve a adesão ao PME
o pessoal da diretoria de ensino nos chamou para ler a portaria do programa,
não existe a possibilidade do diálogo porque a coisa já está posta. Por
exemplo, a gente sabe que existem coisas inviáveis para se ter na escola, mas
não tem jeito. A prestação de contas é um desgaste tamanho, tem oficineiros
que deixam de receber e se existisse esse diálogo poderia ser diferente,
porque a pessoa que está legislando não sabe nem sabe o que é uma prestação
de contas. Como é difícil a forma como está disposta na lei. O dinheiro acaba
ficando parado. O dinheiro acaba voltando, seria importante o diálogo para a
elaboração das leis. Conversar com os professores que são o chão da sala de
aula, eles é que sabem se vai dar ou não para implementar.
A2 também reconhece a importância da proposta do PME porque
a gente sabe que nas periferias deveria ter espaços de lazer, com ele [PME]
conseguiria oferecer oportunidades como capoeira, xadrez, atividades
diferenciadas. Aqui em volta não tem nada. São ações importantes, mas elas
começam com todo o gás e depois se perdem no meio do caminho,
principalmente quando muda de governo, muda de nome, fica com outra
cara.
Em sua outra escola, a adesão ao programa se deu por conta do baixo IDEB, só
após a adesão a direção foi “pensar em como seriam as possibilidades dentro da escola,
mas a motivação inicial é a questão do IDEB”. A2 reflete sobre o bom resultado do
programa, para ela o
116
grande problema é que não atinge todos, não tem como obrigar o aluno
participar, para quem participa é bastante enriquecedor, mas aquele que mais
precisa não consegue porque a família não incentiva, ou porque tem outros
afazeres como cuidar do irmão mais novo. Como não atinge todo mundo não
é perceptível na massa dos alunos. Não contempla todo mundo também
porque a verba não dá para contratar oficineiros suficientes para todo mundo.
A2 não teve acesso aos materiais disponibilizados pelo MEC, todas as atividades
são executadas por oficineiros e quem coordena as atividades é a gestão da escola,
“mais uma demanda para nós”.
Assuntos polêmicos/atuais
Tanto na escola de A1 quanto de A2 não há atendimento psicológico e ambas
reconhecem que é necessário, tanto para alunos quanto para os professores. Ambas
também ficaram impressionadas e surpresas como o movimentos dos alunos
secundaristas.
A1 se comoveu porque também estudou em escola pública, e nunca foi
incentivada
a nenhum tipo de protesto, nenhum tipo de dizer que não estava bom [...] na
área da educação vem muita coisa de cima, alguém decide que vai ser assim,
e pronto. Então quando começou o movimento de que ‘não vou sair da minha
escola’, ‘não é para fechar a escola’, nossa... foi uma surpresa tão
maravilhosa para mim, eu falei, ‘é o pessoal que está se organizando’, eu
fiquei em êxtase, porque aí você vê aquela coisa da autogestão [...] eu achei
que deu muita esperança de que essa turminha se levante contra os absurdos
que há na educação.
A2, percebeu que o movimento dos secundarias revelou que
esperava-se uma passividade dos adolescentes, ficou claro que a escola não é
a única forma de conhecimento e que a rede estadual é muito precária, a
categoria está muito desarticulada com aquele monte de categorias, os
professores nunca mais conseguiram as suas reivindicações e o movimento
mostrou que a escola não é a única possibilidade, a juventude vem se
empoderando através das redes, outras formas e aprendizagem que
fortalecem e dão as bases para essa articulação.
A2 nunca participou de greves como ativista, já A1 passou por essa experiência,
mas tem críticas quanto ao movimento, pois tudo é decido “lá no viaduto, lá na frente da
prefeitura”.
* * *
117
É importante salientar que, não raro, iniciativas reformadoras das práticas
educacionais caiam sobre os professores em cascatas de novas prescrições,
sem considerar que as instituições educacionais têm uma história própria e
que, nessa história, os professores acabam por achar modos de agir que lhes
permitem dar conta de realizar seu trabalho. Essas propostas, por vezes,
desorganizam as práticas dos professores e os culpabilizam por não fazerem
o que deveria ser feito. Assim, mudanças qualitativas nas propostas
educacionais não serão efetivas se não derem conta de acolher o saber-fazer
dos professores, incluindo a dimensão daquilo que é possível e necessário
fazer, e não contribuam, por meio das capacitações e/ou formações, para a
construção de novos saberes (FARIA, 2012, p. 30).
A citação acima faz parte do trabalho desenvolvido por Tereza Cristina Leandro
de Faria (2012) e se refere à análise da implementação do Programa Mais Educação no
município de Natal/RN, munícipio distante da cidade escolhida para a realização do pré-
campo desta dissertação, São Paulo. No entanto, é possível reconhecer em sua análise
pontos de convergência com as falas de Malu e Rosa. Compreendo que duas entrevistas
não são suficientes para a análise do universo docente, no entanto, as falas descritas,
assim como a citação de Faria (2012), fecham esta dissertação confirmando, em alguma
medida, o apresentado nos capítulos que lhe antecedem. O eixo “O ser docente”
confirma o desgaste dessa categoria, a incipiência da formação acadêmica, o baixo
salário e o atendimento à burocracia no lugar do pensar a Educação. Em “A Educação e
a Escola”, os fundamentos pensados por Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro estão
presentes no que as professoras entendem sobre os papéis da Educação e da Escola, no
entanto os seus constrangimentos ao responder a essa pergunta, podem representar o
conflito existente entre pensado e executado, entre vontade e possibilidade. As
“Legislações que regulamentam a Educação brasileira” são conhecidas apenas pela
entrevistada que estudou este tema através de cursos de capacitação, este dado
demonstra a divisão existente entre legisladores e profissionais da Educação, o que
remete à dificuldade de compreender as políticas educacionais e seus respectivos
objetivos.
No eixo “Políticas Públicas para a Educação”, o conhecimento é mínimo sobre
as políticas disponíveis para implementação. É possível considerar, a partir de suas
falas, mais a necessidade de políticas educacionais que garantam a infraestrutura
necessária para as atividades, do que métodos ou sugestões de conteúdos, e ainda o
problema da não participação dos professores na formulação de políticas públicas
educacionais, o que resulta em uma implementação distante da formulação, não por
ausência de vontade dos docentes, mas sim porque esses já sabem, por sua experiência,
118
qual política é viável ou não. As respostas ao eixo “Educação Integral” confirma o
problema que envolve o seu próprio entendimento conceitual, isto tendo como
referência as experiências de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, confirma ainda a
improvisação para a implementação da política, o que retoma o problema de
infraestrutura e da sobrecarga de trabalho dos professores.
O Programa Mais Educação, objeto deste trabalho, embora extinto, oferece
dados que dialogam com as formas como as diversas políticas públicas educacionais são
apresentadas e executadas. De maneira geral, as políticas educacionais têm por objetivo
o cumprimento de metas, cuja métrica é a nota dos alunos, que resulta na nota da escola,
caso a nota seja abaixo do determinado pelo governo, a direção da escola é pressionada
pela Secretaria de Educação para aderir a determinado programa e a direção pressiona
os professores para que o implementem. Os detalhes e/ou objetivos da implementação,
de acordo com as entrevistas, não são discutidos, a implementação tem caráter de ordem
e não de projeto.
Para os beneficiários do Programa, o dado que ganha mais destaque, do meu
ponto de vista, é a questão da política não chegar ao aluno mais vulnerável, aquele que
está matriculado na escola, mas não tem frequência. Este dado revela que a política
procurou atender alunos em situação de vulnerabilidade, mas parece haver níveis de
vulnerabilidade, conforme apontado por uma das entrevistadas: a “vulnerabilidade
total”. Esse nível de conhecimento das educadoras/implementadoras, parece não ser de
conhecimento dos formuladores, esse possível desconhecimento poderia ser mitigado
com a participação das docentes no processo de formulação da política, tomo este dado
como grave e gerador de riscos sociais que serão “solucionados” futuramente por outra
instituição do Estado, a Polícia. Já para os implementadoras, o Programa também
representou mais trabalho, principalmente no quesito atendimento à burocracia,
representou ainda, mais uma ordem a ser cumprida para o atendimento a uma meta
baseada em indicativos de aproveitamento escolar, não a um projeto pedagógico de fato,
estes fatores podem ter contribuído para a sensação de um “quase nada” que uma das
entrevistas diz sentir, quanto ao seu papel no processo educacional.
De todo modo, foi identificado pelas entrevistadas, perspectivas positivas no
Programa Mais Educação. As atividades propostas, se implementadas, seriam um
alternativa ao enfrentamento da ausência de espaços de lazer nas periferias, neste caso,
119
de São Paulo; as crianças poderiam ter contato com outras áreas do conhecimento; os
professores poderiam desenvolver atividades que lhe dessem prazer, mais livres do
currículo imposto pelo Estado. No entanto, não houve tempo suficiente para que o
Programa fosse avaliado do ponto de vista de sua efetividade, ou seja, da transformação
social ocorria por conta de sua implementação. Entre compassos e descompassos,
pontos positivos e negativos, entendimentos e desentendimentos, o Programa Mais
Educação foi extinto da mesma forma pela qual foi criado, sem nenhuma consulta
prévia aos professores, o ator mais frágil da rotina de descontinuidades das políticas
educacionais, superado apenas pelas crianças, adolescentes e jovens brasileiros.
Tudo que fazemos pode sempre ser feito de forma diferente e muitas vezes
melhor. A nossa experiência é uma experiência aberta. O passado é
extremamente importante, mas como uma luz que ilumina o presente e nos
ajuda a vê-lo melhor, e a evitar os erros e omissões da experiência anterior
(TEIXEIRA, 1977, p. 11).
120
Considerações Finais
Tamanho fracasso educacional não se explica, obviamente, pela falta de
escolas - elas aí estão, numerosíssimas - nem por falta de escolaridade, uma
vez que estão repletas de alunos, sobretudo na primeira série, que absorve
quase metade da matrícula. Muitos fatores contribuem para este fracasso [...].
Só queremos adiantar agora que a razão causal verdadeira não reside em
nenhuma prática pedagógica. Reside, isto sim, na atitude das classes
dominantes brasileiras para com o nosso povo (RIBEIRO, 1986, p. 13).
O título dessa citação é “Uma escola pública antipopular”, seu autor é Darcy
Ribeiro e ela tem exatos trinta anos. Na ocasião dessa citação, Ribeiro apresentava a
experiência dos CIEPs, no estado do Rio de Janeiro, um projeto que enfrentou o
problema do caráter antipopular da escola pública, durante o governo Leonel Brizola.
Nove anos depois, em 1995, o projeto foi descontinuado e Darcy Ribeiro (1995, s/nº),
retoma a lembrança do “vandalismo cultural” ocorrido há sessenta anos sobre Anísio
Teixeira, e pergunta “Por que?”. De acordo com o verificado no desenvolvimento desta
dissertação, a resposta é a mesma daquela elaborada por Darcy Ribeiro: a “atitude das
classes dominantes para com o nosso povo”, essa resposta pode ser entendida como um
eco do pensado por Anísio Teixeira, que também colocava o problema da Educação
como uma questão da decisão política. Darcy e Anísio viram seus projetos educacionais
implementados e descontinuados por uma mesma razão: comando de governo e sua
respectiva tendência política. O Programa Mais Educação, seguiu o mesmo destino.
Um dos estímulos para o desenvolvimento desta dissertação foi a hipótese da
ausência dos professores (implementadores) na formulação das políticas públicas
educacionais como uma possível causa de desenhos pouco executáveis para a realidade
de cada escola ou município, essa hipótese foi confirmada, porém foi ofuscada pela
conjuntura política. Klaus Frey (2000, p. 217) sinaliza que as dimensões da política
(institucional, processual e material) “são entrelaçadas e se influenciam mutuamente”,
mas no caso brasileiro, a dimensão institucional parece subordinar as demais
dimensões, as influenciando e determinando, tal influência e determinação podem ser
compreendidas como um resíduo dos longos períodos de governo autoritário, o que
coloca em cheque a qualidade de nossa democracia, a classificação e significação das
demandas sociais, e portando a permanência e o caráter de suas políticas.
Embora as Políticas Sociais relacionadas à saúde, alimentação, trabalho,
moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à
121
infância (direitos sociais previstos na Constituição Federal de 1988) sejam políticas que
necessitem de manutenção e avaliação constantes, é possível, em alguns casos, avaliar
os resultados em curto ou médio prazo, descontinuando a política em função do alcance
esperado de sua efetividade. Uma política de moradia, por exemplo, pode ser
descontinuada quando a demanda deixar de existir, assim como uma política de saúde
para o enfrentamento de uma epidemia, ou ainda a construção de linhas de metrô, o que
fica é o monitoramento da demanda que gerou a política. No exemplo de moradia,
podem ser disponibilizadas verbas de financiamento e não mais a construção de grandes
quantidades de residências; no exemplo da epidemia, pode-se manter um sistema de
vacinação; por fim, no exemplo do transporte, pode-se monitorar o crescimento da
população economicamente ativa, o que demandaria por mais transporte público. Não
haveria, de maneira geral, a ideia de processo para os exemplos citados, não é usual
remeter-se ao processo da moradia, ao processo da saúde ou ao processo do transporte,
diferentemente da Educação, a ela utilizamos o termo processo educacional.
As políticas educacionais geram resultados entre si, portanto a ideia de processo.
Uma política para a educação infantil, impacta a política para o ensino fundamental,
esta para o ensino médio e esta, para o ensino superior. A constante descontinuidade de
políticas educacionais, em um curto período de implementação, do ponto de vista da
Análise de Política Pública, inviabiliza a fase de Avaliação, pois para medir os
resultados do processo educacional, seria necessário, no mínimo, quatorze anos (ensinos
infantil, fundamental e médio). Essa etapa do Ciclo da Política Pública é essencial para
o desenvolvimento e a adaptação contínua das formas e instrumentos de ação pública,
denominado com aprendizagem política (PRITTWITZ apud FREY, 2000, p. 229), tal
aprendizagem necessita de tempo suficiente para maturação, o que dificilmente ocorre
com as políticas educacionais, como consequência, a fase de formulação torna-se um
estudo sem conclusão, no qual são sucessivamente retomadas políticas anteriores, não
avaliadas satisfatoriamente, portanto sem a aprendizagem política necessária para
adaptações ou até mesmo novos desenhos, uma vez que a demanda poderia ser alterada
como resultado da efetividade da política anterior.
Do ponto de vista social, as descontinuidades colocam em risco todo o
desenvolvimento do processo educacional, da significação da Educação e da Escola. O
fim do processo educacional público parece continuar exclusivamente na esfera do
122
mercado de trabalho, alimentando-o com mão de obra barata, assim foram desenhadas
as políticas no governo Getúlio Vargas (1930-1945), Militar (1964-1985), Fernando
Henrique Cardoso (1995-2002) e agora sinalizadas por Michel Temer (2016). O período
entre fim do governo Vargas e início do governo militar (anos 1950 e 1960) foram
marcados, na esfera da educação pública, como tempos áureos. Nesse período a escola
pública formava as elites, a função docente possuía respeitado status social, esse tempo
é finalizado com o Golpe de 1964. O processo educacional da elite migra para a
iniciativa privada, neste sentido, em um Estado administrado para a manutenção dessa
camada social, o cuidado com a educação pública perde sentido, a ela é destinada a
repressão, a institucionalização do ensino profissionalizante, o tecnicismo pedagógico, a
confusa legislação educacional, o autoritarismo e a desestruturação da formação dos
professores dos ensinos fundamental e médio (MARCÍLIO, 2005, p. 154). No período
pós Golpe, a partir da Constituição de 1988, houve a tentativa legal de driblar essas
características do ensino público, no entanto elas permanecem com novos nomes, os
atuais “Reforma do Ensino Médio” ou “Reorganização Escolar”, por exemplo.
Já para os implementadores de Políticas Públicas Educacionais, a constante
descontinuidade reforça os sentimentos expressados nas entrevistas realizadas, assim
como nas pesquisas analisadas para esta dissertação. A ideia de uma nova política,
herdaria a experiência de brevidade dos programas educacionais, o que dificultaria o seu
acolhimento por parte do implementador, as políticas já nascem com a certeza de sua
morte, caracterizando-se como mais um trabalho, mais uma tarefa da rotina profissional,
mais uma burocracia a ser atendida, mais uma meta e não como parte da construção do
processo educacional de crianças e adolescentes. Neste sentido, a função docente
mantem-se desvalorizada, assim como a escola pública, que segue mantendo os
estigmas de precariedade e de “fraca ambição”, conforme apontado por Cavaliere
(2014), tal estigma pode, no limite, ser introjetado pela categoria dos professores, já
considerada como uma categoria doente. No estado de São Paulo, em pesquisa realizada
pela APEOESP (2012), 57% dos afastamentos de professores teve como principal
causa, a depressão. Ainda no estado de São Paulo, são concedidas 372 licenças por dia,
sendo que, no ano de 2015, 136 mil professores foram afastados temporariamente, por
motivos de saúde, isto em um universo de 220 mil professores da rede (OESP, 2016).
123
Quanto ao Programa Mais Educação, cujo desenho foi inspirado nas
experiências de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, foram encontradas dificuldades em sua
implementação, principalmente em razão da infraestrutura necessária, tal infraestrutura
foi o quesito central das experiências referenciadas. Esse dado demonstra que a tarefa da
Educação Integral, primeiramente, não se realiza apenas através de legislações,
manuais, sugestão de conteúdos, referencial ideológico, estímulo à ação voluntária ou
rigor burocrático. Essa tarefa, tem em si questões preliminares, básicas, óbvias talvez:
pessoas e espaços, em uma palavra, professores capacitados e infraestruturas adequadas.
Para a solução dos primeiros, o Estado procurou remediar com a ajuda voluntária,
ONGs e até mesmo a iniciativa privada, já para a solução do segundo problema, este
identificado após a criação do Programa, ficou, em alguns casos, sob a responsabilidade
dos implementadores contratados ou voluntariados, que a partir de suas relações
pessoais, puderam articular espaços fora das escolas, em outros casos ficou à sorte de
uma sala de aula ou quadra de esportes disponíveis. À responsabilidade do Estado, de
maneira geral, ficaram a disponibilização de verbas e os critérios burocráticos.
De todo modo, dada a considerável situação de vulnerabilidade social pela qual
passam e vivem milhares de crianças brasileiras, o Programa apresentou resultados
positivos, ainda que distantes da formulação e da fonte inspiradora, reconhecidas nas
entrevistas coletadas, no município de São Paulo, e nos estudos dos municípios de
Natal, Palmas e Recife. Os principais pontos positivos estão na captação de recursos
financeiros, na possibilidade de oferecer aos alunos atividades fora do currículo
obrigatório e ainda dar início a projetos já pensados por algumas escolas quanto à ideia
de Educação Integral. A identificação desses pontos como positivos, não exclui a
identificação dos pontos negativos, como recursos humanos e de infraestrutura, por
exemplo, mas nos depoimentos é possível perceber que o Programa não era o ideal, mas
era alguma coisa. Neste sentido, fica a percepção de que as políticas educacionais,
normalmente são significadas como políticas de segunda categoria, na qual o pouco é
melhor do que nada, a “fraca ambição” da escola pública como ação e resultado da
“fraca ambição” da Educação.
124
Com uma breve vida – para a ideia de processo educacional –, com pontos
negativos e positivos, o Programa Mais Educação foi extinto seis anos após sua
regulamentação. A entrada do problema da Educação Integral na Agenda Decisória,
com a criação do PME, dependeu da sintonia dos componentes da Janela de
Oportunidade: 1) Problema; 2) Alternativa e solução; e 3) Político; este último, o mais
complexo deles, é composto por a) “clima” ou “humor” nacional; b) forças políticas
organizadas; e c) mudanças no interior do próprio governo. No entanto, para a saída da
Educação Integral da Agenda Decisória, bastou um único subitem: mudanças no interior
do próprio governo, por ocasião do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o que
representou, para além do conhecimento dos elementos de conflitos de interesses, o fim
de uma tendência ideológica de condução governamental. Esse dado revela que a
significação das demandas sociais e suas respectivas soluções dependem dos valores e
princípios de determinada elite de poder, colocando em cheque as pressões da sociedade
civil organizada, pelo menos no atual período histórico, confirmando a não
consolidação da democracia brasileira. Cabe destacar ainda, que na sequência da
extinção do PME, o Ministro da Educação, por meio de Medida Provisória, lança a
Reforma do Ensino Médio, na qual haveria a ideia de Educação Integral. Essa ação
revela, em certa medida, as controvérsias das descontinuidades de políticas
educacionais: extingue-se uma política e cria-se outra, recuperando alguns elementos da
política extinta, ou seja, para esses atores, não se trataria de pensar em Política Pública,
mas sim em política de governo. Revela ainda, o caráter autoritário da ação
governamental, que propõe uma reforma educacional por meio de Medida Provisória
sem dar voz a nenhum ator envolvido no debate educacional.
Em tese, todos perderiam com a descontinuidade de políticas educacionais. Por
dedução, há perda e a maior delas está reservada aos beneficiários: as crianças, os
adolescentes, os jovens e os adultos. O segundo grupo perde, e esta dissertação
procurou demonstrar esse dado, eles perdem autonomia, confiança e estímulo, são eles
os servidores públicos da educação, em especial os docentes. No entanto, se todo o
conjunto da sociedade perdesse, com suas respectivas camadas sociais, econômicas e
políticas, as políticas educacionais não seriam descontinuadas, haveria assim, também
por dedução, algum grupo que ganha. Como hipóteses, o sucateamento e a
desmoralização da Educação poderia resultar em privatização do Ensino; já o
alinhamento dos currículos ao mercado de trabalho técnico/operacional, poderia resultar
125
em uma massa de mão de obra barata e quiçá, mansa. O grupo que ganharia com a
confirmação destas duas hipóteses seria aquele com capacidade política para participar e
vencer um possível leilão da Educação e com capacidade econômica para empregar a
mão de obra barata, o único grupo possível é o grupo da iniciativa privada, os grandes
empresários, as “classes dominantes brasileiras” citadas por Ribeiro (1986). Hipóteses à
parte, o fato concreto é que a Educação Integral das crianças, tal qual pensada por
Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, permanece como ideia, como vontade e desejo de
alguns personagens dotados de paixão e coragem, quesitos não contemplados na
Análise de Políticas Públicas.
126
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135
Anexo - Roteiro de Entrevista
1. Sobre o ser docente – Vivência profissional
[Pergunta] Qual é a sua rotina?
[Itens a serem explorados] escola em que trabalha; se trabalha em mais escolas;
horário que acorda; se utiliza transporte público; como é a alimentação
(marmita, refeitório, merenda); que horas chega em casa.
[Pergunta] Por que escolheu ser professorx?
[Itens a serem explorados] quais elementos/motivações estimularam a escolha
pela docência e a relação dessas motivações com a prática; se há perspectivas
de futuro, como plano de carreira; até onde o entrevistado quer chegar.
[Perguntas auxiliares] Há alguém na sua família que também é
professor? Você se inspirou em alguém para ser professor? O que você
pensou sobre a docência se realizou? Como você se vê daqui 10 anos?
[Pergunta] O que ajudou mais na sua profissão: a formação acadêmica ou a
prática docente?
[Itens a serem explorador] o que mais importa: a formação acadêmica, a troca
de experiência com os colegas e/ou cursos de extensão?
2. Sobre a Educação e a Escola
[Pergunta] O que é a Educação para você?
[Itens a serem explorados] Compreender como os entrevistados significam a
educação: objetivos e realidade.
[Perguntas auxiliares] Em sua opinião o que significa ensinar? Qual é o
papel da educação e da escola?
136
[Pergunta] Como você vê a sua importância no processo Educacional?
[Itens a serem explorados] Perceber se o entrevistado se vê como sujeito ativo
no processo educacional ou apenas como um cumpridor de burocracias e
determinações da gestão.
[Perguntas auxiliares] Qual é o papel do professor para a educação?
Qual é o papel do professor para e na escola?
[Pergunta] Para você, o que ajuda a manter um ambiente agradável no trabalho?
[Itens a serem explorados] Identificar os aspectos positivos e/ou negativos no
ambiente profissional; compreender o “peso” da instituição escolar no processo
do desenvolvimentos do trabalho, como níveis de liberdade e opressão.
[Perguntas auxiliares] Como é a sua experiência na relação professor X
professor? E como ela deveria ser? O que esta relação contribui para o
desenvolvimento da educação e para o clima institucional? O que você
pensa sobre existir professores que não são concursados? Para você esta
prática é consequência do que? Você acha que as decisões pedagógicas
deveriam partir de quem? Quanto ao apoio pedagógico, o que você
entende sobre isso? Qual a importância? Por que? Na escola em que
você trabalha, existe apoio pedagógico? Os Diretores e vice-diretores
exercem liderança pedagógica na escola na qual você trabalha? Para
você, qual a importância da gestão escolar? Como é a sua participação
na elaboração dos programas pedagógicos?
[Pergunta] Você mudaria alguma coisa na Educação? O quê?
[Itens a serem explorados] Identificar a contribuição do professor na formulação
de políticas públicas.
[Pergunta] Você mudaria alguma coisa na Escola? O quê?
[Itens a serem explorados] Identificar a contribuição do professor na gestão
escolar.
137
3. Sobre Legislações que regulamentam a Educação brasileira
[Pergunta] Para você, quais são as principais Leis para a Educação?
[Itens a serem explorados] Verificar o conhecimento do entrevistado sobre as
leis que regem a Educação.
4. Sobre as Políticas Públicas para a Educação [nível de governo]
[Pergunta] Quais programas educacionais do governo você conhece? [O que acha
deles?]
[Itens a serem explorados] Identificar o conhecimento do entrevistado sobre as
ações governamentais; perceber como ele significa estas políticas.
[Perguntas auxiliares] Se você fosse um formulador de políticas públicas
educacionais o que você faria primeiro? Para você, quem deveria
formular as políticas públicas educacionais (Por que)? Você sabe como e
quem formula as políticas públicas educacionais?
5. Sobre as Políticas Públicas para a Educação [nível da gestão escolar]
[Pergunta] Quando surge um novo programa na escola, como você é informado?
[Itens a serem explorados] Identificar como o entrevistado percebe a conduta da
direção.
[Perguntas auxiliares] Você mudaria alguma coisa na forma como o
programa é comunicado? (se a resposta for sim) O que?
6. Sobre as Políticas Públicas para a Educação [nível implementação]
[Pergunta] Você se vê como um implementador de políticas públicas? Por que?
[Itens a serem explorados] Perceber a relação entre docência e servidor público.
[Perguntas auxiliares] Você se sente preparado para implementar
políticas públicas educacionais? [Se não se sente preparado perguntar o
que acha que seria necessário para esse preparo]
138
7. Sobre a Educação Integral
[Pergunta] Sobre as escolas que tem uma jornada ampliada para os alunos, qual
expressão seria mais apropriada utilizar: Educação de Tempo Integral ou
Educação Integral?
[Itens a serem explorados] Verificar como o entrevistado identifica a proposta
do Estado, pois este utiliza os dois termos e eles são diferentes;
[Perguntas auxiliares] Você acha que há diferenças entre estes dois termos? [Se
sim: perguntar quais]
[Pergunta] Sobre as atividades que são desenvolvidas no contraturno escolar, vou
ler uma relação de denominações, você pode apontar aquela que é mais utilizada
na sua escola?
a. ( ) Ações Educativas Complementares
b. ( ) Atividades Extracurriculares
c. ( ) Bairro Escola
d. ( ) Contraturno;
e. ( ) Educação Integrada;
f. ( ) Educação Integral;
g. ( ) Escola Integrada;
h. ( ) Jornada Ampliada;
i. ( ) Segundo Tempo;
j. ( ) Tempo Integral;
k. ( ) Turma Complementar;
l. ( ) Turma Integral; Turno Complementar;
m. ( ) Turno Contrário;
n. ( ) Turno Inverso
o. ( ) Outras __________________________
[Itens a serem explorados] Verificar se o entrevistado tem intimidade com
os termos oficiais da política federal; Verificar quais são as atividades que
são realizadas no “contraturno”
139
8. Sobre o PME
[Pergunta] Como você tomou conhecimento da adoção do Programa?
[Itens a serem explorados] Verificar a relação entrevistado X gestão X governo.
[Pergunta] Você participou do processo de planejamento para a implementação?
(Se sim: Como foi o processo? Se não: Por que, como você acha que deveria ter sido?
O que seria preciso ser feito para melhorar o planejamento de implementação?)
[Itens a serem explorados] Capacidade decisória no processo da ação da política
no ambiente escolar e liberdade diante da gestão.
[Pergunta] Na sua opinião qual foi o principal motivo para a adesão ao PME?
[Itens a serem explorados] Verificar se o motivo identificado pelo entrevistado,
é o mesmo estimulado pelo governo.
[Possibilidades de respostas] Experiências bem sucedidas em outros
lugares; Diagnóstico da realidade local; Política Pública Federal; Política
pública estadual; Política pública municipal; Proposta Pedagógica da
escola; Ideias de pensadores da educação; Proposta de Assessoria.
[Pergunta] Você sabe se o PME tem alguma base legal? Qual?
[Itens a serem explorados] Verificar se o entrevistado sabe que as políticas
possuem uma base legal; familiaridade com os processo burocráticos do Estado.
[Possibilidades de respostas] Lei Estadual; Lei Municipal; Lei Federal;
Decreto; Portaria; Determinação da Gestão; Incentivo/Programa de
ONGs; Incentivo/Programa de Empresas privadas; Incentivo/Programa
da comunidade.
[Pergunta] Você teve acesso aos materiais disponibilizados pelo MEC para auxiliar
na implementação do programa, como as sugestões de oficinas (Mandala, por
exemplo)?
[Itens a serem explorados] Verificar se todo o trabalho desenvolvido pelo MEC
está sendo utilizado para a implementação da política.
140
[Pergunta] O que você acha desse Programa?
[Itens a serem explorados] Expectativas e possíveis redesenhos.
[Perguntas auxiliares] O que você espera desse programa? Você mudaria
alguma coisa no programa? (Se não: Por que? Se sim: O que?)
[Pergunta] Como são as atividades desenvolvidas no contraturno?
[Itens a serem explorados] Identificar as características da implementação,
como pessoal suficiente, infraestrutura adequada; materiais disponíveis;
atendimentos às sugestões do MEC; satisfação dos alunos; impactos no
processo tradicional das aulas (resultados, como por exemplo: diminuição da
evasão escolar);
[Pergunta] Todas as atividades realizadas no contraturno são realizadas na escola?
[Itens a serem explorados] Ver se se confirma uma das maiores críticas ao
programa, de acordo com as pesquisas realizadas.
[Perguntas auxiliares] Se a resposta for não, perguntar o que o
entrevistado acha sobre isso.
[Pergunta] Quem são os responsáveis pela execução das atividades do contraturno?
[Itens a serem explorados] Ver se se confirma uma das maiores críticas ao
programa, de acordo com as pesquisas realizadas.
[Observação] Aqui entra a questão do Professor Concursado; Professor
Contratado; Agente Cultural; Voluntário; Estagiário; Estagiário bolsista;
Jovem Aprendiz; Funcionário de ONG.
[Perguntas auxiliares] 1) se as atividades forem executadas por
não professores do corpo docente = O que você pensa sobre
isso?; 2) se houver envolvimento de ONG = O que você pensa
sobre isso? Você sabe como se dá a organização e gestão a partir
da ONG e a relação com a diretoria da escola? Quem participa
das articulações? Quais são os êxitos? Existem conflitos? Quais?
141
[Pergunta] Como a gestão e/ou coordenação direciona as atividades?
[Itens a serem explorados] Verificar a autonomia da gestão e a autonomia dos
executores (Professor Concursado; Professor Contratado; Agente Cultural;
Voluntário; Estagiário; Estagiário bolsista; Jovem Aprendiz; Funcionário de
ONG)
9. Background
Sexo (identificado pela entrevistadora): [ ] FEM | [ ] MASC
Gênero:__________
Idade: ___________
Cor: ____________
Renda: __________
10. Assuntos polêmicos/atuais
[Pergunta] Têm atendimento psicológico na escola em que você dá aula? Você
conhece alguém que precisaria? Você acha que este atendimento é importante
(Por que?)
[Pergunta] O que você achou do movimento dos alunos secundaristas?
[Pergunta] Você já participou de alguma manifestação de rua na época de greve
dos professores?
[Itens a serem explorados] Verificar o nível de identificação com a categoria
dos professores.
[Perguntas auxiliares] Independente da resposta (sim ou não) perguntar
o porquê.
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