PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Jucimeri Isolda Silveira
PROFISSIONALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL:
Estatuto sócio-jurídico e legitimidade construída
no “modelo” de competências
DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL
SÃO PAULO
2013
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Jucimeri Isolda Silveira
PROFISSIONALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL:
Estatuto sócio-jurídico e legitimidade construída
no “modelo” de competências
DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL
Tese apresentada a Banca Examinadora, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em Serviço Social, sob a orientação da Profa. Dra. Raquel Raichelis Degenszajn.
SÃO PAULO
2013
Banca Examinadora
Proª Drª Maria Carmelita Yazbek
Profª Drª Aldaiza Oliveira Sposati
Profª Drª Marilda Villela Iamamoto
Profª Drª Esther Luíza de Souza Lemos
Profª Drª Raquel Raichelis Degenszajn (Presidente)
Com gratidão e amor
à minha avó, aos meus pais à Thaíse, à Laísa e à Marina
a meus irmãos e minha família ampliada
AGRADECIMENTOS
Porque a vida, a vida, a vida só é possível reinventada.
Cecília Meireles
Agradeço minha querida orientadora, Raquel Raichelis, por me transmitir
segurança, por perdoar meus “sumiços”. Foram grandes os aprendizados, muitas
trocas sobre trabalho e profissão. A sua sutileza ficou em mim, sua assertividade e
direção tornaram possível construir esta etapa da minha formação acadêmica.
Saiba da minha gratidão por me acolher, compreender minhas limitações e me
fazer sentir escolhida.
Meu agradecimento especial ao Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social, pelos aprendizados, pela oportunidade de concluir o doutorado,
especialmente aos mestres da minha caminhada como docente e militante: Maria
Carmelita Yazbek, José Paulo Netto, Marilda Iamamoto, Myrian Veras Baptista,
Maria Lucia Martinelli, Aldaisa Sposati, Marco Aurélio Nogueira. Um agradecimento
especial à generosa banca formada pelas professoras e companheiras Carmelita e
Elisabete Borgianni (Bete), com quem aprendi muito na militância do
CFESS/CRESS.
Aos meus queridos amigos Ilda e Luiz Witiuk, pelo “socorro” de última hora,
na revisão de meu trabalho, meu carinho especial. A prova da grande amizade,
afeto e companheirismo. Ildinha, muito obrigada pela força e pelos conselhos. Kel,
nossa assistente social internacional, obrigada pelo abstrat. Lembro-me bem
quando no Congresso Brasileiro, em Foz, você era minha interprete com David no
FITS. É evidente que na hora do aperto podemos contar com amigos. O melhor de
tudo é ter vocês em minha vida, nesta e em outras conquistas.
Foram tantas as ausências, mas também intervalos, menores do que
gostaria, para o carinho e o cuidado na educação de minhas filhas amadas. Thaíse
e Laísa, vidas da mãe, obrigada pela compreensão, por apoiarem minhas escolhas.
Espero que valorizem a dedicação da mãe na realização desse e de outros
projetos. Sou muito grata pelas filhas maravilhosas que tenho. Vocês me fazem a
mãe mais feliz do mundo!
Marina, minha amada, feliz descoberta na vida, que apoia e constrói os meus
e os nossos projetos. Agradeço por aguentar meu mau humor e minhas ausências,
pela referência protetora para a Lalinha. Sou grata por fazer parte de minha vida, e
pelas trocas e interlocuções tão significativas no universo do trabalho social.
Agradeço a mãe que tenho, pelo apoio de sempre nas minhas idas e vindas
em tantos lugares. Dona Jussara tem uma trajetória de vida que me fez mais crítica
e com utopias por percorrer. Conduziu-me sempre com amor e cuidado, aceitando-
me por inteira. Agradeço, também, ao meu pai, Leverci, pela determinação, pelo
apoio, por me permitir, com o tempo, ser eu mesma. Meus pais, apesar das
dificuldades, viabilizaram minha educação, entenderam momentos de fracasso e as
grandes vitórias. Sou feliz por isso!
Em cada conquista lembro-me de minha avó Erika Lehmert, pela luta,
ousadia, garra. Minha avó me faz mais forte, me ensinou a proteger, partilhar,
acreditar sempre e superar dificuldades. É meu espelho de vida, e grande
responsável por transmitir a paixão pelo Serviço Social.
Pela história de luta compartilhada, realizações e amor, agradeço meus
“manos”, Jucelma (Cel) e Leverci (Ci), com meu irmão compartilhamos um pouco
da vivência inesquecível do Colégio Estadual do Paraná, iniciamos juntos a
militância estudantil. Sua presença sempre me deixou segura mesmo quando
cuidava de você. Com minha irmã compartilhei a vida acadêmica no Serviço Social.
Nunca vou me esquecer do seu apoio, da sua presença significativa e do momento
em que escolhi definitivamente nossa profissão: quando acompanhei sua aula de
Política Social. Sinto-me um pouco em vocês, e sinto vocês em minha alma. São
tantas lembranças vivas e fortes em mim! Estendo o afeto aos meus queridos
cunhados (Ju, Sandro, Syl), sobrinhas(os) (Leti, Laurinha, Fer, Aninha, Lu, Camy,
Cadu, Dani), ao Hugo, que compartilharam de nossos melhores e mais lindos
momentos em família.
Às queridas amigas de PUCPR, Izabel, Ilda, Márcia, Solange, Zely, e querido
Cezar, por sermos um coletivo que resiste, construindo nosso projeto de profissão e
de Universidade. Aos meus queridos alunos e queridas alunas, por entenderem
minhas “trapalhadas” e por me apoiarem, mais do que mereço, pelas palavras de
incentivo. Às companheiras e amigas de projeto em defesa dos direitos de crianças
e adolescentes, Valéria e Silvane, meu carinho.
Agradeço com o mesmo carinho e gratidão às(aos) companheiras(os)
valorosas(os) de militância no CFESS/CRESS, pela defesa do projeto ético-político
profissional. Meu agradecimento aos(às) servidores(as) do CRESS, pelo apoio e
convivência de mais de 10 anos. Um carinho especial para Dara, Kel, Renata, Syl,
Dani, Lena, Juçara, Elias, Dione, Andrea e Rocio. Sou muito grata à Joaquina,
pelos ensinamentos no CFESS e em outros momentos tão importantes para minha
formação política. Meu carinho especial à Simone, Eutália, Ronaldo, Maria Helena,
Rosangela, Bete, Edval e Laura, pela convivência e luta em defesa da profissão.
Meu eterno reconhecimento e gratidão à “Odarka” (Odária), pela atitude
investigativa e competência ensinada, por me conduzir para o universo da
pesquisa. À Samira, à Sandra e ao Marcos pelas trocas e aprendizados coletivos.
Queridas amigas Telma (como aprendo com você!), Aninha, nossas amigas de
SETP, como sou grata pela convivência e luta! À Denise Colin, grande
companheira, “super” “supervisora” e amiga, sempre me apoiando, dividindo e
construindo. Você é nosso orgulho! Como esquecer de nosso tempo de construção
do SUAS no Paraná?
Agradeço aos assistentes sociais do “MDS”, Marcia Lopes, Maria Luiza,
Gisele, Luziele, Telma, Ana Paula, Ironi, Lea, José Crus (e sua grande equipe da
gestão do trabalho), Egli (in memoriam), Simone e Renato. Meu carinho à Cida e Eli
do FONSEAS, pelo aprendizado, construção conjunta e amizade. Vocês confirmam
minha convicção de que é possível disputar avanços políticos por dentro!
O mesmo carinho aos “novos” amigos no “SUAS” de Curitiba, Marcia, Erika,
Antônio, Paula, Kátia, Marina Bini, Marli, Angela, Marina Marson, Maria Tereza,
Rosangela, Alexandre, Simone Camargo, Mirele, Ana, Luiz, Luiz Henrique, além da
companheira de longa data, e minha primeira supervisora de estágio, Dara.
Queridos(as) colegas de trabalho do planejamento, agradeço por me acolherem
neste novo projeto e por prosseguirmos juntos(as) na consolidação do SUAS.
Meu profundo agradecimento a todas e todos que marcaram minha história
de vida pessoal, profissional e acadêmica. Aos trabalhadores sociais em luta
cotidiana pelos direitos, forjando processos políticos em direção a uma nova
cultura, o meu reconhecimento. São muitas lembranças e gestos que fizeram a
diferença em mim, me permitiram ser mais e ir além, entre a “a dor e a delícia” de
ser o que sou: assistente social.
RESUMO
A presente tese analisa a profissionalidade do Serviço Social brasileiro, a partir da revisão crítica de seus fundamentos históricos e teórico-metodológicos, e a construção do projeto ético-político profissional, com centralidade no estatuto normativo-jurídico, para a construção da especificidade e legitimidade profissional. Parte-se do entendimento de que uma profissão forja-se na constituição da sociedade, na dinâmica entre a interferência do Estado em resposta ao desenvolvimento do modo de produção e às tensões entre projetos de sociedade, assim como no constructo teórico, técnico e ético inerente a um projeto profissional que atende às necessidades sociais. A constatação principal é a de que a profissionalidade do Serviço Social é dinamizada pela fragilidade e legitimidade, demandando de suas organizações a vocalização e delimitação de suas atribuições na divisão social e técnica do trabalho. A constituição da profissionalidade legitimada foi configurada no contexto histórico de redemocratização e afirmação da cultura dos direitos, o que impulsionou novas requisições sociais e institucionais, significadas pela base teórico-metodológica e ético-política da profissão. A partir da crítica ao modelo de competências e sua incidência na educação e no trabalho, constata-se a tendência da profissão de construir referências/parâmetros que delimitem competências e atribuições em áreas específicas. Na presente tese foram examinados os Parâmetros de Assistência Social e Saúde, amplamente difundidos, como expressão da negação de “funções” e demarcação de prerrogativas. O estudo procura problematizar as principais interpretações do que seja o social, no âmbito da Teoria Social, assim como apresentar elementos que confirmem o predomínio de trabalhos sociais que são ultrageneralizadores de preconceitos e regras programadoras do social, sem com isso eliminar as possibilidades de potencializar valores latentes no cotidiano contraditório. O modelo de competências aplicado ao Serviço Social é insuficiente, especialmente no contexto de precarização da formação profissional, tendo em vista a dimensão fundamental da produção de conhecimentos e qualificação no processo de definição de competências e atribuições direcionadas eticamente. Palavras-chave: Profissionalidade, Serviço Social, Competências.
ABSTRACT
This thesis analyzes the Brazilian Social Work’s professionalism through a critical review of its historic, theoretical-methodological’s foundations, and the framing of its ethical-political profession project centralized on a legal and normative statute to set up the profession’s specificity and legitimacy. It comes from the comprehension that a profession is made up in the society constitution, in the dynamic between the State interference in response to the production mode development and the tension between society projects as well as in the theoretical, technical and ethical constructo inherent to a professional project that complies with social needs. The main finding is that the Social Work’s professionalism is dynamized by its fragility and legitimacy which demands from its organizations more visibility, vocalization and its attributions bound on social and technical Work’s division. The constitution of legitimacy of the professionalism was set in the historic re-democracy process and affirmation rights culture context that stimulated new social and institutional requests based on the theoretical-methodological and ethical-political professional foundations. From the critics to the skills pattern and its influence on education and work it’s possible to find a trend on the profession that is to make references and parameters that stake skills and attributions in specific areas. In this thesis were examined the Social Assistance and Health Parameters largely divulgated as an expression to deny “functions” and prerogatives delimitations. This study intends to question the main interpretations of what could be the social in the Social Theory as to present elements that seal the prevalence of social jobs that are highly generalizing of prejudice and programmed rules of the social, without thereby eliminating the possibilities of increase hidden values on the contradictory routine. The skills pattern applied to Social Work is unsatisfying particularly in the disqualified professional training context under perspective of central dimension of knowledge production and qualification on the skills setting process and attributions ethically orientated. Key-words: professionalism, Social Work, skills
LISTA DE SIGLAS
AASPTJSP Associação dos Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de
Justiça de São Paulo.
ANAS Associação Nacional de Assistentes Sociais.
ABESS Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social.
ABEPSS Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social.
CBO Classificação Brasileira de Ocupações.
CEDEPSS Centro de Documentação e Pesquisa em Políticas Sociais e
Serviço Social.
CFESS Conselho Federal de Serviço Social.
CNAS Conselho Nacional de Assistência Social.
COFI Comissão de Orientação e Fiscalização.
CRAS Centro de Referência de Assistência Social.
CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social.
CRESS Conselho Regional de Serviço Social.
ENESSO Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social.
FMI Fundo Monetário Internacional.
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísitca
LOAS Lei Orgânica de Assistência Social.
NOB - RH/SUAS Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema
Único de Assistência Social.
SUAS Sistema Único de Assistência Social.
PACS Programa de Agentes Comunitários de Saúde.
PNAS Política Nacional de Assistência Social.
PSF Programa de Saúde da Família.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO................................................................................................................................11
1.1 QUESTÕES PRELIMINARES SOBRE PROFISSÃO..............................................................13
1. 2 CONTEXTUALIZAÇÃO E CONSTRUÇÃO DA TESE.............................................................16
2. REVISÃO CRÍTICA DA PROFISSIONALIZAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL...................................32
2.1 SERVIÇO SOCIAL E POLÍTICA SOCIAL: HIBRIDISMO E RELAÇÃO FUNCIONAL.............36
2.2 BASES SÓCIO-HISTÓRICAS DA IDEOLOGIZAÇÃO CONSERVADORA: CRÍTICA E
IMPLICAÇÕES RECENTES NO SERVIÇO SOCIAL.....................................................................43
2.3 AS ULTRAGENERALIZAÇÕES NO TRABALHO SOCIAL: IMPLICAÇÕES TÉCNICAS E
ÉTICAS...........................................................................................................................................53
2.4 PROFISSÕES: REVISÃO TEÓRICA DA CONSTRUÇÃO SOCIAL DO
SABER/PODER..............................................................................................................................57
2.5 CONCEITUAÇÕES DO SERVIÇO SOCIAL COMO PROFISSÃO E DISCIPLINA DO
CONHECIMENTO..........................................................................................................................63
2.5.1 Serviço Social como especialização do trabalho coletivo...................................................65
2.5.2 Profissionalização e estrutura sincrética do Serviço Social................................................71
2.6 A CONCEITUAÇÃO DA PROFISSÃO PELA MEDIAÇÃO DO PROJETO ÉTICO-
POLÍTICO.......................................................................................................................................79
3. ATUAÇÃO PROFISSIONAL NO “SOCIAL”: MATRIZES TEÓRICAS E PROFISSÕES..............84
3.1 O SOCIAL “COESO” E O TRABALHO INTEGRADOR............................................................86
3.2 AÇÃO SOCIAL MOTIVADA POR VALORES ..........................................................................92
3.3 SOCIEDADE CONTRADITÓRIA E PROJETO ÉTICO-POLÍTICO: TOTALIZANDO A
ANÁLISE DO “SOCIAL”.................................................................................................................95
4. A CONSTRUÇÃO DA PROFISSIONALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL......................................102
4.1 PROFISSIONALIZAÇÃO E IMPLICAÇÕES VALORATIVAS NAS PRIMEIRAS
REGULAÇÕES: O SOCIAL “AJUSTÁVEL”..................................................................................103
4.2 A MONOPOLIZAÇÃO DO SABER E DO FAZER NO SOCIAL: O SIGNIFICADO DA
PRIMEIRA REGULAMENTAÇÃO................................................................................................108
4.3 IMPLICAÇÕES POLÍTICAS E “EPISTEMOLÓGICAS” NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO
ASSISTENTE SOCIAL: NOVO PERFIL, NOVAS “COMPETÊNCIAS”........................................113
4.4 CONTEXTO REFORMISTA E AS DIRETRIZES CURRICULARES......................................121
4.5 LEGITIMIDADE SOCIAL CONSTRUÍDA...............................................................................127
5. TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E A EDUCAÇÃO POR COMPETÊNCIAS: A
NOVA CONDIÇÃO DE “COLABORADOR” E A INDIVIDUALIZAÇÃO DO TRABALHO..............130
5.1 O FETICHE DA CONCORRÊNCIA E O “DARWINISMO” NO MERCADO............................134
5.2 NOÇÃO DE COMPETÊNCIA E A INDIVIDUALIZAÇÃO DO TRABALHO.............................137
5.3 O “MODELO” DE COMPETÊNCIAS NA EDUCAÇÃO.. ......................................................141
5.4 A CERTIFICAÇÃO PROFISSIONAL PELO MODELO DE COMPETÊNCIAS.......................147
5.4.1 Certificação das ocupações profissionais.........................................................................149
6. PROFISSIONALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL CONTEMPORANEO: LEGITIMIDADE PELA
MONOPOLIZAÇÃO DE COMPETÊNCIAS......................................................................................153
6.1 A MONOPOLIZAÇÃO DO “SABER-FAZER”: COMPETÊNCIAS DO ASSISTENTE
SOCIAL........................................................................................................................................156
6.2 SERVIÇO SOCIAL E ASSISTENCIA SOCIAL.......................................................................162
6.2.1 Requisições do SUAS e direção ético-política..................................................................170
6.3 SERVIÇO SOCIAL E SAÚDE................................................................................................178
6.3.1 Direcionamentos ético-políticos na saúde.........................................................................183
6.4 A CONSOLIDAÇÃO DO MODELO DE COMPETÊNCIAS NO SERVIÇO SOCIAL...............189
ANÁLISES CONCLUSIVAS.............................................................................................................195
REFERÊNCIAS.................................................................................................................................205
ANEXO A – GRÁGICO 1: DISTRIBUIÇÃO DE CURSOS DE SERVIÇO SOCIAL POR
REGIÃO.............................................................................................................................................214
ANEXO B – GRÁFICO 2: GRADUAÇÃO PRESENCIAL E A DISTÂNCIA POR REGIÃO.............215
ANEXO C – TABELA 1: BASE NORMATIVO-JURÍDICA DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL........216
ANEXO D – QUADRO 1: ATIVIDADES CBO..................................................................................217
ANEXO E – LISTA DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS ........................................................220
11
1 INTRODUÇÃO
Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos. As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei.
Carlos Drummond de Andrade
A construção da presente tese apresentada junto ao Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo -
PUCSP, não teve a pretensão de se constituir em estudo sobre a história da
profissão, cuja abordagem teórico-metodológica exigiria um aprofundamento de
aspectos centrados no registro e na análise cuidadosa de sujeitos significativos,
eventos, produções relevantes na área.
O que me moveu como pesquisadora foi o reconhecimento das tendências
históricas que convivem no bojo da disputa de projetos profissionais, no processo de
construção da materialidade da direção social construída no Serviço Social, partindo
da emergência do projeto ético-político profissional até suas implicações mais
recentes, sobretudo nas tentativas de delimitar atribuições privativas.
O caminho metodológico percorrido no processo de construção do objeto foi
direcionado por uma postura teórico-metodológica oposta às tendências reificantes e
pretensamente desmobilizadoras, “ideologizadas” pelo fetiche do capital
(IAMAMOTO, 2007), da alienação “desumanizante”, do aprisionamento na empiria
do tempo presente.
Procuro partir da compreensão da dialética entre sujeitos sociais e contextos
sociopolíticos dinâmicos, do papel reflexivo e criador dos sujeitos individuais e
coletivos historicamente inscritos nos espaços sociais configurados por relações de
poder. Assim, conhecimento produzido também se constitui numa verdade parcial
construída no contexto da sua realização, sendo uma totalização aproximada e
elaborada a partir das opções teórico-metodológicas, conduzidas por concepções
ideo-políticas em disputa.
Comparece como elemento estruturante das escolhas epistemológicas o
enraizamento social (o que certamente conduziu a delimitação de preocupações
12
circunscritas nos aspectos que condicionam e movimentam o posicionamento de
uma profissão na divisão social e técnica do trabalho), especialmente por minha
inserção no conjunto CFESS/CRESS, no exercício da docência e na atuação
profissional na política de assistência social, particularmente no campo da chamada
gestão do trabalho.1
O processo investigativo direcionou-se pela apreensão do significado social
da profissão, centralmente em sua institucionalidade, atribuições e competências,
em resposta ao movimento de requisições sociais e definições orientadas pelo
projeto político hegemônico na profissão, o que exigiu totalizações em torno da
relação complexa entre exercício profissional e realidade mais ampla. Tal
compreensão, obviamente, se contrapõe às lógicas formais, essencialmente
descritivas, comparativas e analíticas, e busca construir mediações intelectivas
críticas no confronto com a realidade particularizada e totalizada em suas múltiplas
determinações.
A construção do percurso metodológico procurou acompanhar o método
crítico-dialético, que procura saturar as contradições da realidade pela elucidação do
conjunto de suas relações existentes na realidade, numa perspectiva de totalidade e
historicidade, na passagem do abstrato ao concreto reproduzido no pensamento
crítico (MARX, 1978). Processualidade construída por mediações que permitem
analisar o concreto real, para além das aparências fenomênicas, na identificação dos
aspectos que tensionam a realidade contraditória. Assim, o movimento do
pensamento na realidade foi movido pelas tentativas de apreender as determinações
gerais do objeto delimitado, a análise das singularidades empíricas, na direção da
particularidade histórica. Evidente que foram totalizações parciais circunscritas nas
vivências, no conhecimento acumulado e sistematizado no Serviço Social, o que me
permitiu transitar no caldo cultural da profissão e dialogar com as interpretações
correntes nas Ciências Sociais sobre profissão.
1 A inserção no conjunto CFESS/CRESS entre 1998 e 2010, sem dúvida possibilitou aprendizados e atuações importantes para a análise da profissão por dentro de suas organizações. Mas outras experiências, para além da prática da docência desde 2001, são fundamentais para pensar sobre a dinâmica de uma profissão, particularmente na assistência social. Minha experiência de sete anos de gestão estadual orientando a implantação dos serviços e o trabalho nas funções de gestão e de intervenção no âmbito dos serviços nos marcos da implantação do Sistema Único de Assistência Social, a atuação como consultora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, por dois anos, em gestão do trabalho, e a recente experiência como Superintendente na política de assistência social de Curitiba, possibilitaram e possibilitam igualmente grandes aprendizados, principalmente no contato direto com os dilemas e perspectivas do trabalho social.
13
1.1 QUESTÕES PRELIMINARES SOBRE PROFISSÃO
A escolha da categoria analítica profissionalidade tem por objetivo dar
movimento à concepção de profissão na realidade social. Os elementos que
condicionam um processo de profissionalização estão diretamente relacionados ao
movimento dinâmico entre a base econômico-social e a atividade regulatória do
Estado. Nesta relação, sobressaem as organizações da sociedade que requisitam
respostas técnicas e as que monopolizam saberes. Assim, as interpretações
funcionalistas ou interacionistas2 comparecem com maior vigor e encontram
acolhimento no modo de organização das instituições que fragmentam as
especialidades na mais pura aplicação positivista da parte que desenvolve o todo.
Do mesmo modo as interpretações weberianas baseadas na compreensão
dos traços típicos de uma profissão sustentada na tradição, assim como dos
recursos burocráticos que condicionam a existência e o funcionamento de uma
profissão, são igualmente insuficientes para a análise da dinâmica movida e
movente de uma dada especialidade, de um saber técnico. Tal interpretação
encontra grande respaldo na particularidade brasileira, a exemplo das profissões
tradicionais como Medicina e Direito, fundamentadas na cultura patrimonialista. São
profissões que se utilizam menos dos recursos institucionais de auto-representação
ou controle, pelo enraizamento cultural favorável ao poder acumulado, e mais da
imagem construída socialmente.3
2 Interacionismo é uma perspectiva teórica que valoriza a interação entre o indivíduo e a cultura. Para Vygotsky, a inserção do indivíduo no meio cultural é fundamental para o desenvolvimento. O interacionismo simbólico é uma abordagem sociológica das relações humanas, que dimensiona o papel da interação social, dos significados particulares trazidos pelo indivíduo à interação formada, assim como os significados obtidos na interação. Sua origem se dá na Escola de Chicago, sendo bastante aplicada na microssociologia e na psicologia social. Ampliando a análise interacionista hegeliana, a interação é social e tem significado motivado. Autores originários do pragmatismo se destacam, como George Herbert Mead, Herbert Blumer e Charles Cooley. Blumer, cunhou o termo "interacionismo simbólico", evidenciando que os indivíduos agem em relação às coisas baseando-se no significado que as mesmas têm para eles. Os significados são produzidos na interação social e modificados por sua interpretação. A abordagem construtivista de Jean Piaget também é muito utilizada na análise do papel da educação na formação cultural e do próprio indivíduo. (http://pt.m.wikipedia.org/wiki.Interacionismo_simb%25C3%25B3lico).
3 O ato médico, Projeto de Lei nº 268/2002, é exemplo da tardia definição da atribuição privativa da medicina. Processo natural e de direito das organizações médicas, interpretado como ato “autoritário” para as demais organizações de saúde, considerando a polêmica definição da responsabilidade exclusiva da medicina no diagnóstico, com abertura para a odontologia. No caso
14
As interpretações clássicas, baseadas especialmente em Parsons,
correspondem à limitada análise da organização das funções profissionais, diante do
acelerado desenvolvimento capitalista. A lógica funcionalista é simples: quanto mais
definidas e desenvolvidas forem as funções e os papéis sociais e das instituições,
mais o sistema desenvolve.
Da Escola de Chicago emanaram (a partir principalmente da década de
1950), interpretações de grande difusão e incorporação nas Ciências Sociais e nas
instituições de modo geral, pela aplicação do fundamentalismo liberal na
administração e economia, impactando na interpretação do papel das profissões,
com destaque para o intelectual orgânico da burguesia, Milton Friedman. É neste
contexto cultural e sócio-político que interpretações sobre o papel das profissões são
produzidas, a exemplo de Eliot Freidson.4
A abordagem freidsoniana das profissões enfatiza a construção social como
elemento estruturante. A partir da noção de construção social e instituição,
sobressaem interpretações como monopólio e autonomia, dimensões fundamentais
do surgimento e desenvolvimento de uma profissão na complexa relação entre
cultura, sociedade e profissão. Localizo nesta perspectiva teórica uma evidente
interpretação institucionalista que pode, em alguns aspectos, comparecer nas
conceituações do que seja a profissão na contemporaneidade, e ser identificada na
construção das estratégias organizativas, particularmente dos conselhos
profissionais, mas também de órgãos estatais, que procuram delimitar
do direito há uma aplicação dos seus saberes monopolizados no âmbito do conjunto das estruturas do Estado e demais setores, portanto, sua aplicação dependente de um operador nas tratativas burocráticas da vida social.
4 A Escola de Chicago é uma escola de pensamento econômico de grande influência teórica e política a partir da década de 1950. Destacam-se expoentes como George Stigler e Milton Friedman, ambos premiados com o Nobel de Economia. Suas ideias refutam o keynesianismo e dimensionam o liberalismo, com ênfase aos estudos estatísticos e menos à Teoria Econômica. Do ponto de vista político as teorias embasaram a economia autocrática de Pinochet no Chile na década de 1970, de Margaret Thatcher, em 1980, Ronald Reagan nos Estados Unidos, na mesma década. As teorias incidiram nas políticas dos organismos internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, com repercussões que resultaram no fundamentalismo do livre mercado e da redução do Estado, propagando-se um receituário expresso pelo Consenso de Washington. Em 1989 ocorreu na capital dos Estados Unidos da América um encontro entre funcionários dos Estados Unidos da América e organismos financeiros (FMI, BM, BID) e um grupo de economistas latino-americanos. Tal encontro, intitulado Latin American Adjustment: how much has happened?, tinha por objetivo avaliar as políticas econômicas latino-americanas e propor ajustes, diante da crise da dívida externa, que se converteram em recomendações como: privatização de empresas estatais; austeridade fiscal; câmbio competitivo; abertura ao investimento estrangeiro; liberalização de mercados financeiros e de capitais.
15
especificidades, resultando na monopolização de saberes, com efeitos que
potencializam a legitimidade social.
Pierre Félix Bourdieu se destaca entre os teóricos contemporâneos pela
conjugação de conceitos considerados inovadores na interpretação de uma
profissão, a exemplo do poder simbólico e da formação de um campo de poder, com
regramentos de entrada e permanência, dinamizados na disputa entre ortodoxia e
heterodoxia pela direção do próprio campo. Violência simbólica e habitus são
algumas das categorias empregadas na crítica das profissões, análise
tendencialmente estruturalista, pela premissa da predisposição dos indivíduos serem
mais estruturados do que estruturantes, quanto aos efeitos praxiológicos na
sociedade, ressaltando a questão da dominação. Sobressai na proposta teórica em
Bourdieu, a reprodução de classes pela escola, com efeitos na distinção social,
definindo-se o lugar social das profissões, sobretudo pela origem de classe.5
Em Bourdieu as estruturas são construídas socialmente assim como os
esquemas de ação e pensamento, denominados de habitus. Para superar a
polarização entre a física dos fatos sociais e as interpretações abstratas e afastadas
da estrutura, as relações são apreendidas em sua dialética. Ou seja, as estruturas
objetivas configuram representações e ações dos agentes, que podem transformar
ou conservar as mesmas estruturas.
Tal interpretação teórica procura analisar as profissões em sua dinâmica
movida por interesses dominantes de consenso e de coerção, com produção de
signos simbólicos e generalização de práticas sociais que atribuem legitimidade
social. Entretanto, a interpretação teórica de Bourdieu, embora com grande
repercussão nas Ciências Social, é insuficiente para a análise de uma profissão
5 Bourdieu pode ser identificado como um estruturalista com tendência ao ecletismo. O autor é tributário da tradição francesa, influenciado, em parte, pela matriz positivista. Sua obra permite identificar, ainda, aproximações em Weber e na fenomenologia, assim como em Marx. Suas incursões dificultam um “enquadramento” epistemológico, já que apresenta elementos do objetivismo e do subjetivismo. Bourdieu, se autodefinia como um construtivista estruturalista ou estruturalista construtivista, por admitir que existem, no mundo social, estruturas objetivas que podem dirigir, coagir a ação e a representação dos indivíduos, chamados agentes. A verdade da interação nunca está totalmente expressa na maneira como ela se apresenta imediatamente. Bourdieu concentra suas análises na forma como os agentes incorporam a estrutura social, ao mesmo tempo em que a produzem, legitimam e reproduzem. Neste sentido se pode afirmar que ele dialoga com o Estruturalismo, assim como aborda a autonomia dos agentes. Bourdieu, então, se propõe a superar tanto o objetivismo estruturalista quanto o subjetivismo interacionista. Entretanto, apresenta elementos das duas abordagens teóricas.
16
considerando sua relação com as determinações de uma sociedade de classe,
dinamizada por projetos em disputa. 6
Após a releitura das interpretações principais matrizes teóricas sobre
profissão, cabe assinalar que no caso do Serviço Social, para interpretar o sentido
da profissionalidade, parti das interpretações clássicas e ao mesmo tempo
contemporâneas, de Marilda Villela Iamamoto e José Paulo Netto, num contexto de
efervescente polarização das análises políticas sobre a crise ou ameaça ao projeto
ético-político profissional diante da precarização da formação e do exercício
profissional.
1.2 CONTEXTUALIZAÇÃO E CONSTRUÇÃO DA TESE
No caso do serviço social as conceituações em torno do que seja o projeto
ético-político passam a exercer uma “função” agregadora das diferentes
interpretações sobre a profissão em sociedade. A análise sobre a escassa, ao
mesmo tempo consistente, produção sobre o Serviço Social (como objeto) permite
reconhecer a prevalência da crítica à era dos monopólios no desenvolvimento
capitalista e o “peso forte” do Estado, e no interior dele as classes conduzidas por
projetos societários, na produção das condições de materialização do projeto. Foi
importante para o desenvolvimento da tese, identificar conteúdos contemporâneos
que associam o rigor teórico-metodológico “marxiano” (originalmente em Marx) com
6 Para Bourdieu, o polo dominante na disputa de interesses em jogo, tende à ortodoxia e o polo dominado à heterodoxia no campo. Tal divisão é caracterizada como a disposição de práticas na direção da conservação do capital social e na desestabilização do capital legítimo para a conformação de novas regras e mudanças na formatação das relações de poder. Na análise do autor, de forma contraditória, a heterodoxia acaba contribuindo no reforço à ordem do campo. De outra face, a ortodoxia tende a capilarizar instituições e bens simbólicos na organização do campo para manter seu capital legitimado, bem como o adensamento da institucionalidade construída. Ao analisar as contribuições teóricas de Bourdieu, Ortiz (1983, p. 22) argumenta que a distinção entre ortodoxia e heteredoxia manifesta a oposição entre dominantes e dominados, cabendo ao polo dominante correspondente à ortodoxia a preservação do capital social acumulado. Lógica situada na prática dos agentes situados junto à ortodoxia. Estes procuram “preservar sua posição, secretar uma série de instituições e de mecanismos que assegurem seu estatuto de dominação”. O polo dominado tende a pôr em descrédito o capital legitimado. O campo é, portanto, o espaço de consenso e luta entre os atores sociais que o compõem. Assim sendo, as mudanças no interior do campo vão depender das relações estabelecidas no percurso histórico no exercício do poder analisado como atributo das relações. (BOURDIEU, 1996).
17
propostas institucionalistas, revelando incompletudes analíticas, ou mesmo adoção
do modelo hegemônico da formação e organização do trabalho por competências.
A dificuldade em conceituar a profissão Serviço Social está relacionada com
sua natureza? O modelo de competências previsto na legislação e nos parâmetros
responde às dificuldades e fragilidades em precisar o conteúdo próprio da profissão
na divisão social e técnica do trabalho? Essas são algumas das questões que
acompanharam o desenvolvimento da tese.
Quanto ao modelo de competências, que influencia diferentes concepções
sobre profissões, o mesmo possui raízes neofuncionalistas ajustadas à base ideo-
política do modo de produção capitalista, condicionando a dinâmica meritocrática na
disputa positiva entre as profissões por um “lugar” na divisão social e técnica do
trabalho. A educação e a organização do trabalho por competências repercutem
diretamente nas profissões, que passam, inclusive, a adotar o mesmo “método” de
definição do fazer profissional, servindo de base para a construção social das
“barreiras” entre as profissões. Muito embora o Serviço Social tenha reconstruído as
competências na formação e na regulação do exercício profissional, há que se
reconhecer a incidência deste modelo e os riscos na sua difusão.
Este campo de aproximações e problematizações compôs a trajetória de
construção da presente tese, e só reforçou o entendimento da profissão construída
socialmente, ao tempo em que a formação profissional e a adesão consciente aos
propósitos ético-políticos, mobilizados por organizações profissionais, possuem
relevância nos direcionamentos da profissionalidade.
O projeto original de tese previa como problema central de pesquisa: como se
constitui historicamente a profissionalidade do Serviço Social no Brasil, tendo em
vista a construção de sua legitimidade na sua relação com as políticas sociais,
particularmente a assistência social, considerando a gênese e consolidação da
profissão, e a demarcação teórica e política das especificidades, no bojo do debate
contemporâneo sobre a desregulamentação do trabalho em geral e a precarização
da profissão.
Comparecia no problema original a relação sincrética entre Serviço Social e
assistência social, mas com centralidade nos atributos essenciais que permitem a
legitimidade profissional, num contexto de polarização teórico-política na profissão,
18
considerando, ainda, os desafios regulatórios e políticos, que podem aprofundar as
exigências e requisições para um exercício profissional.
A relação entre Serviço Social e assistência social possui desdobramentos
históricos, entre a negação e a reconstrução de seu significado, resultando,
inclusive, na sua inscrição na Seguridade Social como política não contributiva,
quando recebeu atributos de política pública de Estado. Na atual conjuntura,
assistentes sociais são desafiados ao enfrentamento plural de grandes polêmicas
sobre a política de assistência social, em especial por seus traços de
neoconservadorismo, ao tempo em que expressa uma das maiores inovações em
gestão nas últimas décadas. A expansão significativa de profissionais, não apenas
do Serviço Social, demanda estudos que apreendam as implicações do paradoxo
entre a reconfiguração do trabalho e das funções da gestão pública nos marcos do
Sistema Único de Assistência Social – SUAS, e a incidência expressiva de
assistentes sociais formados na lógica “fordista” para atender pragmaticamente à
ampliação deste campo.
Desde o princípio, independente do recorte na assistência social, prevaleceu
como interesse investigativo o aprofundamento teórico da profissionalidade do
Serviço Social, entre os fundamentos e a atualidade; as regulações inconclusas na
demarcação das atribuições privativas e das competências, particularizando a
inserção privilegiada nas políticas sociais, a partir dos direcionamentos produzidos
pela profissão.
Novas questões foram comparecendo no aprofundamento da tese,
especialmente: Como se configura o exercício profissional na atualidade,
considerando a natureza de seus processos interventivos, condições éticas e
técnicas, demandas por direitos nos espaços sócio-institucionais, tendo em vista,
ainda, os processos e marcos regulatórios fundamentais da profissão, bem como
sua aplicabilidade num contexto de precarização da formação e de reconfiguração
da própria profissão?
No percurso metodológico de construção da tese, novas rotas foram traçadas.
Como sondagem exploratória, nas primeiras aproximações empíricas, apliquei um
questionário junto à Comissão de Orientação e Fiscalização – COFI, do Conselho
Regional de Serviço Social – CRESS 11ª Região PR, com o objetivo de sondar
demandas e tendências vocalizadas pela categoria. Alguns resultados confirmam as
19
problematizações da tese: o aumento significativo de inscritos ativos, já que na
década de 1990 eram 991, em 2000, totalizaram 2.023 e em 2012, 6.178; a
diversificação das áreas de atuação dos inscritos ativos de 2010, sobressaindo as
Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais - APAE, com 53 registros, Centros
de Referência de Assistência Social – CRAS, com 58 registros e Centros de
Referência Especializados de Assistência Social – CREAS, com 13 registros,
Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural – EMATER, com 25,
e uma pulverização de registros entre prefeituras, entidades sociais, hospitais, entre
outros. Quanto aos inscritos ativos em 2010, egressos de ensino a distância,
destacam-se aqueles que informaram sua área de atuação, num total de 555
inscritos: 234 atuam na assistência social; 65 na área da criança e adolescente; 97
na saúde; 49 na educação; 15 informaram que atuam na administração pública e 49
identificaram apenas como Serviço Social.
Evidente que o sistema de registro profissional revela insuficiências que
dificultam análises aprofundadas sobre a configuração dos espaços ocupacionais,
mas podem revelar tendências importantes como a incidência significativa de
profissionais inscritos inseridos nas políticas sociais, confirmando a legitimidade
profissional. São conselheiros tutelares, gestores de assistência social, educadores
e outros servidores que buscam a formação na área, diante das facilidades dos
cursos na modalidade à distância.
Nesta aproximação empírica foi possível constatar, ainda, que entre as
violações do Código de Ética do Assistente Social, sobressai num universo de 301
casos pesquisados entre 1999 e 2009 pela Comissão de Ética do CRESS Paraná, a
violação ao Artigo 3º, alínea a - “desempenhar suas atividades profissionais, com
eficiência e responsabilidade, observando a legislação em vigor”; e Artigo 4º, alínea
b - “praticar e ser conivente com condutas antiéticas, crimes ou contravenções
penais na prestação de serviços profissionais, com base nos princípios deste
Código, mesmo que estes sejam praticados por outros/as profissionais”. Sobressai,
portanto, a exigência do compromisso ético com a competência e aprimoramento
intelectual, assim como o posicionamento em defesa dos direitos humanos.
No desenvolvimento da sondagem foi possível confirmar como principais
demandas por orientação e fiscalização questões relativas às competências e
atribuições privativas, especialmente na elaboração de estudos e pareceres, além
20
das dificuldades em delimitar atividades em equipes multiprofissionais, e na relação
interinstitucional, notadamente entre o Judiciário e a assistência social.
Não obstante a riqueza de informações obtidas nas incursões por dados
empíricos, que poderiam ser ampliados e comparados em relação aos demais
CRESS, configurando um estudo exploratório, a banca de qualificação sugeriu a
delimitação do campo empírico particularizado nas legislações que relacionam
exercício profissional com o modelo de competências no trabalho. Assim, percorri o
universo das regulações que especificam “funções”, formação e exercício de
competências profissionais, até as mais recentes publicações que atribuem sentido
em espaços ocupacionais como assistência social, saúde, educação e sócio-jurídico.
Neste sentido, a presente tese tipifica-se como uma pesquisa exploratória, por
ter permitido uma aproximação acerca da temática “profissão” no âmbito das
Ciências Social. Ao mesmo tempo pode ser considerada uma pesquisa teórica
(Gonsalves, 2003), que tem como metodologia central a análise documental sobre a
legislação profissional. A pesquisa teórica concentrou-se na análise de produções
fundamentais de José Paulo Netto e Marilda Villela Iamamoto. Tal centralidade
justificada-se pela ampla assimilação de suas “teses” sobre a profissão, e
fundamentação basilar da formação e do exercício profissional na
contemporaneidade, conformando particularidades teóricas que se complementam e
se antagonizam quanto à delimitação do que seja a própria profissão.
A leitura aproximada da historicidade do Serviço Social reconhece que a
história em si não guarda uma intencionalidade imanente, independente da atividade
dos sujeitos sociais. Os projetos societários, relacionados à luta de classes, portanto
em disputa por adesão social, surtem um efeito determinante na constituição do ser
social. Ou melhor, incidem nas práticas dos sujeitos, movidos por necessidades
concretas, de modo que os espaços sociais, tecidos por disputas, relações de
consenso e coerção, forjam-se na dinâmica contraditória da história, na tensão entre
liberdade posta como horizonte e determinações concretas.
Os caminhos percorridos pela profissão, partindo-se do pressuposto de que o
Serviço Social é resultado das relações entre as classes e destas com o Estado, na
progressiva regulação e resposta institucional à questão social, não se justificam ou
se explicam pela visão “endógena” da atuação de indivíduos singulares e de fatos
relevantes relacionados.
21
A profissão é movida pela atuação do seu coletivo, o que dá um sentido
ontológico às práticas que percorrem as possibilidades cotidianas para a
materialização de princípios ético-políticos da profissão. Isto porque, o assistente
social, assim como os demais sujeitos, atua com consciência, considerando as
possibilidades e limites concretos, com potencial transformador da realidade
cotidiana.
Ter a própria realidade social como substrato de atuação requer, entre outros
aspectos, a compreensão da relação entre determinações sócio-históricas e
respostas sócio-institucionais; a análise das particularidades dos padrões de
regulação social nos períodos de desenvolvimento do capitalismo. Nessa relação
ficou convencionado, acertadamente, localizar o Serviço Social como uma profissão
inscrita nas relações sociais contraditórias, cujos objetos são as expressões da
questão social, sendo esta resultante do conflito entre o capital e trabalho,
expressão de desigualdade, além de respostas institucionais parciais, resistência e
organização na vocalização das demandas do trabalho.
As análises dos fundamentos históricos e da incidência de matrizes teórico-
metodológicas no Serviço Social partem do pressuposto de que a profissão é um
subproduto da realidade social, o que coloca limites institucionais e políticos para o
exercício profissional, bem como possibilidades concretas na construção de
mediações capazes de interferir na dinâmica institucional, a partir da direção social
que hegemoniza a profissão, disputada pelos projetos societários, que são
orientados por concepções ideo-políticas diversas.
A intencionalidade do estudo foi capturar o processo de construção da
profissionalidade do Serviço Social no contexto de “hegemonização” do chamado
projeto ético-político profissional (NETTO, 1999), partindo-se dos determinantes e da
crítica ao processo de profissionalização do Serviço Social. Colocou-se como
intenção a análise da relação imbricada entre dois complexos ou duas dinâmicas: as
demandas socioinstitucionais configuradas na contradição entre afirmação da
programática neoliberal e implementação dos direitos constitucionalizados pelo
processo de regulamentação e implantação das políticas sociais (instâncias de
participação, serviços, instrumentos, etc); e as respostas profissionais face ao
conflito entre atualização do pragmatismo e afirmação da direção social, orientada
pelo projeto ético-político.
22
O contexto recente de construção da hegemonia do projeto ético-político
profissional configurou uma cultura favorável à produção de instrumentos jurídico-
normativos no âmbito da profissão, com difusão de conhecimentos produzidos a
partir da organização dos programas de pós-graduação, o que de fato não anulou as
investidas tradicionais no exercício profissional. Ou seja, construiu-se uma nova
hegemonia que posiciona o Serviço Social no campo dos direitos, o que não
significa ter anulado as práticas conservadoras que convivem no âmbito profissional.
A intencionalidade projetada era de superar a representação aparente da
profissão, “desocultando” suas contradições internas por aproximações sucessivas e
totalizantes. Para tanto, alguns percursos teóricos e empíricos foram necessários, na
finalidade primeira de, partindo do debate acumulado sobre a crítica ao
conservadorismo, no contexto da profissionalização do Serviço Social, analisar o que
é a profissão, em sua natureza interventiva, na relação entre os fundamentos e o
projeto ético-político profissional, pelas indicações políticas, éticas e técnicas, e o
movimento regulatório do exercício profissional.
Alguns elementos nortearam parte das análises sobre o Serviço Social: a
relação entre profissão e demandas sócio-institucionais no campo dos direitos
considera, em oposição às formas clássicas de assistir e controlar, a crítica à
formação social brasileira e suas implicações recentes; o processo de realização dos
direitos e das políticas sociais; tendência pragmática e afirmativa da cultura política
conservadora nos processos interventivos, na contracorrente do direcionamento
ético-político que responde às necessidades históricas.
A tessitura desta relação sociedade/profissão exige o reconhecimento do
caldo cultural conservador proclamado como “pós-moderno”, com desdobramentos
teóricos, políticos e interventivos. Outra preocupação investigativa foi a evidente
fragilidade institucional como elemento constitutivo da profissão, dada à produção de
parâmetros normativos que pretendem dizer o que não constitui a profissionalidade;
a demanda por uma definição mais precisa do que sejam as atribuições privativas; e
a frágil relação entre competências profissionais e princípios éticos, na “aplicação”
da legislação pelos profissionais, fragilidade que se explica pela inconsistência
teórico-metodológica, e que se identifica, em parte, pelas demandas dos
profissionais aos CRESS.
23
Por último, compareceu nas problematizações relativas à fragilidade
institucional, o pragmatismo revelado, sobretudo, na leitura e “aplicação”
“instrumental” do projeto profissional, conduzindo o exercício profissional, de modo
predominante; ao aprisionamento da atuação às definições relativas às políticas
sociais e à dinâmica institucional em que o assistente social se insere.
Parte das fragilidades presentes na objetivação técnico-política no cotidiano é
desenhada pelos constrangimentos da formação sócio-histórica e seus rebatimentos
atuais, aprofundados pelo “desapego” à historicidade e conseqüente manipulação do
presente imediatista, mas, sobretudo, pela precarização da formação profissional, e
antes dela, da educação brasileira.
Coloca-se como hipótese que sustenta a tese: ao tempo em que a profissão
revela tendências de fragilidade, potencializada pela precarização da política de
educação, com conseqüências oriundas da massificação e “escolarização”
superficial e do “apostilamento” dos conteúdos, especialmente na modalidade de
ensino a distância, mas não exclusivamente, ampliam-se espaços de legitimidade e
de atuação no âmbito das políticas sociais, forjados no contexto de afirmação dos
direitos e das políticas referentes, nos marcos da implementação da Constituição de
1988.
Desse modo sentido, constituiu-se como objeto deste estudo, a
profissionalidade do Serviço Social no campo das políticas sociais, considerando a
relação paradoxal entre fragilidades e potencialidades institucionais, tendo em vista
os impactos dos padrões recentes de regulação social, diante da crise do capital, e
os direcionamentos capturados na análise dos indicativos éticos e técnicos
construídos coletivamente.
O pressuposto essencial de que a profissão é tanto resultado das relações
entre as classes e destas com o Estado, no enfrentamento da questão social, na
disputa entre projetos societários, como, também, do protagonismo individual e
coletivo dos profissionais (IAMAMOTO, 2007), sustenta a perspectiva de explicitar a
natureza da profissão, estabelecendo-se relações seminais: 1) conjunturas políticas
de implementação das garantias Constitucionais, mediante os processos de indução
estatal, direcionadas pelo tensionamento da sociedade civil organizada, tendo em
vista, especialmente, a relação entre a cultura da redemocratização e a revisão da
base normativo-jurídica profissional; 2) direcionamentos éticos da profissão em seus
24
mecanismos de auto-representação coletiva e de regulação do exercício profissional,
com as atenções voltadas ao debate sobre a materialidade do projeto ético-político
profissional.7
A análise sobre a profissão na atualidade parte do paradoxo: ao tempo em
que predomina o reconhecimento de que a profissão é socialmente construída, que
o exercício profissional possui o peso forte das “contingências” e das determinações
das relações de força e poder, das condições objetivas, configurando a autonomia
relativa de um profissional essencialmente assalariado (IAMAMOTO, 1982; 2007),
atribui-se um peso regulatório que extrapola as possibilidades da profissão de
controlar plenamente as repercussões do exercício profissional. Há uma pressão da
categoria em delimitar suas prerrogativas e uma resposta regulatória que mais
responde a uma homogeneização política dos objetivos profissionais, do que aos
desafios de precisar o que é a profissão.
O debate conjuntural quanto à sustentabilidade do projeto ético-político
aponta desafios relativos aos direcionamentos gestados nas entidades
organizativas, notadamente o conjunto do Conselho Federal e Conselhos Regionais
de Serviço Social (CFESS/CRESS), a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa
em Serviço Social (ABEPSS) e a Executiva Nacional de Estudantes de Serviço
Social (ENESSO); problematiza a relação entre a profissão e as reformas
desencadeadas nas políticas públicas, particularmente de educação e assistência
social; e sinaliza avanços necessários, tendo em vista a frágil presença de
movimentos anti-neoliberalismo na sociedade. Aspectos que dimensionam o
significado da profissão como uma construção social e não apenas dos seus
agentes.
Na produção do Serviço Social observo uma carência de estudos por “dentro”
da institucionalidade da profissão, difundidos nacionalmente. Evidencio, na esteira
desta preocupação, uma demanda interna histórica na organização do conjunto
CFESS/CRESS, por aprofundamentos relativos às atribuições privativas; por
regulações efetivas no processo de resistência às investidas que precarizam a
profissão, tendo em vista possibilidades de desconfiguração do que foi conquistado
7 Tais problematizações podem ser identificadas na Revista Inscrita do Conselho Federal de Serviço Social nº 10, contexto de polarização de interpretações quanto à crise ou ameaça ao projeto ético-político profissional, diante das reformas empreendidas pelo Estado.
25
nas últimas décadas, das possibilidades de desmaterialização do projeto ético-
político profissional.
Predomina no seio do projeto ético-político profissional o objetivo legítimo de
frear os processos recentes de “desregulamentação” do Serviço Social, sendo que a
estratégia central tem sido produzir direcionamentos consistentes o suficiente para
conter as mudanças no perfil profissional que tende, dada a crescente precarização
da formação profissional, a intensificar a fragilidade institucional da profissão. Uma
das preocupações é o impacto dos direcionamentos diante da proliferação de cursos
que fragilizam o processo de formação e oferecem as bases para a conformação de
um novo “corpo” profissional.
O aumento exponencial de cursos de graduação em Serviço Social nos
últimos anos revela um panorama preocupante, considerando os processos de
precarização da formação e as possibilidades de controle público, sobretudo quanto
aos limites institucionais das entidades da categoria.8
A desterritorialização dos cursos é uma das características recentes, tendo
em vista os Cursos na modalidade à distância, desafiando as organizações da
formação e do exercício profissional a repensarem suas estratégias de alcance
político e regulatório. A implementação da Política Nacional de Fiscalização pelos
CRESS na década de 1990 tinha como uma das estratégias a presença do serviço
de orientação e fiscalização nas turmas concluintes, nos eventos coordenados pelas
Instituições de Ensino, entre outras ações constitutivas da aliança programática das
entidades da categoria. Os efeitos provocados pelas reformas empreendidas na
educação, com evidente “escolarização” e “aligeiramento” que atendem às
exigências do mercado, trazem dificuldades importantes na materialização do projeto
ético-político pelo conjunto CFESS/CRESS, o que justifica a produção de novas
possibilidades institucionais regulatórias, direcionadas politicamente.
A evidente fragilidade ou limite institucional da profissão de regular a
formação e o exercício profissional tem relação direta com as dimensões da
institucionalidade do Serviço Social entre as décadas de 1990 e 2010, no esforço
coletivo da construção da legitimidade social. O Serviço Social possui elementos de
8 No Censo de 2009 foi totalizado um universo de 250 Cursos, com prevalência nas regiões Sudeste e Sul. Segundo dados do INEP/MEC (2011) num total de 312 cursos presenciais, 10.524 são formandos, quando em 12 cursos à distância 3.243 alunos são concluintes, com maior evidência na região norte, já que totaliza 1.113 concluintes.
26
legalidade e legitimidade presentes nos direcionamentos ético-políticos no projeto
profissional pós Constituição de 1988, na relação orgânica com movimentos
democráticos; e de inflexões na explicita fragilidade institucional, configurada em sua
dimensão sócio-cultural, relacionada às atividades predominantemente pragmáticas
na sua gênese, organizada por setores conservadores e direcionada pelas respostas
autoritárias e corporativistas do Estado e da sociedade civil organizada, além de
outros determinantes, a exemplo da incidência de referenciais funcionais à
sociabilidade burguesa, aspectos que se reconfiguram na cena contemporânea.
A superação hegemônica do conservadorismo no Serviço Social, nas
dimensões política, teórica e prática, “aliou” tendências reformistas e marxistas, no
contexto da reconceituação ou da chamada renovação, pela direção da intenção de
ruptura (NETTO, 1998). Entretanto, práticas conservadoras convivem na sociedade
e na profissão, por serem, justamente, constitutivas de projetos societários que
disputam adesão, hegemonia, e por vezes aparecem transfiguradas e
“remodeladas”.
Ainda que o contexto histórico da incidência de referentes teórico-
metodológicos tenha, pela inauguração do pluralismo profissional, revelado uma
“desocultação” do neoconservadorismo manifesto na fenomenologia (NETTO, 1998),
e apresente a falsa sensação de experiência absolutamente superada pela
renovação, o conservadorismo plasma-se, sobretudo, no exercício profissional em
várias expressões imediatistas e empiristas, forjadas nas amarras do cotidiano,
expressando funcionalidade às regras institucionais, podendo ser identificadas em
discursos que apresentam elementos que sugerem a coesão social e recuperação
das tradições da sociedade na formação dos papéis sociais, o que não é exclusivo
da profissão.
Portanto, a crítica à relação entre sociedade e profissão exige o
reconhecimento do caldo cultural neoconservador, diante da “acomodação”
conservadora de novo tipo, por vezes ocultada pelo discurso “homogeinizador” de
defesa de direitos constitutivo da profissão como campo de poderes, legalidade e
saberes. O pragmatismo profissional pelo abandono de posturas teórico-
metodológicas acolhe facilmente as defesas conservadoras que ganham maior
complexidade considerando a estrutura historicamente desigual e a cultura política
antidemocrática.
27
O conservadorismo está presente em todas as dimensões da vida social e na
atualidade vem travestido de moderno, o que também não é novo, a exemplo do
Serviço Social no contexto da renovação pela via do estrutural-funcionalismo, da
perspectiva sistêmica e da fenomenologia, sob as mesmas bases funcionais à
cultura instituída. É possível identificar, inclusive, o discurso neoconservador pelo
emprego de categorias explicativas da intervenção profissional no campo das
políticas sociais que recuperam elementos como integração social, vínculos, entre
outros, que são funcionais aos projetos políticos que se distanciam de fundamentos
teórico-metodológicos críticos quanto à análise das determinações sócio-históricas.
A questão problemática não é o emprego em si de conceitos que tendem à
manipulação dos comportamentos, mas o distanciamento progressivo de categoriais
explicativas da realidade em suas contradições, preconizadas pela formação
profissional, a exemplo da questão social (o que não basta já que questão social
pode ser reduzida a problemas sociais).
O neoconservadorismo possui implicações políticas, teóricas e culturais que
merecem destaque para a análise dos fundamentos do Serviço Social e suas
implicações mais recentes, com centralidade nas lógicas apreendidas pela profissão
por influência, notadamente, do método positivista, criticado pelo impacto
fundamental da razão crítico-dialética no movimento de desnaturalização das
instituições, tradições e processos “reificantes” da sociabilidade capitalista. 9
A intencionalidade da presente tese, portanto, foi a de reconhecer os
mecanismos institucionais e as respostas políticas produzidas pela profissão, na
produção e na auto-preservação de sua profissionalidade vinculada ao projeto
profissional construído nas últimas décadas. Sobressaem alguns limites e dilemas
sobre o que constitui uma profissão socialmente produzida; a dificuldade em
delimitar sua especificidade na relação entre competências e atribuições; os limites
dos direcionamentos políticos e seus impactos no exercício profissional,
considerando as mudanças em curso na formação profissional.
9 Neste estudo importa reconhecer o conservadorismo na reação ao projeto da Ilustração, particularmente no contexto da Revolução Francesa, em resposta aos movimentos revolucionários, na aliança progressiva entre aspirações liberais e reacionárias, tendo como consequência os reformismos típicos da era pós-industrialização, a exemplo do tripé fordismo-taylorismo-keynesianismo.
28
A análise sobre os fundamentos históricos e a incidência das teorias sociais
no Serviço Social, partem do pressuposto de que a profissão resulta e é produzida
no movimento contraditório da sociedade, o que conforma limites institucionais e
políticos, bem como possibilidades concretas na realização de mediações capazes
de produzir interferências objetivas.
No contexto de afirmação do projeto ético-político observa-se um aumento
exponencial da produção de instrumentos normativo-jurídicos relativos ao exercício
profissional, entre os anos de 2000 e 2010, diferentemente do período
compreendido entre 1990 e 2000, quando o conjunto CFESS/CRESS concentrou
esforços na implementação matricial da Lei n. 8662/93 e do Código de Ética do
Assistente Social (Resolução n. 273/1993). Tal movimento pode ser interpretado
como uma reação ao contexto de precarização da formação profissional.10
A análise sobre a profissão, considerando os limites configurados nas
diferentes conjunturas, parte do reconhecimento dos constrangimentos políticos e
institucionais da cultura brasileira, particularmente quanto às relações que
expressam mando e favor na reprodução de práticas conservadoras. Para o Serviço
Social, profissão essencialmente interventiva no âmbito da questão social, tais
implicações são aprofundadas, tendo em vista a inserção majoritária de profissionais
na estrutura pública dos municípios, palco de “apadrinhamentos” e relações de
poder. Isto porque a reconfiguração do trabalho na área revela uma inserção
majoritária de assistentes sociais nas políticas públicas municipais e suas
respectivas redes complementares. Cabe indagar se diante das transformações
recentes na formação dos assistentes sociais, o exercício profissional se sustentaria
apenas pelos indicativos ético-políticos produzidos por suas organizações
profissionais.
O processo de acompanhamento da orientação e fiscalização do exercício
profissional pelo conjunto CFESS/CRESS tem identificado uma tendência dos
profissionais apresentarem um discurso de defesa de direitos, mas uma prática frágil
na construção de novas mediações que explicitem rigor teórico-metodológico e
compromissos ético-políticos. Revela, ainda, demandas corporativistas, o que
10 Na década de 1990 foram produzidas as legislações principais, ou seja, a Lei 8662/93 e a revisão do Código de Ética em 1993, além da resolução que reconhece o assistente social como profissional de saúde. Entre 2000 e 2010 foram produzidas 14 resoluções relativas ao exercício profissional.
29
conflita com o sentido do “ético-político”, quanto à suspensão dos interesses
passionais e egoístas (GRAMSCI, 1978).
Foi possível reconhecer este panorama de adversidades em escala nacional
na oportunidade em que coordenei a Comissão de Orientação e Fiscalização do
Conselho Federal de Serviço Social – CFESS, durante a gestão “Defendendo
Direitos, radicalizando a democracia” - 2005/2008, assim como nas três gestões na
direção do CRESS 11ª Região PR. Observa-se a tendência constitutiva da natureza
da profissão, de legitimidade política convivendo com a fragilidade institucional, o
que ganha contornos mais complexos pelo crescimento desordenado de cursos de
serviço social. 11
O estudo em tela dá, portanto, centralidade à problematização do exercício
profissional, no contexto de reconfiguração da profissão, o que desafia as
organizações profissionais, particularmente o conjunto CFESS/CRESS, a combinar
coerção, pelos mecanismos disciplinares do exercício profissional e consenso, por
meio da difusão dos princípios e atividades político-pedagógicas, a partir de
pactuações democráticas, na perspectiva da consolidação do projeto ético-político
profissional, considerando os limites e as possibilidades reduzidas das organizações
isoladamente definirem o “que devem fazer” os profissionais, definirem a
profissionalidade. Nesse sentido, os fundamentos de uma profissão, no recorte do
“campo do social”, entre a fragilidade e a legitimidade, pode trazer alguns indicativos
sobre os caminhos coletivos em defesa da relevância pública da profissão, ainda
que este não tenha sido o objetivo central na produção do estudo.
A profissionalidade construída, no movimento de afirmação de um perfil crítico
na contramão da tendência pragmática reinante, revela uma nova legitimidade na
política social que não elimina as contradições típicas de tal relação. Há uma relativa
11 O Relatório de Atividades das COFIS em 2006 possibilitaram, naquele contexto identificar demandas desdobradas em eixos: demandas relativas ao exercício profissional balizadas nas legislações, como referências sobre as atribuições e competências, aplicabilidade do Código de Ética, critérios que caracterizem “carências”, conteúdos de estudos sociais e perícias, expedição de atestado de pobreza, implantação do Serviço Social e cumprimento de determinação judicial nas demandas por pareceres; um segundo eixo refere-se às condições e relações de trabalho, sigilo e demais adequações, condições éticas e técnicas, demandas e disposição de profissionais, carga horária, salários; o terceiro eixo concentra demandas por qualificação, capacitações sobre instrumentalidade, atuação nas políticas sociais, especialmente no Sistema Único de Assistência Social. Os CRESS convivem no cotidiano com demandas pontuais que revelam, por vezes, fragilidades diversas no exercício profissional, assim como atuações que materializam o projeto ético-político profissional (SILVEIRA, 2007, p. 20)
30
concordância dos constrangimentos institucionais no campo das políticas sociais e
seus rebatimentos no exercício profissional. Como avançar na aplicação das
principais competências profissionais, a exemplo de “elaborar políticas, programas e
projetos sociais, realizar pesquisa, orientar e produzir estudos, laudos e pareceres”,
considerando as expressões da questão social como objeto de investigação-ação,
tendo em vista as limitações e dinâmicas das políticas sociais?
No movimento de resistência em defesa das prerrogativas e conquistas, é
preciso avançar na leitura e na compreensão das transformações da profissão e da
sociedade, intensificando-se os recursos institucionais que foram determinantes da
legitimidade construída na realidade movida e movente.
A produção de conhecimentos possui centralidade na construção e difusão de
conhecimentos que apreendam a dinâmica da profissão em sociedade. Nesse
sentido, prevaleceu o objetivo de analisar o processo de constituição da
profissionalidade do Serviço Social no contexto de hegemonização do projeto ético-
político, considerando a relação entre as conjunturas configuradas pela cultura
neoliberal e a afirmação de direitos constitucionalizados, e a incidência do chamado
“modelo de competências” na formação e na regulação das profissões,
particularizando o Serviço Social. Para tanto, considerei as produções normativo-
jurídicas nos diferentes marcos sócio-históricos da profissão, particularizando a
produção recente de parâmetros que orientem o exercício profissional, a partir das
competências, com centralidade nos Parâmetros para Assistência Social e Saúde,
dada a inauguração e difusão no meio profissional.
No item “Revisão crítica da profissionalização do Serviço Social” é
contextualizado a relação híbrida e determinante da profissão com a política social e
as bases conservadoras. Nesse espectro comparece o reconhecimento da política
social como espaço de intervenção profissional e elemento justificador, no processo
de profissionalização, da necessidade histórica da profissão.
Para uma análise da constituição do social a partir de referentes teórico-
metodológicos fundamentais, o terceiro item, “Atuação profissional no social:
matrizes teóricas e profissões” reúne uma síntese sobre as principais matrizes
incidentes na Teoria Social, a partir da dinâmica das relações entre as classes e a
configuração do Estado, assim como no Serviço Social. A partir da compreensão do
que constitui o social são abordados elementos que interferem na profissionalização
31
e construção da legitimidade social, possibilitando o reconhecimento das reais
possibilidades de delimitar atribuições no trabalho social.
No quarto item, “A construção da profissionalidade do Serviço Social” é
sintetizada a relação entre as regulações do exercício profissional e o sentido do
trabalho social, assim como as implicações do modelo de competências adotado na
formação e no trabalho, por força das reformas estatais. Tal modelo é orientador da
formação contemporânea e da organização do trabalho pelo Estado e pelas
organizações profissionais.
A crítica e reconstrução do modelo de competências exigiu a análise sobre as
implicações das transformações no mundo do trabalho e a educação por
competências, conteúdos tratados em “Transformações no mundo do trabalho e a
educação por competências: a nova condição de ‘colaborador’ e a individualização
do trabalho”.
Por fim, no sexto item, “Profissionalidade do Serviço Social contemporâneo:
legitimidade pela monopolização de competências” procuro apreender o movimento
da profissão nos marcos da contemporaneidade para manter a legitimidade do
trabalho profissional, considerando as competências e atribuições, assim como os
indicativos políticos sobre o exercício profissional na assistência social, na saúde, e
as tendências na educação e no campo sócio-jurídico, espaços privilegiados pelo
coletivo profissional na produção de orientações unificadas em torno das
competências.
Sem a pretensão de esgotar as múltiplas determinações da categoria analítica
profissionalidade, considerando as condições objetivas para o desenvolvimento da
tese, pude confirmar que a produção intelectual de uma professora trabalhadora
revela-se como a produção possível e inacabada. Produto de um contexto histórico,
de escolhas entre alternativas produzidas na trajetória pessoal e social. Mas trata-se
de um possível repleto de intencionalidades na defesa de prerrogativas e de um
projeto ético-político agregador não só de assistentes sociais e estudantes, como
das demais profissões que têm o social como espaço de trabalho cotidiano.
32
2. REVISÃO CRÍTICA DA PROFISSIONALIZAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL
A análise dos fundamentos do Serviço Social e a constituição de sua
profissionalidade, particularmente na reprodução do conservadorismo, considera o
movimento da profissão em resposta às requisições sociais geradas no
enfrentamento político e institucional da questão social12, diante do tensionamento
entre as classes e a produção de mecanismos regulatórios que hegemonizam seus
interesses na esfera pública do Estado; e a organização da profissão em contextos
históricos, com incidência de referentes teórico-metodológicos gerados socialmente,
com a consequente produção de conhecimentos sobre a própria profissão e a
realidade brasileira, e o ordenamento normativo-jurídico no estabelecimento de
balizas e direcionamentos ético-políticos “reguladores” do exercício profissional.
O esforço metodológico proposto nesse capítulo é o de superar análises
meramente descritivas, por isso a recuperação de algumas contribuições teóricas
sobre profissionalização. A simples tipificação sinaliza a compreensão de aspectos
essenciais da profissão, em seus traços e evidências peculiares, conformando a
expressão de valores direcionadores das “ações sociais”, o que certamente
encontraria respaldo metodológico na perspectiva weberiana (1974). Não se trata de
uma análise da aparição fenomênica da profissionalidade no que se refere à forma
como a própria profissão é representada e sistematizada pelos agentes
profissionais. Trata-se, sim, do movimento teórico-metodológico que exige a
consideração e negação das análises sobre profissionalidade, especialmente no
campo das Ciências Sociais de modo geral, culminando numa síntese que procure
corresponder ao desafio de abordar determinações e direcionamentos que incidem
na constituição da profissão.
Na recusa dos propósitos teórico-metodológicos descritivos opera-se, aqui, a
negação de análises que caracterizam a profissão nela mesma, em seus aspectos
exteriores, pela inspiração durkheiminiana (1995), notadamente na abordagem
estrutural-funcionalista, que além de reconhecer a profissão como uma parte que
12 Questão social é entendida como expressão “do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado” (IAMAMOTO, 2001, p. 77). A questão social está vinculada ao conflito entre capital e trabalho, significando, no sentido universal do termo, um conjunto de problemas sociais, políticos e econômicos, decorrentes do surgimento da classe operária na constituição da sociedade capitalista. (CERQUEIRA FILHO, 1982).
33
compõe o funcionamento do todo na predisposição evolutiva, analisa esta instituição
em sua exterioridade, como um sistema que explica as relações sociais, no
desenvolvimento de funções e papéis sociais (uma profissão desenvolvida agrega
indivíduos e desenvolve a sociedade).
A recusa de análises reducionistas e endógenas da profissão, amplamente
problematizadas pelo Serviço Social no contexto de sua reconceituação (NETTO,
1998; IAMAMOTO, 1982), parte do suposto de que uma profissão não se sustenta
socialmente por sua expertise superior na estratificação profissional, como querem
os neofuncionalistas, demandantes de um lugar particular na divisão social do
trabalho, mesmo as profissões mais tradicionais como Medicina e Direito. Sem
dúvidas, as produções regulatórias que demarcam prerrogativas e condições para o
exercício profissional ou reconhecimento acadêmico para as profissões não
regulamentadas em legislações específicas, são aspectos fundamentais, porém não
são fundantes e suficientes.
Os projetos profissionais, forjados por sujeitos coletivos, o que implica uma
dimensão organizativa, são movidos por determinações externas e internas,
definindo uma institucionalidade que não é estática. Como afirma Netto, os projetos
das profissões:
apresentam uma auto imagem da prof issão representada pelos seus agentes, valores que a legit imam socia lmente, del im itação e pr ior ização de objet ivos e funções, formulação de requis itos ( técnicos, inst i tuc ionais e prát icos) para o seu exerc íc io prof iss ional, prescr ição de norm as para o comportamento dos prof iss ionais e estabelecimento de bal izas de sua re lação com os usuár ios dos seus serviços, com outras prof issões e com as organizações e ins t i tu ições, públ icas e pr ivadas (1999, p. 95) .
Os projetos profissionais são indissociáveis dos projetos societários e
expressam a hegemonia construída na disputa pelo direcionamento da profissão,
configurando-se na dinâmica das forças sociais presentes na sociedade. São,
assim, dinamizados e movidos pelas demandas sócio-institucionais, pelas alterações
presentes nas respostas às necessidades sociais, considerando as transformações
societárias, em seus aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais. Ao mesmo
tempo expressam a produção teórica e prática da profissão, e as transformações na
direção social da categoria profissional.
34
As análises sobre os fundamentos de uma profissão regulamentada partem,
em geral, da atualidade, da compreensão de seus vínculos ético-políticos ou de
“compromisso social” com a sociedade, de suas competências e funções, para
realizar o movimento analítico da relação entre a profissão e demais instituições,
compreendendo processos hegemônicos nos contextos particulares. Não se trata,
portanto, de recontar a história, os agentes, os eventos. A profissão é uma síntese
de múltiplas determinações particularizadas historicamente.
A revisão crítica da profissionalidade do Serviço Social parte do entendimento
de que sua profissionalização possui relações “genéticas” com as “peculiaridades”
da questão social na ordem monopólica (NETTO, 1992, p.14). Assim, refuta-se a
compreensão do Serviço Social como uma evolução institucional das protoformas
filantrópicas e assistencialistas, embora constituam a base da organização na
gênese da profissão. Sua legitimidade é construída na formação de um estatuto
sócio-ocupacional, das condições “histórico-sociais que demandam este agente,
configuradas na emersão do mercado de trabalho” (p.66).13
Estão na base da constituição do Serviço Social os fenômenos presentes na
formação do Estado funcional ao capitalismo monopolista, sobretudo pela
organização da política social, assim como a refuncionalização de práticas
precedentes, alinhadas às referências ideo-políticas e teóricas que atendiam ao
desafio político e econômico dominante. O que se depreende quanto à
profissionalização do Serviço Social é que a profissão resulta essencialmente das
determinações sociais, políticas e econômicas, engendrando condições institucionais
para o exercício de sua natureza interventiva. Ou seja, a profissionalização do
Serviço Social ocorre no momento em que os profissionais “passam a desempenhar
13 Carlos Montaño, em A natureza do Serviço Social aponta a existência de duas teses opostas entre si, quanto à explicação da gênese da profissão. A perspectiva endógena sustenta a origem do Serviço Social na evolução, organização e profissionalização das formas anteriores de ajuda, da caridade e da filantropia, vinculadas agora à intervenção na questão social” (p. 20-21). São representantes dessa tese: Herman Kruse, Ezequiel Ander-Egg, Natálio Kisnerman, Boris Alex Lima, Ana Augusta de Almeida, Balbina Ottoni Vieira, José Lucena Dantas, entre outros. A segunda tese, por sua vez, chamada de perspectiva histórico-crítica, interpreta a gênese e a natureza do Serviço Social como “produto da síntese dos projetos político-econômicos que operam no desenvolvimento histórico, onde se reproduz material e ideologicamente a fração de classe hegemônica, quando, no contexto do capitalismo na sua idade monopolista, o Estado toma para si as respostas à questão social (p. 30)”. São referências dessa segunda tese: Marilda Villela Iamamoto, Raul de Carvalho, Manuel Manrique Castro, Vicente de Paula Faleiros, Maria Lúcia Martinelli, José Paulo Netto, entre outros (MONTAÑO, 2007).
35
papéis que lhes são alocados por organismos e instâncias alheios às matrizes
originais das protoformas do Serviço Social” (Idem, 1992, p. 68).
O consenso intelectual em torno da questão social como base de fundação e
de desenvolvimento da profissão conduz à problematização das particularidades do
desenvolvimento do capitalismo brasileiro, sobretudo na configuração das
instituições e organizações públicas e privadas constituintes do processo complexo
de “controle do social” e reprodução dos interesses econômicos e políticos. Assim,
importa analisar na construção da presente tese, o significado da profissionalidade
do assistente social, especialmente pelas vinculações entre política social e
respostas profissionais de natureza interventiva, e sua relação com os marcos legais
da profissão.
Na refuncionalização da profissionalidade ao projeto político hegemônico, nos
marcos sócio-históricos entre a gênese, a institucionalização e a consolidação do
Serviço Social no Brasil, percebe-se um conteúdo valorativo e prático fundamentado
em matrizes conservadoras que conformam funções como: promoção do bem
comum na correção de desajustamentos sociais, em contextos de reforma moral
diante das transformações geradas na modernidade; integração dos indivíduos às
mudanças sociais, ideologizadas pelo desenvolvimentismo proposto no contexto de
modernização conservadora; ajustamento dos indivíduos e suas famílias ao padrão
moral estabelecido; administração e harmonização dos conflitos sociais, mediante a
afirmação de valores sociais como a cooperação e a solidariedade.
Os elementos ajustadores de condutas reforçam a manipulação dos
comportamentos com efeitos “psicologizantes” alienadores, com fragmentação de
demandas e processos, o que encontra acolhimento e impulso na política social
brasileira, justamente pelo apelo às intervenções sociais tecnicistas, no contexto da
modernização conservadora.
Importa problematizar, nesse sentido, a relação imbricada entre Serviço
Social e Política Social, particularmente nos seus aspectos funcionais aos
mecanismos de controle e ajustamento social, assim como, e com menor evidência,
nas possibilidades de potencialização de forças e processos democráticos.
36
2.1 SERVIÇO SOCIAL E POLÍTICA SOCIAL: HIBRIDISMO E RELAÇÃO
FUNCIONAL
A política social é um campo de mediação fundamental para o exercício
profissional do assistente social, sendo uma resposta estatal estruturante da
profissão face às requisições legitimadas no contexto de vocalização pública de
demandas dos trabalhadores e incorporação parcial em forma de direitos, políticas,
serviços. Serviço Social não se reduz à política social, mas sua gênese e legitimação
estão diretamente relacionadas à política social como mecanismo de regulação do
trabalho e demais dimensões da vida social.
A ideologia positivista/funcionalista reforça a concepção de Estado e suas
instituições vinculadas, entre elas a política social, como expressão de um conjunto
de regras, normas e valores que regulam num dado momento evolutivo de
complexificação e diferenciação da sociedade industrializada, uma necessidade
humana, na direção do desenvolvimento social, e da difusão de valores sociais que
cumprem a função de coesão social, de agregação de indivíduos posicionados na
divisão social do trabalho. Nesta perspectiva o Estado é neutro, a serviço de todos,
com base na lei, o que reforça a lógica de fragmentação das políticas voltadas à
geração de oportunidades, contribuindo, assim, para a construção da solidariedade
orgânica. Partindo-se do pressuposto teórico de que a diferenciação é o elemento
caracterizador das sociedades complexas, é preciso que as tarefas individuais
correspondam às aptidões, sob o risco da desintegração social, daí a importância do
Estado e outras instituições na difusão de valores (DURKHEIM, 1978).
As matrizes teóricas que disseminam concepções e práticas
desenvolvimentistas de política social, sustentadas no pensamento liberal, partem do
entendimento do direito como outorga, da política e seus serviços correspondentes
como mecanismos institucionais de correção das distorções do sistema. Este último
se estrutura e funciona a partir do indivíduo, que compõe uma sociedade enquanto
somatória diversificada de funções e papéis. Tal compreensão se “ajusta” à cultura
meritocrática, baseada na herança, na sucessão de poder, de posições sociais, da
distinção dos mais aptos, para lembrar a lógica darwinista de análise da sociedade.
37
A meritocracia combina com focalização, residualidade e assistencialismo, traços
fortes da política social brasileira.
O Estado e a política social resultam e se engendram das e nas correlações
de força e poder, dos projetos societários em disputa. Evidente que por esta
angulação, a política social sofre os tensionamentos da classe trabalhadora, mas é
produzida numa dinâmica institucional e política em que impera o poder de uma
classe sobre a outra, por isso possui como atributo a contradição entre regular,
participando da reprodução social, e corresponder parcialmente às demandas
configuradas como direitos legítimos.14
Na contramão de concepções estruturalistas, institucionalistas e
economicistas, destaco a política social como resultante das relações de classe, cuja
hegemonização é conduzida por uma classe fundamental, que agrega e direciona
um conjunto de interesses e formas de organizações políticas, neutralizando
possibilidades de crise orgânica, dinamizando a própria política social no âmbito do
Estado.
Não se afirma com isso, que a política social, como preconizam análises
interacionistas, resulta do efeito gangorra: mais direitos para sociedades mais
organizadas, pela disposição e posição política dos indivíduos. Não se anula e nem
se minimiza a determinação das relações de classe, do poder elaborado em
condições objetivas e concretas, mas se consideram outras conjugações que podem
marcar na lei institucionalidades e processos políticos que reforçam e dão
sustentação a valores e princípios emancipatórios.15
14 Na perspectiva gramsciana o Estado é constituído tanto pela sociedade civil quanto pela política, que é formada pelo conjunto de mecanismos através dos quais a classe dominante detém o monopólio legal da repressão e da violência (controlado pela burocracia executiva e policial-militar), reprimindo legalmente os grupos que não “consentem”. A sociedade civil é formada, precisamente, pelo conjunto das organizações responsáveis pela elaboração e/ou difusão das ideologias, compreendendo o sistema escolar, as igrejas, os partidos políticos, os sindicatos, as organizações profissionais, etc. “A supremacia de um grupo social se manifesta de dois modos, como ‘domínio’ e como ‘direção’ intelectual e moral. Um grupo social é dominante dos grupos adversários que tende a liquidar ou a submeter também mediante a força armada, e é dirigente dos grupos afins aliados” Gramsci (2002. p. 62-63). A crise orgânica expressa a crise do próprio bloco histórico, base econômico-social e ético-política, portanto, uma crise de hegemonia, que pode conduzir transformismos ou resultar na construção de uma nova cultura. É a partir do conceito de bloco histórico que a política social pode ser entendida, na contradição entre regulação e conquista, coerção e consenso.
15 A distinção entre emancipação política e emancipação humana é necessária para não reduzir o próprio conceito a toda conquista na ordem do capital. Emancipação política se constituiu, conforme a análise desenvolvida em A questão judaica, a partir da conquista de direitos civis e
38
Se cada classe dominante produz seu Estado numa dada formação social
(POULANTZAS, 2000), falar da política social num determinado contexto é
considerar o projeto de classe que hegemonizou este mesmo Estado. Aspecto que
permite uma estreita relação funcional entre Política Social e Serviço Social.
A partir da materialidade do poder, ou seja, relações de produção e divisão de
classes, o Estado produz mecanismos progressivamente sofisticados para interferir
no “social”, nas relações, fragmentando e “patologizando” as demandas, o que
passa a ser reforçado quando os movimentos, as forças sociais também são
fragmentadas e baseadas na luta corporativista, o que se agrava em contexto de
ditaduras, quando a democracia formal é colocada em suspenso.16
A atuação ampliada do Estado por meio de uma sociedade civil, elaboradora
da hegemonia dominante, permite a difusão de valores que cumprem a função de
reproduzir no cotidiano a base desigual de sociedade, e mais, reforça os
mecanismos de controle do social. Assim, poder de classe é plasmado em diversas
dimensões da vida social, justificando a relação desigual na relação entre quem
acumula mais riqueza e poder, em detrimento daqueles que servem e se submetem;
no acesso desigual aos bens e serviços de grupos e frações de classe; na ascensão
social pela progressão meritocrática e diferenciadora na educação; entre outras
dimensões da vida social. Trata-se, portanto, de um componente estruturador das
relações singulares, pelo impacto imaterial, subjetivo, na incorporação social de
valores direcionados por projetos hegemônicos.17
Na concepção do Estado disputado e direcionado por relações de força e
poder engendradas nos projetos políticos coletivos, a malha de relações expressa o
políticos, direitos trabalhistas e sociais, do desenvolvimento da cidadania e da democracia. Nesse sentido a emancipação política expressa o acúmulo político nos marcos da liberdade e igualdade formais. Já a emancipação humana requer a eliminação de toda forma de desigualdade, dominação e exploração, na direção da superação da ordem societária. Em Manuscritos econômicos e filosóficos, Marx afirma que a “supressão da propriedade privada constitui, desse modo, a emancipação total de todos os sentidos e qualidades humanas” (2001, p. 142).
16 Para A. Heller (1982) no contexto de ditaduras a satisfação do carecimento tende a ser manipulada. Nesse sentido, a democracia formal é condição preliminar para a satisfação de carecimentos radicais, porém não é o suficiente.
17 “O Estado desempenha um papel bem mais amplo e assume novas funções à medida que se desenvolve a estrutura do capitalismo. (...) A partir da constituição do Estado moderno e da ampliação da participação política, ligadas às conquistas sociais e políticas resultantes das lutas dos trabalhadores, a preparação da opinião pública para aceitação de determinadas ações políticas realizadas pelo Estado torna-se fundamental na conquista e conservação da hegemonia (...) as funções de hegemonia passam a ser exercidas pela sociedade política e sociedade civil” (SCHLESENER, 1992. pp. 20- 21).
39
sentido dos “variados discursos” para os diversos projetos que ocupam a arena
política, sob a prevalência, no movimento equalizador, dos elementos que buscam o
“equilíbrio” reprodutor, cuja finalidade última é manter a hegemonia.18
Particularmente no âmbito da política social destaca-se uma resposta política
e institucional, por parte do Serviço Social, funcional a um projeto político que fatia e
fragmenta a questão social, impulsiona o interesse privado, a exemplo da
filantropização estatal, demandando um trabalho social igualmente fragmentado,
moralizador e psicologizado. A política social se coloca como mecanismo de
administração das expressões da questão social, contemplando, dessa forma, as
demandas da ordem monopólica conformando, “pela adesão que recebe de
categorias e setores cujas demandas incorpora, sistemas de consenso variáveis,
mas operantes” (NETTO, 1992, p.26-27).
A política social, espaço privilegiado e central para inserção de profissões do
campo social, para a mediação entre necessidades sociais e Estado, é prova
inexorável da hegemonia monopolista. Os processos institucionais que revelam sua
funcionalidade econômica, política e social, desdobram-se no controle e na
regulação da força de trabalho e proteção social ao exército de reserva e aos
inseridos com maior precarização no mundo do trabalho. Cumpre, portanto, uma
função de sustentabilidade do desenvolvimento econômico na recomposição à crise
estrutural.
A estruturação da esfera pública, no contexto de afirmação de um padrão de
proteção social particularizado no Brasil a partir da década de 1930, delineia um
Estado regulador da vida social para a reprodução da força de trabalho, por meio de
um conjunto de instituições voltadas à administração de conflitos e da desigualdade
social, no contexto de aprofundamento da questão social. Tal processualidade
permite ao Estado atuar sobre interesses imediatos, sob o argumento da “melhor”
18 Em Gramsci hegemonia representa “a capacidade de unificar através da ideologia e de conservar unido um bloco social que não é homogêneo, mas sim marcado por profundas contradições de classe. Uma classe é hegemônica, dirigente e dominante, até o momento em que - através de sua ação política, ideológica e cultural - consegue manter articulado um grupo de forças heterogêneas, consegue impedir que o contraste existente entre tais forças exploradas, provocando assim uma crise na ideologia dominante, que leve à recusa de tal ideologia, fato que irá coincidir com a crise política das forças no poder” (GRUPPI, 1978, p. 70). Na concepção gramsciana a sociedade civil ganha peso político na construção da hegemonia. Sociedade civil é o “conjunto de organismos chamados ‘privados’ e que correspondem à função de ‘hegemonia’ que um grupo exerce em toda sociedade” (Idem, p. 11).
40
pressão política, com consequente “autonomização” da política (RAICHELIS, 1998).
Aspecto que baliza os argumentos meritocráticos e corporativistas, por contemplar
setores mais organizados ou com capacidade de produzir consenso.
A dinâmica imbricada entre Serviço Social e Política Social reforça o
entendimento, sustentado em categorias como historicidade e contradição, de que o
Estado não é um ente neutro e a serviço de todos, na aplicação da regra
consensuada, da lei, oferecendo a base para compreensões funcionalistas, ora
desenvolvimentistas, de que direitos e as políticas referentes são outorgas e não
contradição entre conquista parcial e regulação.
O Estado e a política social resultam das relações de força e poder, da
atuação/inserção de classes (POULANTZAS, 2000). Evidente que a análise do
Estado e da política social como resultantes de relações de força e poder, operando
uma interferência direta na profissionalização do Serviço Social, não redunda no
processo de gangorra de interesses, limitando a angulação de análise do Estado e
mesmo da profissão, dando a ideia de que as políticas e os direitos são insuficientes
porque as organizações são fracas. Tal análise acomoda as forças dominantes e
impulsiona perspectivas associativistas ou mesmo institucionalistas, na medida em
que apenas os mais organizados são contemplados com as respostas do Estado.
O Estado expressa a hegemonização de um projeto societário dominante,
pela atuação da sociedade civil que quanto mais agregada aos interesses do projeto
hegemônico, de modo consciente ou não, mais se funcionalizam ao próprio projeto e
aos movimentos transformistas que procuram neutralizar crises do bloco histórico.19
A presente compreensão procura reconhecer que o modo de produção
determina a configuração do Estado em resposta aos interesses dominantes,
embora seja disputado por outros projetos societários. Caso contrário, corria-se o
risco de reforçar angulações que preconizam a falsa homogeneidade e as visões
19 Por meio da sociedade civil é que as classes sociais buscam exercer a sua hegemonia pela disputa do poder. Os organismos voluntários coletivos são os portadores materiais específicos da sociedade civil, tida como esfera do ser social na dimensão política. Sem o conjunto de organizações materiais não há direção ideo-política, não há hegemonia. A visão gramsciniana de Estado se contrapõe à leitura do mesmo com sendo um bloco monolítico, homogêneo. Qualquer que seja a sua ligação de classe social, não há como isolá-lo das concepções diferenciadas na sociedade. Supõe-se a necessidade da luta política. Coutinho destaca que na análise em Gramsci “(...) onde a sociedade civil é fraca, onde as tradições de democracia política e de organização popular autônoma são débeis ou inexistentes, a passagem para uma nova ordem não pode contar com os mesmos pressupostos” (COUTINHO, 1992, p. 84).
41
estruturalistas. A apropriação pelo Estado dos meios de produção para a
estabilidade da classe dominante se subsumi no imperativo do controle do social, da
mobilidade social das classes, do acesso regulado à educação, aos serviços sociais,
aos bens e riquezas produzidas socialmente. Portanto, interessa ao projeto político
hegemônico reafirmar que é preciso, nos marcos da democracia formal, se
organizar, participar, reivindicar, para conquistar, enquanto opera-se a gestão dos
interesses dominantes oliguárquico-burgueses.20
A legitimidade de um projeto político no âmbito do Estado está assentada na
produção de consensos, que perpassam projetos coletivos diversos, além do
emprego da força policial militar, completando o sentido da hegemonia com
consenso e coerção, para a garantia da relativa estabilidade social. Nesse sentido, a
política social é funcional, sem com isso suprimir o espaço da contradição e da
saturação das contradições da própria realidade social, ao sistema de produção,
participando da reprodução social ampliada.
O padrão de proteção social brasileiro erguido na era dos monopólios
caracteriza-se pela fragmentação, seletividade e focalismo em resposta às múltiplas
expressões da questão social. A incorporação de parte das demandas sociais
configurou, a partir da relação tensa entre as forças sociais, sob a égide dos
interesses corporativos, um padrão residual de proteção social. Aspecto que
converge com a expressão de um padrão meritocrático.
A particularidade brasileira de estruturação do padrão de proteção social e de
emergência do Serviço Social, e demais profissões do campo social no âmbito da
política social, é configurada por uma cidadania concedida, na análise do legado
patrimonialista, das relações de mando e favor (SALES, 1994), e por uma cidadania
regulada. A representação dos indivíduos como não cidadãos, sobretudo pela
exclusão do mercado de trabalho, nos termos da cidadania invertida de Fleury
(1989), revelam um padrão pautado no acesso aos direitos pelo mérito.
20 A particularidade da questão social brasileira revela uma herança colonial e patrimonialista atualizada nas formas de reprodução de relações de poder, em parte pela transição capitalista que dispare do modelo universal de desenvolvimento da democracia burguesa, constituindo uma democracia restrita, voltada aos interesses das oligarquias, do grande capital (Fernandes, 1975). A expansão monopolista brasileira mantém a dominação imperialista, com efeitos agudizadores da desigualdade, aprofundando disparidades econômicas, sociais, culturais, regionais/territoriais. O que sobressai são os processos de exclusão dinamizados por uma cultura eletista e antipopular.
42
O mérito é um elemento estruturante das práticas de corte social, bastante
característico das prestações de serviços sociais no Brasil. Como exercício de poder
simbólico à troca pelo acesso a bens culturais, recursos, serviços, programas,
projetos, benefícios, o mérito é plasmado socialmente no cumprimento de regras
sociais, na resposta aos pactos de convivência e socialização. Aspectos que podem,
inclusive, ser identificados, nos espaços de participação popular.
O indivíduo como referência é um preceito da meritocracia, conformando, na
diferenciação social: oportunidades, vocação, dedicação e aptidão. O merecimento
acaba sendo, na constituição da sociabilidade moderna, o recurso individual pelo
poder e distinção social. É com base no princípio da meritocracia que as políticas
sociais se estruturam; que o Estado burocrático regula acessos e permanências no
contexto social. Servidores são selecionados pela capacidade, alunos são avaliados
pelo merecimento, sob a retórica da competência, do aumento da produtividade, da
justiça e do desenvolvimento social.
Na modernidade, a meritocracia engendra relações sociais, o que se
aprofunda na cultura da competição estimulada socialmente nos processos
educativos e na difusão de valores. Daí sua relação com a concepção darwinista da
sociedade, assumindo assim a conotação ideológica.
A lógica da distinção pela agregação de poder obtida por vocação, talento e
oportunidades está sustentada por um conjunto de valores que localizam os
indivíduos em suas posições sociais e econômicas pela capacidade comprovada
socialmente. Assim, as sociedades modernas se influenciam pelo modo
meritocrático de reprodução social (VALE, 2009). A meritocracia acaba sendo um
elemento funcional à sociabilidade capitalista, particularmente na justificação da
desigualdade e valorização da diferença.
No contexto da hegemonia do padrão fordista/taylorista, a racionalidade
emergente exige a difusão de regras de conduta individual, familiar e coletiva
reprodutoras das condições sociais, econômicas, políticas e culturais vigentes. O
Serviço Social emergiu funcional, pelo cunho educativo de sua intervenção, pelo
projeto conservador que o estrutura e o consolida, às lógicas de assistir, controlar,
vigiar, punir, institucionalizar, segregar, neutralizar, despolitizar. As lógicas
controladoras, fragmentadoras e meritocráticas estão na base da Política Social e do
Serviço Social.
43
Nesse sentido, a crítica aos fundamentos do Serviço Social, bem como das
políticas sociais, espaço de mediação no acesso aos direitos e trabalho social,
requer uma análise dos pressupostos conservadores, tendo em vista a racionalidade
imanente nos processos interventivos, justificando as primeiras respostas
autorregulatórias da profissão, assim como, e especialmente, a ruptura com o
conservadorismo na profissão, pela crítica teórico-política sistemática às bases
doutrinárias, pragmáticas e positivistas, particularmente pelo tratamento moralizante
atribuído à questão social, e à manipulação de variáveis empíricas do cotidiano, com
consequente ocultamento das contradições e das determinações da realidade
social.21
Importante destacar que as expressões que particularizam um trabalho social
conservador possuem aderência a um projeto movido por uma dada racionalidade.
Uma das características do exercício profissional conservador, sob a lógica formal, é
o pragmatismo. A atuação pragmática, assistemática e imediatista é funcional,
independente das particularidades históricas, à hegemonia de projetos que
sustentam a concentração de renda, riqueza e poder, objetivo último de projetos
conservadores.
2.2 BASES SÓCIO-HISTÓRICAS DA IDEOLOGIZAÇÃO CONSERVADORA:
CRÍTICA E IMPLICAÇÕES RECENTES NO SERVIÇO SOCIAL
É amplamente conhecido que no âmbito do Serviço Social predominou,
historicamente, uma atuação profissional funcional aos mecanismos coercitivos e de
organização do poder e da cultura instituída, nos contextos de afirmação e
dominação do projeto burguês. De forma predominante, o profissional colocou-se
como mediador da elevação de níveis de bem-estar social, fortalecendo papéis
sociais dos sujeitos inseridos nos programas sociais.
O Serviço Social enquanto instituição possui uma relação em sua gênese com
o projeto conservador. A base teórico-cultural passou por rearranjos que permitiram
sua manutenção em novas bases e expressões políticas e teórico-práticas,
21 O Serviço Social brasileiro possui uma fértil contribuição para a crítica ao conservadorismo e suas implicações na profissão e de modo geral na sociedade. Para análise da crítica do conservadorismo, destaca-se Iamamoto (1992), Netto (1998) e Barroco (2001).
44
recusadas pela nova direção hegemônica na profissão. A ruptura com o
conservadorismo é hegemônica, o que não significa eliminação do polo
hegemonizado pela direção social construída coletivamente.
É possível identificar múltiplas formas de reprodução do conservadorismo no
cotidiano, refletido na formação e no exercício profissional, com consequente
manipulação de comportamentos pela afirmação de valores (re)atualizados, porém
tradicionais. A chamada direção modernizadora da renovação do Serviço Social
(NETTO, 1998) trouxe aprimoramentos formais, relacionados, sobretudo, à
planificação das ações, com ampliação de espaços de atuação que foram
refuncionalizados pelas perspectivas desenvolvimentistas, com estímulo às práticas
participacionistas e integradoras, ainda que o elemento agregador da renovação
tenha sido a superação do tradicionalismo, em resposta às novas demandas do
mercado, assim como às forças políticas de abrangência internacional, conformando
um ambiente de renovação, de transformação.22
A Renovação crítica do Serviço Social (NETTO, 1998), no bojo do movimento
de reconceituação, revela uma postura predominante no exercício profissional de
negação de práticas reiterativas e empiristas que marcaram o tradicionalismo
profissional, com politização da atuação profissional pela explicitação de seu
compromisso de classe, compondo as conquistas ou avanços consequentes.
Solidificam-se os alicerces de um projeto que, por ser ético-político, se sobrepõe e
supera interesses passionais e corporativos, num movimento de reconstrução de
princípios e compromissos ético-políticos e profissionais na direção de uma nova e
superior sociabilidade.23
Nesse sentido, os projetos societários ganham centralidade porque
dinamizam os projetos profissionais, a partir das lutas de classes, de frações de
22 Os referenciais teóricos incidentes na profissão agudizam a constituição de um campo plural impulsionado pela base organizativa da profissão, num contexto internacional de amplos movimentos que questionam a sociabilidade burguesa e as instituições conservadoras, bem como do protagonismo político da vanguarda de estudantes e profissionais. Este é o caldo cultural produzido pelas transformações societárias. Entretanto, a renovação responde em sua direção modernizadora à ideologia desenvolvimentista (NETTO, 1998).
23 Sobre o legado do Movimento de Reconceituação cf. Netto (1998), Silva e Silva (Coord.) (2002) e Serviço Social & Sociedade (São Paulo: Cortez, nº 84, 2005). A superação do tradicionalismo, num contexto de ideologia desenvolvimentista, mobilizou diferentes matrizes, resultando numa ampla revisão, na inauguração do pluralismo, de um novo projeto de profissão, base do que seria chamado de projeto ético-político profissional.
45
classe, grupo, setores, na defesa de interesses coletivos. Os projetos incidem nas
práticas e os espaços sociais expressam a dinâmica contraditória da sociedade.
A profissão é movida pela atuação do seu coletivo, independente das
representações individuais de seus agentes, vinculados a interesses comuns, dando
sentido ontológico às práticas que percorrem as possibilidades cotidianas de
materializar os princípios ético-políticos construídos. Isto porque o assistente social,
assim como demais sujeitos, atua com consciência, considerando as possibilidades
e limites concretos, com potencial de interferir nos processos, direcionados por
finalidades, a partir de um sistema de mediações que superem o plano imediato.
Ter a própria realidade social como substrato de atuação requer a
compreensão da relação entre determinações sócio-históricas e as respostas sócio-
institucionais produzidas, considerando as particularidades dos padrões de
regulação social no desenvolvimento do capitalismo. Assim, ficou convencionado,
acertadamente, localizar o Serviço Social como uma profissão inscrita nas relações
sociais contraditórias, cujos objetos são as expressões particulares da questão
social. Nesta perspectiva a questão social é analisada no âmbito do conflito entre o
capital e trabalho, expressão de desigualdade, além de respostas institucionais,
resistência e organização na vocalização das demandas do trabalho.
O projeto ético-político profissional (NETTO, 1999), expressa a hegemonia de
uma nova direção, uma vontade coletiva superior, que agrega em torno desse
projeto interesses plurais e diversos, que pela ação da base teórica e cultural,
direcionam e disciplinam práticas. Sua nova moralidade construída rompe,
hegemonicamente, com o lastro conservador característico das práticas
antecedentes.
O espírito conservador remonta sua origem no projeto político de restauração
das bases fundamentais da sociedade feudal, na defesa aberta ao poder divino do
monarca e na reação frontal às transformações modernas capitaneadas pelo projeto
da Ilustração. Pensadores como Joseph de Maistre (1753-1821) e Joseph de Bonald
(1745-1840), são expressões do conservadorismo de inclinação reacionária,
pertencentes ao chamado tradicionalismo, com valorização do poder hierárquico, da
família e da Igreja (BARROCO, 2008). Como projeto político emergente em meados
do século XIX o conservadorismo é identificado no contexto das transformações
desencadeadas pela Revolução Industrial e pela Revolução Francesa.
46
O projeto conservador responde, portanto, ao movimento histórico de ruptura
à ordem com consequente auto-preservação e refuncionalização às transformações
decorrentes da modernidade. Passa, portanto, a compor a cultura instituída, ainda
que isso ocorra em outras bases políticas, econômicas e culturais, considerando a
gênese e o desenvolvimento do capitalismo.
Desse modo, a cultura conservadora atende à lógica ruptura/restauração pela
afirmação de valores e padrões ideais que reconfigurados possuem raízes naquele
tempo de mera reprodução das relações feudais, e no tempo presente, contribuem
sobremaneira nos juízos ultrageneralizadores que orientam práticas cotidianas.
Uma das referências significativas do pensamento conservador é Joseph de
Maistre, que recupera os fundamentos políticos identificados em Hobbes (1588-
1679)24, pela defesa aberta do poder absoluto do governante e sua relação com a
vontade divina, na aplicação racional desta soberania em nome do povo,
supervalorizando a hierarquia e a ordem garantidas pelo Estado, o que será
explicitado em outras manifestações ideo-políticas, particularmente a denominada
Física Social de Augusto Comte (1798-1857), base do pensamento sociológico.
Edmund Burke, em Reflexões sobre a Revolução na França (1790),
contrapondo-se ao movimento revolucionário, inicia o que poderia ser chamado de
“conservadorismo liberal”, tendo em vista seu conteúdo reformista, sem ruptura
radical com o passado (In: NETTO, 2011). Sua obra provém do romantismo
conservador hostil à filosofia das luzes e, ao contrário dos românticos
restitucionistas, não se expressa como anti-burguês, justamente por sua vinculação
com defesas políticas conciliatórias com colônias americanas revoltosas e por
princípios do Parlamento contra o absolutismo real de Georges II (LÖWY, SAYRE,
1993).
A ideologia de Burke expressava o compromisso entre a burguesia e os
proprietários de terras, sendo que a nostalgia da Idade Média presente nos
24 Hobbes, em Leviathan conceitua o estado da natureza como existência de um desejo perpétuo de poder pelos homens, que são iguais na capacidade de alcançar fins. Os bens são insuficientes para satisfazer necessidades, configurando, diante da concorrência imanente, um estado de permanente guerra de todos contra todos, derivando a afirmação de que o homem é um lobo para o homem. Importa demarcar que sua obra legitima o poder absoluto na passagem do estado de natureza pela constituição de um contrato que transfere ao soberano o direito natural que cada um possui sobre todas as coisas. O contrato social confere autoridade e legitima as ordens em nome do bem comum, ao soberano (Estado), sendo a melhor forma de governo a monarquia. (Cf. HOBBES, 1997).
47
românticos “restitucionistas” servia para “justificar o presente (inglês)”. Assim, as
leis, os costumes, as instituições e as hierarquias sociais são legitimadas como
naturais, como herança transmitida por gerações (Idem, p. 48-49) .
“Para Burke, a história é a experiência trazida do passado e legitimada no
presente pelas tradições”, com consequente negação aberta ao “ideário moderno de
valorização do presente, tendo como perspectiva o futuro” (BARROCO, 2008,
p.172), aspectos que certamente alimentam projetos societários emancipatórios. Sob
os auspícios da ordem, da hierarquia e da tradição, a ideologia conservadora
fundamenta a intolerância e justifica o poder dominante legitimado por instituições
pautadas nas formas tradicionais de manter a hegemonia de classe e regular a
sociedade.
Na esteira das implicações da ideologização conservadora é possível
identificar a negação da razão, da democracia, da liberdade com igualdade, da
emancipação da mulher e todas as formas libertárias construídas no contexto do
projeto de modernidade (BARROCO, 2008). Tais aspectos confrontam diretamente
com os direcionamentos ético-políticos do Serviço Social nas últimas décadas.
Burke justifica o poder do governante ao problematizar as decisões de uma
maioria representada, compreendendo que a vontade de muitos, e seu interesse, se
sobrepõem à vontade da maioria, dadas as escolhas “ruins”. Há, ainda, uma relação
direta com a justificação do preconceito, já que o conhecimento deriva, nesta
perspectiva, “dos sentimentos”, da experiência empírica e imediata (Idem, 2008, p.
173).
Nesse contexto cultural de afirmação da dominação conservadora Comte é
identificado como mais um expoente, pelo projeto de instauração de uma sociedade
evoluída, com a presença central dos intelectuais. A filosofia positivista deu margem
à supremacia da cientificidade, pelo poder absoluto da razão, na sua aproximação
com as ciências da natureza.
Compreendendo a sociedade como um organismo constituído de partes
integradas e coesas que funcionam harmonicamente, diante da postura
metodológica rígida na objetividade investigativa, Comte oferece componentes
heurísticos absolutamente funcionais à ordem burguesa em formação e
desenvolvimento, localizando-se como mais uma expressão conservadora.
48
Para Löwy (1994) a ideologização do positivismo expressa uma reação às
ideias negativas, críticas, anárquicas e subversivas da filosofia iluminista e do
socialismo utópico. O esquema axiológico e conceitual inaugurado por Comte e
consolidado por Durkheim trarão consequências diretas na formação da cultura e na
justificação da ordem, sobretudo pela tese da estabilidade e harmonia entre as
partes que compõem a ordem, a justificativa de correções às anormalidades que
dificultam o processo evolutivo.
Embora a Sociologia tenha sido afirmada como Ciência, como disciplina
particular, que procura se afastar de outras disciplinas, como a psicologia
(DURKHEIM,1995), o que se reconhece, por consequência, é uma psicologização
do social, sobretudo pelo tratamento teórico da questão social como uma questão
moral, afastada das determinações econômico-sociais. Assim o positivismo, como
matriz teórico-metodológica, impulsionará o conceito de coesão social como
elemento analítico e prático na estabilização das relações sociais, por meio das
instituições, cujas funções são notadamente de difusão de valores sociais, visando
sua consequente incorporação pelas consciências individuais.25
As premissas teórico-metodológicas do positivismo de Durkheim sustentam,
na esteira da moralização das expressões da questão social e dos efeitos gerados, a
naturalização do papel repressor e controlador das instituições. Nessa perspectiva,
os agentes, que incorporam tais fundamentos, reproduzem funções moralizantes e
agregadoras.
Os elementos teóricos e culturais constitutivos do positivismo, combinando
moralização e psicologização do social, possuem ampla permeabilidade no Estado
monopolista, sobretudo nos contextos de aprofundamento da vocalização pública
das demandas das classes fundamentais e manifestações diversas do
aprofundamento da desigualdade de renda, riqueza e poder. Nesse sentido, as
condições históricas e sociais, em que impera o ethos individualista, da sociedade
25 Durkheim (1995, p: 3-4) propõe a definição da Sociologia como disciplina que possui um objeto específico, os fatos sociais. Estes “constituem em maneiras de agir, de pensar e de sentir, exteriores ao indivíduo, e que são dotadas de um poder de coerção em virtude do qual esses fatos se impõem a ele. Por conseguinte eles não poderiam se confundir com os fenômenos orgânicos, já que consistem em representações e em ações; nem com os fenômenos psíquicos, os quais só têm existência na consciência individual e através dela. (...) Eles são, portanto, de domínio próprio da sociologia”.
49
industrializada, incorporam a resposta assertiva da ideologização da moral positivista
e de seu repertório técnico funcional ao desenvolvimento do capital.26
A relação direta entre ciências da natureza e da sociedade leva à
identificação de leis invariáveis, compreendendo-se o capitalismo como uma fase
evoluída pelo progresso obtido com a industrialização, demandando reformas
adaptativas relacionadas à ordem, à hierarquia e à estabilidade. Ressalta-se que o
funcionalismo “só se interessa pelo caráter conservador de toda instituição ou
comportamento no interior duma sociedade dada.” Assim, a análise das chamadas
disfunções sociais nada mais é do que um manejo de variáveis que permitem nova
funcionalidade, excluindo, no limite, a dimensão histórica dos fatos sociais
(GOLDMANN, 1993, p. 10).
Na ideologia conservadora a autoridade é a base essencial da reprodução de
instituições do passado: família; Igreja; e corporações. Nessa cadeia de poderes
entre indivíduos e família, paróquias e Igreja, Estado e Deus, plasmam-se
justificativas teóricas e políticas, visando seu desenvolvimento coeso, presente em
intervenções comunitárias, o que possui relação sincrética com componentes de
ideologias desenvolvimentistas no contexto da consolidação do capitalismo pós-
segunda guerra mundial, bem como da reação política da própria Igreja na chamada
terceira via, ou seja, na conciliação de projetos liberais e neoconservadores, no bojo
do reformismo conservador (IAMAMOTO, 1995).27
Considerando a reificação das relações sociais sob a ideologia burguesa, as
propostas reformistas e reacionárias são funcionais à reprodução de valores e
26 Há um consenso na tradição marxista que “o capitalismo, no último quartel do século XIX, experimenta profundas modificações no seu ordenamento e na sua dinâmica econômicos (...) Trata-se do período histórico em que ao capitalismo concorrencial sucede o capitalismo dos monopólios”. O capitalismo monopolista recoloca “o sistema totalizante de contradições que confere à ordem burguesa os seus traços basilares de exploração, alienação e transitoriedade histórica”. Na era dos monopólios percebe-se uma potenciação das contradições fundamentais do capitalismo, viabilizando o aumento dos lucros por meio do controle monopolista dos mercados (NETTO, 1992, p.15).
27 O movimento de reação católica é percebido na difusão de diversas organizações que encontram total respaldo na produção de legitimação jurídica pelo Estado. As encíclicas papais, especialmente a Rerum Novarum e a Quadragesimo Anno, são expressões da moralização da questão social e organização da Igreja em torno do projeto de recristianização. No caso brasileiro, dentre as entidades que expressam tal organização podem ser destacadas: o Centro D. Vital, O Instituto de Estudos Superiores, a Ação Universitária Católica, a Liga Eleitoral Católica, os Círculos Operários, criados em 1932, a Ação Católica Brasileira em 1935 (IAMAMOTO, 1995). No aparato do Estado o evidente apoio institucional a esta organização pode ser destacado na criação do Conselho Nacional de Serviço Social em 1938, com o objetivo de centralizar e organizar as ações assistenciais públicas e privadas.
50
comportamentos no cotidiano das relações, pela assimilação espontânea das
tradições e do preconceito, reiterando a realidade desigual.
É na tensão entre os projetos societários, caudatários do projeto da Ilustração
que baliza a Modernidade, que o conservadorismo em suas recentes aparições,
identificadas nas premissas irracionalistas da ideologia pós-moderna, é
hegemonizado, no movimento das Ciências Sociais, das tendências e processos que
respondem à reestruturação do capital e das formas de regulação social.
Importante considerar a ideologização conservadora no contexto de afirmação
da ideologia pós-moderna, tendo em vista a mesma postura legitimadora da ordem,
assentada na “crise” da razão, o que deve ser entendido a partir de dois momentos
emblemáticos: afirmação do projeto revolucionário burguês; afirmação do projeto
revolucionário do proletariado, com a consequente reação conservadora sob novas
bases.
A ilustração se expressa como afirmação do ideário da burguesia
revolucionária na perspectiva da racionalização da relação entre o homem e a
natureza, superando o pensamento místico, forjando-se num tipo de ciência que
corresponde ao utilitarismo, às exigências do seu tempo, um tempo de grandes
descobertas da humanidade que denotam a centralidade da razão. A valorização da
racionalidade, da experiência empírica, coloca-se na perspectiva da instrumentação
formal do conhecimento na relação com a natureza para melhor extrair seus
produtos.
São duas as grandes dimensões, portanto, no pensamento que se
desenvolve no berço do projeto da Ilustração. A primeira é a afirmação da
racionalidade formal-abstrata, centrada na racionalização instrumental que manipula
e controla a natureza; a segunda comporta a racionalização voltada à emancipação
política e humana.
O projeto da Ilustração possibilita a objetivação, no contexto da modernidade,
de um novo projeto societário. A razão, neste contexto de afirmação sociocultural da
ilustração, estará, centralmente, destinada ao conhecimento das legalidades da
sociedade, explicadas, evidentemente, pela matriz instrumental, mecanicista e
utilitarista. Assim, são legitimados conhecimentos que manipulam as evidências
empíricas do imediato.
51
Para avançar na luta contra o antigo regime, a burguesia coloca-se como
classe revolucionária entre os séculos XVII e XVIII, construindo uma hegemonia
cultural e política, para além da determinação econômica e social. Nesse sentido, o
ideário cultural burguês é entendido no contexto da afirmação desta classe como
hegemônica e decisiva para as transformações societárias que derruíram o antigo
regime.
Nas décadas que sucedem a revolução de 1848, quando o proletariado se
apresentou como classe revolucionária, em oposição à burguesia, o
conservadorismo apresenta novos contornos. Para Coutinho “o seu inimigo principal
já não eram apenas os revolucionários democrático-populares, mas também os
movimentos socialistas do proletariado” (Apud NETTO, 2011, p. 10).
A aposta teórica no fragmento, recuperando alguns elementos utilitaristas da
lógica formal-abstrata, é encontrada também na obra de Durkheim (1995),
essencialmente por tratar os fenômenos como coisas. O autor, positivista
consequente, acreditava que os preconceitos, as prenoções poderiam ser afastados,
“como se afastam as viseiras para ver o que se passa em volta”. Não compreende,
desta forma, que esta ideologia reduz o campo visual (LÖWY, 1994, p.31).
Nesse processo de objetividade científica a história se coloca como um
processo universal de evolução da humanidade, cujos estágios permitem análises
comparadas, generalizações, suprimindo-se, por consequência, particularidades
históricas. Já em Weber (1864-1920), por influência do idealismo kantiano e
hegeliano, há o reconhecimento de que os acontecimentos também são
interiorizados pelos indivíduos. Assim, a ordem social não se opõe aos indivíduos
como força exterior, como afirma Durkheim, já que os indivíduos agem motivados
pela tradição, interesses racionais ou emotividade.
A teoria da compreensão de Weber expressa o esforço interpretativo do
passado e de sua repercussão nas características peculiares das sociedades
contemporâneas. Portanto, os fatos esparsos possuem um sentido social e histórico.
A questão metodológica é descobrir os nexos possíveis de sentido em relação a um
aspecto da realidade social. Assim, o cientista também parte de uma preocupação
com significado subjetivo. Entretanto, a incidência do pensamento positivista é
localizado na pretensa neutralidade axiológica nas respostas dadas, pela submissão
52
às regras objetivas e universais, “a um tipo de conhecimento de validade absoluta”
(LÖWY, 1994, p.37).
A naturalização das relações na sociabilidade burguesa será incorporada e
difundida amplamente pelo funcionalismo, com destaque para Robert K. Merton
(1910-2003) e Talcott Parsons (1902-1979). Nessa matriz a análise de um sistema
social considera sua relação com os demais sistemas sociais e com o sistema social
como um todo, para a identificação das variáveis que interferem no funcionamento
do próprio sistema, caracterizando disfunções sociais.
Há uma lógica de dominação da sociedade sobre os indivíduos sociais na
medida em que a consciência coletiva expressa formas padronizadas de conduta e
de pensamentos observáveis no interior de um grupo social. Dessa forma, os fatos
sociais, objeto da sociologia positivista, possuem características como a coerção
sobre os indivíduos, na produção do conformismo diante das regras independentes
das vontades individuais; e sua existência exterior em relação às consciências
individuais, o que produz uma independência das regras sociais, costumes e leis, em
relação aos indivíduos.
Uma dimensão fundamental no movimento de afirmação, sob uma nova
roupagem, de um tipo de conservadorismo funcional à ideologia neoliberal, é
justamente a postura de abandono do recurso à histórica (GOLDMANN, 1993). As
críticas do caráter a-histórico do “estruturalismo não genético” e do funcionalismo
são mais do que a negação da transformação da história, expressa a programação
teórica funcional em sua lógica ao capitalismo contemporâneo, em sua face de
aprofundamento do capitalismo financeiro, no desenvolvimento da modernização
conservadora avançada.
Nesse contexto sócio-cultural as teorias mais aceitas são justamente aquelas
que não possuem perspectiva ontológica e catalogam e conceituam o imediato,
dando uma lógica epistemológica aos discursos (In COUTINHO, 1972).
É possível afirmar, portanto, que o pensamento pós-moderno possui uma
relação com as premissas do pensamento conservador clássico e a racionalidade
formal do conservadorismo. Assim, igualmente, desconsidera a materialidade da
vida social, conformando uma reprodução imediata da singularidade, oferecendo um
largo espaço para o empirismo na descrição factual da realidade. Este sincretismo
permite uma associação entre as bases do conservadorismo e a ideologia do
53
pensamento pós-moderno, sobretudo pelos elementos de funcionalidade
pragmática.
A ideologização pós-moderna, ainda pouco sistematizada no campo das
Ciências Sociais, é funcional aos transformismos em tempos de financeirização da
economia e crise de projetos societários. A partir de tal análise, objetiva-se identificar
seus impactos no Serviço Social, o que certamente mereceria maiores
aprofundamentos e não apenas sinalizações, considerando o contexto de
precarização da formação profissional. Entretanto, objetiva-se revelar o quanto as
formulações teórico-metodológicas são engendradas socialmente e demandam
intervenções que tendem à funcionalidade à reprodução da cultura hegemônica com
força e legitimação das instituições que regulam a vida social, entre elas o próprio
Serviço Social.
2.3 AS ULTRAGENERALIZAÇÕES NO TRABALHO SOCIAL: IMPLICAÇÕES
TÉCNICAS E ÉTICAS
O preconceito é uma construção social, por isso expresso nas práticas
cotidianas e no pensamento. Possui uma função na cotidianidade por sua dimensão
universalizante, com efeitos neutralizadores das possibilidades constitutivas do
próprio ser social, cujo caráter central é momentaneidade, com “(...) natureza
efêmera das motivações e, a fixação repetitiva do ritmo, a rigidez do modo de vida.”
Nesse sentido, trata-se de “um pensamento fixado na experiência, empírico e ao
mesmo tempo, ultrageneralizador” (HELLER, 2008, p. 63).
O cotidiano é o centro real da práxis, a forma em que é produzida a existência
humana (LEFEBVRE, 1991). Assim, a crítica à vida cotidiana requer a apreensão da
totalidade da vida social, em suas determinações e expressões. Sabe-se que a
programação burocrática da vida cotidiana é estruturada para funcionalizar
processos que reproduzem o próprio cotidiano e assim a sociabilidade, subsumindo
a racionalidade econômica aos comportamentos e padrões sociais estabelecidos
como ideais.
Quando há uma aposta no processo de ruptura e suspensão da vida
cotidiana, é possível reconhecer, na contramão dos determinismos, que a alienação
54
é um estado que pode ser identificado e enfrentado, já que os processos sociais
contêm contradições passíveis de saturação pela práxis, pois neste mesmo cotidiano
reificante existem as possibilidades e contratendências.
A ultrageneralização é inevitável na vida cotidiana. As atitudes sociais
baseiam-se em probabilidades e repetições, conformando-se como um juízo
provisório ou uma regra social de comportamento humano. Sua provisoriedade
expressa uma postura de antecipação às atividades cotidianas, sofrendo
interferências e alterações próprias das práticas sociais. “O preconceito é um tipo
particular de juízo provisório”. Assim, em termos da crítica a um preconceito com
efeitos generalizadores e, portanto, reprodutores de condições sociais e políticas, a
teoria e a práxis se distinguem do pensamento e da atividade cotidianos, por
representarem o “humano-genérico” (HELLER, 2008, p. 65).
( . . . ) o homem costuma or ientar -se num complexo soc ia l dado através de normas, dos ester iót ipos (e, por tanto, das u ltrageneral izações) , de sua integração pr imária (sua c lasse, camada, nação). No maior número dos casos, é prec isamente a ass imilação dessas normas que lhe garante o êx ito. Essa é a ra iz do conformismo. Todo homem necess i ta, inevi tavelmente, de uma certa dose de conformidade. Mas essa conformidade conver te -se em conformismo quando o indivíduo não aproveita as possib i l idades indiv iduais de movimento, objet ivamente presentes na v ida cot id iana de sua soc iedade ( Idem, p. 67) .
A zona de conforto é alimentada por preconceitos que são, portanto, juízos
provisórios, inabalados diante da crítica da razão. O conformismo reproduz
ultrageneralizações que em geral encobertam as reais determinações da estrutura
da vida social, cristalizando motivações que se aprisionam nas necessidades
individuais. Em tempos de parasitismo e presentismo, é preciso fortalecer
racionalidades que partindo do próprio cotidiano, potencializem valores sociais
emancipatórios agregados na sociedade.
Adotando-se o princípio da historicidade ressalta-se que a condução da vida
cotidiana a partir de uma nova racionalidade não se converte em possibilidade real,
social e universal, sem prescindir da superação do estado de alienação. Entretanto,
é possível empenhar-se na condução da própria vida, ainda que as condições
econômico-sociais favoreçam e refuncionalizem a própria alienação.
55
O pensamento conservador incidiu no Serviço Social com repercussões
políticas, éticas e técnicas estruturantes. As formas interventivas reprodutoras de
valores apegados no passado, nas tradições e funcionais à desigualdade em suas
múltiplas implicações, não estão totalmente superadas. Estas carecem de crítica
consistente, do reforço à amplificação dos valores sociais que anunciam o tempo
futuro que supera a base negada. Conduzir escolhas, nesse sentido, não significa
abolir a espontaneidade da vida cotidiana, mas revela a atitude consciente do
indivíduo como humano-genérico, num movimento que se apropria da realidade e
impõe a marca de sua personalidade (HELLER, 2008; GRUPPI, 1978).28
A ligação do indivíduo social ao cotidiano é fato, qualquer que seja sua
posição na divisão social e técnica do trabalho. No caso do Serviço Social a
cotidianidade da população usuária dos serviços sociais, ganha contornos de
moralização, controle e reorganização das atividades. O Estado, especialmente
pelos mecanismos coercitivos e pelas políticas sociais, exerce a função de
programar as ações reprodutoras de estados tidos como normais e aceitáveis
socialmente, cabendo aí adjetivações diversas que pouco ou em nada retiram os
impactos da coisificação.
No desenvolvimento do trabalho social prevalece o controle, a vigilância das
famílias pobres. As novas práxis são ofuscadas pelas instrumentalidades
impregnadas de valores preconceituosos, em geral vinculados ao mundo pré-
moderno. Como efeito, visualizam-se ações segregadoras, que patologizam os
indivíduos sociais; instituições que aprisionam as subjetividades políticas, suprimem
as possibilidades de desenvolvimento da autonomia e da participação crítica na vida
social; ações que reforçam o lugar social dos indivíduos; profissionais operadores
das velhas formas de controlar e assistir.
As profissões respondem às requisições sociais e institucionais e podem
reposicionar seus projetos sócio-políticos em contextos particulares, com exercício
28 “Gramsci observa que em todo homem está presente uma consciência imposta pelo ambiente em que ele vive, e para a qual, portanto, concorrem influências diversas e contraditórias. Na consciência do homem, abandonada à própria espontaneidade, não ainda criticamente consciente de si mesma, vivem ao mesmo tempo influências ideológicas diferentes, elementos díspares. Diante da espontaneidade e subordinação da consciência, diz Gramsci, a questão é “elaborar a própria concepção do mundo consciente e criticamente, e, portanto, em conexão com esse trabalho do cérebro, de escolher a própria esfera de atividade, de participar ativamente na produção da história do mundo, de ser guia de si mesmo e de não mais aceitar passivamente do exterior a marca da própria personalidade” (GRUPPI, 1978, p. 67).
56
da capacidade ontológica de escolher entre as possibilidades históricas concretas.
Evidente que a latência dos valores que afirmam novas objetividades mobiliza
atividades individuais. Tal assertiva dimensiona a centralidade da ética profissional
como mediação profissional na atitude reflexiva e transformadora, ao mesmo tempo
desafia seus agentes à crítica aos componentes estruturantes das profissões.
As ultrageneralizações estão presentes nas atitudes profissionais por serem
insuprimíveis do cotidiano. Determinação que demanda das próprias profissões
posturas teórico-metodológicas críticas no trabalho social, capazes de interpelar a
realidade, substrato da prática, e, sobretudo direcionar, com sustentação de
princípios éticos da cultura profissional, a intervenção profissional.
No caso do Serviço Social, a superação das ultrageneralizações
coisificadoras e naturalizadoras da questão social pela postura teórico-crítica, requer
o conhecimento da realidade social da população usuária dos serviços sociais e o
desenvolvimento de mecanismos que favoreçam o acesso aos direitos com
protagonismo.
A análise sobre as prerrogativas profissionais no desenvolvimento do trabalho
nos serviços sociais, diante inclusive da natureza interventiva do Serviço Social nos
processos sócio-institucionais, alimentam posicionamentos acerca da centralidade
da dimensão educativa no sentido da difusão de valores e princípios que engendram
novas práticas, seja no atendimento direto aos usuários ou nos processos
relacionados com a gestão socia. Entretanto, este fazer profissional é
essencialmente significado teoricamente e legitimado em sociedade, no contexto das
demandas institucionais.
As profissões são socialmente construídas, sofrendo influência dos projetos
societários e coletivos, das dinâmicas institucionais, da interferência do Estado. A
análise da profissionalização possui diferentes contribuições teóricas, balizadas por
concepções ideo-políticas que justificam a necessidade histórica e a permanência do
“lugar” das profissões na divisão do trabalho.
O trabalho social relevante na construção de novas práxis depende de rigor
teórico que legitime saberes e fazeres socialmente necessários, o que remete à
compreensão da formação e do desenvolvimento das profissões.
57
2.4 PROFISSÕES: REVISÃO TEÓRICA DA CONSTRUÇÃO SOCIAL DO
SABER/PODER
Nas propostas explicativas funcionalistas e estrutural-funcionalistas sobre a
profissionalização são reconhecidos elementos como: origem; funcionamento;
função; características; objetos; métodos, metodologias e técnicas. Tal abordagem
está vinculada ao entendimento da profissão como resultante dos próprios
profissionais organizados. Assim, suas representações sobre o significado do seu
trabalho e do seu lugar na sociedade ganham dimensionamento de explicação das
relações sociais, a exemplo das elaborações de Talcott Parsons.
Esta é a questão central e diferenciadora das abordagens: na visão
funcionalista as profissões29 são classificadas e descritas como elas mesmas se
auto-representam, suprimindo-se as determinações sociais, políticas, econômicas e
culturais. Ao mesmo tempo, perspectivas estruturalistas gravitam entre abordagens
classificatórias ou críticas quando é supervalorizada a interferência das estruturas,
sejam institucionais ou sociais, afastando-se, assim, das implicações mais amplas e
da contradição constitutiva da sociedade e da própria profissão.
As generalizações produzidas nas abordagens funcionalistas são
desconstruídas quando estudos aproximados da realidade cotidiana revelam a
dicotomia entre imagem produzida e o real. Da mesma forma e especialmente,
quando abordagens totalizam, capturam as contradições e a historicidade, é
possível revelar o real e não o meramente representado por poucos que ocupam
espaços de poder acadêmico e político-organizativo.
Para Durkheim (1978, p. 19) uma nação só pode se manter se “intercalar toda
uma série de grupos secundários que sejam bastante próximos dos indivíduos para
atraí-los com força à sua esfera de ação e encadeá-los assim na corrente geral da
vida social”. Assim, os grupos profissionais “são aptos para preencher este papel”,
com centralidade na busca da solidariedade e da integração social, no bojo da
divisão social do trabalho cuja função é o desenvolvimento da civilização.
29 Segundo Dubar (1998) no Ocidente, tanto as profissões “sábias” como as de ofício possuem uma origem comum nas corporações, portanto relacionadas com o modo de organização do trabalho. Com o surgimento das Universidades é que a distinção entre profissão se consolida.
58
A matriz funcionalista de profissão atribui às corporações e profissões
individuais justificam a sociedade como uma teia de interdependência em que os
profissionais, especialmente aqueles com maior poder cultural, desempenham uma
função agregadora e propagadora de projetos hegemônicos.
Freidson (1998) é uma das referências centrais na produção teórica sobre
“profissionalismo”, nas Ciências Sociais. O autor parte da valorização das
“mudanças sociais” das últimas décadas e do conhecimento como aspectos que
reforçam e impulsionam o profissionalismo, orientado pela definição de
competências nas empresas e na educação.
Para o autor a profissão é um tipo de ocupação que se diferencia das demais
pelo conhecimento e competência, especialidades fundantes na realização de
atividades no âmbito da divisão do trabalho, sendo, dessa forma um princípio
ocupacional de organização do trabalho.
O monopólio do conhecimento especializado, desenvolvido pelo acesso ao
ensino superior é, assim, determinante da inserção das profissões no mundo do
trabalho, sendo que seu poder de monopolizar seria uma maneira de afirmar um
estatuto profissional pelas competências no mercado de trabalho, numa relação de
inclusão/exclusão, motivada por interesses sociais.
A regulação e o controle da formação e do exercício profissional constituem a
base do poder, exercido pelas Universidades, pelas formas de organização
profissional e pelo Estado. A base do poder da monopolização de conhecimentos e
de práticas consequentes é formada pelas seguintes dimensões: autonomia
profissional; a expertise, expressa no conhecimento abstrato; e o credencialismo,
que permite o controle institucionalizado da profissão (FREIDSON, 1998).
Particularizando, ainda, o poder profissional como determinante da
inserção/manutenção da profissão no mercado de trabalho, Freidson ressalta, além
do acesso ao conhecimento, em suas dimensões abstrata e formal na educação
superior, que o credencialismo, o controle rígido das profissões por instituições
profissionais e pelo Estado, como um elemento fundamental da profissionalização.
A relação entre poder institucional e competências possui uma dimensão de
ideologização que além de fragmentar as profissões e tender ao corporativismo,
subordina as mesmas às instituições capitalistas (LARSON in BARBOSA, 1999)
Embora tal análise possa revelar uma tendência estruturalista, é preciso reconhecer
59
a relação direta entre profissões especializadas e demandas de reprodução da
sociedade capitalista.
A focalização na ocupação como aspecto estruturante da profissão, com
menor interferência da “administração”, leia-se aqui os processos de gestão e
racionalização do trabalho com bases tayloristas, revela-se insuficiente para uma
análise totalizante das profissões inscritas na divisão social e técnica do trabalho.
Novas questões são delimitadas no esforço explicativo: diante das transformações
emergentes no contexto de reestruturação produtiva, particularmente entre as
décadas de 1970/80, as profissões sofreriam metamorfoses que as reconfiguram? O
debate sobre as profissões, as transformações impulsionadas no contexto do
capitalismo contemporâneo suscitaria questionamentos da capacidade das
profissões em manterem seu poder profissional.30
No contexto de afirmação da racionalização e organização do trabalho no
bojo da cultura chamada de pós-industrial, sobressaem instituições estatais ou
associações profissionais, algumas com maior poder e natureza regulatória outras
de direcionamento político, como sendo fundamentais no processo de definição das
profissões. Emerge, assim, a análise sobre a racionalização e gestão do trabalho.
Nesse sentido, a inserção qualificada na divisão do trabalho depende também do
modo como os sujeitos vinculados à profissão são conduzidos continuamente a
definir e estabelecer as bases de sua intervenção social.
Acompanhando as análises de Freidson a produção teórica sobre a sociologia
das profissões dará centralidade ao princípio ocupacional na análise da
profissionalização. Com a expansão do profissionalismo, sobretudo pelo aumento do
ensino superior e de valorização do status profissional, “os profissionais podem não
controlar, em grande medida, os recursos do seu trabalho, mas podem direcionar o
fazer profissional” (1998, p. 99).
Na abordagem de Freidson é enfatizado o desenvolvimento progressivo de
formas de controle dos trabalhadores pela classe capitalista, tanto no espaço de
trabalho como na sociedade, no contexto da evolução progressiva da ciência, das
tecnologias e mesmo das profissões, entre elas aquelas cuja finalidade é reproduzir
30 As análises sobre as mudanças pós 1970 e as possibilidades de manutenção de “privilégios” e proteção das profissões no mercado de trabalho são conduzidas especialmente por Johnson, Freidson e Larson.
60
as relações sociais de produção. Uma profissão designa “(...) uma ocupação que
controla seu próprio trabalho, organizada por um conjunto especial de instituições
sustentadas em parte por uma ideologia particular de experiência e utilidade” (1998,
p. 33).
Os padrões culturais e a disposição das camadas sociais podem modificar a
posição ou o status de uma profissão. Aspectos que remetem à compreensão de
que uma profissão é determinada socialmente, na associação entre novas e velhas
atividades influenciadas pelo desenvolvimento econômico e científico.
Nessa perspectiva teórica, as profissões são conjugadas entre o papel da
universidade, das organizações profissionais e o Estado. Assim, os profissionais
diferenciam-se pelo poder exercido socialmente, a exemplo do assistente social, a
quem historicamente coube à função de “triar” o acesso aos benefícios sociais.
Desse modo, são criadas escolas profissionais, associação e outras organizações
profissionais e medidas estatais de reserva de mercado, com efeitos monopolistas.
A dinamicidade do processo de legitimação de um grupo profissional possui
relação com a disposição de condições objetivas de poder e inserção no mundo do
trabalho. Os grupos profissionais, assim, travam uma verdadeira luta por sua
classificação, procurando escapar das investidas de desclassificação ou
reclassificação, considerando que com o mesmo nível de reconhecimento
universitário podem ocupar posições menos valorizadas ou descartáveis na
hierarquia ocupacional.
O efeito da multiplicação dos diplomados, inflacionando o mercado
perversamente seletivo, conduz a uma relativa desilusão ou mesmo banalização do
rigor credencialista. Por que se submeter às regras do espaço acadêmico se é
possível acessar postos com o mesmo grau de valorização ou obter facilidades no
acesso precarizado, a exemplo da forma como o ensino a distância está organizado
no Brasil?31
Para Bourdieu, ganha centralidade no processo de profissionalização a
relação política entre o “sistema de ensino” e o “aparelho econômico”, sendo que o
31 Em Homo Academicus (Paris, Minuit, 1984), Bourdieu aborda o conceito de inflação de diplomados quanto à resposta de certos agentes em criar novos mercados e profissões para proteger portadores de certificados escolares desvalorizados. (In: CATANI, 1998, p. 12). Pode-se conceber isso como um elemento de gestão do mercado, ganhando centralidade o próprio Estado.
61
primeiro possui relativa autonomia na produção de “produtores” com certa
competência técnica (da qual não tem o monopólio exclusivo), por dotar seus
diplomas de “valor universal e relativamente intemporal” (NOGUEIRA, CATANI,
1998, p. 131). Entretanto, e cada vez mais, os “agentes econômicos” procuram
construir formas estratégicas de controlar mecanismos próprios que correspondam
ao seu tempo de produção, suas necessidades produtivas, em detrimento da
autonomia do sistema de ensino.
Sobressai na luta política regulatória à disposição da luta cotidiana entre as
classes para se defenderem dos efeitos da exploração ou para exercerem a
exploração; obtenção do rendimento máximo de seus diplomas, com maior proveito
de seus cargos, ou obtenção de capacidades pelo menor “preço” (Idem, p. 135).
Os mestres da economia têm o interesse em supr imir o d ip loma e seu fundamento, ou seja, a autonomia do s istema de ensino; interessa- lhes a confusão completa entre d ip loma e cargo. Desejam ter as capacidades técnicas produzidas pelo instrumento de produção de produtores (SE), sem pagar a contrapar t ida, ou seja, as garant ias que confere a exis tênc ia de um SE re lat ivamente autônomo. O SE não produz competênc ia (por exemplo, as capac idades do engenheiro) sem produzir o efe ito da garant ia universal izante -etern izante da competência (o d ip loma de engenheiro) ( Idem, p. 136) .
Os produtores de diplomas e seus portadores defendem sua valorização, mas
podem entrar na regra do jogo do mercado. Da mesma forma, o valor conferido a um
diploma não é pessoal, mas sim coletivo e socialmente determinado. A força de um
diploma não se mede pela pressão da quantidade de diplomados. Mas, pelo
acumulo de legitimidade, em decorrência de sua distinção como grupo, servindo de
base para reagrupamentos como associações e conselhos profissionais.
Numa perspectiva weberiana a formação profissional possui efeitos de
racionalização do trabalho numa burocracia normativa, cujo objetivo é sustentar uma
relativa superioridade social, sendo que o conhecimento acadêmico coloca-se como
o sustentáculo da expertise. Desse modo, as profissões são grupos legalmente e
socialmente privilegiados, com diferenciações entre si, desde as profissões
eminentemente assalariadas, denominadas ocupacionais, até as liberais,
consideradas com elevado status. Muito embora, os profissionais liberais
assalariados possam exercer maior controle do conteúdo do seu trabalho pelo
62
conhecimento específico e competência, também são subordinados às regulações
estatais e dinâmicas do mercado de trabalho.
Algumas produções teóricas de maior difusão no âmbito do Serviço Social
elegem, pelo método implícito, aspectos centrais na crítica ao processo de
profissionalização e constituição da profissionalidade: relação entre profissão e
determinações sociais, políticas, econômicas e culturais; interferência do Estado na
regulação social das demandas transformadas em requisições, particularmente na
política social; relação entre autonomia e dinâmicas institucionais; construção do
projeto profissional.
Uma das formas de explicar a profissão para a garantia da legitimidade e
monopólio do saber e do fazer é o estabelecimento da relação entre profissão e
projeto. A abordagem do projeto ancorada, entre outras fontes, especialmente em
Gramsci, dá o sentido de unificação de uma categoria plural, com interesses
diversos, em torno de um projeto coletivo, orientado por um projeto de sociedade,
tornando-se ético-político na medida em que supera interesses individualistas,
egoístas e passionais (GRAMSCI, 1978). Evidentemente que o poder é um atributo
central na disputa ideo-política pela distinção e classificação das profissões
(DUBAR, 1998), porém não é suficiente para explicitar as determinações de uma
profissão.32
Na constituição de uma profissão, ganha centralidade o papel do Estado, com
grande impulso diante da valorização progressiva da educação para o trabalho.
Assim, a autonomia profissional é um atributo essencial na manutenção do poder
(relativo), dimensionado pela capacidade e desempenho das profissões e de suas
organizações representativas.
As organizações profissionais possuem a potencialidade de direcionar seu
coletivo pela motivação de interesses convergentes, o que dinamiza a própria
profissão e seus espaços políticos e organizativos. As motivações que mobilizam
uma profissão não podem ser deduzidas a priori, suprimindo o sentido da história,
mas pelo percurso da própria história analisada teoricamente. A produção teórica e a
atividade política das organizações profissionais compõem a legitimidade social de
32 A hegemonia é uma relação que evidencia os conflitos sociais, os posicionamentos opostos que se expressam na vivência política dos grupos sociais, que revelam forças sociais antagônicas que tendem ao “fortalecimento das relações de domínio, o equilíbrio entre coerção e consenso ou a ampliação da participação política e da organização da sociedade civil” (GRUPPI, 1978, p. 19).
63
uma profissão. Entretanto, a profissão é construída socialmente, o que reforça a
centralidade das respostas às requisições sociais e institucionais em contextos
particulares.
2.5 CONCEITUAÇÕES DO SERVIÇO SOCIAL COMO PROFISSÃO E DISCIPLINA
DO CONHECIMENTO
A organização dos Programas de Pós-graduação em Serviço Social, a partir
de 1970, possibilitou a emergência de uma nova intelectualidade, fundamental no
redirecionamento político e institucional da própria profissão, consolidando entre as
décadas de 1980 e 1990 um projeto profissional que sintetiza uma profissionalidade
sintonizada com requisições inaugurais, no contexto de implementação das
conquistas parciais e reclamáveis porque inscritas na Constituição de 1988.33
Evidentemente que a produção de conhecimento é apenas um dos pilares do
processo de profissionalização, entretanto o fundamental, pelo efeito de constituir a
autonomização de escolhas conscientes e orientadas por uma moralidade
construída.
A profissão como objeto de investigação é analisada em diferentes
abordagens que procuram, aportadas em matrizes teórico-metodológicas
particulares, responder questões centrais da sua profissionalização: que aspectos,
determinações fundaram o Serviço Social no Brasil e no mundo? O que é Serviço
Social? Qual é o objeto e quais os objetivos do Serviço Social?
Como consequência da implantação de programas de pós-graduação em
Serviço Social no Brasil, no final da década de 1970 e especialmente na década de
1980, as análises sobre os fundamentos da profissão passam por uma profunda
revisão, dada a incidência da teoria social crítica. As formas particulares de analisar
a natureza e o significado da profissão possibilitam ampliar o espectro de
interpretação das determinações e dinâmicas institucionais no exercício profissional.
Como efeito direto, em termos do estatuto normativo-jurídico, presencia-se um
33 No Serviço Social a pós-graduação inicia-se na década de 1970, criando um importante interlocução com as diferentes áreas do saber e diferentes tendências teórico-metodológicas. Entretanto, é evidente a importância de autores como Antonio Gramsci, Georg Lukács, Agnes Heller, Eric Hobsbawm, entre outros (CARVALHO; SILVA e SILVA, 2005)
64
deslocamento de foco do indivíduo e ações integradoras, para relações sociais e
realização dos direitos na direção emancipatória. Tal trânsito, construído
historicamente, contou com a apropriação da teoria social marxista e marxiana.34
A produção acerca dos fundamentos históricos e teórico-metodológicos do
Serviço Social reúne obras de autores de importante circulação nacional e latino-
americana, notadamente Maria Lúcia Martinelli, Vicente de Paula Faleiros, Maria
Carmelita Yazbek, Ivete Simionatto, Marina de Abreu e Yolanda Guerra, entre outros
autores, que estabeleceram interlocuções com a teoria social crítica, totalizando
determinações incidentes na profissão, posicionada na história social.35
A síntese sobre a interpretação do Serviço Social como profissão tem como
ênfase as produções de Marilda Iamamoto e José Paulo Netto, que abordam
temporalidades distintas, entre a gênese e a contemporaneidade, 1930/60 e
1960/80, respectivamente, e possuem grande incidência na produção da linguagem
profissional e no adensamento do projeto ético-político.
Os fundamentos do Serviço Social passam a ter uma interpretação histórico-
crítica, com grande repercussão, por meio das contribuições de Marilda Iamamoto,
em conjunto com Raul de Carvalho, na obra lançada originalmente em 1982,
Relações Sociais e Serviço Social no Brasil.36 Além do desenvolvimento de análises
seminais para a formação de um novo repertório categorial, como autonomia relativa
e Serviço Social como especialização do trabalho coletivo, sua produção revela a
tendência de superação de análises endogenistas, descritivas e a-históricas.
Em José Paulo Netto a obra Ditadura e Serviço Social: uma análise do
Serviço Social no Brasil pós-64 (1995) ocorre uma rigorosa releitura do processo de
ampla renovação da profissão, com consequências fundantes para a constituição de
um perfil crítico, mas, sobretudo, para o reconhecimento dos processos
34 A teoria “marxiana” remete aos escritos elaborados e de responsabilidade direta de Marx. Sua produção serviu de base para tradição teórica e política, reconhecida como “marxista”.
35 Iamamoto, em Serviço Social em tempo de capital fetiche, aborda as formas particulares de interpretação dos fundamentos da profissão. A autora destaca os autores e as distintas teses: expansão monopolista e o sincretismo em Netto; a identidade e alienação em Martinelli; políticas sociais, relações de força e poder em Faleiros; proteção e assistência social em Costa e Yazbek; hegemonia e organização da cultura em Simionatto e Abreu.
36 Outras obras de Iamamoto foram fundamentais para a formação de uma base histórico-crítica, particularmente Renovação e Conservadorismo no Serviço Social: ensaios críticos (1992), O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional (1998) e a mais recente produção Serviço Social e tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social (2007).
65
macrossocietários e seus impactos na profissão, contextualizando a dos monopólios,
possibilitando análises fundamentais da profissionalização, desenvolvimento e
renovação da profissão. A abordagem de Netto, igualmente, permite considerar tanto
as dinâmicas internas da profissão como as demandas sócio-institucionais como
fatores determinantes, particularizando o regime autocrático burguês, partindo dos
elementos de continuidade, típicos da formação social brasileira.
2.5.1 Serviço Social como especialização do trabalho coletivo
Superando perspectivas endógenas, Iamamoto (1982) aborda a profissão a
partir das análises sobre as relações sociais de produção, na sociabilidade do
capital, considerando os processos de alienação e reprodução social, tendo como
efeito analítico um deslocamento fundamental: de profissão como mero resultado de
um contexto mais abrangente, para serviço social enquanto constitutiva da produção
e reprodução das relações sociais capitalistas. 37
Inspirada na tradição marxiana a autora concebe o Serviço Social
considerando seu significado histórico a partir da sua inserção na sociedade.
Apreende o “serviço social como profissão no contexto de aprofundamento do
capitalismo na sociedade brasileira”. Busca, assim, “desvelar o significado social
dessa instituição e das práticas desenvolvidas em seu âmbito” (IAMAMOTO, 1982,
p. 15. grifos nossos).
A interpretação teórico-crítica do Serviço Social como instituição transita no
reconhecimento totalizante dos processos que determinam a reprodução das
relações sociais da ordem burguesa e a particularidade da formação social
brasileira. A partir da problemática da polarização entre profissão a serviço da
burguesia e profissão comprometida com os interesses da classe trabalhadora, a
autora constrói a base dos fundamentos que justificam historicamente a origem e o
37 A contribuição teórica de Iamamoto recupera os traços particulares da formação sócio-histórica brasileira, com explicitação de particularidades econômico-sociais, culturais e políticas, nas vinculações entre as oligarquias e a pequena burguesia, na junção entre o moderno e o arcaico, as feições patrimonialistas, entre outros determinantes forjados e explicitados no cotidiano de trabalho no âmbito da política social, como a ideologia do favor e do mando, os constrangimentos na realização dos direitos entre outros processo imbricados no exercício profissional.
66
desenvolvimento da profissão: o processo de produção social e seus mecanismos
reificantes, avançando na tessitura das relações imbricadas, no cotidiano, nos
modos de ser e de pensar e suas implicações.
Em suas análises críticas, a profissão é apreendida em seus nexos de
funcionalidade à sociabilidade burguesa, o que se adensa com o reconhecimento
dos processos basilares da divisão social e técnica do trabalho. O fundamental aqui
é reconhecer sua formulação sobre o significado social da profissão na sociedade
capitalista, por situá-la como “um dos elementos que participa da reprodução das
relações de classe e do relacionamento contraditório entre elas”. Desse modo,
Iamamoto apreende a “profissão historicamente situada, configurada como um tipo
de especialização do trabalho coletivo dentro da divisão social do trabalho peculiar à
sociedade industrial” (1982, p. 91).
Assim, a profissão é tida como “realidade vivida e representada na e pela
consciência de seus agentes” e como “atividade socialmente determinada pelas
circunstâncias sociais objetivas que conferem uma direção social à prática
profissional” (idem).
Importante observar que Iamamoto localiza a profissão inserida no processo
social, nas tensões entre as classes, constituindo um conjunto de sistemas de
mediações que possibilitam as alternativas de ação. Desse modo, e com o recurso
das categorias reprodução social e intelectual orgânico, o assistente social é situado
como partícipe dos processos de reprodução social, podendo na mesma atividade
responder aos interesses do capital e do trabalho. O Serviço Social só pode
fortalecer um ou outro polo “pela mediação de seu oposto”, assim, participa “dos
mecanismos de dominação e exploração” e
( . . . ) ao mesmo tempo e pela mesma at ividade, da resposta às necess idades de sobrevivênc ia da c lasse t rabalhadora e da reprodução do antagonismo nesses interesses soc ia is , reforçando as contradições que const i tuem o móvel bás ico da h istór ia. A part ir dessa compreensão é que se pode estabelecer uma estratégia prof iss ional e pol í t ica, para for ta lecer as metas do capita l ou do trabalh o ( IAMAMOTO, 1982, p. 75).
Evidente que, embora não compareça com maior ênfase, a política social
justifica-se como espaço contraditório de correspondência aos direitos parciais do
67
trabalho, ao tempo em que regula a vida social. Desse modo não se suprimem as
forças contraditórias do contexto social, e ressalta-se a dimensão política da prática
na contramão de falsa neutralidade axiológica. O reconhecimento do significado
sócio-histórico da profissão é passo indispensável para a leitura da dinâmica
institucional e das estratégias empregadas no atendimento prioritário de demandas
do capital ou do trabalho.
A questão social é apreendida como base fundante do Serviço Social, na
transição de capitalismo concorrencial ao monopolista, por meio da progressiva
intervenção do Estado mediante, especialmente, as políticas sociais, num contexto
de racionalização da oferta e acesso aos serviços sociais e visibilidade política da
classe trabalhadora.
Na interpretação da localização do assistente social na prestação de serviços
sociais é reconhecida a natureza de uma atividade profissional liberal, porém
assalariada pelo Estado ou patronato, realidade que inscreve a profissão como uma
“tecnologia social” e o profissional como “um técnico”, em geral em políticas
específicas, como um intelectual subalterno” (IAMAMOTO, 1982, p. 110-111). Cabe
sublinhar o entendimento da profissão subalternizada socialmente pela lógica dos
mecanismos de produção e reprodução da vida social, maiores do que
intencionalidade e estratégias profissionais, assim como as implicações político-
ideológicas dos direitos e serviços sociais.
Na análise sobre a trajetória da profissão nos marcos da gênese,
desenvolvimento e consolidação, iluminada pelo aporte categorial crítico, a autora
elucida o seu significado social, que tende aos mecanismos de difusão da ideologia
da classe dominante junto à classe trabalhadora. Entretanto, no movimento
totalizante do método crítico-dialético, sempre recupera a contradição e historicidade
como categorias centrais e explicativas das atividades profissionais.
No processo de auto-representação crítica e de legitimação, a autora situa os
caminhos para as crises da profissão, o que certamente prescinde do mero
aprimoramento técnico-operativo. Para aqueles que recuperam as bases políticas,
as crises e legitimações “incorporam as contradições básicas da ordem burguesa”
(IAMAMOTO, 1982. p. 157).
Ao abordar a questão social diante da organização monopolista e sua relação
com o Serviço Social, a autora explicita o cunho essencialmente político-ideológico
68
da prática profissional, já que a eficácia da atuação profissional é ideológica, embora
travestida de técnica (Idem, p. 177).
Como síntese fundamental da obra de Iamamoto para a análise da profissão
na sociedade capitalista, sob o risco das imprecisões e reducionismos, ressalta-se,
partindo-se das ambiguidades de seu estatuto e particularidades de seu perfil
profissional, o entendimento de que a profissionalidade do Serviço Social é
construída nas relações entre as classes no interior da divisão social e técnica do
trabalho, e suas atividades são tensionadas pelo conflito de interesses.38
Outro elemento fundamental para a análise da profissão é que a obra de
Iamamoto abre o debate sobre o Serviço Social configurar-se como trabalho
produtivo ou improdutivo, ainda que o maior empregador seja o Estado no âmbito
dos serviços sociais. Para a autora a profissão não está inscrita de modo
predominante em “atividades diretamente vinculadas aos processos de criação de
produtos e valor, o que não significa o seu alijamento da produção em sentido amplo
(produção, distribuição, troca, consumo)”. Entretanto, a profissão está integrada às
condições indispensáveis ao funcionamento da força de trabalho, à extração da
mais-valia (1982, p. 86; 2007, p. 256).
A crítica às formulações teóricas de Iamamoto sobre Serviço Social como
trabalho, veiculada por Lessa (2007), na análise sobre a obra Serviço Social na
Contemporaneidade, quando é antecipado o grande desafio profissional, com
grandes repercussões, inclusive pela incorporação deste entendimento no Currículo
Mínimo, passa, entre outros aspectos: pela identificação de todas as ações humanas
ao trabalho, afastando-se do trabalho sua especificidade, ou seja, o intercâmbio com
a natureza; pela identidade entre matéria prima, no caso do Serviço Social a questão
social, e objetividade social; conceito de meios e instrumentos de trabalho é
“ampliado para conter o que é necessário à profissão do assistente social; a
postulação de um produto não material” do trabalho do assistente social, quando
objetividade que não é material, na perspectiva marxiana, não é nada, já que o que
particulariza as materialidades são as determinações ontológicas distintas; a
identificação do assistente social como parte do trabalhador coletivo, por ser
38 Entre as ambiguidades destaca-se a condição de profissional liberal, porém predominantemente assalariado e características do perfil, como o predomínio absoluto de mulheres, de baixa escolaridade e renda.
69
necessário à reprodução social, socialmente útil, como parte do trabalho combinado,
tendo por efeito a diluição do proletariado no “restante dos assalariados” e o
“cancelamento da função social que faz o operariado uma classe distinta do restante
dos assalariados” (Idem, pp. 89-105).39
A partir da perspectiva de Iamamoto, o Serviço Social (com ampla adesão) é
considerado trabalho que transforma uma matéria-prima, no caso a questão social,
que se insere em processos de trabalho e que o resultado é imaterial. Outra
argumentação essencial na proposta teórica é que o Serviço Social é necessário à
reprodução social, tem um valor de uso, resulta da divisão social do trabalho,
participa do trabalho social produzido pela sociedade, podendo, na empresa ou em
outros contextos determinados, ser um trabalhador produtivo membro do trabalhador
coletivo.
Para Lessa (2007), na formulação de Iamamoto, o “trabalho deixa de ser o
intercâmbio orgânico com a natureza para se converter na totalidade da práxis
social” (p. 103), afastando-se das categorias de Marx. A perspectiva totalizante de
reconhecer o Serviço Social como trabalho com produtos imateriais, para o autor
incorreu em equívocos, já que a função do assistente social é prestar “serviços de
assistência social”. O assistente social presta um serviço que interfere na “vida social
através da reprodução de valores, culturas, comportamentos, etc.” (p. 98).
Apesar da interpretação reducionista de que Serviço Social presta serviços de
assistência social, o que exigiria nesta parte uma ampla argumentação teórica sobre
a composição dos sistemas de proteção social, a especificidade normativo-jurídica
da assistência social e a dimensão assistencial como constitutiva das demais
políticas específicas, cabe sublinhar a interpretação da profissão como prestação de
serviços sociais com implicações ideo-políticas. Ressalta-se, nesse sentido, o papel
“agregador” e direcionador dos projetos profissionais, sem com isso identificar a
profissão como trabalho, compondo o trabalhador coletivo, ainda que a identificação
ético-política seja esta.
Importante sublinhar que a definição do Serviço Social como prestação de
serviços que reproduzem valores, comportamentos e culturas remete, na direção do
39 O objetivo da síntese do diálogo entre os autores foi situar a polêmica que permitiu deslocamentos na explicitação teórica e mesmo aprimoramentos que só fortaleceram a compreensão do acumulo teórico na compreensão da profissionalidade, da profissão inscrita nos processos mais amplos que contraditoriamente regulam e são regulados politicamente.
70
que Iamamoto preconiza, uma angulação totalizante da inserção profissional nos
processos de reprodução da vida social, revelando, desse modo, uma contradição n
no contraponto de Lessa à localização da profissão nos processos mais amplos.
Resumir serviço social a uma “ideologia” reduz a compreensão das profissões como
constitutivas da sociabilidade. As perspectivas reducionistas possuem coerência
com visões neofuncionalistas e não sócio-históricas.
Na análise das convergências interpretativas da produção contemporânea
que conta com especial contribuição de Iamamoto, sobressai o reconhecimento da
questão social como “determinação essencial da constituição da profissão”
apresentando-se na atualidade “(...) sob novas mediações históricas, que atualizam
as características determinantes da lógica do capital nas particularidades da
formação econômica, social e político-cultural da sociedade brasileira” (IAMAMOTO,
2007, p. 259).
Outros elementos importantes para a conceituação do que seja a profissão
podem ser reconhecidos na produção da autora: profissional linha de frente na
relação entre instituições e demandas por serviços, com poder de interferência na
viabilização dos direitos e difusão de informações sobre a população usuária; um
“técnico em relações humanas por excelência”; exercício profissional com dimensão
educativa que incide sobre “valores, comportamentos e atitudes”; atua nas
expressões das relações sociais no cotidiano da vida da população, dispondo de
relativa autonomia (Idem, p. 262-263).
Para analisar o Serviço Social como profissão é essencial partir da
contribuição teórica de Iamamoto (2007, p. 215) quanto à relatividade da autonomia,
embora seja um profissional liberal, tendo em vista sua condição de trabalhador
assalariado. Sua autonomia é “tensionada pela compra e venda dessa força de
trabalho especializada a diferentes empregadores” (Estado, empresariado,
organizações de trabalhadores e outras organizações da sociedade civil). Cabe,
portanto, destacar que “o significado do trabalho profissional do assistente social
depende das relações que estabelece com os sujeitos sociais que o contratam, os
quais personificam funções diferenciadas na sociedade”.
A produção teórica de Marilda expressa o marco divisor em termos das
elucidações teórico-críticas da profissão, reforçando o movimento totalizante do
posicionamento da mesma nos processos sociais e os impactos ideo-políticos
71
decorrentes da dinâmica entre direcionamentos e referentes internos e
determinantes sociais e institucionais.
O debate sobre a definição de um objeto de intervenção e das atribuições
privativas tem demonstrado a insuficiência da delimitação teórica e política das
expressões da questão social, quando se sabe que uma das dimensões da
demarcação da especificidade profissional é a produção de conhecimento, exigindo-
se, dessa forma, novos estudos que partam da produção acumulada.
O Serviço Social como área de conhecimento científico revela sua vitalidade,
especialmente pela atividade político-institucional de suas organizações acadêmicas
e profissionais articuladas política e programaticamente. A profissão produz
conhecimentos relevantes, especialmente sobre a questão social, direitos e políticas
públicas, dimensão fundamental na constituição de sua legitimidade, mas parece
insuficiente para as respostas das especificidades diante das requisições.
A delimitação da especificidade profissional no exercício do trabalho social
que presta um Serviço Social, desde a orientação até a implementação de políticas
referenciadas por direitos reclamáveis e constitucionalizados, assim como pesquisas
que revelem as contradições da realidade social e condições objetivas de vida, é
conduzida por direcionamentos éticos e políticos. Assim a ética é a grande mediação
do exercício profissional que se diferencia, em parte, das demais profissões, pela
implicação das escolhas profissionais, pelos direcionamentos dos objetivos
democráticos e mesmo emancipatórios das intervenções.
2.5.2 Profissionalização e estrutura sincrética do Serviço Social
A produção de José Paulo Netto sobre a profissão expressa a consistente e
aprofundada interlocução com o pensamento social e a crítica profunda do processo
de renovação do Serviço Social, no contexto da chamada autocracia burguesa,
particularizando a esfera da cultura com estreitas ligações com a base econômico-
social.
Uma contribuição fundamental da problematização teórica de Netto (1992) é o
reconhecimento da questão social como base de fundação da profissão, no âmbito
72
da sociabilidade burguesa em sua organização monopólica. Portanto, a legitimação
da profissão ganha contornos da feição pública da questão social, transfigurada pelo
Estado burguês em problemas sociais, reforçando um processo de individualização
e fragmentação em forma de “questões sociais”.
A tese fundamental de Netto possibilita reconhecer que o Serviço Social não
resulta da tecnificação e racionalização das formas de ajuda, mas de um projeto
econômico-social e ideo-político, diante das modificações desencadeadas no
contexto do capitalismo monopolista, que eleva suas contradições.40
No contexto de ampliação do capital instaura-se o “parasitismo” na vida
social, facilitado pela atuação estratégica do Estado burguês, que entre outras
medidas, combina extração do produto social via impostos incidentes sobre os
assalariados, interferência no processo econômico que favorece os grupos
monopolistas, e desenvolvimento da política social, resultado da luta de classes,
diante da mobilização do operariado.41
Partindo da análise do processo de profissionalização do Serviço Social, uma
das contribuições significativas para pensar a profissão no contexto da sociabilidade
burguesa é a análise do sincretismo da prática. O Serviço Social, na intercorrência
de processos econômico-sociais e culturais, acaba sendo um dos mecanismos
acionados pela hegemonização do projeto societário burguês. Assiste-se, dessa
40 O capitalismo monopolista refere-se na tradição marxista ao período histórico de passagem do capitalismo concorrencial ao monopólico, diante das profundas transformações do final do século XIX, conformando- o ao fenômeno global, amplamente conhecido como capitalismo imperialista conceituado por Lênin. Segundo Netto (1992, p. 15) “o capitalismo monopolista recoloca, em patamar mais alto, o sistema totalizante de contradições que confere à ordem burguesa os traços basilares de exploração, alienação e transitoriedade histórica, todos eles desvelados pela crítica marxiana”. A constituição da organização monopolista viabilizou seu principal objetivo: o acréscimo dos lucros capitalista através do controle dos mercados. Assim, a organização monopólica da economia capitalista, faz crescer os preços das mercadorias e serviços, eleva as taxas de lucros nos setores monopolizados, gerando um sub-consumo e redução na taxa de lucro de investimentos gerados pela concorrência, economia de trabalho pela inovação tecnológica. O que se observa é que a reversão das taxas de lucros se dá “em favor dos grandes grupos monopolistas”, além de outros efeitos o que se observa é o aumento de trabalhadores industriais de reserva (Idem, p. 17).
41 A intervenção estatal na idade dos monopólios tem por objetivo assegurar os interesses estritamente econômicos, os superlucros dos monopólios, assim o Estado desempenha múltiplas funções (NETTO, 1992). Sweezy e Baran particularizam em Capitalismo monopolista: ensaios sobre a ordem econômica e social americana abordam a dinâmica do capitalismo. Importante observar que o Estado teve importância em outros períodos do desenvolvimento capitalista, o que se intensifica é sua intervenção em favor dos interesses monopolistas (BARAN e SWEEZY, 1978). No contexto do capitalismo monopolista o Estado funciona como “comitê executivo da burguesia monopolista”, operando condições necessárias à “acumulação e valorização do capital monopolista” (NETTO, 1992, p. 22).
73
forma, a incorporação de atividades filantrópicas, na organização dos primeiros
cursos, com crescente tecnificação que resulta em formas terapêuticas de
ajustamento social.
O processo de legitimação da profissão está vinculado à criação de um
espaço sócio-ocupacional, em condições históricas e sociais, no mercado de
trabalho, conformando demandas a uma prática profissional permeada pelo
sincretismo das condições sócio-históricas e teórico-ideológicas. Na análise do
sincretismo como traço fundamental da prática profissional, Netto considera a
natureza socioprofissional como “medularmente sincrética”, tendo em vista a
“carência do referencial crítico-dialético” (1992, p. 88).
A caracterização do sincretismo no Serviço Social desdobra-se em prática
indiferenciada, na crítica às protoformas filantrópicas e às modalidades interventivas
da profissão; ao sincretismo científico, no embate teórico entre as Ciências Sociais e
a Teoria Social; e ao sincretismo ideológico, problematizando a incidência do
conservadorismo europeu e norte-americano.42
O desenvolvimento de sua crítica rebate, entre outros aspectos, nas
formulações que preconizam uma “maturidade científica” ao Serviço Social, em
relação às suas protoformas, nas inflexões de auto-representação que procuram
romper com os traços assistencialistas, assimétricos e filantrópicos. O que se
observa, nas abordagens que procuram atribuir um estatuto científico à profissão,
quando da busca pela especificidade profissional, é a negação das demandas
“histórico-sociais macroscópicas” (NETTO, 1992, p. 83).
Importa analisar a formulação de Netto acerca dos chamados aspectos
nucleares de uma intervenção profissional, que ganham centralidade na presente
tese:
O aspecto nuc lear de uma intervenção prof iss ional inst i tuc ional não é uma var iável dependente do s is tema de saber em que se ancora ou de que der iva; é o das respostas com que contempla demandas h is tór ico -soc iais determinadas; o peso dos vetores do saber só se prec isa quando inser id o no c ircui to que atende e responde a estas ú l t imas (mesmo que em situações de rápidas mudanças soc ia is, a emersão de novos parâmetros do saber evidencie implementações suscetíveis de oferecer inédi tas form as de intervenção prof iss ional) (1992, pp. 83-84).
42 A crítica de Iamamoto (2007) à tese do sincretismo e da prática indiferenciada, passa pelo não tratamento da categoria trabalho “tal como se expressa na sociedade capitalista” (p. 283).
74
Coloca-se em evidência o dinamismo das condições histórico-sociais como
determinantes fundamentais para as inflexões e renovações praticadas pelas
profissões. O peso das demandas se sobressai em relação aos movimentos internos
das categorias, considerando as evidências particulares de construção de um
pretenso estatuto profissional científico, no caso do Serviço Social. Isso porque, o
“nível de desenvolvimento das forças produtivas”, o grau de (...) “agudeza e de
explicitação das lutas de classes, pela emergência (ou rearranjo ponderável) de
novos padrões jurídico-políticos etc, interferem nas profissões. Decorrentemente, a
original legitimação de um estatuto profissional encontra-se periodicamente
questionada”. Nesse sentido, a recorrência aos referentes anteriores pode ser
insuficiente insurgindo uma reatualização (NETTO, 1992, p. 85).
Na esteira da análise de um processo de profissionalização e legitimação
duas dinâmicas se associam com efeitos no desenvolvimento mesmo de um estatuto
profissional, delimitando o espaço de cada profissão na divisão social e técnica do
trabalho: demandas que lhe são socialmente colocadas; “(...) reserva própria de
forças (teóricas e prático-sociais), aptas ou não para responder às requisições
extrínsecas – e este é, enfim, o campo em que incide o seu sistema de saber”. Tal
dinamicidade fora obscurecido na autoimagem que o Serviço Social construiu em
relação ao seu surgimento e desenvolvimento, operando, na explicitação da
redefinição de seu “sistema de saber” um “autoilusionismo ideológico” (Idem, pp. 85-
86).
Para além dos movimentos internos da profissão na redefinição do seu
estatuto profissional, a questão central é a análise da natureza sócio-profissional do
Serviço Social, conforme Netto (1992, p. 88).
O sincret ismo nos parece o f io condutor da af irmação e do desenvolv imento do Serviço Soc ia l como prof issão, seu núc leo organizat ivo e sua norma de atuação . Expressa-se em todas as manifestações da prát ica prof iss ional e revela -se em todas as intervenções do agente prof iss ional como ta l. O s incret ismo foi um pr inc íp io const i tut ivo do Serviço Socia l. (gr i fos do autor)
75
A refuncionalização do Estado burguês no contexto monopolista resultou em
crescente burocratização e institucionalização de intervenções profissionais cuja
finalidade recai sobre a almejada correção e prevenção das refrações da questão
social aprofundada, conformando alternativas institucionais de enfrentamento com
evidente seletividade e fragmentação, forjando uma intervenção que se apega aos
modelos formal-abstratos, configurando como “fenomenalidade” o sincretismo e
deixando “na sombra a estrutura profunda daquela que é a categoria ontológica
central da própria realidade social, a totalidade” (Idem, p.91).
A tese de Netto resulta no entendimento de que “o específico prático-
profissional do Serviço Social mostrar-se-ia na fenomenalidade como
inespecificidade operatória” (1992, p. 100). A profissionalização ocorre, dessa
maneira, sem qualquer diferenciação na forma de operar, quando se fala da relação
com as práticas filantrópicas, o que é confirmado pela aparente polivalência e
indiferenciação.
Para Iamamoto (2007, p. 275) Netto não responde à questão da
especificidade da profissionalização, que se traduz “no caráter sincrético da prática
indiferenciada”. Fica, para a autora, uma interrogação no desenvolvimento da tese:
“a especificidade da prática do assistente social é sua inespecificidade operatória?”
Assim, a ausência de uma concepção crítico-dialética faculta a estrutura sincrética
da prática profissional à característica peculiar de ser uma prática, cuja
profissionalização, embora tenha alterado a inserção sócio-ocupacional, pouco
modificou a prática profissional interventiva em relação à prática filantrópica,
mantendo-se, dessa forma uma estrutura de prática interventiva do ponto de vista
operatório, sendo similar às protoformas da profissão. Fica a dúvida quanto à
aplicação da tese nas demais particularidades históricas da profissão.
Segundo Netto (1992) as objetivações humanas relativas ao cotidiano
compõem o material institucional do assistente social, sendo que a intervenção
profissional não extrapola este âmbito, ao contrário, manipula variáveis empíricas,
não favorecendo a suspensão do próprio cotidiano, com resultados práticos que
reproduzem e sancionam a vida cotidiana em suas dinâmicas, particularmente nas
refrações da questão social, favorecendo o recurso ao empirismo e pragmatismo, de
matriz positivista.
76
Para Iamamoto (2007, p. 269) não é elucidado pelo autor a natureza sócio-
histórica da profissão, ademais no “estranho silêncio sobre a política, como instância
de mediação da relação do homem com sua genericidade”, como efeito a “alienação
tende a ser apreendida como estado e menos como processo que comporta
contratendências”, pelo obscurecimento das contradições das relações sociais.
Ainda que se reconheça que há um novo significado social para o trabalho
profissional, diante da interferência progressiva do Estado na “gestão” da questão
social, coloca-se em evidência, portanto, nas formulações de Netto, a aparência
indiferenciada que se reveste a prática profissional. Com isso, ganha relevo a
aparência da prática operada na dinâmica do cotidiano, sem a devida explicitação
das possibilidades igualmente contidas. 43
A formulação teórica sobre a profissão em Netto assume duas direções que
pavimentam as análises: natureza do cotidiano configurando uma pseudo-
objetividade; e funcionalidade do Estado no enfrentamento da questão social. Tais
condições são exteriores à profissão e podem justificar perspectivas estruturalistas
ou posturas fatalistas, quando as análises da contradição e da historicidade não
comparecem.
Análises mais recentes de Netto (2007, pp. 38-39), acerca da sustentabilidade
do projeto ético-político profissional, revelam tal angulação, buscando o fundamento
do que seria sua “inviabilização”.
O pr imeiro deles refere-se aos objet ivos e funções prof iss ionais. O e lenco de objet ivos do Serviço Soc ia l tem sido intenc ional e ac intosamente minimizado mediante a central ização das suas funções no p lano ass istenc ia l. Esta central ização, que opera a efet iva redução do Serviço Soc ial à ‘prof issão da ass is tência’ , teve iníc io no período de Fernando Henr ique e vem sendo aceleradamente induzida desde 2003 – o ‘Estado lul is ta’ (ou dos lu l is tas) perf i la -se como um Estado ass istenc ia l is ta ( . . . ) ta l redução entroniza nos meios prof iss ionais o mito da ass istênc ia, tornando -a um verdadeiro fet iche (gr i fos do autor) .
Além do reconhecimento das reformas no campo socioassistencial serem
compreendidas como condicionantes de uma regressão nos objetivos da profissão,
43 Tal argumentação pode alimentar visões mais fatalistas ou neoestruturalistas no Serviço Social, a exemplo da adjetivação da profissão como gestora da pobreza, análise que não explicitam contratendências e possibilidades de medicações no cotidiano.
77
subordinando “a relativa autonomia profissional à social-democracia tardia e
impotente” (Idem, p. 39), outros aspectos fundamentam a tese da crise do projeto
ético-político, e que são “exteriores” à profissão, embora com relevância maior pela
dimensão da formação.
O segundo nível em que se inviabi l iza o projeto ét ico -pol í t ico é o que se refere aos requis i tos ( teór icos, prát icos e inst i tuc ionais) para o seu exercíc io ( . . . ) Ora, v is ive lmente desde 1998, a agress iva pol í t ica neol ibera l do Minis tro Paulo Renato – expressa nas prát icas de ‘desregulamentação ’ e de f lex ibi l ização ’ da educação super ior – opera para degradar e av i l tar a formação prof iss ional. Esta polí t ica, a que o Minis tér io da Educação, sob os governos de Lula, vem dando plena cont inuidade, já resulta numa assombrosa pro l i feração de cursos pr ivados de Serviço Soc ia l ( Ib idem, p. 39) .
As prospecções sobre a inviabilidade do projeto ético-político reforçam os
aspectos externos e conjunturais ao projeto como determinantes, embora resultem
de fato em condicionantes importantes quando as profissões são consideradas
como uma construção social. Se assim são, outros elementos como requisições
sócio-institucionais e configuração dos espaços ocupacionais, devem ser
considerados, assim como as contratendências contidas no cotidiano, nos processos
sócio-políticos.44
Cabe anotar que não circulam estudos suficientes para atribuir a
inviabilização e mesmo “derrota” do projeto ético-político, considerando, inclusive, a
“força” regulatória e, sobretudo, as possibilidades de mediação política na
compreensão do sentido da hegemonia. Outras particularidades históricas
confirmam tal ponderação, especialmente pela emergência de vanguardas críticas e
basilares para a emergência do projeto ético-político em culturas de hegemonia
desenvolvimentista ou de autoritarismo.
É emblemática a análise bastante otimista de Netto num contexto adverso à
realização do projeto ético-político, quando da afirmação programática do
neoliberalismo, ressaltando os elementos que permitem a relativa consolidação da
profissão no início da década de 1990, quando destacou os seguintes aspectos: no
plano da formação com cerca de 70 unidades de ensino; da pós-graduação
44 Netto (1996) reconhece que a ruptura com o conservadorismo foi superdimensionada e ofuscou a persistência do conservadorismo, enraizado na categoria, abafando a resistência à tradição marxista. Tal reconhecimento possibilita um amplo debate sobre o sentido da hegemonia do projeto ético-político, antes mesmo de sua eventual crise. Velhos e novos dilemas precisam ser enfrentados, quando se analisa o perfil profissional e sua relação com espaços ocupacionais.
78
implantada em 7 universidades e credibilizada pela ABESS; a produção científica
com reconhecido dinamismo; ampliação da presença de assistentes sociais em
ações para além das fronteiras; ampliação do intercâmbio; ampliação do diálogo
interdisciplinar; um contingente de profissionais (60 mil) com ganhos na
representação; ganhos na realização de eventos na área; contribuição “na
elaboração da LOAS” (1996, p. 107-108).45
As possibilidades identificadas na reversão das investidas neoliberais
acentuam a “vontade política das vanguardas que se mantêm imunes à reciclagem
geral da esquerda e que resistem às tentações do possibilismo”, ou seja, a “vontade
política organizada” (NETTO 2007, p. 40). Paradoxalmente o possibilismo transita
nas análises teóricas sobre as possibilidades de crise ou ameaça ao projeto ético-
político, quando se atribui responsabilidade à própria profissão de esgotar
mecanismos jurídico-políticos, e na identificação de “setores avançados e
combativos da luta social para com eles estabelecer frentes comuns de resistência”
(BRAZ, 2007, p. 11), sem o reconhecimento de outras determinações que incidem
na profissão.
A categoria “projeto ético-político”, apesar das divergências quanto à sua
materialidade, assume uma função estratégica na articulação e unificação política
dos profissionais e dos estudantes, em torno de uma concepção de profissão,
cumprindo, nesse sentido, a função agregadora da diversidade e pluralidade,
característica de toda profissão. Entretanto, as conjecturas são insuficientes para a
antecipação dos desafios em curso: quais os determinantes da permanente crise de
legitimidade experimentada pela profissão, ainda que em alguns espaços e em
condições e relações de poder, esta representação se diferencie e mesmo se
inverta? O que é Serviço Social, qual sua especificidade, considerando o acúmulo
teórico-político e regulatório? Serviço Social é uma profissão fadada a servir/assistir
e fundamentar sua distinção e sua importância/necessidade?
45 Quando se analisam os elementos que viabilizam ou não o projeto ético-político fica a dúvida, por exemplo, se a quantidade de instituições de ensino e do contingente profissional é um problema central. Em meados da década de 1990 a proliferação do ensino privado e precarizado ocupava a agenda de debates com centralidade, além da efetividade da implementação das diretrizes. Fica a impressão da dificuldade em precisar os desafios que rebatem diretamente no Serviço Social. Paradoxalmente, a relevância da LOAS é considerado um grande avanço que fica reduzido quando não se consideram os constrangimentos de sua efetivação e os avanços recentes na vigência do SUAS.
79
Para tais questionamentos as respostas não estão elaboradas o suficiente,
sendo que para as prospecções não cabem respostas fatalistas ou românticas. Fica
o imperativo das análises que privilegiem o exercício profissional, dada à natureza
interventiva da profissão, amplamente reconhecida, num contexto de “reafirmação”
do projeto ético-político profissional.
2.6 A CONCEITUAÇÃO DA PROFISSÃO PELA MEDIAÇÃO DO PROJETO ÉTICO-
POLÍTICO
O debate contemporâneo sobre a profissão privilegia o reconhecimento dos
determinantes macrossocietários, diante da reestruturação do capitalismo tardio, e
sua interferência nas condições objetivas para a viabilização da formação/exercício
profissional, considerando que as profissões não resultam apenas dos processos
sociais. Sobressai o entendimento de que uma profissão deve ser “tomada como
‘corpus teóricos e práticos’ que, condensando projetos sociais (...), articulam
respostas (teleológicas) aos mesmos processos sociais” (NETTO, 1996, p. 89).
Como todo complexo da sociedade, a profissão não constitui uma instituição
monolítica e homogênea, ao contrário. Uma profissão é atravessada de
contradições, disputas político-ideológicas e teóricas, forjando as tendências
hegemônicas, o que não elimina o seu oposto, na resistência à “normatividade” e à
moralidade instituída.
Quando se analisa a crise e a construção da legitimidade profissional, alguns
aspectos relativos à subalternidade técnica podem ser destacados, a exemplo da
estratificação entre ciências e profissões; a relação subalterna com profissões que
exercem maior dominação pela cultura patrimonialista, em detrimento daquelas cuja
função atribuída socialmente é o cuidado. As profissões voltadas ao “cuidado”, à
“educação” e à “proteção social” são “femininas”, e apresentam egressos com maior
histórico de dificuldade no aprendizado, realidade predominante em cursos de
licenciatura.
Entre os determinantes que afetam a legitimidade social da profissão, para
além das assimetrias na sua identificação com as classes subalternas (IAMAMOTO,
1992), Netto (1996, pp. 108-109) ressalta, em importante ensaio sobre as
80
Transformações contemporâneas e o Serviço Social, o surgimento de profissionais
em espaços antes legitimados, que disputam papéis e tarefas com os assistentes
sociais, pondo em xeque a legitimidade anteriormente alcançada”. Para o autor, os
conflitos de atribuições
( . . . ) não podem ser equac ionados à base de regulações formais ou re iv indicações corporat iv is tas. Absolutamente compreensíveis na d inâmica da d iv isão sóc io -técnica do trabalho, eles só podem ser enfrentados pos it ivamente com o desenvolv imento de novas competênc ias, sócio-pol í t icas e teór ico- ins trumentais. É nessa dupla d imensão que se podem promover (re) legit imações prof iss ionais, com o a largamento do campo de intervenção ( ‘espaço prof iss ional ’) das prof issões (NETO, 1996, p. 109) .
Nessa passagem, o autor atribui centralidade à capacidade da profissão de
construir sua legitimidade, quando a mesma é forjada nos processos sociais, o que
reforça perspectivas institucionalistas e mesmo endógenas. Para o autor, novas
competências remetem “direta, mas não exclusivamente, à pesquisa, à produção de
conhecimentos e às alternativas de sua instrumentalização” que no caso do Serviço
Social expressa o conhecimento sobre a realidade social (Idem).
As novas competências passam, portanto, pela formação profissional,
considerando as insuficiências e precarizações, as mudanças no perfil docente e
discente, nas dimensões econômico-social e cultural; passam, ainda, pela prática,
considerando as adversidades e condições desfavoráveis, mas também, a crescente
diferenciação e inovação das intervenções.
Ainda quanto ao balanço do perfil profissional é possível identificar em Netto o
reconhecimento da maioridade profissional e ao mesmo tempo uma “divisão do
trabalho” “própria das profissões amadurecidas”, ou seja, a “criação de uma
intelectualidade que passou a ser o vetor elementar a subsidiar o ‘mercado de bens
simbólicos’ da profissão”, notadamente pela tradição marxista (Idem, p. 112).46
46 Tal assertiva encontra ressonância e similaridade nas formulações teóricas interacionistas ou construtivistas, como a produção de Bourdieu, embora o autor não referencie, quanto à constituição de uma ortodoxia que produz as regras de ingresso e permanência no campo em questão, exercendo, desse modo a dominação simbólica, e mesmo a produção de bens simbólicos “consumidos”. Netto (1996, p. 277) assinala que o contexto de “colapso do socialismo real e da redução do arco de influência das esquerdas, animado pela ofensiva neoliberal” minam as possibilidades da hegemonia teórico-cultural conquistada na profissão.
81
Ganha centralidade, na análise em tela, a luta cultural na arena profissional,
conectada a projetos sociais mais amplos, e a análise das transformações nos
espaços ocupacionais, para além das requisições imediatas, e relacionadas com “os
objetivos e valores do projeto social privilegiado” (Ibidem). A política comparece
como mediação fundamental, muito além do mero reconhecimento de sua existência
no contexto e renovação profissional, e a sinalização de novas competências reforça
o deslocamento da tese do sincretismo (IAMAMOTO, 2007).
A prática profissional aparece dinamizada pelas relações de poder, pelos
tensionamentos de projetos, assim, o profissional passa a ser disputado por projetos
coletivos, com explicitação das contradições nas relações sociais. Há, portanto, um
deslocamento das perspectivas fatalistas ou mesmo estruturalistas, pela disposição
das ações profissionais terem o potencial de construir mediações técnico-políticas
criativas e criadoras, na crítica e no enfrentamento dos constrangimentos políticos e
institucionais, com reforço às contratendências e valores democráticos e
emancipatórios presentes no cotidiano, embora não predominem socialmente.
Na análise sobre a profissão ganha evidência, a partir do acúmulo teórico na
tradição marxista, o reconhecimento das condições macrossocietárias, na
constituição do solo histórico e social, e as respostas profissionais.
Os projetos profissionais, na elaboração pioneira de Netto (1999, p. 95),
possuem o que se pode nominar de atributos essenciais: valores que legitimam a
autoimagem construída pela profissão; requisitos para o exercício profissional;
normas prescritivas de comportamentos. Tais elementos podem se confundir com
uma interpretação funcionalista, o que é afastado quando da associação entre
projetos profissionais e societários, pela compreensão dos projetos como estruturas
dinâmicas, que respondem tanto às alterações das necessidades sociais
decorrentes das transformações históricas, quanto expressam o desenvolvimento
teórico e prático da respectiva profissão e as transformações operadas no perfil dos
seus agentes (Idem, 95).
A explicação da profissão a partir do projeto ético-político corresponde ao
desafio de explicitar o que é Serviço Social? É possível identificar o que é Serviço
Social na contemporaneidade pela aparição “epidérmica”: produção teórica
predominante e de ampla circulação (conteúdos e direcionamentos sobre temas
centrais); instrumentos legais (valores, princípios e competências); organização
82
corporativa e presença política da categoria nos espaços e mecanismos
democráticos. E o exercício profissional, particularmente na coerência da prática às
dimensões do projeto profissional? É preciso aprofundar análises sobre o exercício
profissional, nos seus modos de ser, na profissionalidade totalizada.
Segundo Netto (1999, p. 154), “(...) é no trânsito dos anos oitenta aos noventa
do século XX que o projeto ético-político do Serviço Social no Brasil se configurou
em sua estrutura básica”. O suporte sociopolítico do projeto está relacionado às lutas
sociais contemporâneas, no processo de afirmação da constituição do Estado
Democrático de Direito e à resistência à ofensiva neoliberal, aspectos que compõem
na atualidade, como já assinalado, o campo de problematizações, já que não se
registra a mobilização e resistência “expressivas à cultura neoliberal” (Idem p. 38).
A relação entre projeto profissional e ético-político requer aqui uma breve
reconstrução da categoria hegemonia, sob o risco da superficialidade. Sua
reconstrução, enquanto categoria que baliza o reconhecimento dos projetos
coletivos, parte do entendimento de que toda relação explicita conflitos sociais,
posicionamentos opostos que se expressam na vivência política dos grupos sociais.
Estes revelam forças sociais antagônicas que tendem ao fortalecimento das relações
de domínio, na relação entre coerção e consenso, sem com isso eliminar as
contratendências.47
Hegemonia expressa capacidade de unificar um bloco histórico que não é
homogêneo, mas marcado por contradições, sendo reproduzida na medida em que
consegue manter articulado um conjunto de forças heterogêneas, de modo a impedir
que o contraste que configura tais forças, resulte numa crise de hegemonia, levando
o coletivo articulado à recusa das proposições e direcionamentos ideo-políticos.
A hegemonia não se reduz à quantidade de adesões, embora seja este um
fator relevante para densidade política e massificação de posições propagadas
socialmente. Expressa, portanto, o predomínio de uma vontade coletiva, supondo o
direcionamento e a conexão direta com um projeto societário; a convivência
democrática com outros projetos coletivos subordinados à própria hegemonia, porém
em disputa; a articulação de interesses no contexto de um determinado bloco
47 A obra de Ivete Simionatto (2004) possibilita uma importante análise da incidência do pensamento de Gramsci no Serviço Social.
83
histórico, considerando a superestrutura eleva-se a partir da base real, a estrutura, o
econômico-social.48
Importante afirmar que não se exclui a relação dialética de projetos sociais
novos que vão sendo construídos no enfrentamento crítico das relações tradicionais.
A hegemonia acaba sendo a conquista do poder de uma concepção, na dimensão
político, ideológica e cultural, subalternizada socialmente. Uma cultura se localiza na
subalternidade quando não se tem consciência da posição que as classes ocupam e
da operacionalidade do processo social histórico. Tal cultura é heterogênea,
influenciada ideologicamente pelas concepções da classe dominante e de culturas
precedentes.
A assimilação da categoria “hegemonia” no contexto da hegemonização do
chamado projeto ético-político unificou o coletivo profissional em torno de objetivos e
interesses comuns, tendo como legado o Serviço Social renovado e direcionado
para os desafios contemporâneos, no bojo da cultura dos direitos e da polarização
de projetos societários antagônicos. Ao mesmo tempo tal incorporação, pela
fragilidade teórica, pode expressar uma “vulgarização” do termo, com o risco de ser
uma retórica, apenas um componente do repertório profissional, já que a
materialidade do projeto ético-político profissional requer a articulação de suas
dimensões no exercício profissional em condições objetivas.
Uma das dimensões fundamentais que legitimam o exercício profissional é a
formação, as referências teórico-metodológicas sistematizadas, constitutivas da vida
social. As diferentes abordagens sistematizadas, no âmbito das Ciências Sociais
possibilitam refletir sobre o que seja o “social”, compreender o sentido da política
social e do trabalho social em sociedade. Sobressaem perspectivas que se
antagonizam entre aquelas mais descritivas e tendencialmente justificadoras, e de
outro lado contratendências críticas que apreendem as determinações e dinâmica da
vida social.
48 “Não é a consciência que determina a vida, é a vida que determina a consciência” (MARX, K; ENGELS, F., 1984, p. 23).
84
3. ATUAÇÃO PROFISSIONAL NO “SOCIAL”: MATRIZES TEÓRICAS E
PROFISSÕES
Os pensadores clássicos da Teoria Social respondem ontologicamente às
transformações do seu tempo, com construções explicativas vinculadas ideológica e
politicamente aos projetos societários mobilizados pelas classes fundamentais, no
contexto de desenvolvimento do capitalismo produtivo. Assim as matrizes teórico-
metodológicas possuem implicações políticas quando plasmadas nas práticas dos
sujeitos sociais e coletivos.
A assimilação de valores e categorias relacionados com projetos societários
direciona mecanismos regulatórios que expressam, em determinadas
particularidades históricas, maior necessidade de consenso ou coerção, para a
garantia da hegemonia, o que pode ser identificado na reprodução de maneiras de
explicar ou justificar a própria sociedade, como o apelo social pela punição e
violência, para “a garantia da ordem social”, ou, no seu polo oposto, a crítica à
ordem social, ao poder dominante que hegemoniza interesses nas instituições,
especialmente o Estado.
Um das elaborações teóricas “enraizadas socialmente”, com
desdobramentos diversos, é a perspectiva organicista de Charles Darwin (1809-
1882). O darwinismo social expressa o entendimento de que existem sociedades
inferiores e superiores. Aplica-se a concepção de que existem, assim como a
evolução das espécies animais, sociedades que evoluiriam de um estágio superior
para outro superior. Tais mudanças evolutivas garantiriam a sobrevivência, assim
como dos demais seres vivos, dos mais fortes e mais evoluídos.
O imperialismo europeu no processo de dominação de territórios é
emblemático da relação de dominação entre as culturas, com predomínio do projeto
capitalista, em sua missão civilizadora, no contexto de colonização. Afinal a
expansão do padrão industrial de produção dependia da garantia de mercados e
mão de obra assalariada (COSTA,1987).
O processo de adaptação, diferenciação social e o evolucionismo podem ser
concebidos como elementos estruturantes da vida social, e sua aplicação objetiva o
entendimento de relações hierarquizadas pela capacidade adaptativa, tendo como
85
parâmetro sociedades industrializadas. Entretanto, na medida em que emerge esta
sociedade idealizada abstratamente, surgem os conflitos sociais, exigindo respostas
políticas e institucionais reguladoras, na esteira da máxima: ordem e progresso.
A compreensão de que as sociedades evoluem de inferiores a superiores, e
que existem desajustes naturais, a serem corrigidos nos processos adaptativos,
talvez seja a mais permeável socialmente. Aspecto que justifica a “aceitação” social
de mecanismos adaptativos e coercitivos que, visando o “bem-estar” social,
permitam a contensão dos conflitos e revindicações, e atinjam a “paz” social, para o
bom funcionamento e progresso social, contribuindo para reprodução evolucionista
de valores e instituições tradicionais, como a família.49
A dinamicidade da vida social era concebida por Comte em duas dimensões:
a) o estático: movimento vital responsável pela manutenção do que é permanente
para o funcionamento de toda organização social, ou seja, a família, a religião, a
propriedade, a linguagem, o direito, entre outros; b) o dinâmico: movimento vital de
passagem de para formas mais complexas de existência, ou seja, a industrialização.
Cabe aqui um destaque para a naturalização das instituições tradicionais,
como família e propriedade, considerando seu papel de reprodutoras da vida social,
sobressaindo, assim, o movimento estático da sociedade, tendo em vista
conservação para o progresso, que expressa, nesta matriz, o aperfeiçoamento da
ordem e não sua ruptura. Ações e políticas decorrentes desta perspectiva tendem a
reconhecer elementos que possam dificultar o aperfeiçoamento e a manutenção da
ordem social.
A influência da racionalidade instrumental, de controle da natureza,
obviamente influenciou e mesmo determinou a gênese do pensamento social
positivista e sua aplicabilidade ao projeto político em hegemonização. Não há
apenas uma estreita relação entre os métodos de experimentação, visando à
objetividade no controle os fenômenos, mas também da concepção de sociedade,
49 Pierre Le Play é um filósofo que se destaca na concepção aproximada entre as ciências da natureza e da sociedade, no que se refere à reprodução de determinadas instituições. Para ele a família é a unidade básica universal, permitindo, que a partir dela, surjam relações sociais mais complexas. Outra referência teórica é Herbert Spencer, principalmente por sua proposta evolucionista e organicista.
86
reconhecida como um organismo social, passível de controle pelas instituições
responsáveis pela coesão social.50
Para a crítica às concepções da sociedade e o significado do trabalho social,
parte-se das formulações históricas de Durkheim, Weber e Marx. Tais concepções
acompanham a dinâmica da sociedade, no período de consolidação da
modernidade, da racionalidade constitutiva da Revolução Industrial. A síntese em
tela respalda a análise da constituição do que seja a sociedade e o trabalho no
“social” em suas dimensões constitutivas.
A interlocução do Serviço Social com as Ciências Sociais revela, no contexto
da inauguração do pluralismo, a assimilação das matrizes explicativas essenciais da
sociabilidade capitalista. Importa, aqui, explicitar a identificação de alguns elementos
das matrizes e o significado atribuído pelo Serviço Social à sociedade, o que
certamente não resultará numa síntese aprofundada, porém parcial no
desenvolvimento da presente tese.
3.1 O “SOCIAL” COESO E O TRABALHO INTEGRADOR
O positivismo de Durkheim fundamenta a compreensão, a partir da obra
Divisão do Trabalho Social (1893), da sociedade integrada por indivíduos que se
diferenciam socialmente. O social, em seus elementos de diferenciação, é
caracterizado como um todo, integrado por partes que coesas tendem à evolução.
Importante destacar as implicações da concepção de sociedade e seus
impactos, talvez os mais reproduzidos, no trabalho social. Nesse sentido, alguns
aspectos centrais para a análise da sociedade e do trabalho social, recuperados por
autores contemporâneos como Elias (1999), se sobressaem: a concepção da
interdependência entre os indivíduos, com disposições diferenciadas pela posição
50 Esta aproximação com os métodos das Ciências da Natureza e o sucesso das descobertas daquele tempo, na Física, na Química na Biologia, fez com que Comte intitulasse, inicialmente, a ciência explicativa da sociedade como “física social”. (COSTA, 1984)
87
que ocupam socialmente; a sociedade regida por leis naturais invariáveis e
independentes da vontade e da ação humana.51
Por consequência, na matriz positivista, especialmente pela postura
pretensamente neutra axiologicamente, naturaliza a ordem estabelecida e idealiza o
desenvolvimento evolutivo da sociedade, na direção idealizada de sua diferenciação,
industrializada, na transição da solidariedade mecânica para a orgânica. Assim, a
diferença no social não expressa desigualdade, e sim estágio evolutivo de
complexificação da própria sociedade.
O fundamento evolucionista sustenta-se na função do contrato social52, numa
crescente diferenciação social baseada na centralidade da ciência, da técnica, na
indústria, na engrenagem entre parte e todo “harmônico”, considerando que o
indivíduo é a base da sociedade e nele centraliza, igualmente, a explicação das
consequências dos insucessos no desenvolvimento individual e coletivo.
A centralidade no indivíduo sustenta propostas evolucionistas, a exemplo de
Condorcet,53 no que se refere à regularidade do avanço da sociedade, dos estágios
progressivos de conhecimentos humanos acumulados, já que o progresso das luzes
acompanha a evolução das virtudes, um avanço inexorável, que pode ser
potencializado. Mantendo a centralidade no indivíduo o filósofo se distingue de
demais teóricos liberais, como Smith (FERRARO, 2009), pelo princípio da igualdade
de todos, para além da liberdade abstrata, porém uma igualdade dependente do
indivíduo.
51 Na teoria de Elias a sócio-gênese permite a compreensão do processo de constituição de determinados grupos, num determinado tempo e contexto. A psicogênese possibilita a identificação de sentimentos e comportamentos que conformam determinada configuração, nem sempre decodificados. A abordagem sociogênica das funções psíquicas permite analisar o processo de relação com os outros ao longo do tempo, no processo civilizatório. As relações explicitam uma dinâmica de interpenetração, transfigurando nas relações de poder a noção de nós e de outros, a autoimagem que os indivíduos fazem de si e dos outros. As redes que se configuram são socialmente tecidas, conformando uma interdependência, tanto os indivíduos como a sociedade em geral, são agentes de um processo social (ELIAS, 1999).
52 A noção de contrato social decorre de contratualistas, notadamente Hobbes e Locke, que fundamentam a diferenciação do estado de natureza do estado civil, ou político, conformando uma regulação da vida social a partir de autoridades e normas constituídas. O contrato social é “uma espécie de pacto entre os homens para estabelecer tais normas e autoridades às quais se submeterão consensualmente (...) O Estado seria o produto do contrato social, ou seja, da conjunção de vontades individuais. (MONTAÑO, DURIGUETTO, 2011, p. 23)
53 Pessupostos como progresso do homem sustentam formulações teóricas de Condorcet que atribui à República o papel de instruir a todos, contribuindo, desse modo, no aperfeiçoamento das artes e das profissões, na redução da desigualdade que a situação econômica estabelece entre os homens, visando o bem-estar (In BRUTTI, 2007).
88
Tais fundamentos certamente influenciaram a educação brasileira, na
centralidade do indivíduo como caso de sucesso e insucesso, nas medidas paliativas
e moralizantes, no sustentáculo da meritocracia no acesso e permanência na escola,
e depois na universidade que “filtra” os melhores.
O princípio do contrato social e do indivíduo como base sustenta o ethos da
sociedade moderna, a centralidade na ciência, na técnica, na indústria, na ordem, na
coesão social, modelando relações que tendem a evoluir progressivamente, na
concepção analisada. Assim, o social se constrói a partir do indivíduo e não o
contrário. Observa-se, por influência do iluminismo neste fundamento, a afirmação
ideológica da inevitabilidade do progresso, dos avanços evolutivos do conhecimento
humano.
Retomando a análise das implicações no pensamento funcionalista, destaca-
se que é importante partir da conceituação de fato social 54, que possui
características que contribuem para naturalizar a compreensão do social e do
trabalho social disciplinador e ajustador. A coerção social generaliza o entendimento
de que os fatos sociais confirmam comportamentos, independente da vontade dos
indivíduos, a exemplo do idioma e da formação familiar.
O grau de coerção vai depender das sanções espontâneas e legais,
considerando os tipos de solidariedade, mecânica ou orgânica. Assim, mais uma vez
as instituições cumprem a função social do regramento da vida social, de consenso
e coerção, da internalização de valores aceitáveis socialmente, completando a
segunda característica essencial dos fatos sociais, ou seja, sua exterioridade em
relação às consciências individuais.
A terceira característica do fato social, segundo Durkheim (1995) é a
generalidade, já que se torna social todo fato que é geral, que se repete em todos os
indivíduos, ou em sua maioria, manifestando-se sua natureza coletiva, distinguindo-
os, dessa forma, das manifestações individuais e acidentais. Um exemplo de fato
54 Fatos sociais são, para Durkheim, distintos das repercussões individuais. “Eis, portanto, uma ordem de fatos que apresentam características muito especiais: consistem em maneiras de pensar e de sentir, exteriores ao indivíduo, e que são dotadas de um poder de coerção em virtude do qual esses fatos se impõem a ele. Por conseguinte, eles não poderiam se confundir com fenômenos orgânicos, já que consistem em representações e em ações; nem com os fenômenos psíquicos, os quais têm existência na consciência individual e através dela. Esses fatos constituem, portanto, uma espécie nova, e é a eles que deve ser dada e reservada a qualificação de sociais. (1995, p. 3-4)
89
social é o crime, pelas características, além da generalidade, de coerção,
especialmente pela aplicação das sanções com impacto nas consciências
individuais, e de exterioridade, posto que antecede os indivíduos.
Uma análise mais aprofundada da compreensão do que seja o social explicita
uma funcionalidade do pensamento social positivista à racionalidade burguesa,
sendo a desigualdade um aspecto natural do processo evolutivo, cabendo às
instituições sociais o papel de restabelecer a coesão social, superar conflitos,
reproduzir valores que previnam estados mórbidos do corpo social. Nessa
perspectiva, a ordem social é constitutiva da sociedade e as mudanças sociais
relacionadas às atividades dos indivíduos e grupos sociais, sem evidentemente
romper com algo que é anterior, ou seja, a própria ordem.
Em analogia a um ser vivo, a sociedade é um sistema de órgãos no qual
cada um tem um papel particular, sendo que determinados órgãos possuem uma
condição diferenciada e privilegiada, o que é natural, funcional e inevitável. Aspecto
que revela o caráter contrarrevolucionário de sua teoria.
Importante destacar que os chamados estados de “anomia” (ausência de
normas) podem gerar processos de conflitos, de “desagregação social”. Aspecto que
pode ser corrigido pela difusão de valores sociais agregadores, especialmente pela
atuação das instituições centrais, para a assimilação das regras legitimadas e
socialmente aceitas: a Igreja; o Estado; a escola; e a família.
A política social pode ser concebida, a partir da matriz positivista, como um
mecanismo desenvolvimentista que favorece o acesso às oportunidades, visando o
bem estar social, a inclusão e integração social. Como a integração social das
partes, assim como na fisiologia, tende à agregação entre elas e das partes com o
todo, o natural é a estabilidade, o equilíbrio, o progresso, a solidariedade social.
Os laços de coesão e de solidariedade dependem das sociedades, sendo que
nas menos desenvolvidas, como as tribais, tal solidariedade se manifesta de modo
mecânico, considerando, especialmente, a divisão incipiente do trabalho. Já a
interdependência dos indivíduos, em sociedades mais complexas e desenvolvidas
pela industrialização e divisão do trabalho, produz a solidariedade orgânica.
Entretanto, ressalta-se o papel das instituições responsáveis pela transmissão de
valores que reforcem e garantam a manutenção da integração social (DURKHEIM,
1978).
90
Assim, as instituições que exercem esse controle nas sociedades
desenvolvidas se complexificam em sua função agregadora, diferentemente das
sociedades menos desenvolvidas, uma vez que a consciência coletiva expressa o
nível de reprovação que impacta sobre as consciências individuais. Dessa forma, o
mesmo fato social possui contornos diferenciados se comparado sociedades
primitivas e desenvolvidas, exigindo desta última maior mediação regulatória.
Ainda quanto ao controle da sociedade, a consciência coletiva revela o grau
de agregação de costumes, hábitos, noções, representações sociais, reforçando
uma dimensão de coerção que difunde valores que possibilitam a coesão social, de
modo que os elementos desagregadores, que dificultam os estados de equilíbrio e
controle estável, conduzem a um estado patológico, a uma ausência de normas. A
educação, por exemplo, cumpre o papel de “produzir o ser social”, sendo que a
pressão social “tende a modelar” a criança ao meio social (DURKHEIM, 1995, p.6).
Assim sendo, os estados de desorganização da sociedade devem ser corrigidos,
para o restabelecimento da ordem social e da tendência evolutiva.55
A aplicação funcionalista do pensamento social positivista descreve a
sociedade como um organismo formado por partes que interagem. A Teoria Social
em Durkheim caracterizou tipos de sociedades, ou seja, simples, primitivas e
industriais; identificou elementos de coesão social, notadamente os tipos de
solidariedade, mecânica e orgânica, que dinamizam a regularidade da ordem social;
e formas de controlar a sociedade, especialmente a divisão do trabalho, em seus
traços característicos, e a consciência coletiva, e sua relação com as instituições de
integração social.
A base darwinista de análise das sociedades pressupõe, e tem como
consequência, a centralidade no indivíduo, a diferenciação social pela
hierarquização, ou a evolução como finalidade última, a diferença em detrimento da
desigualdade, o que sustenta políticas e ações meritocráticas. Outros aspectos
possuem sintonia com a matriz positivista e sustentam propostas neopositivitas
atualizadas para a contemporaneidade: o recurso da técnica, da ciência; a
preparação dos indivíduos para a produção e suas requisições, para o consumo; a
55 As análises de Comte e de Durkheim são “fundadas sobre premissas político-sociais tendenciosas e ligadas ao ponto de vista e à visão social de mundo de grupos sociais determinados. Sua pretensão à neutralidade é às vezes uma ilusão, às vezes um ocultamento deliberado, e, frequentemente, uma mistura bastante complexa dos dois” (LÖWY, 1994, p. 32).
91
subsunção do econômico e do social, com submissão dos interesses sociais e
adaptação às exigências postas. Tais aspectos condicionam, sobremaneira, a
constituição do Estado e das políticas sociais.
A partir desse referente teórico-metodológico, são produzidas, no campo do
trabalho social, inferências sobre, por exemplo, a qualidade dos vínculos e laços que
contribuem no desenvolvimento da sociedade integrada. Embora se afirme a
neutralidade axiológica como fundante da objetividade, a formulação de leis gerais e
suas consequentes generalizações, são funcionais, pela correção dos fatores de
“desequilíbrio social” ao projeto hegemônico de harmonização das relações
estruturalmente contraditórias e históricas.
Destacam-se, nas derivações teórico-metodológicas, aplicações cotidianas no
trabalho social, que reforçam o poder das instituições sociais no controle e na
moralização da sociedade; a aplicação exemplar de normas e regras sociais que
conduzam condutas individuais, considerando o impacto nas consciências do que
seja aceitável e reprovável; a hierarquização da sociedade, como somatória
interdependente de indivíduos, por prestígio e diferenciação social; análises
empiristas com reforço às características exteriores, à identificação da repetição e
generalização; o reforço das estruturas predispostas a estruturarem e não serem
estruturada pela vontade dos indivíduos; a implantação de propostas e ações
desenvolvimentistas corretivas de desequilíbrios sociais; e o reforço de elementos de
coesão e integração social, como a cooperação e solidariedade.
Considerando as orientações metodológicas desta matriz e seus
desdobramentos, compete ao serviço social “ajudar” os indivíduos e grupos a
identificar e resolver ou minorar os problemas oriundos dos desequilíbrios entre eles
e o ambiente; identificar áreas potenciais de desequilíbrios entre indivíduos e grupos
e o ambiente, a fim de prevenir este desequilíbrio (VIEIRA, 1979, p.37).
Com o propósito de promover indivíduos nos contextos sociais e “conservar”
ou estimular aspectos que contribuem para superar disfunções sociais, o assistente
social “desenvolve uma ação em benefício do indivíduo, para capacitá-lo na
orientação da sua vida”, tendo em vista a interação entre indivíduos dentro do
sistema (Idem, p.25).
A incidência da matriz positivista no âmbito do Serviço Social resultaram em
propostas modernizadas: novas competências no campo da política social e do
92
planejamento, ou da chamada macro atuação, administração de serviços sociais,
além do tradicional atendimento direto, de caráter “corretivo, preventivo e
promocional, destinados aos indivíduos, grupos, comunidades, populações e
planejamento” (CBCISS, 1986, p. 28); e de definições que “ampliam” enfoques do
indivíduo em sociedade, como “globalidade”, sistema aberto. Entretanto, a
naturalização da sociedade, a proposição de “melhoramentos” da funcionalidade ao
projeto de manutenção da estrutura, são elementos mantidos.
No contexto de renovação da profissão em sua perspectiva modernizadora,
percebe-se a incidência da ideologia desenvolvimentista em sintonia com a matriz
teórico-metodológica positivista em sua versão estrutural-funcionalista, requisitando
do assistente social, no limite, competências de planejamento para além da
execução terminal de políticas. Já a teoria geral de sistemas, em sua proposta
“psicologizante” do social, expressa o aprimoramento do repertório profissional no
desenvolvimento de técnicas inerentes aos processos interventivos, atualizando as
referências teórico-metodológicas às exigências da política social refuncionalizada.
3.2 AÇÃO SOCIAL MOTIVADA POR VALORES
Para Max Weber, em “contraposição” ao pensamento positivista de Durkheim,
a ordem social não se opõe como exterior aos indivíduos. Ao contrário, as regras e
normas sociais só possuem sentido quando manifestas em cada indivíduo sob a
forma de motivação.
Os indivíduos dão sentido à ação social, processando a relação entre motivo
da ação, a ação propriamente dita e seus efeitos. Tal entendimento particulariza a
contribuição weberiana na compreensão da ação humana como conduta social
dotada de sentido. Portanto, é o indivíduo, por meio de valores sociais e de suas
motivações, que produz o sentido da ação social e efeitos na realidade, na vida.
Esta última, segundo Weber, “se manifesta dentro e fora de nós, sob uma quase
infinita diversidade de acontecimentos sucessivos e simultâneos que aparecem e
desaparecem” (WEBER, 1974, p. 47).
A motivação manifesta na ação social concreta atribui um determinado
caráter, seja ele econômico, político, cultural, religioso, entre outros, direcionado e
93
orientado pela tradição, razão, emoção. Assim, o caráter social da ação revela uma
resposta individual a uma motivação de outros indivíduos, e por meio dos
indivíduos.56
Capturar o sentido da ação social exige compreender suas implicações,
expressas pelos agentes da ação ou por suas condutas. Desse modo, os fatos
sociais não são “coisas”, mas acontecimentos percebidos pelo “cientista social” e
desvelados em seus significados, cabendo à compreensão dos nexos causais que
atribuem sentido a cada ação social.57
A Teoria Social faculta que os acontecimentos possuem origem nos
indivíduos, sendo a subjetividade um elemento central das ações que só possuem o
caráter de uma relação social na medida em que o compartilhamento do sentido se
efetiva. Assim, a regularidade das ações permite evidenciar tendências gerais em
uma determinada sociedade, o que, evidentemente influenciará as ações dos
indivíduos. Sendo que, somente com “relação a valores específicos particulares de
uma época, uma nação ou uma fé religiosa, que se pode selecionar, no caos infinito
dos fenômenos sociais, o que nos parece importante” (LÖWY, 1994, p. 35).58
Em Weber a sociedade moderna possui a particularidade dos mercados, dos
interesses organizados e opostos, o que explicita, na medida da sua proposta
teórica, a evidência de conflitos, que não se colocam como patologias que geram
desequilíbrios prejudiciais à evolução da sociedade. Ao contrário, permite a
56 Uma das produções de referência em Weber que exemplifica sua proposta metodológica de compreensão das sociedades é a obra “Ética protestante e o espírito capitalista” (1904), na qual é relacionado o papel do protestantismo na formação do comportamento típico do capitalismo ocidental moderno. Em Weber a relação entre religião e sociedade, por exemplo, se dá pela incorporação de valores transformados em motivos da ação. Identifica, na análise da especificidade desta relação causal, o trabalho enquanto dever e vocação.
57 Embora Weber atribua centralidade aos valores e motivações humanas, o mesmo não examina e aprofunda a gênese social dos pontos de vista e visões de mundo (LÖWY, 1994).
58 Para Weber o cientista é guiado por motivações, sendo impossível eliminar as pré-noções, particularmente na seleção dos aspectos a serem estudados. Iniciado o estudo, é preciso, entretanto, buscar a neutralidade. Assim, a objetividade não está nos fatos em si, mas no modo de reflexão. Tal postura teórico-metodológica o aproxima da razão positivista. Para a explicação dos fatos sociais Weber desenvolveu o tipo ideal. Um recurso metodológico que oferece conceitos sociológicos que permitem interpretar a realidade social. Para tanto, o tipo ideal é previamente construído e testado, considerando casos particulares. Tal modelagem auxiliaria a construção de comparações para a identificação de especificidades e semelhanças. Seu método interpretativo ressaltou a importância da análise histórica, da comparação e da compreensão qualitativa dos processos sociais. Weber não é um autêntico positivista, porém, postulou, de modo sistemático, a neutralidade axiológica das Ciências Sociais (LÖWY, 1994).
94
existência de um “ordenamento social”, uma estrutura institucional capaz de regulá-
los socialmente.
Weber identifica o conflito e a luta de classes em várias dimensões,
relativamente autônomas, como a política, a religião e o direito, manifestando, ainda,
uma racionalidade peculiar, a exemplo do sentido da acumulação da riqueza
presente na razão capitalista. Entretanto, “os valores dos quais fala Max Weber não
estão, no essencial, ligados às classes sociais (como na abordagem marxista), mas
às culturas, nações ou religiões distintas e/ou opostas” (Idem, p. 34).
O elemento fundamental da interpretação weberiana da sociedade reside na
racionalidade como princípio organizativo. Desse modo, a ação é racional,
considerando finalidades e valores. No entanto, é a razão que impulsiona os
indivíduos à ação, num processo complexo de encadeamentos e de motivações.
Na proposta weberiana o trabalho social requer, especialmente, a
interpretação dos valores e das possibilidades de novas motivações racionalizadas
nas ações sociais. Prevalecem, aqui, nos limites da aplicação teórico-prática,
elementos como a racionalidade nas ações sociais; a conexão entre valores sociais
internalizados, ações sociais e suas implicações; as análises de traços
característicos de uma formação histórica, como a cultura patrimonialista e
meritocrática; descrição de tipologias de política sociais; a interpretação de valores
sociais internalizados no processo de socialização; o peso das motivações humanas
em detrimento das estruturas; e o papel dos indivíduos livres para modificar a
realidade.
O desenvolvimento do trabalho social pretensamente neutro e a compreensão
do indivíduo como uma relação de intersubjetividade encontra similaridade na
experiência fenomenológica, especialmente pela postura de “afastamento” de
preconceitos, como pressuposto básico, e o conhecimento do sujeito como “ser no
mundo” e ser “sobre o mundo”, visando uma “transformação social” (CBCISS, 1986,
p. 184; ALMEIDA, 1978), que é individualizada e, por consequência
“psicologizada”.59
59 A fenomenologia no serviço social não se mantém voltada à compreensão do social, assimila o projeto conservador no marco da renovação, resultando na reatualização do conservadorismo, recuperando conceitos como pessoa e ajuda. Transformação social restringe-se ao plano do individual por meio da superação da situação-social-problematizada (Netto, 1998).
95
Perspectivas weberianas centralizam a compreensão de traços particulares
de uma sociedade, conformando tipologias, além da explicitação da burocracia, de
atributos culturais, econômicos, políticos e sociais, assim como das legislações
como aspectos determinantes das sociedades modernas.
3.3 SOCIEDADE CONTRADITÓRIA E PROJETO ÉTICO-POLÍTICO:
TOTALIZANDO A ANÁLISE DO “SOCIAL”
Em Marx (1818-1883) fica revelada a contradição das sociedades em suas
relações de classe. As particularidades sócio-históricas expressam relações sociais
de produção e processos de reprodução social. Tais relações manifestam a
dominação de uma classe sobre a outra, e os consequentes antagonismos.
Uma atitude crítica diante da vida social exige saturar a realidade em suas
contradições, no movimento de totalização de suas determinantes causais,
complexos e tendências, apreendendo sua historicidade, nas determinações
presentes e nas possibilidades a serem potencializadas, em termos de processos
sociais, econômicos, políticos e culturais. Evidente que tal saturação, no emprego da
capacidade de agir racionalmente, requer a apreensão da existência da realidade. A
atitude diante da realidade, substrato da intervenção social, implica teleologia,
objetivação de escolhas entre alternativas concretas.
O cotidiano, base de intervenção e crítica, possui uma regularidade, uma
programação que prende os sujeitos ao singular, ao imediato, ao factual (NETTO,
2000). Tal causalidade é rompida pelos sujeitos com capacidade de, a partir da
heterogeneidade do cotidiano, da contradição constitutiva, suspender o próprio
cotidiano, de modo a sair e voltar deste em novos e superiores patamares de
compreensão e práticas. Isso porque a sociedade não é uma entidade de natureza
teleológica. Os indivíduos sociais agem, individual ou coletivamente, tendo por base
necessidades e interesses, implicando projeção, finalidades. Assim, apenas na vida
cotidiana o ser genérico, coparticipante do coletivo, da humanidade, se encontra em
potência, nem sempre realizável (Idem).
96
Na relação entre razão e cotidiano há uma tendência das análises sobre os
fenômenos sociais ocultarem suas reais determinações. Assim, os resultados são
tidos como causas dos fenômenos. Para Marx no capitalismo os homens apreendem
a realidade de maneira inversa da sua gênese e desenvolvimento. Há, portanto, uma
inversão ontológica, por consequência, entre aparência e essência (MARX, 1978).
Marx avança no entendimento ontológico da Teoria Social, da análise sobre a
realidade, na compreensão de que o conhecimento teórico é o conhecimento do
objeto tal como ele é em si mesmo, na sua existência. Nessa matriz, há a
reprodução ideal do movimento real do objeto pelo sujeito que pesquisa: pela teoria,
o sujeito reproduz em seu pensamento a estrutura e a dinâmica do objeto que
pesquisa. (NETTO, 2009 p. 7)
Em Marx, a cr í t ica do conhec imento acumulado cons iste em trazer ao exame rac ional, tornando-os conscientes, os seus fundamentos, os seus condic ionamentos e os seus l im ites – ao mesmo tempo em que se faz a ver i f icação dos conteúdos desse conhec imento a part ir dos processos h istór icos reais. É ass im que e le trata a f i losof ia de Hegel, os economistas pol í t icos ingleses (espec ia lmente Smith e Ricardo) e os soc ia l is tas que o precederam (Owen, Four ier) ( Idem, p. 7) .
No movimento crítico-dialético o objeto tem existência objetiva,
independentemente do pensamento do pesquisador, como supõe o idealismo. A
superação da aparência fenomênica, imediata, sendo esta um nível da realidade,
expressa a apreensão da essência do mesmo objeto. Nesta apropriação da matéria
parte-se do entendimento de que “não é a consciência que determina a vida, mas a
vida que determina a consciência”. Afinal, são “os homens que desenvolvem a sua
produção material e o seu intercâmbio material, que ao mudarem esta sua realidade,
mudam, também, o seu pensamento e os produtos do seu pensamento” (MARX,
ENGELS, 1984, p.23).
Em contraposição às propostas metodológicas empiristas, que manipulam as
variáveis do cotidiano e capturam o singular como objeto do conhecimento, passível
de comprovação empírica, as proposições decorrentes do pensamento kantiano,
que pressupõem a impossibilidade de conhecer a “coisa-em-si”, mas apenas as
sensações capturadas pelo sujeito em relação ao objeto, ou, ainda, as formulações
hegelianas em que o sujeito aparece como o processador do conhecimento
identificando-se com o próprio objeto.
97
Marx, numa passagem em A Sagrada Família, afirma que os filósofos
especulativos explicam o objeto como autoatividade do sujeito, como mero resultado
de seu “próprio intelecto abstrato”, desconsiderando as determinações do mundo
real e concebendo a realidade como produto do pensamento.
Em Os Grundrisse, versão inicial da crítica da economia política, “Introdução”
redigida em 1857, Marx aborda como o pensamento captura gnosiologicamente o
real. No prefácio “Para a crítica da Economia Política” problematiza a análise de uma
cidade pelo conceito de população, sem elucidar seus elementos constitutivos, o que
não passaria de uma abstração. A análise dos seus elementos constitutivos implica
na análise do trabalho assalariado, subordinado ao capital, reproduzindo, por sua
vez, divisão do trabalho e outros aspectos determinantes. Ao se avançar nas
abstrações mais sutis é possível atingir uma rica totalidade com múltiplas
determinações e relações. Assim, o objeto aparece no pensamento como processo
de síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o verdadeiro
ponto de partida (MARX, 1978).
Para Marx o contato com o mundo objetivo configura um todo caótico a ser
representado na consciência e por abstrações chegar-se ao concreto real, que por
meio das mediações revela as “legalidades particulares e gerais”. No entanto, trata-
se de uma perspectiva ontológica, descartando-se formalizações metodológicas que
desconsiderem as relações sociais numa dada formação social.
A sociedade não é um todo unificado por partes, como pressupõe o
pensamento positivista. É sim uma totalidade concreta, complexa. Assim, é preciso
descobrir as relações entre totalidades constitutivas e a totalidade em sua máxima
complexidade, ou seja, a sociedade burguesa (LUCKÁCS, 1979). “Tais relações
nunca são diretas; elas são mediadas não apenas pelos distintos níveis de
complexidade, mas, sobretudo, pela estrutura peculiar de cada totalidade”. A
unidade na diversidade da totalidade concreta que é a sociedade burguesa é
analisada na construção de um “sistema de mediações” (internas e externas) que
articulam tais totalidades (LUCKÁCS, 1979; NETTO, 2009, p. 29).
Se a história é a substância da sociedade e os homens portadores de
objetividade social, as transformações do cotidiano, por sua vez, dependem da
consciência dos indivíduos sociais, dos valores, concretizados em condições
objetivas.
98
Numa análise sócio-histórica parte-se do reconhecimento de que o passado é
configurado pelas determinações que permitem os sujeitos serrem o que são. O
futuro é um tempo que interpela e desafia a sociedade, quanto às possibilidades de
reagir ao presente, antecipando neste último, finalidades, teleologias. Assim, o
presente, a cotidianidade, é o foco das atenções, e a ética é a dimensão que permite
saltos intelectivos e práticos aos sujeitos.
A racionalidade burguesa suprime as dimensões ontológicas do real que
permitem saltos civilizatórios, reduzindo a existência à imediaticidade do presente.
Assim, a tendência é dar respostas técnicas e políticas no campo do superficial, na
manipulação de variáveis empíricas do real. Tende-se ao senso comum, ao juízo
conservador das pessoas, à criminalização dos pobres, à individualização dos
problemas.
A concepção burguesa é incapaz historicamente de considerar o tempo como
uma totalidade ontológica, na articulação entre passado, presente e futuro. O apego
é pelo presente, pela disputa, pela mercantilização e “coisificação” das pessoas
(MÉSZÁROS, 2002).
A lógica destrutiva da sociabilidade burguesa parece inabalada, mesmo
mostrando suas crises orgânicas. Evidente que diante de um longo período contra-
revolucionário, ainda que alguns ventos se mostrem fortes na lógica da contra-mola
que resiste, há uma sensação de impotência, de ausência de perspectivas
projetadas por projetos societários.
Como afirma Konder (1997) quando o sujeito sai de cena o empirismo reina,
mas não o empirismo simplista, o sofisticado, alienando aqueles que olham e
confundem o real com o existente, pelo processo de alienação, uma vez que a
realidade é mais do que o existente, é também o possível. Entretanto, sua
totalização depende do rigor teórico, que confronta as contradições da realidade, de
atitude crítica, ético-política mobilizada pelos sujeitos, pela práxis, pela antecipação
no presente do que se projeta para o futuro, utilizando-se do recurso da totalidade e
da história, visando mediatizar os fatos empíricos, retirando deles a aparência de
fetiches isolados ou de coisas naturais (COUTINHO, 1994).
É com o sentido da historicidade e da objetividade de valores construídos na
teia das relações concretas que se passa a compreender a necessária e estratégica
análise da realidade sócio-histórica, das condições de vida e de trabalho da
99
população, na identificação de suas necessidades, e no fortalecimento das formas
inventivas de resistir, sem sucumbir diante da aparente impossibilidade. Aspectos
que dão centralidade aos direcionamentos éticos e à incidência do pensamento
crítico na formação e no exercício profissional dos assistentes sociais brasileiros.
A aproximação do Serviço Social com o pensamento dialético e com os
“marxismos” provocou inflexões, ainda que nos limites da autocracia burguesa,
ideoculturais e sociopolíticas “estruturantes” da ruptura com o conservadorismo. O
universo da profissão se “oxigenou” de novas representações e intervenções, que
vinculam a profissão às classes subalternas, marcadas pela diversidade de
angulações e objetivações teórico-metodológicas. Tais particularidades são
identificadas no estruturalismo de Louis Althusser, explicitando um marxismo sem
Marx, com consequente supervalorização da estrutura.
No caso do Serviço Social outros aspectos particularizam a interpretação
teórica althusseriana, pela redução do pensamento a manuais; na pobreza teórica
(NETTO, 1998); a recusa da via institucional, entendida como aparelhos monolíticos;
o “militantismo” e “messianismo” (IAMAMOTO, 1992). Entretanto, é com esse
marxismo equivocado que o Serviço Social questiona a prática profissional, as
instituições, o Estado, a política social, a realidade social, inaugurando uma
perspectiva de ruptura com o tradicionalismo, com as formas conservadoras de
explicar e agir no social.
No campo do Serviço Social destaca-se a influência de Antonio Gramsci na
análise do Estado ampliado; do assistente social como intelectual orgânico; da
construção do projeto ético-político, do papel da sociedade civil na manutenção ou
construção da hegemonia; do sentido ampliado de classes pela definição das
classes subalternas. A influência de Agnes Heller possibilita uma análise consistente
do cotidiano, da ética. Em Lukács, teórico de grande influência na produção
acadêmica contemporânea, as mediações ganham sentido ontológico central na
crítica à realidade e no trabalho social.
A análise do social e do trabalho no social passa a expressar, de modo geral
e especialmente, a problematização do cotidiano, ressaltando-se o emprego da
autonomia relativa (IAMAMOTO, 1982), na perspectiva do fortalecimento das
demandas do trabalho; a afirmação de um paradigma das relações de força e poder,
balizada por relações de classe (FALEIROS, 1981); o Serviço Social como trabalho
100
e as a questão social como base de fundação e de desenvolvimento da profissão,
sendo suas expressões objetos de intervenção (IAMAMOTO, 1998); e o Serviço
Social orientado pelo projeto ético-político-profissional hegemônico (NETTO,
1999).60
A produção acadêmica e o debate teórico nos espaços políticos da profissão
dinamizam o pluralismo inaugurado com a renovação do Serviço Social (NETTO,
1998), configurando particularidades analíticas que se aproximam pelo “tom” crítico,
pelo reconhecimento da contradição e pela antecipação de nova ordem societária no
presente, teleologia que passa, hegemonicamente, a orientar o trabalho social da
categoria.
Importa analisar que o significado da profissão é configurado nas
particularidades do capitalismo, especialmente no modo como são produzidas as
respostas à questão social na relação público/privado. Aspecto que, no contexto da
profissionalização do Serviço Social assume feições típicas da filantropização
estatal, do autoritarismo, da burocratização; no contexto desenvolvimentista da
modernização que segue conservadora e é aprofundada no marco monopolista,
explicitando a perspectiva da integração social à agenda governamental; no período
da redemocratização, configura-se uma cultura de democratização do Estado, de
implementação de novos espaços participativos sob a diretiva da descentralização
político-administrativa; e no contexto da cultura neoliberal, o incentivo à
“refilantropização”, diante das investidas da contra reforma, de restrição de direitos,
de responsabilização do indivíduo pelo provimento de suas necessidades sociais e
pela sua condição pessoal e social.
A centralidade na questão social como matéria de investigação e intervenção
social, possibilita o entendimento “desnaturalizante” do social. Questão social
entendida como o conjunto de expressões das desigualdades sociais da sociedade
60 Iamamoto, em “Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social” (2007), sintetiza as principais teses explicativas dos fundamentos do serviço social, destacando: o balanço crítico de Relações Sociais e Serviço Social (Iamamoto); a tese do sincretismo e da prática indiferenciada (Netto); a tese da identidade alienada (Martinelli); a tese das correlações de força e poder (Faleiros); a tese da assistência social (Yazbek); a tese da proteção social (Costa); a tese da função pedagógica do assistente social (Abreu). As particularidades analíticas expressam a riqueza de análises que são nucleadas pelo reconhecimento do caráter contraditório da sociedade e da profissão.
101
capitalista, não apenas as manifestações imediatas, mas também, os nexos entre
seus elementos e processos constitutivos na relação entre capital e trabalho.61
A questão social assume novas configurações e expressões, especialmente
nas transformações das relações de trabalho e da proteção social dos
trabalhadores. Do ponto de vista conceitual, dentre os seus nexos, explicita
exclusão do acesso aos bens e serviços; a garantia de conquistas parciais,
vocalizadas pelos trabalhadores organizados; a subalternidade explicitando a
ausência de protagonismo, de poder; e a pobreza, enquanto um fenômeno
multidimensional que implica na existência de múltiplos carecimentos (YAZBEK,
1993, HELLER, 2008).
Questão social revela elementos de apreensão dos modos de ser e de pensar
dos sujeitos, e das estratégias de sobrevivência, resistência e organização;
processos de fortalecimento de relações de subserviência, de mando, favor e dádiva
(SALES, 1994).
Os processos referentes à relação entre Estado e sociedade civil diante das
alterações na esfera da produção afetam frontalmente as formas de sociabilidade
que explicitam uma imensa fratura entre o desenvolvimento das forças produtivas do
trabalho social e as relações que a sustentam (IAMAMOTO, 2001).
A relação entre Serviço Social, trabalho e questão social expressa a base da
profissionalidade na contemporaneidade, demandando uma análise mais
consequente das requisições sociais e das respostas técnico políticas circunscritas
ao campo dos direitos como espaço ocupacional e político de maior legitimidade
social.
Como referência hegemônica, a matriz marxista incidirá nas bases
constitutivas do projeto ético-político profissional, direcionando a construção das
Diretrizes Curriculares, em 1982 e 1996, e das legislações profissionais,
particularmente do Código de Ética e a nova Lei de Regulamentação da Profissão
(nº 8.662/1993), base constitutiva da nova profissionalidade.
61 A opção pela centralidade categorial do trabalho se dá pelo reconhecimento de que a atividade humana incide sobre a natureza e a transforma nos bens necessários à reprodução social. É, assim, a categoria fundante do mundo dos homens. Entretanto, a existência humana é mais do que o trabalho em si, considerando a sociabilidade e as atividades resultantes pelas necessidades que surgem no desenvolvimento das relações entre os homens em atividade social.
102
4. A CONSTRUÇÃO DA PROFISSIONALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL
A compreensão da categoria profissionalidade como uma construção social
balizada por projetos, na contramão das análises cristalizadas na representação
simbólica de seus agentes, nas lógicas evolutivas naturalizantes ou estruturalistas,
com menor peso às atividades coletivas, remete à compreensão mais totalizante da
profissão.
As legislações profissionais, particularmente as regulamentadoras e os
Códigos de Ética, possibilitam o reconhecimento de parte do significado da profissão
em determinados contextos, ao mesmo tempo em que revelam incongruências que
explicam parcialmente os paradoxos vividos na atualidade.
A análise da profissionalidade pelas legislações não tem o objetivo de reforçar
análises institucionalistas, mas de explicitar as definições do fazer/saber
monopolizado historicamente e pleno de sentidos mais ajustadores do que
democratizantes.
As definições que atribuem poder central à base normativo-jurídica própria e à
auto-representação são tão problemáticas quanto às formulações que reforçam a
determinação do Estado e de outras instituições externas à profissão, como se os
movimentos da cojuntura interferissem instantaneamente na profissionalidade.
A profissionalidade expressa um modo de ser da profissão no movimento
entre as requisições sociais e institucionais, a produção teórica acumulada e
“circulante” e os institutos que atribuem responsabilidades na atuação profissional
em diferentes contextos. No caso do Serviço Social compreender a relação entre os
mecanismos normativo-jurídicos engendrados nos contextos históricos particulares,
ganha centralidade. Portanto, uma legislação não é produzida por um grupo de
“esclarecidos” que regulam objetivos e prescrevem comportamentos, já que o
desenvolvimento de uma profissão é contornado pela dinâmica da própria
sociedade.
É preciso compreender as profissões como complexos multideterminados
moventes e movidos por forças sociais e profissionais. O recorte que será feito na
sequência privilegia o estatuto jurídico para a apreensão da profissionalidade, como
expressão de particularidades sócio-históricas.
103
4.1 PROFISSIONALIZAÇÃO E IMPLICAÇÕES VALORATIVAS NAS PRIMEIRAS
REGULAÇÕES: O SOCIAL “AJUSTÁVEL”
A regulamentação do Serviço Social é iniciada pelo Projeto de Lei 963/1948,
do Deputado Soares Filho (UDN/RJ), tendo sido apresentado em 10 de setembro de
1948 e transformado na Lei 1.889/1953, em 13 de junho de 1953, com publicação
em 20 de junho de 1953. A Lei definia “as finalidades do Ensino de Serviço Social e
sua estruturação e sobre as prerrogativas dos portadores de diplomas de assistentes
sociais e auxiliares sociais”.62
O Decreto nº 35.311, de 02 de abril de 1954, regulamentou a Lei 1.889/53, e
estabelecia, em seu Art. 2º como finalidades do Ensino em Serviço Social, “I - prover
a formação de pessoal técnico habilitado para a execução e direção do Serviço
Social; II - aperfeiçoar e propagar os conhecimentos e técnicas relativas ao Serviço
Social; III - contribuir para criar ambiente esclarecido que proporcione a solução
adequada dos problemas sociais”.
Ainda que os objetivos fossem relativamente limitados, tendo em vista o
processo de gênese da profissão, num contexto sócio-histórico de emergência da
questão social e das consequências do capitalismo em sua fase monopolista, fica
evidenciado uma requisição histórica de atenção aos “problemas sociais”, com sinais
de uma perspectiva de homogeneização das relações sócio-institucionais, com
neutralização de possíveis conflitos sociais, além das marcas da relação com a
assistência social. Aspecto que pode ser identificado na previsão, dentre as
modalidades de Cursos, de extensão “destinado a levar os problemas de assistência
social ao conhecimento da comunidade”.
62 Apenas na Constituição de 1934 a questão da educação é demarcada, destacando-se a responsabilidade da União de "traçar as diretrizes da educação nacional" (art. 5º) e "fixar o plano nacional de educação, compreensivo do ensino em todos os graus e ramos, comuns e especializados" para "coordenar e fiscalizar a sua execução em todo o território do país" (art. 150º). A primeira Lei de Diretrizes Básica foi publicada em 20 de dezembro de 1961 pelo presidente João Goulart. Suas principais características são: maior autonomia aos órgãos estaduais, diminuindo a centralização do poder na União (art. 10); regulamentação de Conselhos Estaduais de Educação e do Conselho Federal de Educação (art. 8 e 9); garantia do empenho de 12% do orçamento da União e 20% dos municípios com a educação (art. 92); obrigatoriedade de matrícula nos quatro anos do ensino primário (art. 30); ensino religioso facultativo (art. 97), entra outros.
104
Com duração mínima de três anos os Cursos chamados “ordinários” em
Serviço Social, contavam, na previsão legal, com as seguintes disciplinas: “I - 1ª
Série a) Sociologia; b) Ética Geral; c) Psicologia; d) Estatística; e) Noções de
Direito; f) Higiene e Medicina Social; g) Introdução ao Serviço Social; h) Serviço
Social de Casos; i) Serviço Social de Grupos. 2ª Série - a) Economia Social; b)
Legislação Social; c) Ética Profissional; d) Higiene Mental; e) Pesquisa Social; f)
Atividades de Grupo; g) Organização Social da Comunidade. III - 3ª Série. a)
Administração de Obras Sociais; b) Organização Social da Comunidade; c) Pesquisa
Social.
Além das disciplinas obrigatórias o acadêmico deveria optar por um conjunto
de disciplinas, relativas aos seguintes setores: “I - Família: a) Serviço Social da
Família; b) Puericultura; c) Economia Doméstica. II - Menores: a) Serviço Social de
Menores; b) Direito do Menor; c) Aspectos psico-pedagógicos da conduta do menor.
III - Médico Social: a) Serviço Social Médico; b) Aspectos médico sociais das
moléstias; c) Nutrição. IV - Trabalho: a) Serviço Social do Trabalho e Técnicas
auxiliares; b) Higiene e Segurança do Trabalho”. A Escola deveria garantir pelo
menos dois dos chamados Setores de Especialização.
Importante observar na análise da legislação elementos que conformam a
especificidade, as prerrogativas, ou mesmo atribuição privativa, tanto no Art. 6º que
prevê cadeiras específicas para o ensino das matérias definidas, entre elas de
Introdução ao Serviço Social; Serviço Social de Casos; Serviço Social de Grupos; e
Organização Social da Comunidade. Mas é no parágrafo 2º do mesmo artigo que
explicitado: “São privativas dos Assistentes Sociais as cadeiras III, IV, V, VI e VII e
as que vierem a ser criadas de acordo com o parágrafo anterior e assim forem
declaradas pelo Conselho Nacional de Educação”. É estabelecido no Art. 10,
parágrafo 2º que “só os Assistentes Sociais podem ocupar o cargo de Diretor de
Escola”, além de outras funções previstas, notadamente supervisores e monitores
(Art. 12).
A moralização de um perfil profissional voltado ao ajustamento do indivíduo
ao padrão instituído encontra ressonância nas condições para a “inscrição ao
concurso de habilitação”. Destaca-se como exigência o “atestado de idoneidade
moral” e o “atestado de sanidade física e mental” (Art. 15).
105
Interessante notar que o agente social é incorporado à profissão de assistente
social, independente de funções administrativas, especialmente os que já atuavam
há mais de cinco anos antes da legislação. Tal conflito de regulação está presente,
na atualidade, em vários órgãos públicos e vem sendo recuperado em
regulamentações independente do Serviço Social, a exemplo do Sistema Único de
Assistência Social, diante do processo de organização da gestão do trabalho.63
Cabe sublinhar que constitui dificuldade política e institucional precisar atribuições no
âmbito das políticas sociais, quanto à definição de profissões fronteiras no que se
refere ao “social”, a exemplo do agente social, do educador social, do auxiliar social,
do cuidador social, e mesmo do psicólogo social.64
As primeiras legislações que regulamentam e direcionam o Ensino e a
profissão em Serviço Social, encontram respaldo no Código de Ética dos Assistentes
Sociais. A justificativa da necessidade de uma “Deontologia do Serviço Social”
relacionada a uma atividade imaterial, já que “trata com pessoas humanas
desajustadas ou empenhadas no desenvolvimento da própria personalidade”,
fundamentou a criação de Código de Ética dos Assistentes Sociais (1947).
O Código de Ética foi formulado pela Associação Brasileira de Assistentes
Socais – Seção São Paulo, e aprovado em 29 de setembro de 1947. A ABAS em
sua resolução nº 1 cria o Conselho de Ética e seu Estatuto, para o julgamento de
“acusações contra assistentes sociais”, funcionando assim como tribunal de ética
específico, observando que se trata de uma demanda dos próprios assistentes
sociais.
63 A Norma Operacional do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS/05), a Norma Operacional de Recursos Humanos (NOB/RH/SUAS), a Resolução nº 17 do CNAS e a Política Nacional de Educação Permanente, dão centralidade à gestão do trabalho como exigência na implementação do próprio SUAS, como pessoal em relação aos serviços/equipamentos.
64 O Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional definiu por meio da Resolução Nº 383, de 22 de dezembro de 2010, as competências do Terapeuta Ocupacional nos Contextos Sociais. No Art. 1º é estabelecido que “o terapeuta ocupacional, no âmbito de sua atuação, é profissional competente para atuar em todos os níveis de complexidade da política de assistência social, do desenvolvimento socioambiental, socioeconômico e cultural”. Na Resolução nº 406/11, o Conselho definiu a especialidade terapeuta ocupacional nos contextos sociais. O movimento regulatório da referida profissão, num ambiente de disputa por legitimidade, explicita a dinâmica das profissões na esfera do Estado e de suas respectivas organizações, mas não significa massificação de tal intervenção em comparação ao Serviço Social.
106
Com um ordenamento jurídico simplificado o Código está organizado em
cinco seções. A primeira trata dos deveres fundamentais dos assistentes sociais,
cabendo aqui um registro de seu conteúdo valorativo:
1. Cumprir os compromissos assumidos, respeitando a lei de Deus , os d ire i tos natura is do homem, inspirando -se sempre, em todos seus atos prof iss ionais , no bem comum e nos d ispos it ivos de le i , tendo em mente o juramento prestado diante do testemunho de Deus.
2. Guardar r igoroso s ig i lo , mesmo em depoimentos, pol ic iais , sobre o que saiba em razão de seu of íc io.
3. Zelar pelas prerrogativas de seu cargo ou funções e respeitar as de outrem.
4. Recusar sua colaboração ou tomar qualquer at i tude que cons idere I legal , Injus ta ou Imoral .
5. Manter uma at i tude honesta, correta, procurando aperfeiçoar sua personalidade e dignif icar sua profissão .
6. Levar ao conhec imento do órgão competente da ABAS – Secção de São Paulo, qualquer transgressão a este Código.
7. Manter situação ou atitude habitual de acordo com as leis e bons costumes da comunidade (Código de Ét ica de 1947. Gr ifos nossos) .
A moralidade impressa nos deveres fundamentais reproduz o significado
social da profissão na particularidade do desenvolvimento do capitalismo, num
contexto de “acomodação” de projetos reformistas, que representando interesses e
valores plasmados em projetos conservadores, infiltram nas estruturas do Estado, a
exemplo da anterior criação do Conselho Nacional de Serviço Social em 1938, e
constituem uma ampla rede pública e privada de atuação, em resposta à questão
social.
Importante destacar que havia um contexto particular na educação que
precisa ser considerado. É emblemático a reposta do Estado em face da
convergência e conflito de projetos. O chamado Manifesto dos Pioneiros, difundido
em 1932 com intuito de tensionar o governo a estruturar a educação pública e laica,
é exemplar, engendrando condições, relacionadas com o processo de
industrialização, de centralidade da “técnica”, de implementação de políticas
educacionais. 65
65 O "Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova" foi escrito em 1932 durante o governo de Getúlio Vargas, expressando defesas de parte da elite intelectual que, muito embora reunisse posições ideológicas e políticas antagônicas, impulsionavam a estruturação de políticas
107
Na Seção II do Código estão estabelecidos os deveres do assistente social,
com destaque para o primeiro: “Respeitar no beneficiário do Serviço Social a
dignidade da pessoa humana, inspirando-se na caridade cristã”. Observa-se aí, uma
explicita orientação religiosa nas condutas profissionais.
A Seção III trata dos deveres dos assistentes sociais para com os colegas, a
Seção IV dos deveres com a organização em que trabalha, e a Seção V apenas das
disposições gerais. Para fins das análises percorridas no desenvolvimento da
presente tese, importante ressaltar o seguinte dever do assistente social: “Tratar os
superiores com respeito, o que não implica restrição de sua independência quanto
às suas atribuições em matéria específica de Serviço Social”.
Não se encontra no Código de Ética dos Assistentes Sociais e da
Regulamentação do Ensino em Serviço Social, até então, definições mais explicitas
das competências e atribuições privativas, bem como do que seja matéria Serviço
Social, embora seja essa uma finalidade de regulamento específico. Assim, As
especificidades da profissão ficam mais restritas aos modelos aplicados, ou seja,
Serviço Social de caso, de grupo e de desenvolvimento de comunidade.
Tais definições reforçam a centralidade da formação que pelas diretrizes e
matrizes teóricas incidentes dão o direcionamento de um fazer profissional voltado
ao desenvolvimento do caráter dos indivíduos desajustados ao meio social, visando
sua promoção, a solução dos problemas sociais, por meio da pesquisa como
instrumentação da manipulação de variáveis imediatas.
educacionais. Entre os 26 intelectuais destacam-se: Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Afrânio Peixoto, Lourenço Filho, Antônio F. Almeida Junior , Roquette Pinto, Delgado de Carvalho, Hermes Lima e Cecília Meireles. O documento se tornou o marco inaugural do projeto de renovação da educação no país. Além de afirmar a desorganização do aparelho escolar, propunha que o Estado organizasse um plano geral de educação e defendia uma escola única, pública, laica, obrigatória e gratuita. A Igreja Católica criticou o documento por ter naquele contexto controle de grande parte das escolas da rede privada. “A educação superior que tem estado, no Brasil, exclusivamente a serviço das profissões "liberais" (engenharia, medicina e direito), não pode evidentemente erigir-se à altura de uma educação universitária, sem alargar para horizontes científicos e culturais a sua finalidade estritamente profissional e sem abrir os seus quadros rígidos à formação de todas as profissões que exijam conhecimentos científicos, elevando-as a todas a nível superior e tornando-se, pela flexibilidade de sua organização, acessível a todas” (Manifesto dos Pioneiros).
108
4.2 A MONOPOLIZAÇÃO DO SABER E DO FAZER NO SOCIAL: O SIGNIFICADO
DA PRIMEIRA REGULAMENTAÇÃO
A organização dos primeiros instrumentos normativo-jurídicos responde a um
contexto de desenvolvimento do capitalismo com expressões imediatas de
crescimento urbano-industrial estimulado pelo Estado, com consequências sociais. A
formação profissional atende ao comando do imperativo crescente da técnica, da
industrialização acompanhada por políticas de “ajuste” e contenção dos efeitos
deletérios.
Como consequência a um projeto político de incentivo à “técnica” e
mecanismos de “controle” do social, sob a ideologização do Estado provedor e do
desenvolvimentismo, é que a profissão é regulamentada em 1957, por meio da Lei
nº 3.252, com incorporação dos agentes sociais nos termos da Lei nº 1.889/53.
A profissão passa a ser regulamentada, delimitando, assim, pela
normatividade, um campo de intervenção que evoca para si o “agir no social”, o
assistir, o servir. Etimologicamente servir vem do latim “servitum”, que significa
escravidão, servidão, gerando o substantivo “servo”, o adjetivo “servil” e o verbo
“servir”. Diferentemente dos países que atribuem ao trabalho social a tarefa de
formar trabalhadores sociais, no Brasil percebe-se uma relação direta com a
necessária formação voltada aos serviços sociais em estruturação, a exemplo do
Conselho Nacional de Serviço Social, instituído em 1938, anterior à regulamentação
da profissão, com a função de manifestar-se sobre “questões sociais” e opinar sobre
subvenções e “obras sociais”.
A legislação reflete o período de estruturação dos serviços sociais públicos
estatais e paraestatais, num contexto em que se delegam aos assistentes sociais
funções de direção e execução de serviço social, o que já evidencia a frágil distinção
entre serviços sociais e serviço social como profissão.66
66 O contexto histórico de gênese e consolidação da profissão expressa o avanço do capitalismo de base fordista, com intensificação dos mecanismos de controle dos conflitos de classe, desencadeando a criação de ministérios, caixas de aposentadoria e pensão, órgãos de incentivo à organização das instituições assistenciais, capitaneada pelo Conselho Nacional de Serviço Social e a Legião Brasileira de Assistência Social. A progressiva intervenção do Estado na questão social, diante da ideologização do desenvolvimentismo, impulsionou a origem das profissões de intervenção no social, funcional a uma política burocratizada, patrimonialista e assistencialista. A ampliação das profissões se dá num período de intensa mobilização de massa (a exemplo da Ação Libertadora Brasileira, liderada pelo fascista Plínio Salgado; esquerda – Aliança Nacional
109
A Lei nº 3.252 de 1957 regulamenta a profissão de assistente social num
período de difusão ideo-política do desenvolvimentismo, base da renovação do
Serviço Social entre as décadas de 1960 e 1970. Com frágil definição das
atribuições profissionais, percebe-se uma preocupação em especificar o monopólio
profissional em funções relativas ao Serviço Social, como definido no artigo 3º:
Art . 3º São atr ibuições dos assis tentes soc ia is: a) d ireção de escolas de Serviço Socia l; b) ens ino das cadeiras ou d iscip l inas de serviço soc ia l ; c) d ireção e execução do serviço soc ia l em estabelec imentos públ icos e part icu lares; d) apl icação dos métodos e técnicas específ icas do serviço soc ia l na solução de problemas soc ia is. Ar t . 4º Só ass istentes soc ia is poderão ser admit idos para chef ia e execução do serviço soc ia l em estabelec imentos públ icos, paraestatais , autárquicos e de economia mista ( . . . ) Ar t . 5º Nas escolas of ic iais de Serviço Social , que se cr iarem, apenas Ass istentes Socia is poderão assumir os cargos docentes, de direção, secretar ia e supervisão, excetuando-se, no caso do ens ino, as cadeiras ou d iscip l inas que pelo seu programa, possam ou devam ser ens inados por outros prof iss ionais.
A expansão significativa de serviços e a requisição institucional por trabalho
qualificado são aspectos percebidos pela flexibilização na própria regulamentação,
como definido no parágrafo único do artigo 4ª: “Em caráter precário, até 31 de
dezembro de 1960, poderão ser admitidos para o Serviço Social, nos vários órgãos
públicos, paraestatais, autárquicos e de economia mista, candidatos não
diplomados, desde que estejam cursando o 3º ano de Escola de Serviço Social”.
O respaldo ético para o desenvolvimento das atribuições será atualizado
apenas em 1965 com a vigência do então novo Código de Ética em resposta ao
período de renovação. Sua justificativa está centrada na amplitude técnica e
científica do Serviço Social, com “maiores encargos e responsabilidades”, diante da
“complexidade do mundo moderno”.
O Código, “alicerçado nos direitos fundamentais do homem e nas exigências
do bem comum”, não altera seu fundamento ético, mas expressa a preocupação
com a atualização da profissão em resposta à ideologia desenvolvimentista. Assim,
Libertadora, liderada por Luis Carlos Prestes), e fortalecimento dos instrumentos de regulação de profissões e da organização política dos trabalhadores, resultando na Consolidação das Leis do Trabalho. Outro determinante fundamental a ser destacado é o processo de mundialização dos sistemas de proteção pós-segunda guerra mundial.
110
em seu artigo 1º define a profissão como de caráter liberal, de “natureza
técnico‐científica”.
Comparece uma base ética liberal, amparada, ainda, no princípio da
autodeterminação, do respeito às posições filosóficas, políticas e religiosas, numa
perspectiva “liberalizante”, tendo em vista a permanência dos princípios da
autodeterminação e da dignidade da pessoa humana.
Elementos como integração social, estabilidade, bem como, colaboração para
a ordem social justa, correção de desníveis sociais e progresso, espelham um perfil
profissional que vocaliza sua prática sustentada em fundamentos teórico-
metodológicos e ideo-políticos, orientados por um projeto societário reprodutor e
“naturalizador” das relações sociais. Os comandos éticos e políticos podem ser
identificados nos artigos abaixo, relacionados justamente aos deveres profissionais.
Art . 6° O ass istente socia l deve zelar pela família , grupo natura l para o desenvolvimento da pessoa humana e base essenc ial da soc iedade, defendendo a pr ior idade dos seus d ire i tos e encorajando as medidas que favoreçam a sua estabi l idade e in tegr idade.
Art . 7° Ao ass is tente soc ial cumpre contribuir para o bem comum, esforçando-se para que o maior número de cr iaturas humanas dele se benef ic iem, capac itando indivíduos, grupos e comunidades para sua melhor integração social .
Art . 8° O ass is tente soc ia l deve colaborar com os poderes públ icos na preservação do bem comum e dos d ire itos indiv iduais, dentro dos pr inc ípios democrát icos, lu tando inclus ive para o estabelec imento de uma ordem socia l jus ta.
Art . 9° O ass istente soc ia l est imulará a part ic ipação indiv idual, grupal e comunitár ia no processo de desenvolv imento, propugnando pela correção dos desníveis sociais.
Art . 10° O ass is tente soc ia l no cumpr imento de seus deveres cív icos colaborará nos programas nac ionais e internac ionais, que se dest inem a atender às reais necess idades de melhor ia das condições de v ida para a sua pátr ia e para humanidade (Código de Ét ica de 1965) .
Prevalecem, na relação entre a formação social e o exercício profissional,
competências e atribuições direcionadas para a solução imediata de “vários
problemas sociais” (Art 19°) que afetam “clientes, grupos e comunidades”,
colaborando, por meio de “recursos pessoais e técnicos, para o desenvolvimento
solidário e harmônico do país” (Art. 22). A noção abstrata de justiça social sustenta,
111
neste contexto, mediações cotidianas com efeito de reforçar valores dominantes e
justificadores da sociedade desigual estrutural.
O perfil político “da” assistente social fica restrito ao sentido da colaboração
com entidades (Art. 31), da crítica com “discrição” (parágrafo único do Art. 21), da
imparcialidade no desenvolvimento do trabalho em equipe (Art. 33), do “respeito e
cortesia devidos, usando discrição, lealdade e justiça no convívio que as obrigações
do trabalho impõem” (Art.24); do espírito de lealdade, solidariedade, devendo abster-
se “de críticas e quaisquer atos suscetíveis” que possam prejudicar o “colega”,
“observando os deveres de ajuda mútua profissional” (Art. 29).
O Decreto nº 994, de 15 de maio de 1962, que regulamenta a Lei nº 3.252/57,
que dispõe sobre o exercício da profissão de Assistente Social, especifica em seu
artigo 5º as prerrogativas profissionais, compreendidas como atribuições. Além da
direção de Escolas de Serviço Social, das responsabilidades em disciplinas
específicas, destaca-se, o planejamento e a direção do serviço social em órgão e
estabelecimentos públicos autárquicos paraestatais, de economia mista e particular;
a assessoria técnica em assuntos de Serviço Social; a realização de perícias,
judiciais ou não, e elaboração de pareceres sobre matéria de Serviço Social.
O mesmo artigo estabelecia, ainda, as seguintes atribuições: a) integrar
comissão examinadora de concursos e provas em cadeiras ou disciplinas
específicas de Serviço Social, assim como representar congregação ou corpo de
professores em conselho universitário; b) participar de comissões, congressos,
seminários e outras reuniões específicas de Serviço Social, como representante dos
poderes públicos, da classe de órgãos e estabelecimentos de Serviço Social
públicos, autárquicos, paraestatais, de economia mista e particulares.
Nas definições do Decreto comparece como atribuição específica matéria de
Serviço Social. Mas chama atenção a menção da prerrogativa de representar
poderes públicos, muito embora em eventos específicos, o que alimenta, desde o
princípio, a associação direta entre serviços sociais e Serviço Social.
O Código de 1975 expressa a atualização da ética profissional num contexto
desenvolvimentista e de autocracia burguesa, com forte orientação
positivista/funcionalista, pela compreensão das profissões como componentes do
“bem total humano”, a partir de valores sociais “como honestidade e verdade”, pelo
entendimento da profissão como parte de um funcionamento social maior:
112
A prof issão é mais do que um trabalho or ientado para a subs is tênc ia dos que a exercem: é um dos fundamentos da estruturação da soc iedade, de sua organização em uma divers idade de grêmios prof iss ionais, representa val io so instrumento de defesa soc ia l (Código de Ét ica de 1975).
A “pessoa humana” é o valor central do Código, entendida como “centro,
objeto e fim da vida social”. Outros valores são associados: bem comum; e justiça
social. Atribui-se à comunidade profissional o significado de forma social conatural,
coessencial ao homem, e “condicionante de um certo desenvolvimento histórico da
civilização”. Para o exercício de uma função social na sociedade postulam-se, no
referido Código, os seguintes princípios:
I . Autodeterminação – que poss ibi l i ta a cada pessoa, f ís ica ou jur íd ica, o agi r responsável, ou seja, o l ivre exercíc io da capac idade de escolha e dec isão; I I . Par t ic ipação – que é presença, cooperação, sol idar iedade at iva e corresponsabi l idade de cada um, nos mais divers if icados grupos que a convivênc ia humana possa ex igir ; I I I . Subs id iar iedade que é elemento regulador das re lações entre os indivíduos, inst i tu ições ou comunidades, nos d iversos p lanos de integração soc ia l .
Entre os direitos do assistente social previstos no Código de Ética de 1975,
em seu artigo 4º, comparece a preocupação, quanto ao “status” profissional, o “a.
Reconhecimento do Serviço Social como profissão liberal, incluída entre as de nível
universitário; b. Garantia das prerrogativas da profissão, e de defesa do que lhe é
privativo; c. Acesso às oportunidades de aprimoramento da formação profissional”.
Sobressai a defesa da profissão na divisão social e técnica do trabalho, cabendo,
por indefinição regulatória, à formação profissional delimitar o campo de
especificidade.
Quanto aos deveres profissionais (Art. 5º), especificamente nas relações com
o “cliente”, destaca-se uma tendência terapêutica na delimitação ética: “a. Utilizar o
máximo de seus esforços, zelo e capacidade profissional em favor ao cliente; b.
Esclarecer o cliente quanto ao diagnóstico, prognóstico, plano e objetivos do
tratamento, prestando à família ou aos responsáveis os esclarecimentos que se
fizerem necessários”.
O credencialismo profissional identificado na regulamentação e regulação da
profissão até a década de 1980, sobretudo pela ruptura expressa no Código de 1986
113
e no legado da reconceituação, é “umbilicalmente” identificado com o pensamento
social positivista, implicando uma profissionalidade ajustadora do social e difusora de
valores conservadores.
A presença de valores na vida social é algo inevitável, é ontológico. A questão
é saber que ética conduz as práticas profissionais cotidianas, ainda que não se
tenha a certeza das objetivações de finalidades conscientemente planejadas. É fato
que a ausência de conhecimento crítico e compromisso político limitam as
possibilidades de materialização de uma ética profissional democratizante ou
emancipatória.
A nova profissionalidade ganha contornos estruturantes com a incidência de
referentes teórico-metodológicos que interpelam a dinâmica da vida em sociedade,
pela crítica ao tradicionalismo predominante. A análise do fazer profissional
engendrou o modelo de competências reconstruído na direção da objetivação dos
valores e princípios éticos, configurando um novo perfil profissional.
4.3 IMPLICAÇÕES POLÍTICAS E “EPISTEMOLÓGICAS” NA FORMAÇÃO
PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL: NOVO PERFIL, NOVAS
“COMPETÊNCIAS”
As décadas de 1970/80 retratam um período de transformações no Serviço
Social, no movimento de ruptura e continuidade, num contexto de maior
intensificação da superação do conservadorismo que configurou a profissão, em
sintonia às transformações societárias, dimensionada pela crise da acumulação
capitalista e a “mundialização” do paradigma da flexibilização na década de 1970, a
crise da autocracia burguesa no Brasil, mesmo num período de crescimento
econômico, e da visibilidade pública das forças sociais democráticas, notadamente a
criação do Partido dos Trabalhadores, em 1980, e da Central Única dos
Trabalhadores – CUT, em 1983, expressando novas alianças políticas alinhadas a
um projeto societário que rompe com a hegemonia estabelecida. Trata-se, portanto,
de um cenário de intensificação das lutas de classes alimentadas e engendradas
114
nas referências teórico-metodológicas polarizadas entre a defesa da restauração e
da ruptura da sociabilidade burguesa.
Os países latino-americanos protagonizavam processos de reconceituação no
âmbito do Serviço Social que configuravam elementos de proximidade e
particularidade, conjugando, especialmente, crescente interferência do imperialismo
estrangeiro, governos autoritários, redemocratização e participação estudantil
(CELATS/ALAETS, 1979), o que no caso da profissão possibilitou o surgimento de
uma nova vanguarda.
Especialmente na dimensão política presencia-se na América Latina uma
nova base ideo-política, capitaneada por sujeitos políticos que se organizam na
clandestinidade com apoio de setores progressistas da Igreja, na luta pela ruptura
das amarras imperialistas, luta pela transformação social e ruptura com a estrutura
excludente, concentradora (FALEIROS, 1987), num quadro histórico de
aprofundamento da desigualdade, e suas expressões mais agudizadas como a
miséria e a fome.
As transformações internas da profissão estão implicadas na dinâmica da luta
entre projetos societários, trazendo consequências diretas como a politização do
perfil profissional, “descortinando”, assim, a falsa neutralidade difundida pelo
positivismo, impulsionando a proposição de um novo projeto de formação
profissional sintonizado com as transformações societárias.
Na década de 1970 observa-se a fértil construção, aprofundada na década de
1980, de novas bases para a crítica sistemática do Serviço Social conservador,
denunciado quanto à sua vinculação funcional ao capitalismo e as formas
institucionais de subalternização da classe trabalhadora. O movimento de
reconceituação ofereceu condições para a formação da base ideo-política que
sustentaria o novo projeto profissional. Por meio da apreensão das teorias e
disciplinas sociais, a partir do rearranjo de suas tradições e do pensamento social
contemporâneo, o Serviço Social se afirma na perspectiva da validação teórica na
divisão sócio-técnica do trabalho (NETTO, 1998).
O movimento político-cultural de contestação do tradicionalismo profissional e
da própria realidade latino-americana formou suas bases sócio-históricas num
contexto de polarização de projetos societários – capitalismo em detrimento do
socialismo real, na afirmação das lutas sociais libertárias e de crítica à sociabilidade
115
do capital, em sua fase expansionista; de resposta desenvolvimentista à crise do
capital nas décadas de 1960/70; e de resistência à autocracia burguesa instalada na
América Latina.
É neste contexto social, político, econômico e cultural, que se destacam as
entidades representativas dos assistentes sociais latino-americanos – Associação
Latinoamericana de Trabajo Social – ALAETS, e o Centro Latino americano de
Trabajo Social – CELATS. Tais entidades fortaleceram a ampliação do horizonte da
profissão voltada às particularidades da realidade latino-americana. Ressalta-se,
que “a presença do Brasil foi decisiva na constituição do Serviço Social crítico latino-
americano”, solidificando as bases do que hoje se denomina de projeto ético-político
profissional (IAMAMOTO, 2003, p.105). Observa-se uma presença significativa na
América Latina, inclusive na atualidade pela circulação de conhecimentos, já a
inserção internacional pode ser considerada recente, tendo em vista a filiação
brasileira junto à Federação Internacional de Trabalhadores Sociais ocorrer apenas
na gestão 1999/2002 do CFESS (TEIXEIRA, 2003).67
O que se configurava era a construção de uma “resistência político
profissional à regressão conservadora, transformada num desafio que animou o
Serviço Social brasileiro ao longo dos últimos vinte anos”. Processo que possibilitou
a construção de um projeto político-profissional, “vitalizado por um forte investimento
teórico-crítico e político de resistência ao neoliberalismo e à pós-modernidade
enquanto lógica cultural do capitalismo tardio”. O que se evidencia, é solidificação de
uma base organizativa filiada às lutas emancipatórias, com forte presença nos meios
profissionais, num contexto de “fortalecimento de um movimento sindical de âmbito
nacional representado pela Associação Nacional de Assistentes Sociais (ANAS) e
67 Nos últimos anos a atuação do Serviço Social junto à FITS vem sendo ampliada, reconhecendo-se
os limites deste espaço. Entre as ações notadamente se destaca a produção de uma definição de Serviço Social pelos representantes da América Latina e Caribe em 13 de agosto de 2011. “O/a Trabalhador Social ou Assistente Social atua no âmbito das relações entre os sujeitos sociais e, entre eles, o Estado. Desenvolve um conjunto de ações de caráter socioeducativo que incidem na reprodução material e social da vida, com indivíduos, grupos, famílias, comunidades e movimentos sociais numa perspectiva de transformação social. Essas ações visam: fortalecer a autonomia, a participação e o exercício da cidadania; capacitar, mobilizar e organizar os sujeitos, individual e coletivamente, garantindo o acesso a bens e serviços sociais; a defesa dos direitos humanos; a salvaguarda das condições socioambientais de existência; e a efetivação dos ideais da democracia e o respeito à diversidade humana. Os princípios de defesa dos direitos humanos e da justiça social são elementos fundamentais para o Trabalho Social, para que esse trabalho se realize com vistas a combater a desigualdade social e as situações de violência, de opressão, de pobreza, de fome e de desemprego” http://www.cfess.org.br/arquivos/texto-preliminar-workshop-2012.pdf.
116
num forte impulso à renovação crítica do conjunto CFESS/CRESS” (IAMAMOTO,
2003, p. 107-109).
A base ético-política construída favoreceu a consolidação de uma nova
direção social estratégica, a partir da oposição ao conservadorismo na profissão, na
crise da autocracia-burguesa no final dos anos 1970 e nos anos de 1980, contexto
de afirmação da cultura da democracia política, fortalecendo a participação cívica e
política de assistentes sociais (SILVA e SILVA, 2009. p.634), da constituição de seu
auto-reconhecimento como classe trabalhadora, como intelectuais orgânicos aos
interesses dos trabalhadores.
No processo de “redemocratização” do país, experimenta os efeitos tardios,
tendo em vista o período autocrático-burguês, dos novos movimentos europeus68,
conjugando novos sujeitos coletivos que vocalizam interesses, princípios e agendas
políticas, capitaneadas, sobretudo pelos novos movimentos sociais, o novo
sindicalismo, a nova estrutura partidária e a queda da ditadura militar (SADER e
GENTILI, 1995).
A realização do III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, em 1979, na
cidade de São Paulo, o chamado “Congresso da virada”, expressa o momento de
posicionamento político hegemônico de um projeto profissional que revelaria, desde
sua origem, independente das particularidades assumidas, a sintonia com os
interesses e demandas coletivas da classe trabalhadora, trazendo para esfera
pública “componentes democráticos até então reprimidos na categoria profissional”
(NETTO, 2009, p. 669). O Congresso da Virada demarcou novos parâmetros para a
organização da profissão, assinalando o posicionamento ético-político, calcado no
compromisso com os setores populares (ABRAMIDES e CABRAL,1995).
Engendra-se, nos marcos de um contexto transformista, um “projeto
profissional de ruptura”, assinalado por Silva e Silva (2009), entre as décadas de
(1970/80), o que seria a base para a construção e difusão do projeto ético-político
profissional, na década de 1990, contexto de afirmação político, econômica e cultural
do neoliberalismo.
Para a memória cultural e política da profissão é sempre importante reportar
68 O ano de 1968 entrou para a história pelas manifestações estudantis que iniciaram em maio na França, e avançaram pela Europa com repercussões importantes na defesa de reformas e liberdade de expressão.
117
que a designação inaugural em espaços coletivos do “Projeto Ético-Político do
Serviço Social” se deu no IX CBAS, realizado em Goiânia, em 1998, tendo como
temário “Trabalho e Projeto Ético-Político Profissional”, com ampla disseminação por
meio da produção do artigo de Netto, em 1999, denominado “A construção do
Projeto ético-político do Serviço Social”. Denominação e debate que encontrou
surpreendente e inesperada ressonância nos meios profissionais e acadêmicos
brasileiros, tendo sido publicado “em Portugal, Espanha e na América Latina”
(NETTO, 2007, p.37), compondo hoje a produção teórica especializada e o
repertório técnico-político dos profissionais.
A superação do entendimento da falsa neutralidade axiológica da prática e a
configuração de perfil politizado foi possível, sobretudo, pela aproximação com a
Igreja renovada; atividades das comunidades eclesiais de base; e incidência do
marxismo (NETTO, 1998; ABREU, 2002). A formação e o exercício profissional
darão centralidade na análise e intervenção a partir de matrizes teórico-
metodológicas, reforçando o pluralismo inaugurado.
A reforma curricular do Serviço Social iniciado nos anos 1980, respondeu ao
contexto histórico do momento e à dinâmica da profissão, sintonizada com a ótica
das relações de classe, dos projetos societários, o que permitiu posicionar-se como
constitutiva da reprodução das classes sociais e do relacionamento contraditório
entre elas (YAZBEK, 1984, p.45).
Ao mesmo tempo refletia o período de expansão anterior quando a profissão
atendeu ao “chamado” modernista, refletido na ampliação progressiva. Na América
Latina, houve um crescimento em torno de 12% quanto à abertura de novas
Escolas. No Brasil, em 1975 havia 48 Escolas e em 1984, 55 cursos, dos quais 14
pertenciam às Universidades Federais, e 32 eram ligados ao ensino privado (Idem).
A vinculação entre Serviço Social e realidade social, e a aproximação do
profissional com as demandas populares, reforçaram a necessária sustentação
teórico-metodológica consistente. A compreensão da profissão engendrada nas
relações contraditórias entre as classes fundamentais, nos processos de reprodução
social, centralizava o projeto profissional como direcionador da formação e do
exercício profissional, com recusa às práticas imediatistas, mecanicistas e
pragmáticas. Partia-se do entendimento de que o desenvolvimento da profissão é
um fenômeno histórico, um movimento resultante das determinações da realidade
118
social colocadas à profissão e de sua capacidade de se legitimar diante das
demandas de classes no exercício de sua prática (IAMAMOTO, 2007). Uma prática
que requeria um suporte teórico-metodológico, o que configurou o que seria a
essência da reforma de 1982.
A XXI Convenção Nacional da ABESS, com o tema geral Proposta de
reformulação do currículo mínimo, realizada em 1979, na cidade de Natal, discutiu
os rumos da formação profissional em Serviço Social o que permitiria encaminhar
uma proposta básica ao Conselho Federal de Educação (CFE), culminando com a
aprovação do novo currículo em 1982.
Para a presente análise cabe destacar que no currículo de 1982 já
comparecem elementos que contribuem para a formação de um novo perfil
profissional, sobressaindo a preocupação de formar assistentes sociais com uma
visão global da sociedade, a partir de uma análise histórico-estrutural, capazes de
elaborar instrumentais que problematizem a realidade social. Assim, novos
conteúdos passam a ser centrais para a análise do Estado, da formação social,
econômica e política do Brasil, estrutura agrária e urbanização, processo de
mudança social e “marginalização social”, estudo da realidade nacional e local.
A ruptura com o pragmatismo é anunciada pela necessária produção de
conhecimentos sobre a realidade social, substrato da intervenção profissional. A
pesquisa foi sendo incorporada como dimensão fundamental da intervenção e como
componente estruturante do projeto profissional. Outro aspecto importante é o
debate sobre a falsa dicotomia entre teoria e prática, destacando a necessária
análise crítica das dinâmicas institucionais, no compromisso com a classe
trabalhadora, e da própria profissão que rompe em grande medida com as
perspectivas endógenas e passa a estabelecer uma nova e qualificada interlocução
com as Ciências Sociais.
Avanços importantes possibilitaram a formação de “novas competências”,
posteriormente fortalecidas na reforma curricular de 1996, como a análise das
políticas sociais enquanto espaços contraditórios, recuperando a assistência social
como política pública, a relação entre Estado e profissão, e a centralidade dos
movimentos sociais.
A análise sobre as disciplinas recomendadas espelha a fragmentação na
articulação de conhecimentos, especialmente pela separação em história, teoria e
119
metodologia. Portanto, as disciplinas específicas do Serviço Social reproduziam o
entendimento de uma dicotomia entre teoria e prática, com ênfase nos processos
metodológicos, traduzindo uma visão linear da profissão e mesmo evolucionista, em
detrimento do princípio da historicidade, recuperado no entendimento dos
fundamentos históricos e teórico-metodológicos da revisão posterior. Essa
particularidade da formação profissional, até pelo movimento crítico, caudatário da
reconceituação, de superação do pragmatismo profissional, expressa a polarização
entre referentes, dinamizando o pluralismo, a tendência epistemológica na formação
e no exercício profissional condicionando “escolhas” entre, especialmente, a teoria
sistêmica, a fenomenologia ou o materialismo histórico-dialético.
O currículo de 1982 apresentou lacunas e insuficiências, mas possibilitou
avanços importantes na formação do perfil profissional, particularmente pelo reforço
dado à competência teórico-metodológica, possibilitada pela nova interlocução com
as Ciências Sociais, pela produção crítica em expansão, capitaneada pelo marxismo
acadêmico. Outros aspectos se sobressaem: a relação com o usuário como
pertencente à classe trabalhadora, superando a visão reduzida assistente social-
cliente; a centralidade nas estratégias e alianças políticas como recursos
indispensáveis para alteração das dinâmicas institucionais; a superação da falsa
neutralidade axiológica configurando um perfil político e politizante, podendo, pela
adesão aos projetos societários, fortalecer um dos polos em disputa.
O Código de Ética de 1986 incorpora a hegemonização da direção crítica
dada ao definir como princípios e diretrizes para o exercício profissional:
A devolução das informações colh idas nos estudos e pesquisas aos sujei tos soc ia is envolv idos; O acesso às informações no espaço ins t i tuc ional e o incent ivo ao processo de democrat ização das mesmas; A contr ibuição na a lteração da corre lação de forças no espaço inst i tuc ional e o for ta lec imento de novas demandas de interesse dos usuár ios; A denúnc ia das fa lhas nos regulamentos, normas e programas da inst i tu ição e não acatamento de determinação patronal que f ira os pr incíp ios e d iretr izes deste Código; O respeito à tomada de decisão dos usuár ios, ao saber popular e à autonomia dos movimentos e organizações da c lasse trabalhadora; O pr iv i lég io ao desenvolv imento de prát icas colet ivas e o incentivo à par t ic ipação dos usuár ios no processo de dec isão e gestão inst i t uc ional ; A d iscussão com os usuár ios sobre seus d ire i tos e os mecanismos a serem adotados na luta por sua efet ivação e por novas conquis tas; e a ref lexão sobre a necess idade de seu engajamento em movimentos populares e/ou órgãos representat ivos da c lasse
120
t rabalhadora; O apoio às in ic iat ivas e aos movimentos de defesa dos interesses da categor ia e à divulgação no espaço inst i tuc ional das informações de suas organizações; A denúnc ia de agressão e abuso de autor idade às organizações da categor ia e aos órgãos competentes; O apoio e/ou a par t ic ipação nos movimentos socia is e orga nizações da c lasse trabalhadora (Código de Ét ica de 1986) .
A direção ética do Código de 1986, expressa uma nova postura de análise e
intervenção no social, nos espaços ocupacionais, com comando expresso de
alteração de sua dinâmica como expressão dos interesses dos usuários na direção
da transformação social.
A relação entre Serviço Social e realização dos direitos será mais centralizada
no Código de 1993, mas no Código de 1986 já comparece a relação orgânica da
profissão com os processos de defesa, ampliação e garantia de direitos; de
fortalecimento da participação popular e dos movimentos sociais. Destaca-se,
portanto, a formação de um perfil voltado ao trabalho com os usuários nos espaços
institucionais, emoldurando uma nova relação política, determinada pelo contexto de
redemocratização, de cultura dos direitos e da participação, e do legado da
renovação profissional.
As diretrizes para o trabalho social expressas no Código anunciam
competências relacionadas que configuram habilidades sociais importantes que
atualizam o Serviço Social para o seu tempo, particularmente no desenvolvimento de
práticas coletivas e protagônicas, tanto nos espaços institucionalizados como
populares, e centralmente a discussão com os usuários sobre os seus direitos e os
mecanismos para sua efetivação.
O movimento de “desfragmentação” do trabalho no social foi desencadeado
na revisão curricular de 1982, na emblemática superação do Serviço Social de caso,
grupo e comunidade, e na assunção da história, metodologia e teoria, o que não
significou “desfragmentação” dos suportes teórico-metodológicos para a
compreensão da sociedade e da profissão, nem tão pouco, superação da falsa
dicotomia entre teoria e prática.
A aproximação ou interlocução com as Ciências Sociais incide na
reconstrução de referentes teórico-metodológicos, particularizados no materialismo
dialético, no estrutural-funcionalismo, na teoria sistêmica e na fenomenologia, a
121
partir do processo de renovação da profissão, em resposta às transformações
contemporâneas, à ideologia desenvolvimentista, configurando traços de uma
renovação (NETTO, 1998).
O currículo de 1982 revela uma tendência epistemológica na formação que
possui limites próprios da reconstrução em curso e possível pela forma como se
configurou a reconceituação no Brasil. Entretanto, o que se quer retratar aqui é a
construção de um projeto de formação profissional que traduz a preocupação com o
rigor teórico-metodológico, com a pesquisa, com referentes explicativos e
interventivos no social, forjando uma nova profissionalidade. Elementos estes que
serão incorporados no contexto reformista da construção da nova base normativo-
jurídica da profissão.
4.4 CONTEXTO REFORMISTA E AS DIRETRIZES CURRICULARES
Em 20 de dezembro de 1996 foi promulgada a nova lei das Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB) – Lei nº 9394, abrindo espaço e impulsionando a
construção do processo de normatização das Diretrizes Gerais para o Curso de
Serviço Social.
O processo de revisão das diretrizes de 1982 e a construção das diretrizes de
1996, que balizam a formação de assistentes sociais até a atualidade, expressaram
um amplo movimento num contexto de ampliação do ensino privado, porém de
Instituições de Ensino Superior - IES referenciadas territorialmente, possibilitando
condições mais favoráveis para a direção da formação profissional pelas entidades
da profissão.69
69 A Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social - ABESS promoveu e coordenou com o Centro de Documentação e Pesquisa em Políticas Sociais e Serviço Social - CEDEPSS, órgão acadêmico que na época articulava a Pós-Graduação em Serviço Social, um amplo processo de mobilização das Unidades de Ensino de Serviço Social no país. Este processo de mobilização contou com o apoio e participação da Entidade Nacional representativa dos profissionais de Serviço Social, por meio da ENESSO - Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social e do CFESS - Conselho Federal de Serviço Social. Entre 1994 e 1996 foram realizadas aproximadamente 200 (duzentas) oficinas locais nas 67 Unidades Acadêmicas filiadas a ABESS, 25 (vinte e cinco) oficinas regionais e duas nacionais. Em 1996 foram realizadas oficinas que contaram com a assessoria de um grupo de consultores que culminou com a elaboração do documento intitulado: “Proposta Básica para o Projeto de Formação Profissional: novos subsídios
122
O contexto histórico de construção das novas diretrizes para a formação em
Serviço Social é adverso ao projeto profissional em consolidação, tendo em vista as
investidas neoliberais, que seguem os ditames dos organismos internacionais como
o Fundo Monetário Internacional, com impactos diretos na formação e no exercício
profissional. O que se observa é a prevalência da “lógica empresarial”, da
“rentabilidade imediata”, priorizando, na relação custo/benefício, a “quantificação em
detrimento da qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão” (CARDOSO, 2000,
p. 9).
Na contramão da programática neoliberal, as novas diretrizes curriculares em
Serviço Social particularizam a profissão no conjunto das relações de produção e
reprodução da vida social, de caráter interventivo no âmbito da questão social,
compreendida como fundamento sócio-histórico da própria profissão.70 Sobressai a
elaboração de um projeto nacional de formação profissional, sob a direção da agora
ABEPSS, “referendado pela Comissão de Especialistas do MEC e encaminhado ao
Conselho Nacional de Educação”. O processo de ampla revisão da formação é
acompanhado pela regulamentação ético-profissional, revelando o compromisso
com a emancipação humana, com expressiva ampliação da articulação política
nacional e internacional (IAMAMOTO. 2003, p. 109).
Nos seminários promovidos pela ABEPSS na década de 1990 sobressaem
polêmicas sobre eixos centrais da formação em Serviço Social, particularmente a
política social, os padrões de proteção social e a relação história/teoria/método.
Assim, foram resgatados elementos estruturantes da análise da profissão na
realidade social, e que dão concretude à profissão na realidade em movimento, a
partir de uma perspectiva histórico-social (ABESS/CEDEPSS, 1997).
As diretrizes curriculares de 1996 sinalizam um adensamento da análise da
profissão na história da expansão e desenvolvimento do capitalismo, com destaque
para o debate”. Na fase final do processo de revisão curricular as proposições das Unidades de Ensino foram sistematizadas, resultando em seis documentos regionais a partir dos quais a Diretoria da ABESS, a representação da ENESSO e do CFESS, o Grupo de Consultores de Serviço Social e a Consultoria Pedagógica elaboraram a “Proposta Nacional de Currículo Mínimo para o Curso de Serviço Social”. Proposta esta apreciada e aprovada em Assembleia Geral da ABESS durante a II Oficina Nacional de Formação Profissional, realizada no Rio de Janeiro, em novembro de 1996.
70 Outro eixo central das diretrizes é a relação entre serviço social e trabalho. Tal definição traz implicações teóricas e políticas até o presente, sobretudo pela designação do serviço social como trabalho, com processos de trabalho específicos. Cf. Lessa (2000, 2008), Iamamoto (1998).
123
para a fase monopolista, projetos societários, configuração do Estado e sua relação
com a sociedade civil, o movimento das classes, o pensamento social na sociedade.
A proposta curricular recupera, num novo patamar, as particularidades teórico-
metodológicas, considerando a constituição e desenvolvimento da sociedade
burguesa.
A construção do conjunto de conhecimentos indissociáveis é traduzida nas
diretrizes curriculares como núcleos de fundamentação: fundamentos teórico-
metodológicos da vida social; fundamentos da formação sócio-histórica da
sociedade brasileira e fundamentos do trabalho profissional. Núcleos que agregam
disciplinas centrais para o desenvolvimento de competências para o exercício
profissional.
A direção social dada ao projeto profissional, por ser crítico-dialética, propõe o
desenvolvimento de conhecimentos que superem a cisão entre história, teoria e
método, na perspectiva da reconstrução teórico-prática, por meio de um sistema de
mediações orientadas por projetos de sociedade, atribuindo, desse modo, novo
estatuto à dimensão interventiva.
Coloca-se em evidência o significado da competência teórica, no modo de ler,
de interpretar, de explicar a sociedade e os fenômenos particulares que a constituem
(IAMAMOTO, 2003). A leitura crítica da realidade, da sociedade, ganha centralidade,
na relação entre o imediato e mediato, visando à apreensão da constituição, do
desenvolvimento e da transformação da sociedade burguesa, das manifestações e
do enfrentamento da questão social, que passa a ser a base de constituição da
profissão e articuladora dos conteúdos da formação profissional (ABESS/CEDEPSS,
1997).
A revisão curricular foi balizada pelos seguintes pressupostos básicos:
1.O Serviço Soc ia l se part icu lar iza n as re lações soc ia is de produção e reprodução da v ida soc ia l como uma prof issão intervent iva no âmbito da questão soc ia l , expressa pelas contradições do desenvolv imento do capita l ismo monopol ista; 2. A re lação do Serviço Soc ia l com a questão socia l - fundamento bás ico de sua ex is tênc ia - é mediat izada por um conjunto de processos sócio -h istór icos e teór ico-metodológicos const i tut ivos de seu processo de trabalho; 3 - O agravamento da questão soc ial em face das part icu lar idades do processo de reestruturação produtiva no Bras i l , nos marcos da ideologia neol ibera l, determina uma inf lexão no campo prof iss ional do Serviço Soc ia l. Esta inf lexão é resultante de
124
novas requis ições postas pelo reordenamento do capi ta l e do trabalho, pela reforma do Estado e pelo movimento de organização das c lasses trabalhadoras, com amplas repercussões no mercado prof iss ional de trabalho; 4 - O processo de trabalho do Serviço Soc ia l é determinado pelas conf igurações estrutura is e conjuntura is da questão soc ia l e pelas formas h istór icas de seu enfrentamento, permeadas pela ação dos t rabalhadores, do capi tal e do Estado, através das pol í t icas e lutas soc ia is (ABEPSS, 1996, p. 5-6).
A capacitação profissional - nas dimensões teórico-metodológica, ético-
política e técnico-operativa - expressa competências e habilidades na formação
profissional em Serviço Social. Nas diretrizes opera-se uma reconstrução do
conceito de competências.
A formação prof iss ional deve viabi l izar uma capac itação teór ico-metodológica e ét ico-pol í t ica, como requis ito fundamental para o exercíc io de at iv idades técnico -operat ivas, com vis tas à apreensão crí t ica dos processos soc ia is numa perspect iva de tota l idade; Anál ise do movimento h istór ico da soc iedade bras i leira, apreendendo as part icu lar idades do desenvolv imento do capi ta l ismo no país; Compreensão do s ignif icado soc ia l da prof issão e de seu desenvolv imento sóc io-h istór ico, nos cenár ios internac ional e nac ional , desvelando as possib i l idades de ação cont idas na real idade; Ident i f icação das demandas presentes na soc ied ade, v isando formular respostas prof iss ionais para o enfrentamento da questão soc ia l , cons iderando as novas art iculações entre o públ ico e o pr ivado (MEC, 1999, p.1) .
A adoção da teoria social crítica é identificada na compreensão dos núcleos
da formação sócio-histórica, da vida social e do trabalho profissional, numa
perspectiva de totalidade, historicidade e contradição para a apreensão dos
processos sociais, políticos, econômicos e culturais, recuperando-se a questão
social como matéria de investigação e intervenção.
O projeto profissional contemporâneo situa o Serviço Social como
“especialização do trabalho, inscrito na divisão social e técnica do trabalho, no
âmbito das relações entre Estado e sociedade civil, no marco de uma sociedade de
classes” (IAMAMOTO, 1998, p. 113), sendo uma profissão que produz serviços que
respondem às necessidades sociais de indivíduos, grupos e classes sociais.
O desenvolvimento do perfil profissional em sintonia com as requisições e o
projeto profissional construído, superdimensiona a mediação técnico-política no
125
cotidiano, resultando na interferência positiva nos processos que alteram as
tendências e refrações da questão social.
O Código de Ética de 1993 reafirma a direção social construída no Código de
1986, sobretudo pelo compromisso da profissão com as classes trabalhadoras,
acentuando o tratamento ético-político no compromisso com a construção de nova
ordem social. Nesse sentido, posiciona a liberdade como valor humano central,
concebida como autonomia, pleno desenvolvimento dos indivíduos sociais, na
direção emancipatória; a consolidação da democracia enquanto socialização da
política e da riqueza socialmente produzida e a defesa da equidade e da justiça
social enquanto universalização do acesso a bens e serviços relativos às políticas
sociais e aos programas e à sua gestão democrática.
O novo Código consolida de modo mais consequente os parâmetros éticos
construídos coletivamente, para melhor instrumentalizar a prática cotidiana do
exercício profissional. Desse modo, reafirma seus valores fundantes, ou seja, a
liberdade e a justiça social, articulando-os com as exigências da democracia,
apreendida como valor ético-político central. Com o novo Código precisou-se o
exercício profissional, com a tradução de valores, considerados:
como determinações da prát ica socia l, resultantes da at iv idade cr iadora t ip i f icada no processo de trabalho. É mediante o processo de trabalho que o ser soc ia l se const i tui , se instaura como dist in to do ser natura l, dispondo de capac idade te leológica, projet iva, consc iente; é por esta soc ia l ização que e le se põe como ser capaz de l iberdade. Esta concepção já contém, em si mesma, uma projeção de soc iedade - aquela em que se propic ie aos/às trabalhadores/as um pleno desenvolv imento para a in venção e v ivênc ia de novos valores, o que, evidentemente, supõe a erradicação de todos os processos de exploração, opressão e a l ienação. É ao projeto soc ia l aí impl icado que se conecta o projeto prof iss ional do Serviço Soc ia l - e cabe pensar a ét ica como pressuposto teór ico-polí t ico que remete ao enfrentamento das contradições postas à prof issão, a par t i r de uma visão crí t ica, e fundamentada teor icamente, das der ivações ét ico-polí t icas do agir prof iss ional (CFESS, 2012, p: 22) .
O Artigo 5º do Código de Ética estabelece deveres nas relações do/a
assistente social com os/as usuários/as que imputam responsabilidades que exigem
conhecimentos, competências essenciais no desenvolvimento de estratégias, com
126
destaque na viabilização da participação usuária nas decisões institucionais; a
garantia da plena informação e discussão sobre as possibilidades e consequências
das situações apresentadas, respeitando democraticamente as decisões dos/as
usuários/as, e na democratização das informações e o acesso aos programas
disponíveis no espaço institucional, como um dos mecanismos indispensáveis à
participação dos/as usuários/as.
Os deveres do/a assistente social previstos no Artigo 8º preveem requisições
para o trabalho profissional e forjam posturas críticas e propositivas, particularmente
na programação, administração, execução e repasse de serviços sociais
assegurados institucionalmente; a contribuição na alteração da correlação de forças
institucionais, apoiando as legítimas demandas de interesse da população usuária; e
no empenho pela viabilização dos direitos sociais dos/as usuários/as, através dos
programas e políticas sociais; e no empenho na transparência de verbas sob a sua
responsabilidade, de acordo com os interesses e necessidades coletivas dos/as
usuários/as. Percebe-se uma relação direta entre compromissos éticos, interesses e
direitos da população usuária.
O projeto profissional contemporâneo consolida o compromisso ético-político
com as demandas da classe trabalhadora e a necessidade da construção de
mediações que potencializem transformações nos espaços sociais que favoreçam a
expansão dos direitos. Entretanto, não obstante o projeto ético-político ser
hegemonicamente de cariz crítico, convivem no meio profissional diferentes
expressões políticas de projetos coletivos, dinamizando tensões que interpelam
explícita e implicitamente a direção social construída.
Importante assinalar que as aparições neoconservadoras possuem relação
com a “dinâmica das vanguardas altamente politizadas” que ofuscaram a
“efetividade da persistência conservadora” (NETTO, 1996. p.112), profundamente
enraizada na profissão e na sociedade.
As adversidades contemporâneas, especialmente pela precarização da
formação e do exercício profissional, alimentam as polêmicas quanto à
materialização do projeto ético-político na intervenção profissional cotidiana. Velhos
dilemas podem ganhar espaço, a exemplo das perspectivas estruturalistas e
institucionalistas que atribuem maior peso ao papel do Estado na materialização do
projeto profissional, redundando em fatalismos de novo tipo. Evidentemente que
127
outros elementos comparecem, notadamente a qualidade da formação profissional,
o grau de consciência política e o nível de organização da categoria. Pressupostos
elementares para a identificação de desafios políticos e regulatórios na atualidade.
4.5 LEGITIMIDADE SOCIAL CONSTRUÍDA
A trajetória histórica do Serviço Social brasileiro na construção de sua
profissionalidade revela a luta aberta pela legitimidade teórico-metodológica, técnica
e ético-política, no deslocamento político e prático do conservadorismo e seus
desdobramentos, como o pragmatismo. Tal movimento justifica uma unificação de
diferentes perspectivas teórico-políticas, no contexto da renovação profissional,
inaugurando, inclusive, o pluralismo na profissão em detrimento do tradicionalismo.
(NETTO, 1998)
A análise sobre o acúmulo de legitimidade social de uma profissão, no caso o
Serviço Social, permite afirmar que a legitimidade no campo dos serviços sociais, no
âmbito da sociedade, potencializa o credenciamento dos profissionais ao exercício
de suas prerrogativas. A legitimidade possui graus diferenciados e depende de
espaços peculiares, resultando em valorização ou desvalorização de seu
saber/fazer. A política de assistência social é emblemática na definição do quantum
de legitimidade, por ser uma das políticas de maior reconhecimento social
(IAMAMOTO 1992, SILVA E SILVA, 2009, ABREU, 2000).
A contribuição da profissão na regulamentação e implementação da política
de assistência social possui direta relação com a posição privilegiada de assistentes
sociais em espaços de poder simbólico, ou de articulação política em espaços de
controle democrático. Em menor ou maior proporção, tal legitimidade agregada ao
processo de poder profissional é identificada nas produções regulatórias e políticas,
no contexto de afirmação da cultura dos direitos e da democracia, momento em que
a profissão fortalece sua legitimidade no âmbito das políticas sociais, impulsionando
a articulação programática e ética com movimentos e formas de organização da
sociedade civil.
128
A dinâmica de construção da legitimidade de uma profissão revela relações
institucionalizadas ou não de afirmação do poder no exercício de prerrogativas,
implicando produção coletiva dos produtos técnicos e éticos da profissão na
sociedade, dos conhecimentos e atitudes profissionais. Por força da hegemonia
construída, os grupos e as tendências opostas ao projeto profissional, estão
submetidos à institucionalidade produzida e transitam, na disputa por direção, na
legalidade do próprio campo social, deflagrando-se uma concorrência legítima pela
direção da profissão.71 Assim, os esquemas simbólicos de difusão de princípios
pressupostos cumprem a função política de operar a legitimação ou imposição da
dominação, por assumirem a configuração de instrumentos estruturantes e
estruturados de comunicação e de conhecimento que asseguram tal dominação.
A legitimação de uma profissão em sociedade depende, em grande medida,
da direção política dada, da capacidade do ensino e suas formas de auto-regulação
reproduzirem condições de atuação nos espaços ocupacionais, dos movimentos
entre o desenvolvimento produtivo e sua relação com o Estado, tensionado por
interesses diversos. Uma profissão adquire legitimidade na medida em que responde
às necessidades humanas, reproduzindo condições para sua utilidade social.
Numa perspectiva totalizante, o sujeito não é compreendido como mero
executor da estrutura, embora se reconheça a tendência da reprodução acrítica do
cotidiano, balizada por referentes conservadores e neoconservadores do
pensamento social, enraizados na sociedade. A relação entre a prática do sujeito e a
realidade objetiva da sociedade, é possibilitada pela interiorização de princípios,
valores e normas, que congregam os sistemas de signos simbólicos no processo de
socialização dos indivíduos sociais, permitindo, portanto, a apreensão de
representações sociais.
As profissões, assim, possuem seus sistemas de reprodução das condições
que asseguram legitimidade na sociedade, revelando uma dinâmica de disputa por
direção social, unificando os projetos coletivos diversos em torno da luta pela direta
relação entre requisições sociais e respostas técnicas, políticas e éticas. Assim, na
71 Algumas disputas são emblemáticas, a justificativa do chamado serviço social “clínico” com base nas prerrogativas instituídas, especialmente na atribuição de orientação profissional, o debate sobre a redução dos objetivos do serviço social à assistência social, pouco sistematizado, mas propagado nos espaços políticos.
129
contramão de perspectivas estruturalistas e endógenas, legitimidade não se constrói
no interior da profissão, tendo em vista os intervenientes externos e sociais.
A legitimidade social da profissão encontra direta relação com a prestação de
serviços sociais, assumindo contornos da relação entre Estado e sociedade, a
exemplo das feições paternalistas, desenvolvimentistas e democráticas. No contexto
de implementação das políticas sociais relativas aos direitos conquistados forjam-se
processos interventivos que configuram um novo perfil profissional, por força do
projeto profissional redimensionado pela incidência de referentes teórico-
metodológicos e da atividade política das organizações profissionais.
Além da afirmação de prerrogativas associadas à “matéria” Serviço Social, a
legislação profissional passa a preconizar competências e atribuições profissionais,
tanto na formação como no exercício profissional, tendência relacionada com o
modelo da educação por competências, podendo ser interpretada como uma
contratendência da desregulamentação dos mercados e das profissões.
A realidade social é o substrato da intervenção cotidiana do assistente social.
As iniciativas de delimitação do saber/fazer no campo social exigem uma síntese
sobre as teorias sociais fundamentais para a compreensão e atuação na sociedade.
Seria possível delimitar o trabalho social como peculiar ao assistente social? O que é
específico da profissão no social? Essas são algumas das questões que perpassam
as reflexões sobre o trabalho social dos assistentes sociais na atualidade.
130
5. TRANFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E A EDUCAÇÃO POR
COMPETÊNCIAS: A NOVA CONDIÇÃO DE “COLABORADOR” E A
INDIVIDUALIZAÇÃO DO TRABALHO
O debate contemporâneo sobre o trabalho diante das transformações
decorrentes da crise do capital é polarizado quanto à sua centralidade na
constituição da vida em sociedade, o que também contribui para confirmar sua
vitalidade de novo “tipo”: contingentes populacionais que vivem do trabalho em
contexto que “ideologiza” sua condição de descartável no mundo informatizado,
flexibilizado; instável e precarizado, quando não configura inexistência de trabalho;
desemprego e desmonte de direitos tidos como conquistas parciais, indispensáveis
historicamente na afirmação da cultura emancipatória.72
A categoria trabalho possui uma natureza contraditória, polarizada entre sua
dimensão transformadora, realizadora, como espaço de sociabilidade que possibilita
processos de organização política, de saturação cotidiana da realidade social, que
movimenta sujeitos sociais em condições objetivas pelas mediações políticas
coletivas, à emancipação humana. Ao mesmo tempo, aliena, sujeita, controla e
escraviza. Ainda em sua dimensão contraditória e na sua amplitude como categoria
central, eixos de questões se colocam como cenário, considerando as metamorfoses
no “mundo” do trabalho desde a década de 1950: 1- Quem é o sujeito coletivo
revolucionário da atualidade? 2- Como as transformações na base econômico-social
afetam a constituição das classes fundamentais em termos do seu posicionamento
nas relações sociais? 3- A “reestruturação produtiva” tem provocado morfologias
estruturantes na relação entre trabalho produtivo e improdutivo, trabalho manual e
intelectual? 4- Quais os impactos na subjetividade dos trabalhadores, num emprego
72 Entre as polêmicas destacamos o prenúncio do fim do proletariado em Adeus ao proletariado com consequências no debate sobre a centralidade do trabalho, particularmente pela crise do socialismo real. Cf. Alvim Toffer e Daniel Bell. Do ponto de vista sociológico destaco as análises de Claus Offe (1989) diante da redução progressiva da presença do operário no chão de fábrica. Os operários perderiam a centralidade revolucionária? Para Schaff (1990) o trabalho manual desapareceria como fenômeno econômico-social, assim como a classe trabalhadora, cedendo lugar à ciência como força produtiva primária. Além do irracionalismo de Schaff, Lessa (2007) destaca em Offe a redução de trabalho a emprego, cancelando o trabalho como categoria fundante do ser social. (In LESSA, 2007)
131
mais generalizado da categoria, especialmente na formação de suas “identidades”,
diante das transformações?73
Interessa aprofundar o trânsito da cultura “rígida” do taylorismo, para a
“flexibilizada”, ambas contribuindo para a naturalização do fetiche da técnica. A
questão a ser percorrida no desenvolvimento da tese é a mobilidade da educação
para o trabalho baseada na concepção de competências constitutivas da lógica de
produção.
Novas exigências na transição aqui tratada requalificam a relação entre
trabalho manual e intelectual? Antes das respostas aos impactos das mudanças em
curso parte-se do entendimento de que a crise do Estado de Bem-Estar Social aflora
a crise estrutural do próprio capital. Entretanto, a análise sobre sua dinâmica tem
alargado o espaço para ocultação das próprias contradições da realidade, num
contexto de apropriação ideológica da luta social nos limites do capitalismo,
canalizando energias transformadoras na construção de uma cidadania controlada,
impulsionando a “humanização” de uma lógica de produção e, portanto, de
sociabilidade que essencialmente desumaniza.74
73 Há polêmicas em torno da distinção entre trabalho produtivo e improdutivo, diante da ampliação de “funcionários do Estado”, ou, podemos dizer de trabalhadores no setor público, considerando, inclusive a posição de classe destes. Até que ponto trabalhadores dos serviços, do Estado, são vinculados aos interesses dos trabalhadores? A análise em Marx sobre trabalho, em O Capital e Teorias da Mais-Valia, permite compreender que trabalho improdutivo é trabalho assalariado que não é produtivo. O trabalho produtivo é contratado pelo capital no processo de produção para gerar a mais-valia, num contexto de divisão social do trabalho, o que provocou a cisão do trabalho intelectual e manual. O trabalho é o controle do metabolismo social da natureza, é a produção geral dos valores de uso, sem os quais não há vida humana. “(...) Ao atuar por meio desse movimento, sobre a Natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potências nela adormecidas e sujeita o jogo de suas forças a seu próprio domínio” (MARX, 1985, p. 149). Entretanto, trabalho produtivo é o que produz a mais-valia para a autovalorização do capital. Trabalho é condição da vida humana e trabalho produtivo é produtor da mais valia na sociedade capitalista. Entretanto, nem todos os trabalhadores que são produtivos estabelecem uma relação direta com o intercâmbio orgânico com a natureza, embora produzam mais-valia. O trabalho socialmente necessário ou abstrato, expressa a substância do valor, considerando o tempo necessário para a produção da mercadoria (MARX, 1985). Acerca do tema existem posições como a Poulantzas (2000) quanto à limitação de explorados entre aqueles trabalhadores produtivos. Entretanto “(...) todos os assalariados possuem contradições com os capitalistas que se expressam visivelmente no montante dos salários” (In: LESSA, 2007, p. 206). Cabe, portanto, destacar que o assalariamento é condição do trabalho produtivo, embora nem todo trabalho assalariado seja produtivo, embora componha o processo ampliado de reprodução social. As metamorfoses do trabalho não retiraram a centralidade da categoria na sociabilidade do capital.
74 Lessa em “Trabalho e Trabalhadores no Capitalismo Contemporâneo” (2007), percorre dois tempos fundamentais, na passagem dos séculos XX ao XXI, do debate sobre a centralidade do trabalho. No primeiro adeus ao proletariado as análises periféricas centram esforços nas consequências das transformações do fordismo e do Estado de Bem-Estar Social. No segundo
132
Acentuando a relação de interdependência inevitável e fundamental para a
“continuidade” da humanidade o que se propõe é um novo pacto: trabalhadores
comprometidos com os propósitos da empresa, num engajamento que confunde
criatividade com novo modo de escravizar, o que possui resposta no reformismo
sindical denunciando sua impotência diante da diminuição em efeito cascata dos
postos de trabalho, no contexto de afirmação da ideologia neoliberal nos anos de
1970.
Parece estabelecido um universo cultural de imobilismo, diante da delimitação
do presente como sendo o “único parâmetro concebível para o futuro. E nem poderia
ser de outra forma, pois, perdida a referência ao sujeito revolucionário, as propostas
que se pretendem revolucionárias não têm alternativas senão se reduzirem ao
horizonte do hoje possível” (LESSA, 2007, p. 79). Entretanto, o que se observa é a
difusão de uma “crise” de referência quanto ao sujeito coletivo direcionador das
transformações na direção emancipatória, especialmente no pós-socialismo real.
Como resultante do Estado e do mercado da condição de inevitáveis,
percebe-se o apelo pela solidariedade e “inclusão” social processada e mobilizada
no pacto coletivo que não deixou de ser heterogêneo e disputado, mas que ecoou
menos, inclusive nos setores de esquerda.
Segundo Antunes a principal mutação no processo de produção flexível não
se dá pela reversão das ciências como força produtiva, e sim “na interação
crescente entre trabalho e ciência, trabalho material e imaterial, elementos
fundamentais no mundo produtivo (industrial e de serviços) contemporâneo”. No
processo de desenvolvimento dos softwares, a máquina informatizada passa a
desempenhar atividades do “saber intelectual e cognitivo da classe trabalhadora”,
aprofundando a redução do trabalho vivo (2009, p. 124).
O autor observa a redução dos “níveis de trabalho improdutivo” nas fábricas,
pelo processo toyotista de assimilação de funções improdutivas pelo trabalho
produtivo, embora não seja possível eliminar a totalidade do trabalho improdutivo na
criação de valor, ao contrário presencia-se, como tendência predominante, a
adeus ao trabalho aborda-se, de modo geral, as consequências da chamada “reestruturação produtiva”, preconizando-se o fim da classe operária como sujeito revolucionário, cedendo mais espaço a teses que afirmam o esvaziamento do potencial revolucionário do operário, subordinado à condição salarial (CASTEL, 1998). Uma das consequências é a centralidade do mercado e do “ser capitalista” como natureza constitutiva da natureza do ser social.
133
ampliação de um trabalho com maior dimensão intelectual, não obstante não ser
esta a realidade do chamado “Terceiro Mundo”.
A crise de 1970 desencadeou um amplo processo de “reestruturação do
capital”, caracterizando um novo momento transformista, que se propõe reestruturar
o binômio taylorismo-fordismo, com elementos de continuidade e adequação do
sistema produtivo. Portanto, a transição do padrão toyotista e fordista para um novo
padrão de acumulação flexibilizada, não rompe o modo de produção, mas sim sua
lógica, implicando uma racionalidade ajustada a esse tempo de recomposição.
O padrão taylorista tem em sua base, para a produção em massa e em série,
a decomposição das tarefas, a fragmentação, a intensificação das atividades,
marcadas pelo ritmo da produção. Prevalece a racionalidade da repetição das
atividades fragmentadas, que no seu conjunto formava o trabalho coletivo, numa
linha “rígida de produção”, articulava “os diferentes trabalhos, tecendo veículos entre
as ações individuais das quais a esteira fazia as interligações, dando o ritmo e o
tempo necessários para a realização das tarefas” (ANTUNES, 2009, p. 39).
A característica essencial do trabalho era sua redução ao trabalho repetitivo e
mecânico. Sua sistemática estende-se aos serviços, visando à acumulação
intensiva, “moldando” uma subjetividade de trabalhador semiqualificado, de um
“operário-massa” “treinado” para operar sua fração de trabalho na produção coletiva.
O Welfare State, no contexto configurado, agrega-se ao binômio
taylorismo/fordismo, na difusão do ideário de harmonização da relação
capital/trabalho, potenciando a retração de projetos societários emancipatórios,
sobressaindo compromissos da social-democracia, dinamizada pelos sindicatos e
partidos políticos. Tal processo compõe o caldo cultural e político da progressiva
“subordinação” das organizações dos trabalhadores ao capital (Idem, p. 41).
A cultura do tecnicismo penetra na lógica de organização dos trabalhadores
na subsunção trabalho/capital, favorecendo a intensificação do corporativismo,
atrelado ao Estado regulador dos conflitos, assim como da provisão de serviços
vinculados ao sistema de proteção social.
No final dos anos de 1960 os pilares aparentemente sólidos do compromisso
fordista de desenvolvimento que caminha em direção ao pleno emprego eclodiam,
anunciando uma crise que abriria espaço à flexibilização. Evidente que tal passagem
não significa a superação da anterior forma de gerir o trabalho. O que se evidencia
134
são elementos de adequações, continuidade, complementaridade entre “formas de
gerência” e as velhas técnicas tayloristas, numa combinação que, ao mesmo tempo
renova as práticas taylorizadas e confere maior flexibilidade aos processos de
trabalho, requerido nas novas condições, mantendo-se, inclusive, o controle das
“pausas e interrupções” de base taylorista, aspectos que permitem rebater as teses
do fim do fordismo (HIRATA apud LESSA, 2009, p. 302).75
A introdução progressiva da tecnologia não alterou substancialmente as
relações de produção. Ao contrário, expressa estágios avançados de extração da
mais-valia, não tendo abalado a essência do modo de produção: propriedade
privada e relações de produção. Permanece a oposição e a complementaridade
entre trabalho manual e intelectual, num tensionamento entre os que controlam e os
que produzem “o conteúdo material da riqueza pela transformação da natureza”
(LESSA, 2007, p. 312).
No contexto de recomposição da hegemonia do capital, novas concepções de
gestão do trabalho dividem espaço com as formas rígidas de controle das atividades,
visando o aumento da produtividade, adequando a força de trabalho às exigências
do sistema produtivo. A década de 1990 será caracterizada pela expansão do
modelo de competências no espaço empresarial, “contaminando” demais setores no
“gerenciamento” de pessoas.
5.1 O FETICHE DA CONCORRÊNCIA E O “DARWINISMO” NO MERCADO
A ideologia neoliberal “cai como uma luva” no processo de aprofundamento
do capitalismo na contemporaneidade, minando as bases do senso da
“solidariedade de coletiva”, intensificando a competitividade, o egoísmo e o
75 Para Hirata (2002) a divisão sexual do trabalho permanece, mesmo diante das alterações na forma de divisão sexual do trabalho. Para a autora, a divisão social do trabalho tende a aumentar com a evolução tecnológica, inclusive no nível da divisão sexual do trabalho (apud LESSA, 2009, p. 303).
135
individualismo. Sociedade livre, mercado competitivo depende do egoísmo dos
acionistas das empresas, como apregoa Friedman (1998).76
A concorrência dos mercados leva a uma intensificação da luta de todos
contra todos, conduzindo um processo de precarização do trabalho que gera
insegurança e submissão à exploração nas condições dadas. A concorrência pelo
trabalho é uma forma de preservar o próprio trabalho.
A concorrência assume feições políticas e engendra relações internas nos
mercados, e internacionais. Além da competição entre trabalhadores e empresários,
assiste-se a competição internacional entre países desenvolvidos e menos
desenvolvidos, quando a regra do jogo passa a ser a servidão aos ditames
internacionais de organismos funcionais ao sistema de exploração, polarizando
projetos, entre o bem e o mal. 77
A centralidade no mercado pela ideologia neoliberal traz consequências
importantes na configuração do presentismo, condicionando uma paralisia política,
frente às contradições. Assim, valores como solidariedade são transfigurados em
formas de mascarar as investidas exploradoras, ao passo que permanecem mais
como contratendências.
A diferenciação pela lógica das oportunidades propagada pela ideologia
positivista, com efeitos que naturalizam desigualdade, pobreza e outros fenômenos
sociais, é ativada e potencializada na falsa ilusão de que o preparo individual
garante prosperidade e distinção social. A aplicação darwinista de evolução da
sociedade, ganha contornos sofisticados e mais imobilizadores, favorecidos pelas
76 Hayek (1984) na crítica ao igualitarismo propagado pelo Estado de Bem Estar Social, mina as possibilidades da vitalidade da concorrência, centrando nos sindicatos e movimentos a responsabilidade pelas crises. O socialismo, para ele, restringe a liberdade individual, reprime e torna os indivíduos servos.
77 A implantação do neoliberalismo no mundo tem a emblemática experiência chilena, sob o comando de Pinochet, em 1973, com o desenvolvimento de reformas que resultaram em desregulamentação do trabalho, desemprego, repressão sindical, privatização, sob aos auspícios da autocracia burguesa, num contexto de crise mundial do capitalismo e do Estado de Bem Estar Social. O neoliberalismo foi instalado na Inglaterra de Thatcher, em 1979, e em 1980 na América do Norte com Reagan. A propagação da ideologia neoliberal chega com todo vigor no Brasil na década de 1990, nos governos de Collor, aprofundada em Cardoso, e com elementos de continuidade no governo de Lula. A globalização financeira está centrada nos Estados Unidos, por ser ainda a maior potência econômico-financeira e cultural, mas assume proporções mundiais diante das crises na Europa. Adota-se a mesma sistemática entre mercados e Estados Nacionais: medidas de austeridade em busca da sustentabilidade financeira.
136
instituições que propagam o modelo de competências. O que se observa é a
homogeneização social pela aplicação das competências individuais e sociais.
No contexto de crise mundial e saída liberal, ocorre a instalação de uma
“sensação” coletiva de segurança no trabalho pela filiação a uma ocupação, seja ela
qual for e mesmo em condições de precarização: o importante é ter trabalho.
Trabalho precário em suas condições, remuneração e forma de contratação, é
naturalizado, subsumindo a contratendência da ruptura com a exploração capitalista.
No ambiente cultural da competição de todos contra todos ascende o espírito
colaborativo (todos em defesa da empresa, do trabalho).
A travessia de trabalhador para colaborador é alimentada pelo fetiche da
competição. O time, a equipe que defende o interesse da empresa, do trabalho de
todos. A solidariedade é, assim, transfigurada em competição considerada positiva e
necessária na manutenção temporária da segurança, com efeitos de
individualização mesmo daquilo que é coletivo, como família e sindicato.
A modelagem das consciências individuais nos quadros contemporâneos de
intenso desenvolvimento das tecnologias é alimentada pela financeirização das
relações. Propaga-se o uso das transações financeiras em busca da segurança
presente e futura. Relações são medidas pelo quantum de investimento, conjugando
financeirização da economia e da vida social.
O crescimento da riqueza é disseminado pela ocultação do crescimento da
pobreza e da desigualdade, sendo o discurso da redução de seus efeitos o
mecanismo utilizado para seu gerenciamento. O efeito desta engenharia construída
na esfera do Estado e de outros complexos, contaminados pela ideologização
neoliberal, é o favorecimento das oportunidades que em nada se distanciam das
mesmas bases no setor produtivo.
O capitalismo contemporâneo configura uma lógica de ruptura das fronteiras
de produção, convertendo soberania em protecionismo e atraso econômico,
provocando a desterritorialização da produção, ou sua flutuação entre mercados que
oferecem condições mais favoráveis à maximização dos lucros, em realidades com
subvalorização do trabalho. Os mercados são, cada vez mais, orquestrados pelos
organismos internacionais, comandados pelo Fundo Monetário Internacional e
Banco Mundial, nos contextos de crises justificadas pela lógica das finanças, num
contexto de fetiche do capital (IAMAMOTO, 2007).
137
A inércia diante da barbárie do mercado, ocultada pelo fetiche da competição,
alimenta a precariedade, tornando possível a adoção de novas formas de explorar e
de controlar a difusão dos valores aliados à mercantilização e coisificação dos
indivíduos sociais, incentivados a competir para sobreviver entre os menos aptos.
Os organismos propagadores da cultura assumem, de modo geral, o papel de
difundir o fetiche do mercado pela postura competitiva, base estruturante do
“modelo” de competências na educação e no trabalho.
5.2 NOÇÃO DE COMPETÊNCIA E A INDIVIDUALIZAÇÃO DO TRABALHO
Competência é a faculdade que a lei concede a funcionário, juiz ou tribunal
para apreciar e julgar certos pleitos ou questões. Designa, além da definição jurídica
ou jurisdicional, capacidade, aptidão para. Portanto, a noção de competência é
originária do universo jurídico e apropriada para a formação e o trabalho. Importante
notar que o sentido de competência expressa poder para responder, ponderar,
apreciar, avaliar e julgar.
Em seu significado etimológico deriva de com + pretere, do latim, pedir ou
buscar junto com os outros. Portanto, no seu oposto, o que nada quer ou busca com
os outros é incompetente. Outra derivação nos remete ao significado de competitio,
que significa acordo ou rivalidade, levando à ideia de competentia, que remete à
proporção, justa relação ou capacidade de responder, portanto, à noção de
competição. A vinculação entre o sentido de competência com capacidade leva à
noção de capacitas, o que significa a possibilidade de conter alguma coisa, de
apreender, de compreender algo.
A defesa da competência ganha força no pós-segunda guerra mundial como
condição para a obtenção de qualidade, num contexto de guerra fria pela agregação
de países em disputa por projetos societários polarizados (capitalismo versus
socialismo real).
A partir da compreensão etimológica de competência é possível concluir que
trata-se de um atributo que possui pessoalidade, que se realiza num determinado
âmbito, espaço que requer daquele que exerce a competência de acionar
138
conhecimentos específicos, a partir da abstração e da mobilização de esforços e
recursos para atingir finalidades.
Da área empresar ia l para a educação e a escola, a passagem do uso do termo ‘competênc ia ’ fo i um passo rápido, em par t icu lar a part ir do momento em que o neol ibera l ismo começou a inf luenc iar as pol í t icas públicas, a def in ição dos curr ícu los, a nomenclatura escolar e as prát icas educac ionais (SANTOS; MESQUITA, 2007, p. 53).
O sentido da competência no campo da educação expressa a capacidade de
mobilizar conhecimentos e recursos, valores e decisões para atitudes pertinentes em
determinados âmbitos de atuação, sobre determinadas situações. Como possui
atributos “atitudinais” existe uma associação entre competência e habilidade, sendo
que a última em determinados contextos pode se constituir em uma competência.
Ainda no campo da capacidade associada com poder de realizar algo, o exercício da
competência requer a solução de situações, para o manejo dos recursos, o domínio
de conhecimentos. Evidentemente, enquanto dimensão central da tomada de
decisão a partir da abstração e do domínio do conhecimento, a competência possui
relação com experimentação, aplicação, prática, redundando no que a educação
enfatiza, superando a noção metafísica da apropriação do conhecimento pela
memorização fora do contexto: além de saber, saber-fazer.
O significado de competência na formação profissional possui relação direta
com os pressupostos darwinistas, por ensejar competição, concorrência,
“adjetivação” de qualidades individuais, tendo sido transfigurada como elemento
diferenciador nas ações gerenciais. Tal incorporação foi determinada pela influência
do paradigma neoliberal no campo das políticas públicas. Como consequência
identifica-se o aprofundamento da meritocracia e do individualismo. Ainda em
relação à delimitação do contexto, a competência requer o exercício de uma
autoridade validada socialmente, o que imputa responsabilidades inerentes à
atividade.
De modo geral a noção de competência expressa um conjunto de
conhecimentos, qualidades, capacidades e aptidões que habilitam o indivíduo à
análise e decisão sobre um determinado ofício, exigindo conhecimentos
fundamentados. Para Zarifian (2001, p. 18-19) “a competência é a conquista de
iniciativa e de responsabilidade do indivíduo sobre as situações profissionais com as
139
quais ele se confronta”. Portanto, a competência expressa a aplicação de
conhecimentos adquiridos, representando, no espaço da organização do trabalho
conteúdos específicos.
No campo da educação verifica-se uma forte incidência da ideologia da
chamada “sociedade do conhecimento”, potencializando a noção de capital humano
a ser desenvolvido para os desafios contemporâneos e o avanço da tecnologia,
além da concepção da educação como um bem de consumo e uma mercadoria.
Desse modo, a educação assume a função de reprodutora do trabalho e do próprio
desenvolvimento econômico, mantendo ligações institucionais com os pressupostos
positivistas pela fragmentação dos papéis sociais na divisão social do trabalho.
A educação foi assimilando, progressivamente, a pedagogia das
competências, associando-se aos processos de “reengenharia”, típicos da
reestruturação produtiva, resultando em reavaliação e redimensionamento dos
postos de trabalho, redefinição dos conteúdos necessários para o desenvolvimento
de funções, incidindo nas profissões.
Tal dinâmica impacta diretamente no monopólio dos saberes produzidos pela
diplomação, da transmissão linear do conhecimento acumulado. A pedagogia das
competências passa a demonstrar a qualificação profissional demandada pelo
mundo do trabalho, pela empresa, com a preocupação da demonstração prática, o
que valida a própria formação, invertendo desse modo a relação de prioridade: as
requisições do trabalho reordenam a formação.
A qualificação profissional destaca, para atender o mercado, atributos
individuais do trabalhador, interferindo na classificação dos empregos, na
aproximação, com flexibilidade, entre conhecimentos adquiridos na formação
recebida inicialmente. Entretanto, as competências podem ser desenvolvidas no
espaço de trabalho, e não mais apenas pela classificação das profissões e pelos
conhecimentos adquiridos na universidade.
A partir do “comando” do mercado, as instituições de ensino adotam o
discurso da educação pelo modelo das competências, adquirindo o sentido de
contemporâneas, e as estratégias pedagógicas procuram valorizar a “relação” teoria-
prática.
As competências são desse modo, consideradas como estruturantes da
organização do trabalho, o que antes era determinado pelas profissões. Ao mesmo
140
tempo as profissões, especialmente as regulamentadas, procuram abordar suas
“funções”, justificando requisições sociais a partir das competências e atribuições.
A permanente instabilidade das profissões no mercado “aprisiona” o
trabalhador a uma lógica de avaliação de resultados, de capacidades cognitivas e
atitudinais. Assim, a certificação e o credencialismo passam a contar como outras
formas de controle e avaliação do trabalho, deslegitimando a estabilidade da
diplomação e mesmo das prerrogativas. Assim, a universidade procura acompanhar
a dinâmica do mercado e do Estado na disposição de competências requisitadas.
O trabalhador assalariado passa a experimentar a avaliação de suas
capacidades nos postos de trabalho, implicando o gerenciamento das competências,
a validação de seu trabalho para a ascensão profissional, reforçando a sensação de
que o sucesso depende dele, da dedicação, da incorporação das mudanças
tecnológicas e de outras exigências do mercado, configurando a competência como
temporal e não rígida.
A regulação das profissões pelo sistema de competências procura monitorar,
medir qualificações, o que conforma uma “divisão técnica do trabalho” por
especificidades, habilidades correspondentes aos espaços ocupacionais.
No modelo das competências reforça-se a individualização do trabalho, o
dimensionamento de atitudes individuais, tendo como parâmetro competências
necessárias. No campo da formação, além da relativização do diploma, o que se
opera é uma verificação constante de competências, potencializando o “tarefismo”, a
subordinação aos reclames institucionais.
A validade dos conhecimentos adquiridos está na aplicabilidade prática,
referenciadas não pelas disciplinas necessárias para o exercício das profissões, mas
pelas competências requisitadas. Observa-se com isso que o modelo de
competências é funcional e potencializador do pragmatismo.
A sintonia entre escola e mercado é possível pela estratégia das diretrizes
curriculares, conduzidas pelo Ministério da Educação. Essas possuem a finalidade
de direcionar, regular a formação e validar o ensino. No campo do trabalho a
referência é a Classificação Brasileira de Ocupações - CBO, organizada pelo
Ministério do Trabalho. Tais referências configuram o espaço de mediação entre as
profissões, suas entidades organizativas e o Estado. Como um campo de poder é
141
dinamizado pela vocalização dos projetos profissionais que legitimam saberes e
práticas.
No contexto de hegemonização da ideologia pós-moderna, que centraliza
habilidades individuais no trabalho, ocorre uma institucionalização de um modelo de
educação dos trabalhadores transcendendo os “muros da escola”, compondo novas
práticas que materializam valores entrelaçados com a acumulação flexível do capital,
com impacto direto na formação e no comportamento “servil” do trabalhador nos
espaços ocupacionais e na sociedade.
A funcionalidade principal, portanto, do modelo de competências é sua
correspondência econômica, social, política e cultural, a partir das exigências do
padrão de produção, possibilitando a incorporação da noção positivista do
desenvolvimento coeso da sociedade pela atitude de cada indivíduo no exercício de
papéis sociais, justificando o próprio modo de produção, “psicologizando” a relação
entre as classes sociais e os processos de trabalho.
A competência, desse modo, é apreendida como uma capacidade individual,
em desenvolvimento e “adaptação social”, reduzindo o conhecimento às
experimentações práticas. O que se observa é um reforço ao utilitarismo em
detrimento da perspectiva histórica e ontológica do conhecimento.
O espaço acadêmico será, assim, o estágio de formação de subjetividades
flexíveis, reconfigurando o profissionalismo que prepara o trabalhador para os
desafios da instabilidade e da fluidez do mundo contemporâneo, individualizando o
lugar e o “papel” do trabalhador.
5.3 O “MODELO” DE COMPETÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
O processo de precarização das condições de acesso e manutenção de
vínculos de trabalho, no contexto do paradigma da flexibilização, promove um
verdadeiro “filtro” dos “melhores” entre os “melhores”. Além de a certificação ser um
componente de posicionamento do trabalhador/profissional no mercado, novas
exigências na gestão do trabalho, como a mobilidade, a produtividade e a
142
empregabilidade, formarão a base da cultura das competências no mundo da
educação e do trabalho.
A lógica das competências está voltada aos objetivos do “negócio”, o que
implica desenvolver inovação e competências essenciais. Assim, conhecimentos e
habilidades desenvolvidas, considerando capacidades individuais, possuem uma
aplicação imediata e uma utilidade prática. Prevalece, de modo geral, uma
concepção pragmática de que a teoria deve ser colocada em prática, com desprezo
às abstrações e à criatividade, e reforço à falsa dicotomia entre conhecimento
teórico e a prática.
Há, portanto, uma intensificação da apropriação dos saberes, das
capacidades ontológicas do trabalhador pelo mundo produtivo, para o interesse
empresarial. Essa inversão promove um trânsito entre qualificação profissional e
competências profissionais (FERRETTI, 1994), numa tendência progressiva de
individualização da diferenciação dos trabalhadores, responsável pela capacitação
permanente, elemento estruturante da empregabilidade.
Pelo modelo das competências a subjetividade do trabalhador “identifica-se”,
como que numa teia de “interdependência”, aos objetivos lucrativos do empregador,
responsabilizando-se pelo sucesso do negócio, a exemplo da terminologia
“colaborador”, da extensão dos valores solidários e comunitários por meio da
responsabilidade social, e das metas coletivas de produção.
A fluidez do modelo de competência e a competição entre os trabalhadores
no mercado de trabalho facilitam os processos sutis de controle, evitando, inclusive,
as resistências. Desse modo a dimensão atitudinal do trabalhador ganha
centralidade, desde que os conhecimentos sejam mobilizados aos interesses da
organização, com capacidade de solucionar problemas e inovar na proposição de
processos, dinamizando a individualização das capacidades e méritos, em
detrimento das negociações coletivas outrora mais facilmente conduzidas pelos
sindicatos, como expressão, por vezes, da renúncia aos interesses de classe.
Diante da intensa flexibilização e precarização, os trabalhadores aceitam as
regras do jogo, se submetem às condições dadas, e podem até alimentar a falsa
ilusão de um modelo que valoriza a criatividade, o trabalho intelectual, ainda que
sejam descartados a qualquer tempo, ou que não encontrem as condições objetivas
143
para o desenvolvimento das competências profissionais ajustadas às exigências das
organizações, revelando um perfil polivalente, flexível e multifuncional.
O discurso da educação por competências atendeu ao desafio de “homologar
os títulos que as universidades concedem, obrigando-os a especificar o perfil dos
formandos” (SACRISTÁN, 2001, p. 9), vinculando-se à declaração de Bolonha
(1999), na perspectiva da explicitação concreta do saber-fazer, para unificação
europeia, favorecendo a mobilidade entre os países.
Um dos primeiros órgãos a difundir avaliações sobre os sistemas de ensino
foi a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura -
UNESCO, cuja finalidade é apontar os desafios no aprimoramento da educação
diante dos avanços tecnológicos e científicos. Em 1973 foi publicado o relatório
Faure (Aprender a ser), preconizando a cidade-educativa, com incidência na
literatura brasileira (SACRISTÁN, 2011).
Outros exemplos de avaliação internacional com impactos nos sistemas de
ensino podem ser citados: relatório direcionado ao Clube de Roma em 1980
(Aprender, horizontes sem limites), elaborado sob a coordenação de Boltkin, visando
à organização de sistemas com aprendizagens de qualidade; relatório para a
UNESCO (Educação: um tesouro a descobrir), elaborado por Jacques Delors, ex-
presidente da Comissão Europeia, com o objetivo de propagar um sistema mais
democrático, humanizado e solidário, diante do fracasso escolar e da necessidade
de um ensino de qualidade (baseado em pilares – aprender a conhecer, aprender a
fazer, aprender a conviver, aprender a ser); e a proposta de Edgar Morin, elaborada
para a UNESCO em 1999 (Os sete saberes necessários para a educação do futuro),
com a finalidade de educar para um futuro sustentável (Idem, p. 17-18).78
A UNESCO foi perdendo espaço para outros organismos centrados no
desenvolvimento econômico, particularmente o Banco Mundial e a OCDE
(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
78 Os sete saberes propostos por Morin estão centrados nos objetivos de: transmitir conhecimento capaz de criticar o próprio conhecimento; garantir conhecimento pertinente revelando o contexto, o global, o multidimensional e a interação complexa, propiciando uma “inteligência geral”; ensinar a condição humana para que todos se conheçam em sua humanidade comum, reconhecendo a diversidade cultural; ensinar a identidade terrestre, com a noção de desenvolvimento intelectual, afetivo e moral; enfrentar as incertezas; ensinar a compreensão, tanto interpessoal e intergrupal, como planetária, com abertura empática aos demais e tolerância às ideias e formas diferentes; a ética do gênero humano válida para todos (SACRISTÁN, 2011, p. 18).
144
Há, portanto, uma intensificação da apropriação dos saberes, das
capacidades ontológicas do trabalhador pelo mundo produtivo, para o interesse
empresarial. Essa inversão promove um trânsito entre qualificação profissional e
competências profissionais (FERRETI, 1994), numa tendência progressiva de
individualização da diferenciação dos trabalhadores, responsável pela capacitação
permanente, elemento estruturante da empregabilidade.
A OCDE passou, em 2000, a publicar anualmente um relatório comparativo
sobre a educação nos estados membros (Education at glance), construindo as bases
para o que se conhece por relatórios PISA (International Program for Student
Assessment)79, com foco nos resultados tangíveis da educação básica, levando a
uma comparação entre os sistemas de ensino dos países, permitindo que um
determinado país seja considerado abaixo ou acima da média da OCDE.
O aprimoramento da avaliação conduziu a adoção da competência como
central, na direção da normatização de competências básicas, mais explicitado no
projeto DeSeCo (Definition and Selection of Competencies), quando o conceito de
competência é concebido como caminho para a busca de indicadores mais
completos e mensuráveis. Nesta metodologia da avaliação de competências, o que
é paradoxal no âmbito da universidade é que ela deve desenvolver capacidades de
criticar competências e não cristalizar aprendizados. Da mesma forma, o saber fazer
de uma profissão não se manifesta de uma única forma, como se os profissionais
fossem modelados, em detrimento das requisições e configurações do mercado.
O ideário neoliberal, num contexto de desmonte do Estado de Bem-Estar
Social e do pacto fordista, repercute no Brasil e encontra ambiência para sua
implementação e consolidação, com impactos na desregulamentação do mercado
financeiro e do trabalho, sob o receituário e apoio dos organismos internacionais
(BID, BIRD, UNESCO, OIT), na década de 1990.
A reforma na educação brasileira a partir da Lei nº 2208/97 e das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a educação profissional, consubstanciadas no Parecer
CNE/CEB nº 16/99 e na Resolução CNE/CEB nº 04/99 e demais orientações sobre a
organização curricular, assume a concepção do modelo de competências, com
diferentes concepções epistemológicas.
79 Programa Internacional para a Avaliação de Estudantes.
145
A Política de Educação Profissional do MEC preconiza “promover a transição
entre a escola e o mundo do trabalho, capacitando jovens e adultos com
conhecimentos e habilidades gerais e específicas para o exercício de atividades
produtivas”.80 O foco é o desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva e social,
diante das novas exigências do mundo do trabalho.
O marco geral das qualificações do Espaço Europeu de Educação Superior
propõe a definição de competências para cada ciclo. A referência para o modelo de
competências é o Relatório de Tuning, que ressalta as vantagens desse modelo na
educação pela transparência dos perfis; centralidade no estudante e gestão do
conhecimento; atendimento às demandas de aprendizados permanentes e de maior
flexibilidade; maiores níveis de empregabilidade; fortalecimento da educação
europeia; e linguagem mais adequada (SACRISTÁN, 2011, p. 10).81 A
recomendação europeia passa a interferir na educação no contexto das reformas
que atendem ao contexto de crise internacional.
O projeto Tuning Europa começou a ser desenvolvido a partir do ano 2000,
para a implementação da Declaração de Bolonha, que representou a pactuação
entre ministros de educação de diversos países da Europa, pelo aprimoramento da
educação, cujo modelo é a formação por competências.82
O projeto Tuning América Latina, tem por objetivo “afinar” as estruturas
educativas da América Latina, intercambiando informações e melhorando a
colaboração entre as instituições de educação superior, para “o desenvolvimento da
qualidade, efetividade e transparência” (TUNING. 2004 - 2007). Esse projeto iniciou
uma segunda etapa, denominada Alfa Tuning América Latina: Inovação Educativa e
80 BRASIL, Leis, Decreto nº 2.207, de 15 de abril de 1997.
81 O tratado afirma a perspectiva da competitividade como expresso: “Teremos que fixar-nos no objetivo de aumentar a competitividade no Sistema Europeu do Ensino Superior. A vitalidade e a eficiência de qualquer civilização podem ser medidas através da atração que a sua cultura tem por outros países. Teremos que garantir que o Sistema Europeu do Ensino Superior adquira um tal grau de atração que seja semelhante às nossas extraordinárias tradições culturais e científicas”http://www.ond.vlaanderen.be/hogeronderwijs/bologna/links/language/1999_Bologna_Declaration_Portuguese.pdf. Acesso em 03 de março de 2013.
82 A União Europeia acordou oito competências chave, a partir das quais os países que a compõem, deveriam definir as suas próprias. As oito competências são as seguintes: 1) Comunicação na língua materna; 2) Comunicação em línguas estrangeiras; 3) Competência em matemática, ciências e tecnologia; 4) Competência digital; 5) Aprender a aprender; 6) Competências sociais e cívicas; 7) Sentido de iniciativa e espírito empreendedor; 8) Consciência e expressão cultural (SACRISTÁN, 2011).
146
Social (2011 – 2013), cuja finalidade é prosseguir no aprimoramento e na
colaboração “entre as instituições de educação superior, em prol do
desenvolvimento da qualidade, efetividade e transparência do processo” (TUNING.
2011 – 2013).83
A propagação do modelo de competências assume contornos políticos,
disseminando o fetiche da competição, a individualização do trabalhador e seu
capital humano diferenciador dos demais. Há uma inversão evidente: de
universidade produtora de conhecimentos visando o desenvolvimento da sociedade,
para universidade formadora de indivíduos competentes, diante dos desafios do
mercado seletivo.
Para Sacristán (2011, p. 8), existem basicamente três tendências sobre o
modelo de competências: os que acham que esse sistema conduziria a uma
sociedade de indivíduos eficientes e competitivos, necessários nesta realidade
global; os que acham que desde esta ótica a educação se transformaria num
adestramento que deixaria de lado os grandes objetivos humanos da mesma; e
aqueles que consideram a possibilidade de reestruturar os sistemas educacionais
desde dentro, superando conteúdos antigos e criando uma sociedade não apenas
eficiente, senão também justa, democrática e inclusiva.
A partir de 85 competências gerais propostas por 18 países latino-americano
foram consolidadas 25: 1) capacidade de abstração, análise e síntese; 2)
capacidade de aplicar os conhecimentos na prática; 3) capacidade de organizar e
planejar o tempo; 4) conhecimento sobre a área de estudo e profissão; 5)
responsabilidade social e compromisso cidadão; 6) capacidade de comunicação oral
e escrita; 7) capacidade de comunicação em um segundo idioma; 8) habilidades no
uso das tecnologias da informação e da comunicação; 9) capacidade de pesquisa;
83 “O projeto ALFA Tuning – América Latina surge em um contexto de intensa reflexão acerca da educação superior tanto no nível regional como internacional. Até o momento Tuning tinha sido uma experiência exclusiva da Europa, um logro de mais de 135 universidades europeias que desde o ano de 2001 estão levando adiante um intenso trabalho a favor da criação do Espaço Europeu de Educação Superior”. O projeto para a América Latina foi apresentado em outubro de 2003 por um grupo de universidades latino-americanas e europeias à Comissão Europeia. “(...) Pode ser dito que a proposta Tuning para América Latina é uma ideia intercontinental, um projeto que tem se nutrido dos aportes de acadêmicos tanto europeus como latino-americanos”(http://tuning.unideusto.org/tuningal/. Acesso em 03 de março de 2013). Tendo por base o projeto Tuning Europa, foram produzidos outros documentos como o DESECO (Definition and selection of key competences) em 2005, elaborado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), definindo competências “chave”, a serem desenvolvidas nos sistemas da educação dos países da União Europeia.
147
10) capacidade de aprender e capacitar-se permanentemente; 11) habilidades para
buscar, processar e analisar informação com fontes diversas; 12) capacidade crítica
e autocrítica; 13) capacidade de atuar em novas situações; 14) capacidade criativa;
15) capacidade para identificar, apresentar e resolver problemas; 16) capacidade
para tomar decisões; 17) capacidade de trabalho em equipe; 18) habilidades
interpessoais; 19) capacidade de motivar e liderar metas comuns; 20) compromisso
com a preservação do meio ambiente; 21) compromisso com seu meio sócio-
cultural; 22) valorizar e respeitar a multiculturalidade; 23) habilidades para trabalhar
em contextos internacionais; 24) habilidade para trabalhar de forma autônoma; 25)
capacidade para formular e gerenciar projetos; 26) compromisso ético; 27)
compromisso com a qualidade (TUNING, 2004 – 2007).
As sustentações teóricas sobre o modelo de competências estão centradas
na compreensão de que competências estão num patamar acima dos
conhecimentos, habilidades e atitudes, se mobilizadas e desenvolvidas integram e
potencializam tais componentes, na consecução de desempenhos.
A generalização da noção de competências na formação é forjada no
contexto de desenvolvimento da ideologia neoliberal, diante das transformações no
mundo do trabalho, revelando uma transferência do universo empresarial para o
acadêmico, implicando na reformulação curricular, na redefinição ampla de
conteúdos e procedimentos pedagógicos, personalizando processos de ensino-
aprendizado em dimensões subjetivas que correspondam às exigências e
necessidades do mercado.
As competências são identificadas nas práticas concretas, portanto sua
aplicabilidade é identificada em situações concretas. O ser humano competente
manipula os recursos que possui para a solução de um determinado problema,
aspecto que reforça a tendência à individualização, à concorrência.
5.4 A CERTIFICAÇÃO PROFISSIONAL PELO MODELO DE COMPETÊNCIAS
O processo de certificação profissional no Brasil é originário do projeto
CINTERFORT/OIT (Projeto 128), desenvolvido conjuntamente entre o Ministério do
Trabalho e as instituições de formação profissional, na década de 1970, para
148
“aferição e certificações das qualificações adquiridas pelos trabalhadores, mediante
cursos de formação sistemática, pela experiência de trabalho ou combinação de
ambos” (STEFFEN, 2010, p. 15).
A metodologia empregada supunha o mapeamento das tarefas que os
trabalhadores com anos de experiência desenvolviam, independentemente da
formação inicial, exigindo análises comparadas entre tarefas do perfil da ocupação
com as desempenhadas pelos trabalhadores. A partir do estudo eram ofertados
cursos de aperfeiçoamento complementar à formação, culminando na certificação
profissional. Ao tempo em que o Ministério do Trabalho atestava uma qualificação
profissional eram desenvolvidos cursos que incentivassem a aquisição de
conhecimentos e habilidades.84
A compreensão de certificação profissional está mais relacionada com “o
processo de reconhecimento formal das competências que o trabalhador possui,
pouco importando onde, quando e como as adquiriu. A certificação de pessoas por
organismos de certificação acreditados pelo INMETRO segundo a NBR IS/IEC
17024: 2004” (Idem, p. 16).
Com o processo de globalização, diante da acumulação flexível,
particularmente na década de 1990, registra-se uma intensificação de processos de
certificação e desenvolvimento de competências profissionais, o que justifica a
adoção do modelo de competências pela educação e trabalho, contando com a
interferência de organismos e associação nacionais e internacionais, cujo interesse é
“modelar” práticas a partir da formação essencial e complementar, atendendo,
portanto, a múltiplos interesses, notadamente qualidade na produção e delimitação
social e técnica do trabalho. Outro aspecto a ser destacado é a complexificação das
funções diante dos arranjos produtivos, em conformidade com os regramentos
nacionais e internacionais, relativos aos avanços no campo dos direitos de cidadania
e do desenvolvimento sustentável.
A certificação de pessoas é um mecanismo que exemplifica o controle do
sistema produtivo e de organismos vinculados nos processos e resultados do
84 Outras iniciativas públicas importantes na certificação podem ser citadas, como o projeto “Avanço Conceitual e Metodológico da Formação Profissional no Campo da Diversidade no Trabalho e da Certificação Profissional” pela Organização Internacional do Trabalho e pela Secretaria de Políticas Públicas de Emprego do Ministério do Trabalho e Emprego, e a criação da norma ABNT NBR ISSO/IEC 17024 – Avaliação de Conformidade – Requisitos Gerais para organismos que certificam pessoas e acreditação dos organismos de certificação de pessoas pelo INMETRO.
149
trabalho, favorecendo um clima competitivo e instável, tendo em vista a perspectiva
da manutenção dos requisitos que implicam promoções e ascensão ocupacional.
As diversas experiências conformam um modelo que segue: a centralidade na
experiência; testes de competências pelo domínio de conhecimentos e aplicação
prática; definição de uma certificação a partir de normas e regras instituídas;
processo definido de avaliação; critérios de avaliação; controle e acompanhamento
de resultados sobre a conduta do profissional certificado. Importante observar que o
profissional assume o custo do exame de sua certificação e permanente
monitoramento para manter-se certificado.85
5.4.1 Certificação das ocupações profissionais
A Classificação Brasileira de Ocupações – CBO foi publicada em 1982, tendo
sofrido alterações que não modificaram sua estrutura e concepção metodológica.86
Sua finalidade é identificar ocupações no mercado de trabalho, visando sua
classificação. Seu limite é administrativo, portanto, não possui efeito de
regulamentação, o que deve ser realizado por lei federal, e sancionada pelo
Presidente da República.
Uma das aplicações da CBO é contribuir na produção da Relação Anual de
Informações Sociais (Rais), do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
(Caged), no cruzamento de dados do Seguro Desemprego e na formulação de
políticas públicas de geração de emprego e renda. Sua finalidade, ainda, é servir de
base para o cadastramento no INSS e em pesquisas do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
85 São diversas as experiências de certificação de pessoas. Alguns organismos de certificação acreditados pelo INMETRO podem ser citados: Associação Brasileira de Ensaios não Destrutivos e Inspeção (ABENDI); Associação Brasileira de Manutenção (ABRAMAN); Associação Brasileira de Metalurgia e Materiais (ABM); Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT); Centro de Tecnologia do SENAI/RJ; Fundação Brasileira de Tecnologia da Sondagem (FBTS) Instituto Brasileiro do Concreto (IBRACON/NQCP); Petrobras/SEQUI; Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais; Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF).
86 A última atualização da CBO foi publicada pela portaria ministerial nº. 397, de 9 de outubro de 2002.
150
Sua função é reconhecer, nomear e codificar os títulos, além de descrever as
características das ocupações do mercado de trabalho brasileiro. As ocupações do
mercado brasileiro são organizadas e descritas por famílias, sendo que cada família
constitui um conjunto de ocupações similares correspondentes a um domínio de
trabalho mais amplo que aquele da ocupação.
A metodologia desenvolvida prioriza a descrição do trabalho pelos próprios
trabalhadores. Há, portanto, a centralidade no fazer profissional, considerando as
representações sociais, sem considerar, assim como na metodologia da
classificação de pessoas, conhecimentos da formação essencial ou
regulamentações e recomendações das entidades representativas.
A ocupação assistente social está na mesma família que economia
doméstica.87 A classificação vigente contou com a participação de 10 especialistas.
As áreas ou atividades estão descritas como: “orientar indivíduos, grupos,
comunidades e instituições; planejar políticas sociais; pesquisar a realidade social;
executar procedimentos técnicos; monitorar as ações em desenvolvimento;
promover eventos técnicos e sociais; articular recursos disponíveis; coordenar
equipes e atividades; desempenhar atividades administrativas.” A área de atuação
centraliza-se, na classificação, em competências de orientar, planejar coordenar.
A classificação das profissões de assistente social e economia doméstica
possui a seguinte descrição: “Prestam serviços sociais orientando indivíduos,
famílias, comunidades e instituições sobre direitos e deveres (normas, códigos e
legislação), serviços e recursos sociais e programas de educação; planejam,
coordenam e avaliam planos, programas e projetos sociais em diferentes áreas de
atuação profissional (seguridade, educação, trabalho, jurídica, habitação e outras),
atuando nas esferas pública e privada; orientam e monitoram ações em
desenvolvimento relacionados à economia doméstica, nas áreas de habitação,
vestuário e têxteis, desenvolvimento humano, economia familiar, educação do
consumidor, alimentação e saúde; desempenham tarefas administrativas e articulam
recursos financeiros disponíveis”. Nessa descrição, além de competências de
orientar e planejar, são descritas competências de avaliar planos, programas e
projetos. Mas cabe o destaque para prestação de serviços sociais sobre direitos e
deveres.
87 Fonte: http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/tabua/ResultadoConversaoFamilia.jsf
151
A caracterização do trabalho delimita instituições das esferas pública e
privada, assim como organizações não governamentais. “Podem atuar em empresas
ou instituições do setor agropecuário, comercial, industrial e de serviços. O foco de
atuação é a família (ou indíviduo). São estatutários ou empregados com carteira
assinada. Trabalham em equipe, sob supervisão ocasional, em ambientes fechados
e em horário diurno, podendo, o assistente social trabalhar em horários irregulares
durante plantões e em casos emergenciais. Eventualmente, trabalham sob pressão,
levando à situação de estresse.”
A classificação considera como competências pessoais do assistente social e
do economista doméstico: “Trabalhar com ética profissional; Manter-se atualizado;
Ouvir atentamente (saber ouvir); Demonstrar bom senso; Demonstrar sensibilidade;
Contornar situações adversas; Trabalhar em equipe; Manter-se imparcial;
Demonstrar auto-controle; Lidar com estresse; Demonstrar discrição; Manter-se
disciplinado; Manter-se firme; Demonstrar persistência; Mediar conflitos; Participar
de grupos de estudo; Demonstrar sensibilidade política; Estimular a criação de novos
recursos; Respeitar as diversidades étnicas, culturais, de gênero, de credo, de opção
sexual, etc; Demonstrar criatividade; Manter o sigilo profissional; Manter-se flexível;
e Demonstrar ousadia”.
Destaca-se a delimitação do foco na família e nas competências atributos ou
habilidades sociais no trabalho a dinâmica das relações. Entretanto, alguns
elementos sobressaem, especialmente pela crítica do Serviço Social, como a
imparcialidade, outros se aproximam do perfil profissional recomendado, a exemplo
da postura ética, da participação em grupos de estudo e do respeito à diversidade.
As atividades definidas na CBO estão centradas em eixos de ação,
particularmente na orientação, no planejamento, na pesquisa, na execução de
procedimentos, no monitoramento, na promoção de eventos, na articulação de
recursos, na coordenação de equipes e atividades, no desempenho de atividades
administrativas, na demonstração de competências pessoais. Tais atividades
demonstram uma perspectiva instrumental e distanciada das diretrizes para o
trabalho social na atualidade, especialmente na construção de mediações técnico-
políticas que fortaleçam os processos democráticos no campo dos direitos.
152
A metodologia adotada pela CBO é amplamente criticada pelo CFESS, tendo
em vista a não incorporação de competências e atribuições determinadas pelas
legislações profissionais, e o fato de ter sido construída com base em
uma metodologia pouco representat iva, v is to que e labora as funções a part ir de consulta a pequeno grupo escolh ido de prof iss ionais, não abrangendo, por tanto, o univer so prof iss ional. No caso do Serviço Soc ia l brasi le iro, o d isposto na CBO para assis tentes soc iais está longe de expressar suas competênc ias e atr ibuições. O CFESS, em reunião com o Minis tér io do Trabalho, já sol ic i tou sua revisão. Desse modo, a CBO não pode ser parâmetro para def inição do t rabalho de ass istentes soc ia is” (CFESS, 2011, p. 6)
Entre as deliberações do conjunto CFESS/CRESS no eixo orientação e
fiscalização, aprovadas nos Encontros Nacionais, comparece, de modo reiterado, a
necessidade de alteração das definições da profissão na CBO88, considerando a
legislação profissional. Não obstante as insuficiências na metodologia, nos
resultados classificatórios e seus impactos, compõem a agenda política e regulatória
do Serviço Social, a melhor definição das competências e atribuições, no contexto
entre a crise e legitimidade do projeto ético-político profissional.
88 As gestões junto ao Ministério de Trabalho e Emprego são recorrentes, com registros das estratégias adotadas, sem sucesso, tendo em vista a metodologia empregada, o que pode ser identificado na ação relatada: “Acompanhamento, junto ao MTE, das alterações na descrição da profissão, veiculada no sítio da CBO – Classificação Brasileira de Ocupações, de forma agregada à profissão de economia doméstica. A ação requerida pelo CFESS, em julho de 2004, com esclarecimento sobre as características legais da profissão, competências e atribuições privativas, foi reiterada, posteriormente, por meio de ofício e, no exercício de 2009, foi intensificada, durante reunião na Divisão da CBO, a qual procedeu algumas correções na descrição das atribuições, entretanto, manteve a descrição conjunta com as atividades do economista doméstico. Segundo a chefa da Divisão da CBO, a metodologia utilizada (que agrega as profissões por “famílias”) só poderá ser alterada na próxima edição da CBO, prevista para 2011. Nesse sentido, além da pressão para a correção, está sendo produzido um documento a ser enviado ao MTE no início de 2011” (CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Relatório Anual de Gestão. Brasília, 2011).
153
6. PROFISSIONALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL CONTEMPORANEO:
LEGITIMIDADE PELA MONOPOLIZAÇÃO DE COMPETÊNCIAS
Na década de 1990 um paradoxo se revela na profissão e no campo dos
direitos: materialização do acúmulo político expresso na afirmação de mecanismos
Democráticos e direitos reclamáveis, resultado na aprovação da Constituição de
1988; contexto reformista neoliberal, que diante da ideologia do Estado mínimo,
conformou um panorama de “refilantropização” e restrição de direitos conquistados.
No âmbito da profissão identifica-se a materialização do projeto ético-político
profissional, forjado no processo de ampla revisão das bases teórico-práticas e ideo-
políticas da profissão. A legislação profissional, particularmente a Lei 8662/03 e o
Código de Ética de 1993 (Resolução n. 273), espelha a resposta do Serviço Social
às requisições sociais e institucionais, especialmente nas competências
demandadas para a implementação das políticas regulamentadas, o que pode ser
identificado no conteúdo das competências previstas no artigo 4º da Lei 8662/93,
especialmente em seu inciso I: “elaborar, implementar, executar e avaliar políticas
sociais junto a órgãos da administração pública, direta ou indireta, empresas,
entidades e organizações populares”. Daí a relação entre as competências, deveres
éticos e as necessidades/requisições constitutivas das legislações sociais,
notadamente a diretiva da gestão condicionada aos processos de negociação e
consensos, a partir da Constituição de 1988.
Associam-se às competências e atribuições profissionais os reordenamentos
preconizados pela descentralização com participação da sociedade civil, diante do
novo pacto federativo. A lei 8662/93 comanda “habilidades” imprescindíveis na
democracia formal, nos marcos do Estado Democrático de Direitos, observado nos
incisos
I I - e laborar, coordenar, executar e aval iar p lanos, programas e projetos que sejam do âmbito de atuação do Serviço Soc ial com participação da sociedade civi l ; VI - p lanejar , organizar e administrar benef íc ios e Serviços Soc ia is; IX - prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em matéria relacionada às pol ít icas sociais , no exercíc io e na defesa dos d irei tos c iv is , polí t icos e soc ia is da colet iv idade (Lei 8662/93).
154
Tais competências são direcionadas e relacionadas com as definições éticas,
com destaque para: c - participação na elaboração e gerenciamento das políticas
sociais, e na formulação e implementação de programas sociais (Artigo 2º - direitos
do assistente social); a- contribuir para a viabilização da participação efetiva da
população usuária nas decisões institucionais (Artigo 5° - deveres do/a assistente
social nas suas relações co usuários/as); d- empenhar-se na viabilização dos direitos
sociais dos/as usuários/as, através dos programas e políticas sociais; e- empregar
com transparência as verbas sob a sua responsabilidade, de acordo com os
interesses e necessidades coletivas dos/as usuários/as (Artigo 8º - deveres do
assistente social).
Existe, portanto, uma relação entre requisições institucionais, nos marcos do
Estado Democrático de Direito, e competências profissionais que por sua vez forjam
um perfil técnico-político informado pelos conhecimentos priorizados na formação
profissional.
Observa-se que a competência de orientar se mantém na revisão da
legislação e é direcionada politicamente para a defesa dos direitos: III - encaminhar
providências, e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à população; V -
orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar
recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos;
VII - planejar, executar e avaliar pesquisas que possam contribuir para a análise da
realidade social e para subsidiar ações profissionais. Comparece, nesta última
competência, a dimensão investigativa como uma importante dimensão do fazer
profissional, que tem a própria realidade social como substrato.
As competências são compreendidas como particularidades gerais de uma
profissão, demarcando um campo, uma particularidade, desenhando habilidades
sociais imprescindíveis para o desenvolvimento das mesmas. Já as atribuições
expressam o poder evocado, a delimitação construída em sintonia com as
requisições históricas.
Ainda no artigo 4 º, que juridicamente abarca o 5º que trata das atribuições,
comparece a legitimidade da profissão, particularmente quanto: “ X - planejamento,
organização e administração de Serviços Sociais e de Unidade de Serviço Social; XI
- realizar estudos sócio-econômicos com os usuários para fins de benefícios e
serviços sociais junto a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas
155
privadas e outras entidades”. Comparece aí a ambiguidade entre “serviço social e
serviços sociais”, uma vez que a definição “serviços sociais” é geral e “serviço social”
privativo. Ao mesmo tempo, o estudo sócio-econômico não é delimitado como
privativo embora seja uma especificidade importante da profissão, revelando o
dilema da delimitação precisa da especificidade profissional.
A análise sobre os aspectos jurídicos da Lei 8662/93, sustenta-se na
compreensão de que atribuições referem-se às funções privativas do assistente
social, ou seja, suas prerrogativas exclusivas, enquanto as competências expressam
capacidade para apreciar ou dar resolutividade a determinado assunto, não sendo,
portanto, exclusivas de uma única especialidade profissional, mas a ela
concernentes em função da capacitação profissional.
O Parecer Jurídico da assessora jurídica do CFESS, Sylvia Terra89 que
subsidia as interpretações das atribuições do assistente social, apresenta uma
análise dos incisos do artigo 4º, no qual constam repetições das funções privativas
contempladas no artigo 5º, identificando visíveis contradições no artigo 4º. Assim, os
incisos II, III e VIII e XI do Art. 4º, que tratam das competências, são atribuições
privativas do assistente social, porque apresentam competências que estão
previstas no art. 5° na referida Lei concernente às atribuições:
I I . e laborar, coordenar e executar e aval iar p lanos, programas e projetos que sejam do âmbito de atuação do Serviço Soc ial com part ic ipação da soc iedade c iv i l ; I I I . encaminhar providênc ias e prestar or ientação soc ial a indivíduos, g rupos e a população; VI I I . prestar assessor ia e consul tor ia a órgãos da administração públ ica d ireta e indireta, empresas pr ivadas e outras ent idades, com relação às matér ias re lac ionadas no inciso I I deste art igo; XI. real izar es tudos soc ioeconômicos com os usuár ios para f ins de benef íc io e serviços soc ia is, junto a órgãos da administração públ ica d ireta ou indireta, empresas pr ivadas e outras ent idades.
Observa-se, também, por questões técnicas e jurídicas, uma reiteração da
fragilidade na delimitação de prerrogativas profissionais, além da tendência de ora
monopolizar o saber-fazer, ora recusar as investidas positivistas de fragmentar,
muito embora se utilize das mesmas prerrogativas. Com efeito, a tendência
89 TERRA, S. H. Parecer Jurídico n° 27/98. Assunto: Análise das competências do Assistente Social em relação aos parâmetros normativos previstos pelo art.5º da Lei 8662/93, que estabelece as atribuições privativas do mesmo profissional. São Paulo, 13/09/2000, mimeo,12 pp.
156
institucionalista acaba imperando no âmbito das profissões regulamentadas,
reforçando o apelo por marcar “na Lei” espaços ocupacionais e funções.
6.1 A MONOPOLIZAÇÃO DO “SABER-FAZER”: COMPETÊNCIAS DO
ASSISTENTE SOCIAL
A disputa por legitimidade na divisão social e técnica do trabalho é
dinamizada pelos projetos coletivos que atribuem teleologia ao saber das profissões,
apostando na tradição e na legitimidade, particularmente aquelas regulamentadas,
por meio de um estatuto normativo-jurídico. No caso do Serviço Social a histórica
instabilidade e fragilidade institucional, especialmente pelo signo do “assistir”,
“servir”, o que pode reforçar uma conotação subsidiária e de aplicação de
conhecimentos científicos interdisciplinares, a legislação articulou princípios ético-
políticos com finalidade teórico-práticas.
Para Iamamoto, (2012) “o texto legal expressa, pois, um conjunto de
conhecimentos particulares e especializados, a partir dos quais são elaboradas
respostas concretas às demandas sociais”. Evidentemente, que a delimitação
normativo-jurídica não garante realização plena, já que a prática profissional é
condicionada pela “lógica do mercado capitalista” (p.30).
É amplamente debatida no âmbito profissional a aplicabilidade da legislação,
considerando os dilemas entre a autonomia estabelecida e os contextos de exercício
profissional, desafiando a própria profissão a construir mecanismos que clarifiquem e
particularizem competências e atribuições.90
90 “Segundo Terra (2007, p. 22) “o legislador, ao regulamentar a matéria, fez uma clara diferenciação, entre as atividades profissionais que são exclusivas do assistente social, especificadas no artigo 5º, ao designá-las, expressamente, como ‘atribuições privativas’ e, por outro lado, com aquelas que designou como ‘competências’, reconhecendo, consequentemente, como atividades do assistente social, porém de execução não exclusiva deste, eis que podem, também, ser exercidas, por profissionais de outras áreas do conhecimento (...) a questão, portanto, localiza-se na imperfeição da caracterização legal das atribuições privativas, em contrapartida a caracterização das competências, eis que as atribuições previstas pelo artigo 5º, se repetem em algumas disposições do artigo 4º. E isso, evidentemente, dificulta, sobremaneira, a ação de fiscalização dos CRESS e a compreensão daquilo que é privativo, bem como das atividades que podem ser compartilhadas com outros profissionais técnicos de outras áreas.”
157
Para além das imperfeições jurídicas, tendo em vista a repetição de incisos,
ocasionando ambiguidades, corrigidas apenas pela interpretação da Lei,
prevalecendo à compreensão de que predomina o estabelecido em atribuições
privativas definidas no artigo 5º, a questão central é a compreensão do que seja
privativo a partir das definições legais.
Art . 5º Const i tuem atribuições privativas do Ass is tente Socia l: I - coordenar, elaborar , executar, supervis ionar e aval iar es tudos, pesquisas, p lanos, programas e projetos na área de Serviço Social ; I I - p lanejar , organizar e adminis trar programas e projetos em Unidade de Serviço Social ; I I I - assessor ia e consul tor ia e órgãos da Administração Públ ica d ireta e indireta, empresas pr ivadas e outras ent idades, em matéria de Serviço Social ; IV - real izar v istor ias, per íc ias técnicas, laudos per ic iais , informações e pareceres sobre a matéria de Serviço Social; V - assumir, no magis tér io de Serviço Soc ia l tanto a nível de graduação como pós -graduação, disc ip l inas e funções que ex i jam conhecimentos próprios e adquir idos em curso de formação regular ; VI - t re inamento, aval iação e supervisão d ireta de estagiár ios de Serviço Soc ia l; VII - d ir ig ir e coordenar Unidades de Ensino e Cursos de Serviço Social, de graduação e pós -graduação ; VII I - d ir igir e coordenar assoc iações, núc leos, centros de estudo e de pesquisa em Serviço Soc ia l; IX - e laborar provas, presidir e compor bancas de exames e comissões ju lgadoras de concursos ou outras formas de seleção para Assis tentes Soc ia is , ou onde sejam aferidos conhecimentos inerentes ao Serviço Social ; X - coordenar seminár ios , encontros, congress os e eventos assemelhados sobre assuntos de Serviço Social ; X I - f iscal izar o exerc íc io prof iss ional at ravés dos Conselhos Federal e Regionais; XII - d ir ig ir serviços técnicos de Serviço Social em ent idades públ icas ou pr ivadas; XII I - ocupar cargos e funções de d ireção e f iscal ização da gestão f inanceira em órgãos e ent idades representat ivas da categor ia prof iss ional.
Os debates sobre competências e atribuições baseados nas orientações
jurídicas, remetem ao entendimento de que é possível especificar melhor, por meio
de uma normativa “o que está contido no artigo 4º da lei 8662/93, que é privativo do
assistente social por estar contido no artigo 5º” (TERRA, 2007, p.24). Constitui um
desafio, ainda, uma definição conceitual das atribuições e competências do
assistente social, a exemplo da realização de vistorias, perícias técnicas, laudos
periciais, informações e pareceres sobre a matéria de serviço social.
Algumas questões na delimitação das atribuições privativas podem ser
destacadas: o que constitui área de serviço social? O que é a matéria da profissão e
serviços técnicos em serviço social? Fica evidente que a definição serviço social –
158
no singular, e não “serviços sociais” - atribui especificidade. Ainda assim, carece de
detalhamento. Observa-se que no caso do exercício da docência são recorrentes os
arranjos que atribuem especialidade com o emprego do “serviço social”, a exemplo
de Pesquisa em Serviço Social.
O aspecto que delimita o caráter do que seja o privativo do assistente social é
a sua qualificação enquanto matéria, área e unidade de Serviço Social, o que não
significa respaldo direto na Lei. Portanto, explicitar a legislação supõe dar conta de
uma questão que não pode ser tributada de imediato ao texto legal, revelando a
flexibilidade da legislação em corresponder à formação profissional de seu tempo,
reforçando, com isso, a prerrogativa profissional de auto-regulação. Cabe, portanto,
à profissão, oferecer no campo da formação, subsídios suficientes para a
compreensão do que seja objeto/matéria e mesmo serviço social, considerando
requisições e contextos sócio-históricos que conformam a necessidade social da
profissão.
O projeto ético-político profissional baliza a direção construída pelo coletivo e
prospecta os desafios na interpelação da realidade social em suas contradições.
Assim, o estatuto normativo-jurídico da profissão oferece elementos para as
mediações necessárias no cotidiano, aportadas por conhecimentos teóricos
sistematizados e relevantes para interpretação/ação.
Considerando a profissão como dinâmica permeada por determinantes sócio-
históricos, mas também institucionais, é possível destacar parte dos processos que
forjam a própria profissão nos marcos da contemporaneidade: os referentes teórico-
metodológicos que contemplam a produção consistente de assistentes sociais no
campo da teoria social marxista91, em contraposição às perspectivas reducionistas,
configurando um caldo cultural de cariz crítico que recusa o conservadorismo em
suas múltiplas expressões e refrações na vida social; os movimentos sócio-históricos
da sociedade burguesa circunscrevem a prática social e, nela, a intervenção do
Serviço Social, sobressaindo o imperativo da análise crítica das dinâmicas sociais e
sua relação com o Estado, sobretudo na contradição elementar entre as classes, e
91 No âmbito do conhecimento da humanidade, a teoria social de Marx se expressa como referência contraditória às Ciências Sociais particulares, de caráter positivista, no sentido da ultrapassagem do mundo burguês, na direção da construção de uma nova sociedade, razão pela qual se inscreve nos debates da atualidade como a teoria que ilumina esse caminho.
159
sua relação com os projetos societários e profissionais; o protagonismo individual e
coletivo da profissão, e sua relação com as condições de trabalho, no contexto de
expansão do capitalismo “financeirizado”, sobressaindo a condição assalariada.
O estatuto de estatuto de trabalhador assalariado, não é uma dimensão
secundária quando da análise da profissionalidade contemporânea. O assistente
social é subordinado a processos de alienação, restrição de sua autonomia técnica e
intensificação do trabalho a que estão submetidos os trabalhadores assalariados em
seu conjunto (RAICHELIS, 2011, p. 107: 434). Realidade que torna complexa a mera
definição do “dever fazer” e ao mesmo tempo desafia a própria profissão à produção
de novos estudos sobre as condições em que o trabalho é realizado. Como garantia
a realização da pesquisa como sendo uma das principais competências em
contextos institucionais em que impera o imediatismo e a burocracia?
O aprofundamento normativo-jurídico e conceitual dos artigos 4° e 5º da Lei
8662/93 depende do debate acadêmico-profissional, no que se refere à concepção
da profissão, já que a auto-qualificação da profissão é prerrogativa “dos seus
agentes especializados e de seus organismos representativos que, em determinados
contextos societários, confirmam a necessidade ou utilidade social dessa
especialização do trabalho” (IAMAMOTO, 2012, p. 39).
As contradições e mesmo fragilidades decorrentes da precarização da
formação aprofundam as dificuldades em manter relativa coerência entre as
prescrições legais e os contornos e demandas dos espaços institucionais. Assim,
percebe-se uma tendência nos conselhos profissionais, notadamente de Serviço
Social e Psicologia, em detalhar prerrogativas em documentos de grande circulação,
com o objetivo de unificar entendimentos sobre o que não constitui “função” e o que
“deve” ser realizado nos contextos sociais pelas respectivas profissões.
A tendência dos últimos documentos de ampla difusão no Serviço Social,
chamados “parâmetros”, é delimitar, considerando a produção teórica hegemônica,
competências e atribuições, dando ênfase à questão social como matéria de
investigação/intervenção e o modo como se particulariza em políticas ou espaços de
relevância dada a atuação significativa da profissão nesse âmbito.
Os parâmetros são produzidos entre as expectativas profissionais pela
delimitação das prerrogativas, o que pode redundar em focalismos e incompletudes,
ainda que o esforço seja totalizar objetivos profissionais e remetê-los ao estatuto
160
normativo-jurídico; e a necessidade constatada pelas entidades da categoria de
direcionar o exercício profissional diante das fragilidades gritantes em termos da
formação acadêmica, dimensão fundamental para o credencialismo qualificado.
As profissões regulamentadas possuem uma dimensão de autonomia,
sempre relativa, possibilitada pela legislação profissional. As pressões por definições
complementares que especifiquem atividades e estabeleçam o que não compete
aos profissionais, revela uma tendência de fragilidade institucional.92 Os parâmetros
centrados em competência são insuficientes para romper com as práticas que
tendem à reprodução do conservadorismo ou do pragmatismo, muito embora não
tenha sido esse o objetivo. Outras estratégias são fundamentais, especialmente a
implantação de uma política de educação permanente que considere as
particularidades profissionais, e o fortalecimento da formação profissional, em
sintonia com o projeto ético-político.
As deliberações dos Encontros Nacionais CFESS/CRESS trazem de modo
sistemático conteúdos relativos ao aprimoramento de aportes normativo-jurídicos
que especifiquem atribuições.93 O Plano Nacional da Comissão de Orientação
2007/2008 consolidou, com o objetivo de se constituir num “instrumento político e de
gestão que direciona e expressa os avanços necessários em termos institucionais,
profissionais e financeiros”, as deliberações centrais relativas ao exercício
profissional, com destaque àquelas que dizem respeito às competências e
atribuições. Destacam-se as deliberações no eixo “potencialização da ação
fiscalizadora para valorizar, defender, fortalecer e publicizar a profissão”:
aprofundar a d iscussão sobre a descaracter ização da prof issão no Sis tema S (SESI, SESC, SESEF – Serviço Soc ia l das Estradas de Fer ro, SENAR – Serviço Soc ial dos Rodoviár ios, SEST – Serviço Soc ia l do Transporte) v isto a re levânc ia dessas inst i tuições, inc lus ive, ao apropr iarem -se
92 É comum nos fóruns e espaços da assistência social, assistentes sociais reivindicarem exclusividade na coordenação dos equipamentos e no desenvolvimento de outras funções de gestão no SUAS, o que reforça o corporativismo presente no meio profissional e mesmo a “confusão” entre assistência social e serviço social.
93 No 35º Encontro Nacional CFESS/CRESS (2006), realizado em Vitória – ES, deliberou-se pela sistematização de contribuições dos CRESS e do CFESS para a revisão da Política Nacional de Fiscalização - PNF, remetida para a Plenária Nacional CFESS/CRESS, de caráter deliberativo, realizada em Brasília – DF, nos dias 21 e 22 de abril de 2007.
161
da expressão “Serviço Soc ial” produzir instrumentos que viabi l izem o mapeamento da conf iguração dos espaço s sócio-ocupac ionais , condições e re lações de trabalho, requis ições soc ia is em matér ia de d irei tos e qual i f icação prof iss ional . (CFESS/CRESS); ( . . . ) Realizar estudos sobre as atr ibuições dos assistentes sociais na área da saúde por meio do grupo de trabalho já const i tuído por representante do CFESS e dos CRESS, inclu indo as contr ibuições dos CRESS 7ª e 15ª regiões no que se refere às competênc ias dos ass istentes Socia is no processo de a lta e remoção de pac ientes em unidades de saúde, comunicação de óbito e demais atr ibuições. (CFESS/CRESS); ( . . . ) Elaborar novos parâmetros jurídico-normativos sobre o exercício prof issional do assistente Social , considerando, os processos sociais, as condições e relações de trabalho, e as áreas de atuação, em relação às compet ências e atribuições profissionais , as prerrogativas e pr inc íp ios ét ico -pol í t icos, contemplando in ic ia lmente as ações a seguir : e laborar normat ização referente à emissão de pareceres conjuntos entre ass is tentes soc ia is e prof iss ionais de outras categor ias, no âmbito sóc iojuríd ico e outros campos onde se desenvolvem ações interdisc ip l inares, com base no parecer Juríd ico nº 20/07; Estabelecer parâmetros de referênc ia sobre a média de atendimento de usuár io, por ass istente soc ia l, nas d iversas áreas de atuação; e laborar resolução que regule a re lação do ass istente socia l na função de ass istente técnico com aquele que está na função de per ito judic iár io (CFESS, 2007, p.72-73).
A construção de parâmetros que orientem o exercício profissional passou a
ser uma reivindicação reiterada engendrando um paradoxo: fragilidades teóricas na
formação profissional e nas estratégias de educação permanente e aprimoramento
intelectual (previsto no Código de Ética); necessidade de unificação dos
direcionamentos políticos, éticos e técnicos que fortaleçam o exercício profissional e
as atividades políticas nos espaços de controle democrático.
O CFESS em conjunto com os CRESS vem produzindo parâmetros ou
subsídios para o exercício profissional. A assistência social e a saúde foram as duas
primeiras áreas ou políticas a serem consensuadas na lógica das competências,
seguidas da educação, com a produção de subsídios. O campo sócio-jurídico vem
sendo igualmente analisado, com o mesmo propósito, o que reforça a tendência
atual.
162
6.2 SERVIÇO SOCIAL E ASSISTÊNCIA SOCIAL
A relação entre a profissão e a política de assistência social revela os efeitos
de um sincretismo evidente. O campo assistencial constitui-se como um dos
espaços essenciais na gênese e desenvolvimento da profissão, nos marcos da
construção do padrão de proteção social. Como política de atuação significativa de
assistentes sociais, tanto Serviço Social como a Assistência Social, são dinamizados
por tendências de fragilidade e legitimidade institucional.
A criação do Conselho Nacional de Serviço Social em 1938, mesmo antes da
formação das primeiras assistentes sociais brasileiras, expressa a interferência
regulatória do Estado em resposta à questão social, como determinante
fundamental, impactando diretamente no significado da profissão que acompanha,
em grande medida, os contornos do próprio Estado, em resposta às tensões entre
as classes fundamentais.
Assim, nos marcos da gênese e consolidação da profissão identifica-se um
significado de profissão que reforça as práticas benemerentes e autoritárias, no
ajustamento dos indivíduos sociais94; no contexto desenvolvimentista sobressaem
perspectivas integradoras e de sofisticação do repertório técnico-instrumental,
prevalecendo o entendimento dos recursos assistenciais como uma etapa para o
desenvolvimento do indivíduo e suas inserções coletivas; no contexto da
redemocratização, assume-se o papel de desenvolver os mecanismos democráticos
no campo dos direitos, o que se aprofunda na contemporaneidade.
A produção teórica no Serviço Social contribuiu para reposicionar a
assistência social como direito, na crítica à sua trajetória histórica,95 bem como sua
94 A ação de caráter assistencialista pode ser considerada como “ajuda dos necessitados pela ação compensatória, por uma política de conveniências eleitorais e pelo clientelismo. Expande-se na esteira do favor pessoal, combinando uma atenção reduzida com a necessidade de reconhecer por parte do receptor da ajuda que está sendo prestada. Desloca a ação para o campo privado, o interesse pessoal, exacerbando a lógica de que o caráter é o da concessão e da benesse” (COUTO, 2004, p. 165). O enfrentamento da questão social pela assistência social revela dinâmicas contraditórias: apadrinhamento, clientelismo e relações de mando, reproduzindo a relação de dependência; vinculação com a filantropia no acesso ao fundo público e no desenvolvimento de ações residuais. A obra Assistência Social na trajetória das Políticas Sociais Brasileiras (SPOSATI et al, 1985) inaugura a produção teórica do Serviço Social, contribuindo para a demarcação desta política na Seguridade Social e sua definição conceitual.
95 Os processos políticos no contexto de redemocratização possibilitam as contradições da assistência social, como orgânica ao capital, enquanto volta-se para a subsistência da força de
163
relação com a profissão. O movimento de reconceituação recupera a assistência
social como direito e espaço contraditório, distanciando-se das perspectivas
estruturalistas, amparadas nas análises althusserianas, que atribuem à assistência
social o papel exclusivo de conter pressões, neutralizar processos políticos, difundir
a ideologia dominante e “atrasar” a revolução (SILVA, 2009).
A negação da assistência social como espaço privilegiado de sua intervenção
(SPOSATI et al. 1985), faz parte da trajetória do Serviço Social, o que a coloca como
objeto permanente de análise nos marcos da sociedade capitalista, da constituição
do Estado social.96
Com o advento da Constituição de 1988 a assistência social atinge um
estatuto de política de proteção social, dever do Estado e direito de cidadania,
orientada por novas diretivas em sintonia com o processo de descentralização que
assume o significado de redemocratização, impulsionando instrumentos e
normatividades que fortalecem a disputa de sua institucionalidade na seguridade
social brasileira.
Novos ordenamentos induzidos pelo acesso ao fundo público conformam
espaços ocupacionais e demandam conhecimentos e intervenções que qualifiquem
a descentralização político-administrativa, como: implantação de conselhos;
realização de Conferências; elaboração da política em seu âmbito; e estruturação de
serviços. Serão novas exigências para o trabalho profissional não apenas, mas
especialmente, do Serviço Social.97
trabalho de reserva e amenização dos padrões de vida e da política salarial que imprime aos trabalhadores, e orgânica ao trabalho, por substituir a renda mínima e como espaço com potencial de construção de alternativas de organização popular.
96 No âmbito da profissão, apesar das diferentes perspectivas e analises, é consenso o transito histórico da assistência social para o campo dos direitos. “Se é verdade que a Assistência Social vincou historicamente o que alguns analistas visualizam como a ‘particularidade’ do Serviço Social, é igualmente verdade que, dominantemente até os anos 70 do século passado, aquele vinco estava hipotecado à benemerência, ao favor e a distintas formas de filantropia. É nos anos 80 que o eixo das concepções assistenciais, deslocando-se da tradição assistencialista, se vai transladar para a esfera dos direitos e vai se relacionar a políticas sociais (NETTO, 2008, p.10)”.
97 As Constituições de 1891 e 1924 são omissas quanto à responsabilidade estatal com a assistência social. A Constituição de 1934, vigente por três anos, define: "a todos cabe o direito de prover à própria subsistência e de sua família, mediante trabalho honesto. O Poder Público deve amparar, na forma da lei, os que estejam em indigência" (FOWLER, 1998, p. 63) Entretanto, a definição da assistência sociais como direito de cidadania reclamável, positivo, será efetivado nos marcos da Constituição de 1988.
164
Além da tradição assistencialista e de residualidade, marcas constitutivas da
assistência social, o que se observa é uma natureza frágil semelhante ao Serviço
Social: é preciso igualmente construir mecanismos normativo-jurídicos e aportes
teóricos que recusem práticas conservadoras; comparecem projetos em disputa que
tensionam as práticas no campo assistencial, com forte tendência às ações de
controle da vida privada, que desconsideram as determinações da sociabilidade
burguesa; divergências na delimitação do objeto de intervenção, conformando um
debate polarizado entre a natureza transversal ou específica da política, alimentando
o debate conceitual.
Ao mesmo tempo, no contexto de implantação da Lei Orgânica de
Assistência Social - LOAS (Lei n. 8742/93) e principalmente do Sistema Único de
Assistência Social – SUAS98, evidencia-se uma legitimidade na proteção social que
configura um campo em disputa, com inserção significativa de trabalhadores que
almejam reconhecimento de suas atribuições e competências.
A constituição de uma política regulada pelo Estado e fortemente induzida,
quanto à implantação de serviços e lógica de gestão pública, reposiciona novos
atributos em gestão e trabalho social, o que vem reconfigurando o campo da
assistência social no Brasil, que possui profundas marcas conservadoras,
assentadas no binômio assistência-repressão, reforçando processos de segregação,
de fragmentação das demandas e de “judicialização” da questão social e dos
conflitos decorrentes.
Os programas e as ações pontuais tenderam, dadas às condições objetivas
da configuração do Estado, à moralização das desigualdades expressas nas
condições de vida da população usuária dos serviços, dos comportamentos tidos
como desviantes, tendo em vista a incorporação de padrões tradicionais,
hegemonizados na prestação dos serviços a segmentos subalternizados, que são
98 O SUAS representou em seu primeiro estágio uma verdadeira reforma no âmbito do Estado, a
partir de processos indutores que solidificaram a legitimidade política fundamental para os próximos patamares. Sua regulamentação por meio da Lei n. 12.435/11 oferece as bases para a consolidação de uma nova concepção e “arquitetura” de gestão do conteúdo peculiar à proteção social não contributiva, assim como os direcionamentos que fortaleçam sua dimensão de intersetorialidade na relação com as demais políticas públicas, contribuindo na ampliação da proteção social brasileira e superação de suas marcas históricas, amplamente criticada, notadamente pela residualidade e funcionalidade aos mecanismos reforçadores da cultura do mando e do favor.
165
portadores de projetos de classe e vivenciam a exploração e exclusão social,
econômica e política (YAZBEK, 1993).
O trabalho desenvolvido na política de assistência social é a mediação central
da própria política (SPOSATI, 2006), fator que eleva a responsabilidade pública na
produção de direcionamentos éticos, técnicos e políticos que se contraponham à
reatualização de práticas tradicionais e à inserção de práticas “empiristas”, que nem
ao menos expressam as diretrizes e os princípios Constitucionais da democratização
formal do acesso aos direitos, aspecto que dimensiona a necessária direção política
e construção de processos coletivos que efetivamente impactem no trabalho
cotidiano das equipes técnicas considerando a direção social produzida até então.
O SUAS, atendendo o comando da Constituição Federal e da LOAS inaugura
um novo marco regulatório que expressa o esforço da construção do conteúdo
específico da assistência social na proteção social brasileira, desencadeando e
dando movimento a processos de democratização e de qualificação do acesso aos
direitos, com consequente ampliação da esfera pública do Estado.
O SUAS possibilitou, em seus primeiros anos de implementação, a
construção de referência estatal na regulação e na expansão unificada do acesso a
um direito com duas dimensões fundamentais: é específico no acesso à proteção
social não contributiva, ou seja, na transferência de renda necessária ao
enfrentamento da questão social, cuja base expressa desigualdade estrutural; é
intersetorial já que sua dimensão assistencial comparece nas demais políticas e nas
medidas necessárias à efetivação da proteção social, ocupando o lugar de uma
política estratégica na ampliação da agenda pública para os demais direitos.
Alguns avanços expressam uma progressiva adesão federativa, sob as bases
de uma nova cultura na área e efetivo comando nacional, aos processos indutores
essenciais, a exemplo do repasse continuado e regular fundo a fundo, da
democratização da informação, dos novos mecanismos de identificação de
necessidades no âmbito dos territórios e do reordenamento da relação entre o
público e o privado, além do referenciamento de serviços estatais nos Centros de
Referência de Assistência Social - CRAS e nos Centros de Referência
Especializados de Assistência Social - CREAS.
A Lei n. 12.435/11, que regulamenta o SUAS na LOAS, oferece as bases
legais que legitimam um processo induzido em nível central, no âmbito do governo
166
federal e nas instâncias políticas da assistência social, por justamente prever a
implementação da gestão do trabalho e da educação permanente como um dos
objetivos de gestão do SUAS, estabelecendo a perspectiva da unificação dos entes
federativos no sistema descentralizado e participativo, além de autorizar o
pagamento de servidores do quadro próprio com recursos federais.
Os ordenamentos institucionais e os direcionamentos políticos têm
impulsionado reordenamentos para a reconfiguração do trabalho desenvolvido na
gestão e no atendimento prestado à população, o que contribui no enfraquecimento
das marcas históricas de descontinuidade e frágil regulamentação democrática.
A base legal da política de assistência social e sua institucionalidade atribuem
centralidade às condições de acesso aos direitos, particularmente pela gestão do
trabalho. O reordenamento político-administrativo e a implantação de estruturas,
equipamentos e serviços, justificam a importância de um tratamento político e
regulatório à gestão das condições técnicas, políticas e institucionais em que são
realizados o trabalho, a gestão e o controle social.
A Norma Operacional de Recursos Humanos - NOB/RH/06 expressa um
avanço regulatório e político reestruturante da gestão do trabalho na área, por
disciplinar seus atributos essenciais e alguns parâmetros transformados em
requisitos relacionados ao financiamento federal e ao reconhecimento público da
adesão dos entes federativos ao SUAS, na aplicação relacionada com a Norma
Operacional Básica – NOB/SUAS/05.99
A NOB/RH/06 já estabelecia regras que qualificam a gestão e os serviços,
como a definição de coordenações de CRAS e de CREAS a serem ocupadas por
servidores com nível superior, do quadro próprio e com experiência em trabalhos
comunitários e gestão de serviços, programas, projetos e benefícios. No campo da
gestão foram definidas funções essenciais vinculadas à necessária composição de
um quadro de profissionais de referência para o desenvolvimento de atribuições de
gestão do sistema municipal, planejamento, gerenciamento, coordenação,
gerenciamento do Fundo Municipal de Assistência Social e do sistema de
99 A NOB/SUAS/13 acompanha a lógica dos pactos implantados na política de saúde, estabelecendo o Pacto de Aprimoramento da Gestão do SUAS como mecanismo indutor de expansão e qualificação de serviços socioassistenciais, além da implantação da chamada vigilância social, destinada à produção e monitoramento de indicadores sociais, e gestão do trabalho. Observa-se na nova NOB a requisição de novos conhecimentos e competências em gestão, sob a diretriz da participação popular.
167
informação, monitoramento e avaliação.
Gestão do trabalho no SUAS supõe, especialmente, a criação e a
manutenção de estruturas de referência técnica e institucional para a orientação e o
apoio permanentes; a regulamentação de aspectos relacionados ao trabalho na
assistência social, a serem pactuados e submetidos ao controle democrático da
sociedade civil organizada e atuante nas mesas de negociação e nos conselhos e
instâncias de pactuação; a formação de uma ampla rede de formação permanente,
com envolvimento das instituições educacionais de nível superior de referência na
área e organizações profissionais; a implantação e unificação de sistemas públicos
de informação e controle dos processos de capacitação e acompanhamento da
gestão do trabalho.
Nesse sentido, seguindo a diretriz da descentralização com participação e da
construção de pactos que expressem a cooperação e a disputa democrática no
âmbito das instâncias, a gestão do trabalho é dinamizada e fortalecida pela própria
organização dos trabalhadores nessas instâncias, particularmente nas mesas de
negociação, nos conselhos e nos fóruns autônomos, que cumprem o objetivo de
alargar a agenda política e conquistar regulações condizentes com compromissos
democráticos, as conquistas do trabalho e a ampliação dos direitos, na esfera
pública da assistência social.100
Na esfera pública da assistência social ganham visibilidade temas como
admissão por concurso público; remuneração condigna; redução de jornada de
trabalho; condições éticas e técnicas de trabalho; equipes de referência na gestão e
nos serviços; saúde do trabalhador; segurança no trabalho; adequação ou
construção de Planos de Cargos, Carreira e Salários – PCCS; reorganização da
formação profissional às necessidades da política pública; e a implementação de
uma Política Nacional de Capacitação, direcionada pelo princípio da educação
permanente. Tais temáticas enfrentam condicionantes da histórica “filantropização”,
da incidência visceral das políticas neoliberais, da reestruturação produtiva e seus
impactos no setor público, da responsabilidade fiscal na destinação do recurso
100 Os indicadores de avaliação do SUAS, e nestes, a relação entre condições físicas, serviços e equipes, devem ser ampliados em cada ente federado, observando-se o princípio do federalismo cooperativo e da autonomia federada, para justamente superar inadequações, como quantitativo de profissionais nos serviços, e qualificar aspectos peculiares a cada realidade, a exemplo da demanda por atendimento e territorialização de serviços, o que reforça a importância do controle unificado, porém localizado nas particularidades.
168
público, na capacidade de arrecadação dos municípios, sobretudo pelo acesso ao
fundo de participação. Revelam o limite regulatório da assistência social nela
mesma. Limite igualmente constatado na regulamentação das entidades
consideradas legalmente como filantrópicas.101
O cenário da gestão do trabalho na assistência social é, em parte, justificado
pela presença reduzida, pontual, da esfera pública estatal na sociedade, e pelo
pacto federativo estabelecido no Estado Democrático de Direitos. Entretanto, a
estruturação das condições em que o trabalho social é realizado, determina-se,
sobretudo, pelas próprias fragilidades do pacto federativo, revelando insuficiências
institucionais de toda ordem, somadas à cultura política local hegemonicamente
patrimonialista. No contexto de implementação do SUAS e nele da gestão do
trabalho, forjam-se disputas políticas alimentadas pelos acordos em torno dos
aspectos que dinamizam as divergências entre instâncias representativas e sujeitos
coletivos.102
A descentralização não é necessariamente complementar à participação, nem
aos efeitos concretos de democratização. Entretanto, no caso brasileiro a
descentralização assumirá o significado de "maior equidade na distribuição de bens
e serviços e a maior eficiência na operação do aparato estatal" (NOGUEIRA, 1997,
p. 8).
101 Os dados da Munic/IBGE (2010) retratam um aumento significativo de trabalhadores no SUAS, com acréscimo, entre 2005 e 2009, de 30,7%. Entretanto, o número de trabalhadores sem vínculo permanente cresceu 73,1%, ou seja, a maioria dos novos empregos manteve contratos de trabalho precários. Os dados demonstram um decréscimo de 12,8%, em 2005, para 8,5%, em 2009, de trabalhadores celetistas. Entretanto, os dados apontam que a metade dos trabalhadores do SUAS, ou seja 44,6%, o que amplia a lógica histórica da alta rotatividade, da baixa qualidade e precarização dos serviços. Os dados do Censo SUAS (2010), por sua vez, apresentam um panorama de persistente precarização de vínculos de trabalho, já que apenas 39% dos trabalhadores são estatutários, o que confronta com as diretrizes da gestão do trabalho na assistência social, especialmente na composição de um amplo e diversificado quadro de servidores permanentes, com estabilidade funcional, ascensão de carreira, remuneração compatível e segurança no trabalho, além de outras conquistas. Constitui um desafio avançar no quadro de pessoal diante dos limites orçamentários, da fragilidade do pacto federativo quanto à composição de recursos, além dos limites diante da Lei de Responsabilidades Fiscal.
102 As instâncias políticas representativa dos municípios e dos estados (Colegiado Nacional de Gestores e Municipais e Fórum Nacional de Gestores de Assistência Social), explicitam as divergências e convergências, no âmbito das Comissões Intergestores Bipartite e Comissão Intergestores Tripartite, em matérias que dinamizam o pacto federativo na assistência social. Observa-se uma tímida presença de sujeitos coletivos do campo da defesa dos direitos e dos trabalhadores, que no campo sindical tendem a restringir a agenda do trabalho às pautas corporativistas. Outras organizações de trabalhadores ampliam a agenda trazendo elementos para difundir e regular o significado do trabalho dos profissionais, notadamente os Conselhos de Serviço Social e de Psicologia.
169
O processo de implantação das políticas a partir da diretriz da
descentralização revela constrangimentos que podem ser sublinhados: processos de
ingovernabilidade, com insuficiências e traços clientelistas; uma burocracia local com
baixa qualificação; insuficiência na capacidade fiscal local em geração de receitas;
ambiguidade quanto às competências; perda da capacidade regulatória do governo
central; fragmentação institucional com proliferação de entes administrativos;
tendência ao clientelismo. Em resumo, significa: neocolonialismo; exclusão social; e
desorganização institucional. (MELO,1996).
Nesse sentido, a implantação da gestão do trabalho no SUAS não está imune
aos efeitos dos processos recentes de descentralização, caracterizada, em geral,
como mero deslocamento de responsabilidades, além das implicações do
capitalismo contemporâneo, diante da financeirização da economia, conformando
um contexto histórico com processos continuados de informalização e flexibilização
conjugando trabalhos terceirizados, subcontratados, temporários, domésticos, em
tempo parcial ou por projeto. As transformações no mundo do trabalho atingem
diretamente a classe trabalhadora, conduzindo mudanças materiais e subjetivas
(ANTUNES, 2009; RAICHELIS, 2010).
Observa-se uma intensificação no processo de regulação da gestão do
trabalho no contexto de implantação da NOB/RH/06; no reconhecimento de
profissões de nível superior por meio da Resolução n. 17 do Conselho Nacional de
Assistência Social;103 no debate político sobre o reconhecimento das profissões de
nível médio; na autorização de pagamento de pessoal do quadro próprio; a
103 O processo de definições das profissões na assistência social revelou a disputa positiva entre projetos profissionais. O reconhecimento de competências e atribuições das profissões regulamentadas consolidou a legitimidade social, especialmente do Serviço Social e da Psicologia, consideradas como indispensáveis para os serviços continuados, atrelados às condições de cofinanciamento federal. O Conselho Nacional de Assistência Social desencadeou o processo de reconhecimento das profissões de nível superior, por meio de encontros regionais e nacionais de trabalhadores, e estudos internos, culminando na Resolução nº 17, que ratifica a equipe de referência definida pela Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social – NOB-RH/SUAS e reconhece as categorias profissionais de nível superior para atender as especificidades dos serviços socioassistenciais e das funções essenciais de gestão do Sistema Único de Assistência Social – SUAS. Segundo a resolução compõem obrigatoriamente as equipes de referência: I - da Proteção Social Básica: Assistente Social; Psicólogo. II - da Proteção Social Especial de Média Complexidade: Assistente Social; Psicólogo; Advogado. III - da Proteção Social Especial de Alta Complexidade: Assistente Social; Psicólogo. As profissões que podem compor as equipes para atender as especificidades dos serviços socioassistenciais: Antropólogo; Economista Doméstico; Pedagogo; Sociólogo; Terapeuta ocupacional; e Musicoterapeuta. São consideradas as seguintes profissões para compor a gestão: Assistente Social; Psicólogo; Advogado; Administrador; Antropólogo; Contador; Economista; Economista Doméstico; Pedagogo; Sociólogo; e Terapeuta ocupacional.
170
elaboração de uma Política Nacional de Educação Permanente e de uma rede
nacional de Instituições de Nível superior; o repasse de recursos aos estados e
unificação de Planos Estaduais de Capacitação; a implantação de mesas de
negociação; a regulamentação de serviços; a regulação do vínculo entre as
entidades privadas e o SUAS; a regulamentação de padrões de qualidade em
relação aos serviços; a definição de competências e perfis, entre outros aspectos.
O processo de implantação da gestão do trabalho no SUAS, ativa uma ampla
e permanente agenda política e técnica, demandando a participação dos entes
federados, por meio de suas instâncias representativas, e organizações de
trabalhadores, que vocalizam prerrogativas, monopólios de saberes, alimentando
uma disputa explícita ou velada por direção social.
6.2.1 Requisições do SUAS e direção ético-política
A implantação dos atributos essenciais do SUAS tem posicionado
competências essenciais, fundamentais, específicas e compartilhadas, na lógica da
complementaridade do trabalho coletivo, depende da adesão e da participação ativa
dos trabalhadores, a partir dos projetos profissionais em disputa, com a consequente
valorização e acreditação de competências no processo de gestão.
A lógica induzida de organização de patamares formativos progressivos, da
formação inicial até o mestrado, na perspectiva da educação permanente, tende a
potencializar a produção de conhecimentos para o sistema na perspectiva do seu
aprimoramento, tendo em vista a nova fase de implantação do SUAS, que já anuncia
uma nova lógica: pactuação de prioridades e metas nacionais, planejamento e
cobertura progressiva. 104
Algumas diretrizes na gestão do trabalho orientam a organização da gestão e
a prestação de serviços, dimensionando novas requisições, que partem de algumas
definições já estabelecidas, como a composição de equipes de referência com
servidores efetivos, responsáveis pela organização e oferta de serviços, programas,
projetos e benefícios de proteção social básica e especial, considerando o número
104 Os patamares formativos estão definidos na Política de Educação Permanente aprovada no dia 13 de março de 2013.
171
de famílias e indivíduos referenciados, tipo de atendimento e aquisições a serem
geradas no trabalho social; a organização das equipes de referência seguindo
padrão mínimo definido por proteção e equipamentos, considerando o porte do
município e a complexidade do serviço; a coordenação dos serviços por servidor do
quadro próprio e com perfil qualificado; o desenvolvimento de atividades nos
equipamentos CRAS e CREAS por profissionais de nível superior, assistentes
sociais, psicólogos, pedagogos, advogados, antropólogos e outros trabalhadores,
observando-se as requisições e especificidades dos serviços por nível de
complexidade e número potencial de usuários.
As novas requisições no campo da assistência social, correspondentes aos
atributos de gestão e de prestação de serviços, conformam um campo de saberes e
práticas diversos, que dimensionam um conjunto de conhecimentos, competências e
perfis para o desenvolvimento das funções de gestão e atendimento.
Tais requisições estão relacionadas como os componentes que estruturam a
própria política, com destaque para: identificação e análise das vulnerabilidades
sociais e as situações de risco, e das respostas socioinstitucionais, com realização
de diagnóstico territorial e pesquisas sociais; elaboração da política e gestão da
política de assistência social em cada esfera de governo, com desenvolvimento de
processos que revertam indicadores; gestão financeira e gerenciamento do Fundo
de Assistência Social, com elaboração de instrumentos orçamentários e financeiros
na lógica unificada; organização e reordenamento de redes socioassistenciais e seu
referenciamento territorial; mapeamento, qualificação, monitoramento e avaliação de
serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais, tanto estatais como
das entidades; elaboração de instrumentos de gestão da assistência social, como
planos, relatórios, pactos e protocolos; vigilância socioassistencial, gestão da
informação, monitoramento e avaliação; apoio às instâncias de pactuação e controle
social; gestão do trabalho, abrangendo quadro próprio e a rede privada; regulação
da rede socioassistencial e os processos de acompanhamento e reordenamentos;
apoio e orientação técnica aos estados, municípios e entidades; supervisão técnica
no atendimento prestado à população; coordenação das proteções, dos
equipamentos e de redes locais, para garantia e ampliação de direitos, com direção
intersetorial e interdisciplinar; trabalho socioeducativo voltado ao desenvolvimento de
capacidades/potencialidades, de consciência crítica, de recomposição de direitos, de
172
construção de projetos de vida, com protagonismo, participação e desenvolvimento
da autonomia dos sujeitos de direitos.
O processo de acelerada expansão de serviços socioassistenciais tem
alimentado o debate sobre o significado da assistência social na seguridade social e
no próprio SUAS.105 Os posicionamentos críticos do Serviço Social respondem à
concepção “neofuncionalista” orientadora da Política Nacional de Assistência Social,
por trazer elementos que reforçam concepções conservadoras, amplamente
criticadas, especialmente pela negação das determinações de classe na análise da
sociedade e das demandas por direitos; pela centralidade na família, recuperando
práticas tradicionais de controle da vida privada; pela lógica das ações comunitárias
basilares do desenvolvimento do todo, na cultura integradora do social; pela
prevalência do assistencial em detrimentos de outros direitos de proteção,
reforçando o chamado “mito da assistência social” (MOTA, 2008).
O documento intitulado “Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais e
Psicólogos(as) na Política de Assistência Social” se constituiu numa iniciativa por
parte dos Conselhos, base para demais políticas e espaços ocupacionais, visando
“abordar alguns parâmetros ético-políticos e profissionais com a perspectiva de
referenciar a atuação de assistentes sociais e psicólogos” (CFESS/CFP, 2007, p. 8),
com efeito de difusão dos debates acumulados entre os Conselhos, tendo por base
as respectivas legislações.
O documento parte do entendimento de que a “definição de estratégias e
procedimentos no exercício profissional deve ser prerrogativa dos(as) profissionais.
Desse modo deve-se evitar a padronização de rotinas e procedimentos pelo órgão
gestor” (Idem, p. 9). Problematiza-se, ainda, a intervenção profissional que tem como
“horizonte somente a execução de atividades arroladas nos documentos
institucionais, sob o risco de limitar suas atividades à ‘gestão da pobreza’ sob a ótica
da individualização das situações sociais e de abordar a questão social a partir de
um viés moralizante”. As preocupações partem do entendimento de que as
necessidades sociais não se constituem “problemas e responsabilidades individuais
105 Entre 2004 e 2010 houve uma expansão de serviços de 700 para 7 mil de Centros de Referência de Assistência Social, o que não significou aumento expressivo de investimento público já que os recursos do Fundo Nacional de Assistência Social custeiam em aproximadamente 90% o Benefício de Prestação Continuada, ainda que o orçamento tenha progredido substancialmente.
173
e grupais”, pois tais situações estão relacionadas com a “desigualdade de classe”
(Idem, p. 11).
Outros elementos destacam-se nos argumentos de crítica à política e
orientação do exercício profissional: o acesso à proteção básica não se restringe aos
CRAS; as situações de “exclusão” e de “desigualdade” devem ser enfrentadas pelo
conjunto de políticas públicas; a assistência social não possui a tarefa de realizar
exclusivamente a proteção social; é preciso delimitar os direitos socioassistenciais
considerando a vinculação com o repasse de recursos.
Após a demarcação de que “serviço social não é e não pode ser confundido
com assistência social” (Idem, p. 15), que a Seguridade Social inclui os direitos
previstos no artigo 6º, é abordada a contribuição do conjunto CFESS/CRESS na
defesa da assistência social. No caso da psicologia ressalta-se o “compromisso
social” dos psicólogos(as) com a participação e sua inserção crescente nas políticas
públicas. Além dos desafios no reconhecimento dos sofrimentos “instalados nas
comunidades”, outros comparecem como decodificação dos níveis de complexidade,
sobressai o trabalho em rede, a desnaturalização das violações, e a recusa à
“patologização” e “objetificação” da classe trabalhadora (Idem, p. 22-23).106
Com a perspectiva da ênfase no trabalho interdisciplinar e nas prerrogativas
legais do Serviço Social e da Psicologia, são apresentadas as competências e
atribuições profissionais. No caso do Serviço Social, evidenciam-se os direitos e
deveres previstos no Código de Ética (artigos 2º e 3º), sublinhando-se a
necessidade de um perfil profissional que se afaste de “abordagens tradicionais,
funcionalistas e pragmáticas, que reforçam as práticas conservadoras que tratam as
situações sociais como problemas pessoais que devem ser resolvidos
individualmente” (Ibidem, p. 25).
As competências gerais são reproduzidas das Diretrizes Curriculares,
reforçando a ênfase na formação para o credencialismo profissional na área:
apreensão crí t ica dos processos soc iais de produção e reprodução das re lações soc ia is numa perspect iva de
106 O conjunto CFESS/CRESS publicou em dezembro de 2005 nota esclarecendo a distinção entre Serviço Social e Assistência Social num contexto de expansão do SUAS. Permanece o desafio constante de construir uma especificidade quando a própria nomenclatura não favorece e mesmo as explicações: “Serviço Social, portanto, não é assistência social, embora a abarque” http://www.cfess.org.br/pdf/ssprofissao_aspolpublica2005.pdf .
174
to ta l idade; anál ise do movimento h istór ico da soc iedade bras i le ira, apreendendo as par t icu lar idades do desenvolv imento do Capi ta l ismo no País e as part icu lar idades regionais ; compreensão do s ignif icado soc ial da prof issão e de seu desenvolv imento sóc io -h is tór ico, nos cenár ios internac ional e nac ional , desvelando as poss ib i l idades d e ação cont idas na real idade; i dent i f icação das demandas presentes na sociedade, v isando a fo rmular respostas prof iss ionais para o enfrentamento da questão soc ial , cons iderando as novas ar t iculaç ões entre o públ ico e o pr ivado (CFESS, 2009,p.17-18).
Partindo das “competências gerais” previstas nas diretrizes curriculares, são
particularizadas dimensões interventivas: a) abordagens individuais, familiares ou
grupais; b) coletiva junto aos movimentos sociais; c) voltada à inserção em espaços
democráticos e de controle social; d) gerenciamento, planejamento e execução
direta de bens e serviços a indivíduos, famílias, grupos e coletividade; e) realização
sistemática de estudos e pesquisas; f) pedagógico-interpretativa e socializadora de
informações, saberes no campo dos direitos.
Em tais dimensões comparecem intencionalidades balizadas pelos princípios
ético-políticos: orientação social com vistas à ampliação do acesso aos direitos;
reconhecimento da classe social como sujeito coletivo, na luta “pela ampliação dos
direitos e responsabilização estatal”, e intervenção voltada à socialização da
informação, mobilização e organização popular; estratégias que fomentem a
participação dos usuários e trabalhadores; fortalecimento da gestão democrática e
participativa; revelação das condições de vida da classe trabalhadora; fortalecimento
dos direitos e da participação.
Importante apontar um contrassenso na base da crítica formulada, ou
aspectos que merecem aprofundamentos: a assistência social não garante proteção
social exclusivamente, mas o atendimento individual, familiar ou grupal deve ser “na
perspectiva de atendimento das necessidades básicas e acesso aos direitos”
(CFESS/CFP, 2007, p. 27); é preciso definir direitos socioassistenciais, considerando
o financiamento público vinculado.
Evidente que assistência social não responde exclusivamente às demandas
de proteção social, mas sua codificação como política de proteção reforça seu status
conquistado de política de Seguridade Social. Alguns aspectos carecem de
consenso nos direcionamentos produzidos: a assistência social deve ter um
175
conteúdo específico ou ela é apenas processante para as demais políticas? Uma
política pública não deve definir competências e atribuições, sua natureza
institucional permite maior incidência de concepções diversas, entretanto, os
coletivos, notadamente o do Serviço Social, evocam reformulações que afastem
categoriais conservadoras, quando o próprio documento que orienta assistentes
sociais revela “desvios” que podem ser interpretados como incoerências, a exemplo
da exclusão social e situações sociais, categorias amplamente utilizadas por
referentes neopositivistas.
Entre as diversas “competências, estratégias e procedimentos específicos,
são destacados alguns que vão desde a realização de pesquisas para identificação
de demanda, até a supervisão direta em serviço social, por procurar corresponder às
competências e atribuições profissionais, muito embora, ao exemplificar corre-se o
risco da simplificação da competência “realizar estudo e estabelecer cadastro
atualizado de entidades e rede de atendimentos públicos e privados” CFESS/CFP,
2007, p. 30).
A edição dos documentos em versões revisadas e específicas produzidas
pelos respectivos Conselhos demonstra, principalmente, a necessidade de
corresponder às peculiaridades de cada profissão e mesmo direcionamentos
específicos em consonância com os projetos profissionais. Assim, a versão
atualizada e ampliada dos “Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na
Política de Assistência Social”, produzida em 2010, inaugurando a série “Trabalho e
Projeto Profissional nas Políticas Sociais”.
O documento em sua versão atualizada apresenta competências gerais,
relativas às diretrizes, e “específicas”. Importante problematizar o específico, já que
o mesmo pode se confundir com atribuições definidas na Lei 8.662/93. Uma questão
que emerge na problematização é o alcance da definição do que seja específico, já
que entre as competências destacadas no documento apenas supervisão de
estagiários em Serviço Social é privativo. Abre-se, portanto, o debate do modelo de
competências nos documentos produzidos, na contradição entre monopolização do
saber profissional e produção de direcionamentos ético-políticos para o exercício
profissional, num trabalho que possui natureza coletiva.
A partir das competências gerais da profissão são consideradas
competências, estratégias e procedimentos específicos,
176
Real izar pesquisas para ident i f icação das demandas e reconhecimento das s ituações de v ida da população que subs id iem a formulação dos planos de Assistênc ia Soc ial ; Formular e executar os programas, projetos, bene f íc ios e serviços própr ios da Ass istência Soc ia l , em órgãos da Administração Públ ica, empresas e organizações da soc iedade c iv i l ; Elaborar , executar e aval iar os p lanos munic ipais , estaduais e nac ional de Assistênc ia Socia l, buscando inter locução com as di versas áreas e pol í t icas públ icas, com especial destaque para as polí t icas de Segur idade Soc ia l; Formular e defender a const i tuição de orçamento públ ico necessár io à implementação do p lano de Ass istência Soc ia l; Favorecer a part ic ipação dos(as) usuár ios(as) e movimentos soc ia is no processo de e laboração e aval iação do orçamento públ ico; Planejar , organizar e administrar o acompanhamento dos recursos orçamentár ios nos benef íc ios e serviços sóc io-ass is tenc ia is nos Centro de Referênc ia em Ass istênc ia Soc ia l (CRAS) e Centro de Referênc ia Especia l izado de Ass istênc ia Soc ia l (CREAS); Real izar es tudos s istemáticos com a equipe dos CRAS e CREAS, na perspect iva de anál ise conjunta da real idade e p lanejamento colet ivo das ações, o que supõe assegurar espaços de reunião e ref lexão no âmbito das equipes mult iprof iss ionais ; Contr ibuir para v iabi l izar a par t ic ipação dos(as) usuár ios(as) no processo de e laboração e aval iação do p lano de Ass is tênc ia Soc ia l; prestar assessor ia e consultor ia a órgãos da Administração Públ ica, empresas pr ivadas e movimentos soc ia is em matér ia re lac ionada à pol í t ica de Assis tênc ia Soc ia l e acesso aos d ire itos c iv is, pol í t icos e socia is da colet iv idade; Est imular a organização colet iva e or ientar(as) os usuár ios(as) e trabalhadores(as) da pol í t ica de Ass is tênc ia Soc ial a const i tu ir ent idades representat ivas; Inst i tu ir espaços colet ivos de soc ia l ização de informação sobre os d ire itos sóc io -ass istenc ia is e sobre o dever do Estado de garant ir sua implementação; Assessorar os movimentos soc ia is na pers pect iva de ident i f icação de demandas, for ta lec imento do colet ivo, formulação de estratégias para defesa e acesso aos d ire i tos ; Realizar v is i tas, períc ias técnicas, laudos, informações e pareceres sobre acesso e implementação da polí t ica de Ass istênc ia Socia l ; Realizar es tudos sóc io -econômicos para ident i f icação de demandas e necess idades socia is; Organizar os procedimentos e real izar atendimentos indiv iduais e/ou colet ivos nos CRAS; Exercer funções de direção e/ou coordenação nos CRAS, CREAS e Secretar ias de Ass istência Socia l; Forta lecer a execução d ireta dos serviços sóc io -ass istenc ia is pelas prefe ituras, governo do DF e governos estaduais, em suas áreas de abrangênc ia; Real izar es tudo e estabelecer cadastro atual izado de ent idades e rede de atendimentos públ icos e pr ivados; Prestar assessor ia e supervisão às ent idades não governamentais que const i tuem a rede sócio-ass istencia l; Part ic ipar nos Conselhos munic ipais, estaduais e nac ional de Assis tênc ia Soc ia l na condição de conselheiro(a); Atuar nos Conselhos de Ass istênc ia Soc ial na condição de secretár io(a) execut ivo(a); Prestar assessor ia aos conselhos, na perspect iva de forta lec imento do contro le democrát ico e ampl iação da par t ic ipação de usuár ios(as) e trabalhadores(as); Organizar e coordenar seminár io s e
177
eventos para debater e formular estratégias colet ivas para mater ia l ização da pol í t ica de Ass istênc ia Social ; Par t ic ipar na organização, coordenação e real ização de conferênc ias munic ipais , estaduais e nacional de Ass is tência Socia l e af ins ; Elaborar projetos colet ivos e individuais de forta lec imento do protagonismo dos(as) usuár ios(as) ; Ac ionar os s is temas de garant ia de d ire itos , com vis tas a mediar seu acesso pelos(as) usuár ios(as); Supervis ionar d ireta e s is tematicamente os(as) estagiár ios(as) de Serviço Socia l (CFESS, 2009, p.19-22) .
O trabalho interdisciplinar também é abordado neste documento sobre o
Serviço Social no SUAS, com a preocupação de garantir atribuições e sigilo
profissional, numa perspectiva ética, alertando-se sobre a necessidade de discernir
sobre informações, atribuições e tarefas que estejam no campo de atuação de cada
profissão. No trabalho conjunto com outros/as profissionais, deve-se preservar o
caráter confidencial das informações sob a guarda dos/as assistentes sociais,
registrando-se nos documentos conjuntos aquilo que for necessário para o
cumprimento dos objetivos do trabalho (CFESS, 2009, p.25). Por fim, afirma-se que
“o trabalho em equipe não pode negligenciar as responsabilidades individuais e
competências, e deve buscar identificar papéis, atribuições, de modo a estabelecer
objetivamente quem, dentro da equipe multidisciplinar, encarrega-se de
determinadas tarefas” (idem, p.27-28).
Os parâmetros basearam-se na síntese de competências tendo por base a
Lei 8.662/03, sem estudo empírico ou aplicação de metodologias como grupo focal.
Sua finalidade de orientar o significado do trabalho fica prejudicada quando procura
“ajustar” as competências e atribuições à particularidade da assistência social.107
Assim como existe o risco dos profissionais reduzirem suas atividades às
prescrições normativas, forjando práticas aprisionadas nas definições consensuadas
no SUAS, os parâmetros podem, igualmente, “aprisionar” os profissionais e reduzir
as possibilidades de criatividade e ampliação das ações.
107 O Conselho Federal de Psicologia adota como estratégia para a produção de referências técnicas a pesquisa participativa, com mapeamento das atividades nas áreas abordadas. Os conselhos regionais mobilizam profissionais da área em estudo e consolidam contribuições e são nacionalmente sistematizadas.
178
6.3 SERVIÇO SOCIAL E SAÚDE
A estruturação da política de saúde no Brasil possui relação direta com o
processo de organização estatal, no enfrentamento da questão social, num contexto
de conquista parcial dos direitos sociais pela classe trabalhadora. Como toda política
social, é engendrada na relação entre desoneração do trabalho e regulação do
Estado, configurado pelo tensionamento entre as classes.108
A política de saúde no Brasil possui as marcas da filantropização estatal, da
contributividade, do interesse privado e da ação residual, caudatárias de
intervenções que respondem à requisição histórica pelo controle dos trabalhadores e
suas famílias, tendo em vista o agravamento das condições de vida da população e
o necessário desenvolvimento capitalista.
O Serviço Social atuou historicamente na gestão higienecista da vida da
população, com controle educativo de hábitos de higiene e saúde, considerando os
padrões ideais de comportamento, direcionados pela racionalidade
desenvolvimentista. Outra prática que configura a origem da política e da profissão é
a aplicação da seletividade em triagens e plantões, diante da desproporção entre
rede instalada e demanda da população.
Ainda no período de maior incidência do desenvolvimentismo, o Serviço
Social atendeu à requisição social e institucional de atuação ocupacional em
hospitais e ambulatórios, com centralidade em ações mais curativas.
Matem-se historicamente a ação mimética de ajustamento do indivíduo
governado para engajar-se nos tratamentos e atendimentos processados no
cotidiano e no âmbito da saúde, com forte tendência à programação institucional, à
gestão das dificuldades no processo de tratamento, no acesso aos serviços de
saúde e demais serviços sociais.
As práticas predominantemente funcionalistas, estrutural-funcionalistas e
sistêmicas (as duas últimas no contexto da renovação profissional), acomodam-se
108 “No Brasil, a intervenção estatal só vai ocorrer no Século XX, mais efetivamente na década de 30. No século XVIII, a assistência médica era pautada na filantropia e na prática liberal. No século XIX, em decorrência das transformações econômicas e políticas, algumas iniciativas surgiram no campo da saúde pública, como a vigilância do exercício profissional e a realização de campanhas limitadas. Nos últimos anos do século, a questão saúde já aparece como reivindicação no nascente movimento operário. No início do século XX, surgem algumas iniciativas de organização do setor saúde, que serão aprofundadas a partir de 30” (BRAVO, MOTA et all (Org), 2006, p. 89).
179
nas instituições consideradas totais, no mix de serviços de assistência social e
saúde, trabalho, e, com maior evidência nos hospitais. Esses últimos absorvem os
efeitos do processo de crescimento urbano desordenado e do aprofundamento da
questão social sob a inspiração fordista.
A rotina hospitalar mostra-se fragilmente permeada por práticas inovadoras e
mesmo em sintonia com o projeto ético-político, considerando a realidade cotidiana
marcada pela rotatividade, “alta social”, “localização” da família, entre outras rotinas
engendradas na dinâmica que acentua o imediato da intervenção profissional.
Outras práticas pouco sistematizadas, como a intervenção profissional na captação
de órgãos, revelam requisições de um trabalho reconhecido pelas habilidades na
abordagem familiar e do paciente, acolhedora e protetora, nos acessos aos demais
serviços. Paradoxalmente, explicita funções atribuídas, a exemplo da notícia de
óbito, pelo grau de complexidade no trato das relações ou descompromisso
subsumido no aligeiramento do atendimento.
As práticas hospitalares são marcadas, ainda, pelo modelo tradicional de
atenção, além da reprodução histórica do higienicismo e da institucionalização na
saúde mental, práticas atualizadas em realidades institucionais como comunidades
terapêuticas, que embora não sejam reconhecidas como entidades de saúde, atuam
na perspectiva da abstinência e institucionalização de novo tipo.109
A dinâmica e o ambiente hospitalar reproduzem práticas fragmentadas que
conformam a lógica fordista de ser, com atuação em massa e em série, parecendo
impossível de ser revertida. Assiste-se uma atuação, em geral, pautada pela
setorização e fragmentação. O profissional dialoga por especialidade que atende
uma parte do indivíduo-paciente. O hospital-fábrica, além de setorizado, massificado,
fragmentado, está acima das demais estruturas ligadas à saúde, e de certo modo
fetichizado, pouco alcançável para muitos e alienador.
A cultura hospitalocêntrica se reproduz nas práticas que concebem o hospital
como um ente acima das demais instituições, configurado por poderes divididos,
109 As comunidades terapêuticas no campo das políticas públicas ficam no limbo, entre a assistência social e saúde, por não se constituírem como entidades para atendimento em nenhuma das políticas. No campo da saúde as comunidades terapêuticas atuam com abstinência quando a saúde mental preconiza a redução de danos. No caso da assistência social são rearranjadas como acolhimento, embora não desenvolvam serviço socioassistencial tipificado. A disseminação do uso abusivo de álcool e outras drogas tem provocado a ampliação do debate acerca do papel dessas entidades, quando o apelo pela institucionalização ganha proporções importantes.
180
hierarquizados também por quantum de poder. O paramédico não está superado,
reproduzindo uma realidade de subserviência técnico-política, que só é minimizada
quando o assistente social revela suas habilidades de solucionar, com rapidez, os
problemas imediatos (vagas, identificação de família, encaminhamento para o
sistema de garantia de direitos, acolhimento pós-alta, exames e outros
procedimentos sem coberturas, etc).
O fato de o hospital ter o sentido social de cuidado, não significa que as
práticas conjugam competência técnico-científica com humanização. As estratégias
de humanização estão distantes das práticas e são desconhecidas para muitos
profissionais de saúde. Assim como, e especialmente, a concepção da saúde
coletiva, e processo histórico da construção do direito à saúde. Quando assistentes
sociais explicitam tais entendimentos e concepções, fica subsumido na tecnificação
predominante na saúde, que sob o espírito fordista gera práticas fragmentadas,
repetitivas, corporativistas, hierarquizadas.110
Percebe-se que a utilidade social da profissão reforça uma representação
simbólica centrada na solução imediata de problemas de uma população
estigmatizada, criminalizada sociamente, com frágil ou nulo acesso aos bens,
serviços sociais, informação e condições de exercício de sua cidadania formal,
demandando dos profissionais encaminhamentos diversos. Trata-se de um contexto
institucional de carecimentos múltiplos aprofundados pela condição de saúde,
forjada nos processos de desigualdade e insuficiente resposta em matéria de
direitos.
A fragmentação das demandas por saúde são organizadas pelos profissionais
que tendem ao focalismo, obscurecendo as determinações sociais, políticas
econômicas e culturais, recorrendo a referentes distantes das abordagens
totalizantes da questão social incidente nos espaços de atuação.
A atuação profissional no campo da saúde pública possui sua gênese no
desenvolvimento de comunidade, de natureza funcionalista, cujos objetivos
gravitavam entre o corretivo e o educativo, configurando práticas de planejamento e
110 A proposta de humanização do atendimento ficou restrita a alguns procedimentos, quando na sua origem significava postura ética no atendimento, para superar a lógica “fordista”, tecnicita. HumanizaSUS: Política Nacional de Humanização: a humanização como eixo norteador das práticas de atenção e gestão em todas as instâncias do SUS / Ministério da Saúde, Secretaria-Executiva, Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. – Brasília: Ministério da Saúde, 2004.
181
orientação familiar e higiene, num contexto de acentuação da miséria e de outros
carecimentos, com adoção de procedimentos que mantinham posturas de
patologização das situações e dos indivíduos, com focalização, contemplando a
tendência à fragmentação das políticas e serviços sociais.
É no campo da saúde que as intervenções terapêuticas disputam espaço em
busca de uma nova difusão teórico-metodológica, especialmente pela via da saúde
mental, a exemplo do chamado Serviço Social clínico, considerado como expressão
conservadora na contemporaneidade (IAMAMOTO, 2012).111
Saúde do trabalhador na área organizacional tem requisitado ações de
proteção e acesso aos direitos, configurando demandas que justificam a inserção
profissional, no apoio aos chamados colaboradores, especialmente no processo de
recuperação do uso abusivo de álcool e outras drogas.
No campo das novas e renovadas requisições, a atuação em clínicas de
hemodiálise, unidades de saúde, estratégia da saúde da família e Núcleos de Apoio
à Saúde da Família, tem se reproduzido, forjando competências concentradas no
acesso aos benefícios e serviços sociais, articulação de redes de garantia de
direitos, entre outras. No entanto, pela natureza das atividades há uma tendência,
especialmente na saúde complementar, de um exercício profissional voltado à
solução cotidiana de problemas, agudizando contradições inerentes à
mercantilização e restrições de direitos.
O movimento de reconceituação e a emergência do projeto ético-político
contribuíram na redefinição do perfil profissional, especialmente pela incorporação
de “competências” novas, como assessoria e orientação social em matéria de
direitos sociais, e difusão do debate e da produção profissional sobre os
determinantes sócio-históricos na saúde, como expressão da questão social.
A instituição da saúde como direito reclamável, positivo, constitucionalizado,
expressa um dos maiores avanços na reforma democrática brasileira, num contexto
de afirmação e difusão da cultura dos direitos, da responsabilização do Estado pela
garantia dos direitos, sob a diretiva da descentralização com participação da
111 A Resolução nº 218/97 do Conselho Nacional de Saúde, regulamentou as 13 profissões de saúde: Assistentes Sociais; Biólogos; profissionais de Educação Física; Enfermeiros; Farmacêuticos; Fisoterapeutas; Fonoaudiologos; Médicos; Médicos Veterinários; Nutricionistas; Odontólogos; Psicólogos; e Terapeutas Ocupacionais.
182
sociedade civil organizada, sobretudo nos novos mecanismos de controle
democrático, como os conselhos e conferências.
No bojo da reforma sanitária a saúde será regulamentada como um direito
balizado pelo princípio da universalidade e por supostos que ampliam o
reconhecimento de determinantes sociais, econômicos, políticos e culturais,
adotando-se um novo modelo assistencial pautado na integralidade e equidade das
ações; na democratização das informações; controle democrático; na
interdisciplinaridade nas ações.
O novo pacto federativo na saúde é construído pela definição de um Sistema
Único de Saúde, para o compartilhamento de responsabilidades na prestação de
serviços e na definição do financiamento público, sob a primazia do Estado.
Entretanto, o processo de precarização e o privatismo impactaram no projeto político
de consolidação do direito à saúde no Brasil.
O projeto de construção de uma rede universal será minado pela
implementação de programas focais: Programa de Agentes Comunitários de Saúde
(PACS) e Programa de Saúde da Família (PSF), com estímulo ao seguro e
focalização do SUS nos mais pobres, apesar dos avanços no acesso de camadas da
população, o sistema de imunização e de vigilância epidemiológica e sanitária; os
progressos na alta complexidade, como os transplantes, entre outros (CFESS,
2010).
O que se evidencia é o avanço do projeto voltado para o mercado,
hegemonizado na década de 1990, em detrimento do projeto de Reforma Sanitária
da década de 1970, com efeitos seletistas, privatistas e de desfinanciamento,
aspectos que restringem o acesso aos direitos e configuram o cotidiano profissional.
O projeto ético-político balizou a politização sobre a questão social e sua
relação com a política de saúde, em detrimento da concepção biopsicossocial. Para
além do reconhecimento das contribuições possíveis, em sintonia com o acúmulo
teórico-político, sobressai a análise dos elementos que particularizam a intervenção
profissional na saúde e seu alcance, dadas as novas configurações ocupacionais.
183
6.3.1 Direcionamentos ético-políticos na saúde
O documento Parâmetros para a “Atuação de Assistentes Sociais na Saúde”,
publicado em 2010, tem por objetivo “referenciar a intervenção dos/as profissionais
de Serviço Social na área da saúde, buscando responder a um pleito da categoria
com orientações gerais sobre as respostas profissionais a serem dadas pelos
assistentes sociais às demandas identificadas no cotidiano do trabalho no setor
saúde e àquelas que ora são requisitadas pelos usuários dos serviços, ora pelos
empregadores desses profissionais no setor saúde” (CFESS, 2010, p. 11-12).112
O documento procura “expressar a totalidade das ações que são
desenvolvidas pelos assistentes sociais na saúde, considerando a particularidade
das ações desenvolvidas nos programas de saúde, bem como na atenção básica,
média e alta complexidade em saúde” (Idem, p.12).
Os Parâmetros consideram que os assistentes sociais na saúde atuam em
quatro grandes eixos: “atendimento direto aos usuários; mobilização, participação e
controle social; investigação, planejamento e gestão; assessoria, qualificação e
formação profissional”, sendo que para cada um desses eixos são identificadas as
principais ações desenvolvidas pelo assistente social, numa concepção de totalidade
(CFESS, 2010, p.39).
Destaca-se que para o eixo atendimento direto aos usuários, são definidas:
ações socioassistenciais; ações de articulação com a equipe de saúde; ações
socioeducativas. Neste mesmo eixo, o texto registra que na área da saúde há
requisições históricas colocadas aos assistentes sociais que não são consideradas
atribuições profissionais. Observa-se uma tendência de requisições burocráticas
/gerenciais, de apoio. 113
112 Essas formulações derivaram de um amplo processo de debates, em nível nacional, sintonizadas com deliberações dos encontros nacionais CFESS-CRESS de 2008 e 2009, culminando com a realização do Seminário Nacional Serviço Social na Saúde, em 2009.
113 “Marcação de consultas e exames, bem como solicitação de autorização para tais procedimentos aos setores competentes; solicitação e regulação de ambulância para remoção e alta; identificação de vagas em outras unidades nas situações de necessidade de transferência hospitalar; pesagem e medição de crianças e gestantes; convocação do responsável para informar sobre alta e óbito; comunicação de óbitos; emissão de declaração de comparecimento na unidade quando o atendimento for realizado por quaisquer outros profissionais que não o Assistente Social; montagem de processo e preenchimento de formulários para viabilização de Tratamento Fora de Domicílio (TFD), medicação de alto custo e fornecimento de equipamentos
184
O documento argumenta que atividades eminentemente técnico-
administrativas, assim como aquelas que demandam uma formação técnica
específica (de outras profissões da saúde), não contemplada na formação
profissional, não constituem atribuição do assistente social (idem, p.45). Fica
evidenciada, assim, a perspectiva de “auto-proteção” profissional, num campo em
que o Serviço Social não possui legitimidade imediata. Sua legitimidade política é
técnica, referenciada pelo projeto ético-político, é reconhecida entre aqueles que
compactuam dos mesmos princípios ou participam de espaços políticos em que são
vocalizadas defesas inerentes ao projeto de reforma sanitária.
Os direcionamentos éticos e técnicos para a atuação em saúde preconizam a
sintonia com o movimento dos trabalhadores e de usuários; o conhecimento das
condições de vida e trabalho dos usuários, de determinantes sociais que interferem
no processo saúde-doença; o acesso do usuário aos serviços de saúde da
instituição e da rede de serviços e direitos sociais, facilitado pela intervenção
profissional “compromissada e criativa”, de modo a “não se submeter à
operacionalização de seu trabalho aos rearranjos propostos pelos governos que
descaracterizam a proposta original do SUS de direito”; a necessária atuação
interdisciplinar; o estimulo à intersetorialidade; a tentativa de construção de espaços
nas unidades que garantam a participação popular e dos trabalhadores de saúde; a
elaboração e participação de projetos de educação permanente, procurando
assessorar o trabalho desenvolvido, bem como realizar investigações sobre
temáticas relacionadas à saúde; a efetivação de assessoria aos movimentos sociais
e/ou aos conselhos, “a fim de potencializar a participação dos sujeitos sociais
contribuindo no processo de democratização das políticas sociais”. (Ibidem, p.28)
Assim como na assistência social, as competências gerais definidas pela
ABEPSS são reproduzidas integralmente. “São essas competências que permitem
ao profissional realizar a análise crítica da realidade, para, a partir daí, estruturar seu
trabalho e estabelecer as competências e atribuições específicas necessárias ao
enfrentamento das situações e demandas sociais que se apresentam em seu
cotidiano” (CFESS, 2010, p. 33).
(órteses, próteses e meios auxiliares de locomoção), bem como a dispensação destes” (CFESS, 2010, p.45-46).
185
Em cada eixo de intervenção profissional são definidas ações. Nas ações
socioassistenciais destacam-se aquelas a “serem desenvolvidas”:
democratizar as informações por meio de or ientações ( indiv iduais e colet ivas) e /ou encaminhamentos quanto aos d ire i tos soc ia is da população usuár ia; construir o perfi l socioeconômico dos usuár ios , evidenc iando as condições determinantes e condic ionantes de saúde, com vistas a poss ib i l i tar a formulação de estratégias de intervenção por meio da anál ise da s ituação soc ioeconômica (habi tac ional , t rabalh is ta e previdenc iár ia) e famil iar dos usuár ios , bem como subs id iar a prát ica dos demais prof iss ionais de saúde; enfat izar os determinantes soc ia is da saúde dos usuár ios, famil iares e acompanhantes por meio das abordagens individual e/ou grupal ; facil itar e possibil i tar o acesso dos usuários aos serviços , bem como a garant ia de d ire itos na esfera da segur idade socia l por meio da cr iação de mecanismos e rot inas de ação; conhecer a realidade do usuário por meio da realização de visi tas domicil iares , quando aval iada a necess idade pelo prof iss ional do Serviço Socia l, procurando não invadir a pr ivac idade dos mesmos e esc larecendo os seus objet ivos prof iss ionais ; conhecer e mobilizar a rede de serviços , tendo por objet ivo v iabi l izar os d ire i tos soc ia is por meio de v is i tas ins t i tuc ionais, quando aval iada a necess idade pelo Serviço S oc ia l; fortalecer os vínculos familiares , na perspect iva de incent ivar o usuár io e sua famíl ia a se tornarem suje itos do processo de promoção, proteção, prevenção, recuperação e reabi l i tação da saúde; organizar , normat izar e s istemat izar o cot idiano do t ra balho prof iss ional por meio da criação e implementação de protocolos e rotinas de ação ; formular estratégias de intervenção prof iss ional e subs idiar a equipe de saúde quanto as informações soc ia is dos usuár ios por meio do registro no prontuár io único, resguardadas as informações s igi losas que devem ser registradas em mater ia l de uso exc lusivo do Serviço Soc ia l ; e laborar estudos soc ioeconômicos dos usuár ios e suas famíl ias , com vistas a subsid iar na construção de laudos e pareceres sociais na perspect iva de garant ia de d ire itos e de acesso aos serviços soc ia is e de saúde; buscar garant ir o d ire ito do usuár io ao acesso aos serviços; emit ir manifestação técnica em matéria de serviço social , em pareceres indiv iduais ou conjuntos, observando o d isposto na Resolução CFESS nº 557/2009 (CFESS, 2010, p. 42-43. Gr ifos nossos).
No eixo “Ações de articulação com a equipe de saúde”, a humanização
aparece como central, na perspectiva “ampliada”, considerando as determinações
sociais no processo saúde-doença, na direção de uma nova cultura de atendimento
centrada “na construção coletiva do SUS” (Idem, p. 53). Nesse eixo foram
destacadas ações detalhadas que compõem procedimentos cotidianos, com
destaque para: o esclarecimento de atribuições e competências; a elaboração em
186
equipe de propostas de trabalho, “por meio da realização de seminários, debates,
grupos de estudos e encontros”; a construção de propostas de “treinamento e
capacitação do pessoal técnico administrativo”; identificação e trabalho sobre
“determinantes sociais”, assim como “a discussão sobre as suas reais necessidades
e possibilidades de recuperação, face as suas condições de vida”; realização em
conjunto com a equipe do atendimento à família e/ou responsáveis em caso de
óbito, “cabendo ao assistente social esclarecer a respeito dos benefícios e
direitos referentes à situação”; participação em “ações socioeducativas nos
diversos programas e clínicas”; avaliação de “questões sociofamiliares que
envolvem o usuário e/ou sua família”; participação em “projeto de humanização
da unidade na sua concepção ampliada”; realização de notificação” em situações de
violência (CFESS, 2010, p. 54).
Nas Ações Socieducativas, são previstas ações voltadas às orientações
reflexivas e de socialização de informações realizadas por meio de abordagens
individuais, grupais ou coletivas ao usuário, família e população, com destaque para:
sensibilização dos “usuários acerca dos direitos sociais, princípios e diretrizes do
SUS, rotinas institucionais, promoção da saúde e prevenção de doenças por meio
de grupos socioeducativos”; democratização de informações da rede de
atendimento e direitos sociais; realização de debates e oficinas; realização de
atividades socioeducativas nas campanhas preventivas; democratização de
rotinas e o funcionamento da unidade por meio de ações coletivas de orientação;
socialização de informações e potencialização de ações socioeducativas em
atividades nas salas de espera; elaboração de “materiais socioeducativos”, que
facilitem o conhecimento e o acesso dos usuários aos serviços oferecidos pelas
unidades de saúde e aos direitos sociais em geral; mobilização para participação;
atividades em grupo sobre temas de interesse dos usuários (CFESS, 2010, p. 56).
No eixo “Mobilização, Participação e Controle Social”, comparecem ações
voltadas para a mobilização e participação social de usuários, familiares,
trabalhadores de saúde e movimentos sociais em espaços democráticos de
controle social e nas lutas em defesa da garantia do direito à saúde, visando
contribuir na organização da população e dos usuários enquanto sujeitos políticos.
Assim, sobressaem, atividades que estimulem a “participação dos usuários e
familiares para a luta por melhores condições de vida, de trabalho e de acesso aos
187
serviços de saúde”; a mobilização e capacitação de usuários, trabalhadores e
movimentos sociais para participação em espaços de controle social; a contribuição
da participação no processo de elaboração, planejamento e avaliação nas unidades
de saúde e na política local, regional, municipal, estadual e nacional de saúde; a
articulação permanente de diversas entidades para fortalecer a participação social; a
participação da ouvidoria da unidade; a participação em conselhos de saúde; a
contribuição na “discussão democrática e a viabilização das decisões aprovadas nos
espaços de controle social; o estimulo à educação permanente; o estímulo à criação
e/ou fortalecimento de espaços coletivos; o incentivo à “participação dos
usuários e movimentos sociais no processo de elaboração, fiscalização e
avaliação do orçamento da saúde”; a participação na organização de conferências; a
democratização junto aos usuários e demais trabalhadores da saúde dos “locais,
datas e horários das reuniões dos conselhos de políticas e direitos, por local de
moradia dos usuários, bem como das conferências de saúde, das demais áreas de
políticas sociais e conferências de direitos”; a socialização sobre processo eleitoral;
o estímulo ao “protagonismo dos usuários e trabalhadores de saúde nos diversos
movimentos sociais”; a identificação e articulação de instâncias de controle social e
movimentos sociais no entorno dos serviços de saúde” (CFESS, 2010, p. 59- 60).
No eixo “Investigação, Planejamento e Gestão” comparecem ações que visam
o fortalecimento da gestão democrática e participativa, em favor dos usuários e
trabalhadores de saúde, com destaque para: a elaboração de planos e projetos de
ação profissional; contribuição no planejamento estratégico das instituições de
saúde, “procurando garantir a participação dos usuários e demais trabalhadores da
saúde inclusive no que se refere à deliberação das políticas”; a participação na
gestão das unidades de saúde de forma horizontal; a elaboração do perfil e das
demandas da população usuária; a identificação das manifestações da
questão social por meio de estudos e sistema de registros; a realização de”
avaliação do plano de ação” por meio das ações e resultados; a participação nas
Comissões e Comitês temáticos; a realização de estudos e investigações com
relação aos determinantes sociais da saúde; a identificação e estabelecimento
de prioridades entre as demandas, para “a reorganização dos recursos
institucionais por meio da realização de pesquisas sobre a relação entre os recursos
institucionais necessários e disponíveis, perfil dos usuários e demandas (reais e
188
potenciais)”; a participação em estudos relativos ao perfil epidemiológico e condições
sanitárias; a realização de “investigação de determinados segmentos de usuários
(população de rua, idosos, pessoas com deficiências, entre outros), objetivando a
definição dos recursos necessários, identificação e mobilização dos recursos
existentes e planejamento de rotinas e ações necessárias”; o fortalecimento do
potencial político dos espaços de controle social; a participação em
“investigações que estabeleçam relações entre as condições de trabalho e o
favorecimento de determinadas patologias”; a realização de estudos da política
de saúde; o fornecimento de subsídios para a reformulação da política de saúde; a
“criação de estratégias e rotinas de ação, como por exemplo fluxogramas e
protocolos, que visem à organização do trabalho”; a integração da equipe de
auditoria, controle e avaliação; a sensibilização de gestores da saúde para a
“relevância do trabalho do assistente social nas ações de planejamento, gestão e
investigação” (CFESS, 2010, p.63).
No último eixo de intervenção, “Assessoria, Qualificação e Formação
Profissional” são previstas atividades que visam o aprimoramento profissional,
objetivando a melhoria da qualidade dos serviços prestados aos usuários. Envolve a
educação permanente e formação de estudantes, por meio de assessoria, para o
fortalecimento do controle. As ações previstas visam formular estratégias coletivas
para a política de saúde da instituição; criar “campos de estágio e supervisionar
diretamente”; participar ativamente dos programas de residência; participar de
cursos, congressos, seminários, encontros de pesquisas; participar e motivar os
assistentes sociais e demais trabalhadores da saúde na implementação da
NOB/RH/SUS; qualificar o trabalho do assistente social e/ou dos demais
profissionais da equipe de saúde por meio de assessoria e/ou educação continuada;
elaborar plano de educação permanente; criar fóruns de reflexão sobre o trabalho
profissional; assessorar entidades e movimentos sociais, “na perspectiva do
fortalecimento das lutas em defesa da saúde pública e de qualidade” (CFESS, 2010,
p. 64-65).
Observa-se uma tendência nos parâmetros da saúde de detalhamento de
atividades específicas da rotina de trabalho, passando a impressão da frágil
possibilidade do assistente social compreender os requisitos técnicos e éticos para o
exercício profissional na área. Alguns aspectos chamam mais a atenção: a distinção
189
entre ação socioassistencial (podendo ser confundida com serviço socioassistencial
no SUS), com socioeducativa, quando esta última constitui uma dimensão da
prática, ou mesmo sua natureza; o fortalecimento de vínculos comparecendo como
conceito, criticado nos Parâmetros da Assistência Social, por sua vinculação com
matrizes neoconservadoras; a centralidade na identificação de determinantes
sociais; as competências nas ações socioassistenciais vinculadas às atribuições
centrais; a previsão de um eixo mais detalhado no campo da assessoria, com maior
evidência embora não reflita a realidade de uma atuação mais expressiva no âmbito
dos serviços, do atendimento; a relação entre ações e diretivas éticas, além da
desfragmentação e recuperação do projeto de Reforma Sanitária.
As ações profissionais “são orientadas pelos fundamentos teórico-
metodológicos, ético-políticos e procedimentos técnico-operativos, tendo por
referência o projeto profissional do Serviço Social construído nos últimos trinta anos”
(Idem, p. 65). Ressalta-se que as intervenções profissionais voltadas ao
desenvolvimento de condições para o fortalecimento da gestão democrática, a
identificação dos determinantes sociais e demais estudos previstos, exigem
conhecimento teórico e capacidade de sistematização da prática e produção de
novos conhecimentos, o que se constitui um desafio central diante da precarização
da formação e das condições de trabalho.
6.4 CONSOLIDAÇÃO DO MODELO DE COMPETÊNCIAS NO SERVIÇO SOCIAL
Os Parâmetros e outros documentos produzidos pelo CFESS em conjunto
com os CRESS, demonstram uma evidente preocupação da categoria em unificar o
exercício profissional nas particularidades. Da mesma forma que a metodologia
aplicada para a descrição das ocupações, há um descompasso entre a configuração
dos espaços ocupacionais e os direcionamentos ético-políticos, ainda que o objetivo
seja difundir posicionamentos. Entretanto, a organização textual sugere prescrição
de atuação profissional, como “deve ser”, correspondendo aos anseios imediatos da
categoria, o que só reforça a tese da fragilidade predominante com legitimidade
construída cotidianamente. Daí a importância do fortalecimento de estratégias que
permitam o aprimoramento intelectual, a educação permanente.
190
A área sócio-jurídica constitui uma das primeiras em atuação profissional e
carece, ainda, de direcionamentos e regulações que potencializem as disputas por
legitimidade, especialmente por configurar uma realidade de menos poder.114 Ainda
no campo sociojurídico, o Relatório Parcial do GT Sociojurídico registra que “sobre
as atribuições assumidas pelos assistentes sociais, na área sócio-jurídica, nota-se
grande diversidade de ações, explicada em parte pelos diferentes formatos
institucionais e modos de inserção na dinâmica organizacional” (CFESS, 2011,
p.40).
O chamado de campo sócio-jurídico possui uma diversidade de instituições e
órgãos, quais sejam: Ministério Público; Poder Judiciário; Sistema de Aplicação de
Medidas Socioeducativas; Sistema Penal/Penitenciário; Defensoria Pública/Serviços
de Assistência Judiciária Gratuita, Segurança Pública. São contextos de controle,
pela expressão simbólica do poder instituído. Trata-se de um espaço institucional
marcado pelo poder simbólico da autoridade judiciária e por mecanismos que nem
sempre expressam justiça social.115
A análise sobre a inserção do Serviço Social no campo sócio-jurídico requer o
reconhecimento da relação contraditória entre sistema de justiça, segurança pública
e políticas sociais, na esfera pública do Estado, tensionado para vigiar e punir, com
dimensões que reforçam sua feição punitiva, reguladora da vida social, alimentada
pela cultura que criminaliza os desiguais, e requisita a adoção de mecanismos
114 No livro publicado pelo CFESS contendo os registros das palestras do II Seminário Nacional O Serviço Social no Campo Sociojurídico na Perspectiva da Concretização de Direitos, realizado em 2009, encontram-se alguns debates sobre as atribuições profissionais (CFESS, 2012). Outras palestras abordaram questões pertinentes ao debate sobre as atribuições, embora esse tema não tenha sido central nas abordagens: Condições de trabalho e demandas profissionais no campo sociojurídico (Valéria Forti); Serviço Social no campo sociojurídico: possibilidades e desafios na consolidação do projeto ético-político (Eunice Fávero e Sâmya Rodrigues); Identidade e autonomia do trabalho do/a assistente social no campo sociojurídico (Elisabete Borgianni) (cf. CFESS, 2012). Destaca-se a discussão sobre Competências e Atribuições Profissionais na Lei de Execução Penal, a palestrante Tânia Pereira aponta a necessidade realização de levantamento nacional sobre as atribuições nesse campo, pois ainda há indiferenciação entre o Serviço Social e a assistência social prevista na LEP. A autora também registra que há uma considerável diversidade sobre o Serviço Social no sistema penal em todo o Brasil, o que precisaria ser mais bem conhecido e debatido. Finaliza sua contribuição abordando a realização do exame criminológico pelos/as assistentes sociais.
115 Os sistemas de garantia de direitos no campo sócio-jurídico possuem dimensões de defesa (Ministério Público Estadual, Judiciário, Defensoria Pública, Polícia Judiciária e Conselhos Tutelares); controle democrático (conselhos de políticas e de defesa); atendimento/acesso aos direitos (políticas públicas).
191
punitivos, embora a concepção do Estado Democrático de Direitos afirme o
contrário.116
As iniciativas para a definição de atribuições profissionais no Judiciário
concentram-se na defesa de prerrogativas profissionais diante das ameaças de
flexibilização e terceirização. Observa-se uma tendência de reprodução das
definições legais: elaborar, implementar, coordenar, executar e avaliar planos e
políticas sociais, programas e projetos que sejam do âmbito de atuação de Serviço
Social; elaborar pesquisas e estudos, ampliando o conhecimento do Serviço Social
na área do exercício profissional no âmbito do Judiciário; chefiar unidades de
Serviço Social; atuar na capacitação de autoridades judiciárias; assessorar sobre
fenômenos sociais, culturais, interpessoais e familiares; realizar estudo social; emitir
laudos e pareceres; articular rede de atendimento; entre outras.117
Nesta área fica mais evidenciada a necessidade social de uma profissão que
produza respostas técnicas e éticas que traduzam os fenômenos sociais e humanos.
Sobressaem competências e atribuições como: realização de estudos e pesquisas;
orientação social usuários, famílias, sociedade civil; produção de relatórios, laudos,
diagnósticos, estudos e pareceres; identificação e fortalecimento das redes de
proteção e promoção de direitos; socialização de informações em matéria de
direitos/legislação social; assessoria técnica em matéria de direitos, políticas
públicas e serviço social.
A natureza do trabalho social num campo pleno de ritos de poder, hierarquia e
formalismos, requer mediações técnico-políticas coletivizadas e consistentes no
processo de convencimento; no reforço às formas de desnaturalização da
desigualdade e da reprodução dos mecanismos de assistir e punir; na adoção de
medidas que fortaleçam a cultura do direito.
116 A Constituição de 1988 define um novo pacto federativo em torno da construção do Estado Democrático de Direitos, implicando o poder público e a sociedade no desenvolvimento de políticas públicas, aliadas aos objetivos de justiça social. Assim, a previsão de mecanismos sofisticados de participação e de controle democrático, redireciona as instituições públicas e privadas na construção de um sistema universal de proteção social, projeto que será afetado frontalmente pela ideologia neoliberal que preconiza a redução do papel do Estado em favor dos objetivos do mercado.
117 Funções do Assistente Social Judiciário no atendimento aos Magistrados, Funcionários e Servidores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AASPTJ-SP, mineo, s.d.
192
A atuação profissional em instituições de defesa e garantia de direitos
requisitam o posicionamento profissional em matéria de questão social e políticas de
proteção social, considerando as transformações contemporâneas. Funcionalidade
que demanda um perfil qualificado na análise dos fenômenos sociais e das
respostas sócio-institucionais, implicando afirmação de valores sociais antecipadores
de padrões civilizatórios e emancipatórios.
O “modelo de competências” difundiu-se na formação e no exercício
profissional, sendo que a assistência social e a saúde constituíram-se como
experimentos de uma tendência a se consolidar. Observa-se que o modelo de
competências tem sido utilizado como estratégia para a garantia de legitimidade
social, sem a devida crítica de seus limites quando se considera o projeto ético-
político profissional, num contexto de crise na formação profissional.
Assim como nas demais áreas, a atuação profissional na educação é
considerada como implementação das legislações profissionais (Código de Ética
Profissional de 1993, Lei de Regulamentação da Profissão - Lei 8.662/1993) e
Diretrizes Curriculares da ABEPSS de 1996). Tais instrumentos são expressões do
projeto ético-político profissional, iniciado no final da década de 1970 e constituem a
referência para a construção de particularidades profissionais.
Há um reconhecimento de que a inserção de assistentes sociais na política de
educação responde às requisições socioinstitucionais de ampliação das condições
de acesso e de permanência da população nos diferentes níveis e modalidades de
educação, resultando, assim, da histórica agenda de luta dos movimentos sociais
em defesa da universalização da educação pública, e paradoxalmente às definições
governamentais baseadas nas recomendações neoliberais de organismos
internacionais, visando à adequação da formação às exigências do mercado de
trabalho.
No que se refere ao exercício profissional, algumas dimensões se
sobressaem: abordagens individuais e junto às famílias dos/as estudantes e/ou
trabalhadores e trabalhadoras da Política de Educação; intervenção coletiva junto
aos movimentos sociais como condição fundamental de constituição e
reconhecimento dos sujeitos coletivos frente aos processos de ampliação dos
direitos sociais; dimensão investigativa para a compreensão das condições de vida,
de trabalho e de educação da população; dimensão do trabalho profissional relativa
193
à inserção dos/as assistentes sociais nos espaços democráticos; dimensão
pedagógico-interpretativa e socializadora das informações e conhecimentos no
campo dos direitos sociais e humanos, das políticas sociais, de sua rede de serviços
e da legislação social que caracteriza o trabalho do/a assistente social; dimensão de
gerenciamento, planejamento e execução direta de bens e serviços, no âmbito da
Política de Educação (CFESS, 2013, p 54).
O documento Subsídios para o Serviço Social na Educação (CFESS.GT
EDUCAÇÃO, 2011) apresenta uma caracterização da inserção do Serviço Social no
âmbito da política de educação, considerando as particularidades do trabalho do
assistente social, tendo como referência os seguintes focos: garantia do acesso da
população à educação formal; garantia da permanência da população nas
instituições de educação formal; garantia da qualidade dos serviços prestados no
sistema educacional; garantia da gestão democrática e participativa na política de
educação. Nesse ordenamento, o documento não apresenta um tratamento
específico sobre atribuições, mas para cada um dos focos são apresentadas
atividades e instrumentais utilizados pelos assistentes sociais, resultantes do
levantamento realizado nos Estados pelos CRESS (idem, p.42-45).
Em outra passagem do documento, onde se encontra uma das contribuições
de Ney Almeida, assessor do grupo de trabalho, encontram-se referências sobre
atribuições profissionais nesta área, quando se propõem para os debates sobre o
trabalho do/a assistente social na Educação:
A delimitação de ações de natureza socioassistenciais que assegurem as prerrogat ivas do exerc íc io prof iss ional do/a ass istente soc ia l e que não conf igurem processos f ragmentadores da real idade soc ia l, em part icu lar , que não reforcem a dicotomia entre o socia l e o educac ional ; A del im itação de ações socioassis tenc ia is que não d i luam as par t icu lar idades do campo educac ional e que interdite o processo de “assistencial ização” e f ragmentação do trabalho do/a assistente social ; A del im itação de ações soc ioeducat ivas vol tadas para a valorização da autonomia dos sujeitos sociais e de sua efet iva part ic ipação nos processos de gestão das unidades educacionais e da própr ia pol í t ica de educação em seus d iferentes es paços de contro le soc ia l ; A condução de abordagens individuais e grupais que não conf igurem novas versões de velhas prát icas prof issionais , mas possib i l idades de apreensão e enfrentamentos ins t i tuc ionais condizentes com a dinâmica e as estratégias colet ivamente construídas na prof issão; O desenvolv imento de ações inter inst i tuc ionais que u l trapassem
194
as poss ib i l idades restr i tas e as armadi lhas ideológicas das chamadas “parcer ias” e que af irmem a centralidade das redes socioassistenciais públicas como instâncias potencializadoras dos direitos sociais ; A art iculação com outras inst ituições públ icas e poderes no sentido de assegurar os direitos sociais e humanos, evitando-se a ampl iação dos processos de judic ia l izaç ão dos conf l i tos inst i tuc ionais; Desenvolver ações vol tadas para as famíl ias cons iderando-as em suas d iferentes d imensões e conf igurações, sobretudo, como suje ito polí t ico no processo pol í t ico-pedagógico que part icu lar iza a área de educação; Desenvolver atividades de assessoria aos diferentes sujeitos sociais no âmbito da educação que favoreçam a consol idação de uma concepção de educação a l icerçada na garant ia do acesso ao conjunto dos d ire itos soc iais e à c idade; A construção de um trabalho prof iss ional que re i tere sua d imensão te leológica a par t ir da incorporação de instrumentais de planejamento, aval iação e s is temat ização, par t icu larmente, a part ir da elaboração de projetos de intervenção que valorizem a dimensão crít ica, proposit iva e invest igativa do exercício profissional e que explicitem os compromissos ét icos e polít icos construídos colet ivamente no Serviço Social (CFESS.Grupo de Trabalho Educação, 2011, p.55-57) .
Observa-se uma preocupação com a direção ético-política de um trabalho
profissional que recuse a assistencialização, o que pode significar não restrição à
assistência social, além da recusa ao tradicionalismo e à fragmentação. As
competências estão mais voltadas à potencialização dos direitos sociais e do papel
dos sujeitos coletivos. Ressalta-se que a conceituação de ações socioassistenciais
pode, paradoxalmente, reforçar a redução do Serviço Social à assistência social,
pela definição conceitual.
A profissão é inscrita num contexto mais amplo configurado por complexos
que interferem na delimitação dos objetos por contingências e condições objetivas
para o desenvolvimento dos processos interventivos. A delimitação de competências
e atribuições tende a acompanhar as legislações profissionais, por ser uma profissão
regulamentada. Entretanto, os significados construídos não estão restritos à
normatividade. Há um espaço importante da prática na construção da legitimidade e
difusão de valores e princípios éticos.
O fato de a profissão ser regulamentada configura uma condição de maior
implicação ética, pelo impacto na vida de indivíduos e coletivos, aspecto que reforça
a dimensão educativa da prática. A ética, nesse sentido, se constitui como mediação
fundamental na teleologia voltada ao fortalecimento de valores que engenfram uma
nova cultura e justificam a finalidade histórica da profissão.
195
ANÁLISES CONCLUSIVAS
O acúmulo teórico-político do Serviço Social permite posicionar a profissão
como de natureza interventiva, sendo a realidade social seu substrato e as
expressões da questão social objeto de investigação/ação, no âmbito das políticas
sociais, engendradas nas relações complexas entre as classes direcionadas por
projetos societários em disputas.
Uma profissão não é, tão somente, resultado dos esforços de sua auto-
representação ou autoimagem. É fruto de condições concretas, de processos
sociais, políticos, econômicos e culturais, da produção teórica que constrói
argumentos sólidos para a monopolização na divisão social e técnica do trabalho, de
seu estatuto normativo-jurídico, conduzido por valores sociais e princípios éticos.
Portanto, a profissão constrói seus supostos em sintonia com as requisições sociais
e institucionais que justificam sua necessidade histórica, e produz conhecimentos e
saberes a partir deste lugar social, configurando-se ao mesmo tempo como profissão
e área de conhecimento.
As diferentes concepções sobre o trabalho no social têm seu nascedouro nas
Teorias Sociais, “conectadas” com projetos de sociedade, divergentes em termos de
concepção ideo-política. A tendência predominante no trabalho social desenvolvido
no cotidiano é a potencialização dos mecanismos de gerenciamento, programação e
controle da vida social, podendo, dessa maneira, reforçar as ultrageneralizações
reforçadoras das disposições reprodutoras de condições desiguais. Tendo em vista
o processo de precarização e a natureza interventiva da profissão (com respostas
mais imediatas do que mediatas), corre-se o risco, ainda que sob a hegemonia do
pensamento crítico, de atuações neo-pragmáticas e neo-conservadoras, acentuadas
diante da ideologização da chamada pós-modernidade.
A crise de projetos, amplamente difundida nos marcos da mundialização do
capitalismo financeiro, expressa uma contratendência do trabalho social legitimado
nos processos democráticos e emancipatórios, o que requer a potencialização de
valores latentes, porém abafados pelo aprisionamento das amarras do cotidiano. A
construção de novas práxis é possível pela incidência de categorias que interpelem
196
o concreto aparente e alcancem o concreto real. Movimento analítico-crítico
dependente de abstrações, inovações, totalizações, historicidade, coletivização.
A profissionalidade contemporânea recusa, de modo hegemônico, as práticas
reiterativas do existente, programadoras da alienação reinante. Trata-se de uma
legitimidade construída no campo democrático-popular, na atuação político-
profissional protagônica, diante dos novos instrumentos e diretivas democráticas no
espectro do Estado Democrático de Direito, conduzida para a “hegemonização” dos
espaços sócio-institucionais, na trama das relações de força e poder.
A legislação profissional, e nela a ética, constitui o arcabouço da legitimidade
construída no contexto de afirmação de novos valores que formam a base ideo-
política que resiste à cultura instituída. A relevância pública da profissão forjou-se no
ordenamento normativo-jurídico, na produção teórica crítica, sobretudo, na prática
inovadora, o que vem sendo pouco referenciada quando se aborda o projeto ético-
político profissional.
As análises sobre as possibilidades de crise ou ameaça à materialidade do
projeto profissional transitam em perspectivas que apresentam discursos
institucionalistas, por superdimensionarem os recursos regulatórios da profissão,
especialmente pelas organizações profissionais. O que se conclui, provisoriamente,
é que a profissionalidade do Serviço Social configurou-se, historicamente, entre a
fragilidade institucional, que impulsiona as organizações à autodefinição
permanente, e a legitimidade construída no campo democrático e dos direitos.
A tendência à auto-regulação responde às demandas de uma profissão que
embora seja liberal e tenha competências de assessoramento em matéria de direitos
e políticas sociais, é assalariada, marcada pela condição de assistir, o que no
imaginário social remete ao imediato, a um componente protetivo voltado
essencialmente ao atendimento, ao emergencial ou urgente, o que constrange as
possibilidades de materialização dos direcionamentos ético-políticos.
A base teórico-política acumulada e difundida no Brasil posicionou a
profissão, no contexto de afirmação da legitimidade social, no campo da produção
científica de referência, o que foi certamente indispensável para o afastamento do
universo do voluntarismo, do pragmatismo funcionalista e da psicologização
baseada na propagação de valores e manipulação de comportamentos.
197
O processo de precarização da formação profissional em curso pode reforçar
a dimensão de fragilidade profissional, além de outros componentes do exercício
profissional, como a ampliação do contingente de profissionais e o recurso do cargo
genérico para a descaracterização da profissão e do cumprimento da carga horária
reduzida para 30 horas (ainda que tenha sido uma conquista). Além disso, é
inegável o alargamento do mercado de trabalho profissional, notadamente no âmbito
das políticas de seguridade social, e mais ainda na política de assistência social,
com a implantação do SUAS. Ao mesmo tempo identifica-se o aprofundamento da
precarização das condições em que este trabalho se realiza.
O modelo de competências incide no Brasil, tanto na educação como no
trabalho, num contexto de paradigma da flexibilização, aspecto que reforça e
condiciona a individualização, o “espírito egoísta”, diante da corrida por um lugar na
divisão social e técnica do trabalho. O Serviço Social incorpora o discurso da
competência e, embora propague a necessária dimensão teórico-metodológica e
ético-política, portanto em sentido reconstruído a partir do projeto profissional,
transita no modelo, reproduzindo a fragmentação das “áreas” ou políticas sociais, a
começar pela assistência social e saúde, avançando para a educação e o sistema
de justiça.
A metodologia não difere da forma utilizada na aplicação do “modelo”,
especialmente pelo trabalho: um grupo que consolida competências e atribuições
em suas áreas de atuação. Corre-se o risco da simplificação e da fragmentação, tão
condicionada pelo Estado no âmbito da política social, e do reforço a um processo
de auto-representação que expressa parte das intervenções, transfigurando
requisições, ocultando processos interventivos. Com isso, não se suprime sua
utilidade política de unificar entendimentos na área em questão. Entretanto, o efeito
“fordista” na produção de normas e parâmetros revela uma evidente resposta à
precarização da formação, polo decisivo na delimitação do que seja atribuição de
uma profissão, em sintonia com as requisições.
A análise da profissionalidade, no que se refere à dimensão regulatória,
revela a prevalência da elaboração de políticas; da pesquisa social; da produção de
estudos, laudos e pareceres; da orientação social. Seriam estas de fato as principais
competências desenvolvidas no cotidiano? Não seriam necessários estudos sobre a
configuração real dos espaços ocupacionais, sob pena do reforço a uma
198
transfiguração do realmente existente? Há de fato uma prevalência de assistentes
sociais brasileiros na elaboração de políticas, já que esta é a competência em
evidência? Sabe-se do predomínio de intervenções relacionadas ao atendimento e
orientação no âmbito dos serviços sociais, a articulação de sistemas e garantia de
direitos, entre outras competências pouco visibilizadas. Empiricamente o que se
observa são intervenções mais direcionadas às respostas às demandas imediatas
de proteção social, que requerem posicionamento técnico e ético. No entanto, são
recorrentes os estudos sociais e outros instrumentos com implicações éticas, que
não fundamentam decisões e encaminhamentos necessários na garantia de direitos.
Ao contrário, são funcionais aos esquemas institucionais de programação da vida
social. Nesse sentido, a mera vocalização do que se faz, quando se trata de uma
profissão que depende mais da legitimidade construída do que das tradições, pode
ocultar o real e afastar as possibilidades de qualificação teórica, técnica e ética.
Seria possível delimitar atribuições privativas a partir do entendimento do que
seja matéria Serviço Social? Muitos são os dilemas neste tema. Não há dúvidas do
necessário detalhamento dos artigos 4º e 5º, sem reproduzi-los, tão somente, em
cada área. É preciso capturar com mais profundidade as particularidades de
atuação, aliando estratégias que fortaleçam o aprimoramento intelectual com
educação permanente.
Novos estudos sobre a configuração dos espaços sociocupacionais podem
demandar a incorporação de outras atribuições tão presentes no cotidiano
profissional e que não se esgotam na orientação e nem se restringem aos
procedimentos e instrumentos como visita domiciliar, realização de seminários e
outros procedimentos “meios”. É preciso avançar teórica e normativamente na
definição do que seja um trabalho social e suas particularidades no Serviço Social, já
que a especificidade da profissão é significada teoricamente em resposta às
necessidades humanas.
A natureza interventiva da profissão no cotidiano exige o aprofundamento da
natureza educativa e protetiva, potencializadora de valores sociais e de
protagonismos. Da mesma forma, o conhecimento sobre a institucionalidade das
políticas não está restrito aos direcionamentos éticos que fortalecem a sociedade
civil, a exemplo do comando da elaboração de políticas com participação de
usuários e da sociedade civil. Outros atributos constituem as prerrogativas que foram
199
sendo construídas nas últimas décadas e que são inovadoras pela análise e
construção das políticas por dentro, o que reforça os saberes acumulados
historicamente e que possuem a marca do Serviço Social.
A base legal por si só não garante sustentabilidade ao projeto ético-político
profissional. É indispensável considerar a relação entre as determinações mais
gerais, particularizadas no cotidiano de trabalho, e as possibilidades concretas de
interferência nos processos sociais, pela conformação de um sistema de mediações;
a formação profissional e o aprimoramento intelectual contínuo.
Além da produção teórica consistente e relevante, especialmente pela crítica
às respostas neoliberais e às contribuições na qualificação política dos direitos
Constitucionalizados e em processo de regulamentação, a base normativo-jurídica
da profissão expressa um avanço extraordinário em termos da moralidade incidente
no exercício profissional.
A Lei n. 8662/93, que regulamenta a profissão, e o Código de Ética do
Assistente Social de 1993, são instrumentos que capturam os movimentos de
resignificação social da profissão, e explicitam avanços seminais na solidez do
projeto ético-político profissional. Esta base normativo-jurídica vem sendo ampliada
com outras regulamentações do exercício profissional, como a Resolução n. 493/06,
que dispõe sobre as condições éticas e técnicas, e a Resolução n. 533/08, que
regulamenta a Supervisão Direta de Estágio.
A natureza complexa do exercício profissional e o contexto com evidências de
regressão demandam das organizações profissionais o adensamento da
legitimidade conquistada pelo aprimoramento dos avanços, o fortalecimento das
estratégias que potencializam as “saídas” no âmbito da sociedade, particularmente
na ação programática com sujeitos coletivos que partilham dos mesmos princípios
da profissão; a construção de novas formas de interferência para além da resistência
política, mas que estejam à altura dos efeitos em grande escala da reconfiguração
da profissão, sobretudo pela formação em massa e precarizada.
O que significa um contingente de aproximadamente 10.524 concluintes
egressos de cursos presenciais em relação a 3.243 egressos de cursos na
modalidade à distância? O número de egresso de Cursos à distância tende a
200
reduzir, considerando a oferta de vagas ser extraordinariamente maior? 118 Os
posicionamentos de não qualificação do ensino à distância seriam suficientes? Que
fatores interferem na expansão de cursos em serviço social em comparação aos
demais cursos? A legitimidade profissional tem contribuído para a expansão? Que
aspectos têm interferido na extinção de cursos, como pedagogia, que não é
regulamentada e, portanto, não sofre a interferência regulatória de um órgão de
classe?119 A realidade comprova a interferência decisiva do Estado, o papel
estratégico de algumas corporações e a necessidade de novos estudos.
A intervenção profissional é condicionada por determinantes sócio-históricos e
institucionais, assim como pelas repostas profissionais vinculadas aos projetos
coletivos. Dessa forma, o exercício profissional é operado em condições e relações
de trabalho concretas e dinâmicas, tendo como respaldo a legislação profissional e
os fundamentos construídos na formação e no aprimoramento intelectual
permanente.
A profissionalidade contemporânea do Serviço Social requer a análise das
condições em que o trabalho social é realizado, o reconhecimento da complexidade
das operações feitas no cotidiano. Trata-se de um trabalho que se realiza no âmbito
da política social, do sistema de proteção social com todos os seus contornos e
constrangimentos político institucional, como fragmentação, meritocracia e
focalização. Aspectos tensionados por contratendências sócio-culturais que
interpelam a realidade e na esfera pública constroem possibilidades de
fortalecimento de mecanismos de gestão democrática.
118 O Portal do MEC disponibiliza informações sobre o ensino em Serviço Social. Para ilustrar a
problematização ressalta-se que num universo de 20 instituições de ensino são autorizadas mais de 50 mil vagas em todo o Brasil. Foram identificados apenas os cursos com avaliação (O Conceito Preliminar de Curso (CPC) e Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), totalizando 9: Centro Universitário da Grande Dourados (Unigran) 3.000 Vagas; Universidade de Uberaba (Uniube) – 55 Vagas; Universidade Norte do Paraná – (Unopar) - 21.150; Universidade de Santo Amaro (Unisa) - 2.300 Vagas; Universidade Tiradentes (Unit) – 1.100 Vagas; Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) – 4.000 Vagas; Universidade Anhanguera (Uniderp) - 16.800; Centro Universitário da Grande Dourados (Unigran) - 3.000; Universidade do Tocantins (Unitins) - 2.760 Vagas. (http://emec.mec.gov.br/, acesso em 28 de março de 2012).
119 Uma rápida comparação permite identificar 20 cursos em serviço social, sendo 01 em extinção; 01 em Direito; 136 em Administração; nenhum em psicologia; nenhum em Economia Doméstica; 03 em Enfermagem, sendo 01 em extinção; 02 em Biblioteconomia; 180 em Pedagogia (licenciatura), sendo 37 extintos e 27 em extinção; 02 em Engenharia Civil; 08 em Biologia; 16 em Filosofia; 10 em Ciências Sociais, com 5 extintos.
201
Alguns atributos e condicionantes configuram o trabalho do assistente social:
(a) trabalho que sofre os efeitos das determinações da sociedade desigual no
usufruto da riqueza produzida socialmente e das repostas insuficientes do Estado,
diante da hegemonia de projetos que reproduzem a desigualdade de classe,
cedendo em reformas que pouco interferem na estrutura da sociedade; (b) trabalho
constrangido por determinações da formação social, com rebatimentos diretos na
vida da população atendida, na cultura política identificada no cotidiano do exercício
profissional, nas instâncias e dinâmicas institucionais; (c) trabalho social realizado
em condições adversas, herdeiras da prevalência do privado, da redução do Estado
sob a cultura neoliberal, enfraquecendo as possibilidades de ampliação dos direitos
reclamáveis, dentre eles o direito ao trabalho e os mecanismos e possibilidades
sociais e políticas para o pleno desenvolvimento dos indivíduos sociais, quanto às
capacidades humanas (SILVEIRA, 2011).
O estatuto normativo-jurídico atribui um significado de trabalho, seja na gestão,
na assessoria ou no atendimento, de domínio da legislação social e dos processos
sociais e políticos relativos aos direitos. Definição que comanda a articulação de
forças sociais democráticas e de estratégias democratizantes, o que pressupõem
compreensão das dinâmicas institucionais, das relações de força e poder e
capacidade técnica e teórica para intervenção nos espaços contraditórios.
O exercício profissional exige mediações complexas na apreensão da
dinâmica dos processos sociais, das contradições no âmbito da sociedade e nos
espaços sócio-institucionais, e com análise de determinantes sócio-econômicos,
políticos e culturais da desigualdade em suas manifestações cotidianas. Processo
que requer: i) análise crítica das expressões da questão social, das repostas sócio-
institucionais e das forças sócio-políticas, com democratização de poder, acessos e
participação; ii) realização de mediações capazes de ativar processos que revertam
tendências e condições materiais de vida, com impacto na subjetividade política dos
sujeitos; apreensão de potencialidade e possibilidades na alteração de processos,
para a recomposição e ampliação dos direitos, que em sua institucionalidade releva-
se como espaço de disputas políticas; iii) ações estratégicas e táticas, com direção
social coletiva e alianças democráticas que fortaleçam os movimentos sociais em
contraposição aos interesses conservadores e à cultura neoliberal; iv) posturas que
preservem e defendam prerrogativas profissionais no contraponto à precarização da
202
formação e do exercício profissional; v) defesa e enraizamento do projeto ético-
político profissional nos espaços de atuação, com fortalecimento das entidades
organizativas da profissão, em defesa do pleno desenvolvimento dos indivíduos
sociais na direção emancipatória, dos direitos humanos e da democracia
(socialização de renda, riqueza e participação), da equidade e da justiça social, da
eliminação de todas as formas de preconceito e da garantia do pluralismo, do
compromisso com a qualidade dos serviços prestados, entre outras lutas legítimas.
O reconhecimento convencionado na legalidade do Serviço Social,
compreendido aqui como campo/disciplina do conhecimento e de intervenção, de
que a questão social constitui a base de fundação e de desenvolvimento da
profissão, conduziu, hegemonicamente, as intervenções para a identificação e o
enfrentamento das manifestações da própria questão social nos espaços
ocupacionais. Assim, o Serviço Social é posicionado como um subproduto da
dinâmica da vida social, sendo, também, resultado da atividade do coletivo de seus
profissionais.
Os riscos com a evidente reconfiguração do perfil profissional, na ofensiva do
pragmatismo e do neoconservadorismo, têm exigido a produção e o aprimoramento
dos mecanismos legais e jurídicos quanto à sua aplicabilidade, além de sinalizar
algumas insuficiências quanto ao alcance da regulação do exercício profissional e a
capacidade técnica e operacional das instituições de formação e dos CRESS em
desenvolverem uma burocracia e uma intensa institucionalidade na aplicação da
norma, a exemplo das regras que implicam eticamente os profissionais envolvidos
na supervisão direta, demandando inclusive avaliação das condições éticas e
técnicas, plano de trabalho, entre outras previsões.
A direção política do conjunto CFESS/CRESS pela garantia da centralidade
na defesa, fiscalização e orientação do exercício profissional não supõe retorno ao
corporativismo, ao contrário, responde ao desafio conjuntural de potencializar a
capacidade de agregar o coletivo profissional em torno de um projeto coletivo. O
acirramento das disputas internas na profissão e a reconfiguração da formação e do
exercício profissional têm provocado respostas novas e inclusive para além das
competências institucionais do conjunto CFESS/CRESS, como a capacitação
permanente, requisitando um controle público mais efetivo do sistema de registro e
de cadastro do exercício profissional em suas particularidades.
203
A difusão da profissionalidade legitima exige persuasão, convencimento,
regulação, organização, protagonismo individual e coletivo, formação continuada. O
imperativo e o disciplinador não se sobrepõem à adesão crítica e consciente do
coletivo profissional. É preciso aprofundar estratégias que concretizem princípios
ético-políticos, contando mais com a adesão consciente do coletivo profissional do
que com mecanismos de coerção.
Nesse sentido a dimensão político-pedagógica da Política Nacional de
Fiscalização precisa ser potencializada, sem, contudo, avançar na interferência
regulatória do exercício profissional. A fiscalização dos Conselhos ampliou “sua
dimensão disciplinadora”, e incorporarou a dimensão político-pedagógica “na defesa
da profissão e dos princípios ético-políticos, consubstanciados no Código de Ética
1993 e na Lei de regulamentação no 8662/93”. Trata-se de uma “dimensão que
fundamenta a adoção de um conjunto de estratégias democráticas no âmbito da
profissão e da sociedade”, o que certamente deve ser fortalecido (SILVEIRA, 2007,
p. 12).120
As transformações recentes na formação e no exercício profissional têm
centralidade nos fóruns da categoria, especialmente na análise das possibilidades
institucionais de manter a hegemonia, reconhecendo que o projeto profissional não
depende exclusivamente da vontade de seu coletivo, sendo necessário apreender
os efeitos da conjuntura nacional e internacional na própria profissão.
120 A Política Nacional de Fiscalização atualizada no IV Seminário Nacional de Capacitação das Comissões de orientação e Fiscalização e Plenária Ampliada CFESS/CRESS, de caráter deliberativo, ocorrida entre os dias 19 e 22 de abril de 2007, possui as seguintes dimensões: a dimensão afirmativa de princípios expressa a concretização de estratégias para o fortalecimento do projeto éticopolítico profissional e da organização política da categoria em defesa dos direitos, das políticas públicas e da democracia e, consequentemente, a luta por condições de trabalho condignas e qualidade dos serviços profissionais prestados, expressando, portanto, a afirmação dos compromissos, prerrogativas e princípios profissionais; a dimensão normativa e disciplinadora abrange ações que possibilitem, a partir da aproximação das particularidades sócio-institucionais, instituir bases e parâmetros normativo-jurídicos reguladores do exercício profissional, coibindo, apurando e aplicando penalidades previstas no Código de Ética profissional, em situações que indiquem violação da legislação profissional. É a dimensão que explicita o sentido regulatório e de regulamentação da profissão com conteúdo tico-político, bem como a recomposição de direitos violados à luz do Código de Ética da profissão; a dimensão político-pedagógico compreende a adoção de procedimentos técnico-políticos de orientação e politização dos assistentes sociais, usuários dos serviços relativos às políticas sociais, instituições e sociedade em geral, acerca dos princípios e compromissos ético-políticos do Serviço Social, na perspectiva da prevenção de violações da legislação profissional (SILVEIRA, 2007).
204
O fortalecimento de uma direção política que garanta a centralidade do
exercício profissional, do tratamento consistente da intervenção profissional na
realidade cotidiana, com defesa de prerrogativas construídas, reconhecidas e
legitimadas, não significa um retorno ao corporativismo passional, ao contrário,
sinaliza a afirmação da relevância pública da profissão que possui implicações
éticas, a defesa da qualidade na prestação de serviços sociais à população,
dimensão importante da própria sustentabilidade política do projeto profissional,
movimento vivo, revelador de uma postura que não sucumbir diante das
adversidades.
O conjunto CFESS/CRESS tem construído novos mecanismos que agreguem
o coletivo profissional ao projeto ético-político dinaminzando dessa forma, a
legitimidade profissional. Mas é preciso capturar as interferências da dinâmica social
nas profissões, o que pressupõem, também, a produção de conhecimentos sobre o
exercício profissional.
Acertar nas estratégias que dão sustentabilidade ao projeto pela mediação da
base legal, supõe coletivização, ampla participação, exercício democrático na
construção dos entendimentos coerentes com as prerrogativas conquistadas na
prestação pública do Serviço Social.
205
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SIMIONATO. I. Gramsci: sua teoria, incidência no Brasil, influência no Serviço Social. Florianópolis: EdUFSC. 3ª Edição. São Paulo: Cortez, 2004.
SPOSATI, A et al. A assistência Social na Trajetória das Políticas Sociais Brasileiras.
São Paulo: Cortez, 1985.
___________. O primeiro ano do Sistema Único de Assistência Social. In: Serviço Social & Sociedade. São Paulo: Cortez, nº 87, 2006.
STEFFEN, I. A certificação profissional e de pessoas: relato de algumas experiências
brasileiras. São Paulo: Erica, 2010.
TELLES, V. S. Direitos sociais: afinal do que se trata. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999.
TEIXEIRA, J.B. As Associações Profissionais de Serviço Social e a Articulação Latino Americana. Temporalis. Revista da Associação Brasileira de Serviço Social. Porto Alegre, Ano IV, nº 7, 2003
TERRA, S. H. Parecer Jurídico n° 27/98. Assunto: Análise das competências do Assistente Social em relação aos parâmetros normativos previstos pelo art.5º da Lei 8662/93, que estabelece as atribuições privativas do mesmo profissional. São Paulo, 13/09/2000, mimeo,12 pp.
VALLE, Ione Ribeiro. A meritocracia na política educacional brasileira (1930-2000). Revista Portuguesa de educação, 2009.
VIEIRA, Balbina. Metodologia do Serviço Social: contribuição para sua elaboração, 2ª Ed., Rio de Janeiro: Agir, 1979.
WEBER, Max. Ensaios de sociologia e outros escritos. Tradução de Maurício Tragtenberg. Coleção Os Pensadores. São Paulo : Abril Cultural, 1974.
YAZBEK, M C. Projeto de revisão curricular da Faculdade de Serviço Social da PUC-SP. Revista Serviço Social e Sociedade. São Paulo, nº 14, 1984.
___________. Classes Subalternas e Assistência Social. São Paulo: Cortez, 1993.
___________.In: Questão social no capitalismo. Temporalis, Ano II, nº 3, 2001.
ZARIFIAN, Philippe. Objetivo competência: por uma nova lógica. Traduzido por Maria Helena C.V. Trylinski. São Paulo: Editora Atlas, 2001.
Legislações BRASIL. Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Lei Orgânica da
Assistência Social. Lei nº 8.742. Brasília, 1993. BRASIL. Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Norma Operacional
Básica do Sistema Único de Assistência Social – NOB/SUAS. Brasília, 2005.
213
BRASIL. Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Norma Operacional Básica de Recursos Humanos – NOB/RH-SUAS. Brasília, 2006.
BRASIL. Presidência da República. Lei nº 12.435 de 06 de julho de 2011, que altera a
LOAS introduzindo o SUAS. Brasília, 2011. BRASIL. Dispõe Sobre os Objetivos do Ensino do Serviço Social, sua Estruturação e
Ainda as Prerrogativas dos Portadores de Diplomas de Assistentes Sociais e Agentes Sociais. Brasília, 1953.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Diretrizes Curriculares. Serviço
Social. Brasília, 1999. BRASIL. Presidência da República LEI No 8.662, DE 7 DE JUNHO DE 1993. Dispõe
sobre a profissão de Assistente Social e dá outras providências. Brasília, 1993.
214
ANEXO A - GRAFICO DE DISTRIBUIÇÃO DE CURSOS POR REGIÃO
Gráfico 1: Distribuição de Cursos por região
11%
17%
46%
21%
6%
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
40%
45%
50%
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro Oeste
Fonte: INEP/MEC, 2011
215
ANEXO B – GRAFICO 2: GRADUAÇÃO PRESENCIAL E A DISTÂNCIA POR
REGIÃO
Gráfico 2: Graduação presencial e à distância por região
312
10.524
12
3.243
28
1.297
1
1.113
49
2.068
1
656159
5.135
4
921
62
1.659
4 189 14365
2364
-
2.000
4.000
6.000
8.000
10.000
12.000
Total Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro Oeste
Graduação Presencial Número deCursos
Graduação Presencial Número deConcluintes
Graduação a Distância Número deCursos
Graduação a Distância Número deConcluintes
Fonte: INEP/MEC, 2011
216
ANEXO C – TABELA 1: BASE NORMATIVO-JURIDICA DO EXERCÍCIO
PROFISSIONAL
Tabela 1 - Base normativo-jurídica do exercício profissional
REGULAMENTAÇÕES PRODUZIDAS ENTRE 1990 E 2000
LEGISLAÇÃO/ RESOLUÇÃO
OBJETO ANO
Lei n. 8662/93 Dispõe sobre a organização da profissão, competências e atribuições. 1993
Código de Ética do/a assistente social
Dispõe sobre princípios e diretrizes para o exercício profissional, competências dos Conselhos Federal e Regionais, direitos e responsabilidades do assistente social.
1993
Resolução n. 383 Caracteriza o assistente social como profissional da saúde 1999
REGULAMENTAÇÕES PRODUZIDAS ENTRE 2000 e 2010
Resolução n. 418 Define a tabela de referência de honorários profissionais 2001
Resolução n. 427 Dispensa do pagamento de anuidade aos profissionais que completam 60 anos
2002
Resolução n. 443 Institui procedimentos para o Desagravo Público 2003
Resolução n. 489 Veda práticas discriminatórias ou preconceituosas, por orientação e expressão sexual por pessoa do mesmo sexo, no exercício profissional
2006
Resolução n. 493 Dispõe sobre as condições éticas e técnicas do exercício profissional 2006
Resolução n. 512 Regulamenta normas gerais para o exercício da fiscalização profissional e atualiza a Política Nacional de Fiscalização
2007
Resolução n. 533 Regulamenta a supervisão direta de estágio no Serviço Social 2008
Resolução n. 554 Dispõe sobre o não reconhecimento da inquirição de vítimas crianças e adolescentes no processo judicial, sob a metodologia do Depoimento Sem Dano/DSD, como sendo atribuição ou competência do profissional assistente social.
2009
Resolução n. 556 Regulamenta procedimentos para a lacração de material técnico-sigiloso do Serviço Social
2009
Resolução n. 557 Dispõe sobre a emissão de pareceres, laudos, opiniões técnicas conjuntos entre assistentes sociais e psicólogos
2009
Resolução n. 559 Dispõe sobre a atuação do assistente social na qualidade de perito ou assistente técnico, quando convocado a prestar depoimento como testemunha, pela autoridade competente
2009
Resolução n. 569 Regulamenta a vedação da realização de terapias associadas ao título e/ou ao exercício profissional do assistente social
2010
Resolução n. 572 Dispõe sobre a obrigatoriedade de registro nos CRESS dos assistentes sociais que exerçam funções ou atividades de atribuição do assistente social, mesmo em contratos sob a nomenclatura de cargos genéricos
2010
Resolução n. 590 Regulamenta o procedimento de aplicação de multas pelos CRESS, por descumprimento da Lei 8.662/93 e em especial por exercício da profissão de assistente social sem registro no CRESS competente.
2010
Fonte: Pesquisadora, 2013
217
ANEXO D – QUADRO 1: ATIVIDADES CBO
Quadro 1 - Atividades CBO
GACS – Atividades
A - ORIENTAR INDIVÍDUOS, FAMÍLIAS, GRUPOS, COMUNIDADES E INSTITUIÇÕES
A.1 - Esclarecer dúvidas A.2 - Orientar sobre direitos e deveres A.3 - Orientar sobre acesso a direitos instituídos A.4 - Orientar sobre rotinas da instituição A.5 - Orientar sobre cuidados especiais A.6 - Orientar sobre serviços e recursos sociais A.7 - Ensinar a otimização do uso de recursos A.8 - Orientar sobre a otimização do uso de recursos A.9 - Desenvolver programas de educação alimentar para sadios A.10 - Orientar sobre normas, códigos e legislação A.11 - Orientar sobre processos, procedimentos e técnicas A.12 - Orientar sobre aspectos ergonômicos do trabalho A.13 - Organizar grupos sócio-educativos A.14 - Facilitar grupos sócio-educativos A.15 - Assessorar orgãos públicos e entidades civis A.16 - Assessorar empresas na elaboração de programas e projetos sociais A.17 - Organizar cursos, palestras, reuniões
B - PLANEJAR POLÍTICAS SOCIAIS
B.1 - Elaborar planos, programas e projetos específicos B.2 - Delimitar o problema B.3 - Definir público-alvo B.4 - Definir objetivos e metas B.5 - Definir metodologia B.6 - Formular propostas B.7 - Estabelecer prioridades B.8 - Estabelecer critérios de atendimento B.9 - Programar atividades B.10 - Estabelecer cronograma B.11 - Definir recursos humanos B.12 - Definir recursos materiais B.13 - Definir recursos financeiros B.14 - Consultar entidades e especialistas B.15 - Definir parceiros
C - PESQUISAR A REALIDADE SOCIAL
C.1 - Realizar estudo sócio-econômico C.2 - Pesquisar interesses da população C.3 - Pesquisar o perfil do usuário C.4 - Pesquisar características da área de atuação C.5 - Pesquisar informações ´in loco´ C.6 - Pesquisar entidades e instituições C.7 - Realizar pesquisas bibliográficas e documentais C.8 - Estudar viabilidade de projetos propostos C.9 - Levantar número de usuários C.10 - Coletar dados
218
C.11 - Organizar dados coletados C.12 - Compilar dados C.13 - Tabular dados C.14 - Difundir resultados da pesquisa C.15 - Buscar parceiros C.16 - Pesquisar a satisfação do usuário
D - EXECUTAR PROCEDIMENTOS TÉCNICOS
D.1 - Registrar atendimentos D.2 - Denunciar situações-problema D.3 - Requisitar acomodações e vagas em equipamentos sociais D.4 - Formular relatórios D.5 - Formular pareceres técnicos D.6 - Formular rotinas e procedimentos D.7 - Formular cardápios para sadios D.8 - Integrar grupos de estudo de casos D.9 - Formular instrumental (Formulários, questionários, etc) D.10 - Requisitar mandado de busca
E - MONITORAR AS AÇÕES EM DESENVOLVIMENTO
E.1 - Acompanhar a execução de programas, projetos e planos E.2 - Analisar as técnicas utilizadas E.3 - Apurar custos E.4 - Verificar resultados de programas, projetos e planos E.5 - Verificar atendimento dos compromissos acordados com o usuário E.6 - Criar critérios e indicadores para avaliação E.7 - Aplicar instrumentos de avaliação E.8 - Avaliar cumprimento dos objetivos de programas, projetos e planos propostos E.9 - Avaliar satisfação dos usuários
F - PROMOVER EVENTOS TÉCNICOS E SOCIAIS
F.1 - Determinar natureza e objetivos do evento F.2 - Escolher local F.3 - Preparar programação F.4 - Divulgar o evento F.5 - Comprar material promocional F.6 - Preparar o convite F.7 - Selecionar material técnico-científico F.8 - Preparar material de divulgação F.9 - Contratar pessoal e serviços F.10 - Providenciar material operacional F.11 - Convidar público-alvo e participantes F.12 - Preparar lista de convidados F.13 - Preparar anais para publicação
G - ARTICULAR RECURSOS DISPONÍVEIS
G.1 - Identificar equipamentos sociais disponíveis G.2 - Identificar recursos financeiros disponíveis G.3 - Negociar com entidades e instituições G.4 - Formar parcerias G.5 - Obter recursos financeiros, materiais e humanos G.6 - Formar uma rede de atendimento G.7 - Identificar vagas no mercado de trabalho para colocação/recolocação G.8 - Identificar possibilidades de geração de renda G.9 - Intensificar os contatos G.10 - Realocar recursos disponíveis G.11 - Propor verbas orçamentárias G.12 - Participar de comissões técnicas G.13 - Participar de conselhos municipais, estaduais e federais de direitos e
219
políticas públicas
H - COORDENAR EQUIPES E ATIVIDADES
H.1 - Coordenar projetos H.2 - Coordenar grupos de trabalho H.3 - Recrutar pessoal H.4 - Selecionar pessoal H.5 - Escalar pessoal H.6 - Atribuir tarefas à equipe H.7 - Treinar pessoal H.8 - Supervisionar trabalho dos técnicos da área H.9 - Supervisionar estágios curriculares
I - DESEMPENHAR TAREFAS ADMINISTRATIVAS
I.1 - Preencher formulários I.2 - Providenciar documentação oficial I.3 - Cadastrar usuários, entidades e recursos I.4 - Controlar fluxo de documentos I.5 - Administrar recursos financeiros I.6 - Controlar custos I.7 - Controlar dados estatísticos I.8 - Fazer estatísticas I.9 - Requisitar reforço policial
Z - DEMONSTRAR COMPETÊNCIAS PESSOAIS
Z.1 - Trabalhar com ética profissional Z.2 - Manter-se atualizado Z.3 - Ouvir atentamente (saber ouvir) Z.4 - Demonstrar bom senso Z.5 - Demonstrar sensibilidade Z.6 - Contornar situações adversas Z.7 - Trabalhar em equipe Z.8 - Manter-se imparcial Z.9 - Demonstrar auto-controle Z.10 - Lidar com estresse Z.11 - Demonstrar discrição Z.12 - Manter-se disciplinado Z.13 - Manter-se firme Z.14 - Demonstrar persistência Z.15 - Mediar conflitos Z.16 - Participar de grupos de estudo Z.17 - Demonstrar sensibilidade política Z.18 - Estimular a criação de novos recursos Z.19 - Respeitar as diversidades étnicas, culturais, de gênero, de credo, de opção sexual, etc Z.20 - Demonstrar criatividade Z.21 - Manter o sigilo profissional Z.22 - Manter-se flexível Z.23 - Demonstrar ousadia
Fonte: http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/BuscaPorTitulo.jsf
220
ANEXO E – LISTA DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS
Atividade Legislação
Administrador Lei nº 4.769/65
Advogado Lei nº 8.906/94
Aeronauta Lei nº 7.183/84
Lei nº 7.565/86
Agrônomo Lei nº 4.950-A/66
Lei nº 5.194/66
Arquivista/Técnico de Arquivo Lei nº 6.546/78
Decreto nº 82.590/85
Arquiteto Lei nº 4.950-A/66
Lei nº 5.194/66
Arquivista Lei nº 6.546/78
Artista/Técnico em Espetáculos de Diversões
Lei nº 6.533/78
Decreto nº 82.385/78
Assistente Social Lei nº 8.662/1993
Atleta Profissional de Futebol Lei nº 6.354/76
Lei nº 9.615/98
Atuário Decreto-Lei nº 806/79
Decreto nº 66.408/70
Auxiliar em Saúde Bucal Lei nº 11.889/2008
Biólogo e Biomédico Lei nº 6.684/79
Bombeiro Civil Lei nº 11.901/2009
Contador e Contabilista Decreto-Lei nº 9.295/46
Corretor de Imóveis Lei nº 6.530/78
Corretor de Seguros Lei nº 4.594/64
Dentista Lei nº 4.324/64
Lei nº 5.081/66
Economista Lei nº 1.411/51
221
Economista Doméstico Lei nº 7.387/85
Enfermeiro Lei nº 2.604/55
Lei nº 7.498/86
Engenheiro Lei nº 4.9550-A/66
Lei nº 5.194/66
Lei nº 7.064/82
Engenheiro de Segurança do Trabalho Lei nº 7.410/85
Enólogo Lei nº 11.476/2007
Estatístico Lei nº 4.739/65
Farmacêutico Lei nº 3.820/60
Fisioterapeuta Lei nº 6.316/75
Lei nº 8.856/94
Fonoaudiólogo Lei nº 6.965/81
Geógrafo Lei nº 6.664/79
Geólogo Lei nº 4.076/62
Guardador e Lavador Autônomo de Veículos
Lei nº 6.242/75
Guia de Turismo Lei nº 8.623/93
Jornalista Decreto-Lei nº 972/69
Leiloeiro Decreto nº 21.981/32
Leiloeiro Rural Lei nº 4.021/61
Mãe Social Lei nº 7.644/87
Massagista Lei nº 3. 968/61
Médico Lei nº 3.268/57
Lei nº 6.932/81
Motoboy Lei nº 12.009/2009
Mototaxista Lei nº 12.009/2009
Museólogo Lei nº 7.287/84
Músico Lei nº 3.857/60
Nutricionista Lei nº 6.583/78
222
Lei nº 8.324/91
Oceanógrafo Lei nº 11.760/08
Orientador Educacional Lei nº 5.564/68
Professor Lei nº 3.857/60
Lei nº 9.696/98
Psicólogo Lei nº 4.119/62
Lei nº 5.766/71
Publicitário Lei nº 4.680/65
Químico Lei nº 2.800/56
Lei nº 4.950-A/66
Radialista Lei nº 6.615/78
Relações Públicas Lei nº 5.377/67
Representante Comercial Lei nº 4.886/65
Secretário Lei nº 7.377/85
Sociólogo Lei nº 6.888/80
Técnico de Segurança do Trabalho Lei nº 7.410/85
Técnico em Prótese Dentária Lei nº 6.710/79
Técnico em Radiologia Lei nº 7.394/85
Técnico em Saúde Bucal Lei nº 11.889/08
Trabalhador Avulso Lei nº 4.860/65
Lei nº 5.085/66
Lei nº 7.002/82
Lei nº 9.719/98
Trabalhador Doméstico Lei nº 5.859/72
Decreto nº 71.885/73
Trabalhador Rural Lei nº 5.889/73
Treinador de Futebol Lei nº 8.650/93
Vendedor Pracista ou Viajante Lei nº 3.207/57
Veterinário Lei nº 4.9450-A/66
Lei nº 5.517/68
223
Vigia Lei nº 7.313/85
Vigilante Lei nº 7.102/83
Zootecnista Lei nº 5.550/68
Fonte: https://www.webcontabil.com.br/ver_noticia_publica.php?v1=93116&v2=www.sevilha.com.br
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