Mello. (Adv.: José Guilherme Villela). Impdo.: Guilherme Villela, pelos litisconsortes passivos, o advogado Ministro Evandro Cavalcanti Lins e Silva e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Aristides Junqueira Alvarenga, Procurador-Geral da República. Impedidos os Ministros Marco Aurélio e Francisco Rezek. Plenário, 17.12.92 .
Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Processo de "Impeachment". Lit. Pass.: Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho, Marcello Lavenere Machado, Élcio Álvares e outros (Adv. lit.: Evandro Cavalcanti Lins e Silva, Ser-
. gio Sérvulo da Cunha, Maria de Fátima Freitas Rodrigues Chaves). Presidência do Senhor Ministro Octávio
Galiotti, Vice-Presidente. Presentes à sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Paulo Brossard, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, lImar Galvão e Francisco Rezek. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Sydney Sanches, Presidente.
Decisão: Preliminarmente, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu do pedido, vencido o Ministro Paulo Brossard, que dele não conheceu. E, no mérito, por maioria de votos, o lHbunal indeferiu o mandado de segurança, vencidos, em parte, os Ministros Moreira Alves e lImar Galvão, que o deferiram, nos termos dos votos que proferiram. Votou o Presidente. Falaram: pelo impetrante, o Dr. José
Procurador-Geral da República, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga.
PRESIDENTE DA REPÚBLICA - CRIME COMUM - DIREITO DE DEFESA
284
- Denúncia oferecida contra nove acusados, sendo oito, pelo crime de quadrilha; três, pelo crime de corrupção passiva, três, pelos crimes de corrupção ativa de testemunhas, coação no curso do processo e supressão de documento; e seis, pelo crime de falsidade ideol6gica.
- Competência do Supremo 7Hbunal Federal para o feito, face à presença do ex-Presidente da República entre os denunciados.
- Rejeição da denúncia relativamente à primeira imputação, por inobservância da norma do art. 41 do C6digo de Processo Penal.
- Recebimento em relação às demais, diante dos fatos relatados, configurados, em tese, das figuras típicas dos arts. 317 , caput, 343, 344, 305 e 299, do Código Penal.
- Defesa exercitada amplamente, dentro dos limites impostos, por lei, para essa fase processual, sem, contudo, ter logrado demonstrar a improcedência da acusação.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Inquérito n~ 705 Autor: Ministério Público Federal Indicados: Fernando Affonso Collor de Mello e outros Relator: Sr. Ministro ILMAR GALV ÃO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Thbunal Federal, por seu Thbunal Pleno, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em receber, em parte, a denúncia, excluída, apenas, a imputação do crime de quadrilha, vencidos, em parte, os Ministros Celso de Mello e Paulo Brossard, que a receberam integralmente; vencidos, ainda, em parte, os Ministros lImar Galvão, Sepúlveda Pertence, Octávio Gallotti e Moreira Alves, que a receberam em menor extensão. Votou o Presidente.
Brasília, 28 de abril de 1993. Sydney Sanches - Presidente. limar Galvão - Relator
RELATÓRIO
o Senhor Ministro limar Galvão (Relator): Com fundamento em inquérito policial instaurado por requisição da 9~ Vara Federal de Brasília, remetido ao Supremo Thbunal Federal face ao indício de envolvimento, nos fatos, de autoridade sujeita à sua jurisdição - art. 102, I, b da Carta Política -, o Ministério Público Federal ofereceu a denúncia de fls. 2.28212.319 (9? volume), contra as pessoas adiante relacionadas, pela prática dos crimes previstos nos dispositivos indicados, do Código Penal Brasileiro:
"a) Fernando Affonso Collor de Mello: arts. 317, caput e 288, combinados com o art. 29, aplicando-se, no que couber, o art. 71;
b) Paulo César Cavalcante Farias: arts. 317, caput, 288, 343, 344,305 e 299, combinados com o art. 29, aplicando-se, no que couber, os arts. 69, 70 e 71;
c) Cláudio Francisco Vieira: arts. 317, caput, 288, 343, 344, 305, combinados com o art. 29, aplicando-se o art. 69;
d) Roberto Carlos Maciel de Barros: art. 343, 344 e 305, combinados com o art. 29, aplicando-se o art. 69;
e) Jorge Waldério Tenório Bandeira de Mello: arts. 288 e 299, combinados com o art. 29, aplicando-se, no que couber, os arts. 6ge 71;
t) Marta de Vasconcelos Soares: arts. 288 e 299, combinados com o art. 29, aplicandose o art. 71;
g) Rosinete Silva de Carvalho Melanias: arts. 288 e 299, combinados com o art. 29, aplicando-se, no que couber, os arts. 69 e 71;
h) Severino Nunes de Oliveira: arts 288 e 299, combinados com o art. 29, aplicandose, no que couber, os arts. 69 e 71;
i) Giovani Carlos Fernandes de Melo: arts. 288 e 299, combinados com o art. 29, aplicando-se, no que couber, os arts. 69 e 71." Sustenta a denúncia, em síntese, que o acu
sado Fernando Collor, no período compreendido entre a data da posse como Presidente da República e o mês de junho de 1992, recebeu, em razão do exercicio do referido cargo, vantagens indevidas, consistentes em depósitos efetuados em conta bancária mantida por sua secretária Ana Acioli, bem como em pagamentos de despesas realizadas em seu interesse -assim as referentes às obras em seus imóveis de Brasília e Maceió, ao tratamento dentário de sua esposa Rosane Collor, à aquisição do automóvel Fiat Elba e à locação de dois outros para uso da citada secretária -, e ainda em favores destinados a terceiros - como o empréstimo do automóvel blindado para o transporte de seus filhos, na cidade do Rio de Janeiro, e a doação de recursos para a campanha eleitoral do candidato Sebastião Curió para a Câmara dos Deputados.
1àis vantagens - relata - foram proporcionadas, na maioria dos casos, pelo acusado Paulo César Farias, agindo pessoalmente ou através de pessoas fictícias ou ainda da Empresa de Participação e Construções Ltda. -EPC, tendo o caráter de contraprestação à indispensável cooperação, omissiva ou comissiva, que o então Presidente da República prestava para que aquele obtivesse, ou tentasse obter, de órgãos públicos federais e de empresários as mais diversas vantagens indevidas.
Afirma que tal cooperação, reveladora do estreito vínculo e do concerto de vontades existente concretizou-se primeiramente, com o episódio da nomeação do Sr. Marcelo Ribeiro para o cargo de Secretário Nacional dos Transportes, atendendo à indicação do acusa-
285
do Paulo César Farias que, em razão disto, teria recebido da Construtora Tratex, o valor histórico de Cr$ 15.000.000,00 (quinze milhões de cruzeiros). Aduz, no mesmo sentido, que o acusado Fernando Collor, através do Secretário-Geral da Presidência da República, Embaixador Marcos Coimbra, promoveu gestões, no interesse do acusado Paulo César Farias e do empresário Wagl}er Canhedo, junto à PETROBRÁS para que fosse celebrado o contrato de financiamento de combustível, proposto pela VASP.
Assinala, enfim, que o acusado Fernando Collor, através do acusado Paulo César Farias, solicitou e obteve da empresa Mercedez-Benz o valor histórico de Cr$ 10.000.000,00 (dez milhões de cruzeiros), destinados a atender a interesse político-administrativo próprio, consubstanciado no financiamento da campanha política, visando à eleição do candidato Sebastião Curió para a Câmara dos Deputados, onde este atuaria como seu aliado político.
Entende, assim, o Ministério Público Federal estar o acusado incurso, inicialmente, nas penas do art. 317 caput, combinado com o art. 29, com eventual aplicação do art. 71, todos do Código Penal.
Em relação ao acusado Paulo César Farias, afirma, em resumo que, usando com desenvoltura a influência que tinha na cúpula do Poder Executivo Federal, dada a comunhão de interesse com o então Presidente da República, obteve ele meios para solicitar e receber recursos indevidos de diversas empresas - citadas nos itens 12 a 16 e 21 da denúncia -, através de esquema operacional, em que as transferências eram mascaradas à conta de emissão, especialmente através da EPC, de notas fiscais com falsa declaração de prestação de serviços.
Esclarece que, cooptados desta forma os recursos, parte deles era repassada ao então Presidente da República, através de depósitos na conta bancária da secretária Ana Acioli ou de pagamentos de despesas efetuadas em seu benefício junto a terceiros, as mais das vezes utilizando cheques emitidos, em nome de pessoas fictícias, pelos acusados Jorge Bandeira, Marta Vasconcelos, Rosinete Melanias, Severino Nunes e Giovani Melo, todos comandados pelo acusado Paulo César Farias.
286
Acentua que no episódio envolvendo a VASP e a PETROBRÁS, o acusado Paulo César Farias, por interesse próprio, apresentou, ao então Presidente desta empresa estatal, a proposta de contrato de financiamento de combustível, pleiteada pelo empresário Wagner Canhedo, cuja concretização, segundo se alega, recebeu ainda o apoio do próprio Presidente da República, através do SecretárioGeral Marcos Coimbra, que teria contactado os Srs. Luís Octávio da Mota Veiga e Maximiano da Fonseca, este então Presidente da PETROBRÁS Distribuidora, para transmitirlhes a informação de que o Palácio do Planalto tinha interesse na efetivação daquelas negociações com a VASP.
Esclarece a denúncia que o interesse pessoal do acusado Paulo César Farias, relativamente ao desenlace favorável deste contrato, tinha por fundamento o fato de que fora ele quem, através de cheques emitidos em outubro de 1990 e abril de 1991, pela pessoa fictícia Paulo Maurício Ramos, no valor histórico de Cr$ 574.000.000,00 (quinhentos e setenta e quatro milhões de cruzeiros), propiciara o empréstimo necessário a que o empresário Wagner Canhedo adquirisse a aludida empresa aérea ao Governo do Estado de São Paulo.
Salienta ainda que, no episódio da doação pela empresa Mercedes Benz de recursos para campanha eleitoral do candidato Sebastião Curió, o acusado Paulo César Farias, além de ter intermediado a solicitação e o recebimento de vantagens indevidas - no caso, obtidas em razão de ameaça formulada no sentido de que a recusa da empresa poderia importar dificuldades no seu relacionamento com os órgãos públicos -, também utilizou-se de documentos ideologicamente falsos, relativos às notas fiscais com declaração fictícia de prestação de serviços pelas empresas "Sagrada Família Editora e Gráfica Ltda.", já desativada à época, "Italian Systems Desenvolvimento e Comércio Ltda.", "Locarauto - Locação de Veículos Ltda." e "Líder Táxi Aéreo".
Os cheques emitidos em favor dessas empresas - anota - foram depois endossados para a pessoa fictícia José Carlos Bomfim, um dos depositantes da conta bancária mantida pela secretária Ana Acioli, destinada a suprir
despesas pessoais e familiares do acusado Fernando Collor.
Afirma, enfim, que o acusado Paulo César Farias solicitou ao acusado Claúdio Vieira, designando seu motorista Roberto Carlos Maciel para auxiliá-lo, providências no sentido de obter junto aos empresários Mauro Valério dos Santos e José Máximo a exclusão do nome de sua empresa, Brasil Jet, do contrato de locação de automóveis utilizados pela secretária Ana Acioli, tendo, portanto, responsabilidade pela prática dos crimes decorrentes da execução deste pedido.
Em razão disto, sustenta a denúncia, está incurso o acusado Paulo César Farias, inicialmente, nas penas dos arts. 317, caput, 343, 344, 305 e 299 combinados com o art. 29, e eventualmente os arts. 69, 70 e 71, todos do Código Penal.
No tocante ao acusado Cláudio Vieira, revela a denúncia que, na qualidade de Chefe do Gabinete Pessoal do Presidente da República, além de ter orientado a secretária Ana Acioli a transferir a conta destinada à administração das despesas do acusado Fernando Collor, para o Banco Rural, onde depois foram abertas contas em nome de pessoas fictícias criadas pelo acusado Paulo César Farias, coube-Ihe também intermediar o recebimento de algumas das mencionadas vantagens indevidas - no caso, o empréstimo do automóvel blindado, a locação pela Brasil Jet de dois automóveis para o transporte da secretária Ana Acioli e a aquisição do automóvel Fiat Elba.
Assinala, ainda, que foi ele quem, a pedido do acusado Paulo César Farias e com aUXIlio do acusado Roberto Carlos Maciel implementou a operação destinada a excluir do contrato de locação de veículos para a secretária Ana Acioli, o nome da empresa Brasil Jet, desta resultando a prática das seguintes condutas delituosas: promessa aos empresários Mauro Valério e José Máximo de auxílio fmanceiro e jurídico para que prestassem falso testemunho em depoimento policial; coação e ameaça contra aquele primeiro para que assinasse recibos de locação de automóvel com falsa declaração acerca da identidade do locatário; e destruição de documentos existentes na empresa Brasil Jet.
Afirma, portanto, estarem incursos, inicialmente, o acusado Cláudio Vieíra nas penas dos arts. 317, caput, 343, 344 e 305 combinados com os arts. 29 e 69; e o acusado Roberto Carlos Maciel nas penas dos arts. 343, 344 e 305 combinados com os arts. 29 e 69, todos do Código Penal.
Em relação ao acusado Jorge Bandeira, ressalta que, na condição de gerente da Brasil Jet, autorizou a transferência de recursos para o pagamento das obras na residência do acusado Fernando Collor, nos dias 07 e 30.08.90, bem como providenciou a entrega de CrS 10.000.000,00 (dez milhões de cruzeiros) ao candidato Sebastião Curió, decorrente da doação efetuada pela empresa Mercedes Benz.
Para a transferência destes últimos recursos, consta da denúncia que esse acusado emitiu dois cheques do Banco Rural em Brasília, conta n ~ 01.6102-2, sob a falsa identidade de José Carlos Bomfun (fls. 151, 6~ Volume), tendo havido a reiteração desta fraude quando da abertura das contas bancárias n~ 01.6187-0, em nome de Francisco Celso Ramalho, e n~ 01.6173, em nome de Flávio Mauricio Ramos (fl. 1.510, 6~ Volume).
Daí haver afirmado estar o acusado Jorge Bandeira incurso, inicialmente, nas penas do art. 299 do Código Penal.
Segundo a denúncia, os demais acusados, todos empregados da Brasil Jet, promoveram idêntica falsidade ideológica, em condutas assim descritas:
a) Marta de Vasconcelos: preenchimento do cheque n~ 443.414, assinado pelo acusado Jorge Bandeira com o nome de José Carlos Bomfim (fl. 1.512, 6~ Volume) - utilizado para a aquisição do automóvel Fiat Elba, destinado ao acusado Fernando Collor -, e assinatura dos cheques n~s 412.672,412.674 e 412.679, todos do Banco Rural em Brasília, conta n~ 01-6101-2 sob a falsa identidade Regina Silva Bomfun;
b) Rosinete Melanias: assinatura da proposta de abertura das contas n~s 01-6187-0 e 01-6101-2 junto ao Banco Rural em Brasília, n~ 01-461-7 junto ao Banco Rural em São Paulo (fls. 1.510/1.512, 6~ Volume), e n~ 4.355-6 junto ao Banco BMC em São Paulo (fls. 1.512 e 1.600/1.601, 6~ Volume), usando os nomes fictícios de Rosimar Francisca de Almeída, Re-
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gina Silva Bomfim, Francisco Silva e Flávio Maurício Ramos, respectivamente; e emissão dos cheques de n?s 065727 e 026323 do Banco Rural da Avenida Paulista, assinando como Rosimar Francisca de Almeida (fls. 1512/1513, 6? Volume), bem como os de n?s 773710 e 773704 do Banco Rural da Avenida Faria Lima, na condição de Rosalinda Cristina Menezes (fls. 1513 e 1608, 6? Volume), e ainda os de n?s 216, 225, 229, 233, 235 e 236 do Banco BMC de São Paulo, assinando como Flávio Maurício Ramos (fls. 1509 e 1521/1527, 6? Volume);
c) Severino Nunes: assinatura dos cheques de n?s 773710 e 773704 do Banco Rural da Avenida Paulista, sob a falsa identidade de Jurandir Castro Menezes (fls. 1513 e 1608, 6? Volume), e endosso de quatro cheques administrativos do Banco Rural de Maceió, assinado como Honório Xavier da Silva; e
d) Giovani de Melo: assinatura dos cheques n?s 419567 e 696811 do Banco Rural em Brasília, conta n? 01.06202-0, sob a falsa identidade de Carlos Alberto da Nóbrega.
Diante dos fatos descritos, entende o Ministério Público Federal, com reforço do depoimento da testemunha Mauro Cláudio Carneiro Vargas e do texto decodificado do computador apreendido na empresa Verax - holding das empresas- do acusado Paulo César Farias -, que está revelado ainda o "concerto de vontades, firme e consciente, de todos cometerem delitos, de forma solidária e duradoura", através da associação dotada de estratégia institucional e operacional dinâmica, razão pela qual enquadra todos os acusados também nas penas do art. 288 do Código Penal.
Ressalvado o direito de aditar a denúncia, no curso da instrução, para nela incluir novos fatos ou novos acusados, requer o Ministério Público Federal que, cumprido o disposto no art. 51, I, combinado com o art. 86, caput, Constituição Federal, seja recebida a denúncia e processada a ação para que, ao-seu cabo, sejam condenados os acusados, na forma da lei.
Prejudicado o pedido de licença da Câmara dos Deputados para o processamento do acusado Fernando Collor, ante a renúncia ao cargo de Presidente da República, firmou-se
288
a competência do Supremo nibunal Federal, em razão do que foi determinada a notificação dos acusados para que apresentassem resposta (art. 4? da Lei n? 8038/90).
III
o acusado Fernando Affonso Collor de Mello, em sua defesa de fls. 4680/4957 (16? Volume), ressalta, inicialmente, em relação ao crime de corrupção passiva, que os depósitos e pagamentos questionados na denúncia não resultaram de vantagens indevidas solicitadas ou recebidas por ele próprio ou pelo acusado Paulo César Farias, pois têm origem lícita, consubstanciada em empréstimo efetuado no Uruguai e em sobras da campanha presidencial de 1989.
Argumenta ainda que, além de não indicar o corruptor ativo, a denúncia deixa de descrever o ato próprio de exercício do cargo presidencial que teria praticado ou omitido em contraprestação às vantagens idevidas, supostamente solicitadas ou recebidas.
Acentua não ser possível atribuir-lhe omissão, em face das atividades ilícitas supostamente praticadas pelo acusado Paulo César Farias, porque destas não tinha conhecimento, tanto que o próprio denunciante Pedro Collor nada declarou que infrrmasse esta conclusão, respaldada, além do mais, na imediata reação que teve no sentido de determinar aos Ministros da Justiça e da Economia providências para esclarecimentos dos fatos emergentes.
Por outro lado, reputa inconsistente a alegação de que nomeou o Sr. Marcelo Ribeiro para o cargo de Secretário Nacional dos Thmsportes, por indicação do acusado Paulo César Farias, esclarecendo que o fato funcional foi motivado em escolha pessoal a que procedera, em face de lista elaborada após a recusa do Sr. Luís Octávio da Motta Veiga para ocupar este mesmo cargo.
Alega, ademais, que não praticou qualquer ato funcional por ocasião do episódio VASPPETROBRÁS, nem tampouco recebeu ou solicitou vantagem indevida, sendo possível inferir dos acontecimentos, quando muito, que o acusado Paulo César Farias tentou lançar
mão de um possível prestígio pam encaminhar um pleito da VASP junto à PETROBRÁS, sem que tal conduta possa configurar ilícito penal de espécie alguma.
Assinala, outrossim, o acusado Fernando Collor que a contnbuíção fmanceira obtida da empresa Mercedez Benz pam a campanha política do então candidato Sebastião Curió, pretensamente recebida pelo acusado Paulo César Farias, não constituí sequer crime eleitoral, nem tampouco configura o crime de corrupção passiva, pois não restou demonstrado que tenha ele, no exercicio da Presidência da República, beneficiado de qualquer forma a referida empresa.
Diante do exposto quanto ao crime de corrupção passiva - atipicidade da conduta descrita -, entende a defesa que está prejudicada a própria configuração do crime de formação de quadrilha ou bando, não apenas porque ausente a descrição de suas elementares, mas sobretudo porque descaracterizado o crime cuja prática teria sido objetivo da constituíção da suposta societas sceleris.
Pede seja julgada improcedente a denúncia, ante a impossibilidade de ser produzida qualquer prova da prática dos delitos imputados, mesmo no curso da instrução processual, ou, secundariamente, seja rejeitada por inépcia.
IV
Defendendo-se das imputações, o acusado Cláudio Francisco Vieira, em peça de fls. 4959/4992 (16~ Volume), sustenta, em relação ao crime de corrupção passiva, que a denúncia não descreve fato típico, faltando justa causa Pala a ação penal por serem os recursos empregados nas despesas pessoais do acusado Fernando Collor oriundos da chamada "Operação Uruguai", cuja legalidade e autenticidade entende atestadas pelos documentos acostados às fls. 2347/2366 (9~ Volume).
Esclarece que a "Operação Uruguai" consistiu na obtenção de uma linha de crédito no valor de USS 5.000.000,00 (cinco milhões de dólares) junto à empresa uruguaia Alfa nading S.A., em janeiro de 1989, da qual foram sacados USS 3.750.000,00 (três mílhões, sete-
centos e cinqüenta míl dólares) em abril do mesmo ano, com avais lançados pelo acusado Fernando Collor, pelo empresário Luiz Estêvão de Oliveira Neto e pelo Deputado Federal Paulo Octávio Alves Pereira.
Convertida em moeda nacional - prossegue -, tal soma foi aplicada em ouro e depositada junto ao investidor Najun Thrner, sendo reconvertida em espécie, conforme as necessidades, pam depósitos nas contas bancárias da secretária Ana Acioli e pagamentos de despesas do acusado Fernando Collor, como as da reforma da "Casa da Dinda" e da aquísição do automável Fiat Elba.
Em seguída, contestando que tenha afirmado que a empresa Brasil Jet havia assumído a responsabilidade pelos pagamentos das locações dos automóveis utilizados pela secretária Ana Acioli, esclarece que seu depoimento policial foi apenas no sentido de que tal empresa indicara a locadora, posteriormente contratada.
Afirma ser atípica a solicitação feita ao acusado Paulo César Farias de empréstimo do automóvel blindado pam o transporte dos filhos do acusado Fernando Collor, bem como a orientação dada à secretária Ana Acioli para que transferisse sua conta corrente pam o Banco Bancesa, onde somente depois foram depositados valores por iniciativa de pessoas fictícias, sem que tivesse ele qualquer conhecimento destes fatos.
Em relação ao crime de formação de quadrilha ou bando, além da insuficiência probatória, afirma ser inepta a denúncia dada a atipicidade da conduta descrita especialmente por que não indicada a elementar referente à intenção de associar-se para o cometimento de vários delitos, uma vez que, segundo a denúncia, teria ele praticado, em razão da societas sceleris, apenas um único delito, o de corrupção passiva sem continuídade.
Face aos crimes de coação no curso do processo, de corrupção ativa de testemunha e de supressão de documento, destaca faltar justa causa pam as acusações por que funcWtas unicamente em depoimentos das vítimas, sendo estas ainda incoerentes e contraditórias.
Assim, a seu ver, tais depoimentos, em relação ao crime de coação no curso do proces-
289
so, não comprovam a autoria, nem o uso de ameaça na assinatura dos dezesseis recibos de locação, sendo a existência destes, aliás, duvidosa porque sequer foram apreendidos no curso de investigações.
AfIrma ser impossível a consumação do crime de supressão de documento porque, segundo os depoimentos dos autos, já estariam destruídas as provas das locações quando da ocorrência da conduta descrita na denúncia.
Com fundamento na inépcia e na falta de justa causa, requer seja rejeitada a denúncia.
v
Produzindo resposta às fls. 4996/5030 (l7? Volume), o acusado Paulo César Cavalcante Farias reitera, quanto ao crime de corrupção passiva, o argumento da atipicidade expendido nas demais defesas, com base na falta de indicação do corruptor ativo e do ato de ofício praticado como contrapartida ao recebimento ou solicitação de vantagem indevida.
Alega que, com relação ao crime de falsidade ideológica, a mera circunstância de estarem os fatos articulados na denúncia sendo objeto de diversos inquéritos, em curso na Polícia Federal, evidencia a ausência de substrato para a imputação.
Em referência aos crimes de corrupção ativa de testemunhas e de coação no curso do processo, afIrma, inicialmente, não estar apontada qualquer ação concreta que pudesse, objetiva ou subjetivamente, vinculá-lo aos fatos, tendo sido presumida sua participação por que envolvido o acusado Roberto Carlos Maciel, funcionário da empresa Brasil Jet, de sua propriedade.
Ressalta, além disto, que os fatos descritos são ainda {ltípicos, pois Mauro Valério e José Máximo não ostentavam, ao tempo de sua ocorrência, a condição de testemunhas em processo judicial, policial ou administrativo.
Aduz, em relação ao crime de coação no curso do processo, que sua configuração está afetada também pela falta de descrição do uso de violência ou grave ameaça contra as pretensas vitimas.
Quanto ao crime de supressão de documen-
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to, além de sustentar a própria inexistência de autoria de materialidade, argumenta também ser atípica a conduta, por serem os documentos supostamente destruídos - recibos de locação de veículos - reproduziveis mediante consulta aos originais, registros ou cópias.
Aponta, fInalmente, que o crime de formação de quadrilha ou bando exige o acordo de vontades para delinqüir, o que não estaria evidenciado entre os acusados, mesmo porque a frágil prova dos autos - arquivos gravados na memória do computador apreendido na empresa VERAX - foi obtida ilegalmente.
Com estas considerações, requer seja julgada improcedente ou inepta a denúncia.
VI
Formulando defesa, às fls. 5100/5110 (17? Volume), os acusados Marta de Vasconcelos Soares, Rosinete de Carvalho Melanias e Severino Nunes de Oliveira sustentam, resumidamente, a improcedência da acusação por crime de falsidade ideológica, seja porque atípica a conduta descrita - eis que ausente a referência ao dano, ao locupletamento do agente e ao prejuízo de terceiro -, seja porque fundada em provas periciais não concludentes, c0-
lhidas de inquéritos policiais ainda em curso. Em face do crime de formação de quadri
lha ou bando, salientam, outrossim, que a denúncia não menciona elementares do tipo -circunstâncias relativas à formação da associação, seu caráter permanente e sua fInalidade delitiva reiterada -, prejudicando o pleno conhecimento dos fatos imputados e, pois, o direito de defesa.
Pleiteiam, assim, seja julgada improcedente a denúncia.
VII
Em sua resposta de fls. 5122/5127, o acusado Roberto Carlos Maciel de Barros alega, em referência ao crime de corrupção ativa de testemunha, que a denúncia está fundada unicamente em depoimentos das vítimas, sendo estes eivados de contradições e incoerências.
Afirma, quanto ao crime de coação no curso de processo, não estar demonstrado o uso de grave ameaça e, quanto ao crime de supressão de documentos, não estar configurada a qualidade necessária para que as possíveis provas destruídas afetem o bem juridicamente tutelado, razão pela qual entende impossível a consumação deste delito.
Acentua que o crime de formação de quadrilha ou bando não está configurado porque não há indicação da estabilidade do vínculo associativo, nem da reiteração para a prática de delitos mais ou menos definidos, nem ainda do modo com que teria participado da conduta delituosa.
Em razão de não estarem caracterizados os delitos imputados, e de não existirem provas a serem produzidas neste sentido, pede seja julgada improcedente a denúncia.
VIII
Defendem-se, por último, os acusados Jorge Waldério 1enório Bandeira de Mello e Giovani Carlos Fernandes de Melo, às fls. 5127/5161 (17~ Volume), afirmando, inicialmente, quanto ao crime de formação de quadrilha ou bando, que é ilegal a prova referente ao texto decodificado da memória do computador da empresa VERAX por que apreendido este sem mandado judicial, razão pela qual requerem seu desentranhamento dos autos.
Afirmam ainda que o depoimento do Sr. Mário Cláudio Carneiro Vargas e o referido texto decodificado - bases probatórias da imputação - não lhes fazem qualquer referência, não estando mencionada na denúncia, ademais, a existência de qualquer inter-relacionamento entre os acusados que configurasse o vínculo associativo permanente para fins criminosos, exigido para a conformação do delito.
No tocante ao crime de falsifldade ideológica, alega ser inepta a denúncia, eis que não indicada a vítima nem o elemento subjetivo do tipo, além de ser frágil a prova pericial em que baseada à vista do teor dos pareceres técnicos juntados.
Pedem seja julgada improcedente a denún-
cia ou, secundariamente, seja rejeitada por inépcia ou falta de justa causa.
IX
Em face da juntada de novos documentos, foi determinada vista dos autos ao Ministério Público Federal (art. 5~ da Lei n~ 8.038/90), de onde retomaram com a peça de fls. 5212/5242, em que, sem manifestação específica acerca dos documentos, são reiterados os termos da denúncia.
É o relatório.
varo
o Senhor Ministro limar Galvão (Relator): A presente denúncia é trazida à apreciação deste Plenário na forma e para os fins do art. 6~ da Lei n~ 8.038/90.
Trata-se de longa peça, contendo nada menos que 38 laudas, a qual envolve 9 pessoas, entre elas o ex-Presidente Fernando Collor de Mello, circunstãncia determinadora da competência originária do Supremo nibunal Federal para sua apreciação e eventual processamento.
Anoto, desde logo, que nenhum dos delitos cuja prática se imputa aos acusados foi alcançado pela prescrição ou qualquer outra causa de extinção da punibilidade, acrescentando, além do mais, que, em sendo os crimes cogitados na denúncia sujeitos a ação penal pública incondicionada, é legítima a atuação processual do Ministério Público Federal.
A referida Lei n~ 8.038/90, no dispositivo citado, autoriza o exame, nesta oportunidade, não apenas dos elementos extrinsecos da aludida peça, mas também da acusação, em seu mérito, nas condições que indica.
A oito dos acusados (excetuado Roberto Carlos Maciel de Barros) é imputado o crime de quadrilha.
A denúncia, todavia, não contém libelo a respeito desse tipo, limitando-se às seguintes assertivas, lançadas de modo fracionado e disperso, ao longo de seu texto de nada menos que 38 laudas datilografadas:
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FI. 2, item 2: "Thmbém é público e notório, confessa
do pelo próprio Presidente da República, ora denunciado, seu relacionamento com o acusado, Paulo César Cavalcante Farias, desde a época em que aquele era candidato a Governador do Estado de Alagoas."
FI.5, item 7: "A ligação estreita e permanente entre
Paulo César Cavalcante Farias e o Presidente da República, Fernando A. Collor de Mello, evidencia-se, também, na vantagem indevida solicitada e recebida por este, através do acusado Cláudio Francisco Vieira, consistente em colocar à disposição dos filhos do Presidente, um automóvel blindado para transporte destes, na cidade do Rio de Janeiro, de meados de 1990 a meados de 1992 (fls. 463/475, 2'.' volume e fl. 1.785, 7'.' volume)."
FI. 14, item 20: "O firme vínculo entre o Senhor Presi
dente Fernando A. Collor de Mello e Paulo César Cavalcante Farias, bem como o concerto de vontades existente entre ambos os acusados, revela-se, mais uma vez, na doação recebida pelo então candidato a deputado federal, Sebastião Curió Rodrigues de Moura, doação essa feita pela empresa Mercedes Benz do Brasil S. A., por iniciativa do Presidente Fernando Collor de Mello e mediação de Paulo César, em setembro de 1990."
FI. 16, item 22: "A participar do concerto entre os acu
sados Fernando A. Collor de Mello e Paulo César Cavalcante Farias estava. ainda, o denunciado Cláudio Francisco Vieira, que orientou Ana Acioli, em março de 1990, logo após a posse do Presidente da República, a transferir a conta destinada às despesas pessoais e familiares de Fernando A. Collor de Mello para o Banco Rural, agência de Brasília, que seria, depois, usado, também, por Paulo César C. Farias para a abertura de contas correntes de pessoas fictícias, quer na mesma agência da Capital Federal, quer na agência da Capital paulista."
FI. 28, item 28: ''A demonstrar a societas sceleris existente
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entre os acusados está a conduta de Jorge Waldério Thnório Bandeira de Mello como participante da entrega dos dez milhões de cruzeiros ao candidato a deputado federal, Sebastião Curió, uma vez que foi Jorge quem emitiu, na última dezena de setembro e primeiros dias de outubro de 1990, dois cheques, entregues ao candidato, assinados por Jorge, como sendo José Carlos Bomfun (fls. 272/273, 1'.' volume)."
FI. 33, item 36: "Que todos os fatos aqui descritos reve
lam o concerto de vontades, firme e consciente, de todos cometerem delitos, de forma solidária e duradoura, é corroborado pelas recentíssimas declarações prestadas, nesta data, por Mário Cláudio Carneiro Vargas, Diretor Adjunto da Consultoria Jurídica e de Assuntos Fiscais da Mercedes Benz do Brasil:
Que, no mês de setembro de 1990 a Diretoria da Mercedez Benz do Brasil, através de sua área de vendas, foi procurada por Paulo César Farias, se dizendo amigo íntimo do então Presidente da República Fernando Collor de Mello e um dos principais articu1adores políticos do Governo; que Paulo César se disse ainda pessoa diretamente ligada aos projetos governamentais, ao mesmo tempo em que manifestou o seu interesse em obter uma concessão Mercedes Benz; que, tendo em vista a proximidade das eleições de 1990, Paulo César Farias argumentou ainda que o Presidente Fernando Collor tinha o interesse de formar uma bancada forte no Congresso Nacional, que pudesse defendê-lo, assim como o ideário liberal que o Presidente dizia representar, sobretudo no campo econômico; que, para tanto, Paulo César Farias solicitava o auxílio da Mercedes Benz no sentido de fornecer aeronaves para o transporte dos candidatos vinculados ao Governo Federal; que a empresa informou a Paulo César que estava naquela época fazendo o lançamento de vários de seus produtos e que, portanto, não poderia prescindir de sua aeronave; que, entretanto, considerando a apresentação de Paulo César como amigo íntimo do Presidente de República, e da notória influência
que este já possuía no âmbito do Governo, a empresa acabou aceitando a sugestão de Paulo César Farias no sentido de pagar lotes de horas de vôos, a serem realizados pela LíDER TÁXI AÉREO, empresa esta sugerida também pelo próprio Paulo César; que este pediu ainda que a ajuda se estendesse ao pagamento de locação de automóveis em Brasllia, para uso dos candidatos quando estivessem nesta capital; que ficou combinado então que a Mercedes Benz pagaria o aluguel de automóvas fretados à LOCARAUlO, empresa esta sugerida pelo próprio Paulo César; que houve ainda a solicitação de Paulo César para o pagamento de material gráfico, relativo a impressos, folhetos e outros destinados a propaganda eleitoral, tendo neste caso Paulo César indicado o nome da empresa gráfica SAGRADA FAMíLIA, de Brasllia; que Paulo César Farias solicitou também que a Mercedes Benz assumisse as despesas que seriam decorrentes de serviços de informática a serem prestados pela ITALIAN SYSTEM'S, durante a campanha; que, portanto, diante do interesse manifestado por Paulo César Farias, o primeiro de obter uma concessão Mercedes Benz e o outro de conseguír ajuda de campanha eleitoral, a empresa concordou apenas com a segunda solicitação, considerando até a possibilidade de eventuais represálias por parte do Governo Federal."
FI. 32, item 34: "A reunião permanente dos denunciados
para a prática de delitos contra particulares e contra a fé e a Administração Públicas, inclusive contra a Administração da Justiça, e, conseqüentemente, contra a Paz Pública, contou também, com a participação do acusado Giovani Carlos Fernandes de Melo, que trabalha para o acusado Paulo César Farias, em Maceió, Capital do Estado de Alagoas."
FI. 34, item 37: "A associação destinada a cometer cri
mes, descrita nesta denúncia, tem estratégia institucional e operacional dinâmica, tendente a continuar a delinqüir. Em computador apreendido na empresa \b"ax, em São Paulo, holding das empresas de Paulo César Cavalcante Farias, está gravado, dentre
outras coisas, o seguinte: (seguem-se trechos aparentemente resultantes da degravação feita, os quais deixam de para aqui ser transcritos, por tratar-se de prova obtida por meios ilícitos). A rigor, portanto, como se vê, pelos trechos
da denúncia, acima transcritos, por si sós, não se chegaria à conclusão de que foi imputado aos acusados o crime de quadrilha, não fosse a capitulação constante da aludida peça.
Com efeito, não constitui uma descrição do mencionado crime o que consta do item 2, da fi. 2, onde se dá conta de antigo relacionamento existente entre o primeiro acusado e Paulo César Farias. Nem, muito menos, o registro, feito à fi. S, de estreita ligação existente entre ambos, a qual teria sido evidenciada pelo fato de haver o ex-Presidente, por intermédio de Cláudio Francisco Vieira, solicitado a Paulo César Farias o empréstimo de um carro blindado, para o transporte de seus filhos no Rio de Janeiro. 'Ià.mpouco, tem qualquer valor, para esse efeito, o episódio da ajuda da Mercedes Benz ao candidato Sebastião Curió, relatado às fis. 14, item 20, onde, mais uma vez, se fala em fmne vínculo e em concerto de vontades entre o ex-Presidente e Paulo César Farias.
Já na fi. 16 (item 22), afmna a denúncia a participação nesse concerto do denunciado Cláudio Francisco Vieira, por haver orientado Ana Acioli, em março de 1990, a transferir de banco a conta corrente por ela utilizada para o pagamento das contas do ex-Presidente. Posteriormente, à fi. 28 (item 28), foi apontada a participação de Jorge Waldério 1Cnório Bandeira de Melo na entrega do dinheiro da Mercedes Benz ao candidato Sebastião Curió, como demonstração da existência de societas sceleris entre os acusados. Em seguida (fi. 33, item 36), volta a ser evocado o episódio da Mercedes Benz como revelação do "concerto de vontades, fmne e consciente, de todos c0-
meterem delitos, de forma solidária e duradou-ra".
E na fi. 32 (item 34), sem que até então, c0-
mo se viu, se houvesse mencionado reunião permanente dos denunciados, afmna-se, a modo de reiteração, que dela participou o acusado Giovani Carlos Fernandes de Melo; e, afi-
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nal, à fl. 34 (item 37), conclui-se pela afirmativa de que "a associação destinada a cometer crimes, descrita nesta denúncia, tem estratégia institucional e operacional dinâmica, tendente a continuar a delinqüir".
Ora, os requisitos mínimos a serem atendidos pela denúncia, estão compendiados no art. 41 do CPP: "A denúncia ... conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias .. .' '
No HC 42.303, relator o Ministro Pedro Chaves, anulou o STF a denúncia, por inepta, em face de nebulosa e incompleta narração do fato delituoso. Em seu excelente voto, transcrito por Heleno Fragoso, in Jurisprudência Criminal (pg. 154), afirmou o eminente Relator:
"Esses pressupostos formais da denúncia, exigidos pela nossa legislação processual desde o Código de Processo de 1832, ( ... ) são indeclináveis não só em nome do princípio da lealdade processual, como também por força do princípio do contraditório que é preceito constitucional. Se a denúncia acusatória não for clara, precisa e concludente, não se poderá estabelecer o contraditório em termos positivos, com evidente prejuízo para a defesa, sujeita a vagas acusações." Com efeito, o CPP exige a exposição do fa
to delituoso com todas as circunstâncias, para excluir exatamente a insegurança que traz a denúncia incompleta e deficiente, que dá margem ao arbítrio, dificultando a defesa, não havendo que se falar, sem violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa, mi possibilidade de virem tais dados, essenciais, a ser oportunamente descritos no curso do processo. nata-se, ao revés, de nulidade absoluta, insanável, que impede o recebimento da preambular.
No que concerne ao crime de quadrilha, portanto, como se viu, a denúncia padece do duplo vício, fatal, de não descrever o fato criminoso e de não descrever as suas circunstâncias.
De efeito, limita-se ela, ao longo de seu texto, a fazer referência a concerto de vontades, para efeito da prática de crimes, como se já houvesse libelado a respeito, deixando de des-
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crever, como se fazia mister, entre outras circunstâncias, o vínculo associativo, o modo, o momento e o lugar em que se teria ele estabelecido, e, bem assim, quais as pessoas nele envolvidas.
Despercebida desse dever indeclinável, para repetir a expressão utilizada pelo Ministro Pedro Chaves, limita-se a inicial a presumir a existência da societas por meio de ilação tirada da existência de amizade entre o exPresidente e Paulo César Farias; de ajuda eleitoral prometida a terceiro; da troca de agência bancária, para a movimentação de conta corrente; e, ainda, da circunstância de um dos acusados ser empregado de outro.
É certo que, na prática, como adverte Nelson Hungria, não é fácil demonstrar a existência da quadrilha, de modo que "a certeza só é possível, as mais das vezes, quando se consegue rastrear a associação pelos crimes já praticados" (Comentários, vol. IX, Forense, 1958, p. 181).
Não está o Mestre, nesse trecho, todavia, falando em descrição do crime, mas na prova de sua ocorrência. Uma coisa, na verdade, é provar que a suposta quadrilha se formou, tarefa própria da fase instrutória. Coisa diversa, porém, é descrever a sua formação, encargo que, embora de fácil execução, não pode ser dispensado, porquanto essencial para a validade da denúncia.
Nesse ponto, a denúncia ora examinadora é tão imprecisa e insegura que, mediante mera capitulação, chega a atribuir o citado crime a vários réus, sem a minima referência à participação destes no grupo que presume ter sido organizado para a prática de crimes, como ocorreu relativamente aos empregados de Paulo César Farias, emitentes de cheques com nomes fictícios.
Especificamente no que toca ao primeiro acusado, como se viu, concluiu por sua participação na mencionada organização, em face de vínculo de amizade que o liga a Paulo César Farias e diante do interesse manifestado em ajudar, eleitoralmente, o candidato Curió, como se não se estivesse diante de situações comuns da vida. E, ainda, diante da circunstância de haver Cláudio Vieira, na qualidade de Secretário Particular da Presidência, providen-
ciado troca de banco, para a conta corrente de seu superior e, ainda, de ter desenvolvido gestões visando à segurança dos fIlhos deste, no Rio de Janeiro, como se essas medidas não fossem próprias das funções de seu cargo.
Não houve, portanto, presunção partida de crimes, mas de meros fatos sem eiva de ilicitude, que, por isso, não a autorizava, já que não se prestam para comprovação da existência da quadrilha, nem, muito menos, para suprir a ausência de descrição do tipo.
Por isso mesmo, a defesa, com razão, argüindo a inépcia da denúncia, relativamente a essa imputação, acusou a ausência de descrição das circunstâncias de tempo, lugar e pessoas integrantes da suposta associação, o que não pode deixar de ser de logo reconhecido como verdadeiro.
É que, na verdade, do que foi apurado no inquérito, não se poderia concluir pela ocorrência do crime em tela.
Por isso, Sr. Presidente, meu voto, no que concerne a essa primeira imputação, é no sentido de rejeitar a denúncia.
Passo a analisar a imputação pelo crime de corrupção passiva, cuja prática é atribuída ao ex-Presidente Fernando Collor, a Paulo César Farias e a Gáudio Vieira, em concurso de agentes, nas modalidades de solicitar ou receber vantagens indevidas, em contrapartida a favores funcionais praticados, ou a praticar, pelo primeiro deles.
A consumação desse delito, como se sabe, prescinde da efetiva realização do ato funcional correspondente, exigindo, tão-somente, que a prática ou omissão deste tenha sido a causa da solicitação, do recebimento ou da aceitação da vantagem ou da promessa de vantagem indevida. Somente assim é que se pode compreender, no contexto do tipo fundamental, a inserção, como modalidade delitiva, da solicitação ou recebimento de vantagem indevida "ainda que fora da função ou antes de assumila". Neste caso, evidentemente, não pode o corruptor passivo praticar ato funcional algum, mas pode, em razão do futuro retomo a ele, ou de próxima ocupação, empenhar a sua realização, como forma de garantir a vantagem indevida.
Acerca do tema, assinala Heleno Fragoso
(Lições de Direito Penal, vol. 11, Forense, 1988, p. 438), que o crime de corrupção passiva "está na perspectiva de um ato de ofício, que à acusação cabe apontar na denúncia e demonstrar no curso do processo", sendo indispensável que o agente tenha consciência de que recebe ou aceita retribuição por um ato funcional que já praticou ou deve praticar."
Analisando os fatos narrados na denúncia, à luz dessas idéias, observa-se que, dentre as várias condutas acusatórias descritas, apenas uma - aquela referente ao episódio ligado à Construtora 1hltex - atende a figuração abstrata do crime de corrupção passiva, já que indicado o recebimento de vantagem indevida por funcionário público - no caso, pelo então Presidente, através do acusado Paulo César Farias - bem como a retribuição funcional própria, concretizada pela nomeação do Sr. Marcelo Ribeiro, Diretor da empresa, para o cargo de Secretário Nacional dos lfansportes.
São também descritos fatos, relativos ao acusado Cláudio Vieira, suscetíveis de induzirem à convicção de haver ele colaborado para a prática do ilícito. Assim é que, pela descrição feita, era ele quem administrava a conta corrente bancária, por onde teria transitado parte do dinheiro que fora destinada ao exPresidente, estando fora de dúvida, pois, que, admitida, em tese, a prática dos mencionados crimes pelos dois primeiros acusados, para efeito do recebimento da denúncia, tratamento diverso não lhe poderá ser dispensado nesta oportunidade.
Na verdade, somente mediante a demonstração, durante a instrução criminal, de que ignorava ele a origem ilícita de tais recursos, ou de que tinha ciência da legitimidade do dinheiro, é que poderá ver-se exonerado da grave acusação de haver concorrido para a prática dos ditos crimes.
Nesse contexto insere-se a alegação de que os referidos recursos provinham de doações recebidas durante a campanha eleitoral, e bem assim, de empréstimo tomado a banqueiro uruguaio. Com efeito, trata-se de afirmativas que, não obstante revestidas de forte dose de verossimilitude - a primeira, em face do que se propala e do que se pode presumir acerca do
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vulto dos recursos que foram reunidos para campanha presidencial; e, a segunda, diante da farta documentação trazida pelos acusados para os autos e do abono que lhe dão os autorizados pareceres técnicos e jurídicos que a acompanharam - não podem ser aceitas, de já, como demonstradas e, conseqüentemente, como razão bastante para afastar a acusação.
A ausência de acusação contra o corruptor ou corruptores tampouco induz a inépcia da peça vestibular, sendo certo que, em nosso sistema jurídico, são autônomos e independentes os crimes de corrupção ativa e passiva, nada impedindo, pois, que, posteriormente, no curso do processo instaurado para a apuração do segundo, venha a denúncia a ser aditada, para o fim de lançar acusação contra o autor do primeiro.
Aliás, a existência de mais de duas dezenas de inquéritos em curso, - também tida pela defesa como um dos óbices ao recebimento da denúncia - pode estar justificada pela própria necessidade de identificação dos empresários corruptores e dos banqueiros falsários.
Assim, Sr. Presidente, no que concerne ao crime de corrupção passiva, inexiste óbice à instauração da ação penal, não havendo, tampouco, razão suficiente para uma imediata de declaração de improcedência da acusação.
Prossigo, analisando agora a acusação no que refere aos crimes de corrupção ativa de testemunhas, coação no curso do processo e supressão de documento, que foram imputados aos acusados Paulo César Farias, Cláudio Vieira e Roberto Carlos Maciel.
Com base em depoimento do Sr. José Máximo Machado de Oliveira, um dos locadores do automóvel posto a serviço da secretária Ana Acioli, a denúncia descreve o fato que reputa delituoso, da seguinte maneira, verbis:
"Que Cláudio Vieira ofereceu ao depoente e Mau'to Valério apoio financeiro e jurídico para que essa versão (a de que o pagamento da locação do veículo destinado ao uso da secretária Ana Acioli não era paga pela empresa Brasil Jet) fosse transmitida aos órgãos governamentais que atuavam na apuração do caso envolvendo o empresário Paulo César Farias; que Cláudio Vieira queria a todo custo que essa versão sobre a 10-
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cação do veículo excluísse completamente a firma Brasil Jet da contratação; que Cláudio Vieira prometeu arcar com todas as despesas ou custos do depoente e de Mauro Valério que por acaso tivessem ao prestarem depoimento com essa versão excluindo a Brasil Jet do episódio; que Cláudio Vieira também se comprometeu a fornecer assistência jurídica ao depoente e Mauro Valério quando tivessem de prestar depoimentos ... " E, diante do exposto, concluindo pela prá
tica do crime de corrupção de testemunha, afirma a denúncia que:
"1àis declarações não deixam dúvida de que Cláudio Vieira agiu a pedido de Paulo César Farias, que designou seu motorista para auxiliá-lo nas tarefas que impediram o envolvimento de sua empresa, Brasil Jet, e do amigo, Presidente da República." Argumentam as defesas, em prol da inép-
cia, q~e a conduta atribuída aos acusados é atípica, tendo em vista não ostentarem os Srs. José Máximo e Mauro Valério, ao tempo dos fatos, a condição de testemunhas em processo judicial, policial ou administrativo. Este dado - anoto -, é essencial para a caracterização do crime de corrupção ativa de testemunha, assim como do crime de coação no curso do processo (cf. Celso Delmanto, Código Penal Anotado, Ed. Renovar, 1991, p. 530, Damásio E. de Jesus, Direito Penal, 4~ Vol., Ed. Saraiva, 1992, p. 254, Heleno Cláudio Fragoso, Lições de Direito Penal, Vol. 11, Ed. Forense, 1988, p. 541, Júlio F. Mirabete, Manual de Direito Penal, 3~ Vol., Ed. Atlas, 1991, p. 401, Paulo José da Costa Júnior, Direito Penal Objetivo, Ed. Forense Universitária, 1989, p.7(0).
De verificar-se, todavia, não haver este óbice na hipótese dos autos, pois os fatos descritos na denúncia teriam ocorrido quando aqueles cidadãos já haviam sido chamados a prestar depoimento junto à autoridade policial, sendo essa circunstância suficiente para caracterizá-los como testemunhas.
Confira-se, a propósito, o documento de fls. 131 em que o Sr. José Máximo requer ao Delegado da Polícia Federal o adiamento de sua oitiva, marcada para o dia 03.07.92, alegando
ter sido intimado apenas no dia 02.07.92, às 17:00 hs, o que tomou exíguo o prazo para que providenciasse o seu comparecimento.
Ora, segundo as declarações em que se louva o Ministério Público Federal, a corrupção ativa, em que figuram como vitimas a referida testemunha e Mauro Valério, teria ocorrido "na segunda ou terça-feira, após a publicação da Revista "IS1O É", n'.' 1187" ou seja, nos dias 06 ou 07.07.92, quando já intimado, aos menos, o Sr. José Máximo.
Esta conclusão está reforçada por outro documento, o de fls. 129, em que o Delegado da Polícia Federal, Dr. Paulo Lacerda, solicita ao Dr. João Carlos Sanches, em memorando datado de 03.07.92, providências no sentido da formalização das oitivas dos Srs. José Máximo e Mauro Valério, dando a entender, e considerando o documento anteriormente citado, que já haviam sido expedidas as respectivas intimações.
Sustenta, ainda, a defesa, inexistir lastro probatório para essa acusação, por encontrar-se esta baseada unicamente nos depoimentos das vítimas.
1àmbém esse argumento não pode prosperar, pois pelas circunstâncias em que teria ocorrido o delito, e mais, tendo presente que fatos desta natureza não se comprovam documentalmente ou por outros meios, os depoimentos das vítimas ganham expressivo relevo, sendo suficientes, quando menos, para constituir o mínimo probatório para a instauração da ação penal.
Dessa forma, já decidiu o Supremo 'llibunal Federal, na Ação Penal n'.' 231-RN, Relator Ministro Xavier de Albuquerque (RIJ 88/739), não apenas para receber a denúncia, mas para condenar o acusado por corrupção ativa, com base em depoimento exclusivo da vítima. Lembro, ainda, que a doutrina trilha o mesmo caminho, como ilustra Tourinho Filho (Processo Penal, voI. 3, Ed. Saraiva, 1989, p.262):
"Em certos casos, porém, é relevantíssima a palavra da vítima do crime. Assim, naqueles delitos clandestinos - qui dam comittit solvit - que se cometem longe dos olhares das testemunhas, a palavra da vítima é de valor extraordinário."
Diante do aposto, rejeito os argumentos da defesa, recebendo a denúncia pelo crime de coação ativa de testemunhas.
Dela, todavia, excluo o acusado Paulo César Farias.
É que, como se viu, a increpação foi contra ele lançada sem que houvesse qualquer referência ao seu nome, nos depoimentos dos dois locadores dos veículos, que servem de base à denúncia, nesse ponto.
De efeito, nenhuma afirmativa se contém, nos mencionados depoimentos, no sentido de que o motorista da Brasil Jet, de nome Roberto Carlos, houvesse agido por orientação do acusado Paulo César Farias, quando em atendimento à solicitação que lhe teria sido feita por Cláudio Vieira, conduziu José Máximo Machado de Oliveira e Mauro Valério dos Santos à residência deste, onde teriam ocorrido os fatos configuradores da corrupção.
A simples circunstância de Roberto Carlos ostentar, à época, a condição de empregado da Brasil Jet, empresa do grupo de Paulo César Farias, não autoriza, por si SÓ, a ilação de que agiu ele por ordem deste. A denúncia, portanto, nessa parte, é incongruente e destoante da lógica.
No tocante à coação no curso do processo (art. 344 do CP), afirma a denúncia estar ela caracterizada, em face do que consta do depoimento do referido Mauro Valério dos Santos, neste trecho:
"Que nesta ocasião, Roberto Carlos exigiu do declarante que assinasse dezesseis recibos no próprio nome do declarante, atestando que os veículos alugados a Ana Acioli eram pagos pelo marido da mesma, Fernando Gomes; que o declarante se sentiu intimidado diante do argumento inicial de R0-berto Carlos de que era "O Homem" quem mandara falar com o declarante além do fato de naquele momento Roberto Carlos retirar da cintura o seu revólver e colocar sobre a mesa do apartamento ..... Contra essa imputação, as defesas opuseram
as mesmas alegações anteriormente expostas - ausência da condição de testemunha e inadmissibilidade da prova fundada unicamente em depoimento das vítimas -, acrescentando não ter havido grave ameaça na conduta perpetra-
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da pelo acusado Roberto Carlos Maciel, razão por que requereram a rejeição da denúncia.
De atentar-se, entretanto, para o fato de que a grave ameaça, exigida para a configuração do delito, é aquela capaz de intimidar seriamente o homo medius ( cf. Nelson Hungria, op. cit., p. 489), sendo empregada com o propósito de favorecer interesse próprio ou alheio, porém atingindo, através da conduta do coacto, a normalidade da função jurisdicional ou investigatória do Estado, tudo em prejuízo da administração da Justiça. No caso, a ameaça, praticada com o intuito de prejudicar a devida apuração dos fatos, de modo a beneficiar os acusados, direta ou indiretamente, propiciou lesão, quando menos potencial, ao bem juridicamente tutelado, tanto que, segundo o relato, houve a assinatura de dezesseis recibos com a falsa declaração de que os veículos locados para o serviço de Ana Acioli eram pagos pelo seu marido, Sr. Fernando Gomes.
Não vislumbrando a possibilidade de acolher os argumentos da defesa - quer no sentido da inépcia ou da falta de justa causa, quer, menos ainda, no sentido da improcedência da acusação, voto pelo recebimento da denúncia, quanto ao delito em referência.
Pelas mesmas razões anteriormente expostas, relativamente ao crime de corrupção ativa de testemunhas, faço-o, entretanto, tão-só quanto ao acusado Roberto Carlos Maciel. Efetivamente, o acusado Paulo César Farias, como já ficou dito, não foi mencionado pelas testemunhas cujo depoimento serviu de embasamento a essa acusação; e o acusado Cláudio Francisco Vieira não se achava presente no hotel, onde se teria dado a coação, não havendo como concluir-se que dele partiu a ordem de obtenção da assinatura dos novos recibos a qualquer custo, senão mediante mera presunção, insuficiente para a increpação.
Quanto ao crime de supressão de documento (art. 305), fundou-se a denúncia no seguinte fato, relatado por Mauro Valério:
"Que lembra-se ainda ter Cláudio Vieira perguntado ao motorista Roberto Carlos se a Brasil Jet possuía dOQlmentos referentes às citadas locações; que Roberto Carlos informou a Cláudio Vieira que já haviam feito uma verificação completa na Brasil Jet,
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tendo sido destruídas todas as provas das locações feitas junto à LOCABRÁS e à GM RENT A CAR, relacionadas com os veículos cedidos a Ana Acioli ... " Diante do que foi narrado, entende o Mi
nistério Público que o acusado Cláudio Vieira, diretamente, e o acusado Paulo César Farias, através do seu motorista Roberto Carlos Maciel, ordenaram a destruição de documentos existentes na Brasil Jet, relativos à locação de veículos destinados ao uso da secretária Ana Acioli.
Não há, entretanto, como aceitar-se tal ilação. Efetivamente, além de não haver, no mencionado trecho, nem em outro qualquer, dos depoimentos em foco, qualquer alusão a Paulo César Farias, o que se tem aí é uma informação dada pelo acusado Roberto Carlos a Cláudio Vieira, a qual, enquanto informação, não pode servir para incriminar o informado; e tampouco o informante, mero motorista, certamente sem acesso aos documentos e registros da contabilidade da empresa empregadora - a Brasil Jet - e, portanto, sem condições de, ele próprio, haver destruído documentos neles existentes. Sem apontar a autoria da destruição e desacompanhada, por inteiro de elementos capazes de certificar a posse de tais documentos pela empresa, ou, sequer, a sua existência em qualquer época, é fora de dúvida que a referida informação não se presta para ensejar a grave increpação de supressão de documentos.
Por fim, analiso a denúncia sob o aspecto da suposta prática do crime de falsidade ideológica pelos acusados Paulo César Farias, Jorge Bandeira de Melo, Marta Vasconcelos, Rosinete Melanias, Severino Nunes e Giovani Melo.
A denúncia, em relação a eles, descreve fatos que, em tese, se amoldam, sob o aspecto objetivo, a essa figura típica, consistentes na emissão de notas fiscais com falsa declaração de prestação de serviços, bem como na abertura e movimentação de contas bancárias sob nomes fictícios. E, sob o aspecto subjetivo, demonstram todas as circunstâncias descritas que os referidos acusados - o primeiro como autor intelectual e os demais como autores materiais do falso - teriam agido com o propó-
sito de alterar fato juridicamente relevante, de modo a facilitar a consecução dos propósitos ilícitos mirados.
Dessa forma, acolho a denúncia em relação a todos eles, rejeitando os argumentos de inépcia e falta de substrato probatório, invocados pela defesa, nesse último caso, porque respaldada a acusação em exame grafotécnico do Instituto Nacional de Criminalística (fls. 1495/1517, 6~ vol.), que ainda não mereceu contradita definitiva.
Em resumo. meu voto é no sentido de acolher apenas em parte a denúncia, para o fim de instauração de processo penal: contra o primeiro, segundo e terceiro acusados, pelo crime de corrupção passiva; contra o segundo acusado, ainda pelo crime de falsidade ideológica; contra o terceiro acusado, também pelo crime de corrupção ativa de testemunha; contra o quarto acusado, pelos crimes de corrupção ativa de testemunha e coação no curso de processo; e contra os demais acusados, pelo crime de falsidade ideológica.
É como voto.
varo
o Sr. Ministro Carlos Velloso: - Sr. Presidente, serei breve, dado que não estamos julgando a ação penal, estamos apenas no juízo de admissibilidade desta.
Como o eminente Relator, também acho que a denúncia, no que toca ao crime de formação de quadrilha ou bando, é inepta, porque não descreve os elementos que devem integrar a figura penal: não há notícia de quando se deu a associação em quadrilha, não se menciona o local em que ela se formou, como ocorreu essa associação e em que condições a associação se efetivou. Esses dados são necessários para a caracterização da figura penal sob exame. Esclareça-se, ademais, que, para a caracterização do crime de formação de quadrilha ou bando - art. 288 do Código Penal -não basta a participação de mais de três pessoas em determinado crime; é necessária a permanência para a prática de novos e futuros delitos. Daí a necessidade de a denúncia indicar os fatos que caracterizariam a figura penal.
Ao que pude apreender dos debates, esse crime de formação de quadrilha - associaremse mais de três pessoas em quadrilha ou bando, Cód. Penal, art. 288 - encontraria descrição, na denúncia, principalmente em dois itens, os itens 36 e 37 certo que a denúncia, neste último item, se reporta a uma decodificação de disquetes encontrados num microcomputador apreendido sem observância das normas infraconstitucionais pertinentes. Impressionou-me a sustentação oral feita da tribuna, no que toca à ilicitude dessa prova, pelo Dr. Nabor.
Numa Constituição que não dispõe de modo expresso a respeito do tema - a Constituição americana de 1787 - a Suprema Corte americana construiu uma sólida jurisprudência a respeito das provas ilícitas ou provas obtidas por meios ilícitos, afastando-as do processo penal. Essa jurisprudência, evidentemente, é saudada com contentamento pelos povos civilizados, porque redunda em benefício das pessoas, já que alarga o campo dos direitos e garantias constitucionais. No Brasil, a Constituição é expressa - art. 5~, LVI: "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos". Desta forma, o Supremo Tribunal Federal há de ser severo no cuidar da questão. Aliás, este Plenário, no julgamento do HC 69.912-RS, Relator o Sr. Ministro Sepúlveda Pertence, julgamento ainda não concluído, em razão de pedido de vista, está examinando o tema e já há uma expressiva votação contra a prova ilícita. No caso, ao que pude perceber, o microcomputador não foi apreendido regularmente, não foi apreendido com observância das normas processuais pertinentes; a sua apreensão, ademais, foi feita com violação de direitos e garantias constitucionais. Ora, a ilicitude dos meios utilizados para a apreensão do aparelho toma a prova dele decorrente inadmissível no processo penal. Destarte, se a denúncia, no que toca ao crime de formação de quadrilha, é dependente dessa prova, porque a ela se refere expressamente, a ela se reporta para ter como caracterizado o crime de quadrilha ou bando, segue-se que, também por isso, a denúncia não pode ser recebida, no ponto.
Thl como fez o Sr. Ministro Relator, rejeito,
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por inepta, a denúncia, quanto ao crime de quadrilha ou bando.
Examino, agora, a denúncia, no que tange ao crime de corrupção passiva, crime este imputado aos Srs. Fernando Collor, Paulo César de Farias e Cláudio Francisco Vieira. O Sr. Ministro Relator a recebe em relação a esses três acusados, e eu o acompanho, dispensandome de maiores considerações, dado que estou de acordo com o voto do Sr. Ministro Relator.
Thmbém no que diz respeito ao crime de falsidade ideológica, art. 299 do Código Penal, referentemente aos acusados Paulo César de Farias, Jorge Valdério Tenório Bandeira de Mello, Marta de Vasconcelos Soares, Rosinete Silva de Carvalho Melanias, Severino Nunes de Oliveira e Giovane Carlos Fernandes de Mello, acompanho o Sr. Ministro Relator, recebendo a denúncia.
Passo ao exame dos crimes de corrupção ativa de testemunha (art. 343 do Cód. Penal), coação no curso do processo (art. 344 do Cód. Penal) e supressão de documentos (art. 305 do Cód. Penal). Nesta parte, não obstante o voto meticuloso do Sr. Ministro Relator, peço vênia para divergir de S. Ex~.
Chego a dizer que a denúncia não é impecável no que toca a esses delitos todavia, não posso antecipar julgamento de mérito, recebendo-a referentemente ao motorista Roberto Carlos Maciel de Barros, quanto aos crimes de corrupção ativa de testemunha (Cód. Penal, art. 343) e coação no curso do processo (Código Penal, art. 344), e deixar de recebêla contra o patrão do motorista, que é o grande interessado no sucesso da empreitada. Com efeito: a quem interessava o depoimento da testemunha? Ao motorista, empregado do Sr. Paulo César? É claro que não. O interessado é o Sr. Paulo César Farias. A empreitada -corromper testemunha, efetiva coação no curso do processo e suprimir documentos comprometedores - evidentemente que interessava ao patrão do motorista e não a este. Há um nexo, portanto, entre os crimes e o Sr. Paulo César Farias, dado que, repito, a este interessava o resultado dos delitos. É claro que a afirmativa é feita em tese, em abstrato, porque tudo isso há de ser cumpridamente provado nos autos. Mas não posso, agora, quando a ação
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se instaura, afastar de imediato a participação daquele que seria o maior interessado na consumação da empreitada. Falo em tese, repito, por isso que tudo isso terá que ser devidamente provado.
No que toca, portanto, a essas três figuras penais - corrupção ativa de testemunha, coação no curso do processo e supressão de documentos - peço licença ao eminente Ministro Relator, para receber a denúncia apresentada contra Paulo César Farias, Cláudio Vieira e Roberto Carlos Maciel de Barros.
Com essas breves considerações - e fiz questão de ser breve, porque não estou julgando a ação penal, estou, apenas, admitindo a sua instauração - com a vênia do Sr. Ministro Relator, rejeito a denúncia apenas em relação ao crime de formação de quadrilha ou bando. Quanto ao mais, recebo a denúncia.
varo
O Senhor Ministro Celso de Mello - A discussão pública que se estabeleceu em tomo desta causa, estimulada por um clima emocional extremamente adverso e hostil aos ora denunciados, impõe que se façam algumas considerações preliminares, no ambiente sereno desta Corte de Justiça, no momento mesmo em que o Supremo Tribunal Federal, reunido em sessão plenária, prepara-se para apreciar, nesta fase prelimiar do processo penal condenatório, a denúncia oferecida pelo Ministério Público.
A submissão de uma pessoa à jurisdição penal do Estado coloca em evidência a relação de polaridade conflitante que se estabelece entre a pretensão punitiva do Poder Público, de um lado, e o resguardo à intangibilidade do jus libertatis titularizado pelo réu, de outro.
A persecução penal rege-se, enquanto atividade estatal juridicamente vinculada, por padrões normativos que, consagrados pela Constituição e pelas leis, traduzem limitações significativas ao poder do Estado. Por isso mesmo, o processo penal só pode ser concebido - e assim deve ser concebido - e assim deve ser visto - como instrumento de salvaguarda da liberdade do réu (João Mendes de Almei-
da Júnior, "O processo criminal brasileiro", vol. 1/8, 1911).
A eventual privação da liberdade individual do acusado requer, em conseqüência, que se lhe assegurem, em toda a sua plenitude, as garantias inerentes ao due process of law. As virtualidades jurídicas que emergem da cláusula constitucional do devido processo legal não podem ser ignoradas pelo aplicador da lei penal, que deverá ter presentes - ao longo da persecutio criminis injudicio - todos os princípios que, forjados pela consciência liberal dos povos civilizados, proclamam, de um lado, a presunção de não-culpabilidade dos acusados e garantem, de outro, o irrestrito exercício, com todos os recursos e meios a ele inerentes, do direito de defesa em favor daqueles que sofrem uma acusação penal.
A antecipação de juízos condenatórios, sem que se enseje ao réu a possibilidade de produzir defesa técnica por profissional legalmente habilitado, em processo judicial revestido de publicidade e regido pelo princípio da instrução contraditória, constitui farsa inaceitável, própria de formações sociais totalitárias, que traduz verdadeira conspurcação do regime das liberdades públicas.
Demonstram infidelidade suprema aos princípios fundamentais que estruturam a nossa ordem jurídica aqueles que preconizam e reclamam, em razão da qualidade pessoal, funcional ou política dos ora denunciados, um inadmissível julgamento político e um inaceitável tratamento especial e seletivo que certamente culminariam, a partir de interpretações arbitrárias da Constituição e da lei - muito mais ajustadas à satisfação de conveniências subalternas do que voltadas à pesquisa da verdade real - na própria e ilegítima denegação dos direitos que assistem a qualquer pessoa acusada em juízo criminal.
O processo penal condenatório não é um instrumento de arbítrio do Estado. Ele, antes, representa um poderoso meio de contenção e de delimitação dos poderes de que dispõe os órgãos incumbidos da persecução penal. Não exageraria se ressaltasse a decisiva importância do processo penal no contexto das liberdades públicas.
O processo, em sua expressão instrumental,
representa o elemento concretizador das garantias individuais outorgadas ao acusado pelo sistema de direito positivo. Ao delinear um círculo de proteção em torno da pessoa do réu - que jamais se presume culpado, até que sobrevenha irrecorrivel sentença condenatória -, o processo penal revela-se instrumento que inibe a opressão judicial e que, condicionado por parâmetros ético-jurídicos, impõe ao órgão acusador o ônus integral da prova, ao mesmo tempo em que faculta ao sujeito passivo da ação persecutória do Estado o direito de defender-se e de questionar, criticamente, sob a égide do contraditório, todos os elementos probatórios produzidos pelo Ministério Público.
O julgamento de qualquer réu submetido a acusações de caráter penal faz-se nos tribunais que, por delegação da soberania nacional, administram a justiça em nome do Povo.
Os llibunais constituem, por isso mesmo, o locus institucional destinado à resolução dos litígios penais. Os conflitos entre a pretensão punitiva do Estado e o direito à preservação da liberdade individual têm, nos órgãos do P0-der Judiciário, o foro adequado para a sua composição. Substituir as instâncias judiciárias, no desempenho reto, imparcial e isento da jurisdição penal, pelas decisões inapeláveis emanadas das ruas, sob a intensa pressão do clamor popular, equivaleria a suprimir de modo arbitrário - e com frontal desrespeito a princípios essenciais que tutelam, enquanto valores subordinantes, as liberdades fundamentais do indivíduo - as grandes conquistas liberais que se consolidaram, após longo processo histórico-cultural, nos mais evoluídos sistemas jurídicos contemporâneos.
A visão política do processo penal condenatório - que conduz à distorcida aplicação das leis penais, sem qualquer vinculo ou subordinação às diretrizes constitucionais que regem a atividade persecutória do Estado -constitui uma inaceitável deformação do próprio conceito de Estado Democrático de Direito, consagrado pela Lei Fundamental da República.
No atual estágio de nosso constitucionalismo e de nossas práticas institucionais, neste momento de especial significação histórica em
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nosso processo de transformação política, neste instante de definitiva superação de episódios autoritários que causaram, em passado recente, danos quase irreversíveis à causa da liberdade e da prevalência da ordem democrática, cumpre advertir que o desrespeito às leis e a inobservância, nos processos penais condenatórios, das cláusulas constitucionais assecuratórias dos direitos dos acusados - qualquer que seja a condição pessoal do réu - não se justificam, porque, refletindo uma visão autocrática, arbitrária e inaceitável do processo criminal e dos fms a que se destina, desviam-no dos vetores ético-juridicos que lhe dão conformação e consistência.
Os réus, portanto - quaisquer que sejam - terão, sempre, perante esta Suprema Corte, a garantia de julgamentos livres, independentes e imparciais, essencialmente condicionados pelas cláusulas da Constituição que asseguram aos acusados, a quaisquer acusados, a plena fruição dos seus direitos e o integral respeito ao seu estado de liberdade individual.
O processo penal condenatório delineia-se, nesse contexto, como estrutura jurídico-formal em cujo âmbito o Estado desempenha a sua atividade persecutória. Nele, antagonizam-se exigências contrastantes, que exprimem uma situação de tensão dialética configurada pelo conflito entre a pretensão punitiva deduzida pelo Estado e o desejo de preservação da liberdade individual manifestado pelo réu.
Essa relação de conflituosidade, que opõe o Estado ao indivíduo, revela-se, por isso mesmo, nota essencial e tipica das ações penais tendentes à obtenção de provimentos jurisdicionais de caráter condenatório.
O litígio penal já existe desde o momento da prática do ato infracional, inobstante ainda desvestido, nesse momento pré-judicial, de formas processuais. O exercício estatal da função persecutória - mesmo na fase administrativa de sua atuação - traduz situação dotada de potencialidade lesiva ao status libertatis do indivíduo, que é submetido, pelo poder do Estado, a investigação policial ou a processo judicial.
A persecução penal, cuja instauração é justificada pela suposta prática de um ato criminoso, não se projeta e nem se exterioriza co-
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mo uma manifestação de absolutismo estatal. De exercício indeclinável, a persecutio criminis sofre os condicionamentos que lhe impõe o ordenamento jurídico. A tutela da liberdade representa, desse modo, uma insuperável limitação constitucional ao poder persecutório do Estado.
Os atos de persecução penal, qualquer que seja o momento de sua realização - em juízo ou fora dele -, submetem-se por inteiro à necessária observância da Constituição e das leis, sob pena de ilicitude do comportamento estatal.
As limitações à atividade persecutório-penal do Estado traduzem garantias dispensadas pela ordem jurídica à preservação, pelo suspeito, pelo indiciado ou pelo acusado, do seu estado de liberdade.
A primeira garantia jurídica asegurada ao suposto autor de infrações penais traduz-se na exigência - que é constitucional- de instauração de um procedimento formal de persecução in judicio.
A própria exigência de processo judicial já representa poderoso fator de inibição do arbítrio estatal e de restrição ao poder de coerção do Estado. A cláusula nulla poena sine judicio exprime, no plano do processo penal condenatório, a fórmula de salvaguarda da liberdade individual.
Com a prática do ilícito penal, acentua a doutrina, Ha reação da sociedade não é instintiva, arbitrária e irrefletida; ela é ponderada, regulamentada, essencialmente judiciária" (grifei - GAS10N STEFANI e GEORGES LEVASSEUR, "Droit Pénal Général et Procédure Penale", tomo lI/I, 9~ ed., 1975, Paris).
Do princípio fundamental, enunciado na cláusula nulla poena sine judicio, deriva a regra da inevitabilidade do processo penal, pois - como adverte o saudoso JOSÉ FREDERICO MARQUES ("Elementos de Direito Processual Penal" voI. I, p. 11/13, itens 2 e 3, Forense) - Ha pena criminal s6 pode ser aplicada processualmente, ou seja, por meio de processo em que se verifica a atuação de órgão do Poder Judiciário'~
Por isso mesmo, não se toma despiciendo enfatizar que a jurisdicionalização da pena constitui, em nosso ordenamento positivo,
uma ineliminável garantia de todos aqueles a quem se vier imputar a prática de uma infração penal. Atesta-o a nossa melhor doutrina (ROGÉRIO LAURIA TUCCI, "Persecução penal, prisão e liberdade", 1980, São Paulo; JOAQUIM CANUlO MENDES DE ALMEIDA, "Processo Penal, ação e jurisdição", 1975, São Paulo) e ressalta-o a teoria processual penai comparada (VINCENW MAZINI, "1tattato di diritto processuale penale", vol. 1/83, item 9, 6~ ed., 1967, Thrino; ALBERTO DOMENICO roLOMEI, "I principü fondamentali deI processo penale", p. 80, item n. 22, 1931, Padova; GIUSEPPE SABATINI, "Principü costituzionali deI processo penale", p. 20, item n. 2, 1976, Napoli; GIOVANNI LEONE, "Manuale di Diritto Processuale Penale", p. 26, item n. 29, 8~ ed., 1971, Napoli).
Daí, e tendo presentes essas referências doutrinárias, a observação lapidar do eminente Mestre paulista, JOSÉ FREDERICO MARQUES, que, em obra clássica ("Da Competência em Matéria Penal", p. 55/57, 1953, Saraiva), advertiu que '~s garantias constitucionais relativas ao juizo penal se entroncam assim na tutela jurisdicional que a Constituição consagra para garantir o império da lei e da ordem jurídica. Se o direito de liberdade não pode sofrer limitações de ordem penal sem prévio pronunciamento judiciário. isto significa que a lei pena~ quando incide sobre uma situação jurfdica. só o faz mediante sentença."
Insinua-se, neste ponto, bem por isso, a questão pertinente ao controle prévio da denúncia penal, referente à análise dos seus requisitos formais e ao exame dos elementos em que se fundamenta a pretensão punitiva do Estado, deduzida pelo Ministério Público.
A denúncia - enquanto instrumento formalmente consubstanciador da acusação penal - constitui peça processual de indiscutível relevo jurídico. Ela, antes de mais nada, ao delimitar o âmbito temático da imputação penal, define a própria res in judicio deducta.
A peça acusatória, por isso mesmo, deve conter a exposição do fato delituoso, com todas as suas circunstâncias. Essa narração, ainda que sucinta, impõe-se ao acusador como exigência derivada do postulado constitucional que assegura ao réu o exercício, em toda
a sua plenitude, do direito de defesa. Denúncia que não descreve o fato criminoso - já advertiu esta Corte - é a denúncia inepta (KI'J 57/389).
Lapidar, sob esse aspecto, o magistério do eminente Desembargador paulista, ALBERTO SILVA FRANCO, para quem (RT 525/372-375), verbis:
"Num processo de tipo acusatório. não se compreende que o objeto da acusação fique ambíguo. indefinido. incerto ou logicamente contraditório. pois é ele que estabeIeee os limites das atividades, cognitiva e decisória. do Juiz. A este efeito do objeto da acusação é que EBERHARD SCHMIDT denominou de vinculação temática do Juiz. Este só pode ter 'como objeto de suas comprovações objetivas e de sua valoração jurídica aquele sucesso histórico cuja identidade, com respeito ao fato e com respeito ao auto~ resulta da ação... ." Assentadas essas premissas, passo a anali
sar a peça acusatória apresentada pelo Ministério Público.
lenho para mim - ao menos para efeito do juízo de delibação que sou solicitado a proferir neste momento procedimental- que a denúncia oferecida pelo Procurador-Geral da República, no que concerne aos ilícitos penais apontados e aos seus supostos autores, apresenta-se formalmente ajustada às exigências da lei, contém elementos narrativos que veiculam a descrição dos fatos delituosos imputados aos acusados e diflne comportamentos que, em tese, podem subsumir-se aos preceitos primários da norma penal incriminadora.
Diria, até, nesta fase de sunlária e incompleta cognição da causa penal, em que se reclama desta Corte muito mais a formulação de um juízo de admissibilidade do que a apreciação do mérito do pedido, que a peça acusatória formalizada pelo Ministério Público parece atender, em seus aspectos essenciais, ainda que minimamente, às diretrizes que, fundadas no magistério de JOÃO MENDES,'assim foram proclamadas por EDUARDO ESPfNOLA FILHO ("Código de Processo Penal Brasileiro Anotado", vol. 1/382-383, item n~ 182, 2~ ed., 1945, Freitas Bastos):
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.~ queixa ou denúncia é uma exposição narrativa e demonstrativa. Narrativa, porque deve revelar o fato com todas as suas circunstâncias, isto é, não s6 a ação transitiva, como a pessoa que a praticou (quis), os meios que empregou (quibus auxiliis), o malefício que produziu (quid), os motivos que o determinaram a isso (cur), a maneira por que a praticou (quomodo), o lugar onde praticou (ubi), o tempo (quando). Demonstrativa, porque deve descrever o corpo de delito, dar as razões de convicção ou presunção e nomear as testemunhas e informantes." A questão concernente à ausência de cor
ruptor ativo - suscitada nas respostas de alguns denunciados como fator de descaracterização típica do delilo de corrupção passiva - merece algumas considerações.
O Mini&tério Público, na réplica que ofereceu à resposta dos ora acusados, acentuou que a denúncia, ao descrever o comportamento de Fernando Affonso Collor de Mello e Paulo César Cavalcante Farias, atribuiu-lhes a prática, em co-autoria, do crime de corrupção passiva na modalidade autônoma de solicitar vantagem indevida.
O crime de corrupção passiva somente será bilateral, reclamando a necessária presença do corruptor ativo, nas hipóteses típicas representadas pela conduta do intraneus que recebe ou aceita promessa de vantagem indevida oferecida pelo extraneus. Note-se, pois, que a questão da bilateralidade não se coloca nessa espécie delituosa quando o agente público solicita, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, em razão da função pública, a indevida vantagem. Não há, desse modo, correspondência necessária e indeclinável entre os delitos de corrupção passiva (CP, art. 317) e de corrupção ativa (CP, art. 333).
A possibilidade jurídico-legal de ocorrer o crime de corrupção passiva sem a correspondente prática do delito de corrupção ativa é amplamente reconhecida pela doutrina que, ao analisar as normas primárias inscritas nos arts. 317 e 333 do Código Penal, nelas identifica tipos penais de ação múltipla ou de conteúdo variável, cuja realização pode verificar-se, unilateralmente, tal seja a modalidade típica ca-
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racterizadora do comportamento infracional do agente.
Para JÚLIO FABBRINI MIRABETE ("Manual de Direito Penal", vol. 3/306, 4~ ed., 1989, Atlas),
.~ bilateralidade não é requisito indispensável da corrupção. Pode apresentar-se esta de maneira unilateral. Por isso cogitou o legislador da corrupção em duas formas autônomas, separadamente, coriforme a qualidade do agente. Para a caracterização da corrupção passiva, não é indispensável a existência da infração prevista no artigo 333 (corrupção ativa), embora, coriforme as circunstâncias do caso, possam verificar-se ao mesmo tempo as duas figuras delituosas (RF 177/373,188/335,228/306; KT 395/93). Na modalidade de solicitação, o crime é apenas do funcionário, mas, havendo recebimento ou aceitação de promessa de vantagem, pratica o extraneus o crime de corrupção ativa. " Esse entendimento - impõe-se ressaltar -
é placitado pela doutrina penal (NELSON HUNGRIA, "Comentários ao Código Penal", vol. 9/367, 2~ ed., 1959, Forense; DAMÁSIO E. DE JESUS, "Código Penal Anotado", p. 798, 1989, Saraiva; CELSO DELMANTO, "Código Penal Comentado", p. 507, 3~ ed., 1991, Renovar) e acolhido pela jurisprudência dos Tribunais:
.~ existência de um crime de corrupção passiva não importa, necessariamente, na existência de outro de corrupção ativa." (RT 395/93)
"No crime de corrupção, podem concorrer as modalidades ativa e passiva ou apresentar-se somente uma delas, pois o art. 333 do CP s6 pune quem corrompe oferecendo ou prometendo, e não quem apenas se limita a ceder ante solicitação do funcionário público." (RJTJSP, vol. 7/545)
'~ bilateralidade não é requisito indispensável da corrupção. Pode apresentar-se esta de maneira unilateral ... . " (RJTJSp, vol. 14/335)
'~ corrupção passiva (. .. ) nem sempre se trata de crime bilateral, podendo consumarse com a simples solicitação, por parte do pr6prio corrompido, de vantagem indevida." (RTJE/MG, vol. 63/198)
De qualquer maneira, impõe-se salientar que o fato de ser desconhecido o corrupto ativo, naquelas hipóteses típicas em que o agente público recebe ou aceita promessa de vantagem indevida, não impede o Ministério Público de formalizar e oferecer denúncia, por corrupção passiva, contra o funcionário público que se deixou subornar.
De outro lado, a realização do tipo penal consubstanciado no art. 317 do Código Penal, decorrente da mera solicitação de vantagem indevida, prescinde da prática, pelo agente, de qualquer ato de seu ofício.
Com efeito, o preceito primário da norma penal incriminadora, descrito pelo art. 317 do Código Penal, não reclama, para efeito de sua integração, que o funcionário público, em se tratando do delito de corrupção passiva, realize um ato inerente a suas atividades funcionais. A legislação penal brasileira - mais rigorosa e severa, neste ponto, que os modelos normativos do direito continental europeu -satisfaz-se com a mera solicitação de indevida vantagem, formulada pelo agente em razão da função pública que exerce, independentemente da prática de um ato concreto de ofício.
A prática efetiva do ato de ofício, pelo funcionário público que se deixou corromper, não integra - posto que não se identifica como seu elemento essencial - a estrutura normativa do tipo penal definidor do crime de corrupção passiva, especialmente naqueles casos em que a conduta do agente se subsume à modalidade típica e autônoma da solicitação de vantagem indevida.
'lendo presente, desse modo, que a configuração típica do delito de corrupção passiva prescinde, na hipótese em causa, da prática efetiva de ato funcional pelo servidor público, revela-se correta a observação de que a legislação penal brasileira tutelou de modo mais intenso o princípio da moralidade administrativa, afastando-se, neste ponto, tal como ressaltado pelo Procurador-Geral da República, do modelo consagrado pelo sistema positivo vigente na Itália (fls. 5.221):
'~ .. o legislador pátrio optou por dispensar à função pública tratamento mais rigoroso. Ao invés de incriminar a venda do ato de ofício, tal como fez a Itália, o Brasil foi
mais radical, pois cominou pena a todo aquele que, valendo-se de sua condição de servidor público, venha a, em razão dela, solicitar vantagem indevida." Na realidade, e na estrita perspectiva de nos
so direito positivo, o tipo penal abstratamente descrito no art. 317 do Código Penal tem o seu momento consumativo com a solicitação de indevida vantagem, independentemente da prática ulterior, pelo agente, de qualquer ato de seu ofício.
Esse particular aspecto da questão foi bem apreciado pelo Ministério Público, que salientou, verbis:
"(. .. ) ( ... ) no Brasil, o delito de corrupção passiva
do caput do art. 317 do Código Penal consuma-se independentemente da prática do ato. Essa é, em verdade, a única analogia que se assenta sobre a própria estrutura dos diversos tipos dos vários sistemas postos em confronto.
Ademais, querer-se o ato de ofício contemporaneamente à solicitação ou recebimento da vantagem é ignorar que o tipo penal reconhece a corrupção na solicitação que o servidor faça 'ainda que fora da função ou antes de assumi-la'.
Ora, como gritar-se pelo 'ato de ofício' se o servidor está fora da função, ou ainda não a assumiu?
Por fim, recorde-se que, embora tenha sido criado para melhor garantir a segurança do cidadão, o tipo penal também possui aspecto que atua em prol do Estado. Quando este logra, como é o caso, demonstrar a perfeição dos elementos do tipo penal, tem ele o direito de punir o criminoso. Assim, dado que o art. 317 do Código Penal Brasileiro não requer a percepção de vantagem pelo agente público como contraprestação de um ato do seu ofício, seguese a plena possibilidade jurídica da pretensão deduzida perante esse Colendo Iribunal."
O Ministério Público imputou, de outro lado, a todos os denunciados, com a só exceção de Roberto Carlos Maciel de Barros, a prática do delito de quadrilha ou bando, tipificado no art. 288 do Código Penal.
A denúncia parece revelar, na configuração do pactum sceleris alegadamente celebrado pe-
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los denunciados, a adesão voluntária e consciente dos agentes a um projeto criminoso apto a lesar - a partir do ajuste consensual quanto à prática de diversos ilícitos penais -a própria paz pública, que constitui, precisamente, o bem jurídico posto sob tutela do ordenamento penal.
Peça processualmente idônea, a denúncia revela que os acusados ter-se-iam associado, em quadrilha ou bando, movidos por dolo específico, para o fim de cometerem uma pluralidade de ações delituosas.
Basta à tipificação do art. 288 do Código Penal - todos o sabemos - que o delito nele descrito, que constitui infração de concurso necessário, tenha a participação mínima de (4) quatro membros integrantes. No caso, a imputação penal consuostanciada na denúncia envolve, no esquema delituoso noticiado, a participação de, pelo menos, oito pessoas.
Não obstante \) caráter plurissubjetivo do delito de quadrilha ou bando, em que se torna "dificultoso destacar a singularidade das participações em resultados de certa escala dimensional" - consoante já asseverou esta Corte (RIJ 101/147, ReI. Ministro RAFAEL MAYER) - é preciso acentuar que o Ministério Público identificou a atuação dos denunciados, propondo-se, até, a demonstrar - a partir da análise das informações contidas no computador apreendido na empresa Verax, em São Paulo, holding das empresas de Paulo César Cavalcante Farias - a própria existência de um vínculo associativo entre os diversos agentes integrantes da societas sceleris alegadamente formada pelos ora acusados.
A idoneidade jurídico-formal da denúncia quanto ao crime de quadrilha ou bando emerge, a meu ver, do seu próprio conteúdo descritivo, que bem delineou os aspectos essenciais (essentialia delictl) concernentes a essa particular manifestação de ilicitude penal.
Destaco, da formulação acusatória concernente ao delito de quadrilha ou bando, as seguintes passagens que, sobre serem expressivas, contêm, a meu juízo, a descrição minimamente necessária tanto à configuração típica do crime previsto no art. 288 do Código Penal quanto ao reconhecimento da viabilidade formal da denúncia, verbis:
"(. .. )
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7. A ligação estreita e permanente entre Paulo César Cavalcante Farias e o Presidente da República, Fernando A. Collor de Mello, evidencia-se, também, na vantagem indevida solicitada e recebida por este, através do acusado Cláudio Francisco Vieira, consistente em colocar à disposição dos filhos do Presidente um automóvel blindado para transporte destes, na cidade do Rio de Janeiro, de meados de 1990 a meados de 1992 ( ... ).
8. Até mesmo o tratamento dentário da mulher do Senhor Presidente da República, realizado de 20 de agosto' de 1990 a 08 de junho de 1992, pelo cirurgião-dentista Olympio Faissol Pinto, em seu consultório, na cidade do Rio de Janeiro, Bairro Botafogo, no valor histórico de CrS24.()()().OOO,OO (vinte e quatro milhões de cruzeiros), equivalente a USS29'(J93,38 (vinte e nove mil, noventa e três dólares americanos e trinta e oito centavos) foi pago, em 28 de novembro de 1991, pelo acusado Paulo César Cavalcante Farias, através de cheque emitido por pessoa fictícia, por ele criada (. .. ).
( ... ) 20. O firme vínculo entre o Senhor Presi
dente Fernando A. Collor de MeDo e Paulo César Cavalcante Farias, bem como o concerto de vontades existentes entre ambos os acusados, revela-se, mais uma vez. na doação recebida pelo então candidato a deputado federal, Sebastião Curió Rodrigues de Moura, doação essa feita pela empresa Mercedes Benz do Brasil SA., por iniciativa do Presidente Fernando Collor de Mello e mediação de Paulo César, em setembro de 1990.
Com efeito, em 1 ? de setembro de 1990, no restaurante Florentino, na CLS 402, em Brasma, o Presidente da República reencontrou-se com Sebastião Curió e pediu a este que procurasse Bernardo Cabra/, então Ministro da Justiça, para quefosse solucionada a questão da ajudafinanceira à sua propaganda eleitora/, conforme conversa anterior no Palácio do Planalto.
No dia 03 seguinte, Sebastião Curió recebeu telefonema do Ministro Bernardo Cabra/, que falava do Gabinete do Presidente da República, solicitando os números dos telefones do candidato a deputado, que foram fornecidos por Curió, tendo sido encerrada a conversa com a afirmação do Ministro de que aguardasse notícias.
Já no dia seguinte, 04 de setembro de 1990, Sebastião Curi6 recebeu telefonema de Paulo César Farias, que ligava a pedido do Presidente da República, informando-Ihe o modo de recebimento dos CrI10.000.000,OO (dez milhões de c/w.eiros) e solicitando que Curi6 agradecesse ao Senhor Scheuer, da Mercedes Benz (_.).
Assim, o Presidente da República, através de Paulo César, solicitou e obteve a quantia de Crll0.000.000,OO (dez milhões de cruzeiros) equivalente a USI123.092,07 (cento e vinte e três mil, noventa e dois d61ares americanos e sete centavos) de empresa privada, para atender interesse político-administrativo do primeiro, que desejava ter como aliado seu, na Câmara dos Deputados, o candidato Sebastião Curi6, tendo sido a entrega do dinheiro a Paulo César Farias feita em 21 de setembro de 1990 (. .. ).
(. .. ) 22. A participar do concerto entre os acusa
dos Fernando A. Collor de Mello e Paulo César Cavalcante Farias estava, ainda, o denunciado Cláudio Francisco Vieira, que orientou Ana Acioli, em março de 1990, logo ap6s a posse do Presidente da República, a transferir a conta destinada às despesas pessoais e familiares de Fernando A. Collor de Mello para o Banco Rura~ agência de Brasl1ia. que seria, depois. usado, também, por Paulo César C Farias para a abertura de contas-correntes de pessoasfictícias, quer na mesma agência da Capital Federa~ quer na agência da Capital paulista.
23. Foi ele. também, que intermediou a vantagem indevida, solicitada e recebida pelo Senhor Presidente da República, consiste no empréstimo do veículo automotor 'Opala: blindado, para servir de meio de transporte dos filhos do Presidente. no período de meados de 1990 a meados de 1992 (_.).
24. Também, foi o acusado Cláudio Francisco Vieira, a pedido do Senhor Presidente da República, Fernando A. Collor de Mello, quem providenciou a aquisição do veículo Fiat, Modelo Elba, pago com cheque emitido pela pessoa fictícia, José Carlos Bomfim (. .. ).
(. .. ) 28. A demonstrar a societas sceleris existente
entre os acusados está a conduta de Jorge Waldério 1im6rio Bandeira de Melo como participante da entrega dos dez milhões de cruzei-
ros ao candidato a deputado federa~ Sebastião Curi6, uma vez que foi Jorge quem emitiu. na última dezena de setembro e primeiros dias de outubro de 1990, dois cheques. entregues ao candidato, assinados por Jorge. como sendo José Carlos Bomfun (. .. ).
Pelo exposto, a entrega do dinheiro a Sebastião Curi6 contou com a participação dos acusados Fernando Collor de Mello, Paulo César Cavalcante Farias e Jorge Waldério 1im6rio Bandeira de Melo, dinheiro esse que reflete, apenas, uma parcela mínima do montante obtido pelos dois primeiros junto à Mercedes Benz do Brasil S/A.
(. .. ) 34. A reunião permanente dos denunciados
para a prática de delitos contra particulares e contra " Fé e a Administração dll Justiça, e. conseqüentemente contra a Paz Pública, contou. também, com a participação do acusado Giovani Carlos Fernandes de Melo, que trabalha para o acusado Paulo César Farias, em Macei6, Capital do Estado de Alagoas.
Foi ele o autor das assinaturas, como emitente. dos cheques n?S 419567 e 6968JJ, oriundos da conta n? 01.06202-0, do Banco Rural em Brasl1ia, DF, cujo titular era a pessoafictícia Carlos Alberto da N6brega, cheques esses emitidos em 07 dejaneiro de 1992 e 16 de março de 1992, nos valores de Crll0.650.000,OO (dez milhões, seiscentos e cinqüenta mil cruzeiros) e de CrI18.430.000,OO (dezoito milhões, quatrocentos e trinta mil cruzeiros), respectivamente.
(. .. ) 37. A associação destinada a cometer cri
mes, descrita nesta denúncia, tem estratégia institucional e operacional dinâmica, tendente a continuar a delinqüir. Em computador apreendido na empresa ~rax. em São Paulo, holding das empresas de Paulo César Cavalcante Farias, está gravado, dentre outras coisas, o seguinte:
'DIAGNÓSTICO REFLUIR: RETIRADA ESTRATÉGICA
DE MODO A REDUZIR SENSIVELMENTE O GRAU DE EXPOSIÇÃO E DE VUlr NERABILIDADE.
O SENTIMENTO GENERALIZADO CONTRA O WBYSTA TITULAR VEM SE CRISTALIZANDO E CONSOLIDANDO DIA-A-DIA. PERMITIR ESPAÇO AO
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WBBY PARA OPERAR, SEJA O POLÍTICO SEJA O TRADICIONAL.
LIBERAR AS ÁREAS NÃO ELEGÍVEIS, ADMITIR QUE NÃO É POSSÍVEL ENQUADRAR roDOS OS MINISTÉRIOS.
REPENSAR AS ÁREAS DE ATUAÇÃO (IMPORTANTES, EXPRESSIVAS E RENT ÁVEIS), PARCEIROS (CONFIÁ VEIS E FIÉIS) e CAF(TAN1V O VAWRNOMINAL COMO A SUA REDISTRIBUIÇÃO DE MODO A POSSIBILITAR QUE AS PRÓPRIAS EMPRESAS TENHAM ESPAÇO PARA ATENDER A BASE DA PIRÂMIDE DECISÓRIA).
ALTERNATIVAMENTE DEFINIR NOVO MODEW OPERACIONAL NO QUAL ENVOLVA DE FORMA MAIS DIRETA A PARTICIPAÇÃO DA EMPRESA - POLfTICO.
RELATÓRIO GERENCIAL DEVE SER REPENSADO DE MODO A ESPELHAR A REALIDADE FINANCEIRA QUE SE ESTÁ VIVENDO.
REGULARIZAR O REGISTRO DO VERAX, E DAR FACHADA COMO UMA ATIVIDADE REGULAR E NORMAL (CONCESSIONÁRIA).
ALAGOAR: REPENSARATUAÇÃOOPERACIONAL COMO ENVOLVER OS POLÍTICOSEM UMACORDO OPERACIONAL.
POR CONVENIÊNCIA E NECESSIDADE O BIGBOSS MODIFICOU A ESTRATÉGIA DE ATUAÇÃO, COM CLARAS E EVIDENTES DECISÕES DE COMPLEro EXPURGO DA AÇÃO DOS OPERADORES, O QUE IMPLICA EM REDISCUTIR O MODEW EXISTENTE A PARTIR DE UM'BALIZAMENro SUPERIOR.
POR MAIOR QUE SEJA O EXPURGO, O MERCADO (PARCEIROS MAIS EXPRESSIVOS E CONFIÁVEIS) SEMPRE TERÁ EM CONTA QUE O RELACIONAMENro ENTRE OS DOIS AMIGOS É MAIS DURADOURO QUE UM CASAMENTO, E, PALIATIVAMENTE, IRÁ BUSCAR SOLUÇÕES PARA SEUS PROBLEMAS, NÃO IMPORTANDO QUEM SEJAM OS FUTUROS INTERWCU1VRES, MAS TENDO EM CONTA QUE NÃO PODERÁ DEIXAR DE DAR SUA CONTRIBUIÇÃO PERMANENTE AO SISTEMA ANTERIOR.'
(. .. )"
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Thl como ressaltado pelo Ministério Público (fls. 5.235), '~ .. as instruções para prática de delitos contidas no acima citado computador somente poderiam servir a uma quadrilha devidamente organizada, para a consecução dos crimes descritos na denúncia':
Impõe-se ressaltar, ainda, a gravidade objetiva do delito de quadrilha ou bando, cuja configuração típica autoriza a sua punição autônoma, independentemente da prática efetiva dos delitos para os quais se constituiu a associação criminosa.
Essa autonomia jurídico-penal do crime de quadrilha é destacada pela doutrina (DAMÁSIO E. DE JESUS, "Código Penal Anotado", p. 690, 1989, Saraiva) e pela própria jurisprudência do Supremo 'llibunal Federal, que proclama:
"O crime de quadrilha ou bando é sempre independente daqueles que, na societas delinquentium, vierem a ser praticados. O membro da associação será co-autor do crime para o qual concorreu... ." (RTJ 88/468, Rei. Min. DÉCIO MIRANDA) De qualquer maneira, Sr. Presidente, a cer-
teza quanto à realidade desse evento delituoso - o crime de quadrilha ou bando - emergirá, ou não, no curso do processo, e ao longo da instrução penal contraditória.
Os denunciados Jorge Waldério Tenório Bandeira de Melo e Giovani Carlos Fernandes de Melo suscitaram, ainda, em suas respostas, a questão da ilicitude da prova penal contra eles produzida pelo Ministério Público, que dela se valeu para sustentar - com fundamento em diligência executada por agentes fiscais da União Federal - a postulação acusatória deduzida por esse órgão da persecução penal (v. fls. 5.129/5.161).
Registre-se, desde logo, a inquestionável hostilidade do ordenamento constitucional brasileiro às provas ilegítimas (aquelas que se produzem com vulneração das normas de direito processual) e às provas ilícitas (aquelas que se coligem com transgressão das regras de direito material). A Constituição do Brasil, ao repelir a doutrina do male captum, bene retentum, sancionou, com a inadmissibilidade de sua válida utilização, as provas inquinadas de vícios jurídicos graves.
A norma inscrita no art. 5?, LVI, da Lei FundamentaI da República promulgada em 1988, consagrou, entre nós, com fundamento em sólido magistério doutrinário (ADA PELLEGRINI GRINOVER, "Novas Tendências do Dire!to Processual", p. 60/82, 1990, Forense Universitária; MAURO CAPPELLETTI, "Efficacia di prove ilIegittimamente ammesse e comportamento delIa parte", in Rivista di Diritto Civile, p. 112, 1961; VICENW VIGORITI, "Prove ilIecite e costituzione", in Rivista di Diritto Processuale, p. 64 e 70, 1968), o postulado de que a prova obtida por meios ilícitos deve ser repudiada - e repudiada sempre - pelos juízes e Tribunais, "por mais relevantes que sejam os fatos por ela apurados, uma vez que se subsume ela ao conceito de inconstitucionalidade ... " (ADA PELLEGRINI GRINOVER,op. cit., p. 62, 1990, Forense Universitária).
A cláusula constitucional do due process of law - que se destina a garantir a pessoa do acusado contra ações eventualmente abusivas do Poder Público - tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas ou ilegítimas, uma de suas projeções concretizadoras mais expressivas, na medida em que o réu tem o impostergável direito de não ser denunciado, de não ser julgado e de não ser condenado com base em elementos instrutórios obtidos ou produzidos com desrespeito aos limites impostos pelo ord.:namento juridico ao poder persecutório e ao poder investigatório do Estado.
A absoluta invalidade da prova ilícita in firma-lhe, de modo radical, a eficácia demonstrativa dos fatos e eventos cuja realidade material ela pretende evidenciar. nata-se de conseqüência que deriva, necessariamente, da garantia constitucional que tutela a situação juridica dos acusados em juízo penal e que exclui, de modo perempt6rio, a possibilidade de uso, em sede processual, da prova - de qualquer prova - cuja ilicitude tenha sido reconhecida pelo Poder Judiciário.
Prova ilícita é prova inidônea. Mais do que isso, prova ilícita é prova imprestável. Não se reveste, por essa explícita razão, de qualquer aptidão jurídico-material. Prova ilícita, sendo providência instrutória eivada de inconstitucionalidade, apresenta-se destituída de qual-
quer grau, por mínimo que seja, de eficácia jurídica. A prova ilícita, em conseqüência, não se revela idônea, ainda que - a partir dos elementos de informação que eventualmente ministre aos órgãos da persecução penal - possa produzir dados novos que atestem a materialidade ou a autoria do fato delituoso. A ilicitude original da prova transmite-se, por repercussão, a outros dados probatórios que nela se apóiem, dela derivem ou nela encontrem o seu fundamento causal.
A Exclusionary Rule - considerada essencial pela jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos na definição dos limites da atividade probatória desenvolvida pela Polícia e pelo Ministério Público - destina-se, na abrangência de seu conteúdo, a proteger, pelo banimento processual de evidências ilicitamente coligidas, os réus criminais contra a ilegítima produção ou a ilegal colheita de prova incriminadora (Garrity v. New Jersey, 385 U.S. 493, 1967; Mapp v. Ohio, 367 U.S. 643, 1961; Wong Sun v. United States, 371 U.S. 471, 1962, v.g.).
Os denunciados Jorge Bandeira de Melo e Giovani Carlos Fernandes de Melo sustentam que o fundamento do juízo acusatório contra eles formulado pelo Ministério Público encontra suporte em medida de busca e apreensão ilegalmente executada por agentes fiscais da União. A ineficácia probatória desses elementos de convicção - cuja apuração teria decorrido de comportamento ilícito daqueles agentes estatais - tomaria imprestável a prova penai, subtraindo, assim, à própria acusação o suporte que lhe dá consistência (fls. 5.129/5.161).
Essa questão assume, a meu ver - e até em função das premissas que assentei em tomo do tema da inadmissibilidade, em nosso sistema constitucional, das provas ilícitas - inegável relevo jurídico. natando-se, contudo, de matéria que requer ampla discussão probatória, a envolver, até mesmo, a indagação sobre a realidade do próprio comportamento, ora questionado, dos agentes fiscais, parece-me que o tema suscitado por Jorge Bandeira de Melo e por Giovani Carlos Fernandes de Melo deverá merecer, no momento procedimentaImente oportuno, séria consideração por parte desta Suprema Corte.
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Entendo,fl1lalmente, que as alegações de vários dos denunciados - especialmente de Rosinete de Carvalho Melanias, Severino Nunes de Oliveira, Marta Soares Vasconcelos, Roberto Carlos Maciel de Barros, Jorge Waldério Thnório Bandeira de Melo e Giovani Carlos Fernandes de Melo -, concernentes à comprovação do seu suposto envolvimento nas práticas delituosas referidas, constituem matéria que deverá submeter-se à instrução processual contraditória, incumbindo o onus probandi ao Ministério Público, até mesmo em função da presunção juris tantum de não-culpabilidade que milita em favor dos acusados (CF, art. 5~, LVII).
Esta fase introdutória do processo penal de conhecimento não constitui o momento formalmente adequado para a indagação em torno de questões de índole eminentemente probatória. A análise da efetiva participação dos denunciados nos eventos delituosos constantes da denúncia legitimar-se-á, sob a égide do princípio da bilateralidade do juízo, quando da realização dos atos de instrução processual.
Convém registrar, por isso mesmo, a advertência de EspfNOLA FILHO (op. loc. cit.), para quem <~ •• não é na denúncia (. .. ) que se devem fazer as demonstrações da responsabilidade do réu, o que é de reservar para a apreciação final da prova. quando se concretiza (ou não) o pedido de condenação'~ Da~ o pronunciamento do Plenário desta
Corte no Inq. n? 392-1-Sp, rei. Min. CELSO DE MELLQ DJU de 24/8/90, ocasião em que, ao receber a denúncia do Procurador-Geral da República oferecida contra um congressista e diversos outros indiciados, deixou estabelecido que, verbis:
uConfigurados, prima facie, os elementos pertinentes à autoria e à materialidade dos fatos constantes da peça acusat6ria. impõe-se o recebimento da denúncia. Os aspectos de fundo, concernentes ao pr6prio mérito da causa penal, alegados pelos denunciados em suas respostas escritas, deverão ser examinados no momento procedimentalmente adequado, com a realização da necess4ria instrução criminal contradit6ria." Os fatos descritos na denúncia - e, portan-
to, dependentes de efetiva comprovação por
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parte do Ministério Público, a quem incumbe, nesta sede processual, o onus probandi -revestem-se de extrema gravidade, na medida em que envolvem um ex-Presidente da República e diversos outros agentes acusados de ações moralmente inescrepulosas e penalmente ilícitas, que teriam culminado, a partir de um projeto criminoso por eles alegadamente concebido e executado, em verdadeiro assalto à Administração Pública, com graves danos ao princípio ético-juridico da probidade administrativa e sério comprometimento da dignidade da função pública, além de lesão efetiva a valores outros - como os da paz pública, da administração da justiça e da fé pública -, postos sob a imediata tutela do ordenamento penal.
Os comportamentos delituosos atribuídos pelo Ministério Público aos ora denunciados parecem subsumir-se, ao menos em tese, à descrição normativa abstratamente constante dos tipos penais em que teriam incidido os acusados.
Por isso, Sr. Presidente, e feitas as considerações que venho de expor, peço vênia aos eminentes Ministros Ilmar Galvão e Carlos Velloso - não obstante os doutos votos que proferiram - para receber, INTFXJRALMENTE, a denúncia do Ministério Público, nos exatos termos em que formulada, oferecida pelo Procurador-Geral da República contra Fernando Affonso Collor de Mello, Paulo César Cavalcante Farias, Cláudio Francisco Vieira, Roberto Carlos Maciel de Barros, Jorge Waldério Thnório Bandeira de Melo, Marta de Vasconcelos Soares, Rosinete Silva de Carvalho Melanias, Severino Nunes de Oliveira e Giovani Carlos Fernandes de Melo.
É o meu voto.
varo
O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Presidente, li e reli, com a atenção, que a complexidade da causa exige, e o prazer, que a alta qualidade dos trabalhos proporciona, a denúncia, as respostas, a réplica do eminente Procurador-Geral da República e as tréplicas contidas nos memorais que nos foram distribuídos.
2. No que toca à denúncia por corrupção passiva, duas questões jurídicas são indubitavelmente pertinentes ao momento processual, por mais restrito que se repute esse controle prévio da viabilidade da denúncia. É que, se procedentes, levariam elas à inépcia da acusação. Daí, pedir a paciência do lHbunal para algumas observações improvisadas.
3. Imputa-se corrupção passiva em coautoria a três dos denunciados, e as suas respostas expõem, com grande brilho, duas objeções à tipicidade, em tese, da imputação: a primeira, a falta de identificação de determinação do ato de oficio, de competência do Presidente da República, que tivesse sido a contraprestação oferecida ou objetivada pela corrupção; a segunda, a ausência de identificação ou, mesmo, de denúncia do eventual ou eventuais corruptores ativos.
4. A autoridade de seus subscritores, a inteligência e a elegância com que deduzidas as duas objeções impressionam, malgrado o brilho da réplica que lhes opôs o Sr. ProcuradorGeral da República.
S. Ao fmal, porém, das reflexões que a polêmica me suscitou, vejo que, para mim, são ambas, com todas as vênias, fruto remoto do insistente complexo colonial, que às vezes ainda assalta os nossos melhores juristas e os leva a começarem a resposta a um problema de direito positivo brasileiro, não pela análise da lei positiva brasileira, mas da doutrina estrangeira, do que resulta, com freQÜência, a importação, como verdades universais, do que, na doutrina estrangeira, não é mais do que o corolário inafastável da letra inequívoca das normas positivas estrangeiras em torno das quais giram as obras doutrinárias.
6. Assim, Sr. Presidente, considero irrespondível, em sua substância, sem me comprometer com alguns pormenores do raciocinio, a demonstração da Procuradoria-Geral da República, na réplica às defesas, de que a exigência, no caso, da identificação precisa do ato de oficio presidencial, oferecido ou esperado como contraprestação da vantagem econômica solicitada, oferecida ou recebida, parte do transplante de comentários adequados à lei penal italiana e à grande maioria das legislações
penais estrangeiras, mas, data venia, inadequadas à lei brasileira.
7. Bastaria, para tanto, a demonstração gráfica, contida na réplica, da diferença substancial entre o art. 317, caput, do Código Penal Brasileiro e o art. 318 do Código Penal Italiano.
8. Define a lei brasileira: H _ art. 317 (Corrupção passiva) - Solicitar ou receber, para si ou para outrem. direta ou indiretamente, ainda que fora dafunção ou antes de assumi-Ia. mas em razão dela. vantagem indevida. ou aceitar promessa de tal vantagem (. .. )." 9. Incrimina o Código Penal Italiano: H_ art. 318 (corruzione per um afto di ufficio) - II pubblico ufficiale, che, per compiere un atto deI suo ufficio. riceve, per se o per un terzo, in denaro o altra utilità. una retribuzione che non gli e dovuta o ne acceta la promessa (. .. )." 10. A diferença de textos - solicitar, rece
ber ou aceitar promessa, em razão da função, no Brasil - ou - receber ou aceitar promessa para praticar um ato do seu ofício, na itália - é de eloqüência indisfarçável.
11. Impressiona de logo, com efeito, que a fórmula brasileira é singular, quase solitária, no Direito comparado. Tive a pachorra, hoje, de ler e anotar os tipos correspondentes de todos os códigos europeus reunidos na conhecida coletânia I..es Codes Pénaux Europeéns, publicada, em 1971, sob a direção de Mare Ancel, pelo Centre francais de droit comparé: a imensa maioria, a exemplo do referido art. 318 do Código italiano, põe expressamente como objeto da corrupção ativa um ato de oficio do agente público envolvido. Apenas para documentar, na mencionada versão francesa: Alemanha (§ 331: Hpour exécuter un acte ressortissant de sa compétence"); Austria (§ 104: Hbien qu'exerçant safonction dons I'ordre de ses devoirs, mais pour I'exercer"); Bélgica (art. 104: Hpour faire un acte de sa fonction ou de son emploi"); Espanha (art. 38S e 386:'pour éxécuter un acte relatif à l'exereice de sesfonctions"); Finlândia (cap. XL, § I'?: Hpour un acte de sa fonetion"); França (art. 177, § 1 '?: Hfaire ou s'abstenir de faire un acte de ses fonctions "); § 2?: Hrendre une décision ou donner une opinion"); Grécia (arts. 23S e 236: "un
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acte entrant dans ses fonctions"); Liechtenstein (art. 105: "bien qu'exerçant dans l'ordre de ses devoirs mais, pour l'exercer"); Luxemburgo (art. 246: "pour faire un acte de un acte de sa fonction ou de son emploi même juste"); Mônaco (art. 141: idêntico a Luxemburgo); Noruega (art. 112: "pour l'éxécution ou l'abstention d'un acte relevant de ses fonctions"); Holanda (art. 362: "pour l'engager à faire ou à ne pas faire un acte de 50 fonction "); Portugal (art. 318: "afin d'accomplir un acte de sa fonction "; atualmente Código de 1982, art. 422~: ''para praticar acto não contrário aos deveres do seu cargo"); Romênia (art. 254: "d'un acte concernant ses devoirs de service, ou ( ... ) un acte contraire ases devoirs"); Suécia (cap. XX, art. 2: ''pour un acte de sesfonctions"); Suíça (art. 315: "un acte impliquant une violation des devoirs de leur charge"; art. 316: "un acte non contraire a leurs devoirs e rentrant dans leursfonctions"); 'IUrquia (art. 211; ''pour exécuter ou ne pas exécuter les actes qu 'ils sont tenues de faire légalement ou réglementairement"); União Soviética (art. 173: "un acte quelconque que le fonctionnaire était tenu d'accomplir ou pouvait accomplir en utilisant 50 situation defonction"). Elas por elas, em todas essas fórmulas legais, a mesma exigência típica de um ato ou abstenção funcional, determinados e compreendidos nas funções específicas do agente, como contraprestação da vantagem solicitada, recebida ou aceita pelo funcionário.
12. Em contraposição, Sr. Presidente, são pouquíssimas as variações da fórmula quase universal, que centra o objeto da corrupção na omissão ou prática de determinado ato de oficio.
13. Nos Códigos da Dinamarca (art. 144) e da Groenlândia (art. 27) - o que se exige é apenas que o funcionário receba, exija ou aceite promessa de vantagem, "dans l'exercice d'unefonction ou d'une mission public"; na Islândia (art. 128) "dans l'exercice de ses fonctions"; na Polônia (art. 290), que a aceitação se dê a "l'occasion de l'exercice de ses fonctions "; mais próximo do Brasil, o Código Tcheco, art. 160 - "celui qu~ en conexité avec la gestion des affaires d'interêt général, aura accepté ou se sera fait prommettre un présent donné en vue de corruption" ...
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14. É inegável que, entre essas duas correntes, o Código brasileiro optou pela segunda, a minoritária, que não exige que a contraprestação do funcionário à vantagem cogitada seja um ato de ofício predeterminado, mas, somente, que haja uma relação genética, uma relação de causa e efeito entre a função do agente e o ato de corrupção visado, auferido ou prometido: ainda que não haja originariamente, no momento da oferta, do recebimento ou da solicitação, conexão com um ato específico, com um ato determinado a praticar. A diferença é extremamente significativa. Não é -data venia da brilhante réplica da Procuradoria-Geral da República - que a diferença se situe em exigir ou não a prática do ato. Está, sim, na necessidade ou não de que a dação, a oferta, a contratação, a solicitação tenham por objeto um ato determinado, da competência específica, restrita, do funcionário corrompido. É claro que, na corrupção de contínuos, de mensageiros, a diferença prática é insignificante; é óbvio que no âmbito do funcionário subalterno, o que se compra, o que se pretende comprar, o que se oferece é um ato específico. Mas, o mesmo não ocorre, quando se trata de altos dignitários, sobretudo na área fértil de oportunidades de corrupção, que é a da intervenção do Estado no domínio econômico: Presidente da República - estou falando só em tese - Presidente da República não celebra contratos pelo BNDES, nem pela Caixa Econômica; o Presidente da República não põe em pauta projetos da SUDENE, nem os retira; o Presidente da República não dá licença de importação ...
15. Parece induvidoso, Sr. Presidente - até como homenagem devida a esse monumento de técnica legislativa, que é o Código Penal de 40 - que o legislador brasileiro conhecia, de sobra, a impressionante uniformidade da grande maioria das legislações penais estrangeiras.
16. E - sem prejuízo de minha admiração intelectual ao estimado companheiro de tantas batalhas, que é o Dr. Evaristo de Moraes - não creio que o Código haja optado por diferença tão significativa na descrição do tipo, apenas, por uma questão de elegância de linguagem.
17. Há mais, Sr. Presidente, o legislador bra-
sileiro do Código de 40, ainda que não conhecesse uma só lei penal estrangeira, certamente não ignoraria os próprios antecedentes legislativos do Brasil. E aqui, afora o TItulo LXXI do temível Livro V das Ordenações Filipinas - onde a caracterização da peita se contentava com o recebimento de quaisquer dádivas ou presentes, que não fosse o recebimento, de parentes e amigos íntimos, de "pão, vinho, carne, frutas, e outras cousas de comer, que entre os parentes e amigos se costumar dar" -afora as Ordenações, repito, as leis penais brasileiras que vigeram antes do Código de 40, todas elas, seguiram a trilha da quase unanimidade das legislações penais estrangeiras, a que me referi. Sempre o objeto da corrupção era a prática ou omissão de ato de ofício.
18. Código Criminal do Império: <~rt. 130. Receber dinheiro ou outro al
gum donativo, ou aceitar promessas direta ou indiretamente para praticar ou deixar de praticar algum ato de ofício contra ou segundo a lei."
19. Código Penal de 1890: <~rt. 214. Receber para si, ou para ou
trem, diretamente ou por interposta pessoa, em dinheiro ou outra utilidade, retribuição que não seja devida,· aceitar, direta ou indiretamente, promessa, dádiva ou recompensa para praticar ou deixar de praticar um ato do ofício, ou cargo, embora de conformidade com a lei;" 20. Redação que subsiste no art. 240 da
Consolidação das Leis Penais de 1932. 21. Não posso, assim, ignorar a ruptura do
art. 317 do C. Penal de 1940, a um só tempo, com a quase unanimidade do direito comparado e com todos os antecedentes legislativos brasileiros, e continuar a reclamar, na interpretação da lei vigente, para a caracterização da corrupção passiva, a predeterminação do ato de ofício visado, como se nada se tivesse alterado no direito positivo brasileiro a interpretar e aplicar.
22. Do mesmo modo, a mim me parece que a exigência de identificação - quando não de denúncia simultânea por corrupção ativa -de quem haja propiciado ou prometido a vantagem ao funcionário acusado decorre igualmente da menor atenção dos analistas à lei bra-
sileira do que a dissertações doutrinárias vinculadas a textos diferentes, de ordenamentos estrangeiros.
23. As respostas dos denunciados insistiram muito em que a imputação contida na denúncia era de corrupção passiva na modalidade de receber, o funcionário, a vantagem indevida, a qual seria necessariamente bilateral; a réplica insiste em que não, em que a modalidade específica em que se haviam consumado os atos incriminados na denúncia era a da solicitação de vantagem que se fazia, por ação do segundo acusado, Paulo César Farias, em benefício de ambos, dele próprio, e do primeiro, o então Presidente da República, Fernando Collor de Mello.
24. Responde a tréplica dos excelentes memoriais: trata-se de um tipo alternativo misto, no qual, sustentam, modalidade receber a vantagem indevida absorveria a solicitação anterior dessa mesma vantagem.
25. Sr. Presidente, posso estar errado, não tenho nenhuma pretensão de penalista, mas, data venia, ao que me lembro, não foi assim que aprendi. Ensinaram-me que o que se dá, no tipo alternativo misto, é que, como qualquer das condutas alternativamente incriminadas o consuma, o delito se aperfeiçoa cronologicamente com o primeiro dos fatos incriminados. E, assim já consumado o crime, a efetivação subseqüente de outra conduta alternativamente incriminada é uma das hipóteses acadêmicas, escolares, de post factum não punível; não se pune, a título de aUXIlio ao suicídio, quem, antes, a ele induzira o suicida; não se denuncia por uso de documento falso, se o usuário é o próprio falsário.
26. Mas, Sr. Presidente, de qualquer sorte - e aqui expresso uma opinião sincera, felizmente já enunciada e defendida num caso anônimo -, estou em que a afirmação de que a corrupção passiva, na modalidade de receber a vantagem, é sempre bilateral, há de ser recebida cum grano sa/is. É sim, bilateral, quando o funcionário a recebe sem combinação prévia, por iniciativa do corruptor. Não, se a recebe porque o particular simplesmente acede à solicitação do servidor público.
27. Sei que me distancio das afirmações apodíticas de quase todos os doutrinadores que
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passaram pelo assunto, a meu ver, um pouco aligeiradamente. Mas estou à vontade para repetir, neste caso, o que sustentei num caso anônimo. Refiro-me ao Habeas Corpus 68.493/MT, julgado pela Primeira Thrma, e relatado pelo em. Ministro Gallotti, no qual também se alegava a impossibilidade, a inviabilidade da ação penal, porque, denunciado o juiz que solicitara e recebera a vantagem, não se denunciara nem se podia denunciar quem a dera, uma vez que, em relação a ele, já havia arquivamento definitivo do inquérito policial.
28. Depois de enfrentar outros fundamentos da impetração, disse:
"O fundamento realmente mais interessante, como mostrou o eminente Relator, é o problema - e as conseqüências que dele o ilustre Advogado quer tirar, embora sem alegá-lo explicitamente, à luz da indivisibilidade da ação penal - da inexistência de processo e da afirmação explícita, embora posterior, pelo Procurador-Geral da Justiça, da ausência de justa causa para o processo do intermediário, o Delegado, e do beneficiário, digamos assim, da corrupção passiva do Juiz.
Não se trataria, a rigor, oceita embora a tese de defesa, de bilateralidade. Como já se assentou aqui, é fato inconteste, na versão acusatória aceita pelo acórdão, que houve, no caso, corrupção passiva sob a modalidade de solicitação, de tal modo que, em relação ao magistrado, o recebimento posterior do dinheiro constituiria mera exaustão do crime, fato posterior à consumação do delito.
Mas, dir-se-á, apesar de já não necessária à consumação do crime do agente público, o Juiz, o recebimento não pode ocorrer sem a dação da vantagem, e a dação constituiria crime de corrupção ativa, infração conexa à solicitação em que se substantivara o crime do Juiz. Nem disso estou convencido, da existência, em tese, no caso, de corrupção ativa, embora confesse que, no ponto, tenho opinião que, se não é contestada explicitamente pelos doutrinadores, pelo menos, por nenhum deles vi aceita. Todos dizem, ao contrário, que nas modalidades de recebimento e de acei-
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tação de oferta a corrupção passiva é bilateral.
Peço vênia, Sr. Presidente, para algumas considerações a respeito.
Até o Código Penal de 40, ninguém discute, o crime de peita ou suborno - antecedente histórico da corrupção ativa e da corrupção passiva do Código atual - era, indiscutivelmente, um delito bilateral. Desde a Seção 71 das Ordenações Filipinas, ao receber do oficial deveria corresponder o dar do particular. No Código Penal do Império enriquece-se a definição de ambas as modalidades, sem lhes afetar a bilateralidade: para o corruptor passivo, receber ou aceitar promessa de vantagem; para o corruptor ativo dar ou prometer vantagem. Sempre uma ação correspondendo, necessariamente, a outra. Assim também permaneceu no Código de 90 e no art. 214 da Consolidação das Leis Penais.
O Código Penal de 40, anotam todos, alterou substancialmente a equação, optando pelo modelo suíço, em que não há uma bilateralidade necessária. Mas, dizem os autores, não há bilateralidade necessária, porque pode a corrupção passiva consumar-se com a simples solicitação, assim como pode a corrupção ativa consumar -se com o simples oferecimento não aceito. Embora evidentemente filiado ao modelo suíço, o Código Penal brasileiro tem, contudo, em relação ao modelo, uma diferença sensível. Voltei ao Código suíço para conferir essa velha impressão. Nele o que se tem é a seguinte definição da corrupção ativa:
"Art. 288 - Corruption - Celui qui, pour déterminer um membre d'une autorité, un fonctionnaire, une personne appelée a rendre justice, un arbitre ou un expert, traducteur ou interprete commis par 1 'autorité à violer les devoirs de sa charge ou une personne appartenant à l'armée à violer les devoirs de servir, leur aura offert, promis, donné ou fait un don ou quelque autre avantage sera puni de l'emprisonnement. Le juge pourra en outre prononcer l'amende".
Ora, falta no tipo do art. 333 do Código Penal brasileiro um verbo; nele não se diz, ao contrário do que diz o modelo suíço,
"oferecer, promover ou dar vantagem"; omitiu-se o verbo dar:
"Art. 233 (Corrupção ativa) - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício".
Seria indiferente a inexistência, na lei brasileira, do verbo dar na definição da corrupção ativa? A meu ver não. Ela leva necessariamente a uma interpretação: o receber, que, na corrupção passiva, é bilateral, é o receber a oferta do extraneus, oferta ou promessa de vantagem do particular que hão de ser espontâneas. Pode dizer-se, como Paulo José, que o fato de que há de ser espontânea não elimina a iniciativa, a solicitação do funcionário. Data venia, quando se diz espontânea não é apenas no sentido de voluntário, não é apenas no sentido de não coagido, é, segundo os léxicos, agir de moto próprio, sem insinuação alheia. Do contrário, entraríamos na dificílima distinção entre a solicitação do funcionário com autoridade e a concussão.
Mas, independentemente disso, fui encontrar, hoje, um dado que me fugira na análise, já longínqua, desse problema: o do próprio Código Penal Militar brasileiro. O Código Penal Militar brasileiro diverge do Código Penal comum, na definição de ambas as figuras penais. De um lado, na lei penal militar, em relação ao funcionário, não se incrimina a solicitação:
"Art. 308 - Receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem."
Mas, o que eu queria chamar a atenção era para o art. 309, sobre a corrupção ativa: "Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou vantagem indevida para a prática, omissão ou retardamento de ato funcionar'. De tal modo que a bilateralidade, pressuposta por todos os nossos doutrinadores, é verdade que sem análise detalhada - salvo de Paulo José, que afirma a tipicidade da ação de quem, solicitado pelo funcionário, ainda que não se trate de exigência, acede à solicitação - a meu ver, no âmbito do Código Pe-
nal comum, não é absoluta: simplesmente, dar, o extraneus, a vantagem solicitada pelo funcionário, é uma ação atípica." 29. Pois bem. A discussão desta causa nos
levou hoje a atentar num tipo pouco comum nos repetitivos livros tombos da nossa Justiça Penal, o da corrupção ativa de testemunha onde, no próprio Código Penal de 1940, está com todas as letras:
"Art. 343. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a testemunha, perito, tradutor ou intérprete, para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, pericia, tradução, ou interpretação, ainda que a oferta ou promessa não seja aceita." 30. Mas não pára ai, Sr. Presidente. O CÓ
digo Eleitoral também tem o seu crime de corrupção:
"Art. 299 - Dar, oferecer, prometer, solicitar, ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita." 31. Aqui também não posso, só para não
desafiar afirmações axiomáticas da doutrina, ler, também no art. 317 do C. Pen., o verbo dar, que nele não está, embora significativamente esteja no art. 343 do mesmo diploma, assim como na lei penal militar e no Código Eleitoral.
32. Por isso, respondidas as duas questões jurídicas quanto ao problema de fato, creio demonstrada a aptidão da denúncia no tópico da corrupção ativa. E, quanto aos elementos informativos, em que se funda, nesta parte, a exemplo dos eminentes Colegas que me antecederam, não tenho como considerar abusiva ou manifestamente improcedente a imputação.
33. Com relação ao crime de formação de quadrilha, com as vênias do Sr. Min. Celso de Mello, alinho-me ao voto do eminente Relator. É certo que a imputação, nos trechos lidos por S. Exa., quer seriam os minimamente pertinentes, desvela uma relação continuada entre os dois primeiros, quiçá, entre os três primeiros denunciados. No mais, entretanto, o que há é a intromissão de outras pessoas em fatos concretos que são objetos de capitulações
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independentes. Esses fatos concretos, a meu ver, são insuficientes para denotar uma associação razoavelmente permanente, consciente e pré-ordenada de todos os acusados, particularmente daqueles, necessários a compor o número mínimo ao aperfeiçoamento do delito de associação do art. 288, do C. Pen., que mantinham com os acusados principais vínculos de trabalho subordinado, de estreita confiança. Isto não elimina, em tese, a criminalidade dos fatos de que participaram, mas toma pelo menos inverossímil - sem explicações concretas que o Ministério Público não trouxe, mas eventualmente ainda poderá trazer - essa associação a todos imputada.
34. Quando no exercício eventual da presidência do Tribunal, despachei reiteração do pedido de prisão preventiva formulado pelo eminente Procurador-Geral da República. E por isso, tive de centrar minha atenção no episódio que constitui a base empírica da irrogação dos crimes de corrupção ativa de testemunha, destruição de documentos e coação no curso do processo. Sr. Presidente, não seria fiel a mim mesmo se não repetisse aqui a impressão que então deixei antever. Os elementos informativos desse fato estão longe de ser robustos, mas estamos num juízo de delibação. De logo, a denúncia não é inepta. Não me convence, data venia, o argumento - lamento não ter tido a possibilidade de consultar um acórdão do 'llibunal de São Paulo, referido apenas pela fonte de sua publicação, tanto por Celso Delmanto quanto por Damásio de Jesus - segundo o qual só haveria o crime de corrupção de testemunha, do art. 343, quando a testemunha já o fosse oficialmente, porque arrolada ou intimada. Em, princípio, não me convenço dessa interpretação. Parece-me claro que o autor de um homicídio, testemunhado por terceiro, que ofereça vantagem a esse, para que se cale, pratica o crime contra a administração da justiça, mesmo que a testemunha do fato ainda não tenha sido arrolada ou intimada.
35. 1àmbém não me convence que, no ponto, a denúncia seja abusiva.
36. Impressionou-me o brilho da sustentação oral do ilustre patrono do acusado Paulo César Farias. Não obstante, todo o contexto
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do episódio - eliminação de documentos, para afastar a prova da intervenção no caso da empresa do Sr. Paulo César Farias e o papel ativo que nos fatos assumiu o seu motorista particular, se não são provas concludentes, são dados objetivos dos quais, por inferência lógica, é possível chegar à afrrmação de indícios de sua participação na ideação desses delitos, ao menos neste momento inicial de delibação da versão acusatória: nesta fase, o que se pede, afora a hipótese de inépcia da denúncia, que aqui não existe, é a demonstração da improcedência da imputação. E isso, evidentemente, não fez a defesa de nenhum dos três acusados da prática deles.
37. 1àmbém não posso acompanhar o eminente Relator no ponto em que, com relação à coação no curso do processo - a coação das testemunhas, S. Exa., exclui, de logo, não só Paulo César Farias, mas também Cláudio Francisco Vieira. Sr. Presidente, por mais superficial que seja este exame de delibação de mérito, neste momento, a seriedade da acusação há de ser vista segundo a lógica da experiência comum. Ora, todo episódio raiaria pelo absurdo, pelo surrealismo mais ousado, se fôssemos admitir que os fatos de coação subseqüentes à procura das testemunhas a pedído de Cláudio Vieira e à condução delas à sua residência, fossem iniciativa espontânea de um motorista, contra quem, sequer no ponto mais radical da denúncia - o que estamos rejeitando, relativo à quadrilha ou bando - nem se pode levantar a suspeita de que também compusesse o esquema, a associação, o conjunto de pessoas predeterminadas à série de crimes atribuídos neste processo.
38. Apenas num ponto, no que diz com esses três últimos crimes, acompanho o eminente Relator. A imputação de supressão de documentos, efetivamente, à medída que nenhum outro elemento informativo sequer é alegado para lastreá-Io, não se pode sustentar, pelo menos neste estágio de delibação da causa. O texto das declarações de Mauro Valério dos Santos, uma das duas testemunha, no particular, diz apenas: "que se lembra ainda ter Cláudio Vieira perguntado ao motorista Roberto Carlos se a Brasil let possuía documentos referentes às citadas locações; que Rober-
to Carlos informou a Cláudio Vieira que já haviam feito uma verificação completa na Brasil Jet, tendo sido destruídas todas a provas das locações feitas à l.ocabrás e à GM Rent a Car, relacionadas com os veículos cedidos à Ana Acioli".
39. Vê-se aqui, Sr. Presidente, uma mera declaração de ciência do motorista a Cláudio Vieira. Certo, a lógica dos fatos traz indícios veementes da materialidade da supressão desses documentos. Mas não vejo como extrair, da simples descrição desse diálogo, aquele mínimo de base para lastrear a denúncia contra Cláudio Vieira e contra o motorista.
40. Quanto aos delitos de falsidade ideológica, acompanho o eminente Relator e recebo a denúncia.
41. Portanto, em síntese, Sr. Presidente, rejeito, integralmente a imputação de quadrilha e, também, integralmente, a imputação de supressão de documentos, sem prejuízo de que ambos sejam objeto de denúncia com outra base. Recebo a denúncia quanto ao mais.
varo
o Senhor Ministro Paulo Brossard: Senhor Presidente, após os brilhantíssimos votos enunciados, esforçar-me-ei por ser breve.
A várias luzes, o caso em exame é excepcional; basta dízer que um dos denunciados foi Presidente da República, e da Presidência destituído pelo voto do Senado, em memorável julgamento, que teve V. Exa. como Presidente, na forma e nos termos da Constituição.
À investigação parlamentar seguiu-se a investigação policial, ficando apurados certos fatos de indisfarçável gravidade. Grandes somas eram movimentadas por uma série de pessoas às vezes com nomes fictícios, o que é estranho, para não dizer suspeito. Somas que chegavam a abastecer a conta bancária do Presidente da República, sem falar em outras despesas, também pessoais, que lhe eram pagas. lão copiosos eram esses recursos que, para explicá-los, foi noticiada uma operação financeira de milhões de dólares, que teria sido celebrada no Uruguai. Este fato, Senhor Presidente, pareceme de singular importância. Primeiro, porque
foi ele trazido pelo próprio denunciado, e tem sido a pedra de toque utilízada para explicar a desusada movimentação pecuniária. lenho para mim que, longe de explicar, esta operação mais complica a situação, e, por isso mesmo, deve ser investigada e deve ser apurada.
Parece-me estranho que uma pessoa, razoavelmente sensata, faça um empréstimo de milhões de dólares para atender despesas normais, despesas de fim de mês. O Brasil tem tido Presidentes, mais de uma dezena de Presidentes, de DEODORO DA FONSECA a JOSÉ SARNEY, e, mesmo os mais criticados por esta ou aquela razão, jamais se permitiram explicar as suas despesas pessoais normais por meio de expedientes como os constantes da denúncia; o vencimento do Presidente não seria suficiente para enfrentá-las, tanto que celebrado empréstimo desse vulto; mas ele deveria ser pago, naturalmente; com que renda, se o empréstimo fora feito por que o vencimento seria insuficiente para as despesas? E o custo do empréstimo, a ser pago na mesma moeda em que o principal foi convencionado? Thdo isso, Senhor Presidente, arma um quadro de particular singularidade, que domina, no meu modo de ver, todo o processo, e que explica, quem sabe, algumas das dificuldades aqui tão agudamente, tão argutamente examinados nos votos exarados.
O certo é que, independente da verossimilhança ou inverossimilhança da chamada "Operação Uruguai", o fato teve profunda repercussão; parece-me que ninguém atribuiu aos denunciados terem retirado do Thsouro qualquer importância; tudo teria se dado como que à margem, mas sob a influência do exercício do poder. Pergunto-me, Sr. Presidente, se os fatos narrados na denúncia encontram no art. 317 sua melhor capitulação? É claro que esta é uma pergunta prematura; é uma indagação que terá a sua oportunidade no momento culminante do processo que é o seu julgamento, e depois que, sob o crivo judicial, a prova, tanto do Ministério Público como da defesa, tiver sido feita. Às vezes me pergunto se realmente a hipótese do art. 317 seria a que melhor encaixaria os fatos narrados, ou se eles não teriam algum parentesco com o art. 158, da extorsão; ou do art. 316, da concussão; ou,
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ainda, do art. 180. De qualquer sorte, o que me parece é que o fato do exercício do poder público seja a causa eficiente de ter sido possível realizarem-se as operações, apresentadas sob forma ilícita de um lado, e sob forma lícita de outro. Para mim, Sr. Presidente, os fatos narrados, ou ainda que com as incertezas que me parecem próprias neste momento em que o Tribunal está, pela primeira vez, conhecendo deste doloroso problema, têm vizinhança com o Código Penal.
Segundo o Ministério Público, numa longa peça de 38 páginas, estariam violados os arts. 317,343,344,305,299,288 e 89, combinados, por sua vez, com os arts. 27, 71, 79, 70 e 71 do Código Penal.
Não é o momento, Senhor Presidente, volto a dizer, de contar, medir e pesar fato por fato e texto por texto para verificar a correspondência entre uns e outros. Isso tudo deve ser apurado ao longo de um processo regular, como se impõe. Mas tenho como demonstrado, até às raias da evidência, pelo menos em termos teóricos e doutrinários, a possibilidade da corrupção passiva, nos termos do art. 317, tal como já foi aqui eruditamente demonstrado.
Quanto ao crime de quadrilha, Senhor Presidente, que recebeu, até aqui, maior eXclusão - além do Ministro-Relator, votaram pela exclusão, pela inépcia da denúncia, no particular, o Ministro VELWSO e agora o Ministro PERTENCE -, longe de mim quebrar lanças na demonstração da sua ocorrência, ou mesmo da perfeição formal da denúncia; longe de mim, mas me parece que os elementos narrativos da denúncia são de molde a ensejar sua aceitação; amanhã ela pode revelar-se insubsistente, mas, neste momento, em que o Tribunal está fazendo incompleta cognição da matéria, eu não me animaria a votar pela inépcia da denúncia, a despeito do brilho dos votos enunciados e das defesas proferidas, cuja qualidade desejo ressaltar e que correspondem, aliás, à reputação dos eminentes advogados que funcionam no feito.
Não me parece que a existência de quadrilha devesse ser comprovada mediante certidão, com Indicação de hora e local de sua instalação. De resto, tenho presente a sentença do Pa-
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dre VIEIRA, no "Sermão do Bom Ladrão", segundo a qual' 'Nem, os reis podem ir ao paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões podem ir ao inferno sem levar consigo os reis." Quer dizer, há um conjunto de fatos e de dados que, pelo menos neste momento, não parece prudente afastar a denúncia, aliás, passível de complementação pelo Ministério Público. Entendo que os fatos narrados na denúncia indicam, revelam a participação coletiva de pessoas, algumas sob pseudônimo, em operações pouco claras.
Por isto, animo-me a discrepar dos notáveis votos enunciados e das eloqüentes defesas feitas da Tribuna, para não excluir a formação de quadrilha, na linha do pensamento do Ministro CELSO DE MELW.
É natural, Senhor Presidente, que o fato tenha gerado repercussões, maiores ou menores, especialmente nos meios da comunicação. Recentemente, até o Supremo Tribunal foi alvo de censuras por suposta demora na apreciação da matéria.
Entendo que essas reações, de certa forma, são naturais, dada a excepcionalidade do fato, mas também entendo que, exatamente por tratar-se de caso excepcional, pelas pessoas envolvidas, pela qualificação destas pessoas e pela gravidade, em tese, dos fatos articulados, exatamente por isto, o juiz deve manter-se vigilante em não confundir o chamado clamor público, mesmo justificado, com a voz serena da Justiça, que envolve, para que possa realizar-se, a observância fiel e regular dos prazos, e a terminar nas variadas garantias que a lei assegura à defesa. Isto não é incomum. Nas "Cartas da Inglaterra", RUI BARBOSA em uma frase lapidar retrata o que ocorria em França, quando do Processo DREYFUS: "Pleno arbítrio de negar a Deus, aluir a propriedade, santificar a comuna, divinizar Marat, mas obrigação estrita e universal de teimar e bater fé em como DREYF'tJS é o mais desprezível dos malfeitores." É um conhecido fenômeno de psicologia social, mais do que c0-
nhecido, e que pode ocorrer, mas a ele, em hipótese alguma, pode-se dobrar um juiz, e muito menos um tribunal, e muito menos o Supremo 'llibunaI Federal.
Os magistrados foram postos nos seus lu-
gares exatamente para assegurar o regular cumprimento de lei, tanto mais estrito quanto mais extraordinárias forem as situações, mais aceso o clamor popular ou mais consideráveis os interesses conjugados contra ele.
São palavras, ainda, do Patrono dos Advogados Brasileiros, a propósito do famoso processo que há quase 100 anos dividiu a França de tal maneira que se prolongou por gerações, e a propósito das reações que se verificavam na França e na Inglaterra, dois Países de psicologias tão marcadamente distintas, aludia ele à tendência: "não sei se diga francesa, se latina, a condenar por impressões, a antecipar as sentenças, a de substituir aos juízes e a ditar arestos aos tribunais."
Creio que o Supremo 'llibunal Federal, hoje, como amanhã, quando tiver de julgar a questão, há de ficar sobranceiro a estas situações que ocorrem, mas que não podem marcar o andamento de um processo e determinar a formulação da sua sentença.
Senhor Presidente, acompanho o voto do Senhor Ministro CELSO DE MELLO, para acolher, tal como formulada, a denúncia do Dr. Procurador-Geral da República. Entendo que ela contém elementos narrativos suficientes para o seu acolhimento.
O tempo, a observância das formas processuais, o talento dos Advogados que hão de funcionar no feito, reduzirão, quem sabe, a proporções mais modestas, esta ou aquela imputação. Neste momento, limito-me, sem nada excluir, a acolher a denúncia formulada pelo Ministério Público Federal, para que seja regularmente processada.
varo
o Senhor Ministro Octavio Gal/otti: - Sr. Presidente, peço vênia aos eminentes Ministros CELSO DE MELlD e PAULO BROSSARD, para rejeitar a denúncia por inépcia, no tocante ao crime de quadrilha.
Li a peça acusatória e considero que circunstâncias de tempo e lugar, capazes de caracterizar um vínculo associativo de caráter estável de pelo menos quatro pessoas - não apenas uma co-participação, uma co-autoria -,
não estão suficientemente descritas na denúncia.
No tocante ao art. 305, isto é, quanto à indigitada supressão de documentos, cuja materialidade realmente está registrada na denúncia, não vejo caracterizada a autoria no teor do depoimento transcrito às fls. 2.301, como base da imputação, e que acaba de ser lido pelo eminente Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE.
Quanto aos demais fatos, entendo que estão suficientemente descritos, em tese, para dar lugar às cominações que lhes são atribuídas na denúncia e que deverão, naturalmente, ser objeto de prova, durante o curso da ação penal, não havendo fundamento, a meu ver, para que se conclua, quer pela inépcia da denúncia, quer quanto à possibilidade de se declará-la, de plano, improcedente, nesta fase preliminar do seu recebimento.
Em suma, meu voto coincide com o do Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, isto é, pela rejeição, quanto ao crime de quadrilha, para todos os acusados, e quanto ao crime do art. 305, "supressão de documentos", também quanto aos três indiciados a que se refere essa capitulação, data venia dos colegas que, de outro modo, concluíram.
varo
o Senhor Ministro Néri da Silveira: - O juizo que a Corte é convocada a proferir, neste momento, não implica julgamento definitivo sobre responsabilidade criminal dos denunciados. É certo que, - em circunstâncias especiais de inequívoca falta de plausibilidade da acusação e de indiscutível inviabilidade de se produzirem provas novas sobre as condutas tidas como penalmente típicas, - cabe-lhe dar, desde logo, pela improcedência da denúncia, rejeitando-a. O recebimento da denúncia, de outra parte, para que a ação criminal tenha seu processamento, não significa, à sua vez, por si só, qualquer antecipação do 'llibunal, quanto à final procedência da peça acusatória.
2. A denúncia enquadra em crime de corrupção passiva (CP, art. 317, "caput"), os três primeiros acusados, em co-autoria; em crime
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de quadrilha (CP, art. 288), todos os denunciados, salvo Roberto Carlos Maciel de Barros; nos crimes dos arts. 343 (corrupção ativa de testemunha), 344 (coação no curso do processo) e 305 (supressão de documento), os acusados Paulo César Cavalcante Farias, Cláudio Francisco Vieira e Roberto Carlos Maciel de Barros; no crime do art. 299 do CP (falsidade ideológica), os denunciados Paulo César Cavalcante Farias, Jorge Waldério Tenório Bandeira de Melo, Marta de Vasconcelos Soares, Rosinete Silva de Carvalho Melanias, Severino Nunes de Oliveira e Giovani Carlos Fernandes de Melo.
3. A corrupção passiva, qual crime contra a administração pública, define-se no art. 317 do CP, "caput", como "solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar }Jromessa de tal vantagem." Solicitar ou receber vantagem indevida, em razão dà função pública, eis o núcleo a considerar. Como anota CELSO DELMANlO, "a solicitação, tanto pode ser feita expressamente, como disfarçada ou veladamente." Indevida, ademais, é a vantagem que a lei não autoriza. O que se pune é o tráfico da função pública, consoante observa o citado CELSO DELMANTO (CÓDIGO PENAL COMENTADO, 2~ ed., pág. 532). Consoante se tem decidido, a existência de um crime de corrupção passiva não importa, necessariamente, na existência de outro de corrupção ativa (Kf 395/93). Em julgado, de que relator o Des. Adriano Marrey, o Tribunal de Justiça de São Paulo afirmou: "A bilateralidade não é requisito indispensável da corrupção. Pode apresentar-se esta de maneira unilateral. Por isso cogitou o legislador da corrupção em duas formas autônomas, separadamente, conforme a qualidade do agente. A essência de qualquer dessas duas figuras é, segundo o seu próprio título, a corrupção" ("in" RJTJSP 14/335-336). Conforme decidiram os 1iibunais de Justiça do Paraná e São Paulo, tipifica o crime do art. 317 do CP solicitar ou receber, para si ou para outrem, vantagem indevida. Sendo crime formal ou de consumação antecipada, basta a simples solicitação para ficar configurado. Não
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importa que o "pretium" seja destinado ao corrompido ou a terceiro, por quem aquele se interesse (Kf 465/34, 531/308 e 648/265).
De outra parte, anotou NELSON HUNGRIA: "O sujeito ativo somente pode ser o titular ou o exercente de função pública (ressalvada a disciplina jurídica do "concursus delinquentium"). Não é necessário que o agente se ache no exercicio atual da função, diz a lei: "ainda que fora da função ou antes de assumi-la." O que é indispensável é que a recompensa seja solicitada ou recebida, ou seja aceita a correspondente promessa, em razão da função" ("in" COMENTÁRIOS AO CÓDIGO PENAL, vol. 11, ed. 1958, p. 367). Noutro passo, assere: "Basta para sua consumação, como já vimos, a simples solicitação da vantagem indevida, mesmo que não fosse intenção do "intraneus" praticar a ação ou abstenção de que se cogite. ( ... ). É indiferente a forma por que este (o crime) se realize: se diretamente ou "per interpositam personam". O intermediário, seja "intraneus" seja "extraneus", responderá pelo mesmo título de crime. ( ... )." (op. cit., pág. 367/368). Prescinde-se, em nosso sistema, da efetiva prática de ato de ofício, para que se tenha como caracterizado o crime do art. 317 do Código Penal.
Ora, na hipótese dos autos, neste juízo de admissibilidade da denúncia, não parece possível deixar de reconhecer os laços que prendiam os três primeiros denunciados, havendo o segundo deles conseguido de empresas, que são referidas na denúncia, recursos financeiros, tal como descrito no item 18 da peça acusatória:
"18. Assim, os recursos financeiros, conseguidos de empresas, para a EPC, eram, depois, parcialmente transferidos para as contas correntes destinadas ao pagamento de despesas do Presidente da República, Fernando A. Collor de Mello, ou usados, diretamente ou através de pessoas fictícias, por Paulo César Cavalcante Farias para pagamentos diversos em favor do Presidente da República, como a compra do veículo Fiat Elba, o pagamento de tratamento dentário de Rosane Collor de Mello, bem como de obras em imóveis pertencentes a este, em Brasilia e Maceió."
É de anotar, neste passo, que a denúncia descreve os procedimentos seguidos pelo segundo acusado para a solicitação e obtenção de valores, junto a empresas que são referidas em seus itens 13 a 16, mencionando as vultosas s0-
mas que teriam sido, dessa forma, captadas pelo segundo denunciado, o qual as fazia, em parte, depositadas em favor do primeiro denunciado, então no exercício do cargo de Presidente da República.
Noutro ponto, a denúncia, quanto ao terceiro acusado, aftrma:
"22. A participar do concerto entre os acusados Fernando A. Collor de Mello e Paulo César Cavalcante Farias estava, ainda, o denunciado Cláudio Francisco Vieira, (Chefe do Gabinete Pessoal do Presidente) que orientou Ana Acioli ("que cuidava dos assuntos estritamente pessoais do Sr. Fernando Collor de Mello"), em março de 1990, logo após a posse do Presidente da República, a transferir a conta destinada às despesas pessoais e familiares de Fernando A. Collor de Mello para o Banco Rural, agência de Brasília, que seria, depois, usado, também, por Paulo César C. Farias para a abertura de contas correntes de pessoas ftctícias, quer na mesma agência da Capital Federal, quer na agência da Capital paulista." Nos itens seguintes, a denúncia descreve fa
tos que apontam o envolvimento do terceiro acusado com os dois primeiros denunciados, no âmbito de incidência do art. 317, "caput", do Código Penal, o que considero bastante, dentro dos limites de exame da matéria nesta fase do processo, para tê-lo como enquadrado, por igual, no dispositivo aludido.
4. 1àmbém, no que concerne aos delitos dos arts. 343, 344 e 305, todos do Código Penal, a denúncia reserva longo espaço à descrição dos fatos e enquadramento dos codenunciados Paulo César C. Farias, Cláudio Francisco Vieira e Roberto Carlos Maciel de Barros (item 26), com referência a depoimentos dos locadores de veículos postos à disposição da secretária particular do primeiro denunciado. Aftrma a denúncia que se cuidava, então, de evitar tivessem os fatos a devida apuração, sustentando que tais declarações "não
deixam dúvida de que Cláudio Vieira agiu a pedido de Paulo César Farias, que designou seu motorista para auxiliá-lo nas tarefas que impediram o envolvimento de sua empresa, Brasil Jet, e do amigo, Presidente da República", concluindo: "Assim, o acusado Cláudio Francisco Vieira, diretamente, e o acusado Paulo César Farias, mediante a conduta de seu motorista, Roberto Carlos Maciel de Barros, usaram de coação e de ameaça a testemunhas para que prestassem falso testemunho em inquérito policial, além de ordenar a destruição de documentos existentes na Brasil Jet, bem como a elaboração de outros conseguida de pessoa coacta. Ademais, deu-lhes dinheiro para que pagassem advogado e prometeu arcar com todos os custos que tivessem, ao prestarem o testemunho falso."
Ora, em virtude desses fatos, a denúncia aponta como incursos os co-réus aludidos nos arts. 343, 344 e 305, do Código Penal, que rezam:
''Art. 343. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a testemunha, perito, tradutor ou intérprete, para fazer aftrmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, tradução ou interpretação, ainda que a oferta ou promessa não seja aceita.
"Art. 344. Usar de violência ou grave ameaça, com o ftm de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, p0-
licial ou administrativo, ou em juízo arbitral. "Art. 305. Destruir, suprimir ou ocultar,
em benefício próprio ou de outrem, ou em prejuízo alheio, documento público ou particular verdadeiro, de que não podia dispor." Não é cabível, desde logo, nos limites do pre-
sente juízo de admissibilidade da denúncia, rejeitar essas acusações e sua pertinência com as regras penais indicadas, certo como está que, na instrução criminal, se fará ampla a possibilidade de novas provas virem aos autos, inclusive, por parte do MPF, no sentido de fortalecer os elementos probatórios, até aqui recolhidos, ou dos acusados para afastar as imputações em apreço, baseadas, a esta altura, em elementos de prova testemunhal.
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5. Quanto ao crime do art. 299 do Código Penal, em que denunciados Paulo César Cavalcante Farias, Jorge Waldério Tenório Bandeira de Melo, Marta Vasconcelos Soares, Rosinete Silva de Carvalho Melanias, Severino Nunes de Oliveira e Giovani Carlos Fernandes de Melo, deteve-se a denúncia, longamente, nos itens 29 a 35, na descrição dos fatos, forma de realização dos ilícitos e procedimentos seguidos. Abertura de co·ntas correntes bancárias em nome de pessoas fictícias, com emissão de cheques a elas relativos, indicando-se, inclusive, sua destinação em determinados casos, ou para alimentar contas correntes do primeiro denunciado, ou para aquisição de bens, ou pagamento de serviços de que beneficiário também o primeiro acusado, - eis aspectos do contexto dos fato~ descritos a tipificarem o ilícito do art. 299 do C. P. Thmbém, aqui, - pela abundãncia dos pormenores, com expressa indicação dos agentes do "falsum", apontado na peça acusatória, bem assim dos beneficiários das vantagens advindas da prática desses atos, cuja ilicitude penal não é cabível, "prima facie", afastar, - a denúncia reveste-se de condições indispensáveis a seu recebimento. O crime do art. 299 do CP consiste em "omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante." Depois de descrever, minuciosamente, os fatos, a denúncia assevera, no item 35:
"35. As pessoas fictícias denominadas José Carlos Bonfim, Regina Silva Bonfim, Flávio Maurício Ramos, Rosimar Francisca de Almeida, Francisco Celso Ramalho Lins, Jurandir Castro Menezes, Rosalinda Cristina Menezes, Manoel Dantas Araújo, Honório Xavier da Silva, Carlos Alberto da Nóbrega, dentre outros, que atuavam pelas mentes e mãos dos denunciados Jorge Waldério, Marta, Rosinete, Severino e Giovani, que, por sua vez, eram comandados por Paulo César Cavalcante Farias, abasteciam a conta corrente destinada às despesas pessoais e familiares do acusado Fernando Affonso Collor de Mello, Presidente da República."
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6. Por último, após o exame dos diversos aspectos da denúncia, nos termos em que ela se formula e com invocação dos fatos nesse documento descritos, põe-se à consideração a figura delituosa do art. 288 do Código Penal, que assim se define:
"Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes." No item 37, a denúncia, no particular, após
haver narrado os fatos a evidenciarem ligações dos acusados, de uns a outros, anota:
"37. A associação destinada a cometer crimes, descrita nesta denúncia, tem estratégia institucional e operacional dinâmica, tendente a continuar a delinqüir. Em computador apreendido na empresa Verax, em São Paulo, holding das empresas de Paulo César Cavalcante Farias, está gravado, dentre outras coisas, o seguinte: "DIAGNÓSTICO
DEFWIR: RETIRADA ESTRATÉGICA DE MODO A REDUZIR SENSIVELMENTE O GRAU DE EXPOSIÇÃO E DE VULNERABILIDADE. O SENTIMENTO GENERALIZADO CONTRA O LOBYSTA TITULAR VEM SE CRISTALIZANDO E CONSOLIDANDO DIA-A-DIA: PERMITIR O ESPAÇO AO LOBBY PARA OPERAR, SEJA O POLíTICO SEJA O TRADICIONAL. LIBERAR AS ÁREAS NÃO ELEGíVEIS, ADMITIR QUE NÃO É POSSíVEL ENQUADRAR lODOS OS MINISTÉRIOS. REPENSAR AS ÁREAS DE ATUAÇÃO (IMPORTANTES, EXPRESSIVAS E RENT Á VEIS), PARCEIROS (CONFIÁVEIS E FIÉIS) E CAF (TANlO O VALOR NOMINAL COMO SUA REDISTRIBUIÇÃO DE MODO A POSSIBILITAR QUE AS PRÓPRIAS EMPRESAS TENHAM ESPAÇO PARA ATENDER A BASE DA PIRÃMI-DE DECISÓRIA). .
ALTERNATIVAMENTE DEFINIR NOVO MODELO OPERACIONAL NO QUAL ENVOLVA DE FORMA MAIS DIRETA A PARfICIPAÇÃO DA EMPRESA - POLÍTICO. RELATÓRIO GERENCIAL DEVE SER REPENSADO DE MODO A ESPELHAR
A REALIDADE FINANCEIRA QUE SE ESTÁ VIVENDO. REGULARIZAR O REGISTRO DO VERAX, E DAR FACHADA COM UMA ATIVIDADE REGULAR E NORMAL (CONCESSIONÁRIA).
ALAGOAR: REPENSAR ATUAÇÃO OPERACIONAL COMO ENVOLVER OS POLíTICOS EM UM ACORDO OPERACIONAL.
POR CONVENI~NCIA E NECESSIDADE O BIGBOSS MODIFICOU A ESTRATÉGIA DE ATUAÇÃO, COM CLARAS E EVIDENTES DECISÕES DE COMPLElO EXPURGO DA AÇÃO DOS OPERADORES, O QUE IMPLICA EM REDISCUTIR O MODELO EXISTENTE A PARTIR DE UM BALIZAMENlO SUPERIOR.
POR MAIOR QUE SEJA O EXPURGO, O MERCADO (pARCEIROS MAIS EXPRESSIVOS) SEMPRE TERÁ EM CONTA QUE O RELACIONAMENlO ENTRE OS DOIS AMIGOS É MAIS DURADOURO QUE UM CASAMENlO, E, PALIATIVAMENTE, IRÁ BUSCAR SOWÇÕES PARA SEUS PROBLEMAS, NÃO IMPORTANDO QUEM SEJAM OS FUTUROS INTERLOCUlORES, MAS TENDO EM CONTA QUE NÃO PODERÁ DEIXAR DE DAR SUA CONTRIBUIÇÃO PERMANENTE AO SISTEMA ANTERIOR" (fls. 1.213, 5? volume).
Mesmo deixando à margem a questão relativa à validade do documento em referência, não é possível, efetivamente, - no que concerne ao crime de quadrilha, "ut" art. 288 do Código Penal, imputado a todos os denunciados, com ressalva de Roberto Carlos Maciel de Barros, - ter a denúncia como em condições de ser recebida. Não há descrição precisa de fatos, a teor do que exige o art. 41 do Código de Processo Penal, consoante bem registrou o ilustre Ministro Relator. As elementares do tipo penal em foco não as tenho aqui como demonstradas. Acolhendo, neste ponto, os fundamentos ôo voto do Senhor Ministro Relator, também não recebo a denúncia, quanto ao crime de quadrilha, por inépcia da peça inícial, sem prejuízo de, presentes os elementos bastantes a superar sua deficiência formal, vir o MPF a ajuizar nova denúncia, imputando aos ora acusados, o ilícito do art. 288 do C. P.
Do exposto, recebo a denúncia, salvo quanto ao crime de quadrilha, ajustando-se meu voto, destarte, às conclusões do pronunciamento do Sr. Minístro Carlos Velloso.
varo
o Senhor Ministro Sydney Sanches (Presidente): - Como surgiram questões constitucionais, terei, então, que me manifestar.
Acompanho o voto do Sr. Minístro CARLOS VELLOSO e dos que o seguiram. Do recebimento da denúncia só excluo o imputado crime de quadrilha.
Não me pareceram suficientemente esclarecidas, na peça inícial, as circunstâncias identificadoras da formação de uma a.~sociação de mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes, como exige o art. 288 do Código Penal.
Nada impede, porém, que o ProcuradorGeral, se for o caso, adite a denúncia quanto à quadrilha, e ofereça melhores elementos a esse respeito, o que permitirá ao lHbunal uma avaliação mais segura.
É meu voto.
varo
o Sr. Ministro Moreira Alves: - Sr. Presidente, a esta altura todos os aspectos da causa já foram examinados.
Rejeito, Sr. Presidente, por inépcia, a denúncia quanto ao crime de quadrilha com relação a todos os denunciados; quanto aos três a que se imputa a prática do crime previsto no art. 305 do Código Penal, também a rejeito, porque na denúncia há apenas a transcrição de um depoimento que não diz quem destruiu esses documentos, mas, sem declarar que PAULO CÉSAR FARIAS os destruiu ou mandou destruir, noticia somente que CLÁUDIO VIEIRA foi informado pelo motorista ROBERTO CARLOS de que tal documentação havia sido destruída. Quanto ao mais, recebo a denúncia, por tê-la como apta, nesse juízo preliminar, a que dê margem à instrução criminal.
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EXTRAlO DA ATA
Inquérito n'? 705-6. Origem: Distrito Federal. Relator: Min. lImar Galvão. Autor: Ministério Público Federal. Indic.: Fernando Affonso Collor de Mello. (Adv.: Antônio Evaristo de Moraes Filho). Indic.: Paulo César Cavalcante Farias. (Advs.: Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, Pedro Gordilho e outros). Indics.: Marta de Vasconcelos Soares, Rosinete Silva de Carvalho Melanias, Severino Nunes de Oliveira e Roberto Carlos Maciel de Barros. (Advs.: Maria do Carmo Cardoso Rodrigues Prado e outro). Indics.: Jorge Waldério Thnório Bandeira de Melo e Giovani Carlos fernandes de Melo. (Adv.: Antônio Nabor Areias Bulhões). Indie.: Cláudio Francisco Vieira. (Advs.: Roberto DeImanto, Fernando Neves da Silva e outros).
Decisão: Por maioria de votos, o 'llibunal recebeu, em parte, a denúncia, excluída, apenas, a imputação do crime de quadrilha, vencidos, em parte, os Ministros Celso de Mello e Paulo Brossard, que a receberam integralmente; vencidos, ainda, em parte, os Ministros lImar Galvão, Sepúlveda Pertence, Octávio Gallotti e Moreira Alves, que a receberam em menor extensão. Votou o Presidente. Relator para o acórdão o Ministro Carlos Velloso. Declarou impedimento o Ministro Francisco Rezek. Falaram: pelo Ministério Público Federal, o Dr. Aristides Junqueira Alvarenga, Procurador-Geral da República; pelo indiciado, Fernando Affonso Collor de Mello, o Dr. Antônio Evaristo de Moraes Filho; pelo indiciado, Cláudio Francisco Vieira, o Dr. Roberto DeImanto; pelos indiciados, Jorge Waldério Thnório Bandeira de Melo e Giovani Carlos Fernandes de Melo, o Dr. Antônio Nabor Areias Bulhões; pelos indiciados, Marta de Vasconcelos Soares, Rosinete Silva de Carvalho Melanias, Severino Nunes de Oliveira e R0-berto Carlos Maciel de Barros, a Dra. Maria do Carmo Rodrigues Prado; e, pelo indiciado, Paulo César Cavalcante Farias, o Dr. Antonio Cláudio Mariz de Oliveira. Plenário, 28.04.1993.
Presidência do Senhor Ministro Sydney Sanches. Presentes à sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Octávio Gal-
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lotti, Paulo Brossard, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, lImar Galvão e Francisco Rezek. Ausente, justificadamente, o Ministro Marco Aurélio.
Procurador-Geral da República, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo 'llibunal federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por decisão unânime, resolver questão de ordem proposta pelo Ministro Carlos Velloso, determinar a retificação da Ata da 1O~ (décima) sessão ordinária, realizada em 28.04.93, na parte em que fora Sua Excelência designado relator para o acórdão, devendo prosseguir, como Relator, o Ministro lImar Galvão. Votou o Presidente. Não votaram: o Ministro Francisco Rezek, que já havia declarado suspeição no Inquérito de que se originou a presente questão de ordem; e o Ministro Marco Aurélio nos processos em que é parte o exPresidente da República (Fernando Affonso Collor de Mello).
Brasília, 26 de maio 1993. Octávio Gallotti - Presidente. Carlos Velloso - Relator.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Carlos Velloso: - O Ministério Público Federal ofereceu denúncia, com base em inquérito policial, contra os Srs. Fernando Affonso Collor de Mello, Paulo César Cavalcante Farias, Cláudio Francisco Vieira, Roberto Carlos Maciel de Barros, Jorge Waldério Thnório Bandeira de Melo. Marta de Vasconcelos Soares, Rosinete Silva de Carvalho Melanias, Severino Nunes de Oliveira e Giovani Fernandes de Melo, dando-os como incursos nas sanções dos artigos 317, caput, e 288, e.e. o art. 29, aplicando-se, no que couber, o art. 71, todos do Cód. Penal, o primeiro; arts. 317, caput, 288, 343, 344, 305 e 299, c.c. o art. 29, aplicando-se, no que couber, os arts. 69, 70 e 71, todos do cód. Penal, o se-
gundo; arts. 317, caput, 288, 343, 344, 305, c.c. o art. 29, aplicando-se o art. 69, todos do Cód. Penal, o terceiro; arts. 343, 344 e 305, C.c. o art. 29, aplicando-se o art. 69, todos do Cód. Penal, o quarto; arts. 288 e 299, c.c. o art. 29, apli(".ando-se, no que couber, os arts. 69 e 71, todos do Cód. Penal, o quinto; arts. 288 e 299, c.c. o art. 29, aplicando-se o art. 71, todos do Cód. Penal, a sexta; arts. 288 e 299, c.c. o art. 29, aplicando-se, no que couber, os arts. 69 e 71, todos do cód. Penal, a sétima; arts. 288 e 299, c.c. o art. 29, aplicando-se, no que couber, os artigos 69 e 71, todos do cód. Penal, o oitavo; e arts. 288 e 299, c.c. o art. 29, aplicando-se, no que couber, os arts. 69 e 71, todos do cód. Penal, o nono.
Na sessão do dia 28 de abril do corrente ano, em que o Supremo Tribunal Federal apreciou a denúncia oferecida, o eminente Relator, Ministro limar Galvão, ficou vencido, em parte. É que o nibunal excluiu, apenas, o delito de formação de quadrilha - art. 288 do cód. Penal - recebendo, no mais, a denúncia. O eminente Ministro Relator, entretanto, recebeu a denúncia em menor extensão, resumindo o seu voto da seguinte maneira (fi. 5437):
"Em resumo, meu voto é no sentido de acolher apenas em parte a denúncia, para o fim de instauração de processo penal contra o primeiro, segundo e terceiro acusados, pelo crime de corrupção passiva; contra o segundo acusado, ainda pelo crime de falsidade ideológica; contra o terceiro acusado, também pelo crime de corrupção ativa de testemunha; contra o quarto acusado, pelos crimes de corrupção ativa de testemunha e coação no curso do processo; e contra os demais acusados, pelo crime de falsidade ideológica." Ao proclamar a decisão, o eminente Minis
tro Presidente, porque o meu voto foi o primeiro voto que prevaleceu, fez consignar que seria eu o relator para o acórdão. Por isso, na tarde do dia 24 deste, 2 ~ feira, os autos foram encaminhados ao meu gabinete. ltagoos, então, ao Plenário, hoje, 26.05.93, primeira sessão plenária seguinte, em questão de ordem, para o fim de esclarecer a questão da relatoria.
É o relatório.
varo
o Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): -Sr. Presidente, o Regimento Interno, no art. 38, 11, estabelece que o relator é substituído pelo Ministro designado para lavrar o acórdão, quando vencido no julgamento. Pode parecer, então, que, no caso, deverei lavrar o acórdão. Isto, entretanto, não acontece, por isso que a ação penal não foi julgada, em termos definitivos. O que houve foi um julgamento incidental, a apreciação da denúncia oferecida, para o fim de ser instaurada a ação penal. Quer dizer, o julgamento incidental não vincula nenhum dos Ministros, dado que, apreciadas as provas existentes, e as provas a serem produzidas, no curso da instrução, qualquer dos Ministros poderá reformular o seu voto, podendo mesmo a denúncia ser aditada. Iniciei o meu voto, aliás, naquela oportunidade, ressaltando que seria breve, "dado que não estamos julgando a ação penal, estamos apenas no juízo de admissibilidade desta."
Quando o Regimento Interno, no art. 38, 11, estabelece que o relator é substituído pelo Ministro designado para lavrar o acórdão, no caso de ter ficado ele vencido no julgamento, estáse referindo a julgamento definitivo, julgamento no qual o Ministro fica vinculado ao voto, não quando se trata de um julgamento incidental. É assim, aliás, que temos procedido, no julgamento das cautelares nas ações diretas de inconstitucionalidade: o Ministro, embora vencido, lavra o acórdão, não é substituído pelo Ministro cujo voto foi o primeiro a prevalecer.
Isto posto, Sr. Presidente, submeto a matéria ao Tribunal, em questão de ordem, propondo a retificação da ata da Sessão Ordinária do dia 28.04.93, no ponto em que consigna, na proclamação da decisão tomada no Inq. 70S-DF, que lavrará o acórdão o Ministro Carlos Velloso.
varo (SOBRE QUESTÃO DE ORDEM)
o Senhor Ministro limar Galvão: Sr. Presidente, lamento que não esteja presente a esta Sessão o eminente Ministro SYDNEY SAN-
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CHES, que, além de ter feito consignar da ata do julgamento a designação do Ministro CARLOS VELLOSO para relatar o acórdão, posteriormente, em suas gestões junto aos eminentes colegas - e digo isso porque aconteceu c0-
migo -, no sentido de que abreviasse o trabalho de revisão das notas taquigráficas, confirmou aquele seu entendimento segundo o qual o Ministro CARLOS VELLOSO é que deveria lavrar o acórdão e, conseqüentemente, assumir o processo em substituição, como relator.
Mas, pelo que acabo de ouvir, o Supremo 'ltibunal Federal interpreta o art. 38, 11, mencionado pelo Ministro CARLOS VELLOSO, no sentido de que ali se trata de julg~ento definitivo da causa.
Assim sendo, não me resta outra alternativa senão dobrar-me a esse entendimento e acolher a decisão do 1tibunal.
Acompanho o eminente Ministro Relator nesse sentido.
varo (QUESTÃO DE ORDEM)
o Senhor Ministro Celso de Mello - Thmbém entendo que o Relator, embora vencido na fase introdutória do processo penal condenatório, deve permanecer na direção da causa. O controle jurisdicional a que se refere o art. 6~ da Lei n~ 8.038/90 tem por objeto, nesse particular momento procedimental, a apreciação preliminar da denúncia, propiciando a esta Corte a formulação de mero juízo de admissibilidade. Esse juízo prévio, porque essencialmente provisório, não se submete ao dominio de regência do art. 38, 11, do Regimento Interno do Supremo 1tibunal Federal, aplicável, tão-somente, à hipótese do julgamento definitivo da ação.
Assim, acompanho o Ministro Carlos Velloso na sua questão de ordem, entendendo que deve permanecer, como Relator desta Ação Penal, o eminente Ministro limar Galvão.
É o meu voto.
varo (S/ QUESTÃO DE ORDEM)
o Senhor Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Presidente, resolvo a questão de ordem
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nos termos em que a propôs o eminente Relator.
No rito da Lei n~ 8.038, a decisão liminar sobre a denúncia, nas ações penais originárias, é de eficácia variável, secundum eventum Iitis. Se rejeitada por improcedência, não há dúvida, é decisão que faz coisa julgada. E o autor do voto vencedor será o relator do Acórdão, que então, veiculará sentença definitiva.
Se recebida a denúncia, porém, é decisão de efeitos simplesmente processuais. Instaura o processo, sem vincular o 1tibunal nem qualquer dos seus membros à conclusão dos seus votos no julgamento liminar. nata-se, pois, a meu ver, de decisão incidente, em que o próprio Relator sorteado, ainda que vencido, deve lavrar o Acórdão e prosseguir na direção do processo.
varo
o Senhor Ministro Moreira Alves: Sr. Presidente, ainda saliento um aspecto que é justamente o relativo à rejeição da denúncia, que não se confunde com o julgamento de improcedência dela, porque a rejeição pode ser, por exemplo, por inépcia da denúncia ou por qualquer aspecto meramente processual.
Assim, não sendo o recebimento ou a rejeição da denúncia decisão de mérito, não tem cabimento, a meu ver, que haja mudança de relator, no caso.
Acompanho o voto do eminente Ministro Carlos Velloso.
EXTRATO DA ATA
Inquérito n~ 705-6. Origem: Distrito Federal Relator: Min. lImar Galvão. Autor: Ministério Público Federal. Indic.: Fernando Affonso Collor de Mello. (Adv.: Antônio Evaristo de Moraes Filho). Indic.: Paulo Cesar Cavalcante Farias. (Advs.: Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, Pedro Gordilho e outros). Indics.: Marta de Vasconcelos Soares, Rosinete Silva de Carvalho Melanias, Severino Nunes de Oliveira e Roberto Carlos Maciel de Barros. (Advs.: Maria do Carmo Cardoso Rodrigues
Prado e outro). Indics.: Jorge Waldério Tenório Bandeira de Melo e Giovani Carlos Fernandes de Melo. (Adv.: Antônio Nabor Areias Bulhões). Indic.: Cláudio Francisco Vieira. (Advs.: Roberto DeJmanto, Fernando Neves da Silva e outros).
Decisão: Por votação unânime, o Tribunal, resolvendo questão de ordem proposta pelo Ministro Carlos Venoso, determinou a retificação da Ata da 1O~ (décima) sessão ordinária, realizada em 28.04.93, na parte em que fora Sua Excelência designado relator para o acórdão, devendo prosseguir, como Relator, o Ministro lImar Galvão. Votou o Presidente. Não votaram: o Ministro Francisco Rezek, que
já havia declarado suspeição no Inquérito de que se originou a presente questão de ordem; e o Ministro Marco Aurélio nos processos em que é parte o ex-Presidente da República (Fernando Affonso Conor de Meno). Plenário, 26.05.93.
Presidência do Senhor Ministro Octávio GaUotti. Presentes à sessão os Senhores Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Paulo Brossard, SepúIveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Venoso, Marco Aurélio, lImar Galvão e Francisco Rezek. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Sydney Sanches.
Procurador-Geral da República, Dr. Aristides Junqueira Alvarenga.
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