PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
MARLENE BUENO ZOLA
CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES – a questão das políticas públicas/sociais em relação
à família: estudo acerca de suas possibilidades em diferentes cidades
DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL
SÃO PAULO
2011
ii
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
MARLENE BUENO ZOLA
CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES – a questão das políticas públicas/sociais em relação
à família: estudo acerca de suas possibilidades em diferentes cidades
DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL
Tese apresentada à Comissão Julgadora da
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de Doutor em Serviço Social, sob a
orientação da Profª. Drª. Marta Silva
Campos.
SÃO PAULO
2011
iii
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________
iv
Às crianças e aos jovens por representarem a inspiração e
a esperança de uma sociedade mais justa e fraterna.
Ao Sergio e às crianças, Marcelo, Roberta e Luara,
pela cumplicidade da convivência familiar feliz.
v
AGRADECIMENTOS Aos meus pais, in memoriam. À minha mãe, Francisca, pela determinação e
empreendedorismo, e ao Nego, pelos fortes princípios éticos e valorização do
estudo.
À minha orientadora, professora doutora Marta Silva Campos, que compartilhou sua
amizade, sabedoria e confiança durante todo o processo percorrido.
À professora doutora Maria Lúcia Carvalho da Silva, pelo aprendizado, estímulo e as
preciosas sugestões no processo de qualificação.
À professora doutora Maria Liduina de Oliveira e Silva, pelas valiosas sugestões
dadas no processo de qualificação.
À professora doutora Myrian Veras Baptista, incentivadora desta realização.
Às professoras doutoras, Maria Carmelita Yasbeck, Maria Lúcia Martinelli, Raquel
Raichelis Degenszajn, pela acolhida no Programa de Pós-graduação em Serviço
Social e pelos aprendizados obtidos, nesse processo de formação.
A todos os parceiros do Projeto de Cooperação Internacional das cidades de Milão,
Nantes, Bellavista, Soriano, São Bernardo do Campo e à Associazione Amici dei
Bambini (Aibi), pelas informações, impressões e vivência durante este período.
Especial agradecimento ao prefeito à época, no Município de São Bernardo do
Campo, William Dib, e a todos os amigos e funcionários da Fundação Criança de
São Bernardo do Campo, pelo compartilhamento e compromisso durante esta
trajetória.
À Comunidade Europeia que, por intermédio do Programa URB-AL possibilitou as
condições objetivas para a realização desta pesquisa de cooperação internacional.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pela
concessão da bolsa parcial de Doutorado, determinante para a consecução deste
trabalho.
Ao Sergio e às crianças, Marcelo e Roberta, pela compreensão das ausências, pelo
estímulo e carinho.
vi
RESUMO
ZOLA, Marlene Bueno. Convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes – a questão das políticas públicas/sociais em relação à família: estudo acerca de suas possibilidades em diferentes cidades. 2011.
A convivência familiar e a comunitária e a centralidade da família nas políticas públicas/sociais são temas atuais, em âmbito internacional. Respondendo à exigência de seu debate, esta tese tem por objeto de análise as diferentes conformações dos sistemas de proteção social a partir da inter-relação da família com o Estado. Parte da hipótese de que essas políticas não incorporam, em seu desenho e implantação, a devida atenção às muitas transformações, de modo geral, constatadas nas famílias, comprometendo a cobertura adequada, em termos da proteção social de seus membros, especialmente das crianças e dos adolescentes. Para verificar esse fato, os objetivos da pesquisa concentram-se em distinguir as determinações de natureza estrutural e do cotidiano que afetam as famílias, em conjunto com as respostas institucionais configuradas no bojo da política social. O processo metodológico fundamenta-se na análise sócio-histórica das abordagens conceituais sobre família, Estado e proteção social e na compreensão das determinações presentes, desde o reconhecimento da questão social à concretização da decisão política, inicialmente expressa em normatizações, até a sua efetivação, em benefícios e serviços públicos. Compreendida no período de 2005 a 2010, tem como base empírica um estudo de âmbito internacional realizado nas cidades de São Bernardo do Campo, no Brasil; Bellavista, no Peru; Soriano, no Uruguai, pela América Latina. E Milão, na Itália, e Nantes, na França, pela Europa. A aproximação analítica sobre o perfil das famílias com demanda de proteção social permitiu constatar importantes proximidades e diferenças entre esses vários locais. Entre elas, a semelhança quanto à estrutura familiar, em que se destacam o padrão monoparental feminino e as dificuldades mais expressivas relacionadas a questões econômicas, educação dos filhos, insuficiência ou inadequação no geral quanto às políticas desenvolvidas. A análise comparada das cidades sócias possibilitou reconhecer expressões da questão social que conduzem crianças e adolescentes ao acolhimento institucional, e também de apoio familiar, tanto no plano da legislação como no dos benefícios, programas, projetos e serviços. O estudo confirma a prioridade conferida à criança e ao adolescente pelas diretrizes referentes ao conjunto de ações de proteção empreendidas nas cidades estudadas. Aponta assim a importância estratégica atribuída à família como a instância provedora de proteção social. De fato, as condições de intervenção pública distinguem-se. Entre elas, podem ser observadas três modalidades de abordagem da família: o familismo; as políticas implícitas de apoio familiar; e a adoção de uma política familiar explícita. Palavras-Chave: Família; Criança e adolescente; Convivência familiar e comunitária; Proteção social; Política familiar explícita e implícita; Familismo.
vii
ABSTRACT
ZOLA, Marlene Bueno. Familiar and communitarian living together of children and teenagers – the issue of public/social policies related to the family: study about their possibilities in different cities. 2011. The familiar and the communitarian living together and the centrality of the family in the public/social policies are current themes, in the international environment. In response to the demand of its debate, this thesis has for object the analysis of the different configurations of the social protection systems from the inter-relationship of the family with the State. It starts from the hypothesis that these policies do not incorporate, in their design and deployment, the due attention to the several transformations, in general, verified in the families, compromising the adequate coverage, in terms of social protection of their members, especially children and teenagers. To check out this fact, the research objective focuses in distinguishing the determinations of structural nature and the day-to-day which affect the families, together with the institutional responses configured amidst of the social policy. The methodological process is founded in the social-historical analysis of the conceptual approaches about families, State and social protection and in the understanding of the present determinations, from recognizing the Social Question to the materializing of the political decision, initially expressed in norms, until its effectuation, in public benefits and services. Comprehended between 2005 and 2010, has for empirical basis a study of international scope conducted in the cities of São Bernardo do Campo, in Brazil; Bellavista, in Peru; Soriano, in Uruguay, for Latin America; and Milan, in Italy, and Nantes in France, for Europe. The analytical approximation on the profile of the families with demand for social protection allowed verifying important proximities and differences among these several locations. Among them, the similarity of the familiar structure, in which the feminine single parent standard and the more expressive difficulties related to economical issues, children education, insufficiency or inadequacy in general of the policies developed are outstanding. The comparative analysis of the partner cities allowed for the recognition of expressions of the Social Question which lead children and teenagers to institutional protection, and also the familiar support, both in the legislation area and in the benefits, programs, projects and services. The study confirms the priority given to the child and the teenager by the guidelines related to the set of protection actions carried out by the cities studied. Therefore it points out the strategic importance attributed to the family as the designed providing instance of social protection. As a matter of fact, the public intervention conditions are distinct. Among them, three kinds of family approach may be observed: the familism; the implicit policies of family support; and the adoption of explicit familiar policy. Keywords: Family; Child and teenager; Familiar and communitarian living together; Social protection; Explicit and implicit familiar policy; Familism.
viii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................
CAPÍTULO 1. A FAMÍLIA E A PROTEÇÃO SOCIAL: DO
ASSOCIATIVISMO AO INDIVIDUALISMO.......................................................
1.1 ORIGEM DA FAMÍLIA E DO PATRIARCALISMO: DIMENSÕES
SOCIAL, ECONÔMICA E POLÍTICA.................................................................
1.1.1 A família patriarcal brasileira..........................................................
1.1.2 A criança e a família europeia: a sociabilidade na idade média
e o reconhecimento do sentimento da criança e da família...............................
1.2 A INDIVIDUALIZAÇÃO E AS TRANSFORMAÇÕES DA FAMÍLIA
MODERNA.........................................................................................................
1.2.1 A individualização e a afetividade da família moderna...................
1.2.2 A individualização dos membros familiares, a questão de gênero
e as transformações da família contemporânea................................................
1.2.2.1A interdependência do trabalho e a organização familiar
doméstica: uma difícil conciliação da família contemporânea...........................
CAPÍTULO 2. O ESTADO E PROTEÇÃO SOCIAL PÚBLICA........................
2.1 QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS...................................
2.1.1 Questão social: causalidades e expressões na atualidade............
2.1.2 Políticas públicas: ação dos governos e inter-relações entre o
Estado e sociedade civil.....................................................................................
2.2 PROTEÇÃO SOCIAL PÚBLICA: ORIGEM E FUNDAMENTOS.........
2.2.1 A Proteção Social no Brasil: o surgimento e a prevalência do
17 23
23
26
29
34
39
41
47
52
58
60
60
65
ix
Seguro Social.....................................................................................................
2.3 O SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRO E OS
AVANÇOS DE DIREITOS DE CIDADANIA: UM PROCESSO EM
CONSTRUÇÃO..................................................................................................
2.3.1 O Sistema Único de Assistência Social (Suas): um novo marco
regulatório conceitual e gerencial......................................................................
CAPÍTULO 3. A CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA DE
CRIANÇAS E ADOLESCENTES E A CENTRALIDADE DA FAMÍLIA NA
POLÍTICA PÚBLICA SOCIAL CONTEMPORÂNEA........................................
3.1 O ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES COMO POLÍTICA PÚBLICAS DE PROTEÇÃO SOCIAL....
3.1.1 A institucionalização como política de proteção social a famílias
pobres: uma retrospectiva histórica...................................................................
3.1.2 A institucionalização como dialética do abandono e do poder
disciplinar: uma cultura instituída.......................................................................
3.2 A CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA: UM PRINCÍPIO E
UMA ESTRATÉGIA DE PROTEÇÃO SOCIAL A CRIANÇAS E
ADOLESCENTES..............................................................................................
3.3 A CENTRALIDADE DA FAMÍLIA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS:
DIFERENTES ABORDAGENS SOBRE O LUGAR ATRIBUÍDO À FAMÍLIA
NA PROTEÇÃO SOCIAL...................................................................................
CAPÍTULO 4. UMA EXPERIÊNCIA DE COOPERAÇÃO INTERNACIONAL
PARA PROTEÇÃO SOCIAL DE CRIANÇAS, ADOLESCENTES E
FAMÍLIAS..........................................................................................................
4.1 O PROJETO DE COOPERAÇÃO DESCENTRALIZADA ENTRE
79
85
91
97
99
99
104
107
116
124
x
LOCALIDADES DA AMÉRICA LATINA E EUROPA..........................................
4.1.1 O projeto comum: antecedentes, concepção, objetivos e
dinâmica.............................................................................................................
4.1.2 A metodologia da pesquisa: um estudo prático em análise
comparada.........................................................................................................
4.1.2.1 Breve caracterização das localidades da América Latina e
Europa parceiras do projeto de cooperação internacional.................................
4.2 EXPRESSÕES DA QUESTÃO SOCIAL QUE CONDUZEM AO
ACOLHIMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES......................................
4.2.1 A frequência e a motivação do acolhimento institucional nas
cidades parceiras do projeto comum.................................................................
4.2.2 A família com demanda de proteção social especial: uma
aproximação empírica na cidade de São Bernardo do Campo.........................
4.2.2.1 A Fundação Criança de São Bernardo do Campo e o Centro
de Atendimento à Família (CAF): breve caracterização com antecedentes
históricos, objetivos e serviços...........................................................................
4.2.2.2 Perfil das famílias com demanda de proteção social: a
vulnerabilidade da família monoparental feminina em suas dimensões
objetivas e subjetivas.........................................................................................
4.3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE APOIO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E
COMUNITÁRIA: UM ESTUDO COMPARADO EM DIFERENTES
LOCALIDADES..................................................................................................
4.3.1 A convivência de crianças, adolescentes e famílias: legislações,
serviços e benefícios de proteção social das cidades parceiras do projeto de
cooperação internacional...................................................................................
125
125
131
136
141
141
145
146
149
159
160
xi
4.3.2 A convivência familiar e comunitária: um direito da criança e do
adolescente e as diferentes regulações de políticas familiares nas cidades da
América Latina e Europa parceiras do projeto comum......................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................
REFERÊNCIAS..................................................................................................
ANEXOS............................................................................................................
182
187
192
211
xii
LISTA DE QUADROS
Quadro 1. Programação do I Encontro de Cooperação Internacional.................
Quadro 2. Programação do II Encontro de Cooperação Internacional................
Quadro 3. Perfil dos sujeitos classificados por localidade, conforme gênero,
graduação, atuação profissional e tipo de participação na pesquisa....................
Quadro 4. Motivação de acolhimento institucional por ordem de ocorrência nas
cidades parceiras do projeto comum....................................................................
Quadro 5. Perfil dos sujeitos da pesquisa, por idade, sexo, função, formação e
tempo na Instituição..............................................................................................
Quadro 6. Legislação sobre os direitos da convivência familiar e comunitária
de crianças e adolescentes por parceiro/país.......................................................
Quadro 7. Programas, projetos, serviços e benefícios públicos sociais básicos
para os cuidados da criança e adolescente, por parceiro, segundo os objetivos.
Quadro 8. Programas, projetos e serviços públicos especializados, de média
complexidade, para os cuidados da criança e adolescente, por parceiro,
segundo os objetivos............................................................................................
Quadro 9. Programas, projetos e serviços públicos especializados, de alta
complexidade, para os cuidados da criança e adolescente por parceiro,
segundo os objetivos............................................................................................
Quadro 10. Programas, projetos, serviços e benefícios públicos de combate à
pobreza de famílias, por parceiro, segundo os objetivos......................................
Quadro 11. Benefícios sociais de conciliação trabalho e família, por parceiro,
segundo os objetivos............................................................................................
129
131
135
144
149
161
165
169
172
176
179
xiii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Dados e percentagem da população geral e de crianças e
adolescentes, por parceiro do projeto comum.....................................................
Tabela 2. Índice de desenvolvimento humano, taxa de mortalidade infantil e
taxa de analfabetismo, por parceiro do projeto comum.......................................
Tabela 3. Dados de domicílios sem esgoto, água encanada e coleta de lixo,
por parceiro do projeto comum............................................................................
Tabela 4. Frequência e percentagem de crianças e adolescentes em
acolhimento institucional, por parceiro do projeto comum...................................
136
139
140
142
xiv
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1. Distribuição percentual de adultos que buscam os serviços do CAF,
por gênero.............................................................................................................
Gráfico 2. Distribuição percentual dos adultos que frequentam os serviços do
CAF, por gênero....................................................................................................
Gráfico 3. Distribuição percentual das mulheres atendidas pelo CAF, por
estado civil.............................................................................................................
Gráfico 4. Distribuição percentual das mulheres atendidas pelo CAF, por faixa
etária......................................................................................................................
Gráfico 5. Distribuição percentual das mulheres atendidas pelo CAF, conforme
prevalência de escolaridade..................................................................................
Gráfico 6. Distribuição percentual das mulheres atendidas pelo CAF, conforme
relação de trabalho................................................................................................
Gráfico 7. Distribuição percentual das mulheres atendidas pelo CAF, conforme
prevalência de renda.............................................................................................
150
150
151
154
155
155
156
xv
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
Aibi - Associazione Amici dei Bambini
BPC - Benefício de Prestação Continuada
CACJ - Centro de Atendimento a Criança e a Juventude
CAF - Centro de Atendimento à Família
Case - Centro de Atendimento às Medidas Socioeducativas
Caps - Centro de Apoio Psicossocial
Cepal - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CF - Constituição Federal
CIT - Centro de Iniciação ao Trabalho
CLT - Consolidação das Leis do Trabalho
CMAS - Conselho Municipal de Assistência Social
CMDCA - Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
CNAS - Conselho Nacional de Assistência Social
Conanda - Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
Cras - Centro de Referência da Assistência Social
Creas - Centro de Referência Especializado de Assistência Social
ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente
Febem - Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor
Fiocruz - Fundação Oswaldo Cruz
Fubem - Fundação Municipal do Bem-Estar do Menor
Funabem - Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
IBGE - Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Idest - Instituto de Desenvolvimento Sustentável
Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LBA - Legião Brasileira de Assistência
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
Loas - Lei Orgânica de Assistência Social
MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome
MP - Ministério Público
NOB - Norma Operacional Básica
OIT - Organização Internacional do Trabalho
ONU - Organização das Nações Unidas
xvi
Paefi - Serviço de Atendimento Especializado à Família e Indivíduo
Paif - Serviço de Atendimento Integral à Família
Pnad - Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar
PNAS - Política Nacional de Assistência Social
PNCFC - Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de
Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária
SAM Serviço de Assistência a Menores
SBC - São Bernardo do Campo
SEDH - Secretaria Nacional de Direitos Humanos
SNPDCA - Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do
Adolescente
SGD - Sistema de Garantia de Direitos
Suas - Sistema Único de Assistência Social
Unicef - Fundo das Nações Unidas para a Infância
17
INTRODUÇÃO
As sociedades humanas, no decorrer da história, criam formas de proteção de
seus membros para a produção e reprodução da espécie. Nas sociedades
modernas, a proteção social dos indivíduos e da sociedade como um todo é
realizada pela combinação das funções da família, do trabalho e do Estado, que
exercem, entre si, poderes e produzem efeitos, conforme a dinâmica e as forças
sociais.
As transformações econômicas recentes que vêm impactando o mundo do
trabalho, com flexibilização de direitos trabalhistas, aumento de desemprego e
consequente crise geral do sistema de proteção social, fundado na sociedade
salarial, clamam medidas públicas reguladoras e de proteção por parte do Estado, e
apelam à solidariedade privada – à família como instância em particular.
Por sua vez, as transformações familiares, inseparáveis do massivo ingresso
da mulher no mundo do trabalho e da democratização das relações sociais,
provocam nova composição em sua institucionalidade, alteram a dinâmica interna e,
enfim, reforçam a naturalização da capacidade de proteção social da família.
Esses dois fatores provocam tensões estruturais que causam desequilíbrios
na dinâmica social e exigem novas intervenções públicas.
Nosso objeto de estudo foi escolhido de forma a compreender as
consequências daí advindas para a atenção à criança, ao adolescente e à família,
constituindo-se no reconhecimento da proteção social a partir da inter-relação de
dois dos seus pilares, a família e o Estado, numa interlocução analítica que tem por
base as literaturas brasileira e internacional em que a família é conduzida à
centralidade das políticas públicas sociais, aclamada enquanto lugar ideal de
socialização e desenvolvimento integral dos indivíduos, em especial crianças e
adolescentes.
O princípio do direito à convivência familiar e comunitária tem como
contraponto a tradição histórica da prática do acolhimento institucional como medida
de proteção social pública destinada a crianças e adolescentes pobres, construída
pela ideologia fundada na incapacidade da família em prover proteção e educação
para seus filhos.
18
A motivação pelo tema da pesquisa surgiu a partir da constatação das
dificuldades em garantir o direito à convivência de crianças, adolescentes e famílias
com demanda de proteção social atendidas pela Fundação Criança de São
Bernardo do Campo (SP), nos anos de 2005 a 2008, período em que dirigi a
fundação no município. Com acesso ao serviço de acolhimento institucional,
crianças e adolescentes eram encaminhados pelo Sistema de Garantia de Direitos,
como medida de proteção, com pedido de apoio às famílias para retorno familiar.
Tratava-se de crianças e adolescentes em situação de rua, vítimas de
violência doméstica, abuso e exploração sexual, com várias deficiências,
adolescentes com abuso do uso de drogas e iniciantes no tráfico, dentre outras
situações. Afastam-se gradativamente da convivência familiar e as respostas
institucionais mostram-se insuficientes para romper o ciclo de inclusão/exclusão,
representado pelo ingresso reiterado e reproduzido circularmente do acolhimento
institucional - retorno às famílias - saída de novo para as ruas. Um fenômeno que
expõe simultaneamente as vulnerabilidades e os desvios contidos no âmbito
doméstico e nas políticas públicas.
A busca da garantia do direito às convivências familiar e comunitária de
crianças e adolescentes vem produzindo estudos, fundamentados principalmente
em experiências alternativas aos cuidados parentais. São pesquisas sobre famílias
acolhedoras, adoção e também sobre o reordenamento do acolhimento institucional,
para torná-los mais personalizados, com a preservação dos vínculos familiares e
comunitários e também com estímulo ao protagonismo da criança e do adolescente
atendidos.
Analisamos as famílias das crianças com demanda de proteção social,
condição que possibilita melhor apreender a totalidade do processo dialético que
conduz à violação do direito social nos âmbitos doméstico e público. Não se trata de
analisar como substituir as famílias das crianças em situação de vulnerabilidade,
mas, sim, de distinguir as determinações que caracterizam as dificuldades familiares,
de natureza estrutural e do cotidiano, que devem ser transformadas em respostas
institucionais expressas em políticas públicas.
A Assistência Social, um dos tripés da Seguridade Social brasileira, com
reconhecidos avanços institucionais nas duas últimas décadas, coloca na atualidade
importante desafio no sentido de proporcionar resultados concretos, expressos em
programas, projetos e serviços. Assim sendo, o presente estudo tem como proposta
19
a construção do projeto ético-político do Serviço Social, vinculado a um projeto
societário em favor da ampliação e da consolidação da cidadania.
Algumas perguntas orientaram esta pesquisa, que trabalhou como objeto a
família em sua complexidade. As representações e construções sociais sobre família
que caracterizam a ação das políticas públicas expressam a realidade da família na
atualidade? Quais as expressões da questão social presentes na família que
conduzem crianças ao acolhimento institucional? A convivência familiar e
comunitária é um direito apenas da criança e do adolescente ou é também da
família? Qual o lugar ocupado pela família na política social, em suas diversas
expressões, quando a ela é atribuída centralidade?
Como hipótese sugerimos que a convivência familiar demanda ações
coletivas mais diversificadas, para fortalecer sua capacidade de proteção econômica
e relacional, pois a atual política expõe sua insuficiência na compreensão do impacto
das transformações estruturais do segmento específico que atende e da sociedade.
Os objetivos da pesquisa, de natureza exploratória e explicativa,
concentraram-se na identificação das estruturas de apoio familiar, em diferentes
cidades, reconhecendo o movimento dialético de sua configuração que avança da
apreensão da questão social para a ação de intervenção pública.
As abordagens conceituais sobre família, questão social, política social e
institucionalização compuseram o embasamento teórico deste trabalho cuja análise
sócio-histórica possibilitou situar os acontecimentos no tempo e espaço, além do
reconhecimento de suas inter-relações e forças impulsoras. Essa forma de análise
também permitiu maior distanciamento das evidências familiares e construções
teóricas menos homogeneizantes da realidade social.
Qualificada no gênero de pesquisa prática, voltada à intervenção na realidade
social, conta com dois procedimentos distintos e complementares, para a coleta de
informações e análise, realizadas no período compreendido entre 2005 a 2010. Um
deles, o levantamento de campo para aproximação empírica do perfil das famílias
com demanda de proteção social e, o outro, por intermédio de pesquisa participante,
do tipo pesquisa-ação, realizada pela cooperação internacional entre cidades da
América Latina e Europa.
20
A cooperação internacional1 inclui como localidades parceiras São Bernardo
do Campo, no Brasil, Bellavista, no Peru, e Soriano, no Uruguai, pela América
Latina; Milão, na Itália, e Nantes, na França, pela Europa. A pesquisa-ação tem
como fonte de informação a combinação de técnicas de interação de experiências
na forma de seminários, oficinas, visitas técnicas, preenchimento de formulários e
consulta documental. Seus informantes são considerados sujeitos significativos,
responsáveis institucionais pelos dados fornecidos de suas cidades e países,
embasados em fontes oficiais e abordagem classificada como informações sobre
fatos.
Os dados coletados possibilitam reconhecer dados populacionais e
socioeconômicos que caracterizam as cidades e sua situação nos respectivos
países; expressões da questão social que motivam o acolhimento institucional de
crianças e adolescentes; legislação específica de proteção especial à criança, ao
adolescente e às famílias; políticas públicas/sociais de apoio familiar desenvolvidas.
Em São Bernardo do Campo, o levantamento, realizado no Centro de
Atendimento à Família (CAF), da Fundação Criança, inclui técnicas de análise
documental, análise de fichas cadastrais das famílias atendidas e entrevistas com
seis sujeitos significativos, técnicos com conhecimento direto da realidade, que
desenvolvem os trabalhos com as famílias.
Como é comum no caso de análises comparativas, observa-se que os
contextos diferenciados dificultam a construção de parâmetros seguros de análise
entre as cidades, considerando a distância entre suas realidades.
A pesquisa oferece, entretanto, a possibilidade de reconhecer, nas cidades
sócias, a prevalência de questões bastante similares - embora variando em graus e
modalidades -, como conflitos familiares que avançam para a violência doméstica,
acompanhados de problemas de saúde dos pais; níveis de pobreza, situação de rua;
abuso e exploração sexual de crianças e, também, situações de orfandade ou
abandono, que conduzem crianças e adolescentes ao acolhimento institucional.
As políticas estudadas, definidas como os conteúdos concretos da decisão
política, são identificadas a partir de legislação específica, da inserção do tema na
1 Financiada pela União Europeia, por intermédio do programa URB-AL, tem o objetivo de estimular o intercâmbio de experiências entre os parceiros interessados em encontrar soluções compartilhadas para problemas comuns. O projeto comum, com antecedentes, concepção, objetivos e dinâmica é descrito no item 4.1.1 desta tese.
21
agenda política, e também, no momento de sua operacionalização, por meio de
programas, projetos, serviços e benefícios.
Identificamos a precedência de algumas delas, focalizadas na criança e no
adolescente, para a proteção e o combate de violação de direitos sociais. Quando o
objeto é a família, contudo, as cidades pesquisadas demonstram incompletude e
também grande diversidade quanto à atribuição de seu lugar no sistema de proteção
social.
O levantamento das políticas de apoio familiar possibilita reconhecer a
diversificação de serviços, que distinguem as cidades em grau de cobertura de
políticas familiares. Entre as cidades sócias, detectam-se três modalidades de
abordagem da família: o familismo; as políticas implícitas de apoio familiar; e as
políticas familiares explícitas.
A organização da tese é estruturada em quatro capítulos. O Capítulo 1 aborda
a família e a proteção social. Sobre família, realizamos um estudo sócio-histórico em
que são correlacionados os aspectos estruturais e funcionais, com dimensões
aglutinadoras de ordens social, econômica, política e afetivo-relacional. Esses
fatores são considerados tendo-se em vista que vêm garantindo, ao longo do tempo,
a forma básica de organização social para a sobrevivência, produção e reprodução
da espécie humana.
São observadas as diferentes configurações de família, que não se esgotam
em seus tempos históricos, ou com o surgimento de novos modelos. Eles
demonstram, contudo, prevalência em alguns períodos, configurando-se como
fenômenos sociais expressivos e determinados pelas ordens política, econômica e
social.
O Capítulo 2 aborda o Estado e a proteção social pública, e nele são
analisadas as relações existentes entre a questão social e as políticas públicas,
elementos constitutivos do processo que caminha do reconhecimento das
expressões de desigualdade social para as ações interventivas do Estado.
Nesse capítulo, ainda são apresentadas as abordagens conceituais
complementares de vários autores sobre a questão social na atualidade,
identificando o impacto das questões estruturais econômicas, mas com importantes
avanços analíticos que possibilitam identificar também dimensões sociais, políticas,
culturais, psicológicas e administrativas. As expressões da questão social permitem
22
identificar, além dos problemas econômicos, a fragilização dos vínculos familiares na
atualidade e a inadequação das intervenções públicas realizadas.
A proteção social pública é apreendida, neste estudo, em duas correntes de
pensamento. Uma, de caráter estrutural sócio-histórico, é baseada nas concepções
e modelos do Estado. A outra, com estudos mais recentes e construção teórica mais
escassa no Serviço Social, analisa a proteção social a partir dos resultados
concretos das decisões do Estado desenvolvidas pelos governos, expressa em
políticas públicas sociais.
O Capítulo 3 tem como tema a convivência familiar de crianças e
adolescentes e a centralidade da família na política social. Possibilita identificar as
inter-relações entre o Estado e a família para o cumprimento da proteção social de
indivíduos e sociedade, as concepções instituídas que fundamentam as políticas
públicas ou as suas ausências.
É realizada, nesse capítulo, a articulação entre os temas da convivência
familiar e da centralidade da família nas políticas públicas e conclui-se que a
convivência familiar é um direito que tem como objeto a criança. O aporte teórico
sobre institucionalização possibilita evidenciar a arraigada cultura do acolhimento
fundamentada na incapacidade familiar de proteção e educação de seus filhos e,
nessa perspectiva, as alternativas parentais substitutivas da família de origem
ganham destaque pela insuficiência de políticas de apoio familiar.
No Capítulo 4 é apresentada a experiência de cooperação internacional
realizada entre diferentes cidades da América Latina e Europa para a proteção
social de crianças, adolescentes e famílias, que, tanto pela diversidade como pela
similitude encontrada entre elas, possibilita, enfim, um quadro mais amplo para a
análise de maior qualidade das especificidades que podem assumir os sistemas de
proteção social voltados à criança, ao adolescente e à família, e da constância e
necessidade de algumas ações preponderantes encontradas no geral.
O capítulo tem como base a pesquisa empírica e possibilita o exame da
hipótese geral do estudo.
Encontramos, afinal, o grande mérito desta pesquisa, pela possibilidade de
contribuir para o reconhecimento dos desafios que se colocam em termos mundiais,
e não apenas nacionais, neste campo de análise e intervenção, permitindo uma
avaliação mais realista dos obstáculos e avanços que, em ambos os níveis,
encontramos entre nós, no país.
23
CAPÍTULO 1. A FAMÍLIA E A PROTEÇÃO SOCIAL: DO
ASSOCIATIVISMO AO INDIVIDUALISMO
Todas as famílias felizes se assemelham;
mas cada família infeliz é infeliz a seu modo.
(Leon Tolstoi)
O tema da família conta, na atualidade, com vasta bibliografia e sob variadas
abordagens.
A pesquisa específica sobre o tema família e proteção social recebeu impulso
nas literaturas brasileira e internacional no decorrer da década de 80 quando passa
a ter centralidade nas políticas públicas sociais em âmbito mundial. (ACOSTA &
VITALE, 2002; CAMPOS, 2008, 2003; CAMPOS & MIOTO, 2006, 2003, 2002;
CARVALHO, 2002; FERRARI & KALOUSTIA, 2004; MARTIN, 1995; SARACENO,
2004, 2010; SARACENO & NALDINI, 2003)
Nesse plano, incentivadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), são
várias as tratativas legais reguladas e reguladoras da ação dos Estados, que
remetem à importância dos laços familiares para a proteção dos seus membros e
para suas funções de produção e reprodução social.2
No Brasil, segundo a legislação e os programas sociais hoje vigentes, as
políticas de proteção social têm como diretriz a matricialidade familiar e o
reconhecimento do direito fundamental à convivência familiar e comunitária. O
ordenamento jurídico-legal reconhece também a união estável entre homem e
mulher e a formação da família por qualquer dos pais e seus descendentes, com
direitos e deveres de caráter intergeracional, de proteção de seus membros. Este se
fundamenta numa concepção ampla de família, que reconhece as transformações
sociais contemporâneas, seu papel de proteção social básica aos seus membros e
institui o protagonismo familiar na mediação da ação pública.
2 A instituição, por essas agências, em 1984, do Ano Internacional da Família, foi uma iniciativa dentro de tal esforço.
24
Para tratar de nosso tema, que exige a compreensão da diversidade dos
sistemas de proteção social, no tempo e no espaço, tornou-se essencial o
reconhecimento da variação, não só da estrutura concreta dessa proteção, como
das representações e construções sociais existentes, ou idealizadas, sobre família,
que fundamentam e expressam a ação das políticas públicas na sociedade
contemporânea.
Neste capítulo, realizamos um estudo sócio-histórico correlacionando
aspectos estruturais da família e sua função protetiva, distinguindo identidades e
transformações, que foram, ao longo do tempo, garantindo sua manutenção, como
forma de organização básica da sociedade para sobrevivência, produção e
reprodução da espécie humana.
São observadas diferentes configurações e dimensões: econômica, política,
relacional e afetiva, no âmbito das famílias. No início da história da humanidade, a
organização social nômade, coletivista e matrilinear. Depois, com a fixação das
comunidades territorialmente, o surgimento da propriedade privada e o
desenvolvimento do patriarcalismo como forma de organização social. E, enfim, a
nuclearização da família seguida de suas muitas transformações na
contemporaneidade.
Analisa-se a proteção social realizada pelas famílias organizadas
coletivamente, ou o que podemos chamar de sociabilidade da comunidade, com
funções econômicas e políticas; a realizada pelas famílias organizadas
nuclearmente, estimuladas economicamente pelo processo de industrialização
calcada na solidariedade entre os gêneros na afetividade entre seus membros, mais
recentemente, o avanço da individualização das famílias e de seus membros o que
impacta na sua capacidade de proteção social.
Partimos da ideia de que as transformações realizadas na organização e na
composição da família não se manifestam de forma linear ou universal. Irrompem em
decorrência dos movimentos da sociedade e afetam a esfera do cotidiano e a
totalidade da família interferindo na capacidade de proteção social por ela praticada.
Para compreender a origem e história da família, destacamos preliminarmente
suas dimensões política e econômica, conforme elaboradas conceitualmente por
Friedrich Engels, filósofo alemão, considerado, juntamente com Karl Marx, fundador
25
do socialismo científico, a partir de seu livro a Origem da Família, da Propriedade
Privada e do Estado3.
Essas dimensões políticas e econômicas também serão observadas a seguir,
mediante estudos específicos desenvolvidos a partir da sociedade brasileira.
Apoiamo-nos no importante trabalho de Mariza Correa (1993), que questiona
os estudos prevalentes sobre esse tipo familiar, de patriarcado rural, indutor da
abordagem de homogeneização quanto à forma de organização social brasileira do
período colonial.
Tomamos como base o texto de Muriel Nazzari (2001), que analisa a
organização social da família paulista extensa, no período colonial, baseada no clã
familiar e seu decorrente exercício do patriarcalismo, especialmente através da
análise da vigência do costume do dote e seu significado econômico e social.
A contribuição de Philippe Ariès (1981), em História Social da Criança e da
Família, desenvolvida a partir de estudos das sociedades tradicionais europeias
também é tomada como apoio. Baseado na interpretação da vida familiar e social
das crianças, visíveis inclusive mediante estudos iconográficos, o autor defende três
teses centrais. A primeira, sobre a ausência do sentimento da infância e da família
na Idade Média; a segunda, sobre o surgimento da família envolta na grande massa
de socialização comunitária; e, a terceira, a nuclearização da família moderna, com
centralidade nos filhos, apoiada pelo fortalecimento da escola, enquanto
transmissora de conhecimentos e valores.
Sobre o processo de constituição e características da família moderna,
também são apresentados conceitos de Parsons (1980), Lasch (1999), Giddens
(2003), e Singly (2000), distinguindo, este último, o surgimento da família “moderna
2”. A família moderna 2, segundo o autor, não rompe com o modelo da família
moderna, caracterizado pela nuclearização e independência em relação à
modalidade extensa, mas acentua o processo interno de individualização e a
valorização da independência, baseada no respeito à autonomia de cada um dos
seus membros.
A democratização das relações e a contestação do patriarcalismo,
inseparáveis do acelerado ingresso da mulher no mundo do trabalho, provocam na
atualidade as transformações familiares e vários são os estudos que sinalizam essas
3 A primeira edição do livro é datada de 1884.
26
determinações, para sua composição, dinâmica e proteção dos membros familiares.
(GIDDENS, 2003; CASTELLS, 2002; SARACENO, 2003, 2004; ESPING-
ANDERSEN, 2009)
Os tipos de famílias observados a partir dessa breve análise sócio-histórica,
não se esgotam em seus tempos, ou com o surgimento de novos modelos, mas, na
verdade, demonstram prevalência em alguns períodos, configurando-se como
fenômenos sociais datados, determinados pelas ordens política, econômica e social.
Permeados por valores patriarcais que atravessam os tempos, convivem com
um processo cada vez mais comum de individualização da família e aumento da
demanda por proteção social pública, apesar de ainda continuar a ser, simbolizados
no imaginário coletivo, a partir de visão funcionalista de um grupo privilegiado de
proteção social.
Para compreender a família em sua permanência e contínua transformação,
examinamos, inicialmente, diferentes e importantes abordagens teóricas.
1.1 ORIGEM DA FAMÍLIA E DO PATRIARCALISMO: DIMENSÕES
SOCIAL, ECONÔMICA E POLÍTICA
Segundo Engels (2009), a concepção sobre família, em meados de 1800,
concretizava-se na forma patriarcal baseada nos Cinco Livros de Moisés. À exceção
do reconhecimento da promiscuidade sexual existente nos tempos primitivos, os
valores fundados na visão da sagrada família não davam espaço para outros
padrões ou formas de organização familiar. O reconhecimento da existência de uma
teoria sobre a história da família, pelos ingleses, foi atribuído ao escocês John
Ferguson McLennan, em 1865, conforme Engels (2009).
A partir de estudos sobre povos primitivos, McLennan identificou duas formas
de casamentos e, em ambas, a centralidade de organização e reprodução da
espécie humana se dava a partir da descendência feminina. Relata a existência de
tribos que realizavam seus casamentos dentro do próprio convívio grupal e, outras, a
partir do rapto de mulheres de outras tribos.
Decorrente do desequilíbrio numérico entre os sexos, com menor número de
mulheres, nas tribos primitivas identificadas os vários homens compartilhavam a
27
mesma mulher. Nessas formas de família, em que a paternidade era desconhecida,
as sociedades se organizavam predominantemente em torno da mãe e a linhagem
de parentesco reconhecida era a matrilinear.
Engels (2009) considera, ainda, decisivos para a compreensão da história da
família, os estudos de Lewis Henry Morgan, de 1871, realizados nos Estados
Unidos, sobre o sistema de parentesco dos índios iroqueses. Amplamente
reconhecido pela classificação da pré-história da humanidade, Morgan distingue três
épocas principais: o estado selvagem, período em que predomina a apropriação de
produtos da natureza; a barbárie, na qual surge a criação de gado e a agricultura,
por meio do trabalho humano, e a passagem à civilização, com a invenção da
escrita, da arte e da indústria. A análise desses estudos permite identificar
determinantes para o conhecimento da origem e das mudanças da família.
Dessa classificação pré-histórica da humanidade, cuja formulação custou a
Morgan cerca de 40 anos de pesquisa, conforme Engels (2009), distingue-se a
família como um elemento ativo, dinâmico, não ocorrendo o mesmo com o sistema
de parentesco, mais passivo e permanente. Considera, nessa fase da história
primitiva, a constituição de quatro formas de família: a consanguínea; a punaluana; a
sindiásmica e a monogâmica.
A consanguínea é considerada a primeira etapa de família, classificada pela
conjugalidade grupal, de vários maridos e mulheres entre si, não ocorrendo,
entretanto, o incesto entre pais e filhos. A punaluana, além da exclusão da
conjugalidade entre pais e filhos, também exclui a relação sexual entre os irmãos. A
limitação da reprodução consanguínea constitui a gens, como base da ordem social,
nesse período de vivência sexual coletiva e em decorrência do desconhecimento da
participação masculina na reprodução, a descendência é estabelecida pelo lado
materno. A matrilinearidade constituía a base da organização social (ENGELS,
2009).
A sindiásmica é constituída a partir da união por pares, de homens e
mulheres, que se formavam dentro dos grupos, determinados por relações principais
estabelecidas entre um e outro. Engels (2009) ressalta, nesse tipo de família, as
novas forças impulsoras da ordem social contemporânea, e as condições para as
alterações funcionais da família e sua dimensão socioeconômica.
A partir da união entre casais, é evidenciada a figura do verdadeiro pai e,
também, do surgimento de uma nova riqueza pertencente à família, com a
28
introdução da agricultura, da criação do gado, de ferramentas e utensílios. Isso
possibilita a compreensão das determinações socioeconômicas da ruptura e
mudança do direito da gens materna, para a gens paterna. Constitui-se assim a
família monogâmica e, com ela, o patriarcado. Segundo Engels (2009), os
“objetivos da monogamia eram a preponderância do homem na família e a
procriação de filhos que só pudessem ser seus para herdar dele” (p.67).
Essa nova família monogâmica, que garante a herança dos bens aos filhos
legítimos instaura a nova ordem social, passa a ter o predomínio masculino, com o
indiscutível reconhecimento da paternidade dos filhos, seus herdeiros diretos,
importantes como força de trabalho e para que a família passe a ter sólidos vínculos
conjugais. É própria da passagem das sociedades para a civilização, segundo o
autor, centrada na descendência patrilinear (ENGELS, 2009).
Para Engels (2009), a família monogâmica não aparece na história pelo amor
sexual individual ou pelos vínculos de aliança, mas, sim, a partir da constituição do
patriarcalismo e de sua correlação com o início da propriedade privada, primeiro
antagonismo e a primeira opressão de classes, exercida do homem sobre a mulher.
Essa constatação feita por Engels (2009) baseia-se na análise de que nos
antigos lares coletivistas, com vários casais e seus filhos, a organização e os
cuidados dos membros familiares, confiada às mulheres, eram tão necessários e
coletivos, quanto a busca de alimentos, tarefa destinada aos homens. Com a família
individual monogâmica, o governo do lar perde o caráter de produção social e
transforma-se num serviço privado, que é acompanhado da opressão econômica da
mulher, submetida a relações de propriedade e poder do patriarca, que tem a posse
não apenas da propriedade, mas da família e dos empregados4.
4 O patriarcado é literalmente reconhecido como “o governo do pai”, um termo originalmente usado para descrever os sistemas sociais baseados na autoridade dos pais como chefes masculinos da unidade doméstica. Adquiriu, posteriormente, um sentido mais geral, especialmente em algumas teorias feministas, nas quais passou a significar a dominação masculina, em geral, que passa do proprietário da família na sua concepção original, para o provedor da família burguesa, mantendo a relação de dominação econômica. Ver Oxford Dictionary of Sociology e Narvaz e Koller (2006).
29
1.1.1 A família patriarcal brasileira
O estudo da norte-americana Muriel Nazzari (2001), que identifica a
organização social em São Paulo, no período compreendido de 1600 a 1900, e
focalizado nas famílias que tinham posses, fundamenta as relações econômicas, de
propriedade e de poder existentes, organizadas a partir dos clãs familiares ou
famílias extensas.
A estrutura social e a familiar se confundiam e o poder do clã, com dimensões
sociais, econômicas e políticas, se fortalecia de acordo com sua representação
numérica. Ou seja, a quantidade de parentes, índios, escravos africanos, e o
casamento, indicavam a força do clã.
Conforme a autora, as famílias, representadas pelo patriarca, esposa, filhos,
outros parentes e escravos, dominavam o governo local, as atividades produtivas e
comerciais. Promoviam as grandes expedições, as bandeiras para escravização de
índios, e esta, juntamente com os casamentos, era a base da prosperidade e
aumento do patrimônio, constituída pela força de trabalho e poder.
A ligação da família com o desenvolvimento econômico era claro. O jovem
poderia iniciar seu patrimônio investindo num casamento em que a mulher era
acompanhada de dote, ou poderia se aventurar em uma bandeira (expedição para
escravização de índios). O casamento possibilitava a “formação de uma nova
empresa produtiva”, uma “aliança de negócios” não sendo, portanto, assunto privado
e sim de interesse coletivo, de caráter corporativo da família, instituído pela aliança
entre famílias. A mulher era o elo para essa união e todos os membros familiares
eram representados nesse interesse, sendo o dote da filha prioridade e um
investimento de aliança, entre as famílias de posse (Cf. NAZZARI, 2001).
Segundo a autora, o casamento era, assim, uma instituição para as famílias
com bens e não para os pobres, sem posses. Especificamente sobre a família com
posses do século XVII, ela destaca os poderes político e econômico existentes e a
função do casamento para ampliar e fortalecer o clã:
A família era a sociedade na São Paulo do século XVII, contudo o princípio organizador não era a pequena família nuclear, mas sim a ampla parentela, o clã familiar. O clã conduzia os negócios, travava as lutas, disputava o poder político e organizava as bandeiras. A
30
família nuclear era a menor unidade de produção dentro do clã – como uma filial de uma empresa – estabelecida inicialmente com o dote trazido da esposa. (NAZZARI, 2001, p. 44).
O domínio na organização social e o desempenho de funções
socioeconômicas desenvolvidas pelas famílias patriarcais extensas dispensavam a
intervenção do Estado. A autora amplia a abrangência dessa autonomia dessas
famílias: “os paulistas desenvolveram grande sentimento de independência” e
isolamento das intervenções estatais, seja pelo fato da distância geográfica de
Salvador, capital administrativa do Brasil colonial até o século XVIII, como também
porque São Paulo “nada produzia de especial interesse para Portugal” (NAZZARI,
2001, p. 27).
É evidenciada, no Brasil-Colônia, a prevalência de estudos sobre a família
patriarcal, seja em, São Paulo, como é o caso deste de autoria de Murial Nazzari
(2001), como, também, os realizados por Gilberto Freire, no Nordeste (1933).
Mariza Correa (1993), em seu clássico trabalho analítico sobre a história das
formas de organização familiar no Brasil, questiona a homogeneização desse tipo de
organização familiar e das leituras sobre ela realizadas:
Iluminados por este padrão dominante,lemos nossa história a partir dele, como se nessa biografia de um personagem central se incorporassem todos os personagens centrais dos vários séculos, sempre os mesmos; como se todos os caminhos levassem natural e inexoravelmente ao caminho principal, o percorrido, e ele fosse um desdobramento também natural de uma circunstância dada, ou mesmo, um apanhado, das alternativas concretamente vividas. (CORREA, 1993, p.16).
A autora reconhece as construções teóricas existentes da nominada família
patriarcal brasileira, referenciada notoriamente nos estudos precursores de Gilberto
Freire sobre a sociedade pernambucana, dos engenhos de açúcar, e de Antonio
Cândido de Mello e Souza sobre as fazendas cafeeiras de São Paulo, e coloca em
questão se essa era a forma cotidiana de viver no período do Brasil colonial ou era o
modelo ideal dominante.
Identifica outras formas de família que conviviam nas vilas, como os
“pequenos artesãos”, os “agentes responsáveis de controle fiscal e produção”,
também os peões, que recebiam pela “paga de seu trabalho”, os pequenos
produtores rurais e participantes de outros tipos de produção econômica que não se
31
limitavam ao engenho e à fazenda. E interroga sobre o modelo dominante concebido
de família patriarcal substituir outras formas de organização familiar da sociedade
brasileira. (CORREA, 1993, passim).
A padronização da família patriarcal como modelo, segundo a mesma autora,
possibilita a “ordem” social e não permite a visão dos que viviam em “desordem”,
apesar de comporem um integrado contraditório de senhor e escravo, de casa
grande e senzala (CORREA, 1993).
Mariza Correa (1993) sugere, nesse estudo, que outras releituras sejam
realizadas sobre a família patriarcal brasileira, que não se achatem as diferenças e
ignorem-se os distintos personagens, suas funções e as relações existentes.
A interpretação da organização social contida nos estudos sobre as famílias
brasileiras feitos por Mariza Correa (1993) coloca em evidência as dimensões
política e econômica. Apresenta fundamentos históricos e antropológicos da
observação e considera, em primeira análise, que a sociedade colonial brasileira,
fora da casa grande, e de seu entorno, é caracterizada como “sem história”.
A autora ressalta, entretanto, que apesar das evidências econômica e política
dos grupos de parentesco na sociedade brasileira colonial, vivia-se num período em
que a produção e circulação de mercadorias produzidas no Brasil eram dirigidas
pelo Estado português, e os valores morais pela Igreja católica (CORREA, 1993).
As famílias, representadas pelos grandes proprietários de terra, utilizavam
suas influências econômica e política e eram fortalecidas, no Brasil, pelo poder
estatal vigente. Apesar dos diferentes locais e métodos utilizados pelas autoras para
analisar o poder das famílias extensas, ou clãs patriarcais, tanto as famílias
paulistas, como as do Nordeste, figuram na época colonial, como o poder dominante
local, responsável por homogeneizar o modelo cultural da organização familiar da
época.
Conforme analisa Faleiros (2007), a burocracia do Estado colonial brasileiro
controlava os mecanismos de coleta de impostos, de distribuição de terras e de
favores, de forma conivente com as chamadas oligarquias rurais, representadas
pelas famílias patriarcais. Os patriarcas das famílias de posse, além da função de
patrão, eram os responsáveis pela lei, pela política e, na ausência do Estado,
favoreciam a manutenção do poder, a partir do exercício do poder populista sobre as
classes subalternas.
32
Míriam Leite (1984), ao analisar a condição feminina no Rio de Janeiro do
século XIX, a partir da documentação da literatura de viagem, apresenta formas
diferentes de família e de convívio, tendo como prevalência para sua organização, a
relação de poder e de trabalho.
Sobre as famílias escravas e sua forma de convivência, destaca o
coletivismo, determinado pelas condições de violência e servidão. Na venda dos
escravos, raramente eram considerados os sentimentos de família ou laços de
parentesco:
{...} infelizmente, quando se vendem escravos, raramente se tomam em consideração os laços de parentesco, arrancados a seus pais, a seus filhos, esses infortunados explodem às vezes em gritos dolorosos, mas, em geral, o negro demonstra nestas circunstâncias uma tal indiferença ou um tal domínio sobre os seus sentimentos, ainda mais espantosos e inexplicáveis quando comparados à dedicação que revelam mais tarde por aqueles a que estão ligados pelo sangue. (RUGENDAS, 1821, apud LEITE, 1984, p.37).
O casamento legítimo não era permitido, aos escravos, por seus senhores,
sendo considerado prejudicial, no futuro, para a venda, em separado, de cada um
deles. Assim, era estimulada a forma associativa de organização, no interesse das
famílias de posse (BURMEINSTER, 1850, apud LEITE, 1984).
Ribeyrolles (1858), segundo cita Míriam Leite (1984), também se referindo às
famílias de escravos, trabalhadoras nas fazendas brasileiras de café, descreve a
forma coletiva de convivência e classifica como “ninhadas” sem esperanças, e não
famílias, apesar de reconhecer as fazendas como polo principal de desenvolvimento
no período colonial:
O verdadeiro estabelecimento colonial do Brasil é a fazenda de café. É aí que se concentram as atividades, as ambições, os capitais, que se encontram as melhores terras, as oficinas mais completas e os mais amplos edifícios {...} Os negros da fazenda, casados ou não, habitam compartimentos alinhados em filas ou por grupos, os quais à noite, após a ceia são fechados pelo feitor {...} O amo dá-lhe a casa, a camisa, o feijão e o milho. A fome não penetra na senzala. Nela não se morre de inanição como em White Capel ou Westminster. Mas não existem famílias: há ninhadas. Nas senzalas dos negros, nunca avistei uma flor. Não moram nelas as esperanças e as recordações. [...] (LEITE, 1984, p. 54-55).
33
A autoridade patriarcal e a solidariedade da família extensa também podem
ser observadas, nesse período:
O filho, embora barbado, só raras vezes toma a liberdade de acender um cigarro na presença do pai, sem que este dê licença. Os pais tratam sempre os filhos e a si próprios na terceira pessoa e às vezes até por senhor e senhora e isso em todas as classes sociais, o que não impede que o sentimento da família se ache neles desenvolvido em alto grau. Quando um parente está na miséria, todos os membros da família acodem em seu auxílio. É raro encontrar-se uma família que não conserve como hóspede, durante semanas, meses e até anos, algum parente pobre e não lhe dê tudo de que necessita, sem que haja quem não ache esse procedimento muito natural. {...}. (LAMBERG, 1887, apud LEITE, 1984, p. 62).
A solidariedade da família extensa e o poder da economia, do trabalho e de
práticas de dominação, característicos das famílias patriarcais do meio rural
brasileiro, contribuíram, assim, para a proteção social realizada no grupo familiar.
A função de proteção social realizada no meio rural, pela sociabilidade de
famílias extensas ou da comunidade, no período colonial, pode ser observada
também em artigo intitulado Maternidade Negada, de Renato Venâncio (2008). Ao
discorrer sobre os efeitos do processo de urbanização, em contraposição à vida
existente nas áreas rurais, o autor destaca a sociabilidade das comunidades em
acolher crianças, seja como agregado ou filho de criação, reduzindo os
desequilíbrios sociais, tão acentuados nas cidades. Em suas palavras:
No campo, espaço de transformações lentas, o abandono raramente ocorria {...} vários enjeitados acabavam sendo adotadas como “filhos de criação” ou agregados por famílias {...}, na cidade, o ritmo acelerado das transformações provocava desequilíbrios. Não havia casas para acolher todos os forasteiros, não havia mercado de trabalho livre suficientemente desenvolvido para absorver quem precisava sobreviver à custa do próprio suor. A cidade agregava os pobres e não sabia o que fazer com eles. (VENÂNCIO, 2008, p. 190).
Essa revisão do passado da proteção social – notadamente quanto à
distribuição de sua responsabilidade pelas várias instâncias da sociedade - sugere
que aquela destinada aos membros da família, em especial às crianças, aconteciam
com apoios mais coletivizados. As organizações sociais coletivas desempenhavam
função social, com compartilhamento de cuidados aos seus membros.
34
Além da referência às formas de sociabilidade presentes nas coletividades já
ressaltadas – as tribos primitivas e as famílias patriarcais brasileiras – é necessário
referir, ainda, à sua força na sociedade medieval e pré-industrial europeia.
1.1.2 A criança e a família europeia: a sociabilidade na idade média e o
reconhecimento do sentimento da criança e da família
Para o período compreendido entre a Idade Média e a época contemporânea,
destaca-se o conhecido estudo de Philippe Ariès (1981). Trabalhando na França, em
análise iconográfica da criança e da família ocidental, considera que o sentimento de
família não era reconhecido na Idade Média, como é na atualidade.
O autor distingue a existência da linhagem e da família, concepção que
conduz a sentimentos e valores diferentes dos da família moderna e
contemporânea. Tanto a linhagem como a família são fundamentadas na
consanguinidade, envolvendo, a primeira, todos os descendentes de um mesmo
ancestral, aglutinados pelo valor dos poderes econômico e social. Como família,
distingue as que conviviam em coabitação, com prevalência de agrupamentos
ampliados em torno de pais e filhos, ou mesmo, com a moradia comum de vários
casais. Em suas palavras:
A família ou mesnie, que pode ser comparada à nossa família conjugal moderna, e a linhagem, que estendia sua solidariedade a todos os descendentes de um mesmo ancestral. {...} A família, ou mesnie, embora não se estendesse a toda a linhagem, compreendia, entre os membros que residiam juntos, vários elementos, e, às vezes, vários casais, que viviam numa propriedade que eles se haviam recusado a dividir, segundo um tipo de posse chamado frereche ou fraternitas. A frereche agrupava em torno dos pais os filhos que não tinham bens próprios, os sobrinhos ou os primos solteiros. (Ib.,1981, p.211).
Áries (1981) atribui o fortalecimento da linhagem à menor presença do
Estado, apresentando ela um refluxo, um movimento inverso, quando da presença
acentuada daquele. No caso do Estado forte, mesmo em época de guerra, as
pessoas sentem-se mais seguras em optar por uma vida mais independente dos
35
vínculos com a linhagem. Ao contrário, a solidariedade da linhagem se desenvolve
como consequência da necessidade de proteção, com o enfraquecimento do
Estado. Seu campo de referência é o da análise do poder e declínio do Estado
franco5. Observa que oscilações na procura e na forma de proteção familiar
ocorreram, nesse período, sendo a família um refúgio, diante de ameaças e
necessidades:
Na realidade, a família é o primeiro refúgio em que o indivíduo ameaçado se protege durante os períodos de enfraquecimento do Estado. Mas assim que as instituições políticas lhe oferecem garantias suficientes, ele se esquiva da opressão da família e os laços de sangue se afrouxam. A história da linhagem é uma sucessão de contrações e distensões, cujo ritmo sofre as modificações da ordem política. (DUBY apud ARIÈS, 1981, p. 213).
Até o século XII, na Europa, os bens dos cônjuges não estavam fundidos e
administrados pelo marido; homens e mulheres geriam separadamente seus bens.
Essa indivisibilidade dos bens, quase sempre estendida aos filhos, gerava a
agregação prolongada nas casas dos pais. As famílias de posses, com seus
ascendentes e descendentes, permaneciam à espera da divisão dos bens e essa
tendência de indivisibilidade da família deu origem às teorias tradicionalistas da
família patriarcal (Ib., 1981).
O mesmo não ocorria nas famílias camponesas. Essas famílias viveram
menos intensamente esse estreitamento dos laços de sangue ou da linhagem. Com
o enfraquecimento do Estado, a tutela dos “senhores” era quem possibilitava a
proteção social. Mais do que a família sem posse: “A comunidade aldeã teria sido
para os camponeses o que a linhagem foi para os nobres” (ARIÈS, 1981, p. 212).
A partir dessas considerações, é possível observar a distinção de funções e
proteções realizadas pelas famílias com posses e pelas famílias pobres, na Idade
Média. As primeiras assumem funções sociais, econômicas e políticas e tendo como
referência as famílias pobres, estas dependiam do Estado ou, na sua ausência, das
famílias organizadas coletivamente, ou ao que podemos chamar de sociabilidade da
comunidade. A linhagem e a transmissão de propriedade eram fortalecidas nas
5 Os francos eram povos que na época medieval ocuparam a maior parte da Europa central e norte da Itália. Carlos Magno foi o mais famoso dos representantes do Estado franco e governou a dinastia carolíngia por 43 anos, de 771 a 814. Para mais informações sobre o Estado franco, ver a História da Civilização Ocidental, de autoria de Edward Burns (1981).
36
famílias de posse, diferentemente das desapossadas, que dependiam do trabalho e
da proteção social das coletividades.
O autor questiona o conceito de família patriarcal extensa e considera que a
convivência conjunta não ultrapassava duas gerações. Sua distinção refere-se ao
conceito de família relacionado à coabitação e à intimidade, sendo o sentimento de
família “ligado à casa, ao governo da casa e à vida na casa” (ARIÈS, 1981, p. 213).
Ele atribui a concepção de família patriarcal à idealização de moralistas, sendo a
exceção aliada ao enfraquecimento do Estado, em que a solidariedade da linhagem,
ou para os pobres, a sociabilidade da comunidade, favorecem a ajuda mútua
cotidiana:
Não acredito que a família extensa (composta de várias gerações ou vários grupos colaterais) jamais tenha existido, a não ser na imaginação dos moralistas como Alberti, na Florença do século XV, ou como os sociólogos tradicionalistas franceses do século XIX, e exceto em certas épocas de insegurança, quando a linhagem devia substituir o poder público enfraquecido {...} Esta família antiga tinha por missão – sentida por todos – a conservação dos bens, a prática comum de um ofício, a ajuda mútua cotidiana num mundo em que um homem, e mais ainda uma mulher isolados não podiam sobreviver, e ainda, nos casos de crise, a proteção da honra e das vidas. (Id., 1981, p.10-11).
Segundo Áries (1981), não existia, antes do século XVII, o sentimento da
família e da criança como o reconhecido na atualidade. Não que não existisse, mas
era reconhecido discretamente e não exaltado como o valor de linhagem ou da
sociabilidade.
Era fora da família que as trocas afetivas, as interações sociais, ocorriam. Um
meio composto de vizinhos, criados, senhores, crianças, idosos, homens, mulheres.
Não se tratava de uma multidão anônima, eram personagens, que não eram
estranhos uns aos outros. Era como se a vida fosse vivida em público e, a ação
comunitária, a responsável pela socialização. Conforme o autor, “é como se todos
tivessem saído de casa, em vez de ficar dentro dela: há cenas de ruas e de
mercados, de jogos e de ofícios, de armas ou de aulas, de igrejas ou de suplícios”
(Id., p. 272).
As ruas, as praças, eram pontos de encontro. A densidade social não permitia
o isolamento e a sociabilidade existente diluía as famílias conjugais. Nas grandes
37
casas e salões, se dava a função pública e as pequenas casas não preenchiam
funções sociais (Id.,1981).
A ausência do sentimento de família e da criança reconhecida pelo autor
fundamenta-se na omissão de representação específica das famílias e crianças na
arte medieval pelos artistas. Não que a falta de sentimento da infância significasse
que as “crianças fossem descuidadas, abandonadas ou desprezadas”, mas sim,
pela inexistência da distinção entre particularidades adultas e infantis. A passagem
da fase infantil para a adulta, para as que a ela sobreviviam, era muito rápida para o
apego, assim que saíam dos cuidados básicos de sobrevivência, já se confundiam
com o mundo adulto e nele eram socializadas. Segundo o autor, sobre a proteção e
socialização das crianças:
A duração da infância era reduzida a seu período mais frágil, enquanto o filhote do homem ainda não conseguia bastar-se; a criança então, mal adquiria algum desembaraço físico, era logo misturada aos adultos, e partilhava de seus trabalhos e jogos. De criancinha pequena, ela se transformava imediatamente em homem jovem, sem passar pelas etapas da juventude. (ARIÈS, 1981, p.10).
A aprendizagem não se dava na família, mas pela convivência com outros
adultos. Tão logo, após a primeira infância, em torno de 6 a 7 anos, a criança era
separada da sua família para a iniciação do processo de aprendizagem, o que se
dava nas casas de outras famílias. Prática, esta, difundida em todos os níveis
sociais, baseava-se no apoio comunitário do novo ambiente para a transmissão de
conhecimentos e valores. A sociedade cuidava da criança e não a família. Sobre a
aprendizagem:
Até o meio do século XVII, tendia-se a considerar como término da primeira infância a idade de 5-6 anos, quando o menino deixava sua mãe, sua ama ou suas criadas. {...} Era através do serviço doméstico que o mestre transmitia a uma criança, não o seu filho, mas ao filho de outro homem, a bagagem de conhecimentos, a experiência prática e o valor humano que pudesse possuir {...} As pessoas não conservavam as próprias crianças em casa: enviavam-nas a outras famílias, com ou sem contrato, para que com elas morassem e começassem suas vidas, ou, nesse novo ambiente, aprendessem as maneiras de um cavaleiro ou um oficio {...}. (ARIÈS, 1981, passim).
38
A ascensão do sentimento da família é um processo que se observa com o
fortalecimento do poder paterno, com a importância da religião e com o valor
atribuído à criança e à sua formação. (Id. 1981).
No século XVI ocorre o enfraquecimento da linhagem e o fortalecimento,
legalmente reconhecido, da autoridade do marido sobre a mulher e os filhos:
{...} a mulher casada torna-se uma incapaz, e todos os atos que faz sem ser autorizada pelo marido ou pela justiça tornam-se radicalmente nulos. {...} a legislação real se empenhou em reforçar o poder paterno no que concerne ao casamento dos filhos. (PELOT, 1955 apud ÁRIES, 1981, p. 214).
As imagens sobre família, consonantes às das crianças, se intensificam. O
casamento que, até então, era reconhecido como contrato passa a ter visibilidade,
sendo retratado em cerimônias religiosas e igualmente valorizadas as celebrações
de batismo, atribuindo-se mérito à família conjugal. A família passa a se organizar
em torno da criança e o surgimento da escola, apesar de não reconhecida ou
generalizada de início, possibilita mais proximidade dos filhos com as famílias e com
o sentimento de família, presente na família moderna:
A substituição da aprendizagem pela escola exprime também uma aproximação da família e das crianças, do sentimento de família e de infância, outrora separados. A família concentrou-se em torno da criança {...} Os tratados de educação do século XVII insistem nos deveres dos pais relativos à escolha do colégio e do preceptor {...} O clima sentimental era agora completamente diferente, mais próximo do nosso, como se a família moderna tivesse nascido ao mesmo tempo em que a escola, ou, ao menos, que o hábito geral de educar as crianças na escola. (Ib., 1981, p.232).
A aproximação da criança, o sentimento de família, a preocupação com a
educação das crianças, foi transformando a sociedade. A ascensão individual e
moral da família é considerada originalmente como um fenômeno burguês. A
nobreza e o povo mantiveram por algum tempo a sociabilidade, da linhagem e da
comunidade (Ib., 1981).
A valorização das crianças e a constituição e o forte desenvolvimento das
relações intrafamiliares vão gerando a intimidade e a identidade da família moderna.
Esta, que por sua vez, assume também o papel de transmissora de valores, com a
ajuda da escola, preparando individualmente as novas gerações para a ascensão
39
social. Vai sendo retraída a sociabilidade, a dimensão política da linhagem e
expandindo-se a privacidade, a base relacional interna, a afetividade, a
individualização da família.
1.2 A INDIVIDUALIZAÇÃO E AS TRANSFORMAÇÕES DA FAMÍLIA
MODERNA
A individualização é apontada por vários autores como importante
determinação para as transformações existentes na família, com início em seu
processo de nuclearização e depois em seus avanços na atualidade (BECK, 2010;
NOGUEIRA, 2008; SINGLY, 2000/7; LASCH, 1999).
Os termos individualização e individuação são empregados para descrever as
transformações ocorridas na família, iniciadas com o estímulo do processo de
industrialização, ora como sinônimos, ora com distinção.
Lasch (1999) utiliza o termo individuação. Originalmente utilizado na obra de
Carl Jung, o termo individuação é um de seus conceitos centrais para explicar o
processo de ampliação de consciência do indivíduo e avanço de sua subjetivação e
individualidade6.
Marco Aurélio Nogueira (2008) define a expressão individualização como o
“processo de progressiva liberação dos indivíduos dos condicionamentos e
orientações derivados dos grupos e das tradições socialmente instituídas” (p. 130).
Considera que a individualização se faz acompanhar tanto da individualidade, que
possibilita a construção do eu, com autonomia, crescimento, como do individualismo,
com posturas competitivas e comportamentos possessivos.
Singly (2000/7) atribui duas dimensões ao processo de individuação
atualmente existente na família, que possibilita aos seus membros o sentimento de
liberdade: a autonomia e a independência. A independência é principalmente
analisada em sua perspectiva econômica, em que o indivíduo, graças aos seus
recursos pessoais, depende cada vez menos dos outros. E a autonomia é o
conhecimento do mundo em que se insere.
6 Para aprofundamento sobre o tema, ver Teorias da Personalidade (CLONINGER, 2009).
40
Beck (2010) considera individualização um conceito sobrevalorizado e mal
compreendido. Distingue duas concepções contidas no emprego conceitual de
individualização, que podem justificar o uso de palavras diferentes e explicar o
processo de transformação das famílias. Uma dimensão refere-se a “uma mudança
imanente em termos de consciência e posicionamento de pessoas”, de âmbito
individual. E a outra, no âmbito das relações com a sociedade, representando “o
início de um novo modo de socialização, como um tipo de ‘transformação formal’ ou
‘categorial’ no relacionamento entre indivíduo e sociedade” (Ib., 2010, p. 189).
Segundo o mesmo autor, a equiparação de individualização com individuação
é insuficiente, para a apreensão do fenômeno de mudanças atualmente existentes,
dentro e fora da família. E indica, no conceito de individualização três momentos,
que ocorrem em condições objetivas e subjetivas da vida pessoal, que caminha da
libertação, para o desencantamento e depois para uma nova forma de
reintegração:
{...} desprendimento em relação à formação e vínculos sociais estabelecidos historicamente, no sentido de contextos de domínio e provimento (“dimensão de libertação”), perda de seguranças tradicionais, com relação às formas sabidas de atuação, crenças e normas de direcionamento (“dimensão de desencantamento”) e – com o que o sentido do conceito se converte em seu contrário – uma nova forma de enquadramento social (“dimensão do controle e da reintegração”). (BECK, 2010, p. 190).
Esse processo, representado em escala ampliada na sociedade atual, é
observado originalmente com a nuclearização das famílias, em sua autonomia, das
tradições fundadas no patriarcalismo da família extensa, com a liberação dos filhos
da autoridade dos pais, constituindo novas famílias, por meio do casamento. Depois,
com o processo no âmbito dessa nova família constituída. Além da individualização
da família, também, a individualização na família.
Padronizamos, neste trabalho, o uso do termo individualização pela sua
amplitude e identificamos em seu processo a base afetivo-relacional.
Reconhecemos a consolidação da família nuclear e suas novas configurações na
atualidade, indissociável do ingresso no mundo do trabalho e a maior autonomia da
mulher nas sociedades. Condição, entretanto, que evidencia a necessidade de
novos equilíbrios societários para a reprodução social.
41
1.2.1 A individualização e a afetividade da família moderna
A revolução industrial e seu desenvolvimento, introduzindo mudanças
profundas no sistema produtivo e acompanhando-se, no plano social, de
transformações de costumes e valores morais, influíram poderosamente na
morfologia e relações das famílias. Para dizer de forma direta, possibilitou a
prevalência da família moderna nuclear.
O aumento do emprego industrial e o consequente crescimento da
urbanização promoveram o declínio das unidades de produção doméstica e das
famílias extensas empregadoras e provocou a nuclearização das famílias de forma
ampla (LASCH, 1999; PARSONS,1980; SARACENO & NALDINI, 2003).
Identificado na Europa do século XVIII, inicialmente entre a burguesia, o
processo de nuclearização na família, conforme Ariès (1981) pode ser observado
pela mudança arquitetônica das residências, com independência dos cômodos e não
mais a construção de apenas grandes salas comuns, possibilitava mais privacidade
aos membros familiares. Um movimento de preservação da intimidade e de
moralização da sociedade, captado pelo autor, que altera significativamente a
dinâmica e as atribuições familiares. A “família deixou de ser apenas uma instituição
de direito privado para a transmissão dos bens e do nome, e assumiu uma função
moral e espiritual, passando a formar os corpos e as almas” (ARIÈS, 1981, p. 277),
tornando-se a família determinante para cuidar e socializar seus membros.
Período histórico, em que se inicia o processo de industrialização na Europa,
parece caracterizar uma determinação essencial e marco divisório para o surgimento
ou fortalecimento da família moderna conjugal. Comenta ARIÈS (op. cit.) que, nesse
momento, o crescimento do sentimento de família e sua concentração em torno do
bem-estar e futuro das crianças, com a ajuda da educação e moralização dos
costumes, conduziram ao fortalecimento da intimidade, num afastamento do anterior
gosto pela multidão.
Essa nominada família moderna nuclear, cuja constituição seguiu pelos
séculos XIX e XX, na qual os cônjuges vão habitar uma nova casa, ou mesmo outra
cidade, afastando-se de suas famílias de origem, proporcionou mais liberdade e
individualidade dos padrões de conduta. Em busca de autonomia, sem dependência
da família extensa, cada nova família formada era capaz de definir suas prioridades
e valores, fundada na dependência e apoio recíprocos entre o casal e os filhos.
42
Talcott Parsons (1980) analisando a sociedade norte-americana dos anos de
1950, apreende o mesmo fenômeno da família, como uma unidade residencial, que
atenua a relação com a família extensa, sem, entretanto, eliminá-la. A maior
independência da família conjugal e a diminuição da importância das unidades de
parentesco são atribuídas, pelo autor, à autonomia econômica e à “transferência de
uma variedade de funções da família a outras estruturas da sociedade” (Ib.,1980, p.
49).
Considera que a família perde suas funções nos “níveis macroscópicos”. Não
se ocupa, com poucas exceções, da produção econômica, do sistema de poder
político, da integração social mais ampla. Os Estados, as empresas, as
universidades preenchem estes papéis e a família participa apenas individualmente.
Essa redução de atividades possibilita mais especificidade e aprimoramento das
funções vitais da família (Ib.,1980).
Conceituando a família e seu funcionamento como uma conexão inter-
relacional, sugere, a essa família, as funções essenciais da socialização das
crianças pelos adultos e, com isso, a estabilização das personalidades adultas,
configurado a família num sistema harmônico e facilitador do equilíbrio social. Em
suas palavras:
{...} primera, la socialización primaria de los hijos para que puedan hacerse en verdad miembros de la sociedad em la que han nacido; segunda, la estabilización de las personalidades adultas de los integrantes de la sociedad. La combinación de estos dos imperativos funcionales explica por qué, en el caso “normal” es cierto que todo adulto es miembro de una familia nuclear y que todos los ninõs deben iniciar su proceso de socialización en una familia nuclear. (PARSONS, 1980, p. 56) 7.
E atribui, o autor, funções sociais aos gêneros que atuam de forma solidária e
complementar. Compete à atuação masculina a esfera pública do trabalho e, à
feminina, a esfera privada do lar e dos cuidados com os filhos:
7 Primeiro, a socialização primária das crianças, para que possam ser membros verdadeiramente da sociedade em que nasceram, e, em segundo lugar, a estabilização das personalidades adultas dos membros da sociedade. A combinação destes dois requisitos funcionais explica que, no "normal" é verdade que todo adulto é um membro de uma família nuclear e todas as crianças devem iniciar o seu processo de socialização em uma família nuclear. (Tradução nossa do espanhol para o português.)
43
A família “moderna” nuclear é uma unidade solidária, um sistema baseado no princípio comunalista, sendo “que a responsabilidade principal para este apoio recai sobre o membro masculino adulto da família nuclear” pai exemplar e trabalhador. Cabe à mulher casada a responsabilidade pelo cuidado dos filhos e pelos assuntos internos da família. (Ib.,1980, p. 52-55).
Entre as consequências da nuclearização familiar, estão a constituição de
novas relações internas. Agnes Heller (1987) com vasta produção intelectual sobre a
vida cotidiana, expressa como, com o processo de industrialização, se efetivaram a
distinção do trabalho do mundo externo, em relação à família, e o consequente
valor, desta última, como espaço de convivência, de intimidade, afetividade e
construção do ser:
A família permanece sendo a única forma de comunidade real é a “casa”, o “porto seguro” do indivíduo. No mundo externo, ninguém tem piedade do outro, ninguém se interessa pela personalidade do outro e é dentro da família que cada um deseja receber atenção, respeito e o reconhecimento da própria personalidade. O termo “casa”, não significa mais apenas o local de moradia, a cidade, ou o país de nascimento, “casa” é agora muito mais que isto, é sinônimo e família. Assim, a família torna-se a esfera íntima da existência, o local exclusivo onde se pode exprimir a própria emoção e agrega-se aos outros. O local onde se pode relaxar em conjunto, o local enfim onde se pode desfrutar a sensação de pertencer. Representa, ainda, o lugar onde se pode refazer-se das humilhações sofridas no mundo externo, expandir a agressividade reprimida, exercitar o próprio autocontrole, repreender e vencer o outro. (Ib.,1987, p.10)
Os vínculos de pertencimento e afetivo foram naturalmente fortalecidos pelo
isolamento conjugal e a família passa, assim, a se configurar como um espaço de
privacidade, proteção, de abrigo contra os males externos a ela.
Lasch (1999) compartilha da mesma percepção que Heller (1987), ao analisar
a dinâmica interna da família e sua correlação com a “cultura de sentimentos”. Uma
concepção interpretada como necessária, para que os americanos do século XX
contivessem a ambivalência das emoções provocada pela nova ordem industrial.
Um mundo exterior, segundo o autor, insensível e dominado por mecanismos
impessoais de mercado (LASCH,1999, passim).
A competência dos membros da família moderna é também analisada por
Single (2000), que reconhece nos adultos a função de colaborar para o interesse
coletivo do grupo, principalmente para o desenvolvimento e bem-estar dos filhos.
44
Tomada como referência, segundo o autor, “nos discursos sobre a idade de ouro da
família”, é um grupo de convivência regulado pelo amor e afeição. Distinguem-se as
funções de gênero, em que o marido deve se consagrar pelo trabalho e, a mulher,
se ocupar de tornar os filhos e o marido felizes, se realizando de “forma mediada,
através do sucesso do marido e dos filhos, para o qual ela contribui na sombra” (Id.,
2000, p.15-16).
Heller (1987), considerando esse período histórico, também distingue que o
“dever da mulher consistia em oferecer apoio e compaixão ao marido e pai,
restituindo-lhe a autoestima perdida” (p.10).
Essa visão tradicional que atribui funções discriminadas aos gêneros no
âmbito da família nuclear, além da necessária solidariedade interna, encerra uma
dimensão econômica de dependência, privada e pública, que é alertada por Marta
Campos e Regina Mioto (2003):
{...} o grupo familiar aparece com dupla face, a de uma unidade econômica com dependentes e ‘chefes de família’ que redistribuem renda e a de unidade ‘doadora de cuidados’, também a partir de redistribuição interna. Nele, a da mulher-mãe se espera que seja a principal provedora de cuidados para seus membros, mantendo-se economicamente dependente de seu marido. Assim supõe-se, por um lado, as responsabilidades do ‘chefe de família’ com o sustento, e por outro, as da mulher com o cuidado (p.169).
É dessa forma que, no âmbito privado, gera-se a dependência dos filhos e da
mulher ao homem provedor. Também o âmbito público é calcado na dependência do
trabalho familiar desenvolvido pela mulher. Compete a ela dar a sustentação para a
organização interna da casa, desempenhando os chamados afazeres domésticos,
que incluem os cuidados dos membros familiares, com a garantia da harmonia e do
equilíbrio interno, capaz de produzir o bem-estar e reproduzir a sociedade vigente.
Christopher Lasch (1999) coloca em questão a ideia da dedicação exclusiva
da mulher à maternidade e ao lar e defende que essa separação radical entre a vida
doméstica e o mundo do trabalho é uma invenção do século XX. Fundamenta-se em
estudos da classe média americana do final do século XIX, início do XX, em que as
mulheres não possuíam atividades remuneradas, mas, por meio de ação voluntária
e cívica, sustentaram uma gama de serviços, como creches, hospitais, bibliotecas,
entre outras ações de interesse público.
45
Atribui, o mesmo autor, a propagação da imagem abstrata da família
moderna, tida como tradicional, pela ideologia cultuada pelo sistema de
comunicação, com destaque aos seriados de televisão, novidade na época, e não
pelos fatos existentes. A exceção é considerada por Lasch (1999) com o
crescimento dos subúrbios americanos, nas décadas de 1940 e 50, o que contribuiu
para o isolamento dos casais e filhos, por uma opção de liberdade que colocava à
distância tudo o que não fosse passível de escolha – trabalho, família extensa e
sociabilidade forçada:
Nos subúrbios, muito mais do que na cidade, as mulheres se tornaram mães e donas de casa em tempo integral. A chamada família tradicional, onde o marido sai para trabalhar e a esposa fica em casa com as crianças, nada tinha de tradicional. Tratava-se de uma inovação de meados do século XX, produto de uma crescente impaciência com as obrigações e imposições externas, da equação da liberdade com escolha e de eventos mundiais tumultuosos que fizeram com que o sonho de um refúgio privado nos subúrbios fosse cada vez mais sedutor. {...} Os empregados domésticos, a família extensa, os amigos e vizinhos que funcionavam como uma rede de apoio informal – todos foram excluídos do lar suburbano da classe média, com uma consequência de que as donas de casa se viram como proprietárias únicas, livres para organizar tudo que queriam (p. 123).
Saraceno e Naldini (2003) consideram a forte interdependência do mercado e
família e, essa determinação, para a existência das duas figuras complementares
criadas pela industrialização: o operário e a dona de casa, que não se constituíram,
entretanto, tão claramente de forma simultânea. A imagem da dona de casa foi
desenvolvida “mais lentamente, mantendo por muito tempo uma mistura de traços
de trabalhadora irregular, precária ou ao domicílio” (p. 50).
A industrialização, apesar de favorecer a individualização do núcleo familiar,
mantém a solidariedade econômica como forte elemento aglutinador. As divisões de
despesa, de alojamento, de preparo de alimento coletivo, de soma de rendimentos,
de cuidados familiares é o que possibilita a sobrevivência. Em algumas situações de
famílias operárias, embora com trabalhadores e rendimentos individuais, ainda nos
dias atuais, os rendimentos de várias fontes se constituem como uma “bolsa
comum”, muitas vezes administrada pela dona de casa, como um direito do conjunto
da família (SARACENO & NALDINI, 2003, p.246).
46
Anthony Giddens (2003) ressalta o surgimento do valor do afeto com a
privatização da família. Considera que a unidade familiar é baseada em
“comunicação emocional” ou “intimidade emocional” e destaca três situações que
dão base afetiva à família: “os relacionamentos sexuais e de amor, os
relacionamentos pais-filhos e também a amizade” (p.70).
Utiliza-se da ideia de “relacionamento puro” para análise desses laços de
intimidade e dos processos de confiança existentes na relação, com recompensas
mútuas e apoios decorrentes do relacionamento, em que a franqueza é condição
essencial, seja em relação ao casal e, destes, na relação com os filhos. Em suas
palavras:
Designo por isso um relacionamento baseado na comunicação emocional, em que as recompensas derivadas de tal comunicação são a principal base para a continuação do relacionamento. {...} Depende de processos de confiança ativa – a abertura de si mesmo para o outro. Franqueza é condição básica para a intimidade. (Ib., 2003, p. 70).
Outra importante contribuição do autor, para o reconhecimento da afetividade,
é a correlação realizada do bom relacionamento com a democracia pública, a qual
intitula de “democracia das emoções” e fundamenta seus atributos: É preciso “ter um
ideal, se estabelecer entre iguais”, cada parte tem iguais direitos e obrigações e um
bom relacionamento é “isento de poder arbitrário, coerção e violência”8. “A conversa,
ou diálogo, é o que basicamente faz o relacionamento funcionar” (Ib., p.71).
Extensivo aos relacionamentos entre pais e filhos, a autoridade, como na
democracia, é baseada no interesse de todos, operando, entretanto, a partir do
princípio de igualdade, do diálogo, da confiança. (Ib., p.72).
As reflexões do autor sobre o relacionamento puro fundamentado na
confiança e no respeito mútuo apontam que, nesse espaço de intimidade familiar,
não comporta o sentimento de exploração, de desigualdade, opressão e, como
numa democracia ou num relacionamento baseado na cultura democrática, existem
direitos e deveres mutuamente cultivados e acordados.
Esses valores interferem diretamente no cotidiano da dinâmica conjugal e
familiar e possibilitam interpretar a tendência atual pelo qual passa a família,
8 Grifo nosso.
47
destacadamente quanto às mudanças na perspectiva de gênero e à maior
participação da mulher na vida pública econômica.
1.2.2 A individualização dos membros familiares, a questão de gênero e
as transformações da família contemporânea
Anthony Giddens (2003) traz contribuição significativa para a compreensão
das transformações que vêm ocorrendo na família, em ritmo acelerado, nos últimos
anos, ao apontar a existência de uma nova base relacional no âmbito da família e ao
correlacioná-la com a democracia pública. O século XX é considerado como um
marco de intenso debate da questão democrática (SANTOS & AVRITZER, 2002;
BOBBIO, 2002; TOURAINE, 1996). Em defesa da democratização e de avanços de
cidadania, a organização e os movimentos da sociedade também avançam para a
construção de uma cultura mais democrática, no campo das relações sociais e
pessoais.
Os conflitos culturais passam a direcionar a ação dos movimentos sociais.
São os movimentos das mulheres, dos ambientalistas, dos jovens, dos negros, dos
homossexuais, que lutam por direitos individuais e sociais.9 E a visibilidade
democrática propaga os valores que, a partir do recurso democrático do diálogo e da
negociação, vai se entranhado no tecido social e as mudanças sociais vão
ocorrendo, sendo questionados os valores autoritários da sociedade.
O processo de nuclearização das famílias, da mesma forma que gera a
privacidade, espontaneidade, o apoio, a solidariedade, expõe suas incoerências
internas. Contradições que, dialeticamente, vão configurando mudanças na dinâmica
familiar e criam as condições para a construção de novas individualidades. A mulher
reivindica um processo pessoal de desenvolvimento não lhe bastando “crescer em
um mundo que fazia poucas exigências à inteligência” (LASCH, 1999, p. 126).
9 Para mais conhecimento sobre movimentos sociais ver: CARVALHO SILVA, Maria Lúcia. (Org.) Movimentos sociais em estudo e debate. São Paulo: NEMOS–PUC, n. 1, 1996 e, da mesma autora, Movimentos sociais na contemporaneidade. São Paulo: NEMOS–PUC, n. 2, 1997.
48
Alexandra Kollontai (1978) em sua expressiva obra, A Nova mulher e a Moral
Sexual, ressalta o desenvolvimento da industrialização e do sistema capitalista para
a instituição da nova consciência e a individualização da mulher.
Contrariamente a Talcott Parsons (1980), ao considerar, na família moderna,
que a inserção da mulher no mercado de trabalho é tendência pontual, específica de
algumas mulheres solteiras, Kollontai (1978), em seu livro produzido em 1918, já
sinaliza que era nessa mesma realidade cotidiana que surgia a individualidade da
mulher10.
Em relação direta com o grau de desenvolvimento histórico do capitalismo, a
“nova mulher” surge do aumento quantitativo da força de trabalho e para adaptação
a esse novo cotidiano, a mulher vai se transformando psicologicamente. Tem que
mudar os valores morais “de passividade, submissão, doçura” incutidos, durante
séculos, como virtudes femininas, para “firmeza, decisão e energia”, necessidades
da nova ordem social. A maior consciência do papel de sujeição da mulher dentro
das relações de trabalho e das relações familiares, e, diante das contradições, gera
a independência. “Desperta o espírito de protesto e educa a vontade. Tudo isso
contribui para que se desenvolva e fortaleça a individualidade da mulher” (Ib., p.14-
17).
Não sem conflito com as velhas concepções, ainda enraizadas, que a
prendem e na busca do novo, “as heroínas contemporâneas têm que lutar contra um
inimigo que apresenta duas frentes: o mundo exterior e as suas próprias tendências,
herdadas de suas mães a avós” (Ib., p. 21). A nova mulher, entretanto, deixa de ser
“somente eco, instrumento e apêndice do marido” e afirma sua personalidade na
dureza do trabalho, nas dificuldades de conciliar a maternidade, nos desencontros
do amor. (Ib., p. 94).
10 Kollontai (1978) apoia suas considerações, além da prática do cotidiano, na análise de personagens da literatura e ressalta o estudo psicossociológico de Grete Meisel-Hess sobre a crise sexual. E sobre a formação da individualidade da mulher, forjadas pelas mudanças socioeconômicas e psicológicas, a autora sintetiza seu conceito de nova mulher, não sem apontar a necessidade de ações públicas para o apoio a reprodução social. Conceituando a nova mulher: “Esta é a mulher moderna: a autodisciplina, em vez de um sentimentalismo exagerado; a apreciação da liberdade e da independência, em vez de submissão e de falta de personalidade; a afirmação de sua individualidade e não os estúpidos esforços para se identificar com o homem amado; a afirmação do direito a gozar dos prazeres terrenos e não a máscara hipócrita da “pureza”, e finalmente, a subordinação das aventuras do amor a um lugar secundário da vida. Diante de nos temos, não uma fêmea nem uma sombra do homem mais sim uma mulher-individualidade” (p. 98).
49
A concepção tradicional representada na família nuclear, com pai provedor e
mulher dona de casa, em que a realização da mulher se dá a partir dos resultados
obtidos pelo marido e filhos, passa a ser insuficiente para a manutenção da relação
conjugal. É uma relação, conforme já citado por Giddens (2003), que se fundamenta
nos laços de confiança, com recompensas mútuas. O rompimento da confiança e do
respeito mútuo provoca crises e rupturas de relacionamentos ocasionando
transformações na família atual.
Castells (2002) atribui as transformações na família contemporânea à
contestação do patriarcalismo, caracterizado, pelo autor, não na acepção da tradição
do patriarca, mas, sim, pela “autoridade, imposta institucionalmente, do homem
sobre a mulher e filhos no âmbito familiar” (p. 169) de natureza cultural, com valores
estabelecidos e reproduzidos, histórica e socialmente.
O autor considera um processo irreversível na atualidade, acelerado pela
confluência de quatro elementos contributivos ocorridos:
Sugiro a hipótese de que o motivo tem por base a combinação de quatro elementos: primeiro a transformação da economia e do mercado de trabalho associada à abertura de oportunidades para as mulheres (...) segundo lugar, vêm as transformações tecnológicas ocorridas na biologia, farmacologia e medicina, proporcionando controle cada vez maior sobre a gravidez e a reprodução humanas (...) terceiro (...) consequência dos movimentos sociais da década de 60 (...) o quarto elemento a induzir o desafio ao patriarcalismo é a rápida difusão de ideias em uma cultura globalizada, em um mundo interligado por onde pessoas e experiências passam e se misturam, tecendo rapidamente uma imensa colcha de retalhos formada por vozes femininas, estendendo-se sobre quase todo planeta. (CASTELLS, 2002, p.171-172).
Também atribuída, a democratização das relações, à constatação da
exaustão do patriarcalismo - entendida esta como o enfraquecimento do modelo
familiar centrado na autoridade do provedor masculino - provoca implicações na
estrutura e nas relações familiares.
Pode-se citar, dentre outros, alguns indicadores que vêm atestando essa
transformação da morfologia das famílias em quase todas as sociedades na
atualidade: o aumento de número de divórcios ou separações; o aumento de filhos
fora do casamento; casamentos em idade mais tardia; permanência de filhos com
mais idade na casa dos pais; o nascimento de filhos com idade mais avançada da
mulher. Esses fatores, por sua vez, vão configurando diversas formas de
50
organização familiar, como famílias nucleares, extensas, unipessoais,
monoparentais, reconstituídas depois do divórcio, casais homoafetivos.
As mudanças na sociedade sugerem a François de Singly (2000), ao analisar
a sociedade francesa e os países ocidentais, a designação das famílias atuais, com
o termo de “modernas 2”. É uma geração de mulheres socializadas e, como suas
mães, “dependentes e heterônimas”, mas que, na atualidade, valorizam a
“independência e a autonomia”. Não existe uma ruptura completa com a família
“moderna 1”, pois também são pautadas na afetividade e na intimidade, mas
reivindicam principalmente a independência econômica e a autonomia, entendida
como maior conhecimento do mundo, elementos que possibilitam a representação
de liberdade e individualidade (SINGLY, 2000, p. 18).
Distingue, ainda, o autor, que a família moderna 1 é centrada na afetividade e
na autonomia da família extensa, a partir da “construção de uma lógica de grupo”. E
a família moderna 2, além de acentuar a lógica do amor entre seus membros, pois
seu “elemento central não é mais o grupo reunido, mas os membros que a
compõem”, busca a individualização de cada um dos membros familiares.
Caracterizada como busca de conciliação que permita na família ser “livre junto”, no
concernente à relação conjugal e, também, nas negociações das necessidades dos
filhos (SINGLY, 2000, p. 15-16).
A família pautada no fortalecimento do eu de cada um de seus membros é
centrada na base relacional, no diálogo, na reciprocidade, na negociação, na
afetividade e na vinculação de seus membros. Não mais no poder autoritário
instituído, mas no reconhecimento das relações democráticas também presentes no
cotidiano e no valor atribuído a essas relações.
Bader Sawaia (2003) defende que a principal força que explica a permanência
da família na história da humanidade é o valor afetivo. Um afeto qualificado, não “o
poder travestido de amor”, manipulador ou a intimidade opressiva, sufocadora,
realizada a partir da “exigência de relação emocional em tempo integral”, mas sim a
que possibilita reciprocidade, o desejo comum. A família deve ser capaz de
“potencializar o desejo de construir em conjunto a liberdade e a felicidade” (p. 44-
45).
A autora fundamenta-se na concepção de afetividade espinosana,
reconhecida na célebre e complexa definição de afetos como sendo: “as afecções
do corpo, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída, estimulada ou
51
refreada, e, ao mesmo tempo, as ideias dessas afecções”. E afetividade
compreendida pelas emoções alegres e tristes. Faz parte da capacidade do corpo
humano afetar, ser afetado, reter essas afecções, e existe mais ou menos potência,
baseada nos bons ou maus encontros. Quando o corpo é afetado de modo a
aumentar sua potência, ele apresenta alegria; em seu contrário, a infelicidade
(SPINOZA, 2009, p.98).
A base relacional em suas interações gera vínculos e tensões, encerra
consensos e dissensos e expõe felicidades e sofrimentos, quando, diante desses
últimos, pode exigir reajustamentos sociais, o que contribui para entender as novas
formas de organização do núcleo familiar.
Donati (2008) caracteriza bem os arranjos familiares contemporâneos quando
defende que “a família é definida como entrelaçamento de cursos de vida
individuais, de indivíduos que se agregam e se desagregam com maior
contingência” (p. 63). De outra forma, mas reconhecendo o mesmo fenômeno a
partir do olhar sobre o cotidiano familiar, Szymanski (2002) nomina de família
vivida, a que se constrói pelas vicissitudes da vida e que difere “quanto a estrutura,
história, modos de comunicação e expressão de emoções” (p. 26).
Essa família, também chamada de pós-moderna relacional, por Donati
(2008), evidencia sua força e sua fraqueza. Sua força, segundo o autor, está em sua
manutenção. Apesar de todas as transformações, as famílias continuam a se
formar, fundadas na afetividade, na solidariedade, na sobrevivência, na proteção e
desenvolvimento de seus membros. Essa é a força da família, que emerge de
tensões, se reaglutina e reestrutura suas redes relacionais.
E sua fraqueza, também decorrente de suas transformações e em seu
primeiro sinal de transição, como já apontado, encontra-se na forte inserção da
mulher no mercado de trabalho, fato que altera as funções consideradas
naturalizadas e instituídas, mas de difícil conciliação. A interdependência do trabalho
e a organização familiar doméstica devem ser analisadas, por seu impacto na
produção e reprodução social, com demanda na atualidade de proteção social.
52
1.2.2.1 A interdependência do trabalho e a organização familiar
doméstica: uma difícil conciliação da família contemporânea
A interdependência do trabalho e a organização familiar podem ser bem
observadas pela dificuldade da família, em especial da mulher, em conciliar o
trabalho familiar com o trabalho remunerado e manter a base relacional familiar em
equilíbrio.
Esse descompasso coloca em evidência, além de desigualdades entre os
gêneros, o forte comprometimento com a produção e reprodução social,
demandando mudanças culturais e a regulação do Estado para apoiar a proteção
social de indivíduos e sociedade.
Tendo como referência Bruschini et al. (2008) fundamentada na linha
marxista, a família é um grupo social voltado à reprodução da força de trabalho a
partir da distinção das funções de gênero, no qual, os “membros do sexo feminino se
encarregariam da produção de valores de uso na esfera privada, cabendo aos
homens a produção de valores de troca, por meio da venda de sua força de trabalho
no mercado” (p. 64).
Nessa perspectiva, a família, representada pela mulher, assume a função
mediadora entre o mercado de consumo e o trabalho, quando possibilita ao
trabalhador “a reposição de suas forças para o trabalho produtivo”, por meio dos
cuidados e afazeres domésticos. E, num segundo plano, também as “tarefas da
formação da nova geração de trabalhadores para a sociedade”, com a procriação e
reprodução da espécie (BRUSCHINI et al., 2008, p.64-65).
Engels, em documento escrito em conjunto com Marx, em 1846, já afirma que
“a primeira divisão do trabalho é a que se fez entre o homem e a mulher para a
procriação dos filhos” (Ib., 2009, p.67).
A presença da mulher no mercado de trabalho representa a articulação entre
estas duas frentes, o trabalho produtivo e o reprodutivo, sendo, este último, até
então naturalizado e fortalecido11 pelo mercado, Estado e, também, pelos meios de
comunicação, mantendo-se oculto por longo tempo, também, nas estatísticas
oficiais.
11 Esta ideologia vem sendo fortalecida em Parsons (1980) e denunciada em Campos e Mioto (2003); Lasch (1999); Saraceno e Naldini (2003) e Bruschini et al. (2008).
53
Em 1992, as pesquisas oficiais brasileiras, principalmente a Pesquisa
Nacional de Amostragem Domiciliar (Pnad), produzida pela Fundação Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), passam a captar como um trabalho os
afazeres domésticos e, a partir de 2001, realizam a medição do tempo utilizado
segundo os respondentes da pesquisa.
A definição de afazeres domésticos pelo IBGE (1992) apud Bruschini et al.
(2008) é dividida em quatro eixos e apreende as atividades realizadas no âmbito
familiar:
- arrumar ou limpar toda ou parte da moradia; - cozinhar ou preparar alimentos, passar roupa, lavar roupa ou louça, utilizando ou não aparelhos eletrodomésticos para executar estas tarefas para si ou para outro(s) morador(es); - orientar ou dirigir trabalhadores domésticos na execução das tarefas domésticas; - cuidar de filhos ou menores moradores. (Ib., 2008, p. 70).
A abrangência conceitual do IBGE não abarca as atividades relacionais,
públicas e privadas, realizadas para manter a rede de solidariedade de parentesco,
de vizinhança e de serviços, também, salvo atualizações, não identifica cuidados
com outros membros familiares, como idosos, pessoas com deficiência, ou doentes.
Em trabalho anterior de Bruschini (1990, apud BRUSCHINI et al., 2008) já era
apresentada uma definição mais ampla de trabalho doméstico. Agrupando as
diversas atividades realizadas em cinco blocos, reconhece as tarefas que são
realizadas na moradia, como limpeza e arrumação; alimentação e higiene pessoal,
tanto da casa como de seus moradores; a prestação de serviços de cuidados físico
e psicológico aos familiares, inclusive acompanhamento de atividades escolares;
administração da unidade doméstica, como pagamento de contas, compras diversas
para a casa e família; e, também, a manutenção da rede de parentesco e amizades
que resultam em contatos que favorecem as redes de solidariedade e de
convivência. (Ib., 2008, p. 70-71) Este último também é apontado por outros autores
como determinante para a proteção social de famílias e indivíduos. (SARTI, 2002)
Saraceno e Naldini (2003) analisam a interdependência entre o
funcionamento do mercado de trabalho e a organização familiar na sociedade
contemporânea a partir de quatro diferentes abordagens, as quais contribuem para
compreender a dinâmica familiar e a estratificação social de gênero. Consideram o
54
trabalho doméstico familiar, a divisão do trabalho na família e no sistema de
emprego, tempo de trabalho e tempo da família e a economia da família12, todos
temas articulados que evidenciam a dinâmica familiar e a difícil conciliação entre
trabalho profissional e família, destacadamente para a mulher, por que implica a
combinação dessas duas dimensões, seja pelo entrosamento como pela
sobreposição.
Ao avaliarem, na realidade europeia, os afazeres familiares, definem como
um trabalho contínuo, meticuloso e diversificado, necessário à criação, manutenção
e reprodução da família. Geralmente realizado pelas mulheres, em sua qualidade de
mães e esposas, o trabalho familiar, segundo as mesmas autoras, envolve cinco
grandes eixos de ação: os afazeres e a organização da casa; os cuidados com os
membros familiares; o trabalho ligado ao consumo e à transformação; e a
manutenção das bases relacional, pública e privada. Representam:
{...} todos os trabalhos necessários hoje em dia à reprodução e criação quotidiana da família e dos indivíduos que compõem: desde o trabalho doméstico em sentido estrito, ao trabalho de cuidados a familiares não autossuficientes por razões de idade ou invalidez, ao trabalho de consumo, que não compreende apenas a compra e eventual transformação de bens, mas também o trabalho necessário para utilizar adequadamente os serviços públicos e privados que hoje constituem uma parte importante dos recursos familiares, até ao trabalho de relação. Este último refere-se à atividade (sic) de criação e manutenção de relações, de comunicação dentro da família, entre esta e a rede parental, bem como entre a família ou cada um dos seus membros e o sistema de serviços. (Ib., 2003, p. 276-7).
Bruschini et al. (2008) considera, a partir de análises empírica e teórica, a
existência de “assimetria sexual” nessas atividades familiares. Algumas atividades
são mais compartilhadas, como pagamento de contas ou orientação escolar de
filhos, outras têm tendência a ser mais específicas, como, por exemplo, os serviços
ligados ao reparo e à manutenção da casa, que são mais peculiares do gênero
masculino e, contrariamente, as atividades de lavar e passar, mais restritas à esfera
feminina (Ib., 2008, p.72).
Destaca o debate que distingue as atividades ligadas ao “trabalho doméstico”,
das atividades de “cuidado com a família”, sendo estas últimas, na atualidade, mais
12 Grifo nosso.
55
compartilhadas, embora não equilibradas entre os gêneros e com influência de idade
e socialização de gênero:
Em geral os maridos se envolvem pouco com as tarefas de limpeza e arrumação, concentrando-se mais naquelas relacionadas aos/às filhos/as. Acompanham o dever de casa, levam e/ou buscam na escola, alimentam, dão banho e trocam roupas e fraldas, embora esse comportamento não seja predominante. (BRUSCHINI et al., 2008, p. 80).
Saraceno e Naldini (2003) destacam a substituição do termo “trabalho
doméstico” por “trabalho familiar”, na Itália, como forma de incluir todos as atividades
necessárias à criação e reprodução da família, de natureza material e também
simbólica, na medida em que, além dos serviços domésticos, o trabalho familiar
exige relações, cuidados e tratamento individualizados.
A divisão do trabalho na família e no sistema de emprego é analisada por
Saraceno e Naldini (2003) a partir da correlação entre a oferta de trabalho e as
necessidades próprias da família, influenciadas pelas diferentes fases do ciclo de
vida de seus membros e pelos modelos culturais atribuídos aos gêneros feminino e
masculino.
O período de maior “plenitude” da presença masculina no trabalho é
equivalente ao de maior plenitude da mulher no trabalho familiar, observadas “pelo
menos nas fases mais exigentes da formação da família: existência de filhos
pequenos, em idade pré-escolar e escolar” (SARACENO & NALDINI, 2003, p. 263).
Apesar da domesticidade das mulheres não ser notada em tempo integral, da
existência de diferenças entre cidades e países, observa-se a “trabalhadora de
regresso” após o crescimento dos filhos e a trabalhadora em part-time, reforçando a
interdependência entre funcionamento do mercado e a organização familiar na
busca de combinação do trabalho profissional e do familiar.
Enquanto, para os homens, a forma de participação no mercado de trabalho
depende das demandas e das qualificações para o desempenho das funções,
inclusive valorizando e considerando mais responsável o homem que constitui
família, para as mulheres, especialmente as casadas, a participação no trabalho
remunerado decorre de estratégias de tempo para a conciliação com o trabalho
familiar, desempenhando trabalhos com tempos mais curtos e mais próximos da
casa. (cf. SARACENO & NALDINI, 2003)
56
Sobre o uso do tempo com os afazeres domésticos e sua classificação por
gênero, na realidade brasileira, conforme dados da Pnad-IBGE de 2002, apenas
16,4% do gênero feminino declarou que não cuidava de afazeres domésticos, contra
83,6% do masculino. E considerando o número médio de horas semanais dedicado
aos afazeres domésticos, o tempo investido pelas mulheres representou 27,2 horas
e, o dos homens, 10,6 horas, o que reitera o maior tempo gasto pelas mulheres com
os afazeres domésticos. (PNAD, 2002 apud BRUSCHINI et al., 2008, p. 123-134)
Tendo como referência o número médio de horas produtivas, por gênero,
ocorre inversão, embora se mantendo muito próxima a participação feminina no
mercado de trabalho. Os homens, incluídas as horas de deslocamento, utilizam em
média 49,0 horas semanais com o trabalho produtivo, contra 43,0 horas gastas
pelas mulheres. Essas informações confirmam a conciliação de trabalho familiar,
prioritariamente realizado pela mulher (Id., 2008, p.144).
Entretanto, se considerado o tempo total gasto com o trabalho produtivo e
com o trabalho familiar, observa-se que as mulheres trabalham em média mais, com
63,6 horas, e os homens, pelo mesmo período, trabalham 58,6 horas. (PNAD, 2002,
apud BRUSCHINI et al., 2008)
Situação que se mantém, segundo as informações de 2008, pois, ao se
conjugarem as informações referentes às horas de trabalho dedicadas ao trabalho
familiar com aquelas destinadas à jornada exercida no mercado de trabalho
produtivo, constata-se que, apesar da jornada semanal média das mulheres, no
mercado de trabalho, ser inferior à dos homens, 34,8 contra 42,7 horas, ao
computar-se o trabalho realizado na esfera familiar, a jornada média semanal total
das mulheres alcança 57,1 horas e ultrapassa em quase cinco horas a dos homens,
com 52,3 horas.
A pesquisa empírica13 realizada por Bruschini et al. (2008) reafirma que, nas
famílias de baixa renda, as mulheres abrem mão de oportunidades de
desenvolvimento profissional para dedicar-se ao cuidado dos filhos ou recorrem à
ajuda, muitas vezes, de amigos ou família extensa, para essa necessidade, pela
insuficiência de serviços públicos. Na busca de conciliação do tempo entre trabalho
13 A pesquisa intitulada Articulação Trabalho e Família: Famílias Urbanas de Baixa Renda e Políticas de Apoio às Trabalhadoras teve como público-alvo famílias urbanas de baixa renda, moradoras da cidade de São Paulo (SP) e por objetivo principal analisar a administração das dificuldades e dos conflitos que surgem na vida cotidiana de mulheres que trabalham fora de casa. (BRUSCHINI, et al., 2008)
57
familiar e remunerado, possuem carreiras descontínuas, priorizam trabalhos de
menor qualificação, na sua maioria informais, e, nas famílias com duplo provedor,
seu salário é considerado como “ajuda financeira” ao domicílio (Ib., 2008, p. 93).
Com relação à economia da família, Saraceno e Naldini (2003) destacam seu
papel redistributivo de cuidados e de rendimentos, responsável por reforçar a
solidariedade interna e pela determinação do “nível de vida” familiar, o que se pode
observar pela medição de acesso ao rendimento e consumo, a partir do conjunto
familiar.
O trabalho familiar possibilita identificar uma dimensão econômica não
contabilizada e um sistema de gênero na família, essencial à sua manutenção e
reprodução, compartilhado desigualmente entre seus membros. Decorre daí que,
embora tenha importância essencial para a sociedade contemporânea, o trabalho
familiar, diferentemente da produção, que gera bens ou lucros, se constitui de
tarefas ligadas à reprodução social, consumidas individualmente, sem rendimentos
ou valor.
De caráter mais estrutural, a conciliação entre trabalho e família, para homens
ou mulheres, deve avançar em seu reconhecimento e em formas de proteção social.
58
CAPÍTULO 2. O ESTADO E A PROTEÇÃO SOCIAL PÚBLICA
A política é sempre uma combinação dialética de vontade e circunstâncias:
os sujeitos que agem não estão inteiramente livres
das circunstâncias em que agem.
(NOGUEIRA, 2008, p.98)
Este capítulo tem por objetivo identificar as relações existentes entre o
Estado, a questão social e as políticas públicas. Distingue o surgimento, as
características e abordagens conceituais sobre a proteção social pública, sua
correlação com a dinâmica e as forças sociais e a capacidade de integração social,
consideradas como determinantes para compreensão de sua origem, suas
diferenças e transformações.
Possui como base analítica os conceitos de questão social e políticas
públicas, elementos constitutivos do processo que caminha da causalidade para as
ações interventivas do Estado em relação às suas várias expressões, conforme,
também, os tipos de Estado e de poder existentes.
É realizada uma análise panorâmica das origens e trajetória da proteção
social pública, do seguro social ao Welfare State, tendo a Europa como precursora
e, no Brasil, do surgimento do seguro social ao reconhecimento do Sistema de
Seguridade Social. Resultante, este último, de amplo processo de democratização
do País.
Aponta-se a crise mundial do sistema de proteção social na sua forma de
seguro social, decorrente das transformações econômicas e do mundo do trabalho
e, em paralelo, a ascendência do processo de democratização e a busca de
avanços dos direitos sociais no Brasil e em países da América Latina. São dois
movimentos diferentes, que colocam a família em evidência pela expectativa de sua
capacidade de solidariedade interna.
Apresentamos contribuições teórico-conceituais que contribuem para o
reconhecimento e embasamento do debate atual sobre a questão social e suas
59
expressões, que nos permitem identificar abordagens complementares, com
identidade sobre o impacto das questões estruturais econômicas, mas com
importantes avanços analíticos sobre outras dimensões - sociais, culturais e
psicológicas.
Vários são os autores que contribuem com os aportes teórico e conceitual
sobre o tema proteção social pública, apreendida, neste estudo, em duas correntes
de pensamento.
Uma linha de estudo, de caráter mais estrutural sobre as concepções do
Estado, com análises de caráter sócio-histórico sobre os movimentos sociais e
políticos, determinações presentes nos modelos de proteção social pública
praticada. Citamos, dentre outros, Marshall (1967a) e Esping-Andersen (1991), com
estudos baseados na realidade europeia, e Fernando Filgueira (1997) em análise
comparada da América Latina. E apoiamo-nos em contribuições de autores
brasileiros - Faleiros (2007), Behring e Boschetti (2009), Campos (2011), Jaccoud
(2009), Sposati (2001/9), Yasbeck (2008/10).
A outra corrente de pesquisa, com estudos mais recentes e construção
teórica mais escassa no Serviço Social, analisa a proteção social a partir dos
resultados concretos das decisões do Estado, desenvolvidas pelos governos,
expressa em políticas públicas. Tomamos como base textos de Draibe (2001) Frey
(2000), Souza (2006), que contribuem para a compreensão das dimensões políticas
e administrativas das políticas públicas.
O presente capítulo possibilita aporte teórico para a compreensão das
determinações presentes, desde o reconhecimento da questão social, não
perceptível na totalidade pelos diferentes agentes envolvidos, à configuração do
processo, que avança para a concretização da decisão política, inicialmente com a
inserção na agenda política, expressa em normatizações, até sua efetiva
implementação, com sistemas gerenciais e acesso à população. É um processo
complexo, que envolve forças sociais, políticas e técnicas, envoltas em uma
dinâmica social de múltiplas determinações, objetivas e subjetivas, acelerado pela
democratização das relações.
60
2.1 QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS
Estudar a proteção social pública requer reconhecer os processos
contraditórios que afetam e imprimem dinâmica nas forças da sociedade e que
demandam a ação reguladora do Estado. Reconhecer as determinações da questão
social e a heterogeneidade de suas expressões possibilita a construção de políticas
públicas mais adequadas e avanços societários direcionados à cidadania e à
redução das desigualdades sociais.
A proposta, neste tópico, é apresentar abordagens conceituais sobre a
questão social identificando causas e manifestações, bem como as políticas
públicas, existentes ou não, que são as formas desenvolvidas pelos governos para
atuar com o tema.
2.1.1 Questão social: causalidades e expressões na atualidade
A questão social é conceituada por Marilda Iamamoto (2004) como decorrente
da constituição das relações sociais, sendo o valor de uso do trabalho nas
sociedades capitalistas, com interesses e as oportunidades distintas, o responsável
pela produção e reprodução das desigualdades sociais, que, por sua vez, se
metamorfoseiam histórica e socialmente, expondo novas formas e expressões. É um
conceito que possui dimensão de totalidade e decorre dos processos sociais
contraditórios que afetam a sociedade e interferem no cotidiano dos indivíduos.
Sobre a questão social, conforme a autora:
{...} é indissociável das configurações assumidas pelo trabalho e encontra-se necessariamente situada em uma arena de disputas entre projetos societários, informados por distintos interesses de classe, acerca de concepções e propostas para a condução das políticas econômicas e sociais. {...} constitutiva das relações sociais capitalistas, é apreendida como expressão ampliada das desigualdades sociais {...}. Sua produção/reprodução assume perfis e expressões historicamente particulares na cena contemporânea. (IAMAMOTO, 2004 b, p.10)
61
E da mesma autora, sobre as várias expressões da questão social na
atualidade e a necessidade da regulação, pelo Estado, das desigualdades sociais
produzidas pela falta de acesso a bens e direitos de cidadania:
Na atualidade, a “questão social” diz respeito ao conjunto multifacetado das expressões das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado. A “questão social” expressa desigualdades econômicas, políticas e culturais das classes sociais, mediadas por disparidades nas relações de gênero, características étnico-raciais e formações regionais, colocando em causa amplos segmentos da sociedade civil no acesso aos bens da civilização (2004a, p.17).
As expressões multidimensionais da questão social na atualidade têm sido
objeto de estudos de vários autores, em âmbitos nacional e internacional. Com
abordagens e nomenclaturas diferentes dos fenômenos existentes, derivam das
desigualdades sociais e ampliam o conceito de pobreza para outras dimensões.
(PAUGAM, 2003; CASTEL, 2007; SAWAIA, 2008; MARTINS, 2008; ESPING-
ANDERSEN, 2009)
Robert Castel (2007), tendo como referência a França, caracteriza a questão
social na atualidade como decorrente das transformações no mundo do trabalho,
com a desagregação da sociedade salarial e da perda do emprego protegido ou do
status de empregado que o trabalhador tem na sociedade. O desemprego e o
processo de precarização do trabalho, com flexibilização de contratos, ocasiona
perdas de proteção social e tem gerado, segundo o autor, três constatações
relevantes e geradoras da questão social. A desestabilização dos estáveis,
instalação na precariedade e o aumento dos sobrantes, aqueles que não
conseguem se integrar na sociedade. Considera que “a desagregação das
proteções que foram progressivamente ligadas ao trabalho que explica a retomada
da vulnerabilidade de massas e, no final do percurso, a exclusão” (Ib., 2007, p. 35).
Alerta o autor, entretanto, para o uso indiscriminado da terminologia Exclusão
Social usada na atualidade. Sua aplicabilidade heterogênea expressa imprecisão
analítica e é incapaz de distinguir os processos dos fatores causadores do fenômeno
analisado. Atribui, ao excluído, o termo de “desafiliado”, ou seja, pessoa cuja
“trajetória é feita de uma série de rupturas em relação aos estados de equilíbrio
anteriores mais ou menos estáveis, ou instáveis” (CASTEL, 2007, p. 24).
62
Na mesma linha de questionar o conceito de exclusão social, José de Souza
Martins (2009) analisando a sociedade brasileira, considera seu uso inapropriado e
defende que as situações denunciadas como de exclusão social revelam, na
realidade, problemas com a inclusão. “{...} chamam de exclusão social aquilo que
constitui o conjunto das dificuldades, dos modos e dos problemas de uma inclusão
precária e instável, marginal” (p. 26). Exemplifica com casos de exploração sexual
de meninas, exploração de trabalhadores, também atividades ilegais relacionadas
com o tráfico de drogas e reafirma que são problemas decorrentes da inclusão
econômica inadequada e não de exclusão.
A necessidade do uso da palavra exclusão para expressar a questão social
desvenda, entretanto, a incapacidade ou a incerteza existente, na atualidade, sobre
a abrangência explicativa da palavra pobreza, ou pobre. A dimensão do tema da
exclusão social, apesar do seu reconhecido fetichismo, “revela coisas que já
estavam lá e não éramos capazes de perceber” (Ib., 2009, p.28).
A apreensão dessa nova significação trata-se de uma nova consciência sobre
a nossa sociedade. Conforme o autor, a lógica da exclusão tem como atributo a
inclusão; faz parte da dinâmica da sociedade na busca de seus reequilíbrios; o
problema existente está na forma da inclusão realizada e esta tem se tornado mais
perceptível apenas nos últimos anos. E atribui a percepção aos padrões atuais de
desenvolvimento econômico, que vêm produzindo uma população sobrante, não
apenas transitória, com poucas chances e formas inadequadas de inclusão. Os
longos períodos de passagem da exclusão para a inclusão estão se transformando
em modo de vida de um grande número de pessoas (Ib., 2009, p.33).
Martins (2009) atribui como forma de expressar a questão social as várias
formas de inclusão, re-inclusão ou ajuste social, presentes na sociedade atual, que
ocorrem de forma paralela e marginal. É uma sociedade que se inclui em trabalhos
precários, se ajusta na economia em vários graus e formas, lícitas ou ilícitas e altera
o conceito de pobreza anteriormente reconhecido. Em suas palavras:
Este processo que nós chamamos de exclusão não cria mais os pobres que nós conhecíamos e reconhecíamos até outro dia. Ele cria uma sociedade paralela que é includente do ponto de vista econômico e excludente do ponto de vista social, moral e até político {...} Já não é o mundo dos pobres, porque as pessoas são reincluídas economicamente, em vários graus e de diferentes modos,
63
que no fundo comprometem radicalmente sua condição humana. (Ib., 2009, p.34).
Serge Paugam (2003; 2008) tendo como referência a sociedade francesa,
fundamenta a dimensão de desqualificação social como uma nova expressão da
questão social na atualidade, geradora de um processo de expulsão gradativa de
pessoas do mercado de trabalho e avanço para o enfraquecimento e a ruptura dos
vínculos sociais.
Seu conceito valoriza o caráter dinâmico e multidimensional da pobreza e,
também, o status social estigmatizado atribuído ao pobre que demanda serviços de
assistência social. Três são as causas identificadas pelo autor, para a demanda
expressiva, na atualidade, de serviços de assistência social. A degradação do
mercado de trabalho, a fragilidade dos vínculos familiares e comunitários e a
inadequação das intervenções públicas realizadas14. (Ib., 2008, p.71)
Sobre a tipologia dos usuários da assistência social, distingue três categorias
analíticas, assim denominadas: os fragilizados, que se beneficiam da intervenção
pública pontualmente, os assistidos, contrariamente aos anteriores, possuem
relação de dependência dos serviços públicos e os marginais, aqueles que “não
dispõem de rendas ligadas ou derivadas de um emprego regular, tampouco de
subsídios assistenciais regulares” (Ib., 2003, p.63-64).
Facetas de uma mesma causa, decorrente de processos sociais
contraditórios constitutivos da organização social, ou de problemas decorrentes da
forma de inclusão social utilizada, os contornos da pobreza avançam do pauperismo
presente na Europa do século XIX para outras expressões, além da econômica,
também a cultural, a psicológica e perpassam pelo mundo coletivo da sociedade e
pelo mundo privado da família.
Uma nova expressão da questão social perceptível na atualidade apresentada
por Esping-Andersen (2009) é a mudança estrutural da família e da sociedade, a
partir do lugar ocupado, nela, pela mulher. Determinante para a compreensão desta
tese e presente em seus capítulos, um dos mais importantes desafios das
sociedades deste século é compreender as mudanças da dinâmica familiar e agir,
para a prevenção e proteção de seus membros.
14 Grifo nosso.
64
Vários são os autores que apontam, em decorrência das mudanças na
família, a fragilização de sua capacidade de proteção. (PAUGAM, 2003; CASTELLS,
2002; SINGLY, 2000). De forma desenvolvida, a questão é observada em Esping-
Andersen (2009) quando assinala que a “revolução feminina confronta os nossos
modelos de proteção social com desafios sérios {...} e justifica-se pelo fato de afetar
profundamente o funcionamento de um de seus grandes pilares: a família” (p. 42).
A família, historicamente, tem se colocado como um dos eixos de proteção
social existentes na sociedade. Na sociedade capitalista, é a combinação da família,
do mercado e do Estado que sustenta a proteção social dos indivíduos e suas crises
exercem efeitos entre si. (ESPING-ANDERSEN, 2009)
A crise da sociedade salarial existente acentua a pobreza e a crise da família
impacta cumulativamente a capacidade de proteção social aos membros familiares.
Nas palavras do autor:
. O “colapso” da família vai se dando à medida que as mulheres se retiram das funções que lhes eram tradicionalmente atribuídas e que as gerações deixam de coabitar sob o mesmo teto. As sociedades contemporâneas são assim confrontadas com problemas de crises acumuladas, já que nem o mercado nem a família são capazes de responder de forma adequada às suas necessidades sociais. (Ib., 2009, p. 42).
A “revolução feminina”, inconclusa e irreversível, é um fenômeno de várias
ramificações sociais, que impacta a sociedade e a família. A alteração do lugar da
mulher na sociedade, principalmente pela sua maciça entrada no mercado de
trabalho e o aumento da instabilidade conjugal, transforma o modelo de família
tradicional apoiada nas funções de pai, mãe e filhos, e sobrecarrega as funções
familiares, como o cuidado das crianças e idosos.
Estudar e propor intervenções na questão social, nos dias de hoje, vai além
de reconhecer a pobreza pela falta de acesso às necessidades básicas de
alimentação ou renda, de desvantagens resultantes de deficiências, desqualificação
ou falta de acesso ao trabalho. Há expressões da questão social na atualidade que
impactam suas estruturas e alteram o tecido social. São as transformações do
mundo do trabalho e da família que provocam a expansão de riscos e exigem a ação
reguladora do Estado.
As respostas à questão social configuram formas de proteção social, que,
desenvolvidas pelo Estado, se caracterizam como políticas públicas, de caráter
65
social, direcionadas a alterar uma realidade, em resposta a demandas, pressões e
prioridades presentes na sociedade. Pedem o reconhecimento das causalidades da
questão social e da heterogeneidade de situações evitando que intervenções
inadequadas resultem em forma de inclusão-excluída, e se transformem em novas
expressões da questão social.
2.1.2 Políticas públicas: ação dos governos e inter-relações entre o
Estado e a sociedade civil
A fundamentação teórica para estudos sobre política pública é ainda
considerada escassa. Datam, nos Estados Unidos, dos anos 50; na Europa, dos
anos 70; e, no Brasil, mais recentemente. Nominada como policy science, sua área
do conhecimento é multidisciplinar, embora observe-se a prevalência de abordagens
nas áreas das ciências políticas e administrativas gerenciais (FREY, 2000; SOUZA,
2006; RICO, 1998; BARREIRA & CARVALHO, 2001).
São três os principais fatores destacados por Celina Souza (2006) que
contribuíram para dar mais visibilidade aos estudos sobre política pública na
atualidade. O primeiro, a adoção de políticas restritivas de gasto público; o segundo,
relacionado ao primeiro, pela revisão do papel dos governos; e o terceiro, mais
relacionado aos países de democracia recente, como é o caso do Brasil e da
América Latina, pela necessidade de reconhecer como impulsionar as políticas
públicas direcionadas ao desenvolvimento econômico e social.
Na área do Serviço Social, observa-se o uso alternado das terminologias
política pública e política social, ora como sinônimos, ora como distinção. Potyara
Pereira (2008) considera a política social como uma “espécie do gênero política
pública” (p. 92). A espécie política social, uma classificação ou especialização que
se subordina ou deriva do gênero da política pública. A política pública, de caráter
mais geral, possui outras espécies, como, por exemplo, política econômica.
Marta Campos (2011), de outra forma, também atribui a dimensão mais
abrangente às políticas públicas, que, por sua vez, se subdividem em áreas,
podendo ser social, econômica, ou outras. Amplia o conceito quando imprime ação e
responsabilidade às políticas. Situa a política pública na esfera do Estado, da ação
66
executiva dos governos e a política social trabalha nessa esfera, com as estratégias
de proteção social. Em suas palavras:
A expressão “políticas públicas” deve ser entendida no sentido das “estratégias governamentais” relacionadas às várias áreas de sua atuação.É, portanto, conotativa do investimento dos governos em áreas tanto econômicas como sociais, de grande efeito na sociedade, incluindo, por ex., transportes, produção agrícola, impostos, etc. Por “política social” designamos aquelas estratégias mais diretamente ligadas ao sistema de proteção social strictu sensu: Seguridade Social com seu tripé: saúde, previdência social e assistência social {...} (Ib., 2011, p.119).
Duas linhas de estudos sobre política pública ou política social também
podem ser observadas. A linha americana dá ênfase para a análise da ação dos
governos e a tradição europeia age como um desdobramento dos estudos de
Estado e de suas instituições, no caso desta última, os governos (SOUZA, 2006).
No Serviço Social, observam-se os dois eixos de pesquisas, um de caráter
técnico mais específico e outro político; embora interligados, possuem distinção de
referencial analítico. Um deles privilegia a materialidade, a ação executiva e a
avaliação das políticas sociais dos governos a partir do uso de técnicas de
planejamento e administração. Tem como base de estudos o reconhecimento dos
ciclos gerenciais da política pública e a análise de sua eficiência, eficácia e
efetividade. (RICO, 1998; BARREIRA & CARVALHO, 2001)
O outro, direcionado a questões analíticas estruturais, privilegia o
reconhecimento de processos políticos para a construção de projetos societário e
profissional ético-políticos e tem, na política pública, o instrumento para a
intermediação e alcance de cidadania. (NETTO, 1999; SPOSATI, 2002; IAMAMOTO,
2004; FALEIROS, 2007; YASBECK, 2008/9; CAMPOS, 2011)
A instituição das políticas públicas na área de Assistência Social se coloca
como um desafio do Serviço Social brasileiro na década de 199015 e nos dias atuais.
Um processo que tem como tema norteador, nos debates da categoria, das
universidades e extensivo à sociedade, a construção do projeto ético-político
profissional. Várias são as contribuições a essa causa inspiradas na tradição
marxista e na ruptura com o conservadorismo, que historicamente vem permeando a
15 Deveu-se ao reconhecimento da Assistência Social enquanto política pública na Constituição Brasileira de 1988 e, depois, sua operacionalização a partir de leis ordinárias, tema que será descrito no Item 2.3 deste capítulo.
67
trajetória da profissão do serviço social no Brasil. (NETTO, 1999; IAMAMOTO, 2004;
YASBECK, 2009)
As diretrizes do projeto ético-político profissional são claramente expressadas
por José Paulo Netto (1999).
{...} ele envolve uma série de componentes distintos: uma imagem ideal da profissão, os valores que a legitimam, sua função social e seus objetivos, conhecimentos teóricos, saberes interventivos, normas, práticas, etc. {...} este projeto profissional se vincula a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem exploração/dominação de classe, etnia e gênero, {...} ele se posiciona a favor da equidade e da justiça social, na perspectiva da universalização do acesso a bens e a serviços relativos às políticas e programas sociais; a ampliação e a consolidação da cidadania são explicitamente postas como garantia dos direitos civis, políticos e sociais {...}. Do ponto de vista estritamente profissional, o projeto implica o compromisso com competência. (Ib., 1999 p.7, 15-16).
O referencial gramsciano de Estado, sociedade e hegemonia é um importante
marco interpretativo ao reconhecimento dos complexos processos que antecedem a
formulação das políticas públicas, com várias inter-relações e mediações
necessárias para a definição de prioridades e inserção na agenda política.
Características próprias das sociedades democráticas, nas quais é mais
dilatada a socialização da política, a teoria de “Estado Ampliado”, defendida por
Gramsci, considera uma ampliação dialética do “Estado Restrito” de Marx. Esse,
afinado com o momento sócio-histórico, considera o Estado como expressão da
classe dominante e coercitivo para o cumprimento de suas funções e interesses. Por
sua vez, o conceito de Estado Ampliado de Gramsci, não elimina essa interpretação,
mas alarga a presença da sociedade e dos seus movimentos no interior da
superestrutura do Estado. (COUTINHO,1985).
O conceito de Estado Ampliado surge da concepção gramsciniana de
sociedade civil. Enquanto em Marx e Engels, a sociedade civil designa “o conjunto
das relações econômicas capitalistas”, em Gramsci são distintas duas esferas que
compõem a sociedade e ambas influem no Estado. A denominada “sociedade
política” e a “sociedade civil”, esta última, representada pelo “conjunto das
instituições responsáveis pela elaboração e/difusão de valores simbólicos, de
ideologias {...}” inclui os partidos políticos, as igrejas, os sindicatos, os meios de
68
comunicação, os movimentos sociais organizados, dentre outros espaços
participativos que também interferem no Estado e em suas decisões, na forma direta
ou indireta, construindo novas hegemonias e avanços societários. (COUTINHO,
1985, p. 60)16
Hegemonia17 é definida como a capacidade de direção intelectual e moral das
classes sociais, políticas, econômicas, para a construção de maioria. É a conjugação
de poder e consenso, construído a partir de mediações, esta possível, em uma
sociedade democrática. Na expressão de Carlos Nelson Coutinho (1989),
hegemonia, segundo Gramsci significa “a formação de uma vontade coletiva, de um
conjunto de valores que move um sujeito coletivo e se torna, através de sua ação,
um fenômeno objetivo da realidade social” (p. 16), configurada em seu tempo e a
partir de forças sociais existentes.
Para melhor distinção da política pública, inter-relações existentes e
demarcação conceitual, tem se convencionado apontar as diferentes dimensões da
política, embora imbricadas com objetos e características diferentes.
Potyara Pereira (2008) distingue dois principais significados da política, a
política clássica e a política pública. A política clássica é a “base institucional da
atividade política”. É relacionada aos temas clássicos do processo político-eleitoral,
como partido político, parlamento, votação, governabilidade. E política pública, cuja
marca definidora “é o fato de ser pública {de todos}. {...} têm como uma de suas
principais funções a concretização de direitos de cidadania conquistados pela
sociedade e amparados pela lei” (Ib., 2008, p.101).
A literatura inglesa adota três dimensões da política, ao caracterizar os
estudos da policy science. A polity, para designar as instituições políticas, refere-se
ao ordenamento do sistema político e à estrutura institucional político-administrativa.
A politics, para denominar os processos políticos, a dinâmica do relacionamento
político para a tomada de decisões, frequentemente de caráter conflituoso, diante
dos interesses e objetivos. A policy, para nomear a política pública, considerada a
materialidade das decisões políticas para implementação dos programas de governo
(cf. FREY, 2000, p. 216-217). 16 Para melhor compreensão do conceito de Gramsci sobre sociedade civil e Estado ver Carlos Nelson Coutinho (1985) em A Dualidade de Poderes: Introdução à Teoria Marxista de Estado e Revolução. Também, Norberto Bobbio (1999) em Ensaios sobre Gramsci e o Conceito de Sociedade Civil. 17Para mais conhecimento sobre o conceito de hegemonia na área de serviço social, ver Ivete Simionatto (1999) em Gramsci: Sua Teoria, Incidência no Brasil, Influência no Serviço Social.
69
O ciclo constitutivo da política pública em seus vários estágios de
planejamento e execução é uma tipologia amplamente utilizada para o
acompanhamento e definição de técnicas necessárias ao seu êxito. Suas divisões,
correlacionadas com etapas de planejamento, possuem pequenas alterações de
nomenclatura, sendo comuns três etapas distintas: a formulação, a implementação
e a avaliação da política pública (DRAIBE, 2001; FREY, 2000; SOUZA, 2006).
Sônia Draibe (2001) ressalta, na instituição das políticas públicas, as etapas
de formulação e implementação, que antecedem o estabelecimento das rotinas
expressas em programas, projetos, serviços. Relaciona, também, a importância de
planejar a formulação e implementação das políticas públicas, a partir da
identificação de fatores facilitadores ou de obstáculos, classificados, pela autora,
como “matrizes político-institucionais”, caracterizados pelas estratégias e mediações
Para maior clareza da correlação técnico-política nas políticas públicas,
identificamos uma etapa preliminar à formulação, que é a de construção da agenda
política, compondo quatro etapas do ciclo constitutivo da política pública. Tendo
como referência Draibe (2001) e Zola (2005), caracterizamos a seguir as quatro
etapas que compõem a constituição da política pública:
1. A construção da agenda política é a introdução de um tema ou demanda da
agenda social no cenário político. O tema adquire visibilidade, relevância e
torna-se prioridade pública, passando a fazer parte da vontade da política.
Numa sociedade democrática pressupõe estratégias de articulação e
mobilização social, articulação de forças diversas (do poder, do saber e do
fazer)18, existência de teses sobre o tema, a construção de consensos e de
prioridades. A metodologia participativa é uma técnica cada vez mais adotada
para a percepção, definição de problemas e de intervenção; mobilização das
18 Entendemos as várias forças do poder, do saber e do fazer, presentes e necessárias ao desenvolvimento das políticas públicas sociais. Todas têm poder, mas atribuímos ao conceito de poder, a capacidade de decisão ligada às questões estruturais políticas, econômicas. As forças do saber são as forças do conhecimento, do entendimento e da compreensão do tema, da capacidade de solução técnica para o assunto. As forças do fazer devem ter o saber, entretanto, nem sempre os possui. Nem sempre as pessoas que formulam são as mesmas que executam e nem sempre os executores participam de todo o processo. Demanda, então, aos executores, a formação, compreensão e apropriação do saber. A falta desses atributos compromete as forças responsáveis pelo fazer e a consecução dos objetivos da política pública. Portanto, são forças que participativamente devem se compromissar na construção da agenda política.
70
forças sociais de apoio e de conflitos e consequente inclusão na agenda
política.
2. A formulação é a etapa caracterizada pelo planejamento e definição das
condições objetivas para a implementação. É considerada a etapa de
pesquisa sobre o assunto e seus usuários, quando são definidas as diretrizes
da política, suas demandas, seus objetivos, metas, recursos físicos, humanos
e materiais necessários e estratégias de implementação. Nesta etapa, deve
ser dimensionada a intencionalidade para atingir o conceito substancial da
política que, considerando sua função pública, comporá as informações a
serem submetidas para autorização legislativa e orçamentária.
3. A implementação trata de como as políticas passam de diretivas de
planejamento e administração para a prática, para a execução. Draibe intitula
de “anatomia do processo geral da implementação” (2001 p. 30) e aponta a
constituição de sistemas e subsistemas, sendo: sistema gerencial e decisório,
processos de divulgação e informação, de seleção de implementadores e
beneficiários, de capacitação, de sistemas logísticos e operacionais,
financiamento e gasto, provisão de recursos materiais e processos de
monitoramento e avaliação.
4. A avaliação pressupõe um acompanhamento e o julgamento, que devem
ocorrer nas várias etapas do ciclo da política pública. A avaliação é uma
medida de comparação entre a situação problema e os resultados alcançados
em suas várias etapas.
Essas considerações, acompanhadas da prática desenvolvida, possibilitam
sustentar o conceito de que política pública, da espécie social, ao equivalente da
expressão inglesa policy, é definida como os conteúdos concretos da decisão
política, representadas por um conjunto de ações ou normas de iniciativa
governamental, que asseguram os direitos sociais. Têm sua execução realizada por
meio de programas, projetos e serviços; são regulamentadas ou desenvolvidas pelo
Poder Executivo ou em parceria com setores da sociedade civil; demandam
legislações e orçamento; são direcionadas a alterar uma realidade, em resposta a
demandas, pressões e prioridades da sociedade.
71
2.2 PROTEÇÃO SOCIAL PÚBLICA: ORIGEM E FUNDAMENTOS
As famílias, as ordens religiosas e a comunidade eram nas sociedades pré-
fabris as responsáveis pela proteção social, tanto na forma de garantir a
sobrevivência pelo sistema de trabalho19, como na proteção direta de seus membros
ou na modalidade do exercício de solidariedade tradicional aos pobres (JACCOUD,
2009; MARSHALL, 1967a).
A pobreza era considerada como um fato social e não um problema social e
o trabalho como o valor e o princípio estruturante da organização social. Nas
sociedades pré-capitalistas, as iniciativas públicas, noticiadas como precursoras de
proteção social, foram as legislações inglesas. O Estatuto dos Trabalhadores (1349)
e o Estatuto dos Artesãos (1563), apesar de voltados ao trabalhador, direcionavam
não os direitos relativos ao trabalho, mas, sim, a obediência aos trabalhos e às
condições oferecidas e eram indutivas ao exercício laboral para a garantia da ordem
social (BEHRING & BOSCHETTI, 2009).
A Lei dos Pobres Elizabetanas (1531 e 1601) e a Nova Lei dos Pobres (1834),
por sua vez, tinham “o intuito de manter a ordem e punir a vagabundagem”. As
legislações sociais eram restritivas e agiam na intersecção da assistência e do
trabalho forçado. Disciplinavam o trabalho aos pobres com capacidades físicas,
considerado como condição da benemerência e recuperação sem, entretanto,
garantir seus direitos quanto ao trabalho realizado. Na maioria dos casos o
reconhecimento, a paga do trabalho, era a alimentação para sua sobrevivência
(BEHRING & BOSCHETTI, 2009 p. 48).
A indigência era a pobreza aparente, observada pela ação pública e esta,
tratada negativamente e centrada na incapacidade pessoal, marcava os indivíduos e
suas famílias para toda a vida. Conforme Marshall (1967a), a partir de depoimento
do funcionário da época, o status atribuído ao indigente distinguia três aspectos: a
perda da reputação, o isolamento em asilos e a cassação do direito de votar.
A origem da concepção de proteção social pública é atribuída, por vários
estudiosos do tema, ao avanço do processo de industrialização e às contradições
entre o capital e o trabalho existentes na Europa do século XIX. Diante do risco dos
19 Para aprofundamento sobre os sistemas de trabalho pré-fabril, consultar Leo Huberman (1970), em História da Riqueza do Homem.
72
trabalhadores e suas famílias enfrentarem doenças, velhice, desemprego ou morte,
nos primórdios da industrialização, num mercado de trabalho competitivo e ainda
instável, se reconheceu e evidenciou na sociedade o fenômeno do chamado
pauperismo, enquanto questão social (JACCOUD, 2009; YASBEK, 2008).
Provocada pela opressão do capital sobre o trabalho, da carga horária
extenuante, da exploração da mão de obra de crianças, mulheres, idosos e do
enriquecimento cada vez maior dos intermediários, a questão social clamava pela
necessidade de intervenção. Sobre os desdobramentos, ou respostas à questão
social, Behring e Boschetti (2009), apontam as políticas sociais como forma de
proteção social:
As políticas sociais e a formatação de padrões de proteção social são desdobramentos e até mesmo respostas e formas de enfrentamento - em geral setorizadas e fragmentadas – à expressões multifacetadas da questão social no capitalismo, cujo fundamento se encontra nas relações de exploração do capital sobre o trabalho. (Ib., 2009, p.51).
Sobre proteção social, Luciana Jaccoud (2009) define como “um conjunto de
iniciativas públicas ou estatalmente reguladas para a provisão de serviços e
benefícios sociais visando a enfrentar situações de risco social ou de privações
sociais” (p. 58).
A proteção social, conforme Carmelita Yasbeck (2010),é uma “intervenção do
Estado no processo de reprodução e distribuição da riqueza, para garantir o bem-
estar dos cidadãos” (p. 4).
Aldaíza Sposati (2010) ressalta o “caráter preservacionista” no conceito de
proteção social que supõe “tomar a defesa de algo, impedir sua destruição” e aponta
duas dimensões à proteção social, a “noção de segurança social” e a de “direitos
sociais”. Considera a segurança como uma “exigência antropológica do indivíduo” e
as políticas sociais como ferramentas usadas pelas sociedades para assegurarem a
proteção e os direitos sociais de seus membros (p. 21). O que possibilita atribuir, às
políticas sociais, o caráter desmercantilizado de sua função pública.
O liberalismo é a corrente de pensamento econômico predominante de
meados do século XIX até a terceira década do século XX. Alimentado
principalmente pelos pensamentos de Adam Smith, tem como eixo estruturante o
funcionamento do livre mercado e deste, regulando as relações econômicas e
73
sociais, para a produção dos bens comuns a serem acessados. O trabalho e o
desejo natural das pessoas melhorarem suas condições de vida, “maximizaria o
bem-estar coletivo”, baseado no estímulo da liberdade e da competitividade.
Nessa perspectiva, é o mercado livre, com sua “mão invisível”, que regula as
relações econômicas e sociais para a produção do bem comum a ser adquirido. E,
ao Estado, compete “proteger o direito à vida, à liberdade individual e os direitos de
segurança e propriedade” (BEHRING & BOSCHETTI, 2009, p. 56).
As questões estruturais, as diferenças de oportunidades e de condições
existentes entre os indivíduos não são reconhecidas nessa concepção. A sociedade
e o mercado produzem os serviços, o bem comum e a proteção social, a serem
adquiridos no mercado e sua obtenção é uma responsabilidade pessoal, de prover o
bem-estar próprio e de sua família. A visão centrada no indivíduo ofusca a visão de
totalidade e o poder da maioria dirige a ação pública do Estado para seus interesses
pessoais, ou seja, o interesse do capital.
O final do século XIX enfrentou um forte período de depressão no mundo
industrializado e o decorrente desemprego em massa acarretou, conforme Marshall
(1967a), um novo sentimento em relação às políticas sociais. O conceito tradicional
atribuía a causa da pobreza, à “fraqueza moral” dos indivíduos em sua incapacidade
para o trabalho. O desemprego em massa descortinava outra realidade. As causas
deixavam de ser pessoais e como inerentes do sistema econômico, e para serem
vistas de forma coletiva, não mais personalizada na incapacidade pessoal.
A exploração dos trabalhadores, as denúncias de acidentes de trabalho20, o
forte desemprego, a miserabilidade da população, põem em questão a eficácia do
livre mercado para prover o bem-estar social e insere na pauta pública o tema da
proteção social e do papel regulador do Estado na dinâmica existente entre
sociedade e mercado. As palavras de Mashall (1967a) evidenciam a conjuntura e o
movimento social existentes na Inglaterra do século XIX e a inserção na agenda
política da necessidade de construção de novos consensos sociais:
{...} a altivez da Inglaterra era atacada de todas as direções. Suas cidades estavam produzindo jovens incapazes de lutar por ela, havia trabalhadores em suas indústrias reduzidos a condições às quais somente um Dickens podia fazer justiça, um terço de seus habitantes
20 Segundo Marshall (1967a), na época, circulou relatório produzido por autoridades militares inglesas sobre o expressivo número de recrutas jovens que participaram da guerra na África do Sul rejeitados por condições físicas e médicas.
74
vivia numa pobreza absoluta ou à beira da mesma, e as favelas de suas cidades eram uma calamidade pública. O efeito combinado dessas descobertas foi suficientemente grande para mudar a atmosfera política e para criar possibilidades de uma ação renovada e mais resoluta. {...} O reconhecimento da necessidade de tal reavaliação e as tentativas feitas para preencher tal necessidade perturbaram profundamente o pensamento político da época e deixaram sua marca na plataforma dos partidos políticos. É notável como, com frequência, se encontravam as palavras “socialista” e “socialismo” nos discursos e escritos daqueles anos. (Ib., 1967, p. 32).
As leis trabalhistas foram os primeiros direitos sociais normatizados pelo
Estado. No formato de seguro social, com substituição de renda em momentos de
perda da capacidade para o trabalho decorrente de acidentes de trabalho, de
doenças e velhice, foi instituído, inicialmente na Alemanha, em 1883, por Otto Von
Bismarck.
Inspirado nas caixas de mutualidade, de poupança e previdência, observada
em iniciativas de trabalhadores do século XIX, para garantia da organização e fundo
de greve, a forma de seguro social fundamenta-se na contribuição de empregados e
empregadores, com a mediação e, em algumas situações, com a contribuição do
Estado (BEHRING & BOSCHETTI, 2009).
Marshall (1967a) destaca, com a inovação do seguro social compulsório,
aspectos relevantes a serem considerados: “Provocava uma nova espécie de
interferência nos negócios da indústria, um novo tipo de relação entre o cidadão e o
Governo, e novos problemas de finanças e administração” (p. 58).
Sobre a relação de cidadania, sesta modalidade de seguro social, observa-se
uma nova relação de cidadania, “uma espécie de relação contratual entre o
segurado e o Estado” que atribui um direito obtido a partir da contribuição realizada
pelo trabalhador. Embora mantido de forma tripartite, também com a contribuição do
empregador e Estado, provoca efeitos e acentuada distinção entre seguro social e
assistência social. Sendo reforçado, nesta última, o sentimento de inferioridade e
vergonha e, no primeiro, o de direito social (MARSHALL, 1967a, p. 60).
O reconhecimento de direito, da proteção social regulada pelo Estado, ocorre
de forma gradual e diferenciada entre os países e, a partir dos seus movimentos, da
dinâmica e força da luta social. Pierson (1991) reconhece essa variação de proteção
social presente nos seguros sociais dos países europeus, logo após sua origem na
Alemanha e propagação por todo o continente:
75
- entre 1883 e 1914, todos os países europeus implantaram um sistema estatal de compensação de renda para os trabalhadores na forma de seguros; - no mesmo período, 11 dos 13 países europeus introduziram seguro-saúde e 9 legislaram sobre pensão aos idosos; - em 1920, 9 países tinham alguma forma de proteção ao desempregado. (PIERSON, 1991 apud BEHRING & BOSCHETTI, 2009, p. 67)
No período entre as duas guerras mundiais, apesar das diferenças de
métodos, a proteção social pública foi realizada. Suas dimensões foram ampliadas
em diversos países europeus, após a 2a Guerra Mundial, inspirada nas ideias
keynesianas sobre a necessidade de mais intervenção do Estado para regulação
das relações econômicas e sociais (BEHRING & BOSCHETTI, 2009; YASBEK,
2008; MARSHALL, 1967a).
John Maynard Keynes, em seu livro Teoria Geral do Emprego, do Juro e da
Moeda, publicado em 1936, preocupado com a crise econômica de 1929 e os
períodos de recessão, defende a intervenção estatal na economia. O objetivo é
evitar e intervir nos momentos de crise por meio de uma política fiscal, que tenha a
função de reativar o mercado e garantir o equilíbrio econômico.
Articulado ao conceito fordista, de provocar produção em grande escala para
o consumo em massa, atribuía ao Estado o poder de intervir na relação entre o
capital versus trabalho a partir da política salarial e controle de preços, controle da
política fiscal, distribuição de subsídios, oferta de créditos compatibilizada com
políticas de juros e políticas sociais (BEHRING & BOSCHETTI, 2009).
O Plano Beveridge (1942) na Inglaterra, fundamentado nos princípios do
keynesianismo e fordismo, é o precursor do sistema ampliado de proteção social
britânico e de vários outros países europeus. O intitulado Welfare State tem sua
referência conceitual centrada em três eixos de responsabilidade estatal. Ou seja,
visa assegurar o pleno emprego a partir da regulação da economia, possibilitar a
universalidade de acesso a serviços sociais básicos como a saúde, a educação, a
segurança social, a habitação, e a existência de uma rede de segurança social de
serviços de assistência social (BEHRING & BOSCHETTI, 2009).
A ideia de Estado de Bem-Estar Social materializada consistiu na fusão de
várias medidas de proteção social e o Plano de Beveridge propôs-se a ser um
“seguro contributivo, compulsório e universal” padronizando os benefícios
76
necessários à falta de renda e às contingências decorridas de um período pós-
guerra e de luta pela sobrevivência (MARSHALL, 1967a, p.100).
A interdependência entre contribuições e benefícios expressava o sentimento
de rejeição ao teste de meios21 e de dependência da assistência social, existente na
época e atribuía o conceito de direito à proteção social. Marshall (1967) sustenta, a
partir do Plano de Beveridge, o conceito de Welfare State como contributivo.
Diferentemente da contribuição individual do seguro social, fundamenta-se na
contribuição coletiva, no “assumir coletivo de riscos”, uma decisão da sociedade
investindo em proteções ou seguranças em relação a riscos identificados e
presentes na sociedade. “Aí é que está a questão; é a sociedade que concede os
direitos, e essa mesma sociedade pode ligá-los a contribuições ou não, conforme lhe
aprouver” (Ib., 1967a, p.100-101).
A reunião de riscos, identificada pela sociedade, aos seus membros,
fundamenta o pacto construído de seguro social coletivo, ou de proteção social
pública. E a contribuição realizada pode ser compreendida a partir dos impostos
pagos. Essa conjugação configura a semelhança da ação contributiva do seguro
social individual para o seguro coletivo e atribui-se, assim, o reconhecimento de
direito, status de cidadão e não de benemerência ou assistencialismo. Essa é uma
importante tese, a ser aprofundada nos dias de hoje, sobre a proteção social
contributiva ou não contributiva, haja vista que existe a tributação de impostos e a
contribuição ou taxação de todos, reconhecidas as capacidades para sua
contribuição ou aquisições de bens de consumo.
Na atualidade brasileira, a proteção social contributiva é entendida, pelos
especialistas, como a forma do seguro social. Ligada aos benefícios da previdência
social, essa forma de proteção é pré-paga individualmente pelo trabalhador que
pode usufruir dos direitos de seus benefícios. O termo proteção social não
contributiva é usado quando não se exige pagamento específico para o recebimento
do serviço, no caso de políticas públicas sociais, como saúde e assistência social
(SPOSATI, 2009; BRASIL, 2008/9).
Essa visão de proteção social tem como base comparativa a perspectiva
bismarckiana do seguro social. Em se adotando a perspectiva beveridgeana,
21 O teste de meios, ou seja, a comprovação da composição de renda familiar para recebimento de apoio pelas famílias desempregadas gerou, na Inglaterra, o sentimento de distribuição de “esmolas” a quem recebia o seguro-desemprego. Ver Marshall (1967).
77
referenciada na contribuição coletiva para riscos pactuados socialmente, pode-se
defender seu caráter contributivo, a partir da distinção do gênero da contribuição
realizada, ou seja, a contribuição social securitária, de caráter coletivo e, no caso
de sua particularização, a espécie contribuição previdenciária. Ambas
consideradas contributivas e pactuadas como direito de cidadão pela sociedade.
As diferentes práticas e o caráter sócio-histórico e político da proteção social
são apontadas por Esping-Andersen (1991), em seus estudos amplamente
reconhecidos e classificados, a partir da análise em diferentes países, em três tipos
de sistemas. O tipo liberal, representado por políticas mais focalizadas nos pobres e
com a forte presença de iniciativas privadas é identificado nos Estados Unidos da
América (EUA), Canadá e Austrália. O conservador-corporativista, no qual a
prevalência da proteção social é realizada pelo trabalho e pelo seguro social
contributivo e o status de trabalhador, a exemplo da França, Alemanha e Itália, e o
social-democrata, em que ocorre maior cobertura social pública, por meio de
serviços universalizados e desmercantilizados extensivos à classe média e, segundo
o autor, característicos dos países escandinavos.
O mesmo autor ressalta que o Welfare State é a quebra da hegemonia
econômica liberal em sua capacidade de regulação social e representa, mais do que
o incremento das políticas sociais, também, “um esforço de reconstrução econômica,
moral e política” dos países ao promoverem a proteção social pública. Os valores de
justiça social e de direitos de cidadania avançam, de acordo com as determinações
capazes da configuração da “integração social” pactuada (Ib., 1995, p.73).
Essa dimensão de integração nacional nas questões sociais pode ser também
observada nas considerações de Bauman (2008) como condição de avanços das
políticas sociais na proteção da sociedade e de seus membros. Em suas palavras,
identificamos as determinações conjugadas que contribuíram para a existência do
Estado de Bem-Estar Social:
Algumas pessoas disseram que o aparecimento do Estado de bem-estar social foi um triunfo das intenções éticas, recolocando-as entre os princípios constitutivos da sociedade moderna civilizada. Outras disseram que sua introdução foi resultado da prolongada luta travada pelos sindicatos e partidos trabalhistas ao exigir seguros coletivos do Estado para garantir o sustento, ameaçado pelo curso desigual e errático do desenvolvimento capitalista. Outros analistas ainda enfatizaram o desejo do sistema político de desarmar a dissensão e evitar a possível rebelião contra tal ameaça. Todas essas
78
explicações têm um tom de credibilidade, mas cada uma delas apreende parte da verdade. Nenhum dos fatores mencionados seria capaz de carregar sozinho o peso do Estado de bem-estar social por conta própria; na verdade, foi a comunhão deles que pavimentou o caminho para sua criação e assegurou um apoio quase universal para suas provisões, além de uma disponibilidade similarmente universal para dividir seus custos. (BAUMAN, 2008, p. 99)
Marta Campos (2011) corrobora com essas considerações atribuindo-as à
amplitude de forças sociais, econômicas e políticas presentes na sociedade
europeia, para sustentar a proteção social nos considerados “30 anos gloriosos”. Em
suas palavras:
Na verdade, foi precisamente o conjunto articulado de todas as forças a dar lugar e solidez ao chamado “Welfarestate”, que se desenvolveu em cerca de dezesseis países europeus, durante os chamados “30 anos gloriosos”. Isto ocorreu de forma benéfica econômica e socialmente, criando simultaneamente riqueza e bom padrão de vida para a população, num regime de trabalho e produção de massa. (Ib., 2011, p.121)
A partir dessas análises, é possível reconhecer o surgimento e a sustentação
da proteção social pública a partir dos movimentos e equilíbrios das forças
existentes na sociedade, em seu tempo e espaço, tendo como protagonistas, na
sociedade capitalista, famílias, mercado e Estado. O surgimento das políticas
públicas sociais decorre de conflitos, desequilíbrios e demandas sociais e sua
inclusão na agenda política se dá a partir de acordos configurados na sociedade e
expressos em um conjunto de iniciativas reguladas ou executadas pelo Estado com
o objetivo da prover serviços e benefícios sociais voltados aos seus membros,
quando diante de situações de risco ou de contingências, pessoais ou estruturais.
Sua sustentação também provém da dinâmica dessas forças contidas na sociedade
que impactam entre si.
Não se trata de reconhecer o Estado como neutro, voltado ao bem comum.
Mas um Estado representativo das diversidades da dinâmica social e de suas
fragilidades e potências. Um Estado que, ao avançar na democratização, é
representativo da correlação de forças e dos movimentos sociais existentes na
79
sociedade22, capaz assim de avançar ou mesmo de retroceder na construção de
políticas sociais.
2.2.1 A Proteção Social no Brasil: o surgimento e a prevalência do
Seguro Social
O Brasil, com industrialização tardia, comparativamente ao seu surgimento na
Europa, e o poder controlado pelas oligarquias rurais, tem seus direitos sociais
orientados, de forma sistemática, pela regulação do Estado, a partir da década de
193023. Anteriormente a esse período, em 22 de junho de 1835, foi criado o
Montepio Geral dos Servidores do Estado, uma entidade privada, baseada no
sistema do mutualismo dos seguros coletivos. Segundo Sergio Martins (1997), essa
iniciativa contém os institutos jurídicos que dão os fundamentos para a edição da Lei
Eloi Chaves, em 1923, primeira normatização pública que institui a Caixa de
Aposentadorias e Pensões para a categoria dos ferroviários.
Considerados, na época, como trabalhadores estratégicos, após os
ferroviários, a legislação em 1926 foi estendida aos empregados portuários e
sucessivamente outras categorias foram se inserindo no modelo bismarquiano de
proteção social. Num contexto de corporativismo24, característico da história
brasileira para conciliação de interesses ou cooptação de oposição, a proteção
social, na forma de seguro, demarcou a seletividade de setores e direcionou
algumas poucas conquistas sociais na área do funcionalismo público, anterior aos
anos de 1930. (BEHRING & BOSCHETTI, 2009; FALEIROS, 2007)
22 Consideramos aqui o conceito gramsciano de Estado, o conceito de “guerra de posições”. Para melhor compreensão, ver Carlos Nelson Coutinho, em Dualidade de Poderes: Introdução à Teoria Marxista de Estado e Revolução, 1985. 23 Vários são os autores que desenvolvem o histórico da proteção social no Brasil. Para aprofundar-se, ver: FALEIROS, Vicente. A política social do estado capitalista. 2007; BEHRING, Elaine; BOSCHETTI, Ivanete. Política social: fundamentos e história. 2007; BALERA, Wagner . Sistema de seguridade social. (2009); COUTO, Berenice Rojas. O direito social e a assistência social na sociedade brasileira, 2010. 24 Vicente Faleiros (2007) define corporativismo como “um mecanismo de legitimação do poder das classes dominantes, não pela institucionalização de conflitos, mas por intermédio de instrumentos de consenso, de conciliação de classes e de cooptação de forças de oposição” (p. 111).
80
Vicente Faleiros (2007) aponta o corporativismo e, depois dos anos de 1930,
o populismo25, como característicos da Previdência Social no Brasil, peculiaridade
também extensiva à política praticada na latino-américa. Tanto o corporativismo
como o populismo são utilizados para cooptar e integrar as classes subalternas,
esvaziando reivindicações e relações coletivas, transformando-as em relações
individualizadas, pessoais, com o Estado, para atenção de interesses imediatos. O
corporativismo e o populismo são procedimentos, ou estratégias, utilizados pelas
classes dominantes para enfrentar crises e dar respostas simbólicas e imediatas às
classes subalternas e garantir a autoridade. Em suas palavras:
O corporativismo é um mecanismo e legitimação do poder das classes dominantes, não pela institucionalização dos conflitos, mas por intermédio de instrumentos de consensos, de conciliação de classe e de cooptação de forças de oposição. {...} O populismo é um movimento de integração controlada das classes subalternas para certos benefícios sociais, mobilizando-as em torno de consignas ambíguas e imprecisas que apelam aos seus sentimentos e interesses imediatos. Essa mobilização contribui para o esvaziamento das relações de classe, transformando-as em relações pessoais dos indivíduos com o Estado (Ib., 2007, p.111-112).
O esvaziamento das relações de classe, a dominação das classes
subalternas, nesse período, também são ressaltadas por Behring e Boschetti (2009),
que atribui o reconhecimento político da questão social, apesar da existência do
pauperismo, após o final da escravidão, apenas a partir das primeiras lutas dos
trabalhadores e iniciativas de legislação trabalhistas. Conforme Behring e Boschetti
(2009):
Não houve no Brasil escravista do século XIX uma radicalização das lutas operárias, sua constituição em classe para si, com partidos e organizações fortes. A questão social já existente de natureza capitalista, com manifestações objetivas de pauperismo e iniqüidade, em especial após o fim da escravidão e com imensa dificuldade de incorporação dos escravos libertos no mundo do trabalho, só se colocou como questão política a partir da primeira década do século XX, com as primeiras lutas dos trabalhadores e as primeiras iniciativas de legislação voltadas ao mundo do trabalho (p. 78).
25 O mesmo autor conceitua populismo como “um movimento de integração controlada das classes subalternas para certos benefícios sociais, mobilizando-as em torno de consignas ambíguas e imprecisas que apelam aos seus sentimentos e interesses imediatos” (FALEIROS, 2007, p. 112).
81
A Revolução de 30, ou a ampla coalização de forças, comandada por Getúlio
Vargas, que assume a presidência por 15 anos, com a derrubada do então
presidente Washington Luís, institui uma nova fase na política brasileira e, a partir
daí, é considerado marco de implantação da proteção social pública brasileira. É
criado, em 1930, o Ministério da Educação e da Saúde Pública e, em 1931, o
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e são institucionalizadas várias
conquistas trabalhistas e sociais26, no decorrer da década.
Destaca-se a implantação da Carteira Profissional de Trabalho, em 1932,
símbolo do status de trabalhador, num país marcadamente agrícola. A Constituição
de 1934, consagra os direitos do seguro social previdenciário, o seguro contra a
velhice, invalidez e acidentes de trabalho, todos decretados pela Constituição de
1937 (FALEIROS, 2007; BEHRING & BOSCHETTI, 2009).
A implantação dos seguros sociais aos trabalhadores não ocorreu de forma
universalizada para todas as categorias profissionais, mesmo após sua edição
constitucional. A gradualidade, a fragmentação, a dualidade de atenção são
características do processo brasileiro de implementação das políticas sociais
públicas, na forma de seguro social. (FALEIROS, 2007; YASBECK, 2008). A
dualidade da atenção que distingue os trabalhadores formais da indústria, com
direito ao seguro social, dos trabalhadores sem registro em carteira e direitos sociais
assegurados pode ser observada nos dados do ano de 1948, apresentados por
Faleiros (2007) e representados por uma cobertura de proteção social para apenas
18% da população brasileira.
Em 1940, foi fixado o salário-mínimo e estabelecida uma renda considerada
mínima, ao trabalhador do País, para garantia de um padrão básico de subsistência
e em 1o de maio de 1943 foi instituída a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),
normatização que reuniu a legislação trabalhista existentes na época, as quais estão
em vigor até os dias de hoje.
O seguro social brasileiro, com cobertura limitada ao trabalhador com
contribuição previdenciária, acompanhado de incipientes e fragmentadas políticas
sociais, ao longo de décadas, excluiu os grupos sociais não participantes do
mercado formal de trabalho e manteve a assistência social como prática caritativa.
26 Para detalhamento cronológico das conquistas sociais, ver Vicente Faleiros (2007,p.149-150).
82
A institucionalização da assistência social pública deu-se em 1942, com a
criação da Legião Brasileira de Assistência (LBA), assumida pela então primeira-
dama do País, Darci Vargas, inicialmente para atender as famílias dos
expedicionários brasileiros em combate na 2a Guerra Mundial e depois para o
atendimento à maternidade e à infância, iniciando a ação de parceria com entidades
assistenciais fundadas na benemerência e na filantropia (cf. YASBECK, 2008).
A clara ação de populismo com busca de legitimar a ação governamental é
identificada e o pensamento dominante, durante anos, dirigiu o assistencialismo
paternalista com ausência de ação planejada e efetiva direcionada à questão social.
Sonia Draibe (2003), ao caracterizar a baixa cobertura e o conservadorismo
do modelo de proteção social brasileiro construído entre 1930 até próximo dos anos
de 1970, e depois percorrendo por todo o período do regime militar, destaca a
concepção desenvolvimentista e meritocrática existente da política social brasileira,
atuando a partir da relação com o mercado.
Com êxito para o crescimento da industrialização, o desenvolvimentismo
impulsionado nos anos de 1950 por sua principal expressão, o Plano de Metas do
Presidente Jucelino Kubitschek e o célebre lema, Cinquenta Anos em Cinco,
provocou processos acelerados de urbanização, sem planejamento, e deixou à
margem segmentos sociais que não se inseriram no mercado formal de trabalho,
além de produzir fortes desigualdades regionais.
A visão considerada modernizadora e desenvolvimentista seguiu, no Brasil,
percorrendo todo o período de ditadura militar, com início em 1964 e prosseguiu por
21 anos, sendo responsável pelo período denominado de “milagre brasileiro”.
Insuficiente para o desenvolvimento global do País e com proteção social fundada
no acesso seletivo aos serviços sociais, como saúde, educação e a assistência
social, realizada de forma residual, por intermédio de entidades religiosas e da
sociedade civil, produziu uma das mais desiguais estruturas sociais. Conforme
Draibe (2002), o Brasil, pelo histórico de desenvolvimento e de proteção social,
considerado seletivo e meritocrático, apresenta, na atualidade, uma extensa agenda
de mudanças para a democratização de oportunidades e de equidade social. Em
suas palavras:
83
O Brasil trouxe para o novo século as duas principais marcas da situação social que experimentou praticamente durante toda a segunda metade do século XX: uma das mais desiguais estruturas sociais entre países de médio e alto desenvolvimento econômico e um sistema de proteção social incompleto, frágil, incapaz de produzir melhoras na eqüidade e de efetivamente proteger e atender os cidadãos nas suas necessidades sociais básicas. É ainda ampla a agenda de mudanças a ser percorrida pelo sistema, na busca de democratização das oportunidades e de ampliação da justiça social. (p.2).
Fernando Filgueira (1997) reitera esse diagnóstico da situação brasileira, feita
por Sonia Draibe (2002), fundamentado em estudos datados das décadas de 1970 e
80 sobre as formas de proteção social de diversos países da América Latina,
comparativamente aos sistemas de proteção europeus. Distingue três tipos de
proteção social baseados no alcance das intervenções governamentais sobre as
populações classificados conforme destacado a seguir:
1. Universalismo estratificado: característica dos países em que o alcance
da proteção social é estendido a quase toda a população. É o caso do Chile,
da Argentina e do Uruguai, com ação pública voltada à maioria de sua
população, com cobertura de seguro social, serviços de saúde e educação
primária e secundária. Segundo o autor, esses países, assim tipificados,
coincidem com a classificação de Mesa Lago, para o enquadramento dos
países pioneiros em oferecer proteção social aos seus membros. Nessa
classificação, o Brasil também se colocava como pioneiro na oferta de
proteção social, entretanto, pelas desigualdades regionais observadas no
período analisado por Filgueira (1997), a situação brasileira é classificada no
tipo 2 a seguir.
2. Regime dual: com cobertura parcial de proteção social, são
classificados neste tipo o Brasil e o México. Segundo o autor, as estatísticas
desses países demonstram que a educação primária é praticamente
universalizada e a cobertura de saúde estratificada. A proteção social social
é apoiada no trabalho, mas possui o problema da heterogeneidade regional,
nos níveis de desenvolvimento econômico e social, ou seja, locais bem
desenvolvidos e regiões marcadas pela exclusão.
3. Regime excludente: nesta classificação, são definidos os países com
prestação de serviços públicos restritos a pequena parte da população. São
84
assim enquadrados a Bolívia, Equador, Nicarágua, Guatemala, Honduras, El
Salvador e República Dominicana. O autor correlaciona esses países ao que
Peter Evans (1992) classifica como característica de Estados predadores.
A maioria da população encontra-se na economia informal e na agricultura.
São caracterizados pela alta heterogeneidade da estrutura social, que se
reflete na distribuição da riqueza nacional entre os setores urbano e rural e
entre o centro urbano e o periférico.
O regime dual existente no Brasil foi indutor do crescimento das
desigualdades sociais e regionais. Bernardo Kliksberg (2001), assessor da
Organização das Nações Unidas (ONU), descrevendo os produtos concretos como
“a forma de fazer economia que a América Latina escolheu nos anos recentes”,
recorre a Ricardo French Davis quando este afirma: “O resultado é uma forte
instabilidade do emprego e da produção, uma maior diferenciação entre ricos e
pobres e um crescimento médio modesto: apenas 3% neste decênio, e com uma
profunda desigualdade” (Ib., 2001, p.22).
A heterogeneidade regional de desenvolvimentos econômico e social, a
prevalência da proteção social contributiva realizada por meio do seguro social ao
trabalhador formal, a informalidade ocupacional com rendimentos mais baixos e a
falta de oportunidades e de inserção social de segmentos sociais mais
vulnerabilizados demonstram a incompletude de proteção social brasileira que
durante anos teve em suas raízes concepções ora corporativa, populista e
assistencialista, ora desenvolvimentista e liberal em relação às políticas sociais.
Essa forma insuficiente e privilegiada de proteção social pública é fator da
existência de controvérsias entre os estudiosos do tema, sobre a existência de um
Sistema de Proteção Social brasileiro, anterior à promulgação da Constituição
Federal (CF) de 1988, período em que se constitui um novo pacto de integração
social.
85
2.3 O SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRO E OS AVANÇOS
DE DIREITOS DE CIDADANIA: UM PROCESSO EM CONSTRUÇÃO
A CF de 1988, resultante de amplo processo participativo pela
democratização do País, insere um capítulo específico destinado à Seguridade
Social, em seu título referente à ordem social e nos artigos 104 a 204 estabelece
sua abrangência e diretrizes. No art. 194 define sua composição e os direitos
assegurados: “A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de iniciativas
dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à
saúde, à previdência e à assistência social” (BRASIL, CF, 1998, p.153).
O Estado brasileiro, durante o regime militar, caracterizou-se de forma
totalitária e apresentava como principal característica, a centralização financeira e a
administrativa. Apesar de dispersas e fragmentadas, as políticas e ações eram
gerenciadas em nível central. No “tipo de Estado vigente durante a ditadura militar,
{...} estados e municípios eram agentes da expansão do Estado e da execução local
de políticas centralmente formuladas” (ARRETCHE, 1999, p.3).
A também chamada de Constituição Cidadã constitui um novo marco legal
de integração social na realidade brasileira e é ampliada a proposta de cobertura do
sistema de proteção social e de direitos da população. As dimensões de cidadania e
descentralização, consideradas como princípios democráticos formais e substanciais
aos avanços societários, têm centralidade na nova Constituição.27
A cidadania, um conceito sócio-histórico, com significados variados conforme
seu tempo e espaço, desde os primórdios é embasada nos direitos e deveres
regulados dentro de uma coletividade. A base conceitual, presente no novo pacto
social brasileiro, expressa as três dimensões clássicas de cidadania apontadas por
Marshall (1967b), a civil, a política e a social.
A dimensão civil, composta dos direitos necessários à liberdade individual
como, “liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à
27 Segundo Bobbio, et al. (2002), a teoria da democracia contemporânea tem convencionado falar em democracia formal e democracia substancial, em virtude da distinção de conceitos ou da forma de aplicação do termo, que possui significados diferentes. São reconhecidas as duas formas distintas do termo para compreensão do que seja democracia. A democracia formal é classificada como um conjunto de meios, métodos, procedimentos, regras de comportamento e a democracia substancial como ideais, valores, fins que ela dispõe para garantia de direitos aos cidadãos. (ZOLA, 2005, p.32)
86
propriedade e a concluir contratos válidos e o direito à justiça”; a política, entendida
como “o direito de participar no exercício do poder político, como um membro de um
organismo investido da autoridade política ou como um eleitor dos membros de tal
organismo”. E a social refere-se “ao mínimo de bem-estar econômico e segurança,
ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um ser
civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade” (Ib., 1967, p. 63-
64).
Segundo Sergio Martins (1997), tendo como referência o estudo das
Constituições brasileiras, a nova Carta Magna inova, ao inserir a Seguridade Social
na ordem social e não na ordem econômica, onde até então a previdência social
disciplinava o direito do trabalho, e amplia o contrato social considerando as
contingências e necessidades básicas enfrentadas por indivíduos ao prever suas
necessidades básicas e de suas famílias. Conceituando a Seguridade Social, na
perspectiva dos seus direitos, nas palavras do autor:
O Direito da Seguridade Social é um conjunto de princípios, de normas e de instituições destinado a estabelecer um sistema de proteção social aos indivíduos contra contingências que os impeçam de prover as suas necessidades pessoais básicas e de suas famílias, integrado por ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, visando assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (Ib., 1997, p.38).
A Previdência Social, já existente na forma de seguro social contributivo para
as restrições da vida produtiva, como a invalidez, velhice, tempo de trabalho e
segurança para a família, no caso de morte, passa a compor, com a saúde e a
assistência social, o sistema de proteção social brasileiro. A Saúde, com acesso
público universal, regida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e a Assistência Social,
acessível a todos os que dela necessitarem. Também é na CF/1988 que a Educação
é prevista com acesso universalizado dos serviços públicos à população.
Inspirada nas diretrizes do Welfare State europeu, a proteção social brasileira
reconhece a todos o direito à Saúde e Educação e, de forma inovadora, a
Assistência Social é reconhecida enquanto política pública, um direito do cidadão e
um dever do Estado, a quem dela necessitar. É ressaltada a seguir, uma síntese
representativa das novas diretrizes constitucionais, realizada por Luciana Jaccoud
(2009):
87
Como resultado das determinações constitucionais e suas regulamentações, a proteção social no Brasil sofreu radicais alterações, entre as quais cabe destacar: (i) a instituição da Seguridade Social como sistema básico de proteção social articulando e integrando as políticas de seguro social, assistência social e saúde; (ii) o reconhecimento da obrigação do Estado em prestar serviços de saúde de forma universal, pública e gratuita, em todos os níveis de complexidade, por meio da instituição do Sistema Único de Saúde – SUS; (iii) o reconhecimento da assistência social como política pública instituindo o direito de acesso aos serviços pelas populações necessitadas e o direito a uma renda de solidariedade aos idosos e portadores de deficiência em situação de extrema pobreza; (iv) extensão dos direitos previdenciários com estabelecimento do salário-mínimo como valor mínimo e garantia de irredutibilidade do benefícios; (v) a extensão dos direitos previdenciários rurais com redução do limite de idade, inclusão do direito à trabalhadora rural, o reconhecimento do direito à aposentadoria apoiado em uma transferência de solidariedade ao trabalhador familiar; (vi) o reconhecimento do seguro desemprego como direito social do trabalhador a uma provisão temporária de renda em situação de perda circunstancial de emprego (p.63).
A Carta constitucional trouxe duas ideias força para organização e gestão das
políticas sociais: a descentralização administrativa e a participação popular, como
forma de exercício da democracia direta por meio de conselhos paritários
representativos da área governamental e da sociedade civil. Em resposta à
centralização e ao autoritarismo exercido pelo governo militar, “a descentralização
foi reconhecida como estratégia de democratização” e a participação popular como
controle social (JOVCHELOVITCH, 1997, p. 91).
A descentralização reaviva o princípio federativo brasileiro e demanda a
cooperação administrativa entre os entes federados, União, Estado e Municípios,
atribuindo competências complementares e transferindo um conjunto significativo de
atribuições da esfera do governo central para a gestão aos níveis estadual e
municipal. Marta Arretche (1999) alerta para os elementos de heterogeneidade
existentes em Estados e municípios, os “atributos estruturais dos governos locais e
requisitos institucionais das políticas” (p. 22) passam a ser decisivos para o sucesso
da descentralização dos serviços e devem ser previstos no reordenamento
institucional do Sistema de Proteção Social brasileiro.
A gestão foi um dos primeiros desafios do “federalismo cooperativo” a ser
considerado para colocação em prática dos princípios constitucionais, fato, este,
“que impõe um desafio de magnitude, que é o de enfrentar as profundas
desigualdades que marcam os entes federados” (JACCOUD, 2009, p.76).
88
Também os “marcos regulatórios excessivamente genéricos” demandavam,
na área de Assistência Social, normatizações mais específicas para orientação de
conceitos e implementação do sistema gerencial (BRASIL- 2008, p.16).
Enquanto o Brasil avança na construção de direitos sociais, a partir da
organização e dos movimentos da sociedade, no final dos anos 70 e nos 80,
evidencia-se mundialmente o colapso econômico decorrente de mudanças
tecnológicas, reestruturação produtiva, flexibilidade nos processos de trabalho,
desemprego e crise na proteção social, fundamentada na sociedade salarial.
A reestruturação econômica mundial afeta os países desenvolvidos e traça
indicativos aos países periféricos em desenvolvimento. O movimento neoliberal
mundial avança para a América Latina, com a adesão às diretrizes do Consenso de
Washington28, na década de 1990. É nesse duplo movimento, o de luta pela
democratização e avanços de direitos sociais pactuados pela CF/1988, e o do
impacto neoliberal, que faz recuar o mercado e o Estado, é que o Brasil avança na
implantação do sistema de proteção social, até então fragmentado, reconhecido
enquanto seguro social, com políticas sociais seletivas e a assistência social
realizada de forma pontual e assistencialista.
Sobre a capacidade atual da proteção social brasileira, Jaccoud (2009)
identifica três correntes de pensamento. A primeira considera que o sistema de
proteção é ineficiente e tem acentuado o quadro de pobreza pela falta de focalização
nos pobres. É uma tendência que apresenta propostas de reforma do sistema de
proteção, destacadamente, quanto à revisão de benefícios previdenciários e da
universalidade das políticas básicas de saúde e educação, realocando os gastos
públicos para a focalização nos pobres (Ib., 2009).
O segundo eixo de estudos vem apontando a insuficiência do sistema de
proteção social, denunciando seu progressivo desmantelamento, tendo como
referência as conquistas constitucionais impactadas pela influência do
neoliberalismo. E a terceira convergência de pesquisadores compreende o sistema
de proteção social brasileiro, como sendo progressivamente construído a partir do 28 O Consenso de Washington foi um conjunto de medidas básicas de disciplina fiscal e redução de gastos públicos que se tornou a política oficial do Fundo Monetário Internacional em 1989, para promover o ajustamento macroeconômico dos países em desenvolvimento que passavam por dificuldades. Constituíram diretrizes para o pagamento da Dívida Externa e sua autocrítica e abolição da padronização pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) foi alterada apenas em 2005. (Ver: BATISTA, Paulo Nogueira. O Consenso de Washington: a visão neoliberal dos problemas latino-americanos, 1994.
89
pacto constitucional, debate que é compartilhado pela autora e em suas palavras,
sobre esta terceira tendência e conquistas decorrentes:
{...} a demanda por reformas democráticas do Estado Brasileiro, por redução de desigualdades sociais e por afirmação de direitos sociais incorporadas pela Constituição de 1988, foi capaz de conformar mudanças substantivas no sistema brasileiro de proteção. Entre elas destacam-se a nova legislação da previdência rural; a vinculação dos benefícios de seguridade social ao salário-mínimo; a implantação do SUS; e a instituição dos benefícios assistenciais não contributivos. {...} A queda da pobreza observada nos últimos 20 anos ocorreu apesar do aumento do desemprego e a queda da renda média do trabalho {...} (JACCOUD, 2009, p.74).
Sobre a correlação e o impacto do neoliberalismo nas políticas sociais no
Brasil e na América Latina, Aldaíza Sposati (2002) considera que se trata de uma
análise bem mais complexa do que a afirmação sobre o desmanche ou
desregulamentação de políticas sociais como reconhecido nos países
desenvolvidos, e que, ao seu contrário, as políticas sociais latino-americanas, como
também já apontamos, apenas reconhecem novas formas de regulação e proteção
social nas últimas décadas do século XX.
Segundo a autora, ao construir um conceito de regulação social tardia,
diferente do de regulação neoliberal, apresenta seus fundamentos vinculados a
“democracia e cidadania” e deve ser “descentrado da noção de pleno emprego ou
de garantia de trabalho formal a todos”. Trata-se de uma forma de proteção social
que “se afasta da universalização dos direitos trabalhistas e se aproxima da
conquista de direitos humanos ainda que de forma incipiente” (Ib., 2002, p.1).
Reconhece a autora o impacto do neoliberalismo nos países de regulação
social tardia, “com baixo reconhecimento histórico de direitos sociais” que recebe o
reforço de cultura privatista e liberal e promove a “distância na relação entre política
social e direito social”, o que pode ser observado pelo descompasso da elaboração
das leis com as práticas executadas pela burocracia pública, esta com “tradição
autoritária e tecnocrática {...} não possui a cultura de direitos e cidadania”
(SPOSATI, 2002, p. 6).
Aldaíza Sposati (2009) é assertiva, ao fundamentar o modelo de proteção
social brasileiro e seu processo de implantação enquanto política pública a ser
instituído: “Ter um modelo brasileiro de proteção social não significa que ele já exista
90
ou esteja pronto, mas que é uma construção que exige muito esforço de mudanças”
(p. 17).
E propõe, a autora, três eixos de mudanças, inter-relacionados e imbricados
na área da assistência social para concretizar o modelo de proteção social.
A primeira mudança, do âmbito da responsabilização pública, nas três
esferas de governo da Federação, União, Estados e Municípios, é o rompimento
com a cultura assistencialista e a transformação em cultura do direito, da cidadania,
do dever do Estado. É necessário que cada ente governamental tenha um plano de
ação e que atue com a participação da sociedade civil, por intermédio de conselhos
paritários, para deliberação sobre as prioridades sociais. A segunda mudança,
relacionada à primeira, evidencia a ação planejada do Estado, não mais
fragmentada e reativa, realizada a partir da demanda, como até então, mas, sim,
proativa. A terceira mudança refere-se ao relacionamento com o usuário dos
serviços, tendo a centralidade na família (cf. SPOSATI, 2009).
Assegurar a proteção social em um de seus pilares, a Assistência Social, até
então fragmentada e residual, é um desafio que significa transformar princípios em
resultados concretos, com todo o impacto da dinâmica social. A inserção na agenda
política deu-se com a promulgação da CF/1988 e o seu reconhecimento enquanto
política pública. As diretrizes para sua operacionalização são previstas na Lei
Orgânica de Assistência Social (Loas) de 1993 e legislação que a sucedeu. Mas os
avanços nas políticas públicas implica a instituição de um sistema gerencial público
qualificado e o reconhecimento das expressões da questão social. Não a partir da
focalização com respostas reativas oriundas das demandas, mas, sim, planificadas e
inseridas num projeto societário de desenvolvimentos pessoal e social.
Pressupõe instituir uma estrutura pública capaz de planejar e concretizar
políticas públicas e não práticas assistencialistas, direcionadas à redução de
desigualdades sociais e aos avanços de cidadania, nas três esferas de governo da
Federação brasileira. E cabe observar a arena de negociação das políticas públicas,
expressão da dinâmica e correlação de forças sociais, com dimensões técnica e
política, de caráter planejado e preventivo, e não apenas reparador, e capaz de
realizar a proteção social pública.
91
2.3.1 O Sistema Único de Assistência Social (Suas): um novo marco
regulatório conceitual e gerencial
É consenso entre os estudiosos da área de Assistência Social os avanços
ocorridos nas duas últimas décadas após o reconhecimento da Assistência Social
enquanto política pública (YASBECK, 2008a; SPOSATI, 2009; JACCOUD, 2009;
ZOLA, 2010).
No que tange à sua efetivação, a base social democrática da CF/1988, a
Loas/1093, a Política Nacional de Assistência Social (PNAS-2004) e a Norma
Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/Suas-2005) são
os marcos legal e conceitual para a instituição do sistema descentralizado
participativo e único da Assistência Social.
Denominado Sistema Único de Assistência Social (Suas), propõe quatro eixos
de ação. Reitera a descentralização político-administrativa fundada no pacto
federativo, o controle social das ações na área de assistência social e a precedência
pública da condução enquanto política pública. Amplia para um quarto eixo, de
implementação de benefícios, programas, projetos e serviços, com centralidade da
política pública na família. Conforme disposto:
I - Descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social, garantindo o comando único das ações em cada esfera de governo, respeitando-se as diferenças e as características socioterritoriais locais; II- Participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis; III- Precedência da responsabilidade do Estado na condução da Política de Assistência Social em cada esfera de governo; IV- Centralidade na família para concepção e implementação dos benefícios, serviços, programas e projetos. (BRASIL, 2005, p. 32-33)
Seus objetivos contêm as estratégias de organização e as diretrizes da rede
socioassistencial embasadas em dois princípios organizativos: a territorialização e a
matricialidade familiar. O primeiro, voltado à redução das desigualdades
socioterritoriais e construção de referência da Assistência Social, enquanto política
pública, em locais prioritários; o segundo, baseado no estímulo à capacidade de
92
proteção familiar, como forma de reduzir a fragmentação de atendimento (BRASIL,
2004).
As formas de proteção social direcionada a famílias, crianças, adolescentes,
idosos, pessoas com deficiência ou indivíduos em situação de vulnerabilidade e
risco social são hierarquizadas e também definidas as formas de proteção básica e
proteção especial de média e alta complexidades a serem prestadas por meio de
uma rede socioassistencial, prevendo, para sua consecução, a articulação e a
intersetorialidade com outras políticas sociais.
Apresenta-se, a seguir, a base conceitual da rede socioassistencial, conforme
prevista no SUAS, tendo a família como núcleo de intervenção (BRASIL, 2005).
A proteção social básica é de caráter preventivo e inclusivo, direcionada ao
atendimento de famílias e indivíduos que vivem em situação de vulnerabilidade
social decorrente da pobreza, privação e/ou fragilização dos vínculos afetivos –
relacionais e de pertencimento social. A proteção de média complexidade é
destinada as famílias e indivíduos em situação de contingência com direitos
violados, sem, entretanto, o rompimento dos vínculos familiares e comunitários. E a
proteção social de alta complexidade é dirigida a famílias e indivíduos com vínculos
familiares e comunitários fragilizados ou rompidos e que necessitam de atendimento
fora do núcleo familiar.
A rede de proteção socioassistencial é concebida como um conjunto
integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, configurada em dois eixos:
1. Serviços, Programas e Projetos; 2. Benefícios.
Os serviços, programas e projetos de proteção social básica tem como
unidade pública de referência os Centros de Referência de Assistência Social
(Cras), principal porta de entrada do Suas e também conta com uma rede de
retaguarda de serviços públicos e/ou privados. O Cras, com base territorial em áreas
de vulnerabilidade social, executa serviços de proteção social básica a partir da
atenção integral às famílias; organiza e coordena a rede de serviços
socioassistenciais, como os Centros de Convivência para Idosos; Serviços para
crianças de 0 a 6 anos, que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares, do
direito de brincar, dos direitos das crianças; Serviços socioeducativos para crianças
e adolescentes na faixa etária de 6 a 14 anos e de incentivo ao protagonismo juvenil,
Centros de Informação e de educação para o trabalho, voltado para jovens e
adultos.
93
Os benefícios, também classificados para a garantia de proteção social
básica, são divididos em Benefícios de Prestação Continuada (BPC), Benefícios
Eventuais conforme diretrizes da Loas, e também Programas de Transferência de
Renda. O BPC é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência
e ao idoso com idade acima de 65 anos, que comprovem não possuir meios de
prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família. Quanto aos
benefícios eventuais, são direcionados ao pagamento de auxílio, por natalidade ou
morte, às famílias cuja renda mensal per capta seja inferior a um quarto do salário-
mínimo.
Os programas de Transferência de Renda, apesar de algumas iniciativas
regionais e locais, têm, no Programa Bolsa-Família29 abrangência nacional e são
direcionados a famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza. Esse
programa governamental é um dos principais instrumentos de enfrentamento à
pobreza no Brasil e, para melhor dimensionamento, passou a cobrir cerca de 11
milhões de famílias, no ano de 200730. Os benefícios auferidos pelo programa são
de três tipos, “o básico, variável e variável vinculado ao jovem”, podendo ser
cumulativo, de acordo com a renda e composição familiar. As famílias em extrema
pobreza recebem o básico e o complementar, conforme o número de filhos. Se
forem crianças, o valor engloba até três e, no caso dos jovens, no máximo dois
(CUNHA, 2009, p. 336).
Considerado um programa com condicionalidades31 para o acesso à
cidadania, tem a abordagem assistencial na família e a prioridade de intervenção e
29 O programa criado pela Lei 10.836, de 9 de janeiro de 2004, unifica os programas de transferência de renda iniciados em 2001 em esfera nacional e tem como centralidade as famílias. Seu recorte é socioeconômico e tem como prioridade a garantia de direitos de crianças e adolescentes, observadas algumas condicionalidades para o acompanhamento de sua educação e saúde, pelos pais. Para mais informações: <http://www.portaltransparencia.gov.br/curso_bolsafamilia>. 30 Dados divulgados pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) revelam que o Programa Bolsa-Família atende cerca de 45 milhões de pessoas, sendo um a cada quatro brasileiros beneficiado, com metade dessa população localizada na Região Nordeste do País. (Estadão.com.br/Nacional - Política, 10 fev. 2008) 31 Conforme dados do MDS, são condicionalidades na área da educação a matrícula na escola das crianças e adolescentes com idades de 6 a 15 anos; a frequência escolar de no mínimo 85%, informando a impossibilidade do comparecimento com a devida justificativa; informação de mudança de escola para a garantia do efetivo acompanhamento da frequência escolar. Na área da saúde, as gestantes e nutrizes devem inscrever-se no pré-natal e seguir o padrão de acompanhamento; participar das atividades educativas sobre aleitamento materno e alimentação saudável; os responsáveis pelas crianças menores de 7 anos devem garantir a vacinação e o acompanhamento do estado nutricional.
94
garantia de direitos à saúde e educação da criança e do adolescente (CUNHA,
2009).
Os serviços, programas, projetos de proteção social especial de média
complexidade tem como unidade pública de referência os Centros de Referência
Especializados de Assistência Social (Creas), que ofertam serviços especializados e
continuados a famílias e indivíduos em situação de ameaça ou violação de direitos.
As unidades públicas podem ter abrangência local ou regional e demandam
uma rede de retaguarda de serviços públicos e/ou privados, com coordenação
extensiva à rede de serviços de alta complexidade. Os trabalhos propostos aos
Creas, também centrados na família, visam evitar o rompimento dos vínculos
familiares e comunitários e têm como especialidade a atuação nos casos de
violência doméstica, cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto pelo
adolescente, vigilância do trabalho infantil, dentre outras situações de violação de
direitos, para as quais necessita de ações intersetoriais, especialmente com o Poder
Judiciário, Ministério Público, os Conselhos Tutelares e outros órgãos do Sistema de
Garantia de Direitos (BRASIL, 2005).
Os serviços de proteção social especial de alta complexidade são realizados
em espaços de acolhimento institucional públicos ou privados e garantem a proteção
com oferta de moradia, alimentação, higienização a indivíduos em situação de
ameaça que são retirados do núcleo familiar (Ib., 2005).
Para dimensionar a implantação do novo ordenamento previsto no Suas, em
julho de 2010, 99,4% dos municípios brasileiros já estavam habilitados em um dos
níveis de gestão do sistema e todos os Estados comprometidos com a instalação
dos sistemas locais e regionais de assistência social (MDS-2010). No Estado de São
Paulo, é registrada a existência de 721 Cras e 113 Creas32, unidades públicas
estatais previstas como referência da nova institucionalidade da Assistência Social
(ZOLA, 2010).
Também é a partir da NOB/Suas (BRASIL, 2005; 2008a) que a forma de
proteção social prevista pela assistência social distingue um conjunto de seguranças
interligadas direcionadas ao desenvolvimento de cidadania e agrupadas em cinco
eixos, “segurança de acolhida; segurança social de renda; segurança de convívio ou
vivência familiar, comunitária e social; segurança de desenvolvimento de autonomia
32 Os dados quantitativos apresentados têm como fonte de informação o PMAS/WEB-2010, um sistema de informação da Secretaria de Estado de Assistência e Desenvolvimento Social.
95
individual, familiar e social e segurança de sobrevivência a riscos circunstanciais”
(BRASIL, 2005, p. 90).
Além das formas de proteção social previstas pela Política de Assistência
Social, o sistema apresenta mecanismos de planejamento da política pública na
forma de vigilância social e de defesas social e institucional, como medida de
prevenção das situações de vulnerabilidade e de controle institucional.
A vigilância social propõe o planejamento qualificado dos serviços na forma
de sistematização de informações, elaboração de pesquisas e construção de
indicadores, em âmbitos territorial, local e regional, previsto como um sistema
“responsável por detectar e informar as características e dimensões das situações
de precarização, que vulnerabilizam e trazem riscos e danos aos cidadãos, a sua
autonomia, à socialização e ao convívio familiar” (BRASIL, 2005, p. 93).
As defesas social e institucional são concebidas como forma ativa de garantia
da proteções básica e especial ao usuário, com princípios, valores e estruturas
institucionais que assegurem a Assistência Social enquanto direito e dever do
Estado. Conforme previsto na PNAS/2004:
• Direito ao atendimento digno, atencioso e respeitoso, ausente de procedimentos vexatórios e coercitivos.
• Direito ao tempo, de modo a acessar a rede de serviço com reduzida espera e de acordo com a necessidade.
• Direito à informação, enquanto direito primário do cidadão, sobretudo àqueles com vivência de barreiras culturais, de leitura, de limitações físicas.
• Direito do usuário ao protagonismo e manifestação de seus interesses.
• Direito do usuário à oferta qualificada de serviço. • Direito de convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 2005, p.
40)
O sistema prevê, também, tipos, níveis de gestão dos serviços públicos,
requisitos para descentralização de responsabilidades e cofinanciamento federativo.
Uma intrincada forma de pactuação, com a definição de instrumentos de gestão,
deliberação sobre os critérios de responsabilização, de partilha e transferência de
recursos realizada entre os governos federal, estaduais e municipais (NOB/SUAS,
2005).
A arquitetura que permite a organização dos serviços assistenciais em todo o
território nacional completa o dinâmico processo, reconhecido legalmente, em
96
201133, e expõe os desafios para a construção de políticas públicas no campo dos
direitos de cidadania, na realidade brasileira. Fundamentada durante décadas na
proteção social previdenciária, construída de forma populista, liberal e com muita
desigualdade social, demanda avançar da retórica do direito, reconhecido pelo
processo de democratização, para a construção de políticas públicas adequadas.
Este capítulo possibilita identificar as correlações existentes entre o Estado e
a questão social para a definição de proteção social expressa em políticas públicas
sociais, suas crises e transformações, determinadas pela dinâmica social, conforme
tempo e espaço.
A crise mundial do sistema de proteção social, na sua forma de seguro social,
decorrente das transformações econômicas e do mundo do trabalho e a
ascendência do processo de democratização e busca de avanços por direitos
sociais no Brasil são dois movimentos diferentes, que colocam na família a
expectativa de proteção.
Para essa consecução, demanda a adequação das políticas sociais, capazes
de potencializar a família em suas capacidades e dificuldades de solidariedade
interna o que nos conduz, no Capítulo 3, ao estudo sobre as inter-relações entre
Estado e família para a realização de proteção social.
33 O Suas foi criado em 15 de julho de 2005, por meio de resolução do Conselho Nacional e Assistência Social (CNAS) e sancionado pela Lei federal 12.435, de 6 de julho de 2011.
97
CAPÍTULO 3. A CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA DE
CRIANÇAS E ADOLESCENTES E A CENTRALIDADE DA FAMÍLIA
NA POLÍTICA PÚBLICA SOCIAL CONTEMPORÂNEA
Vários milhares de crianças e adolescentes estão, neste exato momento, circulando
pelas ruas e por diversas instituições de assistência e proteção, apesar de terem pais e
diversos parentes.
Alguns serão reconduzidos aos seus lares; outros, se sobreviverem à vida nas ruas,
serão encaminhados a abrigos [acolhimento institucional], i
nstituições de privação de liberdade,clínicas de desintoxicação e outros tipos de
instituição e poderão
nunca retornar às suas famílias.
(RIZZINI, 2006, p. 17)
Neste capítulo, realizamos um estudo sobre as inter-relações entre Estado e
família para o cumprimento da proteção social de indivíduos e sociedade, tendo
como perspectiva de análise o lugar atribuído à família pelo Estado.
Historicamente, a prática do acolhimento institucional é utilizada na realidade
brasileira como medida de proteção social a famílias pobres, fundamentada na
ideologia construída da sua incapacidade de prover proteção, educação e do
consequente abandono de seus filhos.
Para uma retrospectiva histórica sobre o acolhimento institucional, tomamos
como base, dentre outros, os estudos realizados por Maria Luiza Marcílio (2011)
sobre crianças abandonadas no Brasil e as políticas públicas adotadas, tendo a roda
dos expostos como precursora, e Irene Rizzini (2006/8) com sua importante
contribuição para o reconhecimento da prática e legitimação da institucionalização, a
partir da aliança entre o sistema de Justiça e a Assistência Social.
A corrente teórica francesa sobre Análise Institucional, dos anos 60, contribui
para a reflexão sobre o processo dialético, que historicamente vem sustentando e
reproduzindo a cultura do acolhimento, retirando filhos de famílias pobres e
98
encaminhando-os para instituições e, também, para outras famílias, como forma de
proteção social. Apoiamo-nos, para a análise do processo da institucionalização, em
Foucault (2001), Lapassade (1977), Guilhon Albuquerque (1981), e Marlene Guirado
(1987,1997).
A convivência familiar e comunitária, contrapondo-se ao acolhimento
institucional, é um tema atual, no debate acadêmico e na formulação de políticas
públicas em âmbito internacional (RIZZINI, 2006; FAVERO; VITALE & BAPTISTA,
2008; BRASIL, 1988/1990/2004/2009; ONU,1989).
Um direito com reconhecimento naturalizado, pessoal e socialmente, na
medida em que as pessoas nascem, crescem em uma família e constituem novas
famílias responsáveis pela reprodução da espécie e proteção de seus membros.
Entretanto, se tão naturalizado o papel social da família, porque falar ou editar
reiteradas tratativas legais sobre o direito à convivência familiar e comunitária de
crianças e adolescentes?
O descumprimento desse direito é a resposta imediata que justifica a
recorrência do tema e expõe questões contidas na esfera privada da família, em
suas dificuldades para o cumprimento dessa pertinência e na esfera pública, com
respostas insuficientes ou inadequadas, embasadas em expectativas familiares,
construída na naturalização e responsabilização da família, como instância de
reprodução social.
A complexificação da família, enquanto objeto de análise e de intervenção
pelo Estado e o reconhecimento conceitual de políticas públicas enquanto conteúdos
concretos regulamentados ou executados pelo Estado conduziram-nos à análise de
várias legislações, que fundamentam, na atualidade, a matricialidade familiar e a
convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 2004/5/6/9).
Tomamos como base analítica as contribuições teóricas de Marta Campos e
Regina Mioto (2003) sobre a classificação das abordagens de intervenção baseadas
na família do provedor masculino, no familismo e na família do Estado de Bem-Estar
Social de orientação social-democrática.
A importante contribuição de Chiara Saraceno e Manuela Naldini (2003) é,
também, tomada como referência e nos permite distinguir três diferentes tendências
de políticas familiares praticadas na Europa: as de apoio aos cuidados familiares; as
de conciliação de trabalho e família; e as de combate à pobreza, direcionadas a
crianças e famílias.
99
O presente capítulo possibilita reconhecer que a família, nos sistemas de
proteção social, não é uma inovação, entretanto, diferentes objetos e lugares lhe são
atribuídos, mesmo quando é proclamada sua centralidade nas políticas públicas
sociais.
3.1 O ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES COMO POLÍTICA PÚBLICA DE PROTEÇÃO SOCIAL
A já observada incompletude da proteção social brasileira que durante anos
se dirigiu por concepções populistas, assistencialistas, desenvolvimentistas e
liberais, na área da infância e juventude pobre, pratica a institucionalização
fundamentada na incapacidade familiar de garantir a proteção e educação de seus
filhos.
É apresentada, a seguir, uma breve retrospectiva histórica sobre a forma de
proteção social a famílias pobres, acompanhada da base analítica dos conceitos de
institucionalização e abandono. Considerados como elementos constitutivos do
processo dialético que tem direcionado ao longo da história as práticas públicas, até
sua recente revisão, quando da instituição da Seguridade Social brasileira, orienta a
centralidade das políticas sociais na família e nas convivências familiar e
comunitária.
3.1.1 A institucionalização como política de proteção social a famílias
pobres: uma retrospectiva histórica
A história sobre a infância e adolescência com demanda de proteção social,
no Brasil, mostra que as políticas públicas dirigidas para essa área priorizaram a
retirada de crianças das famílias, em contraposição às políticas de restabelecimento
e fortalecimento dos vínculos familiares (BRASIL, 1984/2004/6; VENÂNCIO, 2004;
RIZZINI, 2006; PRIORE, 2008; FAVERO; VITALE & BAPTISTA, 2008; MARCÍLIO,
2011).
100
Realizada na forma de acolhimento institucional em casas da roda, casas de
expostos, asilos, albergues, orfanatos, abrigos, denominados conforme a época, e
também remetidas a outras famílias interessadas na educação das crianças, que se
dava pelo apelo cristão, como mão de obra complementar, ou a partir de repasse de
ajuda financeira. Essa modalidade de família acolhedora, já oficialmente
reconhecida no período do Brasil colonial, era custeada até os 7 anos de idade da
criança, momento em que era esperada posterior permanência no lar adotivo
(VENÂNCIO, 2004).
Os registros históricos remetem à origem das formas de proteção social à
criança, em 1693, quando um representante público do Rio de Janeiro, escreve uma
carta a Portugal pedindo para criar “casas para expostos”, com o fundamento de que
crianças eram comidas nas ruas por ratos e cachorros. A partir daí, existem dados
sobre a implantação de “casas dos expostos”, uma na Bahia, em 1726, por iniciativa
de João Aguiar, e outra no Rio de Janeiro, em 1738, por Romão Marcos Duarte
(BRASIL, 1984).
A tradição herdada de Portugal, fundada na caridade cristã, era acompanhada
da roda dos expostos34, ambas criadas pela conjugação de esforços da sociedade,
da igreja e da nobreza para atender aos abandonados e pobres (VENÂNCIO, 2004;
MARCILIO, 2011).
A roda dos expostos era administrada pelas Santas Casas de Misericórdia,
com subvenção das Câmaras Municipais. A partir de 1828, com a aprovação da Lei
dos Municípios, a Assembleia Legislativa provincial, não mais a Câmara, passa a ser
responsável pelo repasse de subsídios às Santas Casas de Misericórdia
(MARCILIO, 2011).
Para ilustrar os fundamentos em apoio à implantação das rodas dos expostos
existentes à época, bem como o julgamento para o abandono de crianças, Maria
Luiza Marcilio (2011) registra transcrição de arquivos da Ata de Mesa da Santa Casa
de Misericórdia da Bahia, datada de 21 de julho de 1844, rememorando o feito:
{...} evitar-se o horror e deshumanidade que então praticavão com alguns recem-nascidos, as ingratas e desamorozas mães, desassistindo-os de si, e considerando-as a expor as crianças em vários lugares imundos com a sombra da noite, e de quando amanhecia o dia se achavão mortas, e algumas devoradas pelos
34 A Roda dos Expostos era uma espécie de ‘roleta’, com uma abertura que unia a rua ao espaço interno da Santa Casa de Misericórdia, onde eram depositadas crianças abandonadas.
101
cães e outros animais, com laztimoso sentimento da piedade catholica, por se perderem aquelas almas pela falta de Sacramento do baptismo (sic) (p.60).
Também eram financiadas pelas Câmaras Municipais as “famílias criadeiras”,
certificadas pelos párocos locais, conforme descrição de Renato Venâncio (2004):
{...} todo aquele que encontrasse um recém-nascido na rua ou que o recebesse diretamente dos seus respectivos pais deveria recolher a criança e batizá-la. O pároco redigiria então um certificado explicando que o enjeitado estava residindo no domicílio da pessoa que o acolhera e que por ela era bem tratado. Uma vez com o documento, era possível solicitar ajuda financeira ao presidente da câmara, que julgava o pedido muitas vezes baseado em critérios de amizade ou de clientelismo inscrevendo, caso o mesmo fosse concedido, o nome da criança no Livro de matrícula dos expostos (p.190-191).
Renato Venâncio (2004) realiza importante estudo sobre os motivos que
conduzem as crianças a lares substitutos ou ao abandono, no período colonial
brasileiro, fundamentado em bilhetes deixados pelas mães. Coloca em questão a
interpretação oficial sobre o caráter “desalmado e egoísta” das mães que
abandonam os filhos. Reconhece as situações que sugerem o abandono como
forma de encobrir filhos ilegítimos e defende a tese da existência dessa prática,
como uma forma paradoxal de se proteger a criança”, pelas mães (p. 211).
Motivadas pela pobreza, a socialização dos filhos ocorria pela circulação35
entre a rede de vizinhança e da parentela e também pelo uso das alternativas
públicas. Segundo Venâncio (2004):
Meninos e meninas circulam de lar em lar, de casebre em casebre, de senzala em senzala, estabelecendo relações de “parentesco espiritual, via compadrio, ou informais, como no caso de “filhos de criação” {...} o envio do filho à casa dos expostos consistia em expediente provisório até elas {as mães} recuperarem plenamente a saúde. {...} o abandono podia representar um verdadeiro gesto de ternura. Talvez a evidência mais surpreendente disso seja os casos em que escravas enjeitam o próprio filho, na esperança de que ele fosse considerado livre {...}. (passim)
Irene Rizzini (2008), sobre a ideologia jurídica reinante no final dos anos de
1800, no Brasil, defende que o objetivo do acolhimento institucional era intervir sobre
35 A circulação de crianças pobres é também analisada por Cláudia Fonseca (2006).
102
o abandono moral de crianças e adolescentes e “retirar da família os filhos que a ela
não se submetiam” (p. 121). Para isso, era necessário mudar a tradição do poder
familiar sobre os filhos, questionar sua autoridade e capacidade de educação, de
transmissão de valores morais e de proteção. Segundo a autora:
A estratégia consistia em mudar a mentalidade; mostrar que a família era passível de punição e que, ao cometer atrocidades contra as crianças, comprometia a moralidade de seus filhos e, consequentemente, o futuro do país. Portanto, o filho não era propriedade exclusiva da família; a paternidade era um direito que poderia ser suspenso ou cassado. (Id., 2008, p.121).
Atribuir ao Estado a função de tutela sobre a criança possibilitou a base
conceitual e as condições objetivas para a criação do Juízo de Menores, tendo Mello
Mattos como o primeiro juiz de menores e a instituição, em 1927, do Código de
Menores, baseado na tutela e na repressão de abandonados e delinquentes.
A proteção social pública e o poder disciplinar sobre crianças adolescentes e
famílias passam a ser institucionalmente reconhecidos nesse período e, segundo
Passetti (2008), é uma marco de mudança em que “a caridade misericordiosa e
privada praticada prioritariamente por instituições religiosas {...} cede lugar às ações
governamentais” (p.350).
As ações governamentais são concebidas a partir da aliança entre a Justiça e
a Assistência, complementarmente ajustada para o controle da ação social e da
proteção, da infância e da sociedade (RIZZINI, 2008). Sobre a base conceitual,
aliança assistencial e repressora, da união entre Justiça e Assistência presentes no
Código de Menores, nas palavras da autora:
{...} concebida como um desdobramento do amplo movimento filantrópico e moralizador instituído a partir da lógica da nova ordem política, econômica e social da era industrial capitalista. {...} Pelo lado da Justiça, buscou-se definir suas funções de cunho social, repudiando-se seu caráter estritamente punitivo-repressivo; o que foi feito através da aproximação com os promotores da filantropia, aproveitando-se de seu acesso ao segmento de pobres e necessitados, sobre o qual era preciso intervir. Por sua vez, os representantes da ação filantrópica viam nos promotores da Justiça a solução para dar conta da evidência crescente de periculosidade da população pobre que lhe cabia assistir (p.124-125).
103
Conforme o Decreto 17.943-a, de 12 de outubro de 1927, em seu art. 1o: “O
menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18
annos (sic) de idade, será submettido (sic) pela autoridade competente ás (sic)
medidas de assistência e protecção (sic) contidas neste Codigo (sic)” (BRASIL,
1927).
Em sua origem, a Justiça de Menores brasileira tem como foco a:
infância pobre que não era contida por uma família considerada habilitada a educar seus filhos, de acordo com os padrões de moralidade vigentes. Os filhos dos pobres que se encaixavam nesta definição, portanto passíveis de intervenção judiciária, passaram a ser identificados como ‘menores’. (RIZZINI, 2008 p. 130).
Essa concepção se fortalece e amplia as formas de acolhimento institucional
com a criação do Serviço de Assistência a Menores (SAM), pelo Decreto-Lei 3.799,
de 5 de novembro de 1941, subordinado ao ministro da Justiça e Negócios Interiores
e articulado com o Juízo de Menores do Distrito Federal, conforme se observa no
art. 2o de suas finalidades:
a) sistematizar e orientar os serviços de assistência a menores desvalidos e delinquentes, internados em estabelecimentos oficiais e particulares; b) proceder à investigação social e ao exame médico-psicopedagógico dos menores desvalidos e delinqüentes; c) abrigar os menores, à disposição do Juízo de Menores do Distrito Federal; d) recolher os menores em estabelecimentos adequados, afim de ministrar-lhes educação, instrução e tratamento sômato-psíquico, até o seu desligamento; e) estudar as causas do abandono e da delinquência infantil para a orientação dos poderes públicos; f) promover a publicação periódica dos resultados de pesquisas, estudos e estatísticas. (BRASIL,1941)
Segue-se a concepção institucional com a criação da Fundação Nacional do
Menor (Funabem) pela Lei 4.513, de 1o de dezembro de 1964, e se mantém no
Código de Menores de 1979, como se observa no art. 9o que regulamenta como
serão criadas as entidades de assistência e proteção “segundo as diretrizes da
Política Nacional do Bem-Estar do Menor, e terão centros especializados destinados
à recepção, triagem e observação, e à permanência de menores” (BRASIL, 1979).
O assistencialismo e o autoritarismo, ao longo dos anos, foram consolidando
a ideologia e a forma de acolhimento para proteção de crianças e adolescentes,
104
realizadas de forma direta ou em parceria com a sociedade civil, baseados na
desqualificação e incapacidade das famílias pobres, que promoviam cuidados e
educação para os filhos de forma irresponsável, levando-os ao abandono físico e
moral. A pobreza, a fome e os valores morais conduziam ao acolhimento nas
instituições e não a políticas públicas que fortalecessem a capacidade familiar para o
sustento ou para reforço de sua capacidade de provisão de cuidados parentais.
As mudanças paradigmáticas ocorrem pós CF/1988, com a implementação do
Sistema de Seguridade Social brasileiro e avançam nos anos de 1990, com a
instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que estabelece a
condição de sujeito de direitos em desenvolvimento a crianças e adolescentes e
propõe medidas de apoio familiar em contraposição à retirada da família. Um
processo em construção na sociedade brasileira.
3.1.2 A institucionalização como dialética do abandono e do poder
disciplinar: uma cultura instituída
A corrente teórica francesa dos anos 60 sobre a Análise Institucional contribui
para a reflexão conceitual sobre a política de proteção à criança realizada a partir do
afastamento da sua convivência familiar e da guarda feita pelo Estado, bem como
para a compreensão de sua sustentação ideológica na incapacidade da família
pobre de educar e proteger seus filhos.
Tendo a antipsiquiatria36 à sua frente, mas também extensivo aos
asilos,orfanatos, conventos, os estudos de Georges Lapassade (1977), Guilhon
Albuquerque (1981) e Marlene Guirado (1987, 1997) contribuem para evidenciar a
institucionalização da cultura do acolhimento.
Georges Lapassade (1977), em seu livro, Grupos, Organizações e
Instituições, permite analisar a realidade social a partir dos conceitos de instituição,
instituído e instituinte, elementos constitutivos do processo de institucionalização.
36 Movimento que questiona a psiquiatria tradicional e a noção de doença mental. As obras de Michel Foucault inspiram as grandes transformações no modelo manicomial de tratamento ao doente mental. A Itália foi precursora do processo de desinstitucionalização com fechamento de hospitais psiquiátricos tendo à sua dianteira Franco Basaglia, diretor do Hospital Psiquiátrico na cidade de Trieste, na década de 1970.
105
Por instituição, considera ele três níveis ou instâncias da realidade social. O
primeiro nível é o grupo, tido como base da organização social, o que mais se
aproxima do cotidiano. São exemplos, a família, o trabalho, a escola e, nesses
grupos, estão expressas marcas institucionalizadas de papéis sociais, de
normatizações, que possibilitam manter as rotinas e a reprodução da instituição.
Nessa esfera é que se dá a mediatização dos indivíduos com a Instituição mais
ampla, ou seja, o Estado, considerado como de terceiro nível.
O segundo nível da sociedade, Lapassade (1977) denomina de organização.
Por organização entende um nível formalizado, com regimentos, normas jurídicas,
legislação, em que se situa a burocracia em sua mais ampla dimensão, não apenas
administrativa, mas enquanto relação de poder, seja numa empresa, ou na relação
política. Segundo o autor, é a burocracia que possibilita “a organização da
separação”, em que determinados grupos são excluídos da decisão, e apenas
participam da execução.
A instituição, ou o terceiro nível do sistema social, como já dito, é por ele
considerado o Estado, responsável por disciplinar a conduta social das organizações
e dos grupos. A instituição nem sempre é localizável, mas é a instituição o que é
instituído. Tendo como referência as significações de Lapassade (1977), o espaço
de acolhimento de crianças e adolescentes é a organização. O que nele é instituído,
ou em outra linguagem, o que ele representa e nele é emblemático e simbolizado, a
partir da cultura arraigada, é a instituição do acolhimento. Forma de proteção frente
à, pretensa e também instituída, incapacidade familiar em realizar proteção de seus
filhos. A institucionalização é a ideologia.
Além do conceito de instituição, com sua expressão mais ampla que é o
Estado e suas mediatizações, seja no cotidiano a partir dos grupos, ou das
organizações formalizadas, o conceito de instituído é a condição da instituição.
Sendo instituído o que está estabelecido, arraigado, cristalizado. É o
homogeneizado, o totalizante, o que é sintetizado. A incapacidade de famílias
pobres em cuidar de seus filhos é o pensamento instituído que vem fundamentando
a criação das políticas públicas.
O pensamento dialético evidencia a antítese, o heterogêneo, o diferente, o
que não é o instituído. O autor denomina para esse movimento o conceito de
instituinte. O instituinte é o que possibilita a mudança na instituição, o que abala, faz
106
pulsar e permite o novo. É o capaz da promoção das transformações institucionais, a
partir de todas as forças que contém (LAPASSADE, 1977).
Marlene Guirado (1997), com importantes contribuições para a análise
institucional, acrescenta, à definição de instituição, as dimensões de legitimação
processada a partir da repetição e, sua naturalização, justificada e criada a partir de
demandas e necessidades sociais:
{...} um conjunto de práticas que se repetem e que, enquanto se repetem, legitimam-se; sendo a legitimação uma espécie de naturalização daquilo que é instituído. Em algum momento da história e para dar conta de certas necessidades e urgências sociais, os homens foram se organizando de determinada forma, e essa forma de organização ou de relação vai-se perpetuando; são as instituições {...} (p. 144).
Guilhon Albuquerque (1978) define instituição a partir dos elementos que a
estruturam. Distingue o objeto institucional, o âmbito da ação institucional e os
atores institucionais.
Por objeto institucional considera “aquilo sobre cuja propriedade a instituição
reivindica o monopólio da legitimidade” e justifica a partir da base psicanalítica, como
Lapassade (1977) que o objeto institucional não é material, pois é impalpável. Essa
característica imaterial possibilita o “processo de desapropriação dos indivíduos ou
de outras instituições, no que se concerne ao objeto em questão” (cf. GUILHON,
1978, p.70).
Fundamenta a desapropriação do objeto a partir de sua polarização e
oposição, ex.: saúde/doença, normal/patológico. Referente à instituição do
acolhimento e a desapropriação/apropriação do objeto, entre as instituições família e
Estado justifica-se perante o abandono/acolhimento, diante da violência/proteção, a
família incapaz/instituição ou família capaz, contraposições que reforçam e
legitimam a existência do acolhimento, seja na forma institucional ou familiar,
também considerada como outra modalidade de instituição.
O âmbito da ação institucional, segundo o autor, é sustentado nessa
polarização pelas relações sociais. São elas que sustentam a propriedade e a
guarda do objeto, e os atores institucionais são centrais para o entendimento da
estrutura da instituição. Por atores institucionais, ele distingue o mandante, a
107
clientela e o público, o contexto institucional e todas as inter-relações existentes
entre os diversos atores (GUILHON, 1978).
Não apenas os mandantes e agentes institucionais repetem e legitimam a
culpabilização da incapacidade familiar, também a clientela, no nosso caso a família,
institui sua incapacidade de cuidar dos filhos gerados pelos sentimentos de culpa e
vergonha.
A relação de poder para legitimação da prática e do papel institucional sobre o
objeto, aqui destacada por Guilhon (1978), é tão bem sintetizada por Guirado (1987):
Sua contribuição fundamental {Guilhon} é a de fazer pensar a instituição como conjunto de práticas sociais que se reproduzem e se legitimam, num exercício incessante de poder; um poder entre agentes, dos agentes com a clientela; um poder na apropriação de um certo tipo de relação como própria, como característica de uma determinada instituição (p. 69).
A ideologia do acolhimento institucional e sua ação de proteção, em
contraposição à rejeição e à culpabilização da incapacidade familiar,
destacadamente da mãe, têm oferecido a sustentação e a reprodução das práticas
públicas e sociais. Na atualidade, em escala internacional, é colocada em questão
sua incapacidade de assegurar vínculos sociais à criança e, em sua contraposição
às convivências familiar e comunitária, é valorizada como essencial para a
humanização e socialização de crianças e adolescentes.
3.2 A CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA: UM PRINCÍPIO E UMA
ESTRATÉGIA DE PROTEÇÃO SOCIAL A CRIANÇAS E ADOLESCENTES
A Convenção Internacional dos Direitos da Criança, ratificada em 1989 por
193 países é, segundo o The United Nations Children's Fund (Unicef) (s/d), o
instrumento de direitos humanos mais aceito na história universal. Fundamentada na
Doutrina de Proteção Integral, prevê em seu preâmbulo o direito à convivência
familiar e comunitária de crianças e adolescentes, reconhecendo a família “como
grupo fundamental da sociedade {...} que a criança, para o pleno e harmonioso
108
desenvolvimento de sua personalidade, deve crescer no seio da família em um
ambiente de felicidade, amor e compreensão” (ONU, 1989, art.27, item 2).
A convenção atribui aos Estados Partes competência para proporcionar as
condições para o desempenho das funções de proteção, quando a família for
desprovida de recursos para tal. Segundo a convenção:
Cabe aos pais, ou a outras pessoas encarregadas, a responsabilidade primordial de propiciar, de acordo com as possibilidades e meios financeiros, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança. Os Estados Partes, de acordo com as condições nacionais e dentro de suas possibilidades, adotarão medidas apropriadas a fim de ajudar os pais e outras pessoas responsáveis pela criança a tornar efetivo esse direito e, caso necessário, proporcionarão assistência material e programas de apoio, especialmente no que diz respeito à nutrição, ao vestuário e à habitação. (ONU, 1989, art.27, itens 2 e 3)
Na CF/1988 brasileira a família é reconhecida como a base da organização
social, sendo definida sua forma de organização, dotada de solidariedade interna,
marcada inclusive por direitos e deveres de caráter intergeracional e tendo como
absoluta prioridade a criança e o adolescente, aos quais é assegurado o direito à
convivência familiar e comunitária:
A família é a base da sociedade. {...} Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher {...}. Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes {...} É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade {direitos sociais e convivência familiar e comunitária}. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. (BRASIL, 2008, CF/1988, arts. 226, 227 e 229).
No Brasil, além do que consta em sua Lei Magna, a CF/1988, foi promulgada
a Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, que institui o ECA e define a responsabilidade
da família, da comunidade e do poder público em garantir, com absoluta prioridade,
os direitos à infância e adolescência, prevendo como um direito fundamental o
direito à convivência familiar e comunitária.
No ECA, está explícito o direito da criança à convivência com a família,
prioritariamente na de origem e, em caso de excepcionalidade, numa substituta. Aos
adultos são definidas responsabilidades com os filhos, de proteção e educação,
109
sujeitas, inclusive, ao cumprimento de determinações judiciais, adequadas ao
interesse da criança e do adolescente:
Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes {...} Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. (BRASIL, ECA, 1990, arts.19 e 22)
Apesar do grande avanço jurídico-institucional expresso na legislação
específica e da existência de vários estudos em que são reconhecidos os avanços
das políticas públicas direcionadas à infância e juventude, nas duas últimas décadas
(VOLPI, 1999; ZOLA, 2005; RIZZINI, 2006), concernente ao direito à convivência
familiar e comunitária, o marco situacional demonstra que crianças e adolescentes,
via de regra, pertencentes a famílias pobres, permanecem em despersonalizadas
instituições ou são negligenciadas em situação de rua.
O Levantamento Nacional de Abrigos para Crianças e Adolescentes realizado
pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e publicado em 2004, aponta
um universo de cerca de 20 mil abrigados, sendo que 86,7% deles possuem famílias
e a permanência nas instituições de mais de 1/3 dessas crianças brasileiras é de
dois a cinco anos. Apenas 11,30% das crianças não possuem família ou têm família
desaparecida e a pobreza, representada por 24,1% das situações, aparece como o
principal motivo do acolhimento institucional. O abandono vem a seguir, com 18,8%,
a violência doméstica, com 11,6%, a dependência química dos pais, com 11,3%, e a
orfandade representa apenas 5,2%.
A Primeira Pesquisa Censitária Nacional sobre Crianças e Adolescentes em
Situação de Rua37 lançada em março de 2011, identificou 23.973 crianças e
adolescentes em situação de rua. Desse total, 60,5% têm contato com familiares,
52,2% dormem na casa da família, e 47,2% está nas ruas de um a cinco anos. Os
meninos são a maioria, com 71,8% dos pesquisados e a faixa etária mais comum,
com 45,13%, é a de 12 e 15 anos.
37 A pesquisa realizada em 75 cidades do País, abrangendo capitais e municípios com mais de 300 mil habitantes é de autoria do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNPDCA) com a parceria do Instituto de Desenvolvimento Sustentável (Idest).
110
Os principais motivos que levam as crianças e adolescentes para as ruas são
brigas verbais com pais e irmãos, 32,2%, violência doméstica, 30,6% e alcoolismo e
drogas, 30,4%. Apesar do expressivo número nas ruas, em decorrência de violência
familiar, 55,5% avalia como bom ou muito bom o relacionamento em família, contra
21,8%, que considera como ruim ou péssimo e 46,3% destinam parte, ou a
totalidade, dos recursos arrecadados com pequenos trabalhos ou esmolas, para as
famílias.
As duas pesquisas comprovam o descompasso entre as diretrizes da política
pública expressa na legislação e a capacidade operacional em dar respostas para
assegurar a proteção e a convivência familiar e comunitária à crianças, adolescentes
e famílias com demanda de proteção social especial. Elas possibilitam visualizar três
principais indicadores que afetam e comprometem a convivência familiar e
comunitária: a pobreza, a violência intra-familiar e a inadequação de políticas
públicas quanto à capacidade de prevenção ou mesmo de reparação da situação,
ainda marcadas pela institucionalização do conceito da incapacidade familiar.
Ambas as pesquisas expressam violação de direitos da criança e do
adolescente e sugerem a inexistência, ou insuficiência, de políticas públicas sociais
de apoio familiar.
A promulgação do Plano Nacional de Promoção, Defesa e Garantia do Direito
de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (PNCFC), em
2006, é um avanço empreendido com relação ao tema e também a nova Lei de
Adoção, 12.010, de 3 de agosto de 2009, que “dispõe sobre o aperfeiçoamento da
sistemática prevista para garantia do direito à convivência familiar a todas as
crianças e adolescentes” (BRASIL, 2006/9, p. 1).
Elaborado a partir de um amplo processo participativo, o PNCFC traça
diretrizes, reafirma os marcos legal e conceitual, planifica ações e controle de
resultados visando “romper com a cultura da institucionalização de crianças e
adolescentes e fortalecer o paradigma da proteção integral e da preservação dos
vínculos familiares e comunitários” (BRASIL, 2006, p. 14).
O PNCFC “reconhece e preconiza a família, enquanto estrutura vital, lugar
essencial à humanização e à socialização da criança e do adolescente, espaço ideal
e privilegiado para o desenvolvimento integral dos indivíduos” e, também, as
mudanças nas configurações familiares presentes na atualidade. Avança na
111
conceituação legal de família e propõe “ultrapassar a ênfase na estrutura familiar
para enfatizar a capacidade da família” (BRASIL, 2006, p. 16-24).
Sobre a capacidade familiar, o PNCFC fundamenta-se em vários autores, que
afirmam ser a família o melhor lugar para a socialização e o desenvolvimento dos
filhos, desde seus primeiros anos de vida, fase em que a dependência e a
consequente proteção têm centralidade, estendendo-se pela adolescência, quando
são estabelecidos novos relacionamentos e referenciais determinantes para a
construção de identidade adulta. Conforme disposto:
Desde o seu nascimento, a família é o principal núcleo de socialização da criança. Dada a sua situação de vulnerabilidade e imaturidade, seus primeiros anos de vida são marcados pela dependência do ambiente e daqueles que dela cuidam. A relação com seus pais, ou substitutos, é fundamental para sua constituição como sujeito, desenvolvimento afetivo e aquisições próprias a esta faixa etária. {...} {apesar do relacionamento entre os pares sobrepor a família na fase da adolescência} A família permanece, todavia, como uma referência importante nesse momento em que o adolescente movimenta-se do desconhecido ao conhecido, do novo ao familiar, vivenciando a alternância entre independência e dependência, característica dessa etapa. (BRASIL, 2006, p. 27).
Sobre a estrutura familiar, o referido plano problematiza a definição legal de
família, com base atual na família nuclear (pais e filhos) e propõe uma definição
sócio-antropológica mais ampliada, considerando a família como um grupo de
pessoas unidas pela consanguinidade dos vínculos conjugais, pelas relações de
aliança ou parentesco entre os cônjuges e de afinidade. Considera parentes afins
os consanguíneos de um cônjuge ou companheiro(a) em relação com o outro
cônjuge ou companheiro(a)38. Propõe o conceito de família extensa:
{...} a definição legal não supre a necessidade de se compreender a complexidade e riqueza dos vínculos familiares e comunitários que podem ser mobilizados nas diversas frentes de defesa dos direitos de crianças e adolescentes. Para tal, torna-se necessária uma definição mais ampla de “família”, com base sócio-antropológica. A família pode ser pensada como um grupo de pessoas que são unidas por laços de consanguinidade, de aliança e de afinidade. (BRASIL, 2006, p. 25).
38 Ver relações de parentesco por laços de consanguinidade, de aliança e de afinidade in: SIMÕES, Carlos. Curso do direito do serviço social. São Paulo: Cortez. 2009.
112
Distingue quatro tipos de famílias, além da rede comunitária de afinidade,
considerada estratégica para possibilitar a convivência familiar e comunitária. São
reconhecidas: a família de origem, ou natural, já prevista constitucionalmente; a
extensa ou ampliada; a acolhedora e a substituta.
A família de origem ou natural é compreendida pela união estável entre o
homem e a mulher e, também, pela comunidade formada por qualquer dos pais e
seus descendentes. A família de origem tem precedência em relação às demais e
são previstas medidas voltadas à sua inclusão em programas de auxílio e proteção
sociofamiliar, contemplando, dentre outras, as dimensões de superação de
vulnerabilidades sociais decorrentes da pobreza e privação, fortalecimento dos
vínculos familiares, acesso a informação para suprir demandas diversas e inclusão
na rede pública e sociocomunitária (BRASIL, 2006).
Por família extensa ou ampliada, é vista aquela que se estende para além da
unidade de pais e filhos ou da unidade conjugal. São considerados membros da
família extensa, os avós, os tios, os irmãos, os primos, parentes com os quais a
criança ou o adolescente convivem e mantêm vínculos de afinidade e afetividade
(BRASIL, 2006/9).
A família acolhedora é caracterizada por pessoa ou casal cadastrado no
programa de acolhimento familiar, definido como um serviço de proteção social
alternativo e preferencial em relação ao acolhimento institucional. Acionada quando
da necessidade do afastamento da criança ou adolescente de seu convívio de
origem, não impede, entretanto, o exercício do direito de visitas pelos pais, conforme
decisão judicial. É embasada na excepcionalidade e na provisoriedade da guarda
oficial da criança, por períodos definidos, revisados pela autoridade judiciária,
semestralmente, para permitir decisões e medidas quanto à reintegração familiar ou
colocação em família substituta. O acolhimento familiar é estimulado por meio de
assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios (BRASIL, 2009).
Embora a família acolhedora, conforme já dito, fosse oficialmente reconhecida
no período do Brasil colonial e uma prática bastante antiga em vários países
europeus, trata-se, na atualidade, de uma modalidade nova de serviço, defendida
em nossa realidade para evitar a institucionalização, o abandono e melhorar a
proteção e a preservação de vínculos familiares de crianças e adolescentes.
Como fonte e concretização inicial dessa medida, vários são os estudos
existentes e, apesar da heterogeneidade das experiências, consideram essa prática
113
como uma forma de proteção social, não apenas à criança, mas também de apoio à
família de origem (DIAS, 2009; VALENTE, 2008; BAPTISTA, 2006; RIZZINI, 2006).
Na dissertação de mestrado, Walkyria Dias (2009) analisa a experiência
desenvolvida pela Prefeitura da Cidade de São Paulo e aborda a convivência da
criança na relação com a família de origem, com a acolhedora e entre ambas.
Conclui que os novos vínculos firmados não comprometem os vínculos de origem e
constituem-se, inclusive, como uma nova relação de afeto, tanto para a criança
como para sua família.
Janete Valente (2008) tem como objeto empírico um programa da Prefeitura
do Município de Campinas, intitulado Sapeca, que atende crianças e adolescentes
vítimas de violência doméstica. Realiza inclusão em famílias acolhedoras e, durante
o processo de acompanhamento, desenvolve trabalho com as famílias de origem a
partir da articulação com a rede de serviços local, visando o retorno familiar.
Considera como uma medida de apoio familiar e defende que “a família tem
problemas, mas é também ela que tem a solução” (p.18). E conceitua a família
acolhedora a partir de sua capacidade de proteção:
É aquela que voluntariamente tem a função de acolher em seu espaço familiar, pelo tempo que for necessário, a criança e/ou o adolescente que, para ser protegido, foi retirado de sua família, respeitando sua identidade e sua história, oferecendo-lhe todos os cuidados básicos mais afeto, amor, orientação, favorecendo seu desenvolvimento integral e sua inserção familiar, assegurando-lhe a convivência familiar e comunitária. (Id., p. 56).
Raquel Baptista (2006) analisa experiências de acolhimento familiar
realizadas em seis estados brasileiros e verifica que a prática é bastante
diversificada. Existe falta de apoio institucional e de retaguarda de outros serviços,
para o êxito da iniciativa. Identifica, dentre outras necessidades, maior clareza de
alternativas para o acolhimento de adolescentes, de seleção e profissionalização
dos acolhedores, mais investimento na família de origem e formas de subsídios ao
serviço. Constata que pode ser considerada uma alternativa à institucionalização
para algumas crianças e adolescentes quando se pensa no seu caráter provisório e
transitório.
114
Irene Rizzini (2006) cita as práticas populares de acolhimento familiar informal
e defende essa modalidade como prática de política pública, para evitar o
acolhimento institucional de crianças e adolescentes:
{...} nos interessa definir e discutir o conceito revestido de formalidade, ou seja, o acolhimento familiar como uma modalidade de atendimento destinado a crianças e adolescentes que, por algum motivo, precisam ser afastados de sua família, em caráter provisório e excepcional, e são inseridos no seio de outra família, que é preparada e acompanhada como parte de uma proposta de política pública (p. 59).
A família substituta é considerada a que substitui, em adoção, a família
natural, extensa e acolhedora. É uma medida outorgada em caráter excepcional e
irrevogável, por decisão judicial, o que equipara a condição legal da criança adotada
à de um filho, em seus direitos e deveres. Os postulantes a tornarem-se família
substituta devem ser maiores de 18 anos, independentemente do estado civil, desde
que sejam, pelo menos, 16 anos mais velhos do que o adotado. A adoção será
precedida de um período de preparação psicossocial e jurídica, acompanhada de
um estágio de convivência (BRASIL, 2009).
A rede social de apoio, diferentemente da família de domicílio ou da família
legalmente constituída, caracteriza-se por pessoas com vínculos de afetividade e
consideração para com crianças e adolescentes, nem sempre com presenças
constantes, mas que possibilitam cuidados e proteção. São relações de
apadrinhamento, amizade, vizinhança, e contribuem para o fortalecimento de
vínculos familiares e comunitários (BRASIL, 2006).
O PNCFC mantém a medida de proteção à criança e ao adolescente em
acolhimento institucional, considerada excepcional e provisória, e sobre ela tem
precedência o acolhimento familiar. Prevê seu reordenamento e considera como
índice de sucesso a reintegração à família de origem ou a colocação em família
substituta. É definido o tempo máximo de dois anos para a permanência em
unidades de acolhimento, ou em família acolhedora, com revisão semestral
(BRASIL, 2009). Desta forma, é estabelecido à criança o direito a ter uma família,
com precedência da biológica.
Com o objetivo de disciplinar o controle de execução da medida protetiva de
acolhimento institucional, ou familiar, bem como o da situação jurídica das crianças e
115
adolescentes assim submetidas, a Corregedoria Nacional de Justiça expediu a
Instrução Normativa 02/2010, que dá base a uma ação interinstitucional dos Poderes
Judiciário e Executivo, intitulada audiências concentradas. Uma metodologia
participativa com previsão semestral, inova na agilização, na inter-
complementaridade institucional, e, também, em elaboração de planos individuais de
atendimento à criança.
Na primeira fase, ocorrida no Estado de São Paulo, de julho a agosto de
2011, com ampla mobilização e efetiva participação da rede de atendimento,
aconteceram 2.400 audiências concentradas, em um universo39 de 13.369 crianças
e adolescentes acolhidos no Estado. Instrumentadas por estudos de caso e planos
individuais de atendimento, contaram, nesta etapa, com a participação de 2.968
crianças e adolescentes. Desse número, 586 retornaram à família de origem ou
natural, 231 foram colocadas em família acolhedora ou substituta, para 208 foram
constituídos processos de destituição do poder familiar e 1.943 permaneceram em
acolhimento institucional. Expressivos foram os resultados obtidos na primeira etapa
das audiências concentradas, com revisão de 34,54% das situações de crianças e
adolescentes inseridos em programas de acolhimento institucional (MELO, 2010).
As audiências concentradas para revisão da situação de crianças acolhidas
no Estado de São Paulo, fundamentaram-se no alargamento conceitual de família,
proposto pelo PNCFC e pela Lei federal de Adoção, 12.010, que possibilitam ampliar
alternativas de convivência familiar e comunitária, tendo como objeto de análise e de
intervenção a criança e o adolescente.
Abalizada no valor das relações familiares, em contraposição ao abandono
pela ruptura ou estreitamento de vínculos provocados pela institucionalização, o
retorno à família de origem tem precedência sobre as demais formas de acolhimento
familiar, com 19,74% das situações. Observa-se, contudo, pelos dados, que em
14,79% das inclusões são adotadas alternativas à família de origem e, deste
número, 7% são instituídos processos para a destituição do poder familiar.
Um significativo número estabelece à criança o direito de ter uma família,
entretanto, em se considerando o debate teórico realizado anteriormente, sobre o
processo de institucionalização, não basta reduzir ou eliminar o ato de colocação de
39 Dados preliminares do Levantamento Nacional de Crianças e Adolescentes em Serviços de Acolhimento, realizado pelo Ministério de Desenvolvimento Social, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
116
crianças em instituição pública. Outros indicadores são necessários para identificar
as ações de apoio familiar desenvolvidas, para considerar a mudança
paradigmática.
A convivência familiar e comunitária tem por objeto a criança e o adolescente
e a questão que se coloca é se as políticas públicas existentes e seus operadores
realmente priorizam o fortalecimento das famílias de origem ou substituem o
acolhimento institucional pelo familiar, nas várias modalidades de guarda e adoção.
São, as políticas públicas existentes, capazes de realizar o apoio sociofamiliar e
interromper o ciclo vicioso do acolhimento, retorno familiar, situações de rua de
crianças e adolescentes? Ou, em nome do princípio da convivência familiar, será
remetido às famílias, seja de origem ou substituta, funções públicas para as quais
são incapazes de seu cumprimento?
São questões que ainda demandam respostas e a instituição de planos de
atendimento individualizado às famílias pode contribuir para esse monitoramento.
Planos em que, além da reparação das situações que fragilizam a convivência
familiar, exigem-se ações preventivas ao esgotamento dessa capacidade familiar, ou
seja, políticas explícitas à família. São apresentados a seguir as diretrizes e os
fundamentos da política de assistência social brasileira, que propõe a matricialidade
da família em suas políticas sociais, com processo de implementação ainda
incipiente em nossa realidade e pendente de melhor interpretação sobre as
expectativas e ação pública.
3.3 A CENTRALIDADE DA FAMÍLIA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS:
DIFERENTES ABORDAGENS SOBRE O LUGAR ATRIBUÍDO À FAMÍLIA NA
PROTEÇÃO SOCIAL
No Brasil, segundo a legislação e os programas sociais hoje vigentes, as
políticas de proteção social têm como diretriz a matricialidade familiar e, como já
dito, o reconhecimento do direito fundamental aos indivíduos, à convivência familiar
e comunitária.
A PNAS (BRASIL, 2004) considera a família como “espaço privilegiado e
insubstituível de proteção e socialização primárias, provedora de cuidados aos seus
117
membros, mas que precisa também ser cuidada e protegida” (p. 41). A
matricialidade significa que a ação pública para proteção dos indivíduos tem como
eixo nuclear a expectativa de diversas funcionalidades familiares mediadas pelas
famílias entre seus membros e a coletividade. Conforme a política de assistência
social:
• a família é o núcleo social básico de acolhida, convívio, autonomia, sustentabilidade e protagonismo social; • a defesa do direito à convivência familiar, na proteção de Assistência Social, supera o conceito de família como unidade econômica, mera referência de cálculo de rendimento per capita e a entende como núcleo afetivo, vinculado por laços consangüíneos, de aliança ou afinidade, que circunscrevem obrigações recíprocas e mútuas, organizadas em torno de relações de geração e de gênero; • a família deve ser apoiada e ter acesso a condições para responder ao seu papel no sustento, na guarda e na educação de suas crianças e adolescentes, bem como na proteção de seus idosos e portadores de deficiência; • o fortalecimento de possibilidades de convívio, educação e proteção social, na própria família, não restringe as responsabilidades públicas de proteção social para com os indivíduos e a sociedade. (BRASIL, 2005, p. 86).
A forma de operacionalização desses princípios é ainda um processo e um
debate em aberto. Descrita no marco regulatório gerencial do Suas, possui
arcabouço definido, uma Rede de Serviços Socioassistenciais referenciada nos Cras
e Creas, respectivamente, pelo Serviço de Proteção e Atendimento Integral à
Família (Paif) e o Serviço de Atendimento Especializado à Família e Indivíduo (Paefi)
e tipificação de serviços.
Sobre o lugar ocupado pela família nos sistemas de proteção social,
especialmente na atualidade, Claude Martin (1995) atribui à crise de proteção social
realizada pelo mercado e também pelo Estado, que trouxe de novo “à ribalta
mecanismos tradicionais de integração social” (p. 54).
Considera que a partilha de responsabilidades está na ordem do dia e tendo
como referência os países europeus, interpreta a presença da família e, também, de
outras formas de sociabilidade e de entre-ajudas estimuladas pelas políticas
públicas, como forma de enfrentar a crise econômica dos sistemas de proteção
social:
118
A necessidade de encontrar uma solução para a crise financeira do regime de protecção (sic) social é tamanha que, em muitos países europeus, se encara a hipótese de remeter para a família, ou para as redes de integração primária, um certo número de serviços e de encargos que anteriormente eram, em parte, cobertos por despesas públicas. {...} A sociabilidade, a entre-ajuda, o apoio dos conhecidos ou a amizade dos parentes transformam-se, assim, em novas perspectivas para as políticas públicas. (MARTIN, 1995, p. 55-62).
Martin (1995) defende que a solidariedade familiar e a proteção social pública
devem funcionar em complementaridade e não em substituição a outras formas de
proteção pública, realizadas pelo mercado e pelo Estado. Alega que, na ausência do
trabalho, principal fonte de socialização secundária, os laços de família são
determinantes para evitar o isolamento e a vulnerabilidade relacional, também
considerado como fator de risco se não decorrente de escolhas pessoais. Segundo
o autor, deve-se contar ao menos, com as “pessoas chegadas para não se resvalar
para a exclusão, a dependência e a indignidade” (p.59).
O foco sobre a família, pela política pública, não é um fato isolado e nem
inovador. (MARSHALL, 1967a; CAMPOS & MIOTO, 2003; CAMPOS, 2004) A
estratégia de intervenção na família como unidade e forma de potencializar os
efeitos entre seus membros já era observada na Lei dos Pobres inglesa, para fins de
cálculo financeiro e organização do serviço, por considerar que na família estavam
as condições que haviam conduzido à pobreza (MARSHALL, 1967a).
Marshall (apud CAMPOS, 2004) fundamenta-se nas instruções inglesas de
1912, consideradas como preventivas e humanizadoras, quando estabelece um total
de auxílio destinado a famílias com crianças, baseado em um padrão financeiro
“com o qual se pode esperar que a mulher eduque sua família” (p. 4).
Martin (1995) reconhece também que a tendência da centralidade na família
para a proteção social aos seus membros, transfere atribuições e sobrecarrega,
destacadamente à mulher, e correlaciona com expressão de Giovanni Sgritta, sobre
a situação italiana:
A transferência de responsabilidade social do setor público para as famílias implica inevitavelmente um aumento do grau de exploração do trabalho familiar e, consequentemente, das tarefas e dos serviços desempenhados pelas mulheres no seio da família. (SGRITTA apud MARTIN, 1995, p.62)
119
Marta Campos (2003/4) e Regina Mioto (2003) fundamentam o fato de que a
família sempre teve um lugar no sistema de proteção social, diferenciando-se
conforme os tipos de sistemas. Desenvolvem três propostas analíticas classificadas
como: “a família do provedor masculino, o ‘familismo’ e a família no Estado de Bem-
Estar Social de orientação social-democrática” (p.165).
A família do provedor masculino é a perspectiva tradicional de proteção social
realizada a partir da família nuclear. Tendo por base dois eixos, o seguro social
público para a cobertura dos riscos do curso de vida, nascimento de filhos, doenças,
velhice, morte e a existência de solidariedade familiar, baseada nas trocas internas e
apoios de gênero.
Nessa perspectiva conservadora, o status de trabalhador atribuído ao
provedor masculino possibilita a cobertura dos direitos sociais aos filhos e à esposa,
sendo um pressuposto a existência da solidariedade familiar entre gêneros e
gerações. Campos e Mioto (2003) consideram essa modalidade de cobertura de
renda e de direitos sociais, aos dependentes do homem, como de “direitos
derivados” e não de primeira classe.
O crédito da proteção social é atribuído ao mercado e ao Estado, sendo
desconsiderada ou naturalizada a responsabilização da função de provedora de
cuidados desenvolvida pela família, no caso pela mulher, em suas funções de
reprodução social e de provisão e de manutenção do cotidiano e do próprio grupo
familiar.
Marta Campos (2004) analisa a existência de uma tendência do Estado em
não perceber as limitações econômicas e sociais da família, posto sua colocação de
“instância tão ‘naturalmente’ responsável pela reprodução social” (p. 6).
Paradoxalmente, nessas situações, se atribui papel importante à proteção social da
família, sem, entretanto, em nossa opinião, desenvolver políticas para o
fortalecimento familiar, derivando daí, em alguns sistemas de proteção social, a
marca do familismo.
O familismo é analisado por Campos e Mioto (2003) na perspectiva da baixa
oferta de serviços pelo Estado, tendo as famílias, “a responsabilidade principal pelo
bem-estar social” (p. 170). O foco da ação pública é na família e diferentemente de
um sistema “pró-família”, o familismo tende a se pautar pelo modelo familiar
tradicional e demanda de seus membros solidariedade, funções protetoras femininas
e a sua naturalização como instância responsável pela reprodução social.
120
Nos sistemas de proteção social de orientação social-democrática, a
centralidade da ação pública não é na família e sim nos direitos dos indivíduos,
sendo responsabilidade do Estado a universalização dos serviços. Possibilita maior
equidade de oportunidades e a “oferta de serviços de apoio aos encargos familiares
constitui alternativa clara, favorecendo uma política de liberação do trabalho
feminino para o mercado” (CAMPOS & MIOTO, 2003, p. 174). Pauta-se
principalmente pela prevenção, evitando o esgotamento da capacidade familiar.
Característico dos países escandinavos, avançou do modelo do provedor
masculino para o padrão atual de família, com dois provedores fortalecidos pela
ampliação da provisão de cuidados à criança, licenças de trabalho para cada um dos
pais, sendo a família um espaço de pertencimento e não uma instituição para
provisão de deveres. Conforme Pruzan (apud CAMPOS & MIOTO; 2003) sobre as
características da família dinamarquesa:
O objetivo do casal é a relação entre os envolvidos, e não institucional; os elementos de união desse casal são vínculos emocionais e não de empenho e deveres entre eles; a unidade do casal é derivada de um acordo entre indivíduos autônomos e que provêm a si mesmos e não de uma instituição que satisfaz funções e regras sociais. Os papéis e os deveres sociais dividem-se entre as duas pessoas, baseados no interesse e na competência e não no sexo (p.175).
Marta Campos e Regina Mioto (2003) sustentam, após a aproximação
analítica das formas de intervenção pública realizada com a legislação brasileira, em
especial as de proteção social, que a orientação brasileira é familista e vem sendo
incrementada pelo “discurso de recuperação de valores éticos-morais, que estariam
supostamente perdidos na sociedade, e em prol da convivência familiar e
comunitária” (p. 181).
Chiara Saraceno e Manuela Naldini (2003) ampliam o conceito da ação
pública para o fortalecimento das atribuições familiares quando introduzem a
nomenclatura política familiar. Ao analisar diversas formas de políticas familiares na
Europa, consideram o conceito de política familiar como indefinido, mas usado para
designar medidas legislativas, subsídios e serviços destinados a melhorar as
condições familiares.
Chiara Saraceno e Manuela Naldini (2003) analisam as diferenças de políticas
familiares praticadas na Europa e consideram que poucos são os países que
121
desenvolvem uma política familiar “explícita”. Por essa classificação, é entendido
“um conjunto de programas de política social intencionalmente destinado a alcançar
finalidades específicas relacionadas com o bem-estar familiar” e não contribuições
“implícitas”, como política de apoio a rendimentos, que também contribuem com a
família e, conforme classificação anterior, são voltados ao combate da pobreza
(p.338).
Destacam a França, a Bélgica e Luxemburgo, como países que realmente
possuem uma “política social explícita” direcionada às famílias, abalizadas na
conjugação de três indicadores de apoio familiar: a referência ao estímulo
demográfico, decorrente do declínio de fecundidade observada, aos custos para o
cuidado dos filhos e ao desenvolvimento de ações que possibilitam a paridade entre
os sexos, visando à conciliação de cuidados familiares e trabalho remunerado (Id.,
2003).
Contrariamente, classificam os países do sul da Europa, a Itália, Grécia,
Espanha e Portugal, como fundamentados no modelo das solidariedades ou
obrigações familiares intergeracionais, condição em que o Estado desenvolve
subsidiariamente a proteção social. A classificação do modelo cultural baseado nas
“solidariedades familiares e de parentesco”, conforme as autoras:
{...} baseia-se na assunção de que o sistema-família funciona nas solidariedades (e obrigações) familiares e intergeracionais ao longo de todo o ciclo de vida e na idéia de que as tarefas de reprodução social e de prestação de cuidados cabem de modo quase exclusivo à família (às mulheres presentes na rede familiar e de parentesco) e só de modo subsidiário ao Estado. (SARACENO & NALDINI, 2003, p. 341).
Esse modelo baseado na cultura de valores tradicionais não possui política
familiar explícita, apresenta alto grau de fragmentação de política social e por longo
tempo não desenvolveu políticas de conciliação de trabalho e família.
Os avanços dos estudos sobre proteção social, em meados dos anos 80, é o
que possibilita o reconhecimento da família e sua correlação com políticas públicas,
segundo Saraceno e Naldini (2003). Análises anteriores, centradas no Estado, não
davam visibilidade a uma parcela grande de proteção social desenvolvida pela área
privada da família, naturalizada pela visão funcional intergeracional e de gênero.
122
O aumento das famílias de dois provedores, ou seja, com o maior acesso da
mulher ao mundo do trabalho, aumentaram o interesse e as reflexões sobre o
trabalho de prestação de cuidados familiares e tem possibilitado releituras sobre a
evolução e as demandas de políticas sociais (Id., 2003).
Abordando a proteção social de uma perspectiva fundamentada na relação
tripartite de Estado-Mercado-Trabalhador, a Organização Internacional do Trabalho
(OIT) dispõe sobre formas de padrão e a proteção do trabalho para melhorar as
oportunidades de emprego/renda para mulheres e homens e também, em sua
agenda, está inserida a temática do trabalho familiar. Bruschini et al. (2008) faz uma
revisão das várias convenções e recomendações da OIT, com temas referentes à
proteção da jornada de trabalho, à discriminação e igualdade entre os gêneros,
proteção à maternidade, responsabilidades familiares, além de outras temáticas.
Ressaltamos, aqui, que, desde sua origem, a OIT demonstra em seus
tratados a preocupação com a proteção da maternidade da mulher. Na atualidade,
com consignações revisadas, mantém e amplia esse direito. É determinando um
mínimo de período para a licença remunerada, disciplinando condições para as
mães e bebês em amamentação, prevê proteção à saúde das mulheres empregadas
e, igualmente, a proteção ao emprego contra a demissão.
Depois da década de 1960, também incorpora a temática referente às
responsabilidades familiares e, em 1981, com a Convenção 156 e a Recomendação
165, ao contrário da anterior, mais voltada à garantia dos direitos das mulheres,
define a igualdade e a responsabilidade de gênero, em relação aos filhos ou outros
membros dependentes da família:
Esta Convenção aplica-se a homens e mulheres com responsabilidades com relação a seus filhos dependentes, quando estas responsabilidades restringem a possibilidade de se prepararem para uma atividade econômica e nela ingressar, participar ou progredir; {...} aplicar-se-ão também a homens e mulheres com responsabilidades com relação a outros membros de sua família imediata que manifestamente precisam de seus cuidados ou apoio {...}. (OIT, 1981, Convenção 156, art.1o)
Em seus artigos 4o e 5o, propõe que sejam tomadas as medidas compatíveis
com as possibilidades e responsabilidades nacionais dos Estados Membros, para
que se estabeleçam condições de conciliação de encargos familiares, ao
trabalhador, em igualdade de oportunidades e de tratamento aos gêneros, com co-
123
responsabilidade social do empregador e da área governamental, como pode
constatar:
- dar condições a trabalhadores com encargos de família de exercer seu direito à livre escolha de emprego e levar em consideração suas necessidades nos termos e condições de emprego e de seguridade social. - levar em consideração, no planejamento comunitário, as necessidades de trabalhadores com encargos de família e desenvolver ou promover serviços comunitários, públicos ou privados, como serviços e meios de assistência á infância e família. (OIT, 1981, Convenção 156, arts. 4o e 5o)
Cabe destacar que a Convenção 156 “Sobre a igualdade de oportunidades e
de tratamento para homens e mulheres trabalhadores: trabalhadores com encargos
de família" não teve a adesão do Brasil. Conforme documento da OIT-Brasil40, várias
tratativas estão sendo realizadas para ratificar a Convenção que demanda acordo
entre as forças envolvidas e autorização legislativa para consecução.
Reconhecer as inter-relações entre Estado e família significa entender o
movimento das forças e interesses sociais existentes e, também, as concepções
instituídas que fundamentam as políticas públicas ou suas ausências.
O modelo bismarckiano de proteção social, baseado no mercado e na
legislação trabalhista, foi construtor e conformador da nuclearização das famílias e
da clara distinção da funcionalidade existente entre seus membros e entre os
gêneros. Apesar da igualdade de acesso da mulher ao mercado de trabalho e do
reconhecimento das transformações familiares, a perspectiva baseada na
solidariedade dos cuidados familiares está presente no ideário social e nas
legislações familistas que a esse fim se destinam.
A presença da família nos sistemas de proteção social não é uma inovação.
Analisá-la, hoje, possibilita, entretanto, observar diferentes concepções que
determinam graduações díspares da intervenção pública e contribuem para a
formulação de políticas públicas sociais mais expressivas das demandas e da
possibilidade de avanços societários.
40 Pode-se aprofundar no texto 139 da OIT-Brasil: A Abordagem da OIT sobre a Promoção da Igualdade de Oportunidades e Tratamento no Mundo do Trabalho. Brasília, em 8 de março de 2010. Disponível em:<www.oitbrasil.org.br/topic/gender/doc/08_marco_2010_ texto_139pdf>.
124
CAPÍTULO 4. UMA EXPERIÊNCIA DE COOPERAÇÃO
INTERNACIONAL PARA PROTEÇÃO SOCIAL DE CRIANÇAS,
ADOLESCENTES E FAMÍLIAS
Sendo a família o núcleo fundamental da sociedade e
o ambiente natural para o crescimento, o bem-estar e a proteção das crianças,
os esforços devem-se voltar primariamente para possibilitar
que uma criança permaneça no seio da família ou
retorne aos cuidados dos pais ou, quando apropriado,
de parentes próximos.
Ao Estado, cabe a responsabilidade de assegurar que as famílias
tenham acesso aos meios necessários de apoio
em sua função de
prestadoras de cuidados.
(ONU, 2009, II-3, p. 3)
Este capítulo apresenta os estudos sobre a pesquisa de campo realizada
entre cidades sócias da América Latina e Europa com o objetivo de identificar
políticas públicas desenvolvidas para a garantia das convivências familiar e
comunitária de crianças, adolescentes e famílias, em situação de vulnerabilidade
social.
A cooperação internacional teve como participantes governamentais a cidade
de Milão, na Itália, e Nantes, na França, pela Europa. E pela América Latina,
Bellavista, no Peru, e Soriano, no Uruguai, sob a coordenação da cidade de São
Bernardo do Campo, no Brasil, desenvolvida por intermédio da Fundação Criança de
São Bernardo do Campo. Também teve a parceria da Associazione Amici dei
Bambini (Aibi), organização não governamental que opera, desde 1986, na Itália,
com filiais em 32 países no mundo, dentre eles, o Brasil, a França e o Peru.
Política Pública é definida como os conteúdos concretos da decisão política e
representada por um conjunto de ações, programas, projetos, serviços ou normas de
iniciativa governamental, que assegura direitos sociais. Nesta análise, consideramos
125
a legislação, os benefícios e os serviços específicos de proteção social à criança, ao
adolescente e suas famílias, ou seja, é articulado o direito de convivência familiar da
criança com a existência de políticas públicas de apoio às capacidades familiares
para a proteção de seus filhos.
Classificada no gênero de pesquisa prática, a metodologia adotada à luz do
estudo teórico sobre família, Estado e proteção social, utiliza-se da pesquisa
documental, pesquisa participante do tipo pesquisa-ação e outras técnicas de
levantamento de dados, como entrevistas, questionários, documentos oficiais e
também o intercâmbio presencial em seminários, oficinas, visitas técnicas, capazes
da troca e construção de conhecimentos (DEMO, 1995; SILVA, 1986; THIOLLENT,
1984).
São apresentados, neste capítulo, a constituição, a dinâmica e os objetivos do
projeto comum, considerado como uma forma de governança indutora da construção
de políticas públicas, haja vista sua capacidade de inserir nas agendas políticas
locais temas estratégicos. Em seguida, a metodologia da pesquisa desenvolvida, os
sujeitos da pesquisa e os dados coletados, acompanhados de análise comparada.
Os dados permitem uma breve caracterização socioeconômica das
localidades parceiras, o reconhecimento das expressões da questão social que
conduzem crianças e adolescentes ao acolhimento institucional, o perfil de famílias
com demanda de proteção social, e políticas públicas desenvolvidas de apoio à
convivência de crianças, adolescentes e famílias, em situação de vulnerabilidade.
Conclui com a confirmação da hipótese de que a convivência familiar de
crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social é uma questão de
políticas públicas direcionadas à proteção social da família que, na atualidade, em
decorrência das transformações estruturais, demanda ações coletivas mais
diversificadas para fortalecer sua capacidade de proteção econômica e relacional.
4.1 O PROJETO DE COOPERAÇÃO DESCENTRALIZADA ENTRE
LOCALIDADES DA AMÉRICA LATINA E EUROPA
4.1.1 O projeto comum: antecedentes, concepção, objetivos e dinâmica
126
O projeto de cooperação internacional, originalmente intitulado: Os Pobres
Negligenciados pela Pobreza: Situações de Abrigamento e Desabrigamento de
Crianças e Adolescentes foi proposto por ocasião da Conferência Internacional da
Rede 10 de Enfrentamento à Pobreza Urbana41 do Programa URB-AL, realizada na
cidade de São Paulo, em setembro de 2005.
O URB-AL é um programa da União Europeia que tem o objetivo de
desenvolver redes temáticas42 de cooperação descentralizada entre governos locais,
regionais e sociedade civil, da América Latina e Europa, visando ao intercâmbio de
experiências entre os parceiros interessados em encontrar soluções compartilhadas,
para problemas comuns (SÃO PAULO, 2005).
Um processo de articulação, local e global, que pode ser classificado,
conforme denominado por Ilse Scherer-Warren (2006) como “novas formas de
governança na organização em rede”43, realizada a partir da “identificação de
sujeitos coletivos em torno de valores, objetivos ou projetos em comum, os quais
definem os atores ou situações sistêmicas antagônicas que devem ser combatidas e
transformadas” (p. 113).
A cooperação internacional sempre fortemente mais realizada no âmbito dos
Estados nacionais, com o programa URB-AL, possibilita a organização e a
transferência de recursos para a troca de conhecimentos diretamente para as
cidades. E, além da descentralização, o aporte inovador da URB-AL é “a
substituição do conceito tradicional de ‘transferência de ideias, conhecimento e
41 A Rede 10 - Luta Contra a Pobreza Urbana foi coordenada pela Prefeitura do Município de São Paulo com funcionamento de 2002 a 2005; fez parte da segunda fase do Programa URB-AL e contou com 140 sócios, sendo 108 governos locais ou regionais, e 32 externos, compostos por agências de cooperação e instituições da sociedade civil. Ao todo, estavam envolvidos 24 países, dos quais 17 eram da América Latina, a saber: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Equador, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela; e 7 da União Europeia: Alemanha, Bélgica, Espanha, França, Grécia, Itália e Portugal. Disponível em: < www.prefeitura.sp.gov.br/urbal/pt/.../documento_final>. 42 O programa URB-AL já teve a finalização de duas fases do projeto. A primeira fase ocorreu de dezembro 1995 a fevereiro de 1998 e abordou oito grandes temas: 1. Drogas e cidade; 2. Conservação dos contextos histórica urbanos; 3. A democracia na cidade; 4. A cidade como promotora de desenvolvimento econômico; 5. Políticas sociais urbanas; 6. Meio ambiente urbano; 7. Gestão e controle da urbanização; 8. Controle da mobilidade urbana. A segunda fase foi de dezembro de 2000 a abril 2006, teve a inclusão de cinco novos temas: 9. Financiamento local e o orçamento participativo; 10. A luta contra a pobreza urbana; 11. Habitações na cidade; 12. Promoção das mulheres nas instâncias de decisão locais; 13. Cidade e sociedade da informação; e 14. Segurança cidadã na cidade. 43 A autora nomina o conceito teórico, de rede de movimento social, uma ocorrência da atualidade, manifesta em formas de organização da sociedade por atores privados e também públicos (SCHERER-WARREN, 2006).
127
experiências’ pela premissa de ‘intercâmbio mútuos de ideias, conhecimento e
experiências entre todos os atores’” (URB-AL, 2004, p.5).
Os projetos comuns, derivados dos temas centrais da Rede, para sua
organização devem possuir de 5 a 15 parceiros e ter na composição dos membros a
proporcionalidade geográfica de 40% da Europa e 60% da América Latina. A
coordenação é realizada por uma municipalidade, considerado como sócio de pleno
direito, observada a proporcionalidade de cinco sócios de pleno direito, para a de um
sócio externo, como é classificado o membro não governamental (SÃO PAULO,
2005; ZOLA, 2008b).
Quanto à classificação, os projetos são enquadrados como do tipo A, para
aqueles voltados à realização de estudos, e do tipo B, só possível depois do
primeiro, para os direcionados à intervenção local. Possuem financiamento, de até
no máximo dois anos para execução e os recursos são repassados, diretamente
para a cidade coordenadora. (SÃO PAULO, 2005; ZOLA, 2008b).
O projeto de cooperação, proposto nas Conferências Internacionais da Rede
Temática são aprovados pelo programa URB-AL, conforme aderência temática,
inovação e aplicabilidade em outras coletividades. São valorizadas as ações
participativas e o modelo replicado localmente de articulação em rede, “promovendo
para isto a melhoria das políticas públicas e a extensão e consolidação de práticas
de governabilidade democrática” (URB-AL, 2004, p. 6).
Coordenado pelo Município de São Bernardo do Campo (SP), Brasil, por
intermédio da Fundação Criança, é caracterizado como um projeto de estudos e
teve a adesão, pela América Latina, de Bellavista, no Peru, Soriano, no Uruguai, e,
pela Europa, a cidade de Milão, na Itália, e Nantes, na França. A Aibi é o parceiro
não governamental (ZOLA, 2008b).
Realizado de janeiro de 2007 a junho de 2008, o projeto comum
fundamentou-se na troca de experiências sobre as políticas públicas desenvolvidas
para a garantia da convivência familiar e comunitária de crianças, adolescentes e
famílias, em situação de vulnerabilidade social. Seus principais objetivos e produtos
são destacados a seguir:
• Identificar as legislações existentes nas cidades sócias; • Identificar a rede de serviços de proteção social das cidades
sócias; • Identificar e realizar o intercâmbio de best practices em dois
Encontros Internacionais;
128
• Instrumentar os atores envolvidos para articulação da Rede Local de Serviços;
• Desenvolver um site; • Editar uma revista/livro com os resultados. (ZOLA, 2008b, p. 10).
A metodologia de trabalho comum contou com comunicação virtual realizada
durante todo o projeto, acompanhada de dois encontros internacionais com cinco
dias de duração cada, envolvendo diretamente cerca de 400 participantes, em
seminários, oficinas e visitas técnicas. Cada localidade também realizou um
encontro com sua rede de serviços de proteção social visando à replicabilidade da
experiência e a construção de uma rede local.
O primeiro encontro internacional, ocorrido em São Bernardo do Campo (SP),
Brasil, deu-se de 10 a 14 de setembro de 2007 e, o segundo, em Milão, Itália, de 12
a 16 de maio de 2008. Os seminários internacionais, com 8 horas de duração, foram
abertos aos interessados e as oficinas e visitas técnicas contaram com a presença
de três representantes por parceiro do projeto. As cidades que promoveram os
encontros internacionais ampliaram o convite para alguns especialistas ou
convidados estratégicos, como técnicos, gestores, juiz da Vara da Infância e
Juventude, dentre outros, totalizando a participação de 25 membros por oficina. As
visitas técnicas foram realizadas em serviços de proteção social a crianças,
adolescentes e famílias.
O seminário de abertura, realizado no dia 11 de setembro de 2007, no
município de São Bernardo do Campo, teve como tema “O Direito à Convivência
Familiar e Comunitária e contou com o apoio da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP), representada no seminário pela Profa. Dra. Marta Campos e
da Fundação Prefeito Faria Lima – Cepam - Centro de Estudos e Pesquisas de
Administração Municipal.
Por escopo, o seminário articulou as temáticas da pobreza e do abandono, o
papel da família e das políticas públicas para a proteção social de crianças e
adolescentes. Foi apresentada a legislação de proteção social dos países membros,
além da exposição do diagnóstico situacional e dos serviços existentes nas cidades
parceiras da Europa e América Latina. Contou com uma análise comparativa das
experiências relatadas, realizada pelas debatedoras, Maria do Carmo Meirelles, pela
América Latina, e Isa Guará, pela Europa.
129
As oficinas, realizadas nos dias 12 e 13 de setembro, foram gravadas e
posteriormente transcritas as fitas. As visitas técnicas ocorreram nos dias 10 e 14 de
setembro, nos serviços da Fundação Criança de São Bernardo do Campo ou da
rede municipal de serviços voltados ao acolhimento institucional de criança, de apoio
sociofamiliar, em centros da criança e juventude, e no programa de atenção à
situação de rua. Todas as atividades contaram com tradução nos idiomas português,
espanhol, italiano e francês.
A seguir, no Quadro 1, é apresentada a agenda de trabalho do seminário, das
oficinas e das visitas técnicas realizadas.
Quadro 1. Programação do I Encontro de Cooperação Internacional 10 de setembro de 2007 Abertura do I Encontro de Cooperação Internacional Visitas técnicas a programas de proteção social do Município de São Bernardo do Campo 11 de setembro de 2007 Programação do I Seminário de Cooperação Internacional 8:00 – 9:00 Café da manhã. Credenciamento dos participantes 9:00 – 9:40 Abertura oficial - prefeito do Município de São Bernardo do Campo: Dr. William Dib e autoridades locais 9:40 – 11:40 Conferências A situação da pobreza e do abandono - conferencista: Luca Chiaramella, AiBi-Itália O papel da família e da rede de proteção social - conferencista: Profa. Dra. Marta Campos, PUC-SP Coordenação: Marlene Bueno Zola, diretora presidente da Fundação Criança de São Bernardo. 11:40 – 12:00 Situação da legislação específica nas cidades / países membros - expositor: Prof. Marcelo Moreira Neumann, Universidade Mackenzie-SP 12:00- 13:30 - Almoço 13:30 – 14:00 - Apresentação cultural de crianças / adolescentes da Fundação Criança 14:00 – 15:30 - Mesa de debate com as experiências práticas das cidades parceiras da Europa - expositores: Brigitte Rabault, Nantes/França. Monica Dragone, Milão/Itália Debatedora: Isa Guará -Instituto Camargo Correa – Projeto Abrigar Coordenação: Anna Bonizzi, da AiBi 15:30 – 15:50 Intervalo para Café 15:50 – 17:30 - Mesa de debate com as experiências práticas das cidades parceiras da América Latina, expositores: Marlene Bueno Zola, São Bernardo do Campo / Brasil; José Luis Perazza, director de Asuntos Sociales, secretário de Soriano/Uruguai; Juan Sotomayor, prefeito de Bellavista /Peru Debatedora: Maria do Carmo Meirelles - Cepam Coordenação: Carolina do Rocio Klomfahs – Fundação Criança SBC. 17:30 - Apresentação cultural de adolescentes da Secretaria de Educação e Cultura de SBC. Encerramento 12 de setembro de 2007 Oficina técnica: Legislações específicas das cidades parceiras para a proteção social de crianças e adolescentes Oficina técnica: A situação dos abrigos e alternativas ao abrigamento a criança e adolescente nas cidades sócias 13 de setembro de 2007 Oficina técnica: A convivência familiar e comunitária nas cidades sócias Oficina técnica: Questões administrativas e o desenvolvimento do projeto comum 14 de setembro de 2007 Visitas técnica e turística Fonte: Fundação Criança de São Bernardo do Campo, 2007.
130
O II Seminário de Encerramento foi realizado no dia 14 de maio de 2008, na
cidade de Milão, na Itália. Com o tema O Direito à Convivência Familiar e
Comunitária, contou com o apoio da Universidade Católica do Sagrado Coração de
Milão que foi representada pela professora Eugenia Scabini, proferindo a palestra,
As Políticas de Proteção Social e o Papel da Família.
O escopo do seminário baseou-se na importância das redes de serviços e de
compromisso social para assegurar às crianças e aos adolescentes o direito à
convivência familiar e comunitária. Na atualidade, várias são as abordagens e o
referencial teórico de rede (CAMPOS, 2004; JUNQUEIRA, 2002; INOJOSA, 2001).
O encontro contou com a presença da Profa. Marta Campos proferindo a palestra A
Convivência Familiar e Redes Sociais.
O seminário abordou as redes públicas das cidades sociais, destacou as best
pratices, consideradas como diferencial de cada cidade ou país parceiro. Foram
apresentados o Plano Brasileiro de Convivência Familiar e Comunitária e a Rede
Social de São Bernardo do Campo, o Programa de Seguro Social a crianças e
mulheres grávidas e a Rede Social de Soriano, o Programa de Defensoria Municipal
da Criança e do Adolescente e a Rede Social de Bellavista. E, pela Europa, a Itália,
pioneira no tema da desinstitucionalização, apresentou o Programa de Famílias
Substitutas e a Rede Social de Milão. A França apresentou as políticas públicas
desenvolvidas de Proteção Judiciária e Administrativa de crianças e adolescentes,
acompanhada da Rede Social de Nantes.
As oficinas foram realizadas nos dias 13 e 15 de maio com a presença de
convidados especialistas. As visitas técnicas ocorreram no dia 16 de maio em
serviços conveniados com a Prefeitura de Milão, de forte tradição de trabalho
realizado em parceria com a sociedade civil. Foram visitados alguns tipos de
acolhimento institucional, intitulados comunidades educativas, acolhimento de mães
com filhos, moradia social para famílias e adolescentes, programa de inclusão
produtiva para jovens e um serviço em ambiente hospitalar, com uma nova
modalidade da roda dos expostos. Uma incubadora térmica acoplada a um cilindro
giratório, com a função de acolhimento de criança, localizado na cidade de Milão.
Todas as atividades contaram com tradução nos vários idiomas dos países sócios
do projeto.
A seguir, no Quadro 2, a agenda de trabalho do II Seminário, das oficinas e
visitas técnicas realizadas.
131
Quadro 2. Programação do II Encontro de Cooperação Internacional
12 de maio de 2008- Abertura do I Encontro de Cooperação Internacional 14 de maio de 2008- II Seminário de Cooperação Internacional. 09:40 – 10:30 Abertura Oficial Mariolina Moioli, assessora da Família, Escola e Política Social do Município de Milão. Maria Grazia Cavenaghi Smith, representante da Comunidade Europeia - Programa Urbal Marlene Bueno Zola, diretora presidente da Fundação Criança de São Bernardo do Campo – Cidade Coordenadora - Brasil Marco Grifini, presidente da AiBi – Associazione Amici dei Bambini 10:30 – 12:30 Conferências A criança e o adolescente fora da família: emergência humanitária do abandono - Marco Griffini, presidente da Aibi – Associazione Amici dei Bambini Milão - Itália. A convivência familiar e redes sociais - Profª. Drª.Marta Silva Campos, professora de Política Social e coordenadora do Núcleo de Estudos de Família da PUC-SP – Brasil As políticas de proteção social e o papel da família - Prof.ª Eugenia Scabini - professora da Psicologia Social da Família da Università Cattolica del Sacro Cuore de Milão. Coordenação: Marco Grandi, Escritório de Cooperação Internacional da Comune di Milano 14h00 – 15h50 Mesa de Debates com Experiências da América Latina. O plano brasileiro de convivência familiar e comunitária e a rede social de São Bernardo do Campo – Brasil, Expositora: Profª Marlene Bueno Zola – Brasil Programa de seguro social a crianças e mulheres grávidas e a rede social de Soriano – Uruguai, expositor José Luis Perazza, director de Asuntos Sociales de Soriano - Uruguai Programa de Defensoria Municipal da Criança e do Adolescente e a Rede Social de Bellavista – Peru, expositor: Juan Sotomayor Garcia – prefeito de Bellavista – Peru Coordenação: Carolina Klomfahs - Fundação Criança de São Bernardo do Campo - Brasil 16h10 – 17h30 Mesa de Debates com Experiências da Europa. Programas de famílias substitutas e a rede social de Milão – Itália, Egidio Turetti, Giovane Daverio e Laura Morelli - Comuni di Milano - Itália Proteção judiciária e administrativa de crianças e adolescentes e a Rede Social de Nantes – França, Brigitte Rabault, Capo di Servizio D’azione educativa e di parentela Direzione Generale – Aggiunta Al Consiglio Generale de La Loire Atlantique – Nantes - Francia Coordenação: Carmela Madaffari, Direttore Centrale Famiglia, Scuola e Politiche sociali del Comune di Milano – Itália. 17h30 Encerramento. 13 de maio 2008 Oficina Técnica: Apresentação realizada pelos representantes da América Latina e Europa sobre as Redes Sociais Locais/afinação de conceitos Oficina Técnica: A rede social: estratégia para proteção social 15 de maio de 2008 Oficina Técnica: Construção do site do projeto comum Oficina Técnica: Temas administrativos e desdobramentos da cooperação internacional 16 de maio de 2008 - Visitas Técnicas Fonte: Fundação Criança de São Bernardo do Campo, 2008.
4.1.2 A metodologia da pesquisa: um estudo prático em análise
comparada
Classificada no gênero de pesquisa prática, a partir da referência de Pedro
Demo (1995) que assim nomina as pesquisas voltadas à intervenção na realidade
social e como pesquisa participante, representada pela pesquisa-ação, em que se
132
considera a existência de uma relação dinâmica entre os sujeitos e o mundo real a
ser compreendido e, no caso, a ser transformado. (CHIZZOTTI, 2003/2006; SILVA,
1986; THIOLLENT, 1984)
Atualmente, existe concordância na área das ciências humanas e sociais,
sobre a insuficiência da apreensão e explicação de uma realidade apenas a partir da
frequência da ocorrência de um fenômeno, bem como, é questionada a neutralidade
do pesquisador, que se insere histórica e socialmente, tem juízos e valores de
análise e produz um conhecimento que se transforma numa explicação, num
discurso da realidade (CHIZZOTTI, 2003/2006; SILVA, 1986; THIOLLENT, 1984).
Nessa perspectiva, a pesquisa de campo realizada tem abordagem qualitativa
e análise comparada de seus resultados. A pesquisa qualitativa possui alguns
aspectos característicos, referentes à delimitação do problema, do pesquisador, dos
pesquisados. O problema não se limita ao levantamento de uma hipótese preliminar,
mas decorre de um processo indutivo, a partir da exploração dos contextos, dos
contatos participantes com o objeto e com os pesquisados, que conhecem e emitem
informação e juízo sobre o objeto. O pesquisador não é apenas relator, mas, sim,
um participante ativo e identificado com o problema. Sobre os pesquisados,
pressupõe-se a existência de um conhecimento prático e de representações
elaboradas sobre o objeto (CHIZZOTTI, 1991).
A opção pela pesquisa participante, do tipo pesquisa-ação, fundamenta-se no
reconhecimento de sua função estratégica para a construção de processos
cooperativos e emancipatórios, capazes de troca e construção de conhecimentos,
características desenhadas na metodologia e fins do projeto de cooperação
internacional. Possibilita a existência do compromisso teórico–prático, aliando o
conhecimento à mudança social, que também é apropriada pelos sujeitos da
pesquisa.
Michel Thiollent (1984) distingue pesquisa participante de pesquisa-ação.
Embora ambas sejam pesquisas participantes, a pesquisa-ação é centrada na ação
e não caracteriza todas as pesquisas participantes. Segundo o autor, diversos
estudiosos concebem a pesquisa participante, como técnica de observação, ao
passo que, na pesquisa-ação, pesquisador interage a partir de uma situação
planejada, direcionada à intervenção da situação-problema identificada, considerada
como estratégica para a organização, apropriação de conhecimento e intervenção
nas realidades prática e teórica.
133
Na América Latina, essa forma de abordagem de pesquisa está associada à
visão emancipatória; faz parte de projetos com ação social ou de solução de
problemas coletivos; e é, sobretudo, considerada como uma “metodologia de
resolução de problemas de natureza informacional e técnico-organizacional {...}”
(THIOLLENT,1984, p. 85). fundamentada em pressupostos democráticos e
direcionada à construção da cidadania.
Pedro Demo (1995) não faz distinções entre pesquisa participante e pesquisa-
ação, pois classifica ambas pela existência do compromisso com a prática e pela
sua dimensão política, ao aliar conhecimento à mudança social. Considera a prática
parte integrante do processo científico, condição e possibilidade de testar a validade
da teoria e do conhecimento, ao mesmo tempo em que a própria pesquisa prática
produz a intervenção na realidade, o que possibilita a sustentação da metodologia
de pesquisa proposta nesta tese.
Trata-se de uma pesquisa direcionada à melhor compreensão e intervenção
na realidade social em que se insere; possibilita a conjugação da teoria e da prática;
e se articula com a proposta atual de construção do projeto ético-político do Serviço
Social, vinculado a um projeto societário que se “posiciona a favor da equidade e da
justiça social, na perspectiva da universalização do acesso a bens e a serviços
relativos às políticas e programas sociais; à ampliação e à consolidação da
cidadania {...}” (NETTO, J. P., 1999, p. 16).
A metodologia da pesquisa, além da pesquisa participante durante toda a
consecução do projeto comum, das informações fornecidas durante a dinâmica em
rede virtual com abrangência de 18 meses e presencial, realizada em dois encontros
internacionais, já descritos no tópico anterior, contou com dois procedimentos
distintos e complementares para a coleta de informações e análise.
O primeiro envolveu o levantamento de dados com questionários,
classificados, segundo Antonio Carlos Gil (2009), como auto-aplicados, estruturado
pela autora e, de forma consultiva, contou com a colaboração de técnicos da
Fundação Criança de São Bernardo do Campo e da Aibi, também responsáveis pelo
preenchimento do pré-teste. Foi enviado por escrito aos respondentes, membros das
localidades parceiras do projeto comum, acompanhado de normas orientadoras para
o preenchimento.
O segundo procedimento, que será apresentado no item 4.2.2. deste capítulo,
é um levantamento de campo para identificação das famílias em sua demanda de
134
proteção social, realizado em um dos programas da Fundação Criança de São
Bernardo do Campo.
Quanto ao conteúdo do questionário, enviado aos parceiros da América
Latina e Europa, classificado como de abordagem sobre questões de fatos, foi
padronizado e respondido, pelos informantes, a partir de fontes oficiais, legislação e
institutos de pesquisa (GIL, 2009). Tiveram também apoio de técnicos da área, em
âmbito local, para o preenchimento, sendo assim classificados como informações de
autoridades públicas. Algumas dúvidas foram esclarecidas nos encontros
internacionais e, complementarmente, foram consultados sites oficiais das cidades44
e consulados dos países membros.
O questionário para o levantamento das informações foi dividido em quatro
temas e abordados e seguintes eixos de informação:
a) Identificação do município, dados populacionais e socioeconômicos;
b) Legislação específica de proteção especial à criança, ao adolescente e
às famílias;
c) Políticas públicas de proteção social direcionadas à criança, ao
adolescente e às famílias;
d) Informações complementares.
São considerados, como sujeitos da pesquisa, os representantes
institucionais que, diretamente, assinaram o contrato de parceria com a Comunidade
Europeia, ou por eles designados, considerados representantes das cidades sócias,
informantes ou expositores dos seminários internacionais.
Os informantes são as autoridades públicas, responsáveis institucionais pelos
dados fornecidos de suas cidades e países, no total de cinco sujeitos. Os
expositores são representantes governamentais das cidades/departamentos e
representes não governamentais, responsáveis pela exposição de fatos ou opiniões
sobre suas cidades nos seminários internacionais. Com função cumulativa em
algumas cidades, totalizam o número de 14 sujeitos significativos da pesquisa.
Os sujeitos são apresentados no Quadro 3, classificados por gênero,
graduação, representação institucional e tipo de participação na informação da
pesquisa.
44 Link de acesso a informações, ver o site elaborado a partir da parceria: http://urbalcrianca.org
135
Quadro 3. Perfil dos sujeitos classificados por localidade, conforme gênero, graduação, atuação profissional e tipo de participação na pesquisa
Cidade /País
Sujeitos da Pesquisa
São Bernardo (SP)/Brasil Sujeito 1. Feminino, graduada em Psicologia, pós-graduada em Serviço Social, secretária municipal de políticas para infância e juventude, informante responsável, expositora. Sujeito 2. Feminino, graduada em Psicologia, diretora técnica, expositora. Sujeito 3. Masculino, graduado em Psicologia, pós-graduado em Serviço Social, consultor técnico, expositor.
Soriano/ Uruguai Sujeito 1. Masculino, graduado em Administração, secretário do Departamento de Assistência Social, informante responsável, expositor.
Bellavista/ Peru Sujeito 1. Masculino, graduado em Direito, prefeito, informante responsável e expositor.
Milão/Itália Sujeito 1. Feminino, graduada em Letras e Comunicação, assessora de relações internacionais, informante responsável, expositora. Sujeito 2. Masculino, graduado em Serviço Social, técnico municipal, expositor. Sujeito 3. Feminino, graduada em Serviço Social, técnica municipal, expositora. Sujeito 4. Masculino, professor, secretário municipal, expositor.
Nantes/França Sujeito 1. Feminino, graduada em Ciências Jurídicas, gerente de Departamento dos Serviços Sociais, expositora. Sujeito 2. Masculino, graduado em Engenharia, gerente responsável por relações internacionais, informante responsável.
Aibi Sujeito 1. Feminino, graduada em Ciências de Processos socioeducativos, gerente técnica, expositora. Sujeito 2. Masculino, graduado em Serviço Social, gerente técnico, expositor. Sujeito 3. Masculino, graduado em Ciências Sociais e Políticas, diretor presidente, expositor.
Fonte: Elaborado pela autora.
Conforme dados apresentados, seis dos sujeitos são do gênero feminino e
oito masculino. Apesar das atividades relacionadas a assistência e proteção social
ter prevalência feminina, 43% dos sujeitos são mulheres e 57% homens o que
demonstra a forte presença masculina em cargos mais especializados de gestão.
Todos os sujeitos possuem escolaridade superior, em sua maioria absoluta com
formação na área das ciências sociais e humanas.
Em todas as cidades/departamentos, os sujeitos são as autoridades
responsáveis pela área de proteção social pública, sendo a representação, na
cidade de Bellavista, realizada pelo prefeito, comando máximo municipal. Esse dado
sugere o valor institucional atribuído ao projeto comum de cooperação internacional
que durante todo o seu processo contou com a presença das autoridades locais, na
qualidade de informantes e de expositores nos encontros realizados.
136
4.1.2.1 Breve caracterização das localidades da América Latina e
Europa parceiras do projeto de cooperação internacional
Os parceiros do projeto comum de cooperação internacional para proteção
social de crianças, adolescentes e suas famílias, da América Latina e Europa,
apresentam algumas similaridades e várias diferenças, apesar da identidade em
questionar as práticas institucionalizadas de proteção social e terem por perspectiva
o direito à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes, em
situação de vulnerabilidade social.
A França e o Uruguai possuem organização político-administrativa por
departamentos. Nantes é classificada como uma região metropolitana considerada a
sétima maior conurbação francesa. Soriano é classificado como região de 10a
grandeza populacional do Uruguai e tem Mercedes como sua cidade de maior porte.
As duas regiões são representadas no projeto comum pelos departamentos.
Bellavista é um distrito da cidade de Callao, na região metropolitana de Lima. São
Bernardo do Campo e Milão são representados por suas prefeituras.
Os dados coletados, com informações mais detalhadas, são apresentados
aqui numa breve caracterização, capaz de indicar a distinção de dados
populacionais e socioeconômicos que possibilitam reconhecer o porte e os aspectos
diferentes das condições e do desenvolvimento social dos parceiros.
A Tabela 1 contém dados numéricos e percentuais da população geral e da
população infanto-juvenil, dos sócios do projeto comum, referentes ao ano de 2007.
Tabela 1. Dados e percentagem da população geral e de crianças e adolescentes, por parceiro do projeto comum
Parceiros/País População total %
Total de crianças
%%
Total de adolescentes
%%
São Bernardo/Brasil 792.617 100
182.280 2
23,06 94.372
111,90
Soriano/Uruguai* 84.563 100
19.062 2
22,54 8.678
110,26
Bellavista/Peru 90.218 100
20.157 2
22,34 10.721
111,88
Milão/Itália 1.308.981 100
135.452 1
10,35 55.021
44,20
Nantes/França** 577.000 100
79.597 1
13,79 66.002
111,44
Fonte: Elaborada pela autora.*Região de Soriano. **Região metropolitana de Nantes
137
Conforme indicam os dados da Tabela 1, os parceiros possuem portes
diferentes, se consideradas as diferenças populacionais, seja referente à população
total, como as específicas de crianças e adolescentes. Pela América Latina, Soriano
e Bellavista são de médio porte, e São Bernardo do Campo é um município de
grande porte. Milão é uma metrópole e Nantes é de grande porte45.
Ao analisar a população infanto-juvenil, São Bernardo é maior em números
absolutos, com 276.652, e a menor é Soriano, com 27.740 crianças e adolescentes.
São Bernardo possui também a maior população infanto-juvenil se comparada às
demais cidades, representada por 34,96% da população geral, sendo imediatamente
seguida por Bellavista, com 34,22%, ao passo que Milão representa a menor
população infanto-juvenil, com 14,55% do total populacional. A região metropolitana
de Nantes possui 25,23% da população de crianças e adolescentes e Soriano
32,80% da população geral.
Os dados populacionais apresentados reafirmam as características da
América Latina com população mais jovem que a europeia. E a cidade de Milão
destaca-se pela baixa reposição populacional, um traço destacado nas cidades com
alto grau de familismo na proteção social. Esping-Andersen (2009) ressalta o
paradoxo atual sobre os modelos de proteção social fundados em políticas
familistas, em que, em vez de estimular a família, tem impedido sua formação. O
trabalho feminino, a ausência de serviços públicos de cuidados infantis, a
permanência dos filhos com idade avançada morando com os pais, reduz os
casamentos e o nascimento de filhos. O autor compara a taxa de maternidade
francesa, próxima de 2, e a italiana, com 1,2 de taxa de reposição populacional.
Também são diferentes as características econômicas dos parceiros. São
Bernardo do Campo é uma cidade da Região Metropolitana de São Paulo,
considerada no ABC paulista como o quarto mercado consumidor. Sua economia
está baseada na indústria, especialmente no setor automobilístico, tendo em seu
território as maiores montadoras do País. Na atualidade, a economia crescente é no
setor comercial e de serviços, com a taxa de participação da população
economicamente ativa, sobre a população e idade ativa, de 63,5%.
45 A referência para comparação do porte das instituições parceiras é baseada na classificação do IBGE, sendo, entretanto, destacada, neste item, a grandeza populacional dos departamentos para seus países.
138
Soriano tem na agricultura a principal atividade econômica e é o principal
produtor de cereais do país, com grande mercado agroindustrial destinado à
exportação de seus produtos. A pecuária é outra atividade importante da região,
além dos recursos naturais explorados pelo turismo. O Uruguai é o segundo menor
país e economicamente é um dos mais desenvolvidos da América do Sul.
Nantes é a sexta maior cidade da França, localizada ao norte do país, e
destaca-se por sua qualidade de vida, patrimônio cultural e gastronomia. É
considerada um polo de ensino, pesquisa e alta tecnologia e cerca de 90% da
população de ativos ocupados são assalariados, com aproximadamente 80% de
seus empregos formais privados, localizados no setor terciário.
Milão é a cidade com a maior renda per capta da Itália e com um custo de
vida entre os mais altos da Europa. Sua área metropolitana é uma das mais
articuladas e complexas da Europa, visto que lá vive e trabalha cerca de 6,5% da
população italiana, onde estão localizadas as principais atividades empresariais e
um sistema econômico que produz 10% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. É
sede das maiores empresas nacionais, internacionais e multinacionais. É o principal
polo financeiro do país, reconhecido, também, por suas atividades no âmbito da
moda e do design.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)46, que analisa três dimensões
básicas do desenvolvimento humano: uma vida longa e saudável medida pela
expectativa de vida; o conhecimento, medido pela taxa de alfabetização e
escolarização; e um nível de vida digno, considerado pela renda média existente,
possibilita identificar algumas similaridades entre as cidades sócias, com, entretanto,
acentuada diferença no quesito taxa de mortalidade infantil, como se observa na
Tabela 2.
46 Para aprofundamento, ver o Relatório do Desenvolvimento Humano 2004, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - 2004, em que são desmembrados os indicadores que compõem o IDH. O IDH varia de 0 a 1, sendo considerado como alto desenvolvimento humano, valor acima de 0,8; médio desenvolvimento humano, de 0,5 a 0,799; e baixo desenvolvimento humano, até 0,499. A fórmula para o cálculo pode ser observada na Nota Técnica 1, p. 258-259.
139
Tabela 2. Índice de desenvolvimento humano, taxa de mortalidade infantil e taxa de analfabetismo, por parceiro do projeto comum
Parceiros /País IDH Mortalidade infantil Taxa de analfabetismo
São Bernardo/Brasil 0,834 12,45 4,98% Soriano/Uruguai 0,837 13,71 2,40% Bellavista/Peru 0,738 25,00 - Milão/Itália 0,940 2,80 0,4% Nantes/França 0,925 3,30 1,3% Fonte: Elaborada pela autora com dados de 2007.
Os dados da Tabela 2 permitem identificar que Bellavista, no Peru, é
classificada com IDH de médio desenvolvimento e os demais parceiros, apesar de
valores diferentes, têm desenvolvimento humano considerado alto. São Bernardo do
Campo apresenta um IDH de 0,834, tendo um desenvolvimento melhor do que a
média brasileira, de 0,792, classificada como de médio desenvolvimento.
A taxa de mortalidade infantil, outro indicador monitorado em escala mundial,
consiste no número de mortes de crianças de 0 a 5 anos de vida observadas
durante um ano, referidas ao número de mil nascidos vivos, no mesmo período. O
pior índice é observado em Bellavista, com 25,00 mil mortes por mil e o melhor
indicador de saúde infantil é o de Milão, com 2,80 por mil, seguido por Nantes, 3,30.
São Bernardo possui um índice de 12,45, melhor que o de Soriano, com 13,71
mortes em mil crianças nascidas vivas.
Considerado um indicador associado às condições de pobreza, pelas
condições de saneamento básico e de alimentação, para o mesmo período, São
Bernardo possui melhor resultado que o índice brasileiro, com uma taxa de
mortalidade infantil de 27,62. Classificada, portanto, sob o ponto de vista deste
indicador e do IDH, com melhor desenvolvimento do que a média nacional.
As condições de saneamento básico, apresentadas na Tabela 3, a seguir, é
outro indicador socioeconômico relacionado às condições de saúde e à qualidade de
vida que possibilita comparar as cidades sócias.
140
Tabela 3. Dados de domicílios sem esgoto, água encanada e coleta de lixo, por parceiro do projeto comum
Parceiros /País Domicílios sem esgoto
Domicílios sem água encanada
Domicílios sem coleta de lixo
São Bernardo/Brasil 14,0% 2,0% 0,0% Soriano/Uruguai 4,2% 8,8% - Bellavista/Peru - - - Milão/Itália 0,4% 0,05% 0,0% Nantes/França* 0,0%** 0,0% 0,0% Fonte: Elaborada pela autora com dados de 2007. *Região metropolitana de Nantes ** 90% em saneamento coletivo e 10% autônomo, são admitidos, esses casos, em algumas áreas da periferia, desde que dentro das normas europeias.
Os dados disponíveis na Tabela 3 apontam Nantes com os melhores
indicadores de saneamento básico, na composição das três referências: coleta de
esgoto, água encanada e coleta e disposição final do lixo. São Bernardo do Campo
apresenta o maior índice de domicílios sem esgotamento sanitário, em relação às
demais cidades sócias, com 14,0%, entretanto, um dado qualitativamente superior à
média brasileira, com uma rede de esgoto de 55,2%, segundo dados da Pesquisa
Nacional de Saneamento Básico realizada pelo IBGE no ano de 2008. Milão
apresenta 0,4% de domicílios sem tratamento de esgoto, seguido de Soriano, com
4,2%.
O tratamento da água, outro elemento da composição sobre o saneamento
básico, mostra a cidade de Soriano com o pior índice, de 8,8%, e Nantes com o
melhor, tendo a totalidade dos domicílios com água tratada, seguido de Milão, com
0,05%, e São Bernardo, com 2,0%. Os dados referentes ao manejo dos resíduos
sólidos, que inclui coleta e destinação final do lixo e limpeza pública, têm cobertura
de 100% nas cidades de São Bernardo, Milão e Nantes. Os dados de Bellavista não
foram disponibilizados.
Quanto à escolaridade, o maior índice de analfabetismo, indicador associado
à extrema pobreza, é observado em São Bernardo do Campo, com 4,98%, e o
menor, em Milão, de 0,4%, seguido de Nantes, com índice de 1,3%. Soriano é o que
possui menor número de analfabetos, dos parceiros da América Latina, com 2,4%, e
não é disponibilizado esse indicador da cidade de Bellavista.
São Bernardo do Campo, apesar do maior índice de analfabetos dos
parceiros do projeto comum, possui indicador menor que a média brasileira, de
141
11,1% para igual período. Segundo levantamento47 elaborado pela Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) com base nas estimativas da
população de 15 anos ou mais em áreas urbanas da América Latina e do Caribe, o
Brasil possui a 9a maior taxa de analfabetismo da América Latina. Reduzir esse
indicador é um desafio brasileiro, que apesar de evolução apresentada48, demonstra
uma prioridade a ser enfrentada.
A breve caracterização permite distinguir diferenças demográficas e de
desenvolvimento socioeconômico das cidades parceiras, determinações que alteram
as demandas dos serviços em quantidades e tipologias, entretanto, mantém a
identidade em relação ao estudo da prática do acolhimento institucional da
população infanto-juvenil e de políticas de apoio à convivência familiar,
apresentadas a seguir.
4.2 EXPRESSÕES DA QUESTÃO SOCIAL QUE CONDUZEM AO
ACOLHIMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
4.2.1 A frequência e a motivação do acolhimento institucional nas
cidades parceiras do projeto comum
Vários são os motivos que conduzem crianças e adolescente para o
acolhimento institucional. É tipificado49 como uma modalidade de proteção especial
de alta complexidade destinada a indivíduos e/ou famílias com vínculos familiares
rompidos ou fragilizados. Com caráter de excepcionalidade, para as crianças e
adolescentes, destinam-se a proteção de situações de risco pessoal e social, cujas
famílias ou responsáveis encontram-se, temporariamente, com impossibilidade de
fazê-lo (BRASIL, 2009b).
47 Jornal Folha de S. Paulo, de 28 set. 2007. 48 Tendo como referência a publicação do IBGE, Síntese de Indicadores Sociais de 2000, o Brasil, com taxa de analfabetismo de 20,10%, em 1991, passou para 13,60, no ano de 2000, e, conforme dados acima mencionados, para 11,1%, em 2007. 49 A Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, recente na realidade brasileira, foi prevista pela Resolução 109, do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), de 11 de novembro de 2009. Publicada no Diário Oficial da União em 25 de novembro de 2009.
142
Com recente prescrição na realidade brasileira, os serviços destinados à
criança e ao adolescente também são extensivos às que possuem deficiência; são
previstos acolhimento provisório para mulheres vitimas de violência doméstica,
acompanhadas ou não de seus filhos (BRASIL, 2009b).
Reconhecer a prática do acolhimento institucional conduziu-nos a investigar
seu dimensionamento e motivação nas instituições públicas parceiras da América
Latina e Europa.
A Tabela 4 possibilita identificar a frequência do acolhimento institucional de
crianças e adolescentes por parceiro.
Tabela 4. Frequência e percentagem de crianças e adolescentes em acolhimento institucional, por parceiro do projeto comum
Parceiro /País Total geral %
Total de criança
% Total de
adolescente %
São Bernardo/Brasil
224 100 135 60,28 89 39,72
Soriano/Uruguai 53 100
36 67,92 17
32,08
Bellavista/Peru 127 100
... ... ... ...
Milão/Itália 1.018 100
348 4,18 670
65,82
Nantes/França
1.218 100 826 67,82 392 32,18
Fonte: Elaborada pela autora com dados de 2007.
Os dados demonstram, em números absolutos, altos índices de acolhimento
institucional nas cidades europeias, especialmente na região metropolitana de
Nantes, comparativamente aos acolhimentos realizados na América Latina.
Apesar de menor número de crianças e adolescentes de Nantes,
comparativamente a São Bernardo, conforme dados da Tabela 2, observa-se, na
Tabela 4, mais de cinco vezes o número de vagas de acolhimento institucional de
Nantes em relação a São Bernardo. O mesmo pode ser observado
comparativamente às outras cidades da América Latina. Nantes possui mais vagas
de acolhimento, também proporcionalmente aos números absolutos de crianças e
adolescentes existentes na cidade de Milão.
A análise desse fato numérico indica a necessidade de aprofundamento sobre
as formas de acolhimento, mas suscita a existência de diferentes concepções que
envolvem o tema da institucionalização entre os sócios. Sugere, além do seu
143
questionamento sobre a quebra dos vínculos familiares e comunitários para as
crianças, também, a necessidade de aprofundar dimensões econômicas e de
acesso à cidadania.
O acolhimento institucional nas cidades europeias, como se observa no
Quadro 9, posteriormente, representa a existência de uma especializada e
diversificada rede de serviços. Como, por exemplo, moradias para mães
adolescentes e filhos, mães adultas e filhos, comunidades terapêuticas, dentre
outras modalidades de serviços.
Nos parceiros da América Latina, inclusive pela ausência de diversificação,
estão computados como acolhimento institucional serviços públicos que
proporcionam a guarda de crianças e adolescentes desprotegidas dos pais.
No Brasil, a institucionalização dialeticamente fundada no abandono ou
incapacidade familiar de prover proteção de seus filhos, sintetiza múltiplas situações
não identificadas pelas políticas públicas e, por sua vez, atendida exclusivamente
por essa forma de acolhimento institucional. Nessa visão, encerra, além do
rompimento de vínculos familiares e comunitários e a falta de humanização presente
nesses espaços públicos, também, uma aspiração de direitos de cidadania em
relação a uma histórica ausência de proteção pública. Questionar o acolhimento
institucional possibilita, também, desvelar diferentes expressões de violação de
direitos sociais com demanda de proteções específicas.
Nos parceiros europeus, sugere pela quantidade de serviços existentes,
avanços na percepção sobre as situações presentes no acolhimento institucional. A
diversificação dos serviços incorpora o reconhecimento de direitos violados e, por
sua vez, pode manter a cultura institucional de proteção.
A dimensão econômica considerada nesse debate está relacionada aos
custos desses serviços para o Estado. Em países com maior cobertura de serviços
públicos, tendentes na atualidade à retração e ao declínio do compromisso estatal, a
terceirização ou as iniciativas familiares são consideradas. Martin (1995) alerta para
a solução encontrada por muitos países europeus para enfrentar a crise financeira
da proteção social proclamando o modelo do welfare mix, no qual é inserida a
família e outras formas de privatização da proteção social.
Outro indicador destacado na Tabela 4 é o grande número de adolescentes
acolhidos na cidade de Milão, com 65,82%, contra uma média de 35%, nas cidades
sócias, que, inversamente, possuem mais crianças em acolhimento do que
144
adolescentes. O fato pode se justificar pelas situações de menores de idade
estrangeiros que se deslocam para Milão em busca de emprego e sobrevivência. O
que demanda também serviços mais diferenciados de proteção social.
Para melhor compreender as expressões da questão social que tem
conduzido crianças e adolescentes ao acolhimento institucional, nas diferentes
cidades, consultamos os parceiros do projeto comum e apresentamos, no Quadro 4,
as seis principais situações, conforme sua ordem de ocorrência.
Quadro 4.Motivação de acolhimento institucional por ordem de ocorrência nas cidades parceiras do projeto comum
Ordem São Bernardo
do Campo Soriano Bellavista Milão Nantes
1o Conflito familiar
Pobreza Deficiência ou transtorno de personalidade
Situação de rua de estrangeiros
Negligência
2o Negligência Mendicância Negligência Violência doméstica
Violência doméstica
3o Violência doméstica
Violência doméstica
Órfãos/ Abandonados
Abuso e exploração sexual
Abuso e exploração sexual
4o Situação de rua
Deficiência ou transtorno
de personalidad
e
Violência doméstica
Negligência Órfãos/
Abandonados
5o
Doença dos pais, inclusive
o uso de drogas
Situação de rua
Situação de rua Doença dos
pais, inclusive o uso de drogas
Pobreza
6o Órfãos/ Abandonados
Doença dos pais,
inclusive o uso de drogas
Pobreza Pobreza Doença dos
pais, inclusive o uso de drogas
Fonte: Elaborado pela autora.
Apesar da subjetividade da classificação das situações pelos informantes, na
medida em que não existe uma categorização conceitual delas, pode-se considerar
que, em graduações diferentes, a forma de acolhimento institucional é utilizada para
situações de conflito familiar que avançam para a violência doméstica; problemas de
saúde da criança, do adolescente ou da família; pobreza; situação de rua; abuso e
exploração sexual; e situações de orfandade e abandono.
Presente em todas as localidades, o acolhimento institucional por violência
doméstica é o que ocorre com mais freqüência. Em sequência, também apontado
145
por todos os sócios, estão classificados os problemas de saúde, expressos em
doença dos pais, inclusive uso de drogas e deficiência ou transtorno de
personalidade da criança ou do adolescente.
À exceção da cidade de São Bernardo do Campo, a pobreza é apresentada
entre os seis principais motivos de acolhimento institucional para os demais
parceiros. Em Soriano, é indicada também a mendicância e as cidades europeias
destacam essa ocorrência entre a população imigrante. Fato já ressaltado na cidade
de Milão, expresso na Tabela 5, com alto índice de adolescentes estrangeiros, em
busca de trabalho, que são acolhidos institucionalmente.
A situação de rua, à exceção de Nantes, é apontada pelos demais parceiros
como motivação de acolhimento e sua ocorrência é atribuída, pelos informantes, à
violência doméstica, exploração sexual, ao trabalho infanto-juvenil e à pobreza.
O abandono e a orfandade são destacados como ocorrência por três dos
sócios: São Bernardo, Bellavista e Nantes, e o abuso e exploração sexual de
crianças e adolescentes pelos dois parceiros europeus.
Os motivos sintetizam, nos locais de acolhimento institucional, histórias e
dificuldades diversas e expõem a complexidade das violações de direitos sociais de
crianças, adolescentes e também de famílias. “A história-bagagem que a criança ou
o adolescente leva para o abrigo não é marcada apenas por experiências negativas”
(ELAGE, 2010). As famílias devem ser reconhecidas em suas dificuldades e
capacidades.
4.2.2 A família com demanda de proteção social especial: uma
aproximação empírica na cidade de São Bernardo do Campo
Reconhecer as famílias com demanda de proteção social especial conduziu-
nos a um levantamento de campo para identificar as famílias atendidas pela
Fundação Criança de São Bernardo do Campo, por intermédio de um de seus
programas, intitulado Centro de Atendimento à Família (CAF).
O estudo abrangeu dois procedimentos metodológicos complementares. O
primeiro, realizado a partir da tabulação das fichas cadastrais de 940 famílias
atendidas no segundo semestre de 2007, e, o segundo, por intermédio de reuniões e
146
levantamentos sistematizados a partir de informações de seis sujeitos da pesquisa,
técnicos do CAF, com conhecimento direto da realidade (GIL, 2009).
Apresentamos uma breve caracterização da Fundação Criança de São
Bernardo do Campo e do CAF e, em seguida, o perfil das famílias atendidas por
esse serviço.
4.2.2.1 A Fundação Criança de São Bernardo do Campo e o Centro de
Atendimento à Família (CAF): breve caracterização com antecedentes históricos,
objetivos e serviços
A Fundação Criança de São Bernardo do Campo é entidade pública
municipal50 com a finalidade básica, conforme artigo 4o do seu estatuto, “o
desenvolvimento, a implantação, a execução e monitoramento de projetos,
programas e serviços de proteção social, sócio educativo e de desenvolvimento de
potencialidades de crianças e jovens que tenham seus direitos ameaçados ou
violados” (FUNDAÇÃO CRIANÇA DE SÃO BERNARDO DO CAMPO, 2008, Art. 4).
Concebida originalmente em 1974, como Fundação Municipal do Bem-Estar
do Menor (Fubem/SBC)51, para execução e coordenação da política municipal
dirigida aos menores de 18 anos, destacadamente, “os carentes, abandonados e
infratores” manteve até sua reestruturação, prioritariamente, os serviços ligados ao
sistema judiciário, de acolhimento institucional para proteção pessoal de crianças e o
acolhimento institucional para proteção social, realizado em “celinhas”52.
Com a cultura e a legislação vigentes na época, de tutela e de repressão53,
sinalizava, entretanto, a Fubem/SBC, uma inovação municipal expressiva de
prioridade pela criança existente na comunidade local54.
50 Criada pela Lei Municipal 4.683 de 26/11/1998, referenciada na Lei federal 8.069/1990, é vinculada à Prefeitura do Município de São Bernardo do Campo. 51 Foi criada com fundamentos na Lei federal 4.513/1964, autorizativa da implantação da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem). 52 O acolhimento inicial do adolescente infrator, enquanto aguardava medida judicial era realizada em âmbito municipal e o acolhimento era feito em celinhas individualizadas, em condições insalubres e sem atividades socioeducativas. A derrubada física das celinhas foi um marco simbólico da mudança da Fubem, para a Fundação Criança de São Bernardo do Campo. Período em que também foram implantadas no Município de São Bernardo do Campo, as medidas socioeducativas em meio aberto. 53 Fundamentos do Código de Menores.
147
A revisão dos estatutos, das diretrizes conceituais e mudança de nome da
Fubem/SBC, deu-se em 1998, após intenso processo de debate55, sendo então
instituída a Fundação Criança, pautada nas seguintes diretrizes conforme o artigo 5o
do seu Estatuto:
I - Assegurar, em face de suas condições peculiares de pessoa em desenvolvimento, proteção especial, priorizando os programas que visem à integração social; II – Possibilitar o monitoramento do desenvolvimento infanto-juvenil e a priorização da atenção às situações de vulnerabilidade social; III – Articular e integrar ações intra e intergovernamentais contando com parcerias de organizações da sociedade civil; IV – Contribuir para o fortalecimento da rede de serviços existente no município buscando a complementaridade e a otimização de suas ações; V – Garantir a condição de sujeito de direitos à criança e ao jovem, estimulando o protagonismo; VI – Desenvolver ações para o fortalecimento das famílias, reconhecendo a multicausalidade das situações de vulnerabilidade, avançando das ações de assistência para o empoderamento pessoal e familiar; VII – Modernizar a gestão e garantir a visibilidade democrática. (FUNDAÇÃO CRIANÇA DE SÃO BERNARDO DO CAMPO, 2008, Art. 5)
A Fundação Criança desenvolve programas e serviços56 de proteção social
básica e proteção social especial de média e alta complexidades. (BRASIL, 2005).
São Centros de Atendimento à Criança e à Juventude (CACJ); Centro de Iniciação
ao Trabalho (CIT); Usina Socioeducativa; Centro Integrado de Apoio e Defesa à
Infância e Juventude Dr. Emílio Jaldin Calderón; Centro de Convivência e
Acolhimento à Criança em situação de Rua - Espaço Andança; Centro de
Atendimento à Drogadicção – Espaço Novo Tempo; Centro de Atendimento às
Medidas Socioeducativas (Case); Espaços de Acolhimento Institucional, além do
Centro de Atendimento à Família (CAF). Realiza também Programas Intersetoriais
em Rede voltados à maior efetividade das intervenções com dimensões nas áreas
da saúde, educação, trabalho, habitação, justiça, dentre outras.
54 Poucas foram as cidades que instituíram políticas específicas para a infância e, também, a cidade foi pioneira em implantar, no ano de 1968, a Cidade da Criança, primeiro parque de diversões temático do País, criado e administrado pela Prefeitura de São Bernardo do Campo. 55 Ver ZOLA, Marlene. A câmara do grande ABC e o movimento criança prioridade 1: Espaços democráticos e estratégicos à construção de políticas públicas para a Infância e Juventude. Tese (Mestrado) Serviço Social. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 2005. 56 Os programas e serviços apresentados têm como base os existentes no período da realização da pesquisa e constam de forma detalhada no Anexo A.
148
O CAF, objeto do nosso levantamento, é um serviço direcionado às famílias
com demanda de proteção social especial, decorrente de violações de direitos da
criança e do adolescente encaminhadas pelo Conselho Tutelar, Promotoria e Vara
da Infância e Juventude e, também, oriundas da demanda espontânea, de outros
serviços da rede socioassistencial municipal e de outros serviços da Fundação
Criança.
A história do CAF, implantado em 1992 com o nome de Centro de Apoio
Psicossocial (Caps), remonta às diretrizes da antiga Fubem. “Sua meta era de
sensibilizar a família, promovendo reflexão sobre o papel da mesma no processo
formativo de crianças e adolescentes”. Passou por transformações nesse período
com destaque, durante o ano 1996, para a implantação do serviço de terapia familiar
breve, metodologia fundamentada em dez sessões, que funcionou até 1998, período
em que foi reordenado, com mudança da denominação e do enfoque metodológico
(BOTARELLI, 2002).
Na atualidade, são seus usuários, famílias e filhos com ocorrência de
violência doméstica, situações de rua, uso abusivo de drogas pelo adolescente,
cumprimento de medida socioeducativa, crianças desaparecidas, dentre outras
situações que interferem e conflitam a dinâmica familiar e propiciam a circulação de
crianças e adolescentes nos programas de acolhimento e nas situações de rua.
Os trabalhos desenvolvidos pelo CAF têm como objetivo a transformação da
dinâmica familiar por meio de ações de apoio psicossocial e educativas, atingidas a
partir de ações de fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários e da
inclusão na rede socioassistencial municipal.
A metodologia de trabalho adotada pelo CAF combina várias abordagens
voltadas à proteção social das famílias relacionadas à segurança de acolhida e de
escuta qualificada, segurança de convívio, segurança de desenvolvimento de
autonomia e encaminhamento para inclusão de segurança social de renda,
conforme o caso.
Desenvolvem o pronto atendimento ou acolhimento, atendimento inicial,
construção do plano familiar de intervenção individualizado, grupo familiar
intergeracional, grupo de famílias - temático e de reflexão, visitas domiciliares e
encaminhamentos monitorados. Também são realizadas atividades intra programas
da rede de serviços da Fundação Criança e intersetoriais da rede municipal, como
se pode observar no Anexo A deste trabalho.
149
Apresenta-se a seguir o perfil das famílias atendidas pelo CAF, com
dimensões objetivas e subjetivas.
4.2.2.2 Perfil das famílias com demanda de proteção social: a vulnerabilidade
da família monoparental feminina em suas dimensões objetivas e subjetivas
A pesquisa para identificação das famílias atendidas pelo CAF contou com
procedimentos metodológicos complementares. Foi realizada a tabulação das fichas
cadastrais de 940 famílias atendidas no segundo semestre de 2007, realizadas
reuniões e feitos levantamentos sistematizados com seis sujeitos significativos da
pesquisa, técnicos do CAF, representados por quatro psicólogos e dois assistentes
sociais.
O perfil dos técnicos do CAF pode ser observado no Quadro 5 apresentado a
seguir.
Quadro 5. Perfil dos sujeitos da pesquisa por idade, sexo, função, formação e tempo na instituição
Identificação Idade Gênero Função Formação Tempo na
instituição
Técnico A 30 anos Fem. Assistente técnica
Psicologia 7 anos
Técnico B 56 anos Fem. Educadora sênior
Psicologia 12 anos
Técnico C 62 anos Fem. Educadora sênior
Serviço Social 12 anos
Técnico D 39 anos Fem. Educadora sênior
Serviço Social 9 anos
Técnico E 58 anos Fem. Educadora sênior
Psicologia 3 anos
Técnico F 55 anos Fem. Educadora sênior
Psicologia 19 anos
Fonte: Elaborado pela autora.
Os dados apresentados no Quadro 5 possibilitam reconhecer que são
profissionais do sexo feminino, com faixa etária entre 30 e 62 anos e possuem
reconhecida experiência profissional, com média de dez anos de vivência no
atendimento à famílias em situação de vulnerabilidade social.
150
Sobre os resultados dos dados coletados, a partir dos prontuários das famílias
atendidas pelo CAF, são apresentados nos gráficos que se seguem adotando a
combinação das abordagens quanti-qualitativa, que possibilita reconhecer quem são
os usuários dos serviços por gênero, estado civil, faixa etária, escolaridade, relação
de trabalho e renda.
O Gráfico 1 possibilita identificar quem são os adultos que buscam os serviços do CAF, por gênero.
0
20
40
60
80
100
Gênero masculino Gênero feminino
Adulto que busca os serviços
Gráfico 1: Distribuição percentual de adultos que buscam os serviços do CAF, por gênero
Fonte: Fundação Criança de São Bernardo do Campo – CAF, 2007.
Os dados coletados demonstram que 11,28% de pessoas que buscam os
serviços do CAF são do gênero masculino e 88,72% são pessoas do gênero
feminino, confirmando outros estudos que demonstram a presença majoritariamente
feminina nos serviços públicos e no cuidados dos filhos.
Esses indicadores se ampliam quando analisada a frequência nos serviços,
conforme apresentado no Gráfico 2.
0
20
40
60
80
100
Gênero masculino Gênero feminino
Adulto que frequenta osserviços
Gráfico 2: Distribuição percentual dos adultos que frequentam os serviços do CAF, por gênero
Fonte: Fundação Criança de São Bernardo do Campo – CAF, 2007.
151
Quando se refere à frequência nos serviços dos adultos distribuída por gênero
é ampliada um pouco mais a presença das mães nos serviços de proteção social
especial, sendo 89,62% pessoas do sexo feminino e 10,38% pessoas do sexo
masculino.
A majoritária presença feminina já é observada em outros programas de
proteção social57 e diferentemente de caracterizar os serviços como dirigidos à
mulher, evidencia a vulnerabilidade social existente.
Após a identificação da prevalência feminina, os dados e análise que se
seguem referem-se ao perfil dessas mulheres frequentadoras dos serviços do CAF.
O Gráfico 3 apresenta a distribuição percentual das mulheres frequentadoras
dos serviços por estado civil.
05
101520
2530
3540
Estado civil
Gráfico 3: Distribuição percentual das mulheres atendidas pelo CAF, por estado civil
Fonte: Fundação Criança de São Bernardo do Campo - CAF, 2007.
Quanto ao estado civil das mulheres que acompanham seus filhos nos
programas, identifica-se que apenas 33,62% delas são casadas ou têm vivência
marital. As demais, com exceção de 4,33% de fichas sem informação de estado civil,
22,51% são solteiras, 27,71% são separadas e 11,83% viúvas.
São informações obtidas que ratificam as transformações na estrutura familiar
contemporânea. A totalização dos dados expõe o expressivo número de 62,05% de
monoparentalidade feminina. Ou seja, de famílias atendidas onde convivem apenas
o provedor feminino e seus filhos menores de 18 anos, compartilhando o
relacionamento e a sobrevivência no mesmo domicílio e com uma única renda.
57 O Programa Renda Cidadã do governo do Estado de São Paulo, com atendimento a 118 mil famílias, tem 91,2% de mulheres como participantes (SEADS-CDS- 2010).
152
Essa convergência já foi destacada pelo Censo Demográfico brasileiro de
2000, realizado pelo IBGE ao observar as formas de organização doméstica nas
várias classes sociais, ocasião em que constatou 24,9% dos domicílios, cujas
pessoas responsáveis são mulheres (BRASIL, 2002a).
A tendência de aumento da proporção de mulheres responsáveis pelo
domicílio é observada, em 2006, com 28,8%, segundo dados da Pesquisa Nacional
de Amostragem Domiciliar (PNAD-IBGE) apontadas na publicação Retrato das
Desigualdades de Gênero e Raça (BRASIL, 2008c), denominada pelos autores
como famílias chefiadas por mulheres.
Identificada por vários autores, a vulnerabilidade desse tipo de família, tem
como precursora a norte-americana Diane Pearce, em seu artigo publicado em 1978
na Urban and Social Change Review. Com o título de Feminização da Pobreza:
Mulher, Trabalho e Assistência Social, fundamenta o empobrecimento da família
com um único provedor, no caso a mulher e os filhos (NOVELLINO, 2004).
A monoparentalidade familiar expõe duas dimensões de vulnerabilidade, a
econômica e a do cuidado afetivo-relacional, posto se tratar de domicílio com um
único provedor, uma única carteira para o sustento de seus membros, acrescido da
dificuldade de conciliação de tempo para o convívio familiar.
Essa constatação da dupla e simultânea função solicitada à mulher é
destacada pelas técnicas do CAF e quatro são as questões mais expressivas de
dificuldades enfrentadas pelas famílias: as questões econômicas, a educação dos
filhos, a pobreza persistente, e a insuficiência ou inadequação das políticas públicas.
Com dificuldades que se imbricam, os problemas econômicos são
decorrentes do desemprego, da informalidade e dos baixos salários para prover a
proteção social com o mercado de trabalho. Na educação dos filhos, há dificuldades
em cuidar das crianças pequenas e conciliar o trabalho, o abandono da escola e o
envolvimento em situações de riscos pelos adolescentes, as dificuldades de
relacionamento e do exercício da autoridade familiar. As políticas públicas são
consideradas insuficientes ou inadequadas para a conciliação das demandas e do
apoio sociofamiliar, como a falta de creches, centros de convivência da juventude,
problemas com a saúde, provocando em algumas famílias a pobreza persistente e
os desequilíbrios familiares.
Conforme as expressões dos técnicos do CAF sobre as dificuldades
familiares:
153
{sobre as dificuldades} Conseguir inclusão no mercado de trabalho, com rendimentos que possibilitem às famílias gerir suas necessidades sem necessitar de apoio financeiro do Estado; Conseguir, quando da inclusão no mercado de trabalho, conciliar a rotina profissional com o cuidado afetivo-relacional e com outras atenções, como, por exemplo, o acompanhamento das demandas escolares dos filhos. As duas dificuldades mencionadas, isoladamente ou ocorrendo ao mesmo tempo, nitidamente acarretam uma sobrecarga às funções e papéis familiares e, nas famílias atendidas, em que boa parte é chefiada por mulheres, acrescenta-se uma nítida sobrecarga de funções às mães, fator reforçado por variáveis sócio-históricas. (TÉCNICO A, CAF-2007) As famílias apresentam dificuldades de relacionamento familiar, de colocar regras e limites aos filhos e de melhorar as condições de vida {...} relatam que educar os filhos na época atual é muito difícil, e que perderam o controle da situação. (TÉCNICO F, CAF-2007) Famílias com pobreza persistente, momentaneamente em desequilíbrio {...} ausência de equipamentos que garantam cuidados na ausência dos pais, as creches, os centros da criança e juventude no período pós-escolar que garanta atividades sociais, culturais, esportivas e que evitem as drogas {uso e tráfico} o furto {...}. (TÉCNICO C, CAF-2007) As dificuldades referem-se, com relação à Educação, à falta de creches, de pré-escola, jornada ampliada, questões de saúde {...}. Ou seja, as dificuldades estão vinculadas à insuficiência de políticas públicas, que não atendem às necessidades das famílias. (TÉCNICO B, CAF-2007) Falta de recursos materiais, educação e saúde precária, descumprimento de leis que protegem crianças e adolescentes, ausência de um responsável em casa pela necessidade de trabalhar para sustentar a família. (TÉCNICO E, CAF-2007)
A monoparentalidade feminina é destacada na equipe técnica e a sobrecarga
da mulher com o acúmulo de várias funções sociais é considerada um motivo para o
seu adoecimento, entendido, pela técnica D, como a perda ou a dificuldade em
assegurar a qualidade das relações existentes no âmbito do grupo familiar:
A grande maioria das famílias atendidas pelo programa é de formação monoparental feminina, na qual a mulher desenvolve diversos papéis sociais: mulher, mãe, provedora, filha, vizinha, entre outros. A grande dificuldade que observo é o quanto esta mulher adoece, em menor ou maior grau, em seus papéis sociais, principalmente no de mãe e mulher. {...} Acredito que a grande dificuldade está em entender e garantir a qualidade nas relações. (TÉCNICO D, CAF- 2007).
154
No Gráfico 4 identifica-se a faixa etária das mulheres atendidas pelo CAF.
0
5
10
15
20
25
30
Entre 30 e 34anos
Entre 35 e 39anos
Entre 40 e 44anos
Entre 45 e 49anos
Faixas Etárias de maiorprevalência
Gráfico 4: Distribuição percentual das mulheres atendidas no CAF, por faixa etária
Fonte: Fundação Criança de São Bernardo do Campo – CAF, 2007.
As mães atendidas estão na faixa etária entre 30 e 49 anos, uma prevalência
que representa 81,68%, do total das famílias. Sendo 15,87% entre 30 e 34 anos,
23,38% entre 35 e 39 anos, 25,40% entre 40 e 44 anos e 17,03% entre 45 e 49
anos.
O perfil etário com mais idade, cumulativo à monoparentalidade, pode-se
explicar pelas transformações de sua trajetória de vida, com separações ou viuvez.
Também pelas dificuldades de relacionamento intergeracionais, principalmente em
relação aos filhos adolescentes, expostos às situações de violência e com inserção
econômica marginal, no tráfico de drogas, o que se pode constatar pela expressão
apresentada a seguir:
{as mães} Apresentam muitas dificuldades em lidar com os filhos, principalmente, na adolescência. Fator também preocupante é em relação à vulnerabilidade social, as quais as crianças e os adolescentes estão expostos a violência, uso abusivo de substâncias psicoativas e envolvimento com o tráfico. (TÉCNICO F, CAF-2007)
O Gráfico 5 apresenta a distribuição das mulheres atendidas conforme a
escolaridade.
155
0
20
40
60
80
Dados de escolaridade
Ensino fundamental incompleto
Ensino fundamental completo
Ensino médio
Gráfico 5: Distribuição percentual das mulheres atendidas pelo CAF, conforme prevalência de escolaridade Fonte: Fundação Criança de São Bernardo do Campo – CAF, 2007
Quanto à prevalência de escolaridade, sobre os dados disponíveis, 59,64%
possuem o ensino fundamental incompleto, 15,01% o fundamental completo e
10,25% das mulheres têm o ensino médio. A maioria não possui adequada
escolaridade para acesso a trabalhos qualificados. Também é significativa a
porcentagem (25,26%) das mães, que frequentam os serviços, com mais de dez
anos de escolaridade. Os dados sugerem a dificuldade de conciliação do trabalho
familiar com o trabalho remunerado e o desenvolvimento de uma carreira
profissional.
O Gráfico 6 possibilita identificar informações referentes às relações de
trabalho das mulheres atendidas nos serviços do CAF.
051015202530
Relação de Trabalho
Gráfico 6: Distribuição percentual das mulheres atendidas pelo CAF, conforme relação de trabalho Fonte: Fundação Criança de São Bernardo do Campo – CAF, 2007
156
A precarização do trabalho e da provisão econômica familiar das mulheres é
observada pela pesquisa. O total de 11,43% de mulheres atendidas estão
desempregadas, 24,05% trabalham sem registro, 5,91% são autônomas e 11,96%
recebem renda social.
Com registro de trabalho, são identificadas apenas 18,27% das mulheres e
5,65% desenvolvem o trabalho não remunerado familiar, classificadas, no prontuário
do serviço, como do lar.
O Gráfico 7 possibilita identificar os rendimentos auferidos por meio do
trabalho das mulheres provedoras.
0
5
10
15
20
25
30
35
Até 1/2 salário mínimo
De 1/2 salário mínimo a 1 salário
mínimo
De 1 a 2 salário mínimo
Prevalência de rendas
Gráfico 7: Distribuição percentual das mulheres atendidas pelo CAF, conforme prevalência de renda Fonte: Fundação Criança de São Bernardo do Campo – CAF, 2007.
Quanto à prevalência da renda recebida, 18,90% das mulheres recebem até
1/2 salário-mínimo, 29,73% de 1/2 a 1 salário-mínimo e 27,03% de 1 a 2 salários-
mínimos.
São identificados os baixos salários recebidos pelas mulheres que frequentam
os serviços do CAF, entretanto, existe um número expressivo situado acima do corte
de renda dos programas de transferência de renda brasileiro58, dado que denota a
necessidade de distinção entre os conceitos de pobreza e vulnerabilidade ou risco
social, ao formular políticas de proteção social.
58 O Programa Bolsa-Família é dirigido à pobreza e extrema pobreza com corte de renda de ¼ de salário-mínimo per capta. Da mesma forma, com o mesmo corte de renda, é o critério do Beneficio de Prestação Continuada (BPC) para idosos e pessoas com deficiência. Disponível em: <www.mds.gov.br>.
157
Apesar da pobreza, entendida no enfoque monetário, potencializar as
situações de vulnerabilidade social, na medida em que impossibilita a aquisição de
bens e serviços necessários à manutenção e ao apoio aos membros familiares,
apenas o olhar dessa dimensão econômica é insuficiente para o enfrentamento de
questões oriundas de diversas situações de vulnerabilidade social.
Carla Bronzo (2009) faz distinção sobre os dois universos, os pobres e os
vulneráveis. Uma distinção importante para a elaboração das políticas públicas de
proteção social que amplia a dimensão econômica das necessidades básicas
insatisfeitas e avança para reconhecer as situações de vulnerabilidade e riscos
entendidas como processos de fragilização.
Conforme a autora, distinguindo os enfoques conceituais de pobreza e
vulnerabilidade:
{...} o enfoque monetário da pobreza e a perspectiva das necessidades básicas insatisfeitas, concentram-se nos resultados, enquanto a abordagem afinada com a concepção de vulnerabilidade orienta-se para os processos, examinando as estratégias que as famílias utilizam para lidar com os riscos e a queda de bem-estar. Vulnerabilidade articula-se com a ideia de risco {...}. (BRONZO, 2009, p. 172)
Segundo a autora (BRONZO, 2009), os riscos que podem colocar as famílias
em situação de vulnerabilidade se constituem mediante uma variedade de situações
determinadas por fatores endógenos e exógenos à família. São citados riscos da
natureza, da saúde, os ligados aos ciclos de vida, além dos riscos sociais, como
presença de gangues, crimes ou outras violências, e os econômicos, dentre outros,
cuja identificação pode tornar mais efetivas as respostas institucionais das políticas
públicas.
Além de privações de caráter objetivo, como falta de renda, bens e serviços,
as famílias pobres enfrentam outras carências ou rupturas durante a trajetória da
vida, com vários impactos psicossociais negativos, de caráter pessoal e social,
provocando baixa auto-estima, desesperança, dependência, resignação,
incapacidades, que dificultam o enfrentamento e superação das situações
vulneráveis (BRONZO, 2009; FÁVERO, VITALE & BAPTISTA, 2008).
Bader Sawaia (2008), numa perspectiva que não dicotomiza objetividade e
subjetividade, alerta para as dimensões subjetivas da família pobre e aponta a
158
incompreensão das políticas públicas de proteção social sobre os pobres, como se
não tivessem necessidades psicológicas ou consideram “que a preocupação do
pobre é unicamente a sobrevivência e que não tem justificativa trabalhar a emoção
quando se passa fome” (Ib., 2008, p. 98).
A autora, fundamentada no pensamento de Espinosa (1957), questiona o
dualismo de corpo e mente e propõe que o sofrimento seja considerado como uma
categoria de análise, para o estudo da exclusão social. O sofrimento sentido
“empobrece e afunila o campo de experiências e percepções, bloqueando a
imaginação e a reflexão; torna as pessoas impotentes para a liberdade e felicidade”
(SAWAIA, 2003, p.46). A afetividade e o sofrimento devem ser qualificados como
ético-político e evitável do ponto de vista social. “Isto significa olhar a família que
sofre não a família de risco ou incapaz”. (Ib., 2003, p. 45).
A identificação das situações de vulnerabilidade ou risco no cotidiano das
famílias permite que as políticas públicas sejam mais efetivas, tanto para a detecção
das situações, quanto para o fortalecimento de respostas institucionais.
Segundo as técnicas do CAF, as mães atendidas demonstram sentimentos
ambivalentes quanto à capacidade de proteção social de seus filhos. São
sentimentos de impotência, de conformismo, de sofrimento, mas, também,
demonstram potência, para a busca de solução de problemas, diante de alternativas
de apoio familiar:
{...} as famílias se sentem impotentes e relatam que educar os filhos na época atual é muito difícil, e que perderam o controle da situação. (TÉCNICO F, CAF-2007). Essas mulheres carregam em seu histórico de vida, uma criação onde seus pais também não foram tão próximos e elas ‘sobreviveram’ à sua adolescência. Com isso acreditam que possam fazer o mesmo com os filhos {...} utilizam muito a frase ‘eu fiz ou faço de tudo é ele quem não obedece’. (TÉCNICO D, CAF-2007). {...} muitas {famílias} acreditam que fizeram tudo o que estava ao seu alcance; porém, com o trabalho realizado, percebem as dificuldades, pela insuficiência de programas voltados as demandas, seja na área da saúde, educação, assistência social e de trabalho. Os sentimentos demonstrados, são de desrespeito, de impotência, humilhação, entre outros, relacionados às buscas por solução do problema. (TÉCNICO B, CAF-2007). Na maior parte dos relatos das famílias atendidas, evidenciamos que elas (famílias) consideram, dentro de suas possibilidades, subsidiarem fatores de proteção ao envolvimento, dos filhos em
159
situações de risco. A maior parte dos relatos das famílias assistidas aponta para a existência de relações de afeto, para o esforço dos pais ou responsáveis em conciliar a participação no mundo do trabalho com a construção de um diálogo. (TÉCNICO A, CAF- 2007). A maioria nem tem muita compreensão sobre como protegê-los, naquele momento estão fazendo o que podem pelos seus filhos ou então estão preocupados em alimentá-los que nem pensam se estão protegidos ou não. A maioria dos pais vem de situações semelhantes aos filhos e consideram que se sobreviveram seus filhos também o farão. (TÉCNICO E, CAF-2007). Muitas famílias foram despertadas em conhecer e ir em busca dos seus direitos e deveres a partir das reuniões do grupo de família e seus sentimento passam do abandono, para ‘preciso fazer alguma coisa, buscar ajuda, ir a luta’. (TÉCNICO C, CAF-2007).
O trabalho do CAF, com abordagem psicossocial, desenvolvido com as
famílias com demanda de proteção social, identifica a vulnerabilidade familiar em
três dimensões, a econômica, a afetivo-relacional e a inadequação das políticas
públicas, capazes de atender às diversificadas expressões sociais da atualidade. As
insuficiências das políticas públicas podem ser observadas pelas motivações que
conduzem crianças e adolescentes ao acolhimento institucional.
4.3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE APOIO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E
COMUNITÁRIA: UM ESTUDO COMPARADO EM DIFERENTES LOCALIDADES
Os dados coletados sobre públicas existentes nas localidades/países sócios
do projeto comum são apresentados nos Quadros 6 a 11 deste capítulo. A legislação
específica de apoio à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes
está expressa no Quadro 6 e os serviços e benefícios de apoio familiar são
apresentados nos Quadros 7 a 11.
Os serviços e benefícios são apresentados e analisados em três eixos:
cuidados da criança e do adolescente; combate à pobreza e conciliação trabalho e
família, conforme referência distinguida por Chiara Saraceno (2003/10) sobre as
convergências dos estudos europeus na atualidade, na área das políticas familiares.
A disposição do apoio para os cuidados da criança e do adolescente é
desmembrada em três eixos, conforme o tipo de atendimento realizado. No primeiro,
160
são apresentados os serviços e benefícios sociais básicos que possibilitam o
desenvolvimento e a proteção da criança e do adolescente; o segundo desenvolve
proteção social especializada, de média complexidade, decorrente de situações de
risco e fragilização de vínculos familiares; e o terceiro realiza proteção social
especializada de alta complexidade, com função restauradora de situações de
interrupção de vínculos familiares.
Adotamos o conceito de interrupção de vínculos familiares por considerar que
é decorrente de relações temporariamente abaladas e interrompidas, não existindo a
ruptura das relações, esta, de caráter inconciliável e com demanda de substituição
familiar. Nessa concepção, as formas de colocação de crianças e adolescentes em
famílias substitutas59, pela adoção, embora lhes possibilitem uma nova família, não
são consideradas, por divergir do objeto desta tese, baseada na família de origem,
muitas delas, com histórico de vulnerabilidades e rupturas não reconhecidas pelas
políticas públicas.
Os resultados dos dados coletados são acompanhados de análise comparada
e, a partir de seus conteúdos, é realizada uma composição analítica que possibilita
reconhecer nas cidades sócias da América Latina e Europa a precedência da
criança e do adolescente nas políticas públicas sociais, com diferentes
regulamentações de políticas familiares.
4.3.1 A convivência de crianças, adolescentes e famílias: legislações,
serviços e benefícios de proteção social das cidades parceiras do projeto de
cooperação internacional
O princípio da convivência familiar e comunitária é um direito previsto para as
crianças e adolescentes na legislação dos cinco países parceiros da América Latina
e Europa. Signatários da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, ratificada
em 1989, possuem outras leis específicas, conforme ilustrado no Quadro 6.
59 Embora não computada nos dados apresentados, por se tratar de política de substituição familiar, identificam-se nas cidades europeias parceiras, a modalidade legal de anonimato da maternidade biológica, nos hospitais. Na cidade de Milão, existe uma forma atualizada de Roda dos Expostos, em que a criança pode ser deixada na porta do hospital, em uma forma de incubadora térmica, preservadas a identidade de quem abandona e a proteção da criança.
161
Quadro 6. Legislação sobre os direitos da convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes, por parceiro/país
Parceiro/País Legislação/normatização Título
São Bernardo do Campo - Brasil
- Resolução 44 da Assembleia Geral das Nações Unidas de 20 de novembro de 1989 - País signatário. -Lei federal 8069, de 13 de julho de 1990. -Resolução conjunta 1, de 13 de dezembro de 2006. Conanda-CNAS.
-Lei federal 12.010, de 3 de agosto de 2009.
-Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.
-Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). -Plano Nacional de Promoção, Defesa e Garantia do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. -Dispõe sobre a adoção.
Soriano - Uruguai
-Resolução 44 da Assembleia Geral das Nações Unidas de 20 de novembro de 1989 - País signatário. -Lei 17.823, de 7 de setembro de 2004.
-Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.
-Código da Criança e do Adolescente.
Bellavista - Peru
-Resolução 44 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 20 de novembro de 1989 - País signatário. -Lei 27.337, de 21 de julho de 2000.
-Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.
-Código da Criança e do Adolescente.
Milão - Itália -Resolução 44 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 20 de novembro de 1989 - País signatário. -Lei 285, de 28 de agosto de 1997. -Lei 149, de 28 de março de 2001.
-Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança. -Promoção dos Direitos da Infância e Adolescência -Direito da Criança à Família
Nantes - França
-Resolução 44 da Assembleia Geral das Nações Unidas de 20 de novembro de 1989 - País signatário. -Lei 2007-293 de 5 de março de 2007 (Arts. L.112-1; L.112-2 – L.112-4; 141-1; 142-2; 211-1 – 211-14; 212-1 – 212-2; 214-1 – 214-7; Titre II. du Livre II.; 242-1 – 242-4; 242-10 – 242-14- )
-Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.
-Código da Ação Social e da Família.
Fonte: Elaborado pela autora.
O Peru e o Uruguai possuem Códigos da Criança e do Adolescente similares
ao ECA brasileiro no que concerne ao direito da convivência familiar e comunitária.
A Itália também possui legislação característica para a promoção dos direitos da
Criança e do Adolescente e a França possui legislação específica inserida no
Código da Ação Social e da Família.
Entre os países latino-americanos o Brasil é o pioneiro a ter uma legislação
fundada na doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, tratados como
sujeitos de direitos, pessoas em desenvolvimento, com prioridade absoluta de
162
tratamento pela família, sociedade e Estado60. O Estatuto brasileiro foi lançado em
1990, o peruano é datado do ano de 2000 e o uruguaio em 2004.
O código peruano distingue a prerrogativa de gênero sobre as
responsabilidades familiares. Em seu artigo 6o, da introdução, “reconhece que o
dever de cuidado das crianças e adolescentes se estende à mãe e à família do
mesmo”. No artigo 8o, do capítulo I, prevê o direito da criança à convivência familiar
no núcleo de origem ou, na impossibilidade, justificada apenas em condições
especiais, o direito a ter outra família para assegurar cuidados e desenvolvimento
adequado:
Cada criança e adolescente tem o direito de viver, crescer e se desenvolver dentro de sua família. Crianças e adolescentes que não têm família natural têm o direito de crescer em uma família. Crianças e adolescentes não podem ser separados de sua família natural, apenas em circunstâncias especiais, descritas na lei e com o único propósito de protegê-los. É dever dos pais assegurar que seus filhos recebam os cuidados necessários para o seu desenvolvimento adequado. (PERU- 2000, capítulo I, art. 9o) (tradução nossa).
Em consonância ao peruano, o código da criança e do adolescente uruguaio
reconhece, em seu artigo 12, a família de origem como o lugar mais adequado para
a proteção de seus filhos e, no caso de ausência ou separação, para o melhor
interesse da criança, o direito a ter uma família como prioridade ao acolhimento
institucional, sendo este previsto em situações temporárias:
A família é o fórum adequado para conseguir a proteção de seus filhos. Cada criança e adolescente tem o direito de viver e crescer junto com sua família e não podem ser separados dos pais por razões econômicas. Só pode ser separada de sua família quando, no seu melhor interesse e no âmbito de processo legal, as autoridades determinarem outro substituto para convivência. {...} Se a criança ou o adolescente não tem família, tem o direito de crescer em outra família de acolhimento ou outro grupo de parentalidade, que será selecionado de acordo com seu bem-estar. Apenas na ausência desta alternativa será considerada a colocação em instituição pública ou privada, com estadia transitória. (URUGUAI-2004, art. 12) (tradução nossa).
60 Para mais conhecimento sobre a doutrina de proteção integral, ver a publicação de Edson Sêda: A Proteção Integral: Um Relato Sobre o Cumprimento do Novo Direito da Criança e do Adolescente na América Latina (1995).
163
A legislação brasileira e a italiana avançam nos procedimentos para a
operacionalização do direito à convivência familiar e comunitária como um direito da
criança. Ambas prevêem no texto legal a absoluta prioridade e apoio à família de
origem e distinguem outras formas familiares, na impossibilidade justificada da
primeira. A Itália, com a Lei federal 149, intitulada o “Direito da Criança a Uma
Família”, promulgada em 2001, prevê de forma pioneira o fechamento dos institutos
de acolhimento61, ao mesmo tempo em que propõe profunda reforma na
configuração da modalidade de acolhimento institucional, denominada, para esse
fim, como do “tipo familiar”:
Art. 1o. A criança tem o direito de ser criada e educada em suas famílias. As condições de pobreza dos pais ou pai, como o responsável legal, não pode ser um obstáculo ao exercício do direito de família da criança. Para esse fim, devem ser realizadas intervenções para o apoio e ajuda à família {...} As autoridades podem também promover a guarda em comunidades do tipo familiar, organizar cursos de formação e de aperfeiçoamento para assistentes sociais e formação e preparação para as famílias e as pessoas que querem ter filhos adotivos. {...}. Art.2o. A criança temporariamente privada do ambiente familiar, apesar das intervenções de apoio e assistência prestada, é atribuída a uma família, de preferência com filhos menores, ou uma única pessoa, capaz de prover o apoio, educação e relações afetivas de que ela precisa. {...} será permitida a inclusão da criança em uma comunidade do tipo familiar {...}. (ITÁLIA, 2001, arts.1o e 2o) (tradução nossa).
A legislação brasileira, com o PNCFC (2006) e a Lei de Adoção (2009)
reconhece a convivência familiar de crianças e adolescentes em quatro tipos de
famílias: a de origem, a extensa, a acolhedora, e a substituta e estabelece limites de
prazo para permanência em unidades públicas de acolhimento institucional,
conforme já especificado no Capítulo 3.
A França, por sua vez, dentre os países citados, é a que legisla de forma mais
explicita a garantia da convivência familiar à criança e ao adolescente com
prioridade estabelecida nas políticas familiares. Observado desde 1956, com edição
do Código da Família e Bem-Estar Social e suas várias adequações oriundas da
dinâmica social, tem ampla atualização na versão de 2007. Configurado em cinco
61 A referida legislação prevê o fechamento dos institutos de acolhimento até o dia 31 de dezembro de 2006. A Itália foi também precursora do fechamento de hospitais psiquiátricos, como medida de desistitucionalização, em 1978, pela Lei Basaglia, conhecida como a lei do fechamento dos manicômios.
164
livros, apresenta detalhadamente os princípios, os tipos de benefícios e serviços, as
regulamentações e as formas de monitoramento das políticas públicas de atenção à
família.
Lenoir (1991, apud CAMPOS & MIOTO, 2003) atribui à existência de uma
política estatal específica para a família, na França, a uma consciência nacional
ocorrida no final do século XIX, sobre ao risco da reposição demográfica, decorrente
da elevada queda de natalidade, agenda política que se manteve nos anos que se
seguiram. Tendo a confluência de forças conservadoras e da visão republicana
defensora de direitos sociais, como diretos da mulher e da criança, o consenso deu-
se por uma política para a família, centrada nos cuidados da infância, “procedimento
que se apresentava com maior facilidade de aceitação política, e também
reconhecido como muito necessário” (CAMPOS & MIOTO, 2003, p.171).
Tendo como precedência absoluta a criança e o adolescente, pois a
abordagem legal tem perspectiva preventiva sobre as dificuldades parentais, a
legislação francesa vem se atualizando. São identificadas, no Código da Família e
Bem-Estar Social francês três áreas prioritárias de proteção: a prevenção perinatal,
a prevenção de dificuldades educativas dos pais, e vários subsídios e serviços de
apoio aos cuidados das crianças em âmbito familiar.
Importantes mudanças paradigmáticas ocorreram no ano de 2007, na
legislação francesa, e são sintetizadas, pela representante de Nantes, em três eixos
conceituais que direcionam a ação das políticas públicas na atualidade: “reforço da
prevenção, melhor conhecimento das crianças em perigo, diversificação das formas
de atendimento” (NANTES - Sujeito 1).
A seguir, nos Quadros 7 a 9, são apresentados os dados referentes aos
serviços e benefícios, das localidades parceiras da América Latina e Europa, de
apoio aos cuidados da criança e do adolescente, agrupadas a partir de seus
objetivos e o tipo de proteção social assegurada, conforme localidade.
No Quadro 7 são sistematizados os programas, projetos, serviços e
benefícios sociais básicos que possibilitam o desenvolvimento e a proteção da
criança e adolescente, capazes de contribuir com a capacidade de proteção familiar
e prevenir situações de risco pessoal e social.
165
Quadro 7: Programas, projetos, serviços e benefícios públicos sociais básicos para os cuidados da criança e adolescente, por parceiro, segundo os objetivos
Parceiro/País
Tipo de serviço
Objetivos/Público-alvo
São Bernardo do Campo/Brasil
-Creches.
-Pré-escolas.
-Espaços de convivência. -Preparação e iniciação para o trabalho. -Núcleo integrado de apoio à criança e a família. -Defensoria da criança e do adolescente.
-Possibilitar o desenvolvimento integral e a proteção de crianças na primeira infância. -Possibilitar o desenvolvimento integral de crianças de 4 a 6 anos na fase preparatória à escolarização. -Desenvolver atividades educativas, culturais, esportivas, em horário contrário ao escolar. -Preparar e inserir o adolescente no mundo do trabalho estimulando o protagonismo e ações de cidadania. -Possibilitar o desenvolvimento da primeira infância nas áreas da educação, saúde e assistência social.
-Possibilitar proteção integral por intermédio de profissionais especializados na informação dos direitos.
Soriano/Uruguai - Educação infantil.
-Centro de atenção Infamília (Caif).
-Professor comunitário.
-Espaços culturais e educacionais. -Observatório da Criança e do Adolescente
-Possibilitar o processo educativo e o desenvolvimento integral de crianças de 2 a 4 anos. -Possibilitar a melhoria dos cuidados e o estado nutricional da primeira infância desenvolvendo ações para a criança, a família e a gestante. -Intervir nas dificuldades de aprendizagem e repetência escolar de crianças e adolescentes com atividades no domicílio e nas escolas dirigidas às crianças e aos grupos familiares. -Desenvolver atividades culturais e educacionais nas comunidades periféricas. -Possibilitar o monitoramento de indicadores de desenvolvimento e proteção.
Bellavista/Peru - Oasis (creche).
-Oficinas educativas e culturais. - Defensoria da criança e do adolescente.
-Promotorias escolares.
-Possibilitar cuidados e alimentação à crianças em situação de vulnerabilidade tendo a mãe como prestadora de serviços voluntários. -Desenvolver atividades culturais e educacionais nas comunidades periféricas. -Possibilitar proteção integral às crianças e adolescentes por intermédio de profissionais especializados para informação e orientação dos direitos. -Fiscalizar e orientar os direitos da criança e do adolescente.
Milão/Itália - Escolas maternais.
-Centros diurnos para jovens. -Auxílio terceiro filho.
-Políticas de tempo.
-Possibilitar a proteção e o desenvolvimento integral de crianças de 3 a 6 anos de classes sociais mais pobres. -Desenvolver atividades educativas, culturais, esportivas e profissionalizantes. -Apoiar financeiramente famílias a partir do terceiro filho; programa desenvolvido nacionalmente. -Possibilitar atendimento personalizado às famílias, como guarda da criança diurna ou parcial, fins de semana, períodos de férias, etc.
Nantes/França -Escolas maternais.
-Assistente maternal.
-Possibilitar a proteção e o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de classes sociais mais pobres. -Possibilitar a proteção diurna à criança, realizado por mulheres cadastradas e remuneradas para o
166
-Centros de convivência e oficinas culturais. -Subsídios para os cuidados familiares. -Subsídios diversos de apoio familiar à criança.
-Observatório da criança e do adolescente. -Políticas de tempo.
atendimento de 2 a 3 crianças. -Desenvolver atividades educativas, culturais, esportivas. -Apoiar financeiramente famílias que desenvolvem os cuidados familiares, na forma direta ou renúncia fiscal. - Possibilitar apoio familiar aos cuidados das crianças por meio de benefícios e renúncias fiscais diversos como: subsídio para habitação com prioridade à primeira infância; descontos nas taxas de frete ferroviário; alocações para despesas escolares, pagamento de mensalidade escolar, dentre outros. -Possibilitar o monitoramento de indicadores de desenvolvimento e proteção.
-Possibilitar atendimento personalizado às famílias, como guarda da criança diurna ou parcial, fins de semana, períodos de férias, etc.
Fonte: Elaborado pela autora.
Os dados classificados no Quadro 7 foram informados pelas cidades sócias.
Os serviços públicos sociais básicos para o apoio dos cuidados da criança e do
adolescente tiveram maior destaque nas exposições realizadas pelos parceiros de
São Bernardo e Soriano. Foi também valorizada em sua ação preventiva pela cidade
de Nantes.
Os dados obtidos não possibilitam análise quantitativa comparada, entretanto,
apesar de nomenclaturas, idades e tipos de serviços diferentes, observam-se dois
eixos comuns de apoio aos cuidados de crianças e adolescentes. O primeiro, na
forma de atendimento diurno para crianças, principalmente para a socialização e
proteção da primeira infância e, o segundo, como espaço de atividades arte-
educativas, culturais, esportivas e de iniciação ao trabalho para os adolescentes.
Chiara Saraceno e Manuela Naldini (2003) corroboram com estudos que
apontam a diferenciada oferta de serviços públicos dos países europeus para os
cuidados de crianças. A Itália e França desenvolvem os serviços como forma de
oferecer oportunidades educacionais e reduzir as desigualdades sociais de crianças
pobres. Possuem cobertura e faixa etária diferentes dos serviços. O início e a
universalização da idade escolar na França é com 5 anos e na Itália com 6 anos. A
maior oferta de serviços públicos para crianças é realizada na França (Id., 2003).
A França ampliou os serviços públicos com a metodologia de Assistentes
Maternais, mulheres cadastradas, treinadas e pagas pelo Estado para oferecer
cuidado diário para 2 a 3 crianças, prática também realizada na Bélgica. O subsídio
financeiro repassado diretamente às famílias que cuidam de seus membros é outra
167
modalidade empregada pela França, que desenvolve políticas explícitas de apoio
familiar. A Itália também apoia financeiramente famílias, a partir do terceiro filho.
Soriano possui uma ação integrada nacionalmente entre os órgãos públicos
das áreas de Educação, Desenvolvimento Social e o Instituto da Criança e do
Adolescente e possui dois programas voltados ao fortalecimento da escolaridade e à
proteção social, destacadamente da primeira infância. A pré-escola, articulada ao
serviço público, é realizada em centros de atenção à criança e à família. Esses
últimos são extensivos às gestantes e visam à melhoria dos cuidados familiares,
educativos e nutricionais da criança.
Outro programa de proteção básica destacado por Soriano, para os cuidados
da criança e do adolescente, é o de professores na comunidade. Destinado às
crianças e adolescentes com dificuldade de aprendizagem e repetência escolar, é
também dirigido a comunidades escolares localizadas em regiões com indicadores
de alta vulnerabilidade social. São atividades no domicílio e nas escolas, dirigidas às
crianças e aos grupos familiares, para fortalecer os cuidados familiares.
A cobertura dos dois programas é alta, em âmbito nacional62. No ano de
2007, foram atendidas 334 escolas, 553 professores e 18 mil alunos com o
programa de professores na comunidade e, no ano de 2008, somaram 22.401
beneficiários no programa de apoio à primeira infância.
São Bernardo do Campo, no Brasil, tem, na faixa etária pré-escolar, 11,8% de
sua população63 e os serviços públicos municipais atendem 38% da população
infantil64. Uma percentagem de serviços públicos semelhante às existentes em
países do norte Europeu65, expressa significativa cobertura para redução de
desigualdades educacionais e apoio aos cuidados familiares, insuficientes,
entretanto, segundo a demanda apresentada pelas mães por proteção social.
A educação infantil brasileira tem recebido destaque no debate das políticas
públicas brasileiras, não como apoio à família ou à mulher trabalhadora, mas sim
reconhecida como primeira etapa da educação básica. Essa condição baseada no
direito da criança à política educacional é uma forma de possibilitar oportunidades
iguais ao desenvolvimento integral e tem possibilitado o aumento da qualidade dos
62Mais informações podem ser acessadas no site do Programa Infamilia: <www.infamilia.gub.uy>. 63 Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) Anísio Teixeira, 2000. 64 Dados da Secretaria Municipal de Educação referente ao primeiro semestre de 2008. 65 A Suécia apresenta 33%, a Alemanha do leste 36%, a Finlândia 56% de cobertura de serviços públicos nessa faixa etária (COMISSÃO EUROPÉIA, 1996 apud SARACENO; NALDINI (2003).
168
serviços, com a exigência de gestão, sob a responsabilidade dos órgãos públicos,
de educação municipal66. Entretanto, esse enfoque prioriza o acesso ao direito de
crianças com mais idade, sendo a cobertura do atendimento em creche
significativamente menor que a da pré-escola67.
É também observada, na cidade de São Bernardo do Campo, a oferta de
serviços integrados entre as áreas da educação, saúde e assistência social dirigidos
à primeira infância e à família. Apesar do Programa Bolsa-Família, acompanhar
indicadores de desenvolvimento nas áreas de educação, saúde e assistência social,
essa prática experimental observada em São Bernardo do Campo, e valorizada na
experiência uruguaia, não tem aderência na realidade brasileira.
As informações fornecidas por Bellavista não permitem identificar a forma da
oferta de educação infantil, entretanto, é destacado o serviço público na área de
assistência social que possibilita cuidados e alimentação às crianças em situação de
vulnerabilidade, tendo a mãe como prestadora de serviços voluntários e também
beneficiária dos serviços socioeducativos e nutricionais.
As políticas públicas direcionadas às crianças em faixa etária superior à
educação infantil e ao adolescente são desenvolvidas pelas cidades em espaços de
convivência com atividades educativas, culturais e esportivas. São Bernardo do
Campo destaca serviços voltados à preparação e inserção do adolescente no
mundo do trabalho, em atividades públicas de promoção da cidadania, com o
recebimento de recursos financeiros na forma de bolsa-auxílio68 e Bellavista o
programa de Promotores Escolares, como forma de fiscalização e orientação sobre
os direitos da criança e do adolescente.
As cidades europeias possuem uma modalidade inovadora e personalizada
de serviços de caráter preventivo, explicitamente dirigidos às famílias em períodos
de necessidades específicas. Denominadas como políticas de tempo, permitem o
atendimento de crianças em período diurno, noturno, parcial, em fins de semana,
período de férias, ou outros, conforme interesse da família. São transformações
66 A CF/1988 e a LDB determinam que a responsabilidade pela oferta de educação infantil é dos municípios. 67 Segundo o IBGE (2004) sobre os dados nacionais de educação infantil, 68% das crianças de 0 a 4 anos estavam inseridas na pré-escola e 12% de crianças de 0 a 3 anos, em creches. Dados de documentos da Secretaria Municipal de São Bernardo do Campo (2008) apontam cobertura da demanda por pré-escola e lista de espera no atendimento à creche. 68 Vários são os programas desenvolvidos pela Fundação Criança de São Bernardo do Campo que podem ser observados no Anexo A e também em outras secretarias municipais.
169
institucionais articuladas às trajetórias individualizadas da vida familiar que exigem
diversificadas formas de apoio.
Os dados contidos no Quadro 7 possibilitam identificar, nas cidades parceiras,
diversificadas formas de apoio aos cuidados familiares, tendo por perspectiva
prioritária a criança e o adolescente e as situações de pobreza nas cidades.
Além das formas já mencionadas de serviços públicos de apoio familiar,
destacam-se, também, o observatório da criança e do adolescente em Nantes e
Soriano e a defensoria da criança, em São Bernardo e Bellavista, que corroboram a
prioridade atribuída à criança e ao adolescente.
No Quadro 8, são classificados os programas, projetos e serviços de proteção
social especializado, de média complexidade, para o apoio à família, em seus
cuidados às crianças e aos adolescentes em situações de risco, com vínculos
familiares fragilizados. Também são distinguidos por localidade e objetivos,
acompanhados de análise comparada.
Quadro 8. Programas, projetos e serviços públicos especializados, de média complexidade, para os cuidados da criança e adolescente, por parceiro, segundo os objetivos
Parceiros/País
Políticas públicas
Objetivos/Público-alvo
São Bernardo do Campo/Brasil
-Programas especiais contra a violação de direitos da criança e do adolescente. -Tratamento ao uso abusivo de drogas. -Programa de fortalecimento de vínculos familiares.
-Padrinho legal.
-Possibilitar o atendimento e o combate às piores formas de violação de direitos, destacadas as situações de rua, abuso e exploração sexual, trabalho infantil, busca de crianças desaparecidas, violência doméstica. -Realizar atendimento ambulatorial a crianças e adolescentes usuários de drogas. -Desenvolver ações de atendimento psicossocial, de inserção, acompanhamento e fortalecimento dos vínculos de famílias com demanda de serviços de proteção especial. -Proporcionar a geração de vínculos de afinidade a crianças acolhidas em instituição.
Soriano/Uruguai -Programas especiais
à vítimas de maus-tratos. -Conciliação familiar.
-Possibilitar atendimento e o combate às piores formas de violação de direitos, destacadas as situações de rua, abuso e exploração sexual e trabalho infantil. - Possibilitar a realização de contato familiar de crianças em acolhimento institucional ou familiar.
Bellavista/Peru
-Programas especiais a vítimas de maus-tratos. -Apadrinhamento de crianças institucionalizadas.
-Possibilitar atendimento e o combate às piores formas de violação de direitos, destacadas as situações de rua, abuso e exploração sexual e trabalho infantil. -Proporcionar a criação de vínculos de afinidade às crianças acolhidas em instituição.
170
-Mediação e conciliação de direitos violados.
-Possibilitar a mediação e a conciliação de direitos violados no âmbito familiar.
Milão/Itália -Programas especiais contra a violação de direitos da criança e do adolescente. -Tratamento ao uso abusivo de drogas. -Assistente domiciliar. -Mediação familiar. -Associações de apoio familiar.
-Possibilitar o atendimento e o combate às piores formas de violação de direitos, destacadas as situações de rua, abuso e exploração sexual e trabalho infantil. -Realizar atendimento ambulatorial às crianças e aos adolescentes usuários de drogas. -Desenvolver ações de apoio ao gerenciamento das rotinas domésticas, administração orçamentária, cuidados dos filhos visando ao fortalecimento de vínculos familiares. -Possibilitar à família a recuperação das capacidades genitoriais. -Possibilitam a mútua ajuda a cuidados da criança a partir de associações para a solução de problemáticas comuns.
Nantes/França -Programas especiais
contra a violação de direitos da criança e do adolescente. -Tratamento ao uso abusivo de drogas. -Assistente domiciliar.
-Mediação familiar
-Visitas de mediação familiar. -Associações de apoio familiar.
-Possibilitar o atendimento e o combate às piores formas de violação de direitos, destacadas as situações de rua, abuso e exploração sexual e trabalho infantil, violência doméstica. -Realizar atendimento ambulatorial às crianças e adolescentes usuários de drogas. -Desenvolver ações de apoio ao gerenciamento das rotinas domésticas, administração orçamentária, cuidados dos filhos visando ao fortalecimento de vínculos familiares. -Desenvolver apoio psicossocial às famílias com conflitos familiares como ação preventiva ao acolhimento das crianças. -Possibilitar à família a recuperação das capacidades genitoriais. -Possibilitar a mútua ajuda a cuidados da criança a partir de associações para a solução de problemáticas comuns.
Fonte: Elaborado pela autora.
Os dados possibilitam reconhecer, nas cidades sócias, a presença e o
sentimento da complexidade de situações de vulnerabilidade social vivenciadas por
crianças e adolescentes e famílias. Em todas as cidades, são assinalados serviços
de atendimento e combate às piores formas de violação de direitos humanos,
destacadas as situações de rua, abuso e exploração sexual, trabalho infantil,
violência doméstica, ou problemas de saúde da criança ou responsável. Situações já
identificadas, neste estudo, pelas famílias em sua demanda de proteção social, com
dimensões estruturais e não apenas de âmbito doméstico.
171
Além dos serviços dirigidos ao atendimento ou denúncia das situações, para
proteção das crianças, são também apontados apoios familiares. Desdobram-se
três principais tendências de caráter preventivo à separação de crianças de suas
famílias: atendimento público para o fortalecimento de vínculos familiares, na forma
de mediação de conflitos e de caráter psicossocial; atendimento público para a
restauração das capacidades genitoriais visando à desinstitucionalização de
crianças e tratamentos especializados na área da saúde.
A solidariedade da rede comunitária também é observada nas localidades
parceiras. Em São Bernardo do Campo e Bellavista, na forma de apadrinhamento
direto à criança acolhida em instituições para preservação de vínculos afetivos. Nas
cidades europeias, na modalidade de mútua ajuda de apoio familiar, uma prática
observada em ações preventivas e também para a restauração de vínculos
familiares.
Essa forma de solidariedade familiar existente nas cidades de Nantes e Milão
vem sendo apoiada pelo poder público em sua capacidade de cadastramento e
treinamento de famílias apoiadoras ao convívio e à guarda familiar.
A professora Eugenia Scabini (2008) conduziu uma pesquisa desse novo
fenômeno69 classificado de comunidades familiares, geralmente “constituídas por
casais casados com ou sem filhos, que pertencem a associações familiares e que
estabelecem regulamentos internos, vivendo um grande compartilhamento entre
família e comunidade” (p. 61).
As formas de intervenção pública relatadas preservam a convivência das
crianças em suas famílias.
No Quadro 9, são sintetizados os programas, projetos e serviços
categorizados como de proteção social especializada, de alta complexidade, com
função de proteção e também, restauração de situações em que os vínculos
familiares encontram-se interrompidos.
69 Estudos realizados por Eugenia Scabini (2008), docente do Curso de Psicologia Social da Universidade Católica do Sagrado Coração de Milão, considera várias modalidades de ajuda comunitária, classificadas em comunidades familiares.
172
Quadro 9. Programas, projetos e serviços públicos especializados, de alta complexidade, para os cuidados da criança e adolescente por parceiro, segundo os objetivos
Parceiro/País
Políticas públicas
Objetivos/Público-alvo
São Bernardo do Campo/Brasil
- Acolhimento institucional.
-Acolhimento em casa de passagem.
-Acolhimento em unidade residencial.
-Acolhimento para crianças e adolescentes com deficiência. -Acolhimento para tratamento ao uso de drogas. -Moradia subsidiada para jovens.
-Acolhimento para mães e filhos.
-Possibilitar acolhimento de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar, como medida de proteção em caráter provisório e excepcional, por estarem em situação de risco pessoal ou social ou por terem seus direitos violados. Espaços com até 20 vagas, com revisão da situação a cada 6 meses, com prazo máximo de 2 anos para o acolhimento. -Realizar o acolhimento de curtíssima duração, com plantão de 24 horas para recepção e diagnóstico preliminar da situação visando à reintegração familiar ou encaminhamento para acolhimento familiar ou institucional. -Possibilitar o acolhimento institucional, oferecido em casa-lar, com uma pessoa ou casal que trabalha como educador/cuidador residente prestando cuidados a um grupo de até 10 crianças/adolescentes. -Possibilitar acolhimento de crianças e adolescentes afastados do convívio família e com necessidade de cuidados especializados.
-Realizar acolhimento de crianças e adolescentes com uso abusivo de drogas, afastados da família e com demanda de tratamento e proteção pessoal. -Possibilitar condições materiais na forma de bolsa moradia para jovens de 18 a 21 anos, sem condições de prover seu auto-sustento, para o estímulo da autonomia pessoal. -Possibilitar proteção para mães e filhos vítimas de violência doméstica.
Soriano/Uruguai -Acolhimento institucional.
-Acolhimento familiar.
-Possibilitar acolhimento de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar, como medida de proteção em caráter provisório e excepcional, por estarem em situação de risco pessoal ou social ou por terem seus direitos violados. Espaços com até 20 vagas. -Possibilitar o acolhimento de crianças e adolescentes, como medida de proteção, para famílias cadastradas e subsidiadas pelo Estado.
Bellavista/Peru -Acolhimento institucional.
-Acolhimento em casa de passagem.
-Possibilitar acolhimento de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar, como medida de proteção por estarem em situação de risco pessoal ou social ou por terem seus direitos violados. Espaços amplos administrados pelo governo nacional, divididos por idade, sem padrão de capacidade. -Realizar acolhimento de curta duração para diagnóstico da situação visando à reintegração familiar ou encaminhamento para acolhimento institucional, ou adoção.
Milão/Itália -Acolhimento em comunidade educativa.
-Possibilitar acolhimento de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar, como medida de proteção em caráter provisório e excepcional, por estarem em situação de risco pessoal ou social ou por terem seus direitos violados. Espaços com até 12 vagas, com revisão da situação a cada 6 meses, com prazo máximo de 2 anos para o acolhimento.
173
- Acolhimento em casa-família, ou comunidade familiar. - Guarda hetero-familiar.
-Acolhimento familiar.
-Acolhimento em casa de passagem. -Acolhimento para tratamento de uso de drogas. -Comunidades para mães com crianças. - Acolhimento mãe e filho. -Comunidades de famílias.
-Permitir o acolhimento familiar em moradias de casais com disponibilidade de acolher até no máximo 6 crianças, custeadas e com acompanhamento técnico realizado pelo Estado. -Realizar o acolhimento familiar para a proteção da criança temporariamente afastada da família e manter a relação com a família de origem. Nesta situação, são famílias que ajudam famílias na guarda temporária dos filhos e possuem apoio técnico especializado do Estado. -Possibilitar o acolhimento de crianças e adolescentes, como medida de proteção, em famílias cadastradas, com subsídio de custeio para a realização dos serviços. São permitidas de 2 a 3 crianças por família. -Realizar acolhimento de curta duração, com plantão de 24 horas, para recepção, diagnóstico rápido visando a reintegração familiar ou encaminhamentos para outras formas de acolhimento. -Realizar acolhimento de crianças e adolescentes com uso abusivo de drogas, afastados da família e com demanda de tratamento e proteção pessoal. -Possibilitar medida de apoio a mães com seus filhos em instituições com a presença de educadores. -Possibilitar moradia em apartamentos sociais para a autonomia de mães com crianças. -Possibilitar co-habitação em apartamentos sociais para a proteção de famílias.
Nantes/França -Acolhimento institucional.
-Acolhimento em casa de passagem.
-Assistentes familiares.
- Acolhimento familiar.
-Lugar de vida.
-Centros maternais.
-Comunidade terapêutica para adolescente. -Comunidade terapêutica para mães e filhos.
-Possibilitar acolhimento de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar, como medida de proteção em caráter provisório e excepcional, por estarem em situação de risco pessoal ou social ou por terem seus direitos violados. Período de acolhimento de 2 a 4 anos. -Realizar acolhimento de curta duração, com plantão de 24 horas para recepção, diagnóstico rápido visando à reintegração familiar ou encaminhamentos para outras formas de acolhimento. - Possibilitar o acolhimento de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar, como medida de proteção, realizado por mulheres contratadas pelo Estado para o atendimento de 2 a 3 crianças. -Possibilitar o acolhimento de crianças e adolescentes, como medida de proteção, por famílias cadastradas pelo Estado, com subsídio de custeio para a realização dos serviços. São permitidas de 2 a 3 crianças por família. - Possibilitar o acolhimento familiar de adolescentes com situações sociais de maior complexidade, tendo acompanhamento de serviços especializados desenvolvidos pelo Estado. - Possibilitar medida de acolhimento e proteção para mães com seus filhos. -Realizar acolhimento de adolescentes com uso abusivo de drogas, afastados da família e com demanda de tratamento e proteção pessoal. -Realizar acolhimento de mães com uso abusivo de drogas, acompanhadas de seus filhos para tratamento e proteção pessoal.
Fonte: Elaborado pela autora.
174
Várias e diversificadas configurações de acolhimento para os cuidados de
crianças e adolescentes são observadas. A modalidade de acolhimento institucional
para a proteção social é reconhecida nas várias comunidades. Sua forma
desenvolvida isoladamente conduz à institucionalização, uma ruptura de vínculos
comunitários e afetivos, como já fundamentado no Capítulo 3. Entretanto, acoplada
a outras políticas de apoio familiar e preservadas a individualidade e as relações
familiares e comunitárias da criança pode, transitoriamente, desenvolver ações de
proteção e restauração de vínculos.
O reordenamento dos espaços de acolhimento institucional está presente nas
várias cidades, identificado pela redução de número de abrigados, à exceção de
Bellavista, que possui essa forma de proteção realizada em grandes instituições.
Nas cidades da América Latina, à exceção de São Bernardo do Campo, onde
ela ocorre, é observada menor oferta de serviços de acolhimento destinados a
atendimentos especializados, como tratamento ao uso de drogas, mães e filhos
vítimas de violência doméstica. Nota-se, entretanto, em São Bernardo do Campo,
diferentemente de Soriano, a inexistência do serviço de acolhimento familiar, uma
prática ainda incipiente na atualidade brasileira, apesar de estimulada na legislação.
Bellavista possui espaços de acolhimento em grandes instituições.
Nas cidades europeias, além de serviços de acolhimento especializados, é
observada diversidade de cuidados alternativos à proteção familiar. Guiado pelo
direito à convivência familiar, cuidado alternativo é um conceito proposto pela ONU e
indicado para situações em que a criança está privada de cuidados parentais. Cabe
nessa concepção a intervenção pública, determinada pelo melhor interesse da
criança, permanecendo o apoio à família de origem e o retorno às suas funções,
quando sanadas as causas geradoras do afastamento (Ib., 2009).
Os serviços europeus centrados em famílias acolhedoras com guarda
provisória permitem várias alternativas ao acolhimento institucional. E, além da
guarda para os cuidados em período integral, também existem projetos de guarda,
por algumas horas durante a semana, só nos fins de semana, e em horário noturno.
Na Itália, são observadas diversificadas formas de acolhimento centradas na
família ou no modelo familiar.
175
Possuem o acolhimento do tipo familiar e também domiciliar. Esta última
modalidade é realizada por casais que podem abrigar em seus domicílios até seis
crianças, denominadas de casa-família ou comunidade familiar.
Apesar da similaridade dos serviços das cidades europeias, distinguem-se na
forma de gestão.
Nantes tem a presença estatal mais forte. O programa de assistentes
familiares, realizado por mulheres que prestam o acolhimento familiar de crianças, é
profissionalmente legalizado e financiado pelo Estado.
Em Milão, o Estado desenvolve a função reguladora, cabendo ao voluntariado
e às associações privadas a prevalência nas ações executivas, para as quais
recebem contribuição financeira para as despesas, não se configurando a
profissionalização e o recebimento de salário.
Serviços para o estímulo da autonomia de jovens e famílias são destacados
nas cidades de São Bernardo do Campo e Milão. A primeira, na forma de moradia
subsidiada para jovens e, a segunda, com apartamentos para jovens e também
mães acompanhadas de crianças.
No Quadro 10 são agrupados os programas, projetos, serviços e benefícios
destinados ao combate da pobreza de famílias, com crianças e adolescentes.
176
Quadro 10. Programas, projetos, serviços e benefícios públicos sociais de combate a pobreza de famílias, por parceiro, segundo os objetivos
Parceiro/País
Serviços/Benefícios
Objetivos/Público-alvo
São Bernardo do Campo/ Brasil
-Programa Bolsa-Família (nacional); Renda Cidadã (estadual); Renda Mínima (municipal). -Benefício de Prestação Continuada (BPC).
-Inclusão produtiva para adultos. - Programas de Iniciação ao trabalho para adolescentes. - Sistema territorial de atenção à família.
-Transferência de renda para famílias pobres com condicionalidades de saúde e educação de crianças e adolescentes, reorganizado em 2004.
-Transferência mensal de 1 salário-mínimo ao idoso, com 65 anos ou mais, e à pessoa com deficiência incapacitada para a vida independente que comprovem não possuir meios para prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. -Possibilitar a qualificação profissional e inclusão produtiva em serviços públicos municipais. -Preparar e inserir o adolescente em serviços públicos municipais com ações de cidadania e recebimento de bolsa-aprendizagem. -Possibilitar referência territorial de assistência social (4 Cras).
Soriano/Uruguai -Plano Nacional de Atenção à Emergência Social (Panes). - Inclusão produtiva para adultos.
-Transferência de renda para famílias pobres com condicionalidades de saúde e educação para crianças e adolescentes, implantado em 2005. - Possibilitar a qualificação profissional e a inserção no trabalho.
Bellavista/Peru -Programa Juntos.
-Inclusão produtiva.
-Cozinhas populares.
-Transferência de renda para famílias pobres com condicionalidades de educação para as crianças e adolescentes, implantado em 2005. -Possibilitar a qualificação profissional e a inserção no trabalho. -Possibilitar segurança alimentar de populações em extrema pobreza.
Milão/Itália -Reddito Minimo (RMI) ou minimo vitale. -Inclusão produtiva.
-Sistema territorial de atenção à família.
-Transferência de renda e de inserção de famílias pobres implantado em 1998. - Possibilitar a qualificação profissional e a inserção no trabalho -Possibilitar referência territorial de assistência social (9 zonas descentralizadas).
Nantes/França -Renda Mínima de Inserção (RMI). -Inclusão produtiva.
-Transferência de renda para famílias pobres e inserção produtiva, implantado em 1988. -Possibilitar a qualificação profissional e a inserção no trabalho.
Fonte: Elaborado pela autora.
Os dados apresentados no Quadro 10 não permitem analisar a abrangência
dos programas de combate à pobreza das cidades sócias, possibilita, entretanto,
reconhecer que todos os parceiros realizam programas de combate à pobreza na
forma de transferência de renda para a população pobre e ou de extrema pobreza. A
França é a pioneira entre os países pesquisados, com implantação em 1988 e, os
mais recentes, Uruguai e Peru, ambos implantados em 2005.
177
A erradicação da pobreza é um tema presente nas agendas públicas nacional
e internacional. A ONU70, tendo os países sócios como signatários, definiu como
meta para 2015 que o primeiro objetivo de desenvolvimento do milênio deve ser a
redução da pobreza e da fome.
Os programas de transferência de renda na América Latina são focalizados
na co-responsabilidade das famílias beneficiárias para os cuidados de alguns
aspectos de saúde e educação de seus filhos. Reconhecidas como
condicionalidades para participação e permanência no programa, no caso do
programa brasileiro Bolsa-Família, a contrapartida familiar na área da saúde ocorre
com o acompanhamento do pré-natal e vacinação das crianças e, na educação, com
a frequência das crianças na escola fundamental, com um mínimo de 85%. São
Bernardo do Campo possui programas de transferência de renda a famílias pobres
instituídos pelas esferas municipal, estadual e federal.
Considerado como uma forma também de acesso à cidadania, com
responsabilidade familiar no acompanhamento, a condicionalidade da frequência
escolar de crianças com idade acima de 6 anos, não assegura creche e pré-escola,
indicadores prioritários dos cuidados parentais e a equidade de desenvolvimento
cultural da criança.
Em Bellavista, o Programa Juntos é direcionado às famílias com filhos até 14
anos de idade e as condicionalidades exigidas são a prestação de cuidados infantis
nutricionais até os 3 anos de idade da criança e a garantia de educação para as
crianças acima de 3 anos de idade. A cidade também destaca políticas de combate
à fome como medida de segurança alimentar de populações em extrema pobreza. O
Programa Nacional de Atenção à Emergência Social uruguaio também é centrado
nas condicionalidades familiares de saúde e educação à criança.
A pobreza, na Europa, está relacionada prioritariamente à reestruturação
produtiva e às populações migrantes.
Em Milão, 13% da população é imigrada, proveniente de cerca de 90 países
(MILÃO - Sujeito 4). Castel (2007) atribui às transformações econômicas e à crise
da sociedade salarial, na atualidade, construída na base do trabalho e em suas
formas de proteção.
70 As Metas do Milênio foram definidas pela Assembleia Geral da ONU realizada em setembro de 2000 e relatórios de países signatários são monitorados pela comunidade internacional.
178
Serge Paugam (2003) confere aos programas de transferência de renda
europeus (RMI) o papel de integrar os assistidos, mas podem também, com sua
focalização, contribuir para a construção de identidades negativas. Segundo o autor,
o enfoque do assistido corresponde a “um status social específico, inferior e
desvalorizado, que marca profundamente a identidade de todos os que vivem essa
experiência”. Quando mais frequente a pobreza e fundada estruturalmente, a
sociedade não discrimina os assistidos (Ib., 2003, p.45).
Os programas de transferência de renda são emergenciais necessárias,
possuem respostas imediatas, mas devem ter mais conexão com outras políticas
sociais estruturantes, eles, por si, são “essencialmente operações de reposição para
preparar para dias melhores” (CASTEL, 2007, p. 27).
Todas as cidades sócias também apontam a existência de programas de
inserção produtiva e profissionalização, formas de intervenção pública em nível local
para a inclusão econômica e adequação às novas exigências do mundo do trabalho.
A gestão das políticas de assistência social nas cidades de Milão e São
Bernardo do Campo é baseada no princípio da descentralização das ações. Milão é
dividida em 9 zonas de descentralização, São Bernardo do Campo possui
implantação recente de quatro Cras para referência territorial de populações em
situação de pobreza. Tem prioridade estabelecida na criança e no adolescente e a
centralidade para o desenvolvimento das políticas de assistência social na família, o
que se pode observar também na realidade milanesa.
O Quadro 11 apresenta benefícios públicos, de conciliação entre trabalho e
família, regulamentados nas localidades/países sócios.
179
Quadro 11. Benefícios sociais de conciliação trabalho e família, por parceiro, segundo os objetivos
Parceiro/País
Benefícios
Objetivos/Público-alvo
São Bernardo do Campo/Brasil
-Licença-maternidade.
-Licença-paternidade.
-Creches
-Possibilitar a proteção à maternidade para as mães que trabalham por meio de beneficio previdenciário com 100% de remuneração (4 e 6 meses). -Permitir ao trabalhador o direito de ausentar-se do serviço após o nascimento do filho, com remuneração (5 dias). -Possibilitar local para amamentação e auxílio financeiro até os 6 meses da criança.
Soriano/Uruguai -Licença-maternidade.
-Licença-paternidade.
-Possibilitar a proteção à maternidade para as mães que trabalham por meio de beneficio previdenciário com 100% de remuneração (84 dias). -Permitir ao trabalhador o direito de ausentar-se do serviço após o nascimento do filho, com remuneração (2 dias).
Bellavista/Peru -Licença-maternidade.
-Possibilitar a proteção à maternidade para as mães que trabalham por meio de beneficio previdenciário com 100% de remuneração (90 dias).
Milão/Itália -Licença-maternidade
-Licença-paternidade.
-Licença parental.
-Licenças para cuidados de saúde dos filhos.
-Possibilitar a proteção à maternidade para as mães que trabalham por meio de benefício previdenciário com 80% de remuneração (5 meses). -Permitir ao trabalhador o benefício da proteção à maternidade em caso de morte ou doença grave da mãe. Algumas categorias profissionais possibilitam o direito de 3 dias ao pai, de ausentar-se do serviço após o nascimento do filho. -Possibilitar à mãe ou ao pai tirar licença não remunerada de 6 meses, podendo ser gozada até a criança completar 8 anos de idade. Lei regional possibilita subsídio governamental (bônus bebê). -Possibilitar ao pai ou a mãe tirar licença não remunerada por período de tratamento de saúde de filhos com até a idade de 3 anos. Dos 3 aos 8 anos de idade, é concedida licença de 5 dias ao ano.
Nantes/França -Licença-maternidade.
-Licença-paternidade.
- Licença parental.
- Licenças para cuidados de saúde dos filhos.
-Possibilitar a proteção à maternidade para as mães que trabalham por meio de benefício previdenciário com 100% de remuneração. 16 semanas (1o filho) até 26 semanas (3o filho). -Permitir ao trabalhador o direito de ausentar-se do serviço após o nascimento do filho, com remuneração (14 dias). -Possibilitar à mãe ou ao pai tirar licença não remunerada até os 3 anos da criança com o objetivo de se dedicar à sua educação. Durante esse período, tem o emprego garantido e subsídio governamental. - Possibilitar ao pai ou à mãe o tratamento de saúde dos filhos com a ampliação da licença parental não remunerada.
Fonte: Elaborado pela autora.
180
Os direitos trabalhistas, orientados pelo seguro social, regulam as licenças de
trabalhadoras e trabalhadores em âmbito nacional71. A licença-maternidade é um
benefício social previdenciário de proteção às mães trabalhadoras e é um tema
presente desde a origem da OIT, em sua conferência inaugural, em 1919
(BRUSCHINI e al., 2008).
As cidades sociais possuem diferentes períodos de concessão e também de
regulação da remuneração desse direito social. Os mais longos períodos de licença-
maternidade são concedidos pela Itália, Brasil e França. A legislação de todos os
países afiança a estabilidade de emprego.
Na Itália, a duração da licença-maternidade é de cinco meses. No Brasil, são
assegurados de quatro a seis meses, sendo 180 dias para funcionárias da área
pública e de Empresas Cidadãs, da área privada72. Na França, a concessão é
variável, de 16 semanas para o primeiro filho até 26 semanas, para o terceiro filho.
No Peru e Uruguai, as licenças-maternidade se assemelham, sendo 90 dias para o
primeiro e 12 semanas, para o segundo.
À exceção da Itália, onde a remuneração da licença-maternidade é 80% do
valor salarial recebido, nos demais países é assegurado o provimento integral do
salário.
A licença-paternidade, que possibilita ao trabalhador o direito de ausentar-se
do serviço após o nascimento do filho, também é bastante diversificada no período e
de reconhecimento recente. A mais longa licença, de 14 dias, ocorre na França,
sendo atribuídos três dias pelo empregador e 11 dias pelo Estado. No caso de
nascimentos múltiplos, a licença é de 18 dias. No Brasil, a CF/1988 reconhece cinco
dias e no Uruguai é concedido o direito de dois dias aos pais. No Peru e na Itália,
essa modalidade não é destacada e na legislação italiana sua previsão ocorre como
alternativa à licença-maternidade, em caso de morte, adoecimento grave da mãe, ou
custódia única do pai.
As cidades europeias possuem licenças parentais, uma modalidade não
existente nas cidades da América Latina, parceiras do projeto comum. Motivadas
para a conciliação do trabalho remunerado com o trabalho de cuidados a familiares,
71 Algumas categorias profissionais, garantidos os acordos básicos, possuem mais conquistas que as regulamentadas nacionalmente pelas leis trabalhistas. 72 Lei 11.770/2008 prevê incentivos fiscais por meio do programa Empresa Cidadã para a prorrogação da licença-maternidade de 120 dias para 180 dias.
181
destacadamente aos filhos, tem em sua concepção a equidade entre os gêneros,
quanto à oportunidade de cuidar dos filhos.
A licença parental foi introduzida em 1974 na Suécia e hoje é um direito
regulamentado nos vários países europeus, com aplicabilidade variada quanto ao
tempo de concessão e de remuneração (SARACENO & NALDINI, 2003).
Na França, a licença parental possibilita à mãe, ou ao pai, se afastar do
trabalho, sem remuneração e com o contrato em vigência, até os três anos da
criança para se dedicar à sua educação. É um direito opcional para trabalhadores de
ambos os sexos, com pelo menos um ano de tempo de serviço em empresas
públicas e privadas e o afastamento pode ser total ou parcial, período em que existe
um subsídio governamental. Em caso de doença ou deficiência grave da criança, a
licença parental pode ser prorrogada por um ano.
Na Itália, também dirigida a ambos os cônjuges, possibilita a concessão da
licença não remunerada de seis meses, podendo ser gozada até a criança completar
oito anos de idade. Com algumas pequenas variações de acréscimo do período, de
acordo com o número de filhos e com a monoparentalidade, feminina ou masculina,
se usufruída até os três anos da criança, é custeada em 30% do salário, pelos
órgãos governamentais, conforme a renda familiar.
A Itália também possui legislação que permite ao pai, ou à mãe, tirar licença
não remunerada por período de tratamento de saúde dos filhos com até a idade de 3
anos e dos 3 aos 8 anos de idade, é permitida a concessão de cinco dias ao ano,
para os cuidados parentais.
Atualmente, o avanço das medidas capazes de proporcionar maior vinculação
entre pais e filhos alimenta o debate sobre a licença parental que em alguns países
é também interpretada como licença-paternidade. Para a ilustração de sua
importância, temos, entre pais noruegueses, 90% que passam pelo menos três
meses junto com seus filhos recém-nascidos (CHEMIN, 2011).
Uma transição cultural em curso na Europa sobre as responsabilidades de
gênero, onde, apesar da prevalência dessa licença ser ainda um recurso adotado
pelas mães, cada vez mais vem sendo praticada e estimulada pelos pais. Citamos
os depoimentos do ministro norueguês da Infância, da Igualdade e da Coesão
Social, Audun Lysbakken, e do ministro da Justiça, Knut Storberget, que tiraram
respectivamente, quatro e três meses de licença, após o nascimento das filhas:
182
Eu queria passar tempo com meu bebê e mostrar que o trabalho, por mais importante que seja, não justifica que se fuja das responsabilidades familiares {...} Estar em casa é preocupa-se ao mesmo tempo com pequenas e grandes coisas: saber quando o bebê comeu, conhecer seus hábitos, arrumar suas roupas e estar lá quando ele sorrir pela primeira vez. (LYSBAKKEN, 2011 apud CHEMIN, 2011, s/d)
Alguns anos atrás, essas licenças certamente teriam suscitado uma grande polêmica {...} Mas hoje é ao contrário: não tirá-las é que criaria uma controvérsia! Em vinte anos, as mentalidades mudaram completamente: os noruegueses acham normal que os pais passem tempo junto de seus filhos. Se queremos que as mulheres consigam a igualdade no mundo do trabalho, é necessário que as responsabilidades sejam mais bem divididas em casa. (STORBERGET, 2011 apud HEMIN, 2011, s/d)
A igualdade de oportunidades e de tratamento para trabalhadores e
trabalhadoras com responsabilidades familiares é objeto da Convenção 156 da OIT
e a licença parental é um importante instrumento para o apoio aos cuidados
familiares. Convenção que não tem o Brasil signatário, como já mencionado no
capítulo anterior, mas pode se constituir num importante instrumento de apoio aos
cuidados familiares.
As creches, os centros de convivência, a educação são formas de
desenvolvimento da criança e do adolescente, contribuição aos cuidados familiares
e também à conciliação do trabalho remunerado, cada vez mais naturalizado da
mulher.
4.3.2 A convivência familiar e comunitária: um direito da criança e do
adolescente e as diferentes regulações de políticas familiares nas cidades da
América Latina e Europa parceiras do projeto comum
A pesquisa sobre as políticas públicas nas cidades sócias do projeto comum,
como alcance de garantia da convivência familiar e comunitária de crianças e
adolescentes, nos permitiu a obtenção de muitas informações. Dados os diferentes
contextos, contudo, há necessidade de tratar com cuidado as dificuldades para se
183
construir parâmetros comparativos a serem aplicados para análise dos resultados
das intervenções realizadas.
Eles possibilitam, entretanto, o reconhecimento de tendências e
possibilidades de políticas para o apoio aos cuidados das crianças, ao combate da
pobreza e à conciliação do trabalho e família, condições combinadas que permitem
constituir referências para o êxito das capacidades familiares e das intervenções
públicas.
A análise empírica das expressões da questão social que impactam as
famílias com demanda de proteção social possibilita identificar três dimensões de
natureza estrutural que demandam ação pública: problemas econômicos;
transformações familiares; e ausência ou inadequação de intervenções públicas.
Os problemas econômicos na Europa estão relacionados com as
transformações do mundo do trabalho, que têm conduzido à precarização do
trabalho, ao desemprego, e aumento das populações migrantes em busca de
ocupação. Na América Latina, eles decorrem da nova consciência social que tem
dado visibilidade às históricas situações de pobreza e aos ajustes sociais perversos,
adicionados a novas situações, decorrentes das mudanças do trabalho na
atualidade.
As transformações familiares, com o aumento da inserção feminina no mundo
produtivo, a redução do tempo doméstico, com mudanças nas composições
familiares, incluindo a baixa da natalidade (ou alterações significativas dela),
aumento de famílias monoparentais, dentre outras situações, conflitam a base
afetivo-relacional e a naturalizada capacidade funcional das famílias para os
cuidados de seus membros.
As políticas públicas, por sua vez, necessárias ao equilíbrio e à proteção
social, nem sempre são adequadas ou suficientes para intervirem nas diversificadas
manifestações da questão social.
A análise dos dados coletados possibilita reconhecer, nas cidades sócias, a
precedência de políticas públicas sociais enfocadas na criança e no adolescente
para a proteção e o combate de violações de direitos sociais, todavia, demonstram
incompletude e lugares diferentes quando a análise tem por objeto a família.
Observamos em todas as cidades sócias, além da adesão à Convenção
Internacional dos Direitos da Criança, a existência de Estatutos específicos e a
exceção da França, que possui um código exclusivo sobre políticas familiares, os
184
demais parceiros disciplinam o direito à convivência familiar de crianças e
adolescentes, com primazia à família de origem, sem, entretanto, a existência de
arcabouço legal consolidado de políticas de apoio familiar.
O princípio da convivência familiar e comunitária, afiançada no direito da
criança e do adolescente e presente nas várias diretivas, encontram, nas cidades
parceiras, mecanismo para o monitoramento e o controle de direitos sociais, na
forma de observatório de indicadores ou de defensorias públicas.
As cidades possuem também, várias políticas de cuidados alternativos ao
acolhimento institucional, que possibilitam à criança o acesso à família, com
precedência a sua, mas, também, famílias acolhedoras, substitutas, comunidades
familiares. Esse direito fundamentado na família de origem, para além da retórica,
deve se expressar nos programas, projetos, serviços e benefícios, o que não é
comum em todas as cidades, com apoio aos cuidados familiares diversificados e
apreensão de significações distintas para suas construções.
Observa-se, ao analisar os serviços e benefícios públicos existentes nas
cidades, a determinação da regulação social tardia na América Latina, decorrente do
recente processo de democratização e com sistemas de proteção social
inconclusos. Nota-se, também, a falta de apreensão de algumas significações, de
ordem estrutural, que impactam a organização social.
As cidades europeias parceiras expressam o reconhecimento das mudanças
estruturais das famílias, em suas dificuldades de conciliação de cuidados de seus
membros, com o trabalho. Os benefícios de estímulo ao tempo de maior convivência
familiar realizado pelas licenças parentais, para homens e mulheres, e os serviços
públicos de compatibilidade às demandas de tempo específicas, como guarda de
criança em períodos parciais, noturnos ou de férias, tendem a possibilitar a
compatibilidade para a proteção social dos membros familiares.
São questões ainda não reconhecidas pelas cidades sócias da América
Latina. O Brasil não é signatário da Convenção da OIT 156 (1981) relativa à
igualdade de oportunidades e de tratamento para os trabalhadores de ambos os
sexos, com responsabilidades familiares.
A família é reconhecida em todas as cidades parceiras como importante
instância provedora de proteção social e considerada como estratégica para o êxito
das políticas públicas. No entanto, as condições de intervenção pública distinguem-
se entre os parceiros e podem ser observadas três modalidades de abordagens
185
frente à família: o familismo; a existência de políticas implícitas de apoio familiar; e
políticas familiares explícitas.
Na acepção familista, o Estado transfere para as famílias a maior parte da
responsabilidade pelos cuidados e garantia de proteção social dos seus membros.
(CAMPOS & TEIXEIRA, 2010) O familismo se expressa em graduações diferentes,
conforme a desresponsabilização pública, quer pela omissão e, também, pelo
compartilhamento de metas ambiciosas, diante de situações adversas e de difícil
solução, com parcos investimentos. A desresponsabilização tem a marca neoliberal
da minimização do Estado, não reconhece questões estruturais e transfere
responsabilidades para respostas e soluções individuais ou centradas na
sociabilidade comunitária, que desoneram as ações públicas e remetem o insucesso
da ação à família.
As políticas implícitas são serviços que contribuem para as necessidades e
funções familiares, como enfrentamento à pobreza, outras dirigidas às crianças,
adolescentes, contudo, não se constituem como políticas de apoio dirigidas, com
planos estruturantes integrados e metas direcionadas especificamente para as
famílias.
As políticas familiares explícitas reconhecem as questões estruturais que
impactam a organização e a dinâmica familiar, constituem-se pela ação planejada.
Tem a centralidade estratégica na família, mas promove políticas públicas
articuladas e direcionadas aos objetivos a serem alcançados. Referenciada na
Europa, Saraceno e Naldini (2003) consideram três atributos às políticas familiares
explícitas: apoio aos custos dos filhos, a paridade entre os gêneros e o
reconhecimento dos índices demográficos que comprometem a reprodução social,
características de intervenção pública observadas na França.
A convivência familiar e comunitária da criança, entendida enquanto
contraponto ao acolhimento institucional, realizada para a proteção social de
crianças, permite expressar as três condições de apoio familiar enunciadas, como
ações de prevenção, de restauração de vínculos familiares e também alternativas de
cuidados parentais.
Observa-se o familismo quando a ação pública promove o retorno familiar de
crianças em condições insuficientes e em curto espaço de tempo para a solução da
persistente pobreza ou conflitos familiares, sem a mediação ou reconhecimento de
mudanças estruturais que provocam tensão na base relacional. As políticas
186
implícitas, aquelas que contribuem parcialmente para a solução dos problemas,
como inclusão em programas de combate da pobreza e de apoio às crianças, sem
planos individualizados, para restauração ou prevenção da recorrência de situações
de risco.
E as políticas familiares explícitas, que mantém a ação estratégica na
capacidade de proteção familiar, como as anteriores, mas asseguram a dimensão da
totalidade estrutural e da diversidade de situações que impacta o cotidiano e a
capacidade de proteção familiar. Possibilita ações planejadas de prevenção, de
proteção e de restauração de vínculos familiares, o que antecede a substituição
familiar de crianças.
A conjugação de políticas, de proteção e desenvolvimento de crianças e
adolescentes, combate à pobreza e conciliação de trabalho e família, possibilitam a
construção de indicadores mais efetivos da capacidade de proteção social familiar
aos seus membros e a reprodução da sociedade.
187
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tema da proteção social de crianças e adolescentes instigou esta pesquisa
e possibilitou constatações de natureza teórica e ético-política, que contribuem
dentro do campo das políticas sociais. Foi analisado por meio da convivência
familiar e comunitária e do seu contraponto, observado em duas dimensões: nas
dificuldades das famílias e nas práticas públicas fundadas no acolhimento
institucional
Diferentemente de um tema circunscrito à esfera privada, a família como
forma de organização básica das sociedades, para a sobrevivência, produção e
reprodução da espécie humana, sofre determinações de ordens econômica, política
e cultural, que impactam a esfera do cotidiano e da totalidade e provocam
transformações na dinâmica interna e em suas configurações.
As transformações na organização e composição das famílias não ocorrem de
forma linear, nem são universais, mas demonstram prevalências ajustadas aos
movimentos societários. Uma dinâmica que possibilita, ao longo da história, a
presença das famílias nas sociedades, como um dos pilares responsáveis e
responsabilizados para o desempenho da proteção social.
No início da história da humanidade, é observada a proteção social realizada
pelas famílias organizadas coletivamente, ou o que podemos chamar de
sociabilidade da comunidade, com funções econômicas e políticas, o que se segue,
nas famílias fundadas no patriarcalismo feudal, e as extensas, que se constituem
como unidades produtivas.
A nuclearização das famílias, estimulada economicamente pelo processo de
industrialização, aproxima afetivamente os membros familiares que exercem a
proteção interna calcada na base relacional e na solidariedade entre os gêneros e
também gerações. Um período em que o sentimento e o modelo de família,
denominado de nuclear conjugal, têm seu ápice, baseados em sua capacidade de
atender da melhor forma às necessidades materiais e afetivas para os cuidados de
proteção de seus componentes, desempenhando funções de gênero bem definidas
entre os membros adultos.
188
O avanço da individualização e o acelerado ingresso da mulher no mundo do
trabalho, com a democratização das relações e de conquistas de direitos individuais,
provocam na atualidade tensões na dinâmica interna da família de forma a gerar
reconfigurações. As famílias ficam menores e a monoparentalidade feminina é um
fenômeno que se acentua, com impactos sobre a base relacional e econômica.
Apesar do reconhecimento das transformações atuais no âmbito familiar, as
respostas institucionais vêm se mostrando insuficientes para o reequilíbrio
societário. O modelo tradicional e naturalizado de proteção familiar ainda está
presente nas representações sociais e nas expectativas que norteiam as políticas
públicas/sociais.
As transformações econômicas e do mundo do trabalho, apontadas para a
determinação da crise mundial dos sistemas de proteção social, anteriormente
assentados na sociedade salarial, e da ascendência do processo de
democratização, com a busca de avanços de direitos sociais nos países em
desenvolvimento, são dois movimentos distintos que recolocam a família em
evidência, pela expectativa de sua capacidade de solidariedade interna destinada à
proteção social.
Proclamam a família como o melhor lugar para a socialização, o
desenvolvimento afetivo e a constituição dos sujeitos. Sua capacidade de
desenvolver um conjunto de estratégias de sobrevivência, para melhor atender às
necessidades econômicas e afetivas, são as representações construídas sobre a
capacidade familiar de proteção de seus membros.
São expectativas que contribuem para justificar, na sua incapacidade, o
acolhimento institucional de crianças. Ao mesmo tempo, são as mesmas que
questionam, na atualidade, a capacidade da proteção pública realizada nesta
modalidade, por não possibilitar vínculos afetivos e relacionais. Uma dicotomia que
requer o equilíbrio de políticas sociais para o apoio e a prevenção de situações que
pressionam a família em suas bases econômica e relacional.
A análise comparada entre as cidades sócias, da América Latina e Europa,
possibilitou reconhecer expressões da questão social que impactam as famílias e
respostas institucionais para o fortalecimento de sua capacidade de proteção social.
As motivações que conduzem crianças e adolescentes ao acolhimento
institucional têm prevalência nos conflitos familiares, que avançam para a violência
doméstica e são seguidas de ocorrências que envolvem muitos problemas: saúde
189
dos pais, pobreza, situação de rua, abuso e exploração sexual de crianças. O
padrão da monoparentalidade feminina é uma das semelhanças identificadas nas
famílias atendidas, expressando demandas da ação pública referentes aos
problemas econômicos; aos cuidados familiares; e à ausência ou inadequação de
intervenções públicas.
A pesquisa realizada permitiu obter muitas informações sobre a legislação, os
benefícios, direitos trabalhistas, programas, projetos e serviços desenvolvidos pelas
cidades sócias. São ofertas diversificadas nas cidades, sendo, todavia, possível
apreender três tendências de políticas familiares destinadas aos cuidados das
crianças, ao combate da pobreza, e à conciliação do trabalho e família. Sua
conjugação permite constituir referências para o melhor êxito das capacidades
familiares e das intervenções públicas.
A regulação social tardia pode ser observada na comparação das políticas
sociais das cidades europeias com as praticadas nas cidades latino-americanas.
Com direitos sociais legalmente reconhecidos nas duas últimas décadas, as cidades
da América Latina apresentam menor diversificação e especialização de serviços e
têm na agenda a prioridade ao enfrentamento da pobreza. Trata-se de uma nova
consciência social, que vem dando visibilidade às históricas situações de pobreza e
aos ajustes sociais perversos em que pese ter levado a um desvio da maior parte do
investimento social para a focalização extremada no combate à pobreza
As cidades europeias, com problemas econômicos relacionados às
transformações e precarização do mundo do trabalho, e com o aumento das
populações migrantes em busca de ocupação, reestruturam a cobertura pública de
seus serviços e potencializam a ação das famílias para compor a proteção social.
Notam-se, entretanto, diferenças entre as cidades europeias referentes às formas de
gestão. Em Nantes, a presença estatal é forte e, em Milão, o Estado desenvolve a
função reguladora, cabendo ao voluntariado e às associações privadas a
prevalência nas ações executivas, com grande valor atribuído à proteção social
familiar.
A identificação de políticas de apoio à convivência familiar nas cidades
parceiras nos permite alegar que essa prerrogativa é um direito que tem como objeto
a criança, e não a família. Nota-se essa prioridade atribuída por estatutos legais
específicos; políticas sociais básicas e especializadas; condicionalidades familiares
de cuidados às crianças em políticas de combate à pobreza; várias alternativas de
190
cuidados parentais para assegurar a convivência familiar, como um direito da
criança e do adolescente.
O investimento na criança, em todas as cidades, é considerado prioritário e
possibilita um bem coletivo ao desenvolvimento social. A qualidade desse
investimento tem dimensões de proteção e de desenvolvimentos físico, cognitivo e
cultural. O crescimento cultural de crianças e adolescentes é importante forma de
possibilitar igualdade de oportunidades sociais e os serviços de creche, pré-escola,
escolas em jornada integral ou em centros de convivência com atividades arte-
educativas, podem potencializar os resultados.
Quando a análise tem por objeto a família, o estudo reconheceu a importância
estratégica a ela atribuída como instância provedora de proteção social. São,
entretanto, diferentes as concepções que norteiam a ação pública e nos permitem
distinguir três disposições: o familismo; as políticas implícitas de apoio familiar; e as
políticas familiares explícitas.
O familismo é a situação em que o Estado transfere para as famílias a maior
parte da responsabilidade pelos cuidados dos seus membros, naturalizando sua
função de provedora de proteção social, obrigando-a direta ou indiretamente a
assumir tais cuidados em níveis extremados e irrealísticos para sua capacidade; as
políticas implícitas de apoio familiar aportam auxílios de diferentes naturezas para o
desempenho de suas responsabilidades familiares, mas possibilitam uma cobertura
parcial de serviços, na medida em que agem de maneira reparadora, não identificam
impactos de natureza estrutural e demandas personalizadas, e políticas familiares
explícitas, que se constituem pela ação planejada e intersetorial, estratégica, em
relação às questões estruturais e do cotidiano, expressas nas agendas política e
técnica.
As políticas sociais públicas de conciliação do trabalho e família, tendo a
licença parental em sua dianteira, são observadas apenas nas cidades europeias.
Podem representar, juntamente com as políticas de conciliação de tempo para
cuidados parentais, ajustes de horários de serviços públicos, importante iniciativa de
apoio aos cuidados parentais e de equidade entre os gêneros, medidas facilitadoras
de mais equilíbrio nas tensões internas da família.
A inserção na agenda política é a primeira etapa para o início da
implementação de políticas públicas e ocorre quando um tema ganha visibilidade e a
sociedade assume que deve fazer algo sobre ele. Acreditamos que a assinatura da
191
Convenção 156 da OIT, pelo Brasil, pode-se configurar em importante instrumento
para a conciliação entre trabalho e família. Apesar de dirigida a famílias
trabalhadoras, possibilita a mudança cultural, ao inserir políticas para igualdade de
oportunidades entre os gêneros e o apoio às responsabilidades familiares.
Os cuidados familiares não podem se caracterizar apenas como estratégias
familiares, basicamente femininas, circunscritas à vida privada. As organizações
familiares, na atualidade, foram afetadas pelo movimento societário e, por sua vez,
também retornam à sociedade na forma de expressões da questão social.
Caracterizam-se como fenômenos sociológicos e exigem a integração social e a
regulação pública, como forma de proteção social, prevenção de violências diversas
e melhor desenvolvimento societário. Sua ausência é impeditiva do melhor
desenvolvimento infanto-juvenil e de conflitos na dinâmica interna familiar
Na realidade brasileira, este estudo é um incentivo à reflexão e à ação em
várias áreas de intervenção das políticas sociais, tais como a assistência social,
educação, saúde e trabalho. Articula-se com a proposta de construção do projeto
ético-político do Serviço Social, em um cenário em que são reconhecidas
oportunidades para avanços de direitos de cidadania, na perspectiva da existência
de uma sociedade mais justa e equitativa, social e economicamente.
192
REFERÊNCIAS
ACOSTA, Ana Rojas; VITALE, Maria Amalia Faller (Orgs.) Família: redes, laços e políticas públicas. São Paulo: IEE/PUC-SP, 2003.
ARRETCHE, Marta. Políticas sociais no Brasil: descentralização em um estado federativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 14, n. 40, São Paulo, jun. 1999, p. 111-141.
BALERA, Wagner. Sistema de seguridade social. 5. ed. São Paulo: LTR, 2009.
BARREIRA, Maria Cecilia; CARVALHO, Maria do Carmo. Tendências e perspectivas na avaliação de políticas e programas sociais. São Paulo: IEE/PUC-SP, 2001.
BAUMAN, Zygmunt. A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
BAPTISTA, Myrian Veras. A questão social como um desafio histórico do serviço social. São Paulo: Veras, 2009. Disponível em: <http://www. veraseditora.com.br/.../ >. Acesso em: 20 mar. 2011.
______. Planejamento social: intencionalidade e instrumentação. São Paulo: Veras, 2. ed., 2002.
BAPTISTA, Rachel. Acolhimento familiar, experiência brasileira: reflexões com foco no Rio de Janeiro. Tese (Mestrado em Serviço Social)- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo: PUC-SP, 2006.
BATISTA, Paulo Nogueira. O consenso de Washington: a visão neoliberal dos problemas latino-americanos. In: LIMA SOBRINHO at al. Em defesa do interesse nacional: desinformação e alienação do patrimônio público. São Paulo: Paz e Terra, 1994.
BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Ed 34, 2010.
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 8. ed., rev. e ampl., RJ: Paz e Terra, 2002.
193
______. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. 8. ed., São Paulo: Paz e Terra, 2000.
______. Ensaios sobre Gramsci e o conceito de sociedade civil. SP: Paz e Terra, 1999.
BOTARELLI, Adalberto. Exclusão e sofrimento: O lugar da afetividade em programas de atendimento às famílias pobres. Tese (Mestrado em Psicologia Social)- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo: PUC-SP, 2002.
BRASIL. Lei Federal n. 12.435, de 6 de julho de 2011. Altera a Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social. Brasília: Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. 2011.
______. Lei de diretrizes e bases da educação nacional (LDB). 5. ed. Brasília: Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Centro de Documentação e Informação. Coordenação de Biblioteca. 2010. Disponível em: <http://www.db.camara.gov.br>. Acesso em: 15 mar. 2011.
______. Objetivos de desenvolvimento do milênio: relatório nacional de acompanhamento. Brasília: Ipea, 2010.
______.Concepção e gestão da proteção social não contributiva no Brasil. Brasília: MDS & Unesco, 2009.
______.Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, aprovada pelo CNAS - Resolução n. 109, de 11 de novembro de 2009. Publicada no Diário Oficial da União em 25 de novembro de 2009b.
______. Lei federal n. 12.010, de 3 de agosto de 2009. Dispõe sobre adoção. Brasília: Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. 2009c.
______.Suas: configurando os eixos de mudança - CapacitaSuas, v. 1, MDS & IEE-PUCSP, Brasília: MDS, 2008a.
______.Constituição da república federativa do Brasil de 1988, atualizada até a Emenda Constitucional n. 56, 2007. São Paulo: Imprensa Oficial, 2008b.
194
_______. Retrato das desigualdades de gênero e raça. 3. ed. Análise preliminar dos dados. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Ipea, Unifem. 2008c.
______. Lei federal n. 11.770, de 9 de setembro de 2008. Cria o Programa Empresa Cidadã, destinado à prorrogação da licença-maternidade mediante concessão de incentivo fiscal. Brasília: Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. 2008d.
______.Plano nacional de promoção, defesa e garantia do direito de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária. Brasília: MDS, 2006.
______.Política nacional de assistência social – PNAS/2004 & Norma operacional básica – NOB/Suas. Brasília: MDS, 2005.
______.Levantamento nacional de abrigos para crianças e adolescentes. Brasília: SEDH e Ipea, 2004.
______. IBGE. Síntese de indicadores sociais 2004. Rio de janeiro: IBGE, 2004a.
______. Lei federal n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Novo Código Civil Brasileiro. Brasília: Presidência da República. Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos, 2002.
______. IBGE. Perfil das mulheres responsáveis pelos domicílios no Brasil 2000. Rio de Janeiro: IBGE, 2002a.
______. Diretrizes nacionais para a política de atenção integral à infância e à adolescência – 2001-2005. Brasília: Conanda, 2000.
______. IBGE. Síntese de indicadores sociais. Rio de janeiro: IBGE, 2000.
______. Lei federal n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Lei Orgânica de Assistência Social. Brasília: Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos, 1993.
______. Lei federal n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília: Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos, 1990.
195
______. Decreto n. 99.710, de 21 de novembro de 1990. Convenção sobre os Direitos da Criança. Brasília: Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos, 1990b.
______. Funabem ano 20. Brasília: Funabem, 1984.
______. Lei n. 6.697, de 10 de outubro de 1979. Código de Menores, Brasília: Senado Federal. Subsecretaria de Informações. Disponível em: <http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/cao_infancia_juventude/legislacao_geral/leg_geral_federal>. Acesso em: 15 jan. 2011.
______. Decreto-Lei n. 3.799, de 5 de novembro de 1941. Serviço de Assistência a Menores - SAM. Senado Federal, Subsecretaria de Informações. Brasília. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes>. Acesso em: 15 jan. 2011.
______. Decreto 17.943-A, de 12 de outubro de 1927. Código de Menores, Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1910-1929/d17943a.htm>. Acesso em: 18 dez. 2010.
BRONZO, Carla. Vulnerabilidade, empoderamento e metodologias centradas na família: conexões e uma experiência para reflexão. In: BRASIL. Concepção e gestão da proteção social não contributiva no Brasil. Brasília: MDS & Unesco, 2009, p. 171-201.
BRUSCHINI, Maria Cristina et al. Articulação trabalho e família: famílias urbanas de baixa renda e políticas de apoio às trabalhadoras. São Paulo: FCC/DPE, 2008.
BURNS, Edward M. História da civilização ocidental: do homem das cavernas até a bomba atômica. 24.ed. Porto Alegre: Globo, 1981.
CABRAL, Claudia (Org.) Acolhimento familiar: experiências e perspectivas. Rio de Janeiro: Book link Publicações Ltda., 2004.
CAMARGO, Vera Lucia. Famílias acolhedoras: um estudo comparativo. Tese (Mestrado em Serviço Social)- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). São Paulo: PUC, 2007.
CAMPOS, Marta. Políticas públicas e exigências éticas. In: BAPTISTA, SANCHEZ (Orgs.) Teologia e sociedade: relações, dimensões e valores éticos. São Paulo: Paulinas, 2011. p. 119-130.
196
_____. Metodologias de trabalho social no Cras. São Paulo Capacita Cras, v.01, Marcos legais. São Paulo: Seads, 2009.
______. Família e proteção social: alcances e limites. In: ZOLA, Marlene (Org.) Cooperação internacional para proteção social de crianças e adolescentes: o direito à convivência familiar e comunitária. SBC: Fundação Criança de São Bernardo do Campo, 2008. p. 23-33.
______.Família e política social: caso brasileiro e estudo particular de São Paulo. In: A questão social no novo milênio. VIII CONGRESSO LUSO-AFRO-BRASILEIRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS. Coimbra, 16, 17, 18 de setembro de 2004. Disponível em: < http://www.ces.uc.pt/lab2004/pdfs/MartaCampos.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2011.
______. A construção de redes de pesquisa sobre a família. In: Pesquisando a família: olhares contemporâneos. Florianópolis: Papa-Livro, 2004. p. 149-157.
______; MIOTO, R.C.T.; LIMA T.C.S. Quem cobre as insuficiências das políticas públicas?: Contribuição ao debate sobre o papel da família na provisão de bem-estar social. Revista de Políticas Públicas, v. 10, n.1, Universidade Federal do Maranhão, São Luís (MA), jan./jul. 2006. p.165-185.
______; MIOTO, Regina. Política de assistência social e a posição da família na política social brasileira. Ser Social 12. Revista do Programa de Pós-Graduação em Política Social do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (DF), Brasília, jan./jul. 2003, p.165-190.
______; TEIXEIRA, Solange. Gênero, família e proteção social: as desigualdades fomentadas pela política social. Revista Katálysis. Universidade Federal de Santa Catarina, v. 13, n.1, p. 20-28, jan/jun. 2010.
CARVALHO, Maria do Carmo Brant (Org.) A família contemporânea em debate. 4.ed. São Paulo: Cortez, 2002 a.
______. O lugar da família na política social. In: CARVALHO, Maria do Carmo Brant (Org.) A família contemporânea em debate. 4.ed. São Paulo: Cortez, 2002 b. p.15-22.
______. Famílias e políticas públicas. In: ACOSTA; VITALE (Orgs.) Família: redes, laços e políticas públicas. São Paulo: IEE-PUC, 2003c. p. 267- 274.
CASTEL, Robert. As armadilhas da exclusão. In: BELFIORE-WANDERLEY, Mariangela; BÓGUS, Lucia; YASBEK, Maria Carmelita. Desigualdade e a questão social. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Educ, 2007. p.17-50.
197
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade - a era da informação: economia, sociedade e cultura. v.2, 3.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
CHEMIN, Anne. Na Noruega, pai pode ficar com recém-nascido pelos três primeiros meses. Le Monde, 28 jun. 2011.
CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em ciências humanas e sociais. São Paulo: Cortez, 1991.
______. A pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais: evolução e desafios. Revista Portuguesa de Educação, ano/v.16, n. 02, Universidade Minho: Portugal, 2003. p. 221-236.
______. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.
CLONINGER, Susan. Teorias da personalidade. São Paulo: Martins Fonte, 2009.
COMUNE DI MILANO. Carta dei servizi sociali. Milão, Itália: Ancora, 2006.
CONANDA. IV CONFERÊNCIA NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Anais... Documentos, Brasília, 2001.
___________. CNAS, plano nacional de promoção, proteção e defesa do direito de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária. Brasília, DF, 2006.
CORRÊA, Mariza. Repensando a família patriarcal brasileira. In: ARANTES et al. Colcha de retalhos: estudos sobre a família no Brasil. 2. ed. Campinas, SP: Unicamp. 1993. p.15-42.
COSTA, Antonio C. G. O Estatuto da criança e do adolescente e a política de atenção à infância e a juventude. In: Discutindo a assistência social no Brasil. São Paulo: Fundap, 1997. p.113-120.
_______. A família como questão social no Brasil. In: KALOUSTIAN, Silvio. (Org.) Família brasileira: a base de tudo. 6. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: Unicef, 2004. p. 19-25.
198
COUTINHO, Carlos Nelson. Dualidade de poderes: introdução à teoria marxista de estado e revolução. São Paulo: Brasiliense, 1985.
_______. Pluralismo: dimensões teóricas e políticas. Cadernos ABESS, Gestão 89/91, 1989.
COUTO, Berenice Rojas. O direito social e a assistência social na sociedade brasileira. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
______. O sistema único de assistência social: uma nova forma de gestão de assistência social. In: BRASIL. Concepção e gestão da proteção social não contributiva no Brasil. Brasília: MDS; Unesco, 2009. p. 205 -217.
CUNHA, Rosani. Transferência de renda com condicionalidade: a experiência do programa bolsa família. In: BRASIL. Concepção e gestão da proteção social não contributiva no Brasil. Brasília: MDS; Unesco, 2009. p.331-361.
DI GIOVANNI, Geraldo. Sistema de proteção social. 2008. Disponível em: < http://geradigiovanni.blogspot.com/2008/08/sistema-de-proteo-social.html>. Acesso em: 10 out. 2010.
DIAS, Walkyria Acquesta. Construções possíveis: o convívio em um projeto público de acolhimento familiar: Tese (Mestrado em Serviço Social)- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo: PUC-SP, 2009.
DONATI, Pierpaolo. Família no século XXI: abordagem relacional. São Paulo: Paulinas, 2008.
DRAIBE, Sônia. A política social no período FHC e o sistema de proteção social. Tempo social, v.15, n. 2, 2003. pp. 63-101. Disponível em: < http://www.scielo.br>. Acesso em: 18 jun. 2010.
______. 1980-2000: proteção e insegurança sociais em tempos difíceis. In: Taller inter-regional “protección social en una era insegura: un intercambio sur-sur sobre políticas sociales alternativas en respuesta a la globalización”. PNUD-Brasil: Santiago, Chile, 14/16 mayo 2002.
______. Avaliação de implementação: esboço de uma metodologia de trabalho em políticas públicas. In: ROXO; CARVALHO (Orgs.) Tendências e perspectivas na avaliação de políticas e programas sociais. São Paulo: IEE/PUC-SP, 2001. p. 13- 42.
199
ECO, Umberto. Como se faz uma tese. São Paulo: Perspectiva, 18. ed., 2002.
ELAGE, Bruna (Coord.) História de vida - identidade e proteção: a história de Martim e seus irmãos. Coleção abrigos em movimento. São Paulo: Neca, 2010.
ENGELS, Friedrich. 1820-1895. A origem da família, da propriedade privada e do estado. 3. ed., 3. reimp. São Paulo: Centauro, 2009.
ESPING-ANDERSEN, Gosta. Três lições sobre o estado-providência. Lisboa, Portugal: Campo da Comunicação, 2009.
______. Fundamentos sociales de las economias postindustriales. Barcelona: Ariel. 2000.
______. O futuro do welfare state na nova ordem mundial. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, n. 35, São Paulo, 1995. p.73-111.
______. As três economias políticas do welfare state. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, n. 24, São Paulo, 1991. p.85-116.
FALEIROS, Vicente de Paula. A política social do estado capitalista. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2007.
_______. Estratégias em serviço social. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
FÁVERO, Terezinha; VITALE, Maria Amália; BAPTISTA, Myrian Veras (Orgs.) Famílias de crianças e adolescentes abrigados: Quem são, como vivem, o que pensam, o que desejam. São Paulo: Paulus, 2008.
FILGUEIRA, Fernando. Tipos de welfare y reformas sociales em América Latina: eficiencia, residualismo y ciudadania estratificada. Me: Guadalajara, 1997.
FERRARI, Mario; KALOUSTIAN, Silvio. Introdução: a importância da família. In: KALOUSTIAN, Silvio (Org.) Família brasileira: a base de tudo. 6. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: Unicef, 2004. p.11-15.
FONSECA, Claudia. Da circulação de crianças à adoção internacional: questões de pertencimento e posse. Cadernos Pagu, n. 26, jan./jun. 2006. p.11-43. Publicado pela primeira vez em francês – La circulation des enfants pauvres au Bresil: une
200
pratique locale dans un monde globalisé. Anthropologie et Sociétés 24(3), 2001. p. 24-43. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf>. Acesso em: 12 mar. 2011.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 24. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
________. História da loucura na idade clássica. São Paulo: Perspectiva, 1978.
FRANÇA. Code de l'action sociale et des familles, atualizado pelo Ato n. 2007-293 de 5 de marco de 2007. Jornal Oficial de 6 de março de 2007.
FREITAS, Marcos Cezar (Org.) História social da infância no Brasil. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
FREY, Klaus. Políticas públicas: um debate conceitual e reflexões referentes à prática da análise de políticas públicas no Brasil. Planejamento e Políticas Públicas, n. 21, jun. 2000. p. 211-259. Disponível em< www.ipea.gov.br/ppp/index.php>. Acesso em: 18 out. 2009.
FUNDAÇÃO CRIANÇA DE SÃO BERNARDO DO CAMPO. Decreto n. 16.556, de 1o de julho de 2008. Estatuto da Fundação Criança de São Bernardo do Campo. SBC: Notícias do Município n. 1.457, de 25 de julho de 2008.
GIDDENS, Anthony. Mundo em descontrole. RJ, SP: Record, 3. ed., 2003.
GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas em pesquisa social. 6. ed. SP: Atlas, 2009.
GRAMSCI, Antonio. A Concepção Dialética da Historia. 3. Ed. RJ: Civilização Brasileira, 1978.
GUEIROS, Dalva. Família e proteção social: questões atuais e limites da solidariedade familiar. Serviço Social e Sociedade, n. 71, ano XXIII, set. 2002. p. 102-121.
GUIRADO, Marlene. Vértices da pesquisa em psicologia clínica. Psicol. USP, 1997, v.8, n.1, p.143-155. Disponível em: < http://www.scielo.br>. Acesso em: 18 ago. 2009.
______. Psicologia institucional. In: RAPPAPORT (Coord.). Temas básicos de psicologia. São Paulo: EPU, 1987.
201
______. Instituições e relações afetivas: o vínculo com o abandono. São Paulo: Summus, 1986.
GUILHON DE ALBUQUERQUE, José Augusto. Metáforas da desordem. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
HELLER, Agnes. A concepção de família no estado de bem-estar social. Serviço Social e Sociedade, n. 24. São Paulo: Cortez, ago. 1987. p.5-48.
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970.
IAMAMOTO, Marilda. Serviço social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. São Paulo: Cortez, 2007.
______. As dimensões ético-políticas e teórico-metodológicas no serviço social contemporâneo. XVIII SEMINÁRIO LATINOAMERICANO DE ESCUELAS DE TRABAJO SOCIAL. San José, Costa Rica, 12 de Julio de 2004. Disponível em:<http://www.fnepas.org.br/pdf/servico_social_saude>.Acesso em: 2 fev. 2010.
______. A questão social no capitalismo. Temporalis: Revista da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social - ABEPSS, ano II, n. 3, 2004b. p.9-41.
INOJOSA, Rose. Sinergia em políticas e serviços públicos: desenvolvimento social com intersetorialidade. Cadernos Fundap, n. 22, 2001, p. 102-110.
ITÁLIA. Legge 149/2001 - Diritto del minore a una famiglia. 2001. Publicado no Diário Oficial n. 96, 26 abr .2001. Roma: Diário Oficial da República, 2001.
______. Decreto Legislativo 26 marzo 2001, n. 151. Testo unico delle disposizioni legislative in materia di tutela e sostegno della maternita' e della paternita', a norma dell'articolo 15 della legge 8 marzo 2000, n. 53. Diário Oficial n. 96, 26 abr. 2001. Roma: Diário Oficial da República, 2001.
______. Legge regionale 23/1999 – Politiche regionali per la famiglia. Lombardia: Diário Oficial, 1999.
JACCOUD, Luciana (Org.) Questão social e políticas sociais no Brasil contemporâneo. Brasília: Ipea, 2005.
202
______. Proteção social no Brasil: debates e desafios. In: BRASIL. Concepção e gestão da proteção social não contributiva no Brasil. Brasília: MDS; UNESCO, 2009. p. 57-86.
JOVCHELOVITCH, Marlova. Municipalização, participação popular e política de assistência social. In: Discutindo a assistência social no Brasil. São Paulo: MPAS; Fundap, 1997. p. 89-96.
JUNQUEIRA, Luciano A. P. Conselhos municipais e a gestão em rede das políticas sociais. Informativo Cepam – Conselhos municipais das áreas sociais, v. 1, 2002.
KALOUSTIAN, Silvio (Org.) Família brasileira: a base de tudo. 6. ed.São Paulo: Cortez; Brasília, DF: Unicef, 2004.
KLIKSBERG, Bernardo. Por uma economia com face mais humana. Brasília: Unesco, 2003.
_______. Falácias e mitos do desenvolvimento social. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: Unesco, 2001.
LASCH, Cristopher. A mulher e a vida cotidiana: amor, casamento e feminismo. Organizado por Elizabeth Lasch-Quinn, tradução de Heloísa Martins Costa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
LAVINAS, Lena. Pobreza, desigualdade e exclusão: contextos atuais exclusão. In: Luta contra a pobreza urbana, documento de base, Rede 10 URB-AL, São Paulo: 2003. p. 25-59.
LAPASSADE, Georges. Grupos, organizações e instituições. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977.
LEITE, Míriam Moreira (Org.) A condição feminina no Rio de Janeiro, século XIX: antologia de textos de viajantes estrangeiros. São Paulo: Hucitec; Brasília: INL, Fundação Nacional Pró-Memória, 1984.
LÉVI-STRAUSS, Claude. História de la familia, prólogo. Madrid: Alianza, 1988.
_______. Dialética da família: gênese, estrutura e dinâmica de uma instituição repressiva. Tradução de Carlos Nelson Coutinho, 5. ed., São Paulo: Brasiliense, 1987.
203
LOYN, Henry. Dicionário da idade média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.
MARCÍLIO, Maria Luiza. A roda dos expostos e a criança abandonada na História do Brasil.1726-1950. In: FREITAS, Marcos. História social da infância no Brasil. 8.ed. São Paulo: Cortez, 2011.
MARCONI, Marina; LAKATOS, Eva Maria. Técnicas de pesquisa. São Paulo: Atlas, 1988.
MARICONDI, M. A. (Coord.) Falando de abrigo: Cinco anos de experiência do projeto casas de convivência. Febem-SP, 1997.
MARTIN, Claude. Os limites da protecção da família. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 42, maio, Coimbra, Portugal: Centro de Estudos Sociais, 1995. p.53-72.
MARTINELLI, Maria Lúcia. Reflexões sobre o serviço social e o projeto ético-político profissional. Palestra promovida pelo Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de Ponta Grossa, PR, em 10 nov. 2005. Disponível em: <http://www.revistas2.uepg.br/index.php/emancipacao/article/viewArticle/69>.Acesso em: 18 fev. 2011.
MARTINS, José de Souza. Exclusão social e a nova desigualdade. 4. ed. São Paulo: Paulus, 2009.
______. A sociedade vista do abismo: novos estudos sobre exclusão, pobreza e classes sociais. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
MARTINS, Sergio. Direito da seguridade social. São Paulo: Atlas S.A., 1997.
MARSHALL, T. H. Política social. Rio de Janeiro: Zahar, 1967a.
______. Cidadania, classe social e status. Tradução de Meton Porto Gadelha. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967b.
MELO, Eduardo Rezende. Audiência concentrada – apresentação de relatório de ações realizadas, seus resultados e ações complementares necessárias para a revisão da situação de crianças e adolescentes em programas de acolhimento. São Paulo, 16 de novembro de 2010.
204
NARVAZ, Martha; KOLLER, Sílvia Helena. A concepção de família de uma mulher-mãe de vítimas de incesto. Psicologia: Reflexão e Crítica. 19 (3), 2006, p. 395-406. Disponível em: <http:// www.cielo.br/prc>. Acesso em: 17 fev. 2011.
NAZZARI, Muriel. O desaparecimento do dote: mulheres, famílias e mudança social em São Paulo, Brasil, 1600-1900. Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira, São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
NETO, José Paulo. A construção do projeto ético-político do serviço social. Brasília, Cfess/Abepss/Cead/UnB, 1999. Disponível em: <http:// www.cpihts.com> Acesso em: 17 fev. 2011.
NOGUEIRA, Marco Aurélio. Potência, limites e seduções do poder. Coleção Paradidáticos. São Paulo: Unesp, 2008.
______.Um Estado para a sociedade civil: temas éticos e políticos da gestão democrática. São Paulo: Cortez, 2004.
NOVELLINO, Maria Salet Ferreira. Os estudos sobre feminização da pobreza e políticas públicas para mulheres. Trabalho apresentado no XIV ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, ABEP, MG – Brasil, de 20-24 de setembro de 2004. Disponível em: <http://www.abep.nepo.unicamp.br/site_eventos_abep>. Acesso em: 18 jan. 2011.
OIT. Convenção (156) sobre a igualdade de oportunidades e de tratamento para homens e mulheres trabalhadores: trabalhadores com encargos de família. Genebra, em 3 de junho de 1981. Disponível em < http://www.cutpr.org.br/conv_156.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2011.
OIT-BRASIL. A abordagem da OIT sobre a promoção da igualdade de oportunidades e tratamento no mundo do trabalho. Texto 139. Brasília, em 8 de março de 2010. Disponível em: <www.oitbrasil.org.br/topic/gender/doc/08_marco_2010_ texto_139pdf>. Acesso em: 15 mar. 2010.
ONU. Diretrizes de cuidados alternativos à criança. Adotadas pelo Conselho de Direitos Humanos na Décima Primeira Sessão, em 15 de junho de 2009. ONU, 2009.
______.Convenção sobre os direitos da criança. Adotada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989. Unicef, 1989.
205
OXFORD. Dictionary of sociology. Disponível em:< http://www.enotes.com/oxsoc-encyclopedia>. Acesso em: 2 set. 2011.
PARSONS, Talcott. La familia em la sociedad urbana industrial de los Estados Unidos, extraído de “The American family: its relations to personality and the social structure”. In: ANDERSON, Michael. Sociologia de la familia. Mexico: Fondo de Cultura Económica, 1980. p. 43-60.
PASSETTI, Edson. Crianças carentes e políticas públicas. In: DEL PRIORE, Mary. História das crianças no Brasil. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2008. p. 347-375.
PAUGAM, Serge. O enfraquecimento e a ruptura dos vínculos sociais – uma dimensão essencial do processo de desqualificação social. In: SAWAIA, Bader, (Org.) As artimanhas da exclusão: Análise psicossocial e ética da desigualdade social. Rio de Janeiro: Vozes, 2008. p. 67-86.
_______. A desqualificação social: ensaio sobre a nova pobreza. São Paulo: Educ/Cortez, 2003.
PEREIRA, Potyara. Necessidades humanas: subsídios à crítica dos mínimos sociais. 4.ed. São Paulo: Cortez, 2007.
______. Discussões conceituais sobre política social como política pública e direito de cidadania. In: BOSCHETTI e al. (Orgs.) Política social no capitalismo: tendências contemporâneas. São Paulo: Cortez, 2008, p.87-107.
PEREZ, José Roberto. Avaliação do processo de implementação: algumas questões metodológicas. In: RICO, Elizabeth (Org.) Avaliação de políticas sociais: uma questão em debate. São Paulo: Cortez/IEE-PUC, 1998. p.65-73.
PERU. Ley n. 27.337, Código de los niños y adolescentes, 2000.
PRIORE, Mary Del. (Org.) História das crianças no Brasil. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2008.
RICO, Elizabeth (Org.) Avaliação de políticas sociais: uma questão em debate. São Paulo: Cortez/IEE-PUC, 1998.
RIZZINI, Irene. O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para a infância. São Paulo: Cortez. 2008.
206
______.(Coord.) Acolhendo crianças e adolescentes: experiências de promoção de direito à convivência familiar e comunitária no Brasil. São Paulo: Cortez; Brasília: Unicef; Rio de Janeiro: PUC-RIO, 2006.
ROMANELLI, Geraldo, Autoridade e poder na família, In: CARVALHO, M.C. (Org.) A família contemporânea em debate. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
SANTOS e AVRITZER, Leonardo. Introdução: para ampliar o cânone democrático. In: SANTOS, B. (Org.) Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p.39-82.
SÃO BERNARDO DO CAMPO. Dados sobre a educação infantil no município. Documentos Oficiais. SBC: Secretaria Municipal de Educação, 2008.
SÃO PAULO. São Paulo e a Rede 10 luta contra a pobreza urbana programa de cooperação URB-AL- Documento final. PMSP-SMRI, 2005. Disponível em: <www.prefeitura.sp.gov.br/urbal/pt/.../documento_final>. Acesso em: 23 maio 2011.
SARACENO,Chiara. Políticas familiares na Europa: uma perspectiva comparada. Minicurso realizado na PUC-SP. São Paulo, 2010. Material apostilado.
______. A igualdade difícil: mulheres no mercado de trabalho em Itália e a questão não resolvida da conciliação. Sociologia, problemas e práticas. n. 44, Lisboa: CIES-ISCTE / Celta, 2004. p.27-45.
______; NALDINI, Manuela. Sociologia da família. 2.ed. Lisboa, Portugal: Estampa, 2003.
SARTI, Cynthia A. Famílias enredadas. In: ACOSTA, Ana Rojas; VITALE, Maria Amalia Faller (Orgs.) Família: redes, laços e políticas públicas. São Paulo: IEE – PUC, 2002a. p. 21-36.
______. Família e individualidade: um problema moderno. In: CARVALHO, Maria do Carmo Brant (Org.) A família contemporânea em debate. 4.ed. São Paulo: Cortez, 2002b. p. 39-49.
______. Contribuições da antropologia para o estudo da família. Revista de Psicologia USP, Família e Educação, SP, v.3, n.1/2, 1992. p. 69-76.
207
SAWAIA, Bader. As artimanhas da exclusão: Análise psicossocial e ética da desigualdade social. 8. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2008.
______.O sofrimento ético-político como categoria de análise da dialética exclusão/inclusão. In: SAWAIA, B. As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. 8.ed. Rio de Janeiro: Vozes. 2008a. p.97-118.
______. Família e afetividade: a configuração de uma práxis ético-política, perigos e oportunidades. In: ACOSTA, Ana Rojas; VITALE, Maria Amalia Faller (Orgs.) Família: redes, laços e políticas públicas. São Paulo: IEE-PUC, 2003. p.39- 50.
SCHERER-WARREN, Ilse. Das mobilizações às redes de movimentos sociais. Sociedade e Estado, Brasília, v. 21, n.1, p. 109-130, jan./abr. 2006.
SÊDA, Edson. A proteção integral: um relato sobre o cumprimento do novo direito da criança e do adolescente na América Latina. 4.ed. São Paulo: Adês,1995.
SEVERINO, Joaquim Severino. Metodologia do trabalho científico. 22. ed. São Paulo: Cortez. 2002.
SILVA, Ademir. A gestão da seguridade social brasileira: entre a política pública e o mercado. 2. ed. São Paulo: Cortez. 2007.
SILVA, Enid Rocha; AQUINO, Luseni. Os abrigos para crianças e adolescentes e o direito à convivência familiar e comunitária. Publicação do Ipea, Políticas sociais - acompanhamento e análise de 11 de agosto de 2005. p. 186-193.
SILVA, Maria Lúcia Carvalho (Org.) Movimentos sociais em estudo e debate. n.1, São Paulo: Nemos-PUC, 1996.
______. Movimentos sociais na contemporaneidade. n. 2, São Paulo: Nemos-PUC, 1997.
SIMIONATTO, Ivete. Do welfare state ao welfare family: a reforma da assistência social na Itália. Ser Social 12, Revista do Programa de Pós- Graduação em Política Social, da Universidade de Brasília, jan./ jun. 2003. p. 145-190.
______.Gramsci: sua teoria, incidência no Brasil, influência no serviço social. 2.ed. Santa Catarina: UFSC; São Paulo: Cortez. 1999.
208
SIMÕES, Carlos. Curso do direito do serviço social. Biblioteca Básica do Serviço Social, v. 3, 3. ed. São Paulo:Cortez, 2009.
SINGLY, François. Sociologia da família contemporânea. Rio de Janeiro: FGV, 2007.
______.O nascimento do “indivíduo individualizado” e seus efeitos na vida conjugal e familiar. In: PEIXOTO; SINGLY, François; CICCHELLI (Orgs.) Família e individualização. Rio de Janeiro: FGV, 2000. p.13-19.
SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, ano 8, n. 16, jul./dez. 2006, Porto Alegre. p. 20-45. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/soc/n16/a03n16>. Acesso em: 27 set. 2010.
SPINOZA, Benetictus. 1632-1677. Ética/Spinoza. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
SPITZ, Clarice. Brasil tem nona maior taxa de analfabetismo da América Latina. Folha de S. Paulo, São Paulo, 28 set. 2007.
SPOSATI, Aldaiza. Modelo brasileiro de proteção social não contributiva: concepções fundantes. In: BRASIL. Concepção e gestão da proteção social não contributiva no Brasil. Brasília: MDS; Unesco, 2009. p.13-55.
______. Regulação social tardia: característica das políticas sociais latino-americanas na passagem entre o segundo e o terceiro milênio. VII CONGRESO INTERNACIONAL DEL CLAD SOBRE LA REFORMA DEL ESTADO E DE LA ADMINISTRACIÓN PÚBLICA. Lisboa, Portugal, 8-11 Oct. 2002. Disponível em: http://unpan1.un.org/intradoc/groups/public/documents/clad/clad0044509.>. Acesso em: 18 ago. 2010.
______. et al. A assistência na trajetória das políticas sociais brasileiras: uma questão em análise. São Paulo: Cortez, 1985.
SZYMANSKI, Heloisa. Teorias e “teorias” de famílias. In: CARVALHO, Maria do Carmo Brant (Org.) A família contemporânea em debate. 4.ed. São Paulo: Cortez, 2002. p. 23-27.
______. Viver em família como experiência de cuidado mútuo: desafios de um mundo em mudança. Serviço Social e Sociedade, n. 71, ano XXIII, set. 2002. p. 9-25.
209
THIOLLENT, Michel. Notas para o debate sobre pesquisa-ação. In: BRANDÃO, Carlos (Org.) Repensando a pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1984.
TORRES, Anália. Casamento: conversa em duas vozes e em três andamentos. Revista Análise Social, v. xxxvii, n. 163, Lisboa, 2002. p.569-602.
TOURAINE, Alain. Podemos viver juntos? Iguais ou diferentes. 2.ed. Petrópolis: Vozes. 2003.
_______. O que é democracia? Petrópolis (RJ): Vozes, 1996.
UNICEF. CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA. Documento de apresentação. Brasília: UNICEF s/d. Disponível em: <http://www.unicef.org.br>. Acesso em: 18 Nov. 2010.
URBA-AL. Balance e perspetivas da cooperação descentralizada entre coletividades locais da União Europeia e de América Latina no terreno das políticas urbanas. Documento de Base. Valparaíso, Chile, abril de 2004.
URUGUAI. Ley n. 17.823, de 7 de setembro de 2004. Codigo de la Niñez y la Adolescencia.
VALENTE, Janete. O acolhimento familiar como garantia do direito à convivência familiar e comunitária. Tese (Mestrado em Serviço Social)- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). São Paulo: PUC-SP, 2008.
VASCONCELOS, Pedro, Redes de apoio familiar e desigualdade social: estratégias de classe. Revista Análise Social, v. xxxvii, n. 163, Lisboa, 2002. p. 507-544.
VENÂNCIO, Renato. Maternidade negada. DEL PRIORI, Mary (Org.) História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2004. p. 189-222.
VICENTE, Cenise. O direito à convivência familiar e comunitária: uma política de manutenção do vínculo. In: KALOUSTIAN, Silvio (Org.) Família brasileira: a base de tudo. 6. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: Unicef, 2004. p. 47-59.
VITALE, Maria Amalia. Famílias monoparentais: indagações. Serviço Social e Sociedade, n. 71, ano XXIII, set. 2002. p. 45-62.
210
VOLPI, Mario. O compromisso de todos com a proteção integral aos direitos da criança e do adolescente. In: FUNDAÇÂO ABRINQ. Políticas públicas municipais de proteção integral a crianças e adolescentes. Caderno Prefeito Criança, referente aos encontros Prefeito Criança realizados em 1997, 1998 e 1999. p. 21-32.
YAZBEK, Maria Carmelita. Classes subalternas e assistência social. São Paulo: Cortez, 1993.
______. Estado e políticas sociais. Revista Praia Vermelha: Estudos de Política e Teoria Social, n.18, Rio de Janeiro: UFRJ, 2008. p.72-95. Disponível em: <http://www.ess.ufrj.br>. Acesso em: set. 2010.
______. Estado, políticas sociais e implementação do suas. In: Suas: Configurando os eixos de mudança - CapacitaSuas, v. 1, MDS; IEE-PUC-SP, Brasília: MDS, 2008a.
______.Os fundamentos do serviço social na contemporaneidade. Texto escrito para o curso de especialização em serviço social: direitos sociais e competências profissionais. Cfess/Abepss, 2009. Disponível em: <http://www.pucsp.br/pos/ssocial>. Acesso em: 13 dez. 2010.
_______. Sistema de proteção social brasileiro: modelo, dilemas e desafios. SEMINÁRIO INTERNACIONAL DO BPC. Brasília: MDS, 2010. Disponível em: <http://www.mds.gov.br>. Acesso em: 13 dez. 2010.
ZOLA, Marlene Bueno. O sistema único de assistência social – suas no estado de São Paulo: avanços e desafios. Revista Social São Paulo. São Paulo: Seads, 2010. p. 49-58.
______. Mulher, mãe, provedora... A família agora é com elas. In: LIMA; MARCOCCIA. Nosso século XXI. São Paulo: Livre Mercado, 2008a. p. 245-254.
______. (Org.) Cooperação Internacional para proteção social de crianças e adolescentes: o direito à convivência familiar e comunitária. São Bernardo do Campo, São Paulo: Fundação Criança de São Bernardo do Campo, 2008b.
______. A câmara do grande ABC e o movimento criança prioridade 1: Espaços democráticos e estratégicos à construção de políticas públicas para a infância e juventude. Tese (Mestrado em Serviço Social)- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo: PUC-SP, 2005.
211
ANEXOS
ANEXO A
FUNDAÇÃO CRIANÇA DE SÃO BERNARDO DO CAMPO
DIRETRIZES, PROGRAMAS E SERVIÇOS
Diretrizes básicas:
• Considerar a infância e a juventude como prioridade absoluta das políticas
públicas;
• Possibilitar o monitoramento do desenvolvimento infanto-juvenil e a
priorização da atenção às situações de vulnerabilidade social;
• Articular e integrar ações intra e inter-governamentais contando com parcerias
de organizações da sociedade civil;
• Contribuir para o fortalecimento da rede de serviços existentes no município
buscando a complementaridade e a otimização de suas ações;
• Garantir a condição de sujeito de direitos à criança e ao adolescente,
estimulando o protagonismo;
• Modernizar a gestão e garantir a visibilidade democrática.
Programas e Serviços:
• CASE - Centro de Atendimento às Medidas Sócio Educativas – Atendimento
aos adolescentes autores de ato infracional, com medida judicial sócio-educativa em
meio aberto, de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade. É
realizado por educadores sociais a partir de grupos de vivência, atividades de arte-
educação e inclusão na rede de serviços. Realizou o atendimento de 720
adolescentes no ano de 2008.
• ABRIGOS: Raio de Sol e Arco-Iris – O programa Abrigos, instalado em duas
casas, localizadas em bairros com boa infra-estrutura, abriga em média 15 crianças
e adolescentes cada. Possibilita o acolhimento e a proteção de várias situações de
vulnerabilidade social. Segue os princípios da brevidade e excepcionalidade e, a
partir da história de vida e demandas dessas crianças e adolescentes, e seus
familiares são realizadas inclusões na rede de atendimento para o fortalecimento e o
restabelecimento dos vínculos familiares, escolares e comunitários. No ano de 2008
realizou o atendimento de 91 crianças e/ou adolescentes.
• ESPAÇO ANDANÇA – Centro de Convivência e Acolhimento à Criança e
Juventude – Programa de atendimento e proteção à crianças/adolescentes e jovens
em situação de rua ou em trânsito no município de São Bernardo do Campo, ou
ainda, encaminhadas pelo poder judiciário. Com abordagem de rua realizada por
educadores sociais, o espaço oferece oficinas educativas e condições para a higiene
pessoal, alimentação e também o pernoite em sistema de casa de passagem. Para
os que se encontram em trânsito no município é realizado recambio para sua cidade
de origem, a partir de previa contatação com o Conselho Tutelar. Seus trabalhos são
orientados para o restabelecimento de vínculos, favorecendo o retorno familiar e
comunitário, visando também, mapeamento e erradicação de trabalho infantil nas
ruas. Foram realizados 639 atendimentos no ano de 2008.
• ESPAÇO NOVO TEMPO - Centro de Atendimento à Drogadicção – Oferece
às crianças e adolescentes, com diagnóstico de uso abusivo de substâncias
psicoativas, tratamento em regime de internação, como retaguarda de atendimento
ao CAPS AD Infantil, para situações de maior vulnerabilidade, com necessidade de
tempo maior de internação para tratamento. Integrado ao Plano Municipal de
Prevenção e Tratamento ao Uso Indevido de Drogas, realiza trabalho com
abordagem terapêutica, sócio-educativa e laborterápica, contando com atendimento
individual, grupos terapêuticos, atividades pedagógicas, artísticas e físicas. São
realizados atendimentos familiares e visita domiciliar. Para situações que objetivam
a proteção, diante de ameaça de morte, existem convênios com Comunidades
Terapêuticas, fora do município. Foram atendidos 129 crianças/adolescentes no ano
de 2008.
• CAF - Centro de Atendimento à Família – Direcionado às famílias em situação
de conflito familiar, têm por objetivo, além do pronto atendimento, ações de
fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários realizadas em grupo ou
individualmente e inclusão na Rede Social municipal. Objetiva a transformação na
dinâmica familiar por meio de ações de apoio psico-social e educativas, mediadas
por equipe multidisciplinar. No ano de 2008 realizou 2484 atendimentos.
• Centro Integrado de Apoio e Defesa à Infância e Juventude “Dr. Emílio Jaldin
Calderón – Desenvolve serviços de Pronto Atendimento Familiar, Assistência
Jurídica, Assistência Psico-social e Busca de Desaparecidos. Atua na atenção
psicológica as vítimas de violência doméstica e de abuso ou exploração sexual e na
defesa jurídica das várias formas ocorrências que coloquem crianças e adolescentes
em situação de risco. Conta em sua estrutura, com advogados, especializados na
causa da criança e adolescente, psicólogas e assistentes sociais, educadores
sociais e estagiários da área do direito e da psicologia.
O atendimento a crianças vítimas de violência doméstica e de abuso ou exploração
sexual é feito em parceria com a Organização não Governamental – Centro
Regional de Atenção aos Maus Tratos na Infância – (CRAMI), alocados nas
dependências do Centro Integrado. Foram realizados 1595 atendimentos no ano de
2008.
• CACJ - Centro de Atendimento a Criança e Juventude – Atende crianças e
adolescentes na faixa etária de 7 a 18 anos no horário inverso ao ensino formal.
Localizados em 07 bairros periféricos do município de São Bernardo do Campo,
possibilitam espaços de convivência e o desenvolvimento pessoal por meio de
atividades lúdicas, esportivas e culturais, realizadas por educadores sociais, que
atuam nas áreas de teatro, circo, música, dança, esporte, entre outras. Realizou
2080 atendimentos de ação continuada no ano de 2008.
• USINA SOCIOEDUCATIVA - Proporciona aos adolescentes/jovens a
aquisição de novos conhecimentos e vivências diferenciadas em oficinas de arte-
som-imagem. Desenvolve potencialidades, desperta talentos, melhora
oportunidades para inserção no mundo do trabalho. Estimula a autonomia e
ressignifica valores. Segue a premissa “do olhar transformador à transformação do
olhar”, do educador, do jovem da sociedade. No total, são 12 modalidades diferentes
de oficinas: canto-coral, flauta doce, violino, viola da gamba, viola de corda,
violoncelo, desenho animado, fotografia, cinema, vídeo, fanzine,
sonoplastia/mixagem/gravação. A Usina Socioeducativa oferece todos os materiais e
instrumentos necessários. As oficinas de viola da gamba, violoncelo, violino, viola de
corda e flauta doce integram um projeto de música barroca e formam a Orquestra de
Câmara da Usina da Fundação Criança de São Bernardo do Campo. Foram
realizados 550 atendimentos de ação continuada.
• CIT – Centro de Iniciação ao Trabalho – Possibilita a preparação e a iniciação
ao mundo do trabalho. Desenvolve ações de fortalecimento da escolaridade,
qualificação para o trabalho e formação cidadã, estimulando o protagonismo juvenil,
na perspectiva da cidadania ativa, prevenindo situações de vulnerabilidade e
desenvolvendo potencialidades. Destacam-se no CIT os projetos Rotativo Cidadão e
Contando História, onde seus participantes recebem formação pessoal, profissional
e capacitação específica para as áreas de atuação. Além da parte formativa, o CIT
efetiva contatos com empresas e organizações da região, com vistas à inserção
profissional no mercado formal de trabalho.
• CONTANDO HISTÓRIA - Destinado a jovens do sexo feminino, na faixa-
etária entre 16 e 17 anos estimulando ações de cidadania e, prevenção às situações
de vulnerabilidade e gravidez precoce. Possui quatro eixos de ação: capacitação,
fortalecimento da escolaridade, ações de protagonismo e preparação e inclusão
para o trabalho. As jovens atuam, num período diário de 4 horas, como contadoras
de histórias e auxiliam em ações educativas dentro das Bibliotecas Públicas,
Bibliotecas Escolares Interativas das Escolas Municipais, Centros de Atendimento à
Criança e Juventude da Fundação Criança e outros espaços e recebem bolsa auxilio
financeiro e capacitação continuada. Foram atendidas 258 jovens no ano de 2008.
• ROTATIVO CIDADÃO - Destinado aos jovens de 18 a 21 anos de ambos os
sexos, tem por objetivo a educação e o ingresso dos jovens ao mundo do trabalho,
com estímulo à formação escolar, profissional e cidadã. Os participantes atuam na
organização do espaço urbano, a partir da prestação de serviços no sistema de
estacionamento público da cidade, coordenado pela Autarquia Rotativo São
Bernardo. Desenvolvem atividades por quatro horas diárias, recebem bolsa auxílio
financeiro, vale-transporte e seguro de vida e educação continuada. Foram
atendidos 606 jovens no ano de 2008.
• AÇÕES EM REDE – Articulação, local, regional e global direcionada ao
fortalecimento do compromisso social, troca de experiências e informações visando
a melhoria de atendimento à infância e juventude no município.
REDE CRIANÇA PRIORIDADE 1 - É uma rede de organizações e serviços da
administração municipal, da sociedade civil e de órgãos de defesa da criança e do
adolescente de São Bernardo do Campo. Expressa numa rede virtual, atua no
compromisso social e também como Observatório de Desenvolvimento Infanto-
Juvenil. www.prioridade1sbc.org.br.
MOVIMENTO REGIONAL CRIANÇA PRIORIDADE 1- Lançado em outubro
de 1997, abrange a organização da região do Grande ABC junto ao Consórcio
Intermunicipal e visa a articulação de setores governamentais e não governamentais
num Pacto em Defesa a Criança e ao Adolescente do Grande ABC, destacadamente
os que encontram-se em situação de vulnerabilidade social. Realizam reuniões
mensais e foram produzidos 15 acordos regionais para construção de políticas
públicas, pesquisa, capacitações, destacadamente para atendimento a situações de
rua; violência doméstica; trabalho infantil; adolescente infrator, dentre outros.
PARCERIA COM A COMUNIDADE EUROPEIA POR INTERMÉDIO DA
REDE URB-AL. O projeto Comum de Cooperação Internacional para Proteção
Social de Crianças e Adolescentes, intitulado “Os pobres negligenciados pela
pobreza: situações de abrigamento e desabrigamento de crianças e adolescentes”,
Coordenado pela Fundação Criança de São Bernardo do Campo, Brasil, têm como
parceiros pela América Latina: Bellavista no Peru; Soriano no Uruguai; Milão na
Itália; Nantes na França e a ONG AiBi. E pode ser acessado pelo endereço
eletrônico: www.urbalcrianca.org
ANEXO B
Questionário – A
IDENTIFICAÇÃO
Identificando e caracterizando seu município
A.1. Informações sobre a população de seu município: Qual a população de seu município?
Qual a população masculina? Qual a população feminina? Qual população de 0 a 12 anos? Qual a população de 13 a 18 anos?
A.2. Informações sobre o desenvolvimento humano de seu município tendo como referencia o PNUD: Qual o Índice de Desenvolvimento Humano Nacional - IDH? ________________________________ Qual a Taxa de Mortalidade Infantil? ___________________________________________________ Qual a porcentagem de pessoas analfabetas? ___________________________________________ Qual a porcentagem de pessoas de 6 a 24 anos que estão na escola? ________________________ Qual o PIB per capta ($)? __________ Qual o índice de Desenvolvimento Humano Municipal? ____________________________________
Qual o índice de desemprego do município? ____________________________________________ A.3. Informações sobre as condições de Urbanização e de Saneamento Básico Municipal: Qual a taxa de urbanização? Qual a porcentagem de domicílios sem serviço sanitário exclusivo (esgoto)?
Qual a porcentagem de domicílios sem energia elétrica? Qual a porcentagem de domicílios sem água encanada? Qual a porcentagem de domicílios sem coleta de lixo?
A.4. Fontes de informação. Dados Populacionais: ______________________________________________________________ Índice de Desenvolvimento Humano: __________________________________________________ Dados sobre Urbanização e Saneamento: ______________________________________________ Instituição Governamental que proporcionou a informação: _________________________________ Nome do responsável pelas respostas _________________________________________________
País Membro:
Localidade:
Nº. de Habitantes:
• Cargo / Função: ____________________________________________________________ Telefone / Fax / E-mail / Endereço: ____________________________________________________
Questionário – B
Situação da pobreza no município e sua relação com a Infância e Adolescência
LEGISLAÇÃO
Identificando as legislações específicas de combate a pobreza e a garantia da proteção social
B.1. Quais Convenções e Tratados Internacionais sobre a infância e Adolescência seu país faz parte? Convenção Internacional dos direitos da criança / adolescentes Convenção de Haia Outros:
B.2. No seu país qual é o conceito etário de criança e de adolescente? Criança
Adolescentes
B.3. Existem leis específicas sobre combate da pobreza e a garantia de proteção social em seu país / região / município? Sim Não Quais?
Anexar as Leis do país/ região/ província/ Estado/ município que trata da questão B.4. Existem leis específicas sobre a proteção da infância e adolescência, em seu país / região / província / município? Sim Não Quais?
Anexar as Leis do país/ região/ província/ Estado/ município que trata da questão B.5. Nas leis relatadas o que é previsto sobre o combate a pobreza e a proteção social de crianças, adolescentes e seus familiares? B.6. Nas leis relatadas o que é previsto sobre o atendimento de crianças e adolescentes em abrigos?
B.7. Existem agências de adoção internacional em seu Município/Estado/País, respeitando os princípios da Convenção de Haia? Sim Não Se caso afirmativo responder: Que controle governamental é realizado nessas agências de adoção? B.8. Na legislação de seu Pais/estado/município é assegurada como prioridade a criança e ao adolescente a Convivência Familiar e Comunitária? Sim Não Como?
País Membro:
Localidade:
Nº. de Habitantes:
B.9. Fontes de informação Instituição Governamental que proporcionou a informação:
Outras Fontes de Informação: Nome do responsável pelas respostas
• Cargo / Função:
• Telefone / Fax / E-mail / Endereço:
ANEXO B
Questionário – C
POLÍTICAS SOCIAIS
Identificando as políticas públicas de combate à pobreza e de proteção social existentes no
seu município direcionadas à criança, ao adolescente e suas famílias.
C.1. Qual é o conceito de pobreza que é adotado no país? C.2. Que critério é adotado para o conceito de pobreza? ( ) Econômico ( ) Social ( ) Outros: C.3. Destaque as prioridades que estão sendo desenvolvidas atualmente no seu Município com o objetivo de combate a pobreza e de assegurar proteção social a crianças, adolescentes e seus familiares. C.4. Nomeie as programas/projetos de combate a pobreza e de garantia de proteção social direcionados a famílias, crianças e adolescentes: Público Alvo Executor: Atendimento mensal do município:
C.5. Quantos abrigos existem em seu município? Iniciativa Governamental: Iniciativa privada de cunho religioso:
Iniciativa privada: Outras formas: C.6. No seu município, quantas crianças e quantos adolescentes encontram-se em situação de abrigamento? Crianças: Feminino: Masculino: Adolescentes: Feminino: Masculino:
País Membro:
Localidade:
Nº. de Habitantes:
C.7. Qual o tipo de abrigo, tempo de permanência, capacidade diária e faixa etária de atendimento?
Tipo Tempo de permanência
Capacidade Faixa etária
Abrigo provisório Casa lar (mãe
social)
Abrigo permanente Abrigos para
situação especial
Casa de passagem
Outros – Qual? C.8. Numere de 1 a 13 o grau de freqüência das situações que levam crianças e adolescentes ao abrigamento? Orfandade Doença dos responsáveis Abandono / negligência Violência doméstica Vivência de rua Mendicância Pobreza Exploração sexual Uso abusivo de drogas Proteção à vida - tráfico de drogas Ato infracional Deficiência física / mental Outros: ________________________ C. 9. O abrigado tem interação com a família, comunidade e outros segmentos da sociedade? Como? C.10. Quais órgãos podem encaminhar crianças e adolescentes para o abrigamento? Poder Judiciário Assistência Social (quando em situação de rua, violência física, fuga de casa) Familiares Comunidade Outros: _________________________ C.11. Qual a participação do Poder Judiciário nas situações de abrigamento? Poder de abrigamento Poder de desabrigamento Destituição ou suspensão do poder familiar Requisição de serviços complementares da rede de atendimento Acompanhamento dos abrigamentos.
C.12. O Poder Judiciário tem equipe de profissionais ou órgão auxiliares para o desempenho de funções executivas? Sim Não
Se sim, quais profissionais ou órgãos auxiliares que existem? C.13. São realizadas ações/projetos para reintegração de crianças adolescentes nas Famílias de origem? Sim Não
Nome:
Objetivo:
Quem executa: Órgão Governamental Órgão privado de cunho religioso Órgão privado Outras formas: C.14. São realizadas ações/projetos para inclusão de crianças adolescentes em outras famílias? Sim Não Nome: Objetivo: Público Alvo Quem executa Órgão Governamental Órgão privado de cunho religioso Órgão privado Outras formas: C.15. Qual a Regulamentação existente? Adoção Guarda Tutela Outras: C.16. Existem outros projetos direcionados a assegurar a Convivência Familiar e Comunitária a crianças e adolescentes? Sim Não
Nome Objetivo: Público Alvo Executor:
C.17. Em sua cidade existem crianças e adolescentes que estão em situação de rua (trabalhando/morando)? Sim Não Quantos? ___________________________ C.18. Numere por ordem de importância as situações que levam crianças e adolescentes às ruas? Orfandade Doença dos responsáveis Abandono / negligência Violência doméstica Mendicância Pobreza Trabalho infantil Exploração sexual Lazer Outros:_______________________ C.19. São realizadas ações/projetos específicos para atendimento a crianças e adolescentes em situações de rua? Sim Não Quais? ____________________________ Nome: Objetivos
Público Alvo
Executor :
C.20. Fontes de informação Instituição Governamental que proporcionou a informação:
Outras Fontes de Informação: Nome do responsável pelas respostas
• Cargo / Função: • Telefone / Fax / E-mail / Endereço:
ANEXO B
Questionário – D
INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES
Identificando informações complementares sobre políticas públicas de proteção
social existentes no seu município direcionadas à criança, ao adolescente e suas
famílias.
LEGISLAÇÃO GERAL
1. Existem marcos históricos na legislação e no desenvolvimento da política de proteção social à criança e ao adolescente? Quais são e de quando são datados? 2. Até que idade se considera menoridade? No caso dos menores, até quando se dá a proteção social no país? 3. Qual a idade para a imputabilidade penal no país? 4. A partir de que idade existe o cumprimento da medida sócio educativa, pelo ato infracional praticado? 5. Qual é o conceito legal de família em seu país? É reconhecida a composição por qualquer um dos pais e seus descendentes? 6. É reconhecida legalmente a união estável, sem o casamento civil? Se sim, a partir de quantos anos de convivencia? 7. Quais as situações que levam à perda do poder familiar (pátrio poder)? 8. É permitido anonimato da maternidade biológica, mesmo quando o parto é realizado em hospitais públicos? 9. Há no país incentivo à maternidade? De que tipo e como funciona? 10. Está prevista na legislação a escuta do desejo da criança sobre abrigamento, saída e volta da família de origem, cessão em adoção, institucionalização e em casos de separação dos pais? A partir de que idade?
País Membro:
Localidade:
Nº. de Habitantes:
11. Está previsto na legislação o direito da família, crianças e adolescentes à Defensoria Pública (defesa por advogado)? Em que casos?
ADOÇÃO
1. Quais as exigências para aqueles que querem adotar? Há diferenças entre os processos de adoção internacional e local? 2. Pode ser realizada a adoção por solteiros e / ou casais não unidos civilmente? 3. O processo de adoção depende de autoridade judicial? Há mais de um tipo de adoção? Quais?
ACOLHIDA
1. Quais os tipos existentes de acolhimento por família acolhedora / substituta? Há auxílio financeiro para as famílias acolhedoras / substitutas? Como funciona e qual é o valor (referência Euros)? 2. As famílias acolhedoras / substitutas são preparadas e acompanhadas para e durante o processo? Como? 3. Qual é a duração permitida para cada tipo de acolhimento?
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
1. Quais e como funciona a articulação entre os operadores do atendimento às demandas individuais e familiares e as autoridades judiciárias? 2. Em que casos está prevista a institucionalização de crianças e adolescentes e em quais tipos de instituição? 3. O que em geral, quais os critérios que definem a escolha das alternativas de adoção, acolhimento e institucionalização? E, qual poder instituído é definido?
Top Related