PRIMEIRA TURMA
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 7.020 - SP
(Registro nº 96.0024192-9)
Relator: O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros
Recorrentes: Universidade São Francisco e outro
Tribunal de Origem: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Impetrado: Juízo de Direito da lªVara Cível de Bragança Paulista - SP
Recorrido: José Valentim Cavaletti
Advogados: Drs. Antônio Antunes de Barros Sobrinho e outros, e Paulo César Vieira de Carvalho
EMENTA: Processual- Mandado de segurança - Efeito suspensivo a recurso - Aluno universitário - Curso feito à sombra de decisão judicial- Pendência de ação rescisória - Negativa de imposição do grau - Inexistência de fumus bonijuris e periculum in mora.
I - A jurisprudência do STJ assentou-se na tese de que não é razoável negar-se o grau ao estudante que, sob o pálio de decisão judicial, concluiu, com aproveitamento, todo o curso.
U - Incide em manifesto paradoxo a escola que, após aprovar o aluno, nega-lhe o grau, a pretexto de que ele carece de competência para o exercício da profissão relacionada com o currículo concluído.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos a das notas taquigráficas a
seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Mílton Luiz Pereira, José Delgado e Demócrito Reinaldo. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro José de Jesus Filho.
R. Sup. Trib. Just., Brasília. a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 45
Brasília, 20 de março de 1997 (data do julgamento).
Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 12-05-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: No Parecer que emitiu, em nome do Ministério Público Federal, o eminente Subprocurador-Geral da República Moacir Guimarães Morais Filho descreve a lide, com estas palavras:
"Trata-se, o presente, de recurso ordinário interposto com arrimo no artigo 105, lI, b, da CF/88, pelas recorrentes Universidade São Francisco e outro, contra Acórdão da 4ª Câmara Cível do TJE/SP que, por unanimidade votos, denegou a Segurança impetrada com fim de dar efeito suspensivo a recurso de Apelação interposto contra sentença do juiz da Comarca de Bragança Paulista/SP, quejulgou procedente Ação Cautelar ajuizada pelo recorrido José Valentim Cavaletti.
José Valentim Cavaletti ajuizou Ação Cautelar que veio a ser julgada procedente pelo juiz da 1 ª Vara da Comarca de Bragança Paulista, determinando o cumprimento de Acórdão já transitado em julgado, no sentido de reconhecer validade à sua matrícula no Curso de Medicina. Em face do impedimento imposto pela recorrente Universidade São Francisco à sua formatura.
Inconformada com aquela decisão, a recorrente Universidade interpôs Apelação, recurso este que veio a ser recebido apenas no efeito devolutivo.
As recorrentes Universidade São Francisco e outro impetraram Mandado de Segurança contra decisão do juiz da 1 ª Vara da Comarca de Bragança Paulista que, nos autos de Ação Cautelar, recebeu recurso conferindo-lhe apenas efeito devolutivo, visando, portanto, conferir-lhe, também, o efeito suspensivo. No Mandamus, a recorrente argumentou que impediu o litisconsorte José Valentim Cavaletti de colar grau, em virtude de estar tramitando Ação Rescisória onde se discute a legalidade de sua matrícula.
Argumenta, ainda que, não sustado o ato de colação de grau, estará o recorrente habilitado a clinicar e operar, a despeito do questionamento de sua matrícula no Curso de Medicina, freqüentado sem prévio exame vestibular. Por fim, disse que a decisão que assegurou o recorrente a freqüentar as aulas não assegurou ao mesmo o direito de colar grau.
Deferida a liminar, fls. 109 v., vieram as informações às fls. 118. O Ministério Público a quo opinou pela denegação da Segurança.
A4ª Câmara Cível do TJE/SP, por unanimidade de votos, denegou a Segurança, sob o argumento de que a colação de grau nada mais é do que a conseqüência da aprovação do recorrente no
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decorrer de todo o Curso de Medicina, ano após ano, disciplina após disciplina. Ao contrário do que pretende a recorrente, a habilitação profissional do recorrido está claramente evidenciada, uma vez que ela própria o aprovou em todas as matérias até o final do curso. Assim, não pode se furtar a conferir-lhe o grau de médico. Não havia, portanto, dano a ser reparado, ou ilegalidade alguma à decisão que recebeu a Apelação apenas no efeito devolutivo.
O presente Recurso Ordinário é interposto com fulcro no artigo 105, lI, b, da CF/88, contra o Acórdão acima mencionado, pugnando pela suspensividade da Apelação ou caso o recorrido já tenha colado grau, pela sustação imediata do exercício profissional do mesmo, decretando a nulidade de sua colação e cassação do diploma." (fls. 317/320)
Adoto este resumo, como relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): Adoto, também, como razão de decidir, o Parecer do Ministério Público Federal, que reproduzo a seguir:
"Não merece, todavia, provimento o presente Recurso. De fato, como bem salientou o Ministério Público a quo, verifica-se que a recorrente, ao invés de demonstrar os fundamentos por
que deveria ser recebida a Apelação interposta na Ação Cautelar no efeito suspensivo, passou a discorrer sobre questões estranhas aos autos. O objeto da decisão transitada em julgado, resume-se àqueles pontos que estão sendo discutidos na Ação Rescisória proposta pela recorrente.
N a verdade, o despacho que recebeu o recurso de Apelação apenas em seu efeito devolutivo não se constitui em decisão teratológica. O periculum in mora não se mostrou plenamente demonstrado,já que, em momento algum no Recurso Ordinário, a recorrente preocupou-se em defender a qualidade do curso prestado pelo recorrido, litisconsorte passivo. Os exames realizados no mesmo, a aprovação que a própria recorrente lhe outorgou após o término do curso, são condições para o exercício da profissão, para o qual está habilitado em virtude do curso onde foi aprovado.
A colação de grau no Curso de Medicina, nada mais é do que a conseqüência ordinária, após um longo e desgastante período de estudos em que o formando provou possuir condições técnicas e psicológicas para receber o grau de médico e exercer a profissão. Absurdo, nos parece, portanto, o objetivo da recorrente de obstar a colação de grau de um aluno concluinte do curso, apenas porque discorda da decisão que determinou o seu ingresso no curso, sem aprovação em concurso vestibular. Trata-se de uma si-
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tuação que não pode apenas ser resolvida em saber se tinha ou não o recorrido capacidade para ultrapassar o exame vestibular e vencer o curso de medicina.
Ora, se o aluno foi aprovado em todas as etapas do curso, qual a melhor prova de sua habilitação técnica e profissional que, a nosso ver, não pode ficar a depender exclusivamente de aspectos formais e burocráticos, relacionados com as dúvidas sobre a autenticidade no exame vestibular" (fls. 320/322).
Dos judiciosos argumentos desenvolvidos pelo Doutor Moacir Guimarães percebe-se que não se encontram presentes os pressupostos da concessão de efeito suspensivo a recurso.
Com efeito, a pretensão da escola recorrente não emite qualquer fumaça de bom direito, eis que a jurisprudência do STJ assentou-se no sentido de que
"- Estudante matriculado por efeito de liminar. Se ele está às vésperas de colar grau, não é aconselhável desconstituir seus créditos escolares, inda que se entenda que o regulamento da Universidade não o assiste;
- Em situações como tais, a letra da lei deve ser encarada com temperamentos, em homenagem ao interesse público." (1 ª Turma - REsp 59.921-0/ES)
No que respeita ao perigo de lesão, a recorrente afunda-se em paradoxo.
O perigo resultante do exercício profissional pelo Recorrido estaria em suposta incompetência técnica ou científica.
Ora, como pode a Recorrente cogitar em incompetência, quando ela própria o aprovou em todas as matérias que integram o curso por ela ministrado?
Nego provimento ao recurso.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA NQ 7.322 - MG
(Registro n Q 96.0038696-0)
Relator: O Sr. Ministro Demócrito Reinaldo
Recorrente: Ministério Público do Estado de Minas Gerais
Tribunal de Origem: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais
Impetrado: Juízo de Direito de Prata - MG
EMENTA: Processual Civil. Mandado de segurança requerido pelo Ministério Público objetivando a preservação do direito de
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conhecer o teor das decisões e despachos para efeito da interposição do recurso adequado. Legitimidade.
Em face do Sistema Jurídico-Constitucional vigente, as decisões judiciais, além de proferidas com precisão e clareza, devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade (C.F., art. 93, IX, CPC, art. 165).
Ao juiz é defeso o proferimento de decisões, em código, impedindo o conhecimento do respectivo teor pelas partes e pelo M. Público e impossibilitando a interposição do recurso adequado.
É lícito, ao juiz, disciplinar, pela via de instruções, os serviços internos das serventias que lhe são subordinadas. Todavia, os atos normativos, com esse objetivo, além de publicados, para conhecimento geral, não podem incursionar na disciplina do processo -ou do procedimento - função reservada ao legislador.
O Ministério Público tem legitimidade para impetrar segurança visando preservar o exercício de suas atividades, porquanto, em face da legislação de regência, compete-lhe assistir aos atos judiciais, intervir nas causas em que houver interesse público (e definidas em lei) e recorrer das decisões, quer nos processos em que figure como parte, quer nos que intervenha como fiscal da lei.
Recurso provido. Decisão unânime.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, Milton Luiz Pereira, José Delgado e José de Jesus Filho. Custas, como de lei.
Brasília, 13 de março de 1997 (data do julgamento).
Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente. Ministro DEMÓCRITO REINALDO, Relator.
Publicado no DJ de 22-04-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Adoto, como Relatório, o contido na decisão de fl. 34, assim concebida:
"O ilustre Promotor de Justiça da Comarca de Prata manejou segurança ao fito de determinarse ao coator que "nunca mais" utilize resoluções que baixou e des-
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tinadas à impulsão de processos, declarando-se nulos os atos impugnados (f. 07).
Para tanto, narra que o coator, "mediante uma série de Resoluções baixadas", por elas movimenta os processos em curso como por exemplo no de n Q 2.266/ 95 determinou se aplicasse a Resolução n Q 07.
Diz que se não sabe o conteúdo de tais Resoluções, senão o coator e o Escrivão, visto que não foram publicadas, tratando-se de ato sem publicidade, com isso "obstruindo a ação ministerial".
Ao apreciar a inicial, indeferi a súplica, porque se trata de ato meramente administrativo, reputados viciosos. Como colocada a matéria, cabe à d. Corregedoria Geral de Justiça examiná-la, jamais em sede de mandado de segurança (f. 23). Determinei que se extraíssem cópia da inicial e dos documentos que a acompanham, remetendo-a ao Exmo. Sr. Des. Corregedor-Geral, diligência já cumprida.
Inconformado, o Ministério PÚblico Estadual manifestou agravo regimental, sustentando: "Com efeito, infere-se do petitório inaugural que o Ministério Público postula em defesa de prerrogativa sua, constante no artigo 129, II, da Constituição Federal" -"zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia".
o ato impugnado, aduz, compromete exatamente o bom andamento dos serviços, atingindo diretamente a garantia constitucional enfocada. As Resoluções cerceiam o direito líquido e certo não só do MP, mas também das partes envolvidas na relação processual, "na medida em que estabelece privação na obtenção de informações imediatas acerca do andamento dos processos, impondo-lhes o indevido ônus de pesquisar o conteúdo de tais atos". Finalmente, há ameaça e há lesão ao princípio constitucional do due process oflaw (folhas 34/35).
Acrescento que o Tribunal julgou improcedente o Agravo Regimental, "sob fundamento de que se não trata de tirar ou infirmar garantia do M. Público e o mandado de segurança é impróprio para o que pretende o impetrante".
Inconformado, o M. Público, através do Procurador-Geral da Justiça, interpôs recurso ordinário, alegando:
a) o juiz da Comarca de Prata baixou uma série de Resoluções que devem reger os processos cíveis e criminais que tramitarem naquele juízo;
b) o magistrado, ao proferir despacho e decisões, ao invés de fundamentá-los, reporta-se a Resoluções, o que impede ao M. Público e às partes ciência exata da tramitação dos feitos, porquanto esses atos normativos nem sequer foram publicados;
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c) o M. Público tem o dever e a prerrogativa de fiscalizar as atividades jurisdicionais, no âmbito do processo e não pode fazê-lo desconhecendo o teor das decisões;
d) os atos do juiz obstaculizam, ao M. Público, o exercício de suas atividades.
N esta instância, o Dr. Subprocurador-Geral da República opinou pelo provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (Relator): O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, por seu Procurador-Geral da Justiça, pela via do recurso ordinário, transfere controvérsia inusitada a esta egrégia Corte, e em que, um juiz de Direito de Comarca do interior daquele Estado, elaborou Resoluções - sem a devida promulgação (publicação), cujo conteúdo, embora com base nos elementos constantes dos autos, não nos é possível conhecer, por inteiro; em que, pretendendo disciplinar, na esfera administrativa, os serviços internos de sua Comarca, se desbordou para o âmbito do próprio processo civil (e penal?) e, até legislando sobre procedimento, afrontando, a um só tempo, preceitos legais (C. de Proc. Civil, art. 499, § 2Q e arts. 165 e 458) e da C. Federal (arts. 37 e 93, IX).
Farei, para o conhecimento de meus eminentes pares, um sucinto relato.
O Dr. Juiz de Direito da Comarca de Prata, no interior de Minas Gerais, baixou Resoluções objetivando a disciplina dos serviços pertinentes à Escrivania e, sem dúvida, com o elogiável desiderato de acelerar o andamento dos processos, em geral. Embora não conste dos autos o inteiro teor das Resoluções, com base em excertos inseridos em certidões e cópias de despacho que instruem o mandamus, pode-se concluir "que constituem formulários, despachos e decisões ou providências padronizadas" para que sejam observados pelos Escrivães, por determinação do juiz, quando a elas (Resoluções) se referir ao proferir, no curso dos processos, despachos ordenatórios ou decisões interlocutórias. As Resoluções não são publicadas e delas não têm prévio conhecimento nem as partes, nem os advogados e o M. Público. Para uma avaliação mais acurada da situação vexatória criada pelas Resoluções, transcrevo, abaixo, alguns dos despachos (ou decisões) exarados, em diversos feitos, pelo nobre juiz indigitado como coator:
No processo de n Q 2.260 (folha 12):
"Defiro a execução. Aplique-se o despacho contido na Resolução n Q 07, observados os seus números 07 a 12 (Dra. Rosângela Muroka ou Dr. Jorge Oliveira)" (16.11.95).
No processo de n Q 2.297, o despacho está assim redigido:
"Defiro a Inicial. Aplique-se o despacho contido na Resolução
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05, observados os seus números 04,06 (prova testemunhal), 9 (03 salários mínimos) 9.1 (18.12.95, às 13,55 horas - D.S.)".
No processo n 9 2.266:
"Defiro a execução. Aplique-se o despacho contido na Resolução n 9 07, observando os seus números 07 e 12 (Dr. Raniel Correia Almeida ou Dr. Ozires E. V. Pádua)" 20.11.95.
Contra as Resoluções, que, como visto, são um misto de atos administrativos envolvendo matéria nitidamente de natureza processual, o Promotor de Justiça impetrou mandado de segurança, alegando ofensa ao seu direito líquido e certo, uma vez que lhe compete fiscalizar o exato cumprimento da lei e, ainda:
a) o impetrante, já que as Resoluções não são publicadas e delas não tem prévio conhecimento, desconhece o que nelas se contém, razão por que fica obstada a sua função fiscalizadora e a ação Ministerial;
b) ao expedir tais Resoluções, de que ninguém tem acesso e que delas somente o próprio juiz e o Escrivão conhecem os respectivos conteúdos, impede, a autoridade coatora, que o impetrante e demais intervenientes nos feitos, fiscalizem os despachos e decisões e o andamento dos processos, já que, ao juiz, no julgamento da lide, cabe observar as normas legais (art. 126 do CPC);
c) a publicidade, ensina Hely Lopes Meirelles, "é a divulgação oficial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos externos, que produzem conseqüências jurídicas fora dos órgãos que os emitem. Exigem publicidade os atos administrativos, para adquirirem validade universal, isto é, perante as partes e terceiros. A publicidade é registro de eficácia e moralidade;
d) ao expedir as Resoluções sem lhes dar publicidade o faz, o coator, com ofensa a princípios constitucionais (art. 37 da C. Federal) e, portanto, tais atos são inválidos e não produzem qualquer efeito, por falta, ainda, do requisito da moralidade. Pediu a concessão de liminar e o deferimento da segurança.
o Des. Relator indeferiu liminarmente a Inicial, sob o fundamento de que: "Trata-se de atos administrativos, que poderiam ser viciosos. Cabe à Corregedoria Geral da Justiça examiná-los. Por não ser caso de impetração, indefiro a Inicial, nos termos do art. 89 da Lei n9 1.533/51" (folhas 23/24).
Contra esta decisão, o Dr. Procurador da Justiça interpôs agravo regimental, a que o Tribunal de Justiça negou provimento, com a sucinta e defectiva argumentação:
"Não se trata de tirar ou infirmar garantia do M. Público, nem de negativa do devido processo legal. É que o mandado de segurança não é próprio para o que se pretende" (folha 38).
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É esta a relevante questão jurídica que o M. Público de Minas Gerais, pela sua Chefia, submete à apreciação desta egrégia Corte, pela via do recurso ordinário, para o qual pede provimento.
Entendo que a irresignação deve ser conhecida e provida, até mesmo pelo laconismo e defecção do próprio acórdão recorrido, que considero desfundamentado, em desconformidade com a lei (CPC, art. 458) e com a C. Federal (art. 93, IX).
Ressalto, desde logo, que a impetração envolve os atos administrativos, mas, também, as decisões jurisdicionais do juiz, que uma vez proferidas em "código", só o próprio magistrado ou os servidores da justiça já iniciados na arte de decodificar, pode decifrar, interpretar ou compreender. Despachos ou decisões dessa natureza, ainda que tenham respaldo em atos de ordem administrativa, são Írritos e manifestamente ilegais, e impedem o M. Público de exercitar deveres e obrigações. É que, cabe ao M. Público, segundo mandamento expresso de lei (Lei n Q 8.625, de 1993, art. 43 e CPC, arts. 81, 82 e 499, § 2Q
), assistir aos atos judiciais, exercer o direito de ação, nos casos previstos na legislação, intervir nas causas em que houver interesse de incapaz, nas pertinentes ao estado das pessoas e nas que houver interesse público e recorrer das decisões, nos processos em que figura como parte e nos em que figura como fiscal da lei.
De conseguinte, constitui direito, dever e faculdade do Parquet fiscalizar o andamento dos processos,
atividade que somente pode ser exercida, a contento, se conhecer e compreender, ou mesmo interpreta~ as decisões e despachos do juiz. E que, se entender que algum provimento jurisdicional está em dissonância com a lei (ou com os interesses públicos ou de incapazes), impõe-se-Ihe o dever, moral e funcional, de interpor o recurso adequado (art. 499, § 2Q
, do C. de Proc. Civil). Destarte, as decisões e os despachos do juiz devem ser claros e precisos, além de que fundamentados, como imperativo da lei e da Constituição Federal. A motivação das decisões constitui garantia dos cidadãos e inerente ao estado de direito. O preceito da motivação é de ordem pública. É a justificação de seus provimentos jurisdicionais que põe o juiz a coberto da suspeita dos dois piores vícios que possam manchá-lo: o arbítrio e a parcialidade (Moacyr Amaral Santos). Desfundamentada se considera a decisãoque,aoinvésdeexpendera motivação jurídica, embora de modo sucinto, faz remissão a qualquer ato administrativo ou jurisdicional, especialmente se não estiver inserido no processo. A mera remissão ao ato, no caso, torna os despachos, ou as decisões, de impossível compreensão, comprometendo preceitos da lei e d~ C. Federal (CPC, art. 165 e C.F., art. 93, IX) e impede o M. PÚblico de exercer o seu munus, como fiscal da lei (ou, até, como autor da ação) e, portanto, de interpor os recursos cabíveis, na defesa do interesse público. Decisões, assim concebidas, cerceiam a atividade do impetrante (M. Público), obstacu-
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lando a realização de atos que, em algumas vezes, constituem direito e, em outras, dever ou obrigação oriunda da lei ou da Carta Política.
Parece-me evidente que, muito embora a Corregedoria Geral possa atuar perante o juiz para evitar o descumprimento da lei e, até de orientá-lo para ser mais cauteloso na feitura de resoluções que, de algum modo incursionam na disciplina do processo - ou do procedimento - função reservada ao legislador, é inteiramente cabível a impetração da se-
gurança objetivando preservar a possibilidade de o M. Público exercer as suas atividades e as atribuições conferidas em lei, sem os óbices elencados na fundamentação do mandamus.
Com estas considerações, dou provimento ao recurso, para afastar o incabimento, no caso, da ação de segurança e devolver o processo ao Tribunal de origem para que julgue o mérito da causa, como entender de direito.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL NQ 14.022 - SP
(Registro n Q 91.0017590-0)
Relator: O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira
Recorrente: Fazenda do Estado de São Paulo
Recorrido: Mário Érico Cornago
Advogados: Drs. Elizabeth Jane Alves de Lima e outro, e Dorival Scarpin e outros
EMENTA: Processual Civil. Execução Fiscal. Depositário. Responsabilidade. Art. 150, CPC. Lei n Q 6.830/80 (art. 11).
1. A responsabilidade do depositário, quanto à guarda e conservação do bem penhorado, não se presume, impondo-se a demonstração de conduta negligente ou desidiosa ou com o manifesto propósito de causar o desvio, dano ou perda do bem depositado.
2. Recurso improvido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:
Decide a egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso, na forma do relatório e no-
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tas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Senhores Ministros José Delgado, José de Jesus Filho e Demócrito Reinaldo. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Humberto Gomes de Barros. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Milton Luiz Pereira.
Custas, como de lei.
Brasília, 17 de fevereiro de 1997 (data do julgamento).
Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 17-03-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: Trata-se de Recurso Extraordinário, com Argüição de Relevância, convertido em Especial, malferindo o v. aresto do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, consubstanciado nos seguintes termos:
"Inadmissível, face aos elementos destes autos, responsabilizar o recorrente pela deterioração do bem penhorado, que ficou sem uso durante três anos e três meses. Não estava ele obrigado a manter em funcionamento um forno industrial, que pesa 1.200 quilos. Não se caracterizou, portanto, a figura do depositário infiel, conforme bem demonstrou o agravante.
Em caso assemelhado foi ressaltado que a 'prisão do deposi-
tário cabe em caso de infidelidade, ou seja, quando ele não restitui, uma vez exigido, o objeto depositado (cf. art. 1.287 do CC; arts. 901 e 904 e seu parágrafo único do CPC).
Na espécie em exame, não se cuida de depositário infiel, mas de imputação de responsabilidade pela má conservação da coisa depositada. A matéria vem às expressas regulada pelo art. 150 do CPC, que reza, in verbis: 'O depositário ou o administrador responde pelos prejuízos que, por dolo ou culpa, causar à parte, perdendo a remuneração que lhe foi arbitrada ... '" (fls. 26/27).
O Recurso funda-se na negativa de vigência ao artigo 150 do Código de Processo Civil, tendo em vista a culpa in vigilando do depositário. Além disso, o v. aresto atacado teria dissentido da jurisprudência do Excelso Pretório e da Súmula 619/ STF.
Ao contra-arrazoar o Recorrido disse que não houve dolo ou culpa na guarda do bem, e que, se comprovada a culpa, os prejuízos deverão ser apurados em processo próprIO.
O Subprocurador-Geral da República, Dr. José Antônio Leal Chaves, opinou pelo não conhecimento do recurso, tecendo os seguintes comentários:
" ... não prospera o apelo em tela, no que se dizia amparado no estatuído na alínea a do permissivo constitucional, ou seja, na
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denúncia de negativa de vigência do art. 150 do CPC, porquanto, em nenhum passo foi este contrariado ou desprezado pelo r. acórdão impugnado, que, só e só, bem distinguiu depositário responsável pela má conservação da coisa penhorada do depositário infiel, para assentar cabível o aforamento de ação própria, para haver daquele a indenização dos alegados prejuízos por ele causados e não a exigência de imediato depósito do valor do bem penhorado, sob ameaça de prisão do depositário, que não se dispusera a efetuar, com seu numerário, as despesas necessárias à conservação, in casu, de um forno industrial de 1.200 quilogramas, movido a carvão, também industrial.
Não exsurge dos autos suporte bastante à caracterização do depositário, ora recorrido, como infiel, posto que não houve desvio de bens." (fl. 62)
omissis.
"O dissídio jurisprudencial denunciado, de outra parte, não se instaurou. Conforme se apreende das razões recursais vertidas às fls. 34/38, carece de similitude com a hipótese sub judice tanto o estabelecido na Súmula n Q 619 da Excelsa Corte, quanto o assentado no r. acórdão dado no RE n Q
103.164-6/SP, nos quais avulta a infidelidade do depositário nestes autos não configurada." (fl. 64).
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): Revela-se que, em execução fiscal, foi determinada a atualização do valor do bem penhorado, intimando-se o depositário (devedor executado) para pagar o quantum apurado, sob pena de prisão, conseqüente à falta de zelo na conservação da garantia oferecida à cobrança forçada, ato judicial provocador de Agravo de Instrumento provido.
Inconformada com o provimento, a Fazenda Estadual articulou Recurso Extraordinário com Argüição de Relevância, ipso iure, vertido para a via Especial (fl. 48 - autos apensados).
Nesse contexto, embora agasalhado o conhecimento, colocada a questão sob exame, de logo, espiase o insucesso da pretensão recursal, à vista das certeiras razões lineadas no ferretado v. Acórdão, textualmente:
c .. ) "Inadmissível, face aos ele
mentos destes autos, responsabilizar o recorrente pela deterioração do bem penhorado, que ficou sem uso durante três anos e três meses. Não estava ele obrigado a manter em funcionamento um forno industrial, que pesa 1.200 quilos. Não se caracterizou, portanto, a figura do depositário infiel, conforme bem demonstrou o agravante.
Em caso assemelhado foi ressaltado que a 'prisão do deposi-
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tário' cabe em caso de infidelidade, ou seja, quando ele não restitui, uma vez exigido, o objeto depositado (cf. art. 1.287 do CC; arts. 901 e 904 e seu parágrafo único do CPC).
N a espécie em exame, não se cuida de depositário infiel, mas de imputação de responsabilidade pela má conservação da coisa depositada. A matéria vem às expressas regulada pelo art. 150 do CPC, que reza, in verbis: 'O depositário ou o administrador responde pelos prejuízos que, por dolo ou culpa, causar à parte, perdendo a remuneração que lhe foi arbitrada ... " (fls. 26 e 27).
Apoiando o julgado, destacou o douto agente do Ministério Público Federal:
"O dissídio Jurisprudencial denunciado, de outra parte, não se instaurou. Conforme se apreende das razões recursais vertidas às fls. 34/38, carece de similitude com a hipótese sub judie e tanto o estabelecido na Súmula nº 619 da Excelsa Corte, quanto o assentado no r. acórdão dado no RE nº 103.164-6/SP, nos quais avulta a infidelidade do depositário, nestes autos não configurada" (fl. 64).
A jurisprudência tem precedentes abonadores:
- "Processual Civil - Depositário - Responsabilidade.
O simples confronto das afirmativas do agravante, por si só, é insuficiente para induzir responsabilidade do depositário por qualquer desgaste no bem penhorado ou ter ocorrido uso indevido dele, mesmo porque o desuso per si pode causar danos.
Negou-se provimento ao agravo" (Ag. Inst. 43.285-MG - ReI. Min. Sebastião Alves dos Reis -TFR).
- "Processual Civil - Depositário - Execução.
I - Se os bens em depósito foram destruídos pela ação do tempo, não se pode responsabilizar o depositário, por infidelidade.
II - Agravo improvido" (Ag. Inst. 48.072-MA - Rel. Min. Carlos M. Velloso - TFR).
Comungando com as razões comemoradas, reanimando-as como motivação, voto improvendo o recurso.
É o voto.
R. sup. Trib. Just., Brasília. a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 57
RECURSO ESPECIAL NQ 88.683 - SP
(Registro nQ 96.0010534-0)
Relator: O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira
Recorrente: Fazenda do Estado de São Paulo
Recorrido: Instituto Nacional do Seguro Social- INSS
Advogados: Drs. Carla Pedroza de Andrade e outros, e Regina Célia Cervantes e outro
EMENTA: Processo Civil. Execução fiscal. Requerimento de preferência feito por autarquia apresentando crédito privilegiado. Inexistência de execução concomitante e de penhora sobre o mesmo bem. CPC, artigos 612 e 711. CTN, artigo 187. Lei n Q 6.830/80 (art. 29, parágrafo único).
1. Impõe-se a existência de prévia execução e penhora sobre o mesmo bem, faltando legitimidade para suscitar privilégio de crédito a quem não demonstre tais pressupostos. Inadmissível a simples intervenção em processo de execução porque, sem integrar a relação processual, singelamente pedindo, pretenda receber crédito apontado como privilegiado.
2. Precedentes jurisprudenciais.
3. Recurso provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:
Decide a egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Senhores Ministros José Delgado, José de Jesus Filho e Demócrito Reinaldo. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Humberto Gomes de Barros. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Milton Luiz Pereira.
Custas, como de lei.
Brasília, 27 de fevereiro de 1997 (data do julgamento).
Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 24-03-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: Trata-se de Recurso Especial, fundado no artigo 105, inciso IH, alíneas a e c, da Constituição Federal, proposto pela Fazenda do Estado de São Paulo, impugnando o v. aresto do egrégio Tribunal de
58 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.
Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado:
"Execução Fiscal. Os créditos fiscais são sempre privilegiados e concorrendo vários credores, o concurso resolve-se pela ordem do art. 29, parágrafo único, da Lei n Q 6.830/80. Assim, o crédito do INSS tem precedência sobre o da Fazenda do Estado" (fi. 58).
Sustenta a recorrente que o v. aresto negou vigência aos artigos 187, do Código Tributário Nacional e 29, parágrafo único, da Lei 6.830/ 80, assim como dissentiu da Jurisprudência desta Corte.
Transcorreu in albis o prazo para apresentação de contra-razões.
O ínclito 42 Vice-Presidente, em substituição, do e. Tribunal de origem admitiu o Especial por entender presentes os pressupostos de admissibilidade.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): Põe-se controvérsia conseqüente do reconhecimento judicial de preferência para pagamento de crédito constituído em favor do INSS, conforme ficou resumido na ementa do ferretado v. acórdão:
"Execução Fiscal. Os créditos fiscais são sempre privilegiados e concorrendo vários credores, o concurso resolve-se pela ordem
do art. 29, parágrafo único, da Lei n 2 6.830/80. Assim, o crédito do INSS tem precedência sobre o da Fazenda do Estado" (fi. 58).
Presentes os requisitos de admis-sibilidade, o recurso merece ser conhecido (art. 105, IH, a, c, C.F.).
Favorecido o exame, coloca-se que, a respeito dos créditos estatais privilegiados, duas situações são claramente divisadas: uma, reveladora do ajuizamento de execuções autônomas (Estado e autarquia), recaindo a penhora sobre bem já penhorado; a outra, única execução em curso, com penhora sobre bem diverso ou sem a sua formalização.
Nessa perspectiva, a jurisprudência perfilia soluções diferenciadas. Para a primeira hipótese, a discussão restringe-se entre os credores, versando o direito de preferência. Na outra, descabendo o simples pedido de intervenção no processo de execução, o qual não integra, simplesmente alegando preferência. Logo, deverá ajuizar a execução e, recaindo a penhora sobre o mesmo bem, então, suscitar a preferência creditícia. Assim já se pronunciou o extinto Tribunal Federal de Recursos; confira-se:
- "Execuções. Pretensão de exercer direito de preferência por parte de autarquia. Não é lícito à Fazenda simplesmente intervir em processo de execução a que é estranha para, sem mais, receber o que pretende ser-lhe devido. Haverá de ajuizar a execução e, recaindo a penhora sobre bem já penhorado, oportunamente exercer seu direito de preferência.
R. Sup. Trib. Just .• Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 59
Provimento negado" (Ag. Inst. n Q 48.513-SP - lAPAS x Fazenda do Estado de São Paulo - ReI. Min. Eduardo Ribeiro, julgado em 5.3.1986).
À ocasião, observou o eminente Relator:
" ... seria totalmente injustificável que o credor, com privilégio decorrente da natureza da obrigação, pudesse sem razão plausível, perturbar a execução movimentada por outro. Garantido o pagamento de seu crédito pela penhora, basta-lhe levar o processo até o final.
A questão costuma colocar-se quando não haja penhora. Cumpre considerar, de início, que a atuação da Fazenda não fica limitada pela instauração de concurso de preferência de qualquer tempo, ajuizar execução. É isto o que deverá fazer, como se passa a mostrar.
Os artigos 711 a 713 da lei processual regulam concurso particular que não se confunde com o universal, consistente na execução contra devedor insolvente. N os termos dos artigos citados, verifica-se que a disputa é exclusivamente entre os credores, restringindo-se ao direito de preferência e à anterioridade da penhora. Não cuida a lei de possibilidade de intervenção do devedor, ao contrário do que sucede na execução contra insolvente, em que pode ela intervir na fase de verificação dos créditos (art. 768, parágrafo único).
Amílcar de Castro observa que 'o concurso de preferência não é litígio com o devedor-executado' o qual, por isso mesmo, não há de ser citado ou intimado e não poderá mesmo ser ouvido (Coment. ao C.P.C., vol. VIII -Rev. Trib. - São Paulo - 1974, págs. 348/349). No mesmo sentido Celso Neves (Coment. ao C.P.C., vol. VII - Forense, pág. 137).
Há que se admitir que a exclusão do executado funda-se em que, no concurso, apenas se decidirá sobre a preferência entre os credores, matéria que não lhe diz respeito, pois, de qualquer sorte, haverá de pagar a todos. Claro está, entretanto, que em algum outro processo não se lhe poderá negar a possibilidade de impugnar a própria existência do crédito, o que lhe interessa e muito.
A execução enseja o oferecimento de embargos. Impossível aceitar-se que, apenas porque o credor interveio após o leilão, sejalhe subtraída a oportunidade de impugnar o crédito, efetuando-se o pagamento sem sua audiência. Em vista do exposto, forçoso concluir que a lei afasta intervenção do devedor, tratando-se de concurso particular, porque tem ensejo de em outro processo deduzidas as razões, visando desconstituir o título. Tratando-se de crédito previdenciário, por meio de embargos à execução.
Tendo, pois, como certo, que não pode a Fazenda simplesmente intervir em processo de execução a
60 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.
que é estranha e pretender receber o que entende devido, alegando preferência, haveria violência ao contraditório que mantém na execução se há de observar. A via adequada será o ajuizamento da execução. Recaindo a penhora sobre o mesmo bem, surgirá oportunidade para que se exerça seu direito de ver-se paga antes de outros credores" (fls. 75 a 77).
Anota-se que esta Corte tem precedente abonando a compreensão comemorada:
- "Execução Fiscal Movida por Fazenda Estadual. Direito de Preferência por Parte de Autarquia Federal. CPC, artigos 612 e 711. CTN, art. 187. Lei n Q 6.830, de 22.9.80, artigo 29, parágrafo único.
I - Não é lícito a autarquia federal simplesmente intervir em processo de execução a que é estranha para, mais, receber o que pretende ser-lhe devido. Haverá, em caso, de ajuizar execução e, recaindo a penhora sobre bem já penhorado, exercer oportunamente seu direito de preferência.
II - Recurso especial conhecido e provido" (REsp n Q 11.657-SP - ReI. Min. Eduardo Ribeiro - in DJU de 8.9.92).
Explicita-se que, neste recurso, o INSS não demonstrou a existência de penhora incidente sobre o mesmo bem. Outrossim, esta Turma, igualmente, tem precedente tratando de idêntica questão, relatado
pelo eminente Ministro Cesar Rocha; a dizer:
" ... o concurso de preferência de que cuidam os arts. 187 do Código Tributário Nacional e 29, parágrafo único, da Lei n Q 6.830/ 80, só se dá quando instaurado o concurso creditório (devedor civil) ou a execução coletiva falimentar (devedor comerciante), hipóteses em que as Fazendas Públicas a eles não se submetem, podendo mover as suas execuções independentemente do juízo concursal.
Fora dessas hipóteses, aplicam-se disposições contidas nos arts. 612 e 711 do Código de Processo Civil, pelas quais se exige a pluralidade de penhoras, sendo o apurado das arrematações distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas prelações. Vale dizer: impõe-se a existência de prévias execução e penhora sobre o mesmo bem leiloado, falecendo a quem não demonstre tais pressupostos aptidão para pretender a satisfação do crédito, que alegar possuir, contra o executado.
Destarte, como observado acima, não é lícito ao recorrido autarquia simplesmente intervir em processo de execução a que é estranho para, sem mais, receber o que pretende ser-lhe devido, visto ser necessário, em tal caso, ajuizar execução e, recaindo a penhora sobre bem já penhorado, exercer oportunamente o seu di-reito de preferência" (REsp n Q 33.902-2-SP - in DJU de 18.4.94).
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 61
Eis a ementa deste último julgado:
Assim, impõe-se a existência de prévias execução e penhora sobre o mesmo bem leiloado, falecendo a quem não demonstre tais pressupostos aptidão para pretender a satisfação do crédito, que alegar possuir, contra o executado.
62
- "Processual Civil- Execução Fiscal Proposta pela Fazenda Estadual. Concurso de Preferência Requerido pelo lAPAS.
O concurso de preferência de que cuidam os arts. 187 do Código Tributário Nacional e 29, parágrafo único da Lei n Q 6.830/80, só se dá quando instaurado o concurso creditório (devedor civil) ou a execução coletiva falimentar (devedor comerciante), hipóteses em que as Fazendas Públicas a eles não se submetem, podendo mover as suas execuções independentemente do juízo concursal.
Fora dessas hipóteses, aplicam-se as disposições contidas nos arts. 612 e 711 do Código de Processo Civil, pelas quais se exige a pluralidade de penhoras, sendo o apurado das arrematações distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas prelações.
Precedentes.
Recurso provido" (fl. 81).
À guisa de referência, lembro que a egrégia Segunda Turma, sustentando posição contrária, tem julgados favorecendo à preferência do crédito da autarquia: REsp 10.089 - Rel. Min. Américo Luz - in DJU de 7.12.92; REsp 8.338-0-SP - ReI. Min. Peçanha Martins - in DJU de 8.11.93.
Vincada a motivação, por si suficiente, com as razões desenvolvidas nos julgados, não admitindo simples intervenção em processo de execução a que a parte requerente do privilégio é estranha, devendo antes ajuizar a sua, reanimando a fundamentação louvada, voto provendo o recurso.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL NQ 89.561- SP
(Registro n Q 96.0013169-4)
Relator: O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira
Recorrente: Via Engenharia S. A. Recorrido: Ministério Público do Estado de São Paulo
Interessados: Abraão Pereira da Silva e outros Advogados: Drs. Cristovão Colombo dos Reis Miller e Daniel Costa
Rodrigues
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.
EMENTA: Processual Civil. Ação civil pública. Proteção ao consumidor. Assistência. Transformação do resultado. Leis n2l: 7.3471 85 (art. 21). Lei 8.078/90 (art. 84 e § 1 Q) - CPC, artigos 50 e parágrafo único, 264, parágrafo único, 267, I e VI, 295, I, e parágrafo único, IH, 302, 303 e 462.
1. Ação Civil Pública, reforçada por disposições do Código de Defesa do Consumidor, quanto à intervenção de terceiros interessados para a apuração de responsabilidade por danos morais e patrimoniais, acolhe a aplicação supletiva do CPC (arts. 50 e 54). Outrossim, diferentemente de outras ações de jurisdição litigiosa, nos quais os efeitos da sentença alcançam somente as partes integradas à relação processual formada, na Ação Civil Pública a eficácia é erga omnes (art. 16, Lei 7.347/85, arts. 16, 19 e 21).
2. O ingresso do assistente na relação processual formada na espécie em causa guarda conteúdo e repercussões peculiares, recebendo a causa no estado em que se encontrar, mas sem excluir causa superveniente (art. 462, CPC). Pois a prestação jurisdicional há de compor a lide como ela se apresenta no momento da entrega. O direito superveniente é o direito objetivo pela ocorrência de fatos novos constitutivos, modificativos ou extintivos da pretensão deduzida na inicial.
3. Impossível a tutela específica inicialmente pedida, quanto ao resultado, viabiliza-se a transformação preconizada em lei (danos e perdas), já que a sentença deve refletir o estado de fato da lide no momento em que for proferida. No caso, sem alteração substancial da causa de pedir, no pertencente ao resultado, notória causa superveniente forçou a transformação (art. 84 e § 1 Q, Lei 8.078/90).
4. Recurso improvido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:
Decide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Senhores Ministros José Delgado, José de Jesus Fi-
lho, Demócrito Reinaldo e Humberto Gomes de Barros. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Humberto Gomes de Barros.
Custas, como de lei.
Brasília, 3 de abril de 1997 (data do julgamento).
Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente. Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Relator.
Publicado no DJ de 28-04-97.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 63
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: O egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo proferiu acórdão, cuja ementa está assim consubstanciada:
"Agravo de instrumento - ação civil pública para vedação da outorga de habite-se e da comercialização de casas populares - Suspensão da liminar pelo Presidente do Tribunal - Pedido de assistência dos promitentes-compradores e conversão em perdas e danos - Art. 84 e § 1 Q da Lei n Q
8.078/90 -Adequação da pretensão ao estado de fato atual para ensejar a prestação de resultado prático correspondente ao da tutela objetivada na inicial - Recurso improvido" (fi. 1.246).
Os Embargos de Declaração interpostos foram rejeitados nos termos da ementa, in verbis:
"Embargos de declaração. Agravo de instrumento improvido em ação civil pública para vedação da outorga de habite-se e da comercialização de casas populares - Suspensão da liminar pelo Presidente do Tribunal - Pedido de assistência dos mutuários adquirentes e conversão em perdas e danos admitida -Arts. 84, § 1 Q e 90 da Lei n Q 8.078/90 e art. 264, § único do C.P.C. -Adequação da pretensão ao estado de fato atual para ensejar a prestação de resultado prático correspondente ao da tutela objetivada
na inicial - Omissões e contradições inocorrentes - Embargos rejeitados" (fi. 1.262).
Contra o v. aresto e com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea a, da Carta Magna, foi interposto Recurso Especial, no qual se alega negativa de vigência aos artigos 131, 165,267, incisos I e VI, 295, incisos I e III, 302, 303, 462, e 458, inciso lI, do Código de Processo Civil; 50, parágrafo único, 84, parágrafo único, 90 e 264, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor.
Espera a Recorrente "a anulação do feito a partir daquela decisão, na medida que admitiu o ingresso de terceiros na lide, alterando e adicionando os pedidos do Ministério PÚblico deduzidos na ação civil pública sem, no entanto, assegurar à Recorrente que também pudesse aditar a sua defesa e apresentar novas provas em oposição aos novos pedidos dos terceiros".
Simultaneamente foi interposto Recurso Extraordinário (art. 102, lU, a, C.F.), inadmitido na origem, decisão contra a qual foi interposto Agravo de Instrumento.
O Recorrido, em suas contra-razões, afirma que o Recurso não deve ser conhecido, em razão do provimento dado à apelação n Q 264.004-1/9, para se anular a sentença então prolatada, considerada condicional, fazendo com que o presente recurso tenha perdido o objeto. No mérito disse incidir o teor da Súmula 284 da Excelsa Corte.
64 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.
Instado pelo nobre 3Q Vice-Presidente a se pronunciar acerca da alegada perda do objeto, a Recorrente disse que "ao anular a r. sentença (Apelação Cível 264.004-119; v. fls. 1.349/1.331) a E. Câmara não alterou o resultado do julgamento do Agravo de Instrumento n Q
245.104-116 (fls. 1.246/1.253), de modo que o r. despacho agravado (reproduzido a fls. 1.282 e 1.300 e por cópia a fls. 1.140, 6Q volume)que admitiu os assistentes Abraão Pereira da Silva e Outros no pólo ativo da lide - não foi nem reformado, nem revogado, nem anulado", por isso os Recursos interpostos não perderam o objeto.
O Recurso Especial foi admitido pelo eminente 3Q Vice-Presidente do Tribunal a quo, em parte, para negar seguimento quanto à alegada negativa de vigência aos artigos 131, 165 e 458, inciso II, do Código de Processo Civil, porque:
" ... não aproveita a alegação de falta de prestação jurisdicional, por ausência de fundamentação do acórdão pois, como tem se manifestado o C. Supremo Tribunal Federal, em reiteradas decisões, prestação jurisdicional, ainda que errônea, não deixa de ser prestação jurisdicional, inexistindo, daí, ofensa ao art. 153, § 4Q
, da CF/69 (Ag. n Q 132.742-1-MS, ReI. Min. Carlos Madeira, in DJU de 30-10-89, pág. 16.464)".
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): Pela guia do relatório, na sementeira das informações plantadas no processo de Agravo de Instrumento formado nos autos de Ação Civil Pública, colhese que a insurgência foi provocada pelo v. Acórdão, assim resumido:
"Agravo de Instrumento. Ação Civil Pública para vedação de outorga de 'habite-se' e da comercialização de casas populares -Suspensão da liminar pelo Presidente do Tribunal - Pedido de Assistência dos promitentes-compradores e conversão em perdas e danos. Art. 84 e § l Q da Lei n Q
8.078/90 -Adequação da pretensão ao estado de fato atual para ensejar a prestação de resultado prático correspondente ao da tutela objetivada na inicial - Recurso improvido."
A manifestação recursal, rejeitados os embargos declaratórios, assestando críticas ao ingresso de terceiros no pólo ativo e contra a modificação do pedido inicial, tem por motivação alegada negativa de vigência aos artigos 131, 165 e 458, II, CPC; arts. 84, parágrafo único, e 90, da Lei 8.078/90; arts. 50, parágrafo único, 264, parágrafo único, 267, I e VI, 295, I, c/c parágrafo único, UI, 302, 303 e 462, CPC.
Presentes os requisitos de admissibilidade, nos limites estabelecidos na r. decisão proferida no douto JUÍzo a quo (fls. 1.360 a 1.362), o re-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 65
curso merece ser conhecido (art. 105, In, a, C.F.).
Desimpedido o exame, de imediato, registre-se que, posteriormente, no julgamento da apelação, a anulação da sentença de mérito, não deixou sem objeto o presente recurso, inequívoco que o v. Acórdão, intangidos os atos processuais anteriormente realizados, resguardou a continuação do processo (fls. 1.320 a 1.331). Vale dizer, entre os atos judiciais mantidos encontra-se a decisão agravada, causa do v. aresto ferretado na via Especial.
Desse modo, viabiliza-se a verificação da decisão irradiadora da relação jurídico-litigiosa propiciadora do Agravo de Instrumento, com o seguinte conteúdo:
"O pedido de fls. 868/876 configura, efetivamente, hipótese de assistência litisconsorcial, nos termos do art. 54 do CPC, pois o direito que se discute também é o dos requerentes. A sentença a ser prolatada certamente vai influir na relação jurídica entre os assistentes e a parte contrária ao assistido, vez que são eles compromissários-compradores das unidades habitacionais onde atualmente residem segundo alegado.
Ademais, não há que se falar em carência ou inépcia do pedido de assistênciajá que o art. 84 da Lei n Q 8.078/90 preceitua sobre os casos de conversão da obrigação em perdas e danos quando for impossível a obtenção do resultado prático correspondente, dis-
posição esta aplicável a ação civil pública, conforme art. 21 da Lei n Q 7.347/85.
Todavia, devem os assistentes comprovar documentalmente serem pobres na acepção do termo, regularizando o reconhecimento de firmas dos instrumentos de mandatos juntados, no prazo de 10 dias.
Sem prejuízo, manifestam-se todas as partes sobre o documento novo juntado (fls. 1.128/1.132). (fl. 1.140).
Diante desse provimento judicial, como adiantado, insurgiu-se a parte recorrente, de riste, objurgando a admissão de terceiros, como assistentes litisconsorciados com o autor da ação e malsinando a decorrente alteração do pedido inicial, com a pretensão de que a ação processe-se apenas relacionando as partes originárias e fiel a pretensão definida na petição inaugural.
Nesse contexto, com vantagem, bem se aprumam as objetivas observações lineadas, primeiramente, no inaugural Acórdão e, depois, nojulgamento dos Embargos de Declaração, textualmente:
" ... Inocorreu a acenada nulidade, porquanto a decisão impugnada, com os fundamentos tidos por adequados e suficientes, apreciou o pedido de assistência e o acolheu, repelindo, em contrapartida, de forma concisa, os argumentos da agravante, sem necessidade de fazê-lo dissertativa ou analiticamente quanto a cada
66 R. Sup. Trib. Just., Brasília. a. 9. (97): 43-128, setembro 1997.
um deles, tendo, ademais, indicado fundamento legal que ajustou à hipótese.
É plenamente cabível a intervenção de compromissários-compradores na ação civil pública, a teor do art. 50 e seu § único, do CPC, que autorizam a assistência em qualquer tipo de procedimento e em qualquer grau de jurisdição.
O interesse dos assistentes é inafastável, já que a matéria questionada a eles dizia manifesto respeito e, sem dúvida, ocorreu alteração da situação fática como resultado da suspensão da liminar em pedido ao Excelentíssimo Des. Presidente do E. Tribunal, que ensejou a comercialização imediata das casas, que a demanda se propunha a obstar.
No entanto, ainda que prejudicada a vedação de comercialização, os motivos de fato para ela apontados, se efetivamente, existiam, não haveriam de desaparecer necessariamente, permanecendo, pois, a substância da causa, tanto que a própria Decisão Presidencial assinalou que 'a redução dos efetivos da liminar ... deixa preservada a discussão da substância da causa, para oportuna e plena apreciação após regular instrução. Assim, enquanto se discute eventual direito ou responsabilidade, assegurada estará a preservação das construções e sua utilização para a finalidade que se destinam, ressalvada a destacada responsabilidade da autoridade municipal e do construtor' (fls. 7081709).
Forçoso concluir, portanto, que no pleito de vedar-se a comercialização das unidades por vícios construtivos, compreende-se a responsabilidade indenizatória em favor dos adquirentes que se viram prejudicados pela comercialização não estancada, de sorte que, frustrada a proibição, remanescendo prejuízo, corolário lógico é a indenização.
Assim, há de revelar-se também legítima a pretensão de converter-se em perdas e danos a obrigação de não fazer (não comercialização das unidades) que, em tese, caberia ser declarada, não fosse inócua a declaração, posto que a devedora já consumou o facere (comercialização das casas).
É certo - como anota a douta Procuradoria oficiante - que o art. 264, § único, do C.P.C. veda a alteração do pedido ou da causa de pedir após o saneamento do feito. Todavia, o rigor dessa norma foi mitigado pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), que prevê nas ações envolvendo relação de consumo, como a do caso em tela, a conversão da obrigação em perdas e danos. Evidentemente, existem restrições a essa conversão. Tanto assim, que apenas em duas hipóteses se admite a conversão: quando se tratar de opção feita pelo autor, ou, quando não for possível a tutela específica, nem a obtenção do resultado prático correspondente (§ único do art. 84 do CDC).
R. Sup. Trib. Just .. Brasília, a. 9, (97): 43-128. setembro 1997. 67
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Sendo inviável, no caso dos autos, atender-se o pedido inicial, que restou prejudicado, em vista de decisão judicial (suspensão da liminar pelo Desembargador Presidente do e. Tribunal) que autorizou a venda e ocupação das unidades habitacionais, enquanto se discutia eventual direito ou responsabilidade, é de ser reconhecida a possibilidade jurídica de se adequar a pretensão ao estado de fato atual, ensejando-se a prestação da tutela jurídica correspondente àquela inicialmente objetivada". (fls. 1.251 a 1.253).
" ... Não há lugar - reitera-se aqui - para a nulidade almejada, pois a decisão impugnada, com fundamentos adequados e suficientes, apreciou o pedido de assistência e o acolheu, repelindo, em contrapartida, de forma concisa, os argumentos da ora embargante, sem necessidade de fazê-lo dissertativa ou analiticamente quanto a cada um deles, tendo, ademais, indicado fundamento legal que ajustou à hipótese, conforme estampado em seu texto trasladado a fls. 1.140 e reafirmados a fls. 1.181/1.181 v.
A concisão - ao contrário do propugnado pela embargante -é forma retórica, precisa e legal e não falta de fundamentação de determinado pronunciamento.
Aliás, os arts. 459, in fine e 165, também em sua parte final, do CPC, nos casos de extinção do processo, sem julgamento do mé-
rito e nas decisões interlocutórias, autorizam expressamente o julgador a utilizar a forma concisa.
O r. despacho profligado - não resta dúvida -, ao admitir os promitentes-compradores (mutuários) das unidades habitacionais como assistentes litisconsorciais do agravado e a conversão do pedido de não comercialização das casas em perdas e danos, indicou os motivos desse convencionamento, que decorreram primordialmente da situação de fato advinda da deferida suspensão parcial dos efeitos da liminar pelo Desembargador Presidente do Tribunal até o julgamento definitivo da ação civil pública e assentaram na impossibilidade de obtenção do resultado prático correspondente à tutela específica inicialmente objetivada (não comercialização das casas), como permitia a fungibilidade do pedido em tal modalidade de lide, na forma dos arts. 84, § 1 Q, e 90, do Código de Defesa do Consumidor, do art. 21 da Lei n Q 7.347/85 e do art. 50 do CPC.
Tratando-se de simples decisão interlocutória, e não de sentença de mérito, era ocioso esgotar a indicação dos motivos e a análise das questões de fato e de direito, em termos de fundamentação exigida nos arts. 131 e 458, inciso lI, do CPC.
Como enfatizado no v. acórdão hostilizado, 'ainda que prejudicada a vedação de comercialização, os motivos de fato para ela apon-
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tados, se efetivamente existiam, não haveriam de desaparecer necessariamente, permanecendo, pois, a substância da causa', a ensejar, portanto, readequação ou alteração do pedido, enquanto persistisse referida suspensão, 'tanto que a própria Decisão Presidencial assinalou que 'a redução dos efeitos da liminar ... deixa a discussão da substância da causa, para oportuna e plena apreciação após regular instrução. Assim, enquanto se discute eventual direito ou responsabilidade, assegurada estará a preservação das construções e sua utilização para a finalidade que se destinam, ressalvada a destacada responsabilidade da autoridade municipal e do construtor' (fls. 708/709)' (fls. 1.251/1.252).
Não há cogitar, por conseguinte, de falta, nem de insuficiência de fundamentação, que acarretasse nulidade da decisão agravada, nem tampouco de inobservância do princípio inscrito no art. 93, inciso IX, da Carta Magna.
Combinando-se o art. 50, § único, do CPC, com o art. 84, § 1 Q, do CDC, nenhum óbice podia existir à integração dos promitentes-compradores no pólo ativo da ação, recebendo eles o processo no estado em que se encontrava e, a partir daí, constatada a impossibilidade de cumprimento da obrigação de não fazer (não comercialização das casas), em virtude sempre da mudança da situação de fato anterior opera-
da pelos efeitos do cumprimento da suspensão da liminar, que haveriam de ser provisórios (até o julgamento definitivo da ação, se não revogada antes) e não havendo como remover aqueles efeitos já concretizados, que a embargante não buscou evitar, o resultado prático correspondente ao pleito inicial de não comercialização seria alcançado exatamente com a conversão em perdas e danos pelos mesmos motivos constitutivos da obrigação de não fazer inicialmente demandada (falhas e riscos de danos da construção), de sorte que, subsistente esta mesma causa de pedir, afigurava-se plenamente legítima a alteração do pedido mediante a conversão em perdas e danos, com base na fungibilidade prevista no art. 84, § 1 Q, do CDC, in verbis.
'A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível ... se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente'.
o art. 264, § único, do CPC, não constitui óbice a essa alteração do pedido, pois, na hipótese, o art. 84, § 1 Q, do CDC, a admite sem restrição no processo de conhecimento, havendo de prevalecer este dispositivo, pois, segundo o art. 90 do mesmo estatuto, nas relações de consumo aplicamse as normas do CPC, mas apenas naquilo que não contrariarem as disposições do Código de Defesa do Consumidor.
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Superada, de tal modo, a objetada inalterabilidade do pedido neste caso específico de relação de consumo, torna-se irrelevante a outra objeção de que os assistentes litisconsorciais do agravado só poderiam receber o processo no estado em que se encontrava.
Tendo sido ouvida previamente acerca do pedido de assistência e conversão em perdas e danos (fls. 1.017 e 1.056/1.069), admitindo com atendimento das prescrições legais (arts. 50 e segs. do CPC e arts. 84, § 19 e 90 do CDC), à embargante não socorrem, data venia, as alegações de inobservância do devido processo legal ou da ampla defesa e contraditório, descabendo falar-se em infringência do art. 59, incisos LIV e LV da Constituição Federal.
Não há negar, como visto, a incidência do art. 84, § 19 , do CDC, na espécie, a permitir a alteração do pedido (conversão em perdas e danos) em litígio decorrente de relação de consumo, em que se tornou impossível a tutela inicialmente objetivada, em razão da superveniência do fato novo (comercialização das casas, que se visou impedir, após a estabilização da lide).
E a conversão do pedido, como tambémjá visto, ocorreu sem que se verificasse alteração da causa de pedir, pois os motivos que determinaram a propositura da ação (irregularidades na construção das casas e prejuízos aos con-
sumidores, no caso, os candidatos à aquisição das moradias, que se tornaram promitentes-compradores ou mutuários e vieram a ingressar no feito como assistentes do auto-agravado) não desapareceram, segundo informam estes autos (fls. 1.007 e segs., 59 e 69 volumes).
O interesse jurídico e a legitimidade dos assistentes ficaram bem evidenciados.
A embargante sequer negou que eles fossem mutuários ou promitentes-compradores das unidades habitacionais em apreço. E os documentos de fls. 974 e segs. do 59 volume (recibos de prestações do financiamento) o confirmam. A não juntada dos compromissos de venda e compra é irrelevante.
O interesse jurídico dos assistentes na ação civil pública assenta na causa petendi (irregularidades das construções e conseqüentes danos para os adquirentes) e não no pedido originário de proibição de concessão de habite-se e da comercialização, que, como estabelecido na decisão agravada e já se expôs anteriormente, foi convertido em perdas e danos, na forma do art. 84, § 19 , do CDC, sem ofensa ao art. 264, § único, do CPC, cujo rigor, em litígio decorrente de relação de consumo, foi mitigado por aquele dispositivo.
Presentes, assim, o interesse jurídico, a legitimidade para agir e autorizada a mutatio libelli mitigada, na espécie, o pedido dos
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assistentes não era inepto, inexistindo razão para que se aplicassem os arts. 267, incisos I e VI e 295, inciso I e § único, inciso IH, do CPC, como alvitrado pela embargante.
A conversão em perdas e danos, quando impossível a tutela específica inicialmente objetivada, embora não prevista no art. 3Q da Lei n Q 7.347/85, que só fala em condenação em dinheiro ou no cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, também constitui inequivocamente objeto da ação civil pública, como já visto, na forma dos arts. 84, § 1 Q e 90 e 117 do CDC (art. 21 da Lei n Q
7.347/85).
Por fim, a conversão do pedido admitida, sem alteração da causa petendi, em decorrência do fato superveniente acolhido (comercialização das casas, que se visou impedir), está em harmonia com o princípio do art. 462 do CPC, cujo entendimento há de se ajustar ao disposto nos arts. 302 e 303 do mesmo estatuto, consoante é da jurisprudência (RT 488/209; RF 258/259); JTA 118/293; RP 4/393, em. 14)."- fls. 1.266 usque 1.272.
Com efeito, algemados os pontos básicos da controvérsia, davante, comporta realçar que a Lei n Q 7.347/ 85, cônsono às disposições do seu artigo 21, albergou a aplicação dos dispositivos da Lei n Q 8.078/90 (Título IH - disposições gerais - ) e bem assim, não arredou a aplicação supletiva do Código de Processo Civil (art. 19, Ação Civil Pública).
Em sendo assim, e assim é, sem enleios, sobressai que foram colocados amplos caminhos processuais à disposição das pessoas legitimadas para o acionamento apuratório da responsabilidade por danos morais e patrimoniais ou na defesa dos interesses e direitos atingidos. O legislador ofereceu meios abrangentes; daí a possibilidade da assistência simples ou litisconsorcial, "em qualquer dos tipos de procedimento e em todos os graus de jurisdição ... " (arts. 50 e parágrafo único e 54, CPC).
Portanto, sublinhadas a natureza e finalidade da ação em causa, não se contempla que a admissão de terceiros esteja vedada por contrariedade às disposições de uma ou outra das leis mencionadas. Ao reverso, reclama a aplicação subsidiária ou supletiva dos aludidos padrões legais. Mesmo porque, diferentemente de outras ações de jurisdição litigiosa, nas quais os efeitos da sentença alcançam somente as partes integradas à relação processual formada, nesta a eficácia é erga omnes (art. 16, Lei 7.347/85 e art. 103, Lei 8.078/80). Assim, a integração dos interessados facilita a colaboração, sendo diretamente afeiçoados ao desfecho do processo. Demais, a trato de ação pública, a integração do terceiro é compatível, não se lhe negando a "pertinência subjetiva" para agir.
Por essas vagas, pois, avivada a finalidade da assistência deferida, inafastável a preexistência de lide e inescondível os efeitos reflexos da composição judicial pedida, mani-
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festo o interesse jurídico, ergue-se a legalidade do pedido de admissão e deferimento (fIs. 875 a 883 e 1.128 a 1.132).
No tocante à ocorrência de modificação do pedido inicial, decorrente de proposição feita pelos Assistentes, sem dúvidas ganham relevância as disposições do Parágrafo único, art. 50, CPC.
Deveras, o ingresso do Assistente, a qualquer tempo e grau de jurisdição, o vincula ao estado em que se encontra o processo. Conquanto seja essa a regra, na espécie, verifica-se que, o surgimento de fato superveniente, emergindo concreta situação, a alteração feita tem respaldo legal, " ... já que o art. 84 e § 12, da Lei nº 8.078/90 preceitua sobre os casos de conversão da obrigação em perdas e danos quando for impossível a obtenção do resultado prático correspondente, disposição esta aplicável à Ação Civil Pública, conforme art. 21 da Lei n Q 7.347/85". (fl. 1.140).
Nessa perspectiva, alvoroça-se que os Assistentes, na verdade, receberam a causa no estado em que se achava amoldada pelo MM. Juiz com o fito de assegurar o resultado a uma nova realidade noticiada pelos Assistentes, assim:
" ... cientes de que devem ingressar na lide no estado em que ela se encontra, entendem, data venia, que nem por isso ficam impedidos de denunciarem fatos novos, máxime porque, dado a privacidade de suas casas, me-
lhor que ninguém as conhecem". (fI. 879).
Sem dúvidas, desembaraçada a comercialização das casas (fls. 708/ 709), concretizados motivos inovadores, prevalecente a defesa dos interesses dos Assistentes, a lei confere eficiente proteção, não só aos direitos subjetivos, mas, também, para reparação de danos materiais. Desse modo, divisadas novas situações jurídicas, impõe-se propiciar efetiva tutela, com amplos meios.
Por essas estrias, na vertente de realidades surgidas, decorrentemente, o Juiz apreciando o pedido, pode deferir a proteção explicitamente requerida ou (alternativamente), uma vez que, no caso, ficou difícil ou impossível a tutela específica, razão determinante do cumprimento da obrigação por outra forma, com a preocupação de assegurar o resultado (art. 84 e § 12, Lei 8.078/90 e 21, Lei 7.347/85). É a demonstração da força condicionante do interesse público, quando a obrigação de fazer transforma-se em danos e perdas (art. 633, CPC).
Em outras palavras, 'a prestação jurisdicional "há de compor a lide como ela se apresenta no momento da entrega" (art. 462, CPC). O direito superveniente é o direito subjetivo pela ocorrência de fatos novos constitutivos, modificativos ou extintivos da pretensão deduzida na inicial. No caso, não se cuida de alteração do pedido ou da causa de pedir, uma vez que a lei de regência, tendo por base a inicial, para o
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resultado, favorece a tutela específica ou providências judiciais para a obtenção de resultado equivalente ao do adimplemento (art. 84 e § 1 º, refs.); seja de ofício ou a requerimento da parte.
Enfim, impossível a tutela específica (porque decisão judicial satisfativa autorizou a comercialização das casas - fls. 708 e 709), quanto ao resultado, tornou-se viável a transformação preconizada em lei (danos e perdas), já que a sentença deve refletir o estado de fato da lide no momento em que for proferida. A vedação de alteração do pedido e da causa de pedir, na ação sob exame, não exclui a causa superveniente, competindo ao postulante dar conta ao julgador de fato superveniente.
Seqüencialmente, quanto à pretendida alteração da 'causa de pedir', evidencia-se que não foi modificada na sua substância. Em relação ao "pedido", embora demonstrada a transformação do resultado seja no primeiro aspecto ou no segundo, novamente merecem ser avivadas as certeiras anotações feitas no julgado confrontado, verbis:
"Forçoso concluir, portanto, que no pleito de vedar-se a comercialização das unidades por vícios construtivos, compreende-se a responsabilidade indenizatória em favor dos adquirentes que se viram prejudicados pela comercialização não estancada, de sorte que, frustrada a proibição, remanescendo prejuízo, corolário lógico é a indenização.
Assim, há de revelar-se também legítima a pretensão de converter-se em perdas e danos a obrigação de não fazer (não comercialização das unidades) que, em tese, caberia ser declarada, não fosse inócua a declaração, posto que a devedora já consumou o facere (comercialização das casas).
É certo - como anota a douta Procuradoria oficiante - que o art. 264, § único, do C.P.C. veda a alteração do pedido ou da causa de pedir após o saneamento do feito. Todavia, o rigor dessa norma foi mitigado pelo Código de Defesa do Consumidor CCDC), que prevê nas ações envolvendo relação de consumo, como a do caso em tela, a conversão da obrigação em perdas e danos. Evidentemente, existem restrições a essa conversão. Tanto assim, que apenas em duas hipóteses se admite a conversão: quando se tratar de opção feita pelo autor, ou, quando não for possível a tutela específica, nem a obtenção do resultado prático correspondente C§ único do art. 84 do CDC).
Sendo inviável, no caso dos autos, atender-se o pedido inicial, que restou prejudicado, em vista de decisão judicial (suspensão da liminar pelo Desembargador Presidente do e. Tribunal) que autorizou a venda e ocupação das unidades habitacionais, enquanto se discutia eventual direito ou responsabilidade, é de ser reconhecida a possibilidade jurídica de se adequar a pre-
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tensão ao estado de fato atual, ensejando-se a prestação da tutela jurídica correspondente àquela inicialmente objetivada". (fls. 1.252 a 1.253).
Alinhadas as razões do convencimento, no seu conteúdo, a foco dos limites obj etivos preestabelecidos, no meu sentir, ficando arredadas a sugerida negativa de vigência dos padrões legais elencados pela parte recorrente, voto pelo improvimento do recurso.
É o voto.
ESCLARECIMENTOS
O DR. ANTÔNIO AUGUSTO CÉSAR (Subprocurador-Geral da República): Senhor Presidente, peço, antes de mais nada, um breve esclarecimento ao Ilustre Relator no sentido de saber o seguinte: a sentença foi prolatada sobre a ação civil pública efetivamente? Melhor dizendo, houve um acórdão que anulou a sentença?
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): O recurso diz respeito a um Agravo de Instrumento em relação a uma decisão incidental.
O DR. ANTÔNIO AUGUSTO CÉSAR (Subprocurador-Geral da República): A sentença foi anulada pelo acórdão do Tribunal?
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): Sim.
O DR. ANTÔNIO AUGUSTO CÉSAR (Subprocurador-Geral da República): Creio, Senhores Minis-
tros, que tem razão, nesse aspecto, o recorrente quando diz que a sentença de fato não abrange ou não atinge os efeitos do agravo, posto que a ação, anulada a sentença, volta, em primeiro grau, a ter o seu seguimento normal. Em face disso, parece-me que o pedido de assistência, no caso, na da ação civil pública, há de ser entendido como uma tutela particular de um interesse inicialmente difuso, e que o particular pode, sem nenhum prejuízo, vir também a defender.
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): A sentença foi anulada.
O DR. ANTÔNIO AUGUSTO CÉSAR (Subprocurador-Geral da República): Sim. O meu raciocínio é de que anulada a sentença, volta o processo em Primeiro Grau com admissão do litisconsorte a ter prosseguimento. O agravo que é contra a falta de oportunidade de se manifestar sobre os pedidos, teria por pertinente o seu objeto, posto que continuaria a lide formada não apenas entre o Ministério Público e a entidade pública, mas também por aqueles que pretenderam assistir a ação do Ministério Público.
Parece-me legítima não só a intervenção dessas partes, como também legítimo o oferecimento de prazo, no caso, a Fazenda Pública, para que venha a se manifestar sobre os aditamentos eventualmente trazidos ao cerne da questão.
É nesse sentido, portanto, que venho a opinar pelo provimento do agravo, se bem entendi a posição nele espelhada.
74 R. Sup. Trib. Just .. Brasília. a. 9, (97): 43-128. setembro 1997.
RECURSO ESPECIAL Nº 98.060 - RS
(Registro n Q 96.0036868-6)
Relator: O Sr. Ministro Demócrito Reinaldo
Recorrente: Comercial Masil Material Hidráulico e Construção Ltda.
Recorrida: Fazenda Nacional
Advogados: Drs. Lênio Flávio Schmidt e outro, e Dolizete Fátima Michelin e outros
EMENTA: Processual Civil. Recurso especial. Tributário. Correção monetária das demonstrações financeiras de empresas (Leis n!lJi.. 7.730/89, 7.799/89 e 8.200/91). Atualização dos balanços pelo BTNF.
o prequestionamento, para viabilizar o conhecimento do especial, exige que o órgão julgador de segundo grau haja adotado entendimento explícito sobre o preceito legal que constitui o fundamento do recurso nobre.
Inexiste prequestionamento quando o acórdão recorrido faz simples menção ao preceito legal indicado como violado (no especial), sem que, sobre ele, se tenha manifestado de forma precisa, esclarecendo-lhe o sentido e a compreensão.
O art. 43 do CTN se limita a definir o fato gerador do imposto de renda, entendendo-o como o acréscimo patrimonial oriundo do capital ou do trabalho, sem qualquer menção à indexação de renda ou correção monetária das demonstrações financeiras de empresas.
Em face do sistema jurídico-constitucional vigente, não se pode sobrepor princípios estatuídos em lei ordinária a preceito de lei ordinária promulgada subseqüentemente, sabendo-se que é regra assente no direito positivo de que a lei posterior revoga a anterior, naquilo que disciplinar de forma diferente.
A correção monetária está sujeita ao princípio da legalidade estrita e somente a lei formal expressa é que poderá determinar o seu cabimento.
Ao contribuinte não é dado arvorar-se no direito de utilizar índice de correção monetária que lhe pareça mais favorável do que o preconizado na lei. Inexiste direito adquirido a índice de correção, e, por isso mesmo, o fator de atualização do débito tributário pode, através de lei, ser substituído por outro, sem ofensa a qualquer garantia constitucionaL
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43·128, setembro 1997. 75
In casu, a lei estipulou o fator de correção (dos Balanços) e quantificou o percentual para a atualização, no período considerado, daí ser injurídico pretender-se a utilização de outro índice, por mais apropriado (ou real) que seja, por ausência de base legal. O legislador não está impedido de instituir índices de atualização diferenciados para atender a diversidade de situações e de condições reais que caracterizam, em dado momento, a conjuntura financeira do País. A correção monetária das disponibilidades financeiras das empresas há de obedecer o que preconizam as Leis n~ 7.730/89 e 7.799/89.
Recurso improvido. Votos vencidos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Milton Luiz Pereira e José Delgado, negar provimento ao recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, Milton Luiz Pereira, José Delgado e José de Jesus Filho. Custas, como de lei.
Brasília, 06 de fevereiro de 1997 (data do julgamento).
Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente. Ministro DEMÓCRITO REINALDO, Relator.
Publicado no DJ de 31-03-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Cuida-se de recurso especial manifestado pela empresa
Comercial Masil Material Hidráulico e Construção Ltda., com arrimo nas letras a e c do admissivo constitucional, contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4" Região, cujo acórdão restou resumido na ementa seguinte:
"Tributário. Demonstrações financeiras. Correção monetária. IPC.BTNF.
1. O BTNF é o indexador utilizado para a correção monetária das demonstrações financeiras do ano-base de 1990.
2. As normas que disciplinam índices de correção monetária se inserem no campo das finanças públicas, por isso incabível a aplicação dos princípios do direito tributário.
3. O Plenário deste Tribunal decidiu que a Lei n Q 8.200/91 não constitui uma confissão de erro legislativo, pois não modificou a disciplina da base de cálculo do imposto de renda relativo ao balanço de 1990 (Argüição de Inconstitucionalidade na AMS n Q
92.04.14994-9/RS)" - fl. 98.
76 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.
Sob a alegação de contrariedade à legislação federal, aponta o recorrente várias leis que teriam sido violadas, com destaque para o artigo 43 do Código Tributário N acionaI, artigo 185 da Lei 6.404/76 e artigos 29 e 39 da Lei 7.799, de 1989, enquanto traz à colação, para demonstrar o alegado dissídio jurisprudencial, julgados de outros tribunais, discrepantes do v. aresto recorrido (fls. 105/125).
Transcorrido in albis o prazo para as contra-razões, o recurso foi admitido e processado na origem, subindo os autos a esta instância.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (Relator): Cumpre afastar, de logo, a possibilidade de apreciação do recurso, quanto à alegada vulneração aos artigos 43 do CTN e 185 da Lei 6.404/76, porquanto as matérias disciplinadas nestas disposições legais não estão prequestionadas, nem constituíram objeto do decisório, cujo voto condutor a elas nenhuma referência fez. O mesmo se diga em relação às demais leis citadas esparsamente, sem que fosse demonstrado, de forma precisa e objetiva, quais os dispositivos teriam sofrido maltrato e como teria se configurado a violação a tais ou quais preceitos. Deficiente, pois, nessa parte, a fundamentação do inconformismo recursal.
No que concerne ao mérito, propriamente dito, ainda que se tenha
como prequestionado o disposto na Lei 7.799/89 e demonstrado o dissídio pretoriano, ao meu sentir, não colhe êxito a pretensão recursal.
É que, já tendo me manifestado, por mais de uma vez, sobre a quaestio iuris ora posta em discussão, pela similitude que guardam entre si as hipóteses, nada cabe acrescentar às considerações expendidas, quando do julgamento do REsp n Q
88.721IRS, da minha relatoria, e que agora as adoto como razão de decidir, com a seguinte dicção:
"As questões jurídicas enfeixadas neste recurso são inteiramente iguais àquelas inseridas no especial de n Q 77.697, de que foi Relator o eminente Ministro José de Jesus Filho. A diferença consiste, apenas, na circunstância de que, naquele recurso, as mesmas questões foram dirimidas no âmbito de u'a ação declaratória, enquanto, no caso, cuidase de um mandado de segurança. Ali, o especial foi interposto com assento na letra a, do permissivo constitucional e aqui, com embasamento nas alíneas a e c. Todavia, em ambas as irresignações, interpretou-se a mesma legislação federal. Naquele recurso, apreciando o mérito da matéria jurídica em discussão, proferi o voto com as conclusões a seguir:
"Nos termos em que se formulou o especial, só nos resta o exame do mérito com base na ofensa ao art. 43 do CTN, porquanto, o preceito constitucio-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 77
78
nal invocado como malferido não pode ser objeto de apreciação, nesta fase.
Registre-se, desde logo, que o questionado art. 43 do CTN não serve de embasamento ao especial, sendo de manifesta impertinência a sua invocação. Como já se afirmou, no início do voto preliminar, o pedido do recorrente - na ação declaratória "visou obter a declaração judicial de que o percentual a ser utilizado para fins de correção monetária do balanço de que trata a Lei 7.799/ 89 (e Lei n 9 7.730/89, art. 30, § 19 ), seja de NCz$ 10,50 e não de NCz$ 6,92, consoante o disposto no art. 30, § 19 da citada lei". Como está patente, a questão jurídica objeto da controvérsia diz respeito à correção monetária do balanço da empresa, no ano de 1990 (anobase 1989).
A questão se cinge à correção monetária das demonstrações financeiras, tema que refoge inteiramente à disciplina do art. 43 do CTN. De fato, este preceito legal se limita a definir "o fato gerador do imposto de renda", sem menção alguma à atualização da moeda, ao dispor, "que o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda (assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de
ambos e de proventos de qualquer natureza"). Por sua vez, o instituto da correção monetária foi instituído através de legislação diferente e é sob o pálio desta que a questão jurídica há de ser dirimida.
Com efeito, preceituam o art. 30 e seu § 19 da Lei n 9
7.730, de 31 dejaneiro de 1989 (que instituiu o cruzado novo e determinou o congelamento dos preços):
"Art. 30 - No períodobase de 1989 a pessoa jurídica deverá efetuar a correção monetária das demonstrações financeiras de modo a refletir os efeitos da desvalorização da moeda observada anteriormente à vigência desta lei".
§ 19 - Na correção monetária de que trata este artigo a pessoa jurídica deverá utilizar a OTN de NCz$ 6,92 (seis cruzados novos e noventa e dois centavos).
Por sua vez, o art. 30 da Lei n 9 7.799, de 10 de julho de 1989, assentou:
Art. 30 - "Para efeito da conversão em número de BTN, os saldos das contas sujeitas à correção monetária, existentes em 31 de janeiro de 1989, serão atualizados monetariamente tomando-se por base o valor da OTN de NCz$ 6,92".
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.
Como se vê dos dispositivos acima transcritos, a legislação é clara e precisa, ao estabelecer o valor da OTN, no período, em NCz$ 6,92 e ao determinar que, por este valor, sejam corrigidas as demonstrações financeiras das empresas (balanços). A Lei é assim, expressa. Não compete, pois, ao Judiciário, indagar sobre a real inflação de janeiro de 1989, ou perquirir sobre o percentual exato de correção a que se deveria submeter o balanço da empresa, ou, ainda, se a pessoa jurídica interessada teve prejuízo em fazendo a atualização do balanço utilizando o valor da OTN especificado em lei. Essa indagação, além de desbordarse da função jurisdicional, demandaria reexame dos elementos de informação. Impende, pois, ao Judiciário, verificar qual a lei vigente naquele período (janeiro de 1989) e dar-lhe aplicação. Se há lei fixando o fator de correção e se está em vigor, não resta à Corte, nesta fase, senão aplicar a lei. Se a legislação instituiu de forma expressa e clara o índice de atualização dos balanços, deve o Legislador ter sido despertado para que este fosse o mais consentâneo com a realidade nacional e com o interesse público. Transmudar-lhe é defeso ao Judiciário, ao qual é vedado investir-se na condição de legislador positivo. "Se ao Judiciário fosse dado criar a norma jurídica a ser aplicada ao caso sob sua apreciação, ficaria sem conteúdo a função
legislativa exercida pelo Poder Legislativo relativamente aos casos que fossem levados aos Tribunais para julgamento".
Haveria dois Poderes realizando a mesma função essencial, ambos criando normas jurídicas gerais. Tal situação quebraria a ordem lógica estabelecida pela existência dos Três Poderes (Vicente Miranda, Poderes do Juiz no Processo Civil Brasileiro, pág. 79). "No Sistema jurídico brasileiro, o juiz é essencial e substancialmente julgador. Apenas excepcionalmente e em casos expressamente previstos pela lei é que o juiz exerce função legislativa. O juiz julga de acordo com a lei, competindo-lhe o poder do jus dicere" (Autor e obra citada, pág. 80).
Com efeito, escreveu Antônio Sampaio Dorrea, acerca do tema:
"Em verdade, não cabe ao magistrado recusar cumprimento à lei, por injusta ou opressiva, mas, SIm, apurar estritamente sua conformidade ao texto constitucional. A atuação judiciária tem de se esgotar, exaurir, neste confronto, pena de usurpar esfera privativa de outro Poder, incumbido de determinações normativas cristalizadoras da opção entre valores múltiplos, com o inevitável discricionarismo que a tarefa impõe. Ao judiciário, a análise estritamente da legalidade dos atos ad-
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ministrativos e da constitucionalidade das leis. Ao Legislativo, a decisão da conveniência, da oportunidade e do conteúdo substancial da norma. Princípios são estes fundamentais em nosso direito público, sem discrepâncias nas fontes mais genuínas (Direito Constitucional Tributário, pág. 178)".
N o caso sub examen, a lei, de forma clara e precisa, estipulou o fator de correção e quantificou o percentual para efeito de atualização dos balanços, no período considerado. Daí serem válidos os argumentos do douto juiz de Novo Hamburgo, RS, no Processo n Q
90.4624-6, aliás, de juridicidade irreprochável:
"Qualquer outro índice, por mais real do que aquele, por mais apropriado, por mais conveniente, não pode ser pretendido, por lhe faltar um requisito ingastável - a base legal. Não cabe, ao poder judiciário, na espécie, deixar de aplicar a lei, para se pôr em busca de outro índice que, do ponto de vista econômico possa ser mais aconselhável do que o preconizado pelo legislador. Isso é absolutamente inviável e antijurídico. Não pode o Judiciário arvorar-se em legislador, em titular da indexação monetária, a um porque· lhe falece competência para tal e esse não é o seu mister; a dois porque,
escolhido outro índice, o acolhimento deste acarretaria um tratamento desigual para as impetrantes relativamente aos demais contribuintes nas mesmas condições, o que violentaria o princípio da isonomia em matéria tributária".
Vale, ainda, ressaltar, "que nada está a impedir que a lei estabeleça índices de correção monetária diferenciados para atender a diversidade de situações e de condições reais que caracterizam uma dada conjuntura econômico-financeira. As Leis 7.730/89 e 7.799/89 não extinguiram a correção monetária, mas, definiram novos índices de correção, alterando os anteriores". Essa possibilidade já foi reconhecida por este egrégio Tribunal, ao entender que, nos casos dos contratos de mútuo rural, o índice de correção fosse em percentual mais deduzido, em face de lei específica.
Desvaliosa, ademais, a alegação de prejuízo ou de enriquecimento ilícito por parte da União, se aplicado o índice previsto na Lei 7.730/89. Essas questões fáticas, a par de não serem apreciadas em sede do recurso maior, não foram decididas, de forma expressa, pelo acórdão recorrido.
Por último, necessário admitir que, ainda que prejuízo tenha existido - com o pagamento, pela recorrente, de quantia maior correspondente ao im-
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posto de renda - esse prejuízo foi compensado e, até ressarcido, nos anos subseqüentes, com a edição da Lei n Q 8.200/91. Assim é que, o eminente Ministro Celso de Mello, ao indeferir liminar na ADln n Q 712-DF, em que se postulava a suspensão dos efeitos dos arts. 3Q e 4Q da Lei n Q 8.200/91, assim se pronunciou, com juridicidade:
"A compreensão do sentido e do alcance das normas legais impugnadas impõe que se relembre o contexto normativo em que disciplinado o regime de correção monetária das demonstrações financeiras das pessoas jurídicas. A disciplina legislativa básica concernente à correção monetária das demonstrações financeiras das pessoas jurídicas para o ano de 1990 encontra-se consubstanciada na Lei n Q 7.799/ 89, que, em seu art. 10, dispunha que a correção monetária deveria proceder-se, com base na variação diária do BTN fiscal, cujo valor nominal seria reajustado em função da variação do índice de preços ao consumidor -lPC (art. 1 Q, § 2Q
). Com a edição do Plano Collor I, em março de 1990, o valor nominal do BTNF foi desvinculado desse indexador legal, o lPC. Disso resultou que, ao final do exercício de 1990, a variação verificada no lPC (1. 794, 72%) foi sensivelmente maior que a variação do BTNF (845,12%). Essa dife-
rença representou, em termos práticos, uma subcorreção monetária dos balanços, do que decorreu uma distorção no resultado operacional das empresas, majorando a carga tributária em alguns casos e atenuando-se, em outros. A Lei 8.200/91 foi editada justamente para corrigir o equívoco desse resultado e contemplou as hipóteses de saldo devedor e de saldo credor na conta de correção monetária, deferindo para o exercício de 1993 o início do processo de retificação das distorções ocorridas no anobase de 1990 . Na hipótese do saldo devedor, o art. 3Q
, I, autorizou a dedução da diferença dos índices na determinação do lucro real. Reduzindo, com isso, o lucro real da empresa, que é a base de cálculo para o imposto de renda, resulta minorada a carga tributária, beneficiando o contribuinte. E conclui, o nobre Ministro, em seu voto: "Nada impede o Poder Público de reconhecer, contexto formal de lei, a ocorrência de situações lesivas à esfera jurídica dos contribuintes e adotar, no plano do direito positivo, as providências necessárias à cessação dos efeitos onerosos que, derivados, exemplificativamente, da manipulação da substituição ou da alteração de índices, hajam tornado mais gravosa a exação tributária imposta pelo Estado" (Rev. dos Tri-
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bunais, 14, janeiro e março de 1996, págs. 288/289)".
Fica, assim, patente que o próprio legislador encontrou, na elaboração da lei, o remédio para minorar a situação das empresas que pagaram, a maior, o imposto de renda no período considerado (1990), tendo em vista os termos do art. 30, § 1º da Lei nº 7.799/89, compensando-as, nos exercícios subseqüentes. Descabe, pois, ao Judiciário, determinar, desde logo, a correção dos balanços, contrariando os termos expressos da lei e instituindo outra forma de compensação dos prejuízos, acaso existentes, mediante a substituição de índices.
Demais disso, conforme acentuou o Ministro Celso de Mello, na ADIn 712, "com a edição do Plano Collor, "a diferença (entre o IPC e BTNF) representou, em termos práticos, uma subcorreção monetária dos balanços, do que decorreu uma distorção do resultado operacional das empresas, majorando a carga tributária em alguns casos e atenuandose em outros". Isso significa que, nem todas as empresas foram prejudicadas com a promulgação da Lei nº 7.799/89 (art. 30, § 1 º), com o pagamento a maior, do imposto de renda. Muitas foram beneficiadas, com a diminuição do tributo. Daí não se poder determinar que, em todos os casos, a correção do balanço se faça pelo IPC-, como pretende a recorrente. E necessária a avaliação, no caso
concreto, se houve ou não subcorreção do balanço, o que exige incursão nos elementos de informação de processo, a que é infenso o especial."
Insisto em que o art. 43 do CTN não serve de enfoque para o especial. Em primeiro lugar porque a matéria inserida neste preceito legal não foi objeto de decisão expressa, no acórdão. O decisum não se fundou na interpretação e aplicação do art. 43 do CTN. Este dispositivo, como já se afirmou, alhures, limita-se a expender o conceito legal de renda para efeito de incidência do tributo federal "e que considera esta (renda) como sendo o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, importando, sempre, na aquisição de disponibilidade jurídica de renda ou de proventos ou de ambos". Não há, no dispositivo supra, qualquer referência implícita ou expressa a correção monetária, a atualização de balanços, a prejuízos porventura existentes, acaso se omita a correção, a enriquecimento ilícito do sujeito ativo, etc. O conceito de renda se complementa com a definição de fato gerador (art. 114 do CTN) da obrigação tributária consignada na legislação pertinente, "que é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência". Na hipótese de renda, "o fato imponível é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de rendas e proventos de qualquer natureza". E essa definição se complementa com o
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momento de sua ocorrência, "que é aquele em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produzam os efeitos que normalmente lhe são próprios" (art. 116 do CTN). Não foram, como se observa do contexto do acórdão, as questões neste apreciadas e decididas. A recorrente pretende (em todo o curso da causa), que se atribua prevalência da legislação pretérita - e já revogada, sobre as leis vigentes, em matéria de atualização das demonstrações financeiras, sob pretexto de que, estas lhe ocasionaram prejuízo, com a correção, a menor, do balanço anual, com a contrapartida do enriquecimento ilícito da Fazenda N acionaI.
A recorrente, assim, pretende impor circunstâncias factuais - existência de prejuízo e enriquecimento ilícito - a preceitos expressos de lei, que definiram o índice de correção (dos balanços) e o respectivo valor. Ao contrário: a lei é que valoriza os fatos e indica os que têm eficácia para constituir, alterar ou extinguiF direitos. Se a lei designou o fator de correção, quantificando-o, só este deve ser aplicado, eis que gerou-se a presunção juris et de jure de que a base de cálculo do imposto de renda, no período considerado, corresponde ao montante real dos acréscimos patrimoniais das empresas. Afixação do índice (e o seu valor) tornou-se questão de Estado, de conveniência da Administração e constitui matéria de política econômica do
governo federal, "em atendimento às circunstâncias vinculadas à economia e às finanças do Estado, insusceptível de apreciação pelo Poder Judiciário", salvo infração a texto constitucional expresso. Vale acentuar, fazendo meus os argumentos do eminente juiz monocrático: "as regras de indexação monetária não constituem matéria de direito tributário. Inseremse num contexto maior pertinente à economia nacional, às finanças públicas, ao valor da moeda nacional e à recomposição do respectivo poder aquisitivo" e não se sujeitam aos princípios gerais tributários. Portanto, a lide nem sequer poderia ser dirimida sob o pálio do art. 43 do CTN. Que correlação tem esse dispositivo, não é demais repetir, com as regras da indexação monetária? (Situadas no contexto das finanças públicas e ao valor da moeda nacional e respectivo poder aquisitivo?).
Por último, em face do sistema jurídico-constitucional vigente "a correção monetária não se rege exclusivamente pela variação da inflação. De nada adiantaria que se vivesse em regime inflacionário e a lei, de forma expressa, não instituísse a correção monetária, definindo-lhe os índices e a respectiva percentualização". Correção monetária, em determinado período, é aquela claramente definida na lei. E o legislador não fica obrigado, tendo-se como prevalecentes os interesses nacionais, em
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percentualizar o fator de correção em igualdade absoluta com a inflação real. Daí, a conseqüência é que, ainda por mais injusta que possa parecer, "a correção monetária consiste, apenas, na parcela de inflação reconhecida por lei e transformada em indexador da economia" (folha 58). Não vislumbro, pois, qualquer
ofensa ao preceito legal indicado (art. 43 do CTN), que, sequer, poderá estar em causa, pela sua manifesta impertinência (e ausência de prequestionamento)".
N essa mesma linha de entendi-mento, conheço do recurso, mas nego-lhe provimento.
É como voto.
VOTO (VENCIDO)
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: Senhor Presidente, data venia, fico vencido.
VOTO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: Sr. Presidente, dou provimento ao recurso. Meus argumentos já foram por demais conhecidos em várias oportunidades e há até o reconhecimento pela própria lei, interpretando as disposições. E vou mais além quanto ao meu posicionamento: a lei não poderia permitir isso, porque entendo que há um verdadeiro confisco no momento em que só se permite a compensação em seis exercícios seguintes. Na minha visão, isso é um confisco.
A minha divergência é que acata a tese das empresas, mandando aplicar a diferença que foi reconhecida pela própria lei nos balanços de 1989/90. E, quando a empresa pede - nem todas pedem - para que essa compensação seja feita de uma só vez, eu concedo.
Estou, por permissivo constitucional, cumprindo a lei, extraindo dela aquela interpretação que ela me permite.
RECURSO ESPECIAL NQ 104.185 - PR
(Registro n Q 96.0051544-1)
Relator: O Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros
Recorrente: Aterfi Administradora de Terminais Rodoviários Ltda.
Recorrido: Socicam Terminais Rodoviários e Representações Ltda.
Advogados: Drs. Egas Dirceu Moniz de Aragão e outros, e Mozart Gouvea Belo da Silva e outros
EMENTA: Processual- Recurso especial- Interpretação de lei à luz de princípios constitucionais - Cabimento do recurso especial - Mandado de segurança individual - Defesa de interesses
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pertencentes a terceiros - Impossibilidade - Retroatividade do registro de comércio (L. 4.726/65, art. 39).
I - Se o acórdão, sem pronunciar a inconstitucionalidade de lei, afirma que a interpretou sob o foco de princípios constitucionais, ele desafia recurso especial - não, recurso extraordinário.
U - O art. 1 Q da Lei 1.533/51 é ofendido, quando se defere Mandado de Segurança individual, para defender interesses de terceiros, que não o impetrante. Ressalvadas as hipóteses previstas na Constituição Federal, não se admite substituição processual, em Mandado de Segurança.
UI - A eficácia retroativa do registro de comércio (art. 39 da Lei 4.736/65) opera nos procedimentos de licitação pública.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos a das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros Milton Luiz Pereira e José Delgado. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros José de Jesus Filho e Demócrito Reinaldo.
Brasília, 05 de maio de 1997 (data do julgamento).
Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 09·06·97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: A Recorrida impetrou Mandado de Segurança,
visando a nulidade de licitação efetivada pela Companhia de Desenvolvimento de Foz do Iguaçu.
O certame malsinado tinha como objetivo a exploração e administração do Terminal rodoviário daquela cidade.
O V. Acórdão recorrido confirmou o deferimento da Segurança. Montou-se nos seguintes fundamentos:
a) as regras disciplinadoras da concorrência foram alteradas após a publicação do edital. Tal alteração reduziu o valor mínimo do capital social das licitantes;
b) tal modificação prejudicou a impetrante e diversas empresas que deixaram de se habilitar, porque não dispunham do capital mínimo, originalmente exigível. Também o Município sofreu danos, porque viu reduzido o universo de licitantes;
c) em contrapartida, a redução de valor trouxe benefício injusto para a ora recorrente. Esta, no
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dizer do Acórdão, não possuía o capital mínimo exigido, quando se inscreveu;
d) nem se pode tomar em consideração a circunstância de que o capital veio a ser alterado -mediante registro na junta comercial - após a publicação do edital;
e) o argumento de que o registro operou retroativamente é impertinente, porque, na hipótese prevalece o princípio da moralidade administrativa, consagrado no art. 37 da Constituição Federal;
f) a circunstância de ninguém haver impugnado a alteração também é irrelevante, face à prevalência do princípio da moralidade;
g) a Recorrente carece de aptidão, nos termos reclamados pelo edital, para operar o terminal rodoviário. É que ela limitou-se em demonstrar a experiência de um de seus sócios - não dela, como pessoa jurídica;
h) foram maltratados o interesse público, e os princípios constitucionais da legalidade, impessoabilidade, moralidade e publicidade, contidos no art. 37 da Constituição Federal.
Houve um voto vencido, concedendo a Segurança, sob os argumentos de que:
a) o argumento de que a redução no item "capital mínimo" teria lesado interesses de terceiros
não pode ser aproveitado, em sede de Mandado de Segurança -onde são discutidos, apenas, direitos individuais do impetrante;
b) na hipótese, não houve ofensa a direito da ora Recorrida: ela, expressamente, concordou com a alteração;
c) no que respeita à alteração de capital, ela se efetivou antes de publicado o edital e seu registro, por efeito do art. 37 da Lei 4.726/65 retroagiu à data da lavratura do instrumento que documentou a reforma estatutária;
d) a capacidade técnica de uma pessoa jurídica mede-se pela capacidade técnica das pessoas físicas que a fazem funcionar. Na hipótese, um dos integrantes da Recorrente demonstrou experiência na implantação de terminal rodoviário, em outra cidade do Paraná;
e) presume-se a licitude dos atos administrativos, que somente podem ser desconstituídos, em caso de lesão ao direito individualou ao patrimônio público;
f) foram respeitados os princípios constitucionais da legalidade, moralidade, finalidade e publicidade;
g) a Impetrante carece de direito líquido e certo, a ser defendido através Mandado de Segurança.
Houve Embargos Declaratórios, nos quais se reclama pronunciamento sobre várias questões:
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a) concordância expressa da Impetrante (ora Recorrida), em favor da alteração que resultou na diminuição do capital mínimo;
b)extensão,contralegern,do Mandado de Segurança para satisfazer interesses de terceiros;
c) impossibilidade em se conceder Mandado de Segurança, para satisfazer interesse do poder público, face aos preceitos contidos nos artigos 128 do CPC e 1Q da Lei l.533/51;
d) razões pelas quais o Acórdão negou vigência aos arts. 37 e 39 da Lei 4.726/65, que determinam a eficácia retroativa do registro da alteração contratual;
e) obscuridade do Aresto, na parte em que resolveu o tema relativo à suposta inaptidão técnica da Recorrente.
Os Embargos foram rejeitados parcialmente, ao fundamento de que seriam, apenas, infringentes. A Corte os aproveitou, tão-somente, para corrigir erro material, irrelevante na apreciação deste recurso especial.
O Recurso Especial arrima-se na alínea a. Nela, a Recorrente reclama de que:
1. o Aresto ofendeu o art. 1 Q da Lei 1.533/51, quando deferiu Mandado de Segurança, para satisfazer supostos interesses de pessoas que não a Impetrante;
2. nessa passagem, também houve julgamento extra petitum, porque a Impetrante não
sofreu qualquer prejuízo com a alteração do capital mínimo. Pelo contrário, ela concordara expressamente com tal modificação. N este excesso, o Acórdão violou o art. 128 do CPC;
3. ao negar eficácia retroativa ao registro de alteração contratual, o Acórdão desconheceu os artigos 37 e 39 da Lei 4.726/65;
4. violou, também, o art. 25 do DL 2.300/86, quando deixou de considerar a capacidade técnica das pessoas que integram a Recorrente, na avaliação deste requisito, em relação à pessoa jurídica.
o Apelo foi reprovado no Juízo de admissibilidade.
Houve agravo de instrumento que provi, visando melhor exame.
O exame direto dos autos levoume, contudo, a negar seguimento ao recurso. Minha negativa assentouse na circunstância de que o Acórdão recorrido assentou-se em fundamentos de direito constitucional, não atacados por recurso extraordinário.
A Decisão em que paralisei o apelo foi desafiada por Agravo Interno.
Em homenagem às brilhantes razões do agravo, reconsiderei a negativa e, agora, trago o recurso especial ao exame da Turma.
Este, o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator):
R. Sup. Trib. Just .. Brasília. a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 87
Antes de penetrar o mérito, destaco uma questão preliminar.
Como registrei no relatório, o Acórdão recorrido deixou de reconhecer a eficácia retroativa do registro - tal como prevê o art. 39 da Lei 4.726/65 - sob o argumento de que o caso dos autos:
"deve ser centrado sob o princípio da moralidade administrativa, que aqui se destaca dos demais previstos no artigo 37 da Constituição Federal, e tendo-se em conta o elevado interesse público, aspectos que devem ser levados em consideração, nas circunstâncias ."
A Recorrente, em suas razões de agravo, sustenta a tese de que o art. 37 da CF "não foi invocado como razão autônoma de decidir", mas como - no dizer do próprio Aresto -um dos "aspectos que devem ser levados em consideração, nas circunstâncias."
Assim, "tudo não passou de mero argumento exegético, contraposto ao raciocínio armado pela recorrente, nas razões desenvolvidas com apoio no que dispõe a legislação que rege o registro do comércio."
Considerações como tais, não constituíram razões de decidir; funcionaram, em verdade, como aquilo a que ingleses e americanos denominam obiter dictum - vale dizer: opinião dispensável para a decisão de um caso.
Semelhantes referências a preceitos constitucionais, por não os envolverem diretamente com a lei
ordinária, passam ao largo do recurso extraordinário.
A ser correto este raciocínio, a referência genérica ao princípio da moralidade não constituiria questão constitucional, a ensejar recurso extraordinário.
Para melhor avaliar o argumento, acredito ser oportuno lembrar que o recurso extraordinário só é viável nas hipóteses em que o acórdão tenha (CF, art. 102, lII):
a) contrariado dispositivo constitucional;
b) declarado a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) declarado válido ato ou ato de governo local, cuj a constitucionalidade é posta em discussão.
A primeira e terceira hipóteses, evidentemente não ocorrem aqui.
Resta a segunda possibilidade, a ensejar uma pergunta:
teria o Acórdão declarado inconstitucional o dispositivo do art. 39 da Lei do Registro do Comércio?
A resposta deve ser negativa. Não se discutiu a constitucio-
nalidade do art. 39. O Aresto, simplesmente negou-lhe vigência - ou seja: recusou-se em aplicar o preceito nele contido.
Se assim ocorre, devo retratarme e dizer que o Acórdão recorrido não desafia recurso extraordinário, mas recurso especial.
Não ocorre o impedimento da Súmula 126.
88 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.
Conheço do recurso.
A primeira questão a ser enfrentada prende-se à suposta ofensa ao art. 1Q da Lei 1.533/51.
O desrespeito teria ocorrido, quando o Acórdão recorrido, malgrado reconhecesse que a Impetrante (ora Recorrida) concordara com a redução do capital mínimo, deferiu a Segurança, sob o argumento de que a alteração do edital lesara interesses de terceiros e da própria Administração.
Na hipótese, a Impetrante, ora Recorrida, carecia de direito líquido e certo à desconstituição da concorrência - tanto, que havia concordado com a alteração que afirma ilegal.
O V. Acórdão recorrido reconheceu esta situação de carência. No entanto deferiu a Segurança, ao fundamento de estar defendendo interesse do Estado.
Sabemos todos, que - ressalvadas as hipóteses de Mandado de Segurança coletivo - nosso ordenamento jurídico reserva a concessão do remédio heróico a quem haja sofrido lesão em direito seu. Não existe permissivo através do qual o impetrante, agindo individualmente, persiga Mandado de Segurança, em substituição processual de terceiros. Não se admite substituição processual.
Vem a propósito o registro feito pelo eminente Ministro Carlos Mário Velloso, quando integrava a Primeira Seção do STJ. Na assentada em que se julgou o MS 128, sua excelência observou, com felicidade:
"Não tenho dúvida que o mandado de segurança coletivo protege direito individual e, também, interesses, sejam os denominados interesses difusos, sejam os interesses coletivos, também chamados, por muitos, de direitos coletivos. O mandado de segurança individual, entretanto, visa a proteger, apenas, direito subjetivo, de que o direito líquido e certo é espécie." (RSTJ 10/206)
Em concedendo Segurança, para satisfazer supostos direitos de terceiros ou interesses do Estado, o V. Acórdão recorrido violou o art. 1 Q da Lei 1.533/51.
Resta enfrentar a negativa de efeito retroativo ao registro de comércio.
Neste passo, o Acórdão, declaradamente, desconsiderou o texto do art. 39 da Lei 4.726/65, a dizer que os efeitos do registro retroagem à data em que o documento foi produzido, desde que ele tenha sido apresentado à Junta Comercial, dentro de trinta dias contados das respectivas lavraturas.
Provejo o Recurso, para denegar a Segurança.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 89
RECURSO ESPECIAL Nº 109.574 - SP
(Registro nº 96.0062049-0)
Relator: O Sr. Ministro José Delgado
Recorrente: Fazenda Nacional
Recorridos: Antônio Teodoro Mendes e outro
Advogados: Drs. Elyadir Ferreira Borges e outros, e Drs. José Marabesi e outro
EMENTA: Constitucional. Tributário. Empréstimo compulsório sobre combustíveis. Inclusão dos IPC's de janeirol89, marçol90 e fevereirol91 através de remessa oficial. Não caracterização de reformatio in pejus.
1 - O índice a ser aplicado para fins de cálculo de correção monetária é o IPC, sendo tal índice correspondente a 42,72% para o mês de janeiro de 1989 (REsp nº 43.055, ReI. Min. Sálvio de Figueiredo).
2 - Não sendo a correção monetária um plus e sendo tão-somente a reposição do valor real da moeda corroída por tormentosa inflação, a inclusão dos IPC's referentes aos períodos supracitados por via de remessa oficial, afigura-se perfeitamente legal, sob pena de enriquecimento sem causa por parte da Fazenda, não caracterizando, destarte, tal procedimento, reformatio in pejus.
3 - Recurso provido parcialmente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso. Participaram do julgamento os Srs. Ministros José de Jesus Filho, Demócrito Reinaldo e Humberto Gomes de Barros.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Milton Luiz Pereira.
Brasília, 13 de fevereiro de 1997 (data do julgamento).
Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente. Ministro JOSÉ DELGADO, Relator.
Publicado no DJ de 31-03-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: A Fazenda Nacional interpõe o presente recurso especial (fls. 64/ 81), com fulcro no art. 105, inciso IIl, alíneas a e c, da Constituição
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Federal, contra acórdão (fl. 61) proferido pela 4'" Turma do TRF da 3'" Região, assim ementado:
"Tributário. Repetição de indébito. Empréstimo compulsório sobre o consumo de gasolina e álcool. Decreto-Lei n Q 2.288, de 23.07.86. Inconstitucionalidade (artigo 10). Ausência de notas fiscais: irrelevante em face da dispensa pelo legislador (artigo 16, § 1 Q). Devolução pela média. Propriedade comprovada. Procedência.
I -No RE nº 121.336-90/CE, em 11 de outubro de 1990, ReI. Min. Sepúlveda Pertence, o STF, por maioria, declarou inconstitucional o art. 10 do DL nº 2.288/86, por prever devolução de empréstimo compulsório em quotas de fundo e não em dinheiro.
II - Inexigível comprovação por notas fiscais, em face do critério adotado pelo próprio legislador, de devolução pela média - O Estado deve suportar a Lei que produziu.
III - Comprovada, direta ou indiretamente, a propriedade do veículo automotor, admite-se a restituição. Precedentes jurisprudenciais.
IV - Remessa oficial parcialmente provida."
Sustenta a recorrente contrariedade à lei federal bem como dissídio jurisprudencial, defendendo a ocorrência da prescrição referente a períodos anteriores ao ajuizamento da ação, e configurar-se reformatio in pejus a alteração havida quanto à
incidência da correção monetária determinada pela via da remessa oficial.
Consta dos autos a interposição de Recurso Extraordinário (fls. 82/ 88) por parte da ora recorrente.
Sem contra-razões, subiram os autos por força dos despachos (fls. 91193) do Exmo. Sr. Vice-Presidente do TRF da 3'" Região admitindo o processamento do especial e negando seguimento ao apelo extraordinário.
À fl. 96, há certidão noticiando a interposição de Agravo de Instrumento contra o despacho que inadmitiu o Recurso Extraordinário.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (Relator): Trata-se de ação de repetição de indébito ajuizada pelo ora recorrido contra a Fazenda N acionaI, com o escopo de obter a restituição de quantias pagas a título de empréstimo compulsório instituído pelo DL n Q 2.288/86, ao final julgada procedente pela sentença de 1º grau.
Insurge-se a recorrente contra entendimento esposado pelo aresto atacado que, no seu entender, deixou de reconhecer a prescrição do direito do ora recorrido de pleitear em juízo a devolução da quantia recolhida a título de compulsório sobre combustível. Aduz, ainda, a recorrente, que ocorreu reformatio in pejus, de vez que a sentença de
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1Q grau condenou a União a restituir os montantes recolhidos acrescidos de correção monetária somente; não computando aí os índices do IPC, não tendo o autor, ora recorrido, apresentado impugnação àquela sentença nem sequer embargos declaratórios, sendo, a seu ver, destarte, vedado ao Tribunal a quo, em sede de remessa oficial, determinar a incidência do IPC relativo aos meses de janeiro de 1989, março de 1990 e fevereiro de 1991 no cálculo da correção monetária.
O recurso merece parcial provimento.
Não procedem as alegações da recorrente, com relação à decadência do direito da ora recorrida em pleitear a restituição do empréstimo compulsório, posto que o tributo, no caso em tela, sujeita-se a lançamento por homologação que, inocorrendo, torna impossível falarse em extinção do crédito tributário. À falta de homologação, a decadência do direito de propor ação de repetição de indébito só ocorre após 05 (cinco) anos, contados a partir da ocorrência do fato gerador, acrescidos de mais 05 (cinco) anos, computados desde o termo final do prazo atribuído ao Fisco, para verificação do quantum devido a título de tributo. De outra banda, o prazo prescricional inicia-se a partir da data em que foi declarada inconstitucional a lei na qual fundou-se a citada exação.
N o sentido acima esposado confiram-se os seguintes precedentes:
"Processual Civil. Tributário. Empréstimo compulsório sobre aqui-
sLçao de combustíveis. DecretoLei n Q 2.288/86. Ação de repetição de indébito. Prova de recolhimento. Média de consumo. Prescrição. Inocorrência. Precedente.
- Em sede de repetição do empréstimo compulsório sobre aquisição de combustível, o cálculo dos valores tem por base a média do consumo nacional, fixada pela Secretaria da Receita Federal, nos termos do artigo 16, parágrafo 1 Q, do DL n Q 2.288/86, sendo suficiente para a demonstração do recolhimento do gravame a prova de propriedade do veículo.
- Consoante o entendimento fixado pela egrégia Primeira Seção, sendo o empréstimo compulsório sobre a aquisição de combustíveis sujeito a lançamento por homologação, à falta deste, o prazo decadencial só começará a fluir após o decurso de cinco anos da ocorrência do fato gerador, somados de mais cinco anos, contados estes da homologação tácita do lançamento. Por sua vez, o prazo prescricional tem como termo inicial a data da declaração de inconstitucionalidade da Lei em que se fundamentou o referido gravame.
- Se o acórdão fixou como termo inicial de prescrição da ação a data prevista para a devolução do gravame - hipótese mais benéfica para a recorrente do que a consagrada pela egrégia Primeira Seção - é descabido o deferimento da pretensão deduzida no recurso, seja de prescrição ou de decadência o lapso temporal em
92 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.
discussão, sob pena de reformatio in pejus.
- Recurso especial desprovido". (REsp n Q 69.233/RN, ReI. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 30/101 95).
"Tributário. Empréstimo compulsório sobre aquisição de veículos. Decreto-Lei n Q 2.288, de 2317186, art. 10. Repetição do indébito. Direito a restituição. Decadência. Prescrição. Contagem do prazo. Não caracterização.
I - O tributo, a que se denominou empréstimo compulsório, está sujeito a lançamento por homologação, não se podendo falar antes desta em crédito tributário e pagamento que o extingue. Não tendo ocorrido a homologação expressa, a extinção do direito de pleitear a restituição só ocorrerá após o transcurso do prazo de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador, acrescido de mais cinco anos, contados daquela data em que se deu a homologação tácita, isto é, em 1996, quanto aos fatos impositivos mais remotos.
II - Se se contar o prazo para a ação de restituição a partir da decisão plenária do Supremo, que declarou a inconstitucionalidade do art. 10 do Decreto-lei n Q 2.288, de 1986, o transcurso do prazo qüinqüenal ocorrerá muito após aquela data.
III - Recurso especial não conhecido". (REsp n Q 68.292-4/SC, ReI. Min. Pádua Ribeiro, DJ de 30/10/95).
"Tributário. Empréstimo compulsório. Decreto-Lei n Q 2.288, de 231 7186, art. 10. Repetição do indébito. Direito à restituição. Decadência. Prescrição. Contagem do prazo. Não caracterização.
I - O tributo, a que se denominou empréstimo compulsório, está sujeito a lançamento por homologação, não se podendo falar antes desta em crédito tributário e pagamento que o extingue. Não tendo ocorrido a homologação expressa, a extinção do direito de pleitear a restituição só ocorrerá após o transcurso do prazo de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador, acrescido de mais cinco anos, contados daquela data em que se deu a homologação tácita, isto é, em 1996, quanto aos fatos impositivos mais remotos.
II - Se se contar o prazo para a ação de restituição a partir da decisão plenária do Supremo, que declarou a inconstitucionalidade do art. 10 do Decreto-lei n Q 2.288, de 1986, o transcurso do prazo qüinqüenal ocorrerá muito após aquela data.
III - Recurso especial conhecido e provido". (REsp n Q 75.006/ PR, ReI. Min. Pádua Ribeiro, DJ de 11/12/95).
"Tributário - Empréstimo compulsório - Consumo de cOlnbllstível - Repetição de indébito -Decadência - Prescrição - Inocorrência.
- O Tributo arrecadado a título de empréstimo compulsório sobre o consumo de combustíveis é da-
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queles sujeitos a lançamento por homologação. Em não havendo tal homologação, faz-se impossível cogitar em extinção do crédito tributário.
- À falta de homologação, a decadência do direito de repetir o indébito tributário somente ocorre, decorridos cinco anos, desde a ocorrência do fato gerador, acrescidos de outros cinco anos, contados do termo final do prazo deferido ao Fisco, para apuração do tributo devido". (REsp n Q 42.720-5/ RS, ReI. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 17/04/95).
Com relação à utilização do IPC como fator de correção monetária, não merece ser acolhido o pleito formulado pela ora recorrente, posto que este Tribunal já consolidou a sua jurisprudência no sentido de que é este índice o que melhor reflete a realidade inflacionária do período constante dos autos.
Confiram-se:
"Tributário. Empréstimo compulsório. Restituição de indébito. Correção monetária. Índices aplicáveis. IPC. Alegação de reformatio in pejus.
1. Na tortuosa legislação de regência, conjugadas as suas disposições e consideradas as variações dos índices de correção monetária, a jurisprudência assentou o IPC para os meses dejaneiro e fevereiro de 1989, respectivamente, ditando 42,72% e 10,14% (REsp n Q 43.055-0-SP -ReI. Min. Sálvio de Figueiredo -Corte Especial).
2. Incontrovertido o direito substancial à restituição do valor indevidamente recolhido, a correção monetária constitui simples resgate da sua expressão real, sabidamente não constituindo acréscimo ou imposição punitiva. Sem constituir um plus ou sanção pecuniária, fomenta simples atualização do valor da moeda, para ajustar o formal ao substancial do débito, estancando a possibilidade do enriquecimento sem causa pelo devedor não espelha a reformatio in pejus.
3. Precedentes jurisprudenciais.
4. Aplicação do INPC a partir de fevereiro/91, vigente a Lei 8.177/ 91 (art. 4Q
).
5. Recurso parcialmente provido."
(REsp n Q 88.423-SP, ReI. Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 10.06.96).
"Correção monetária. Liquidação de sentença.
Consolidou-se a jurisprudência do STJ no sentido de que não há empeço legal à utilização do IPC, que melhor retratava a real oscilação inflacionária, para o efeito de atualização de débitos resultantes de condenação judicial. Dissídio jurisprudencial superado quanto ao ponto.
Por não se tratar de hipótese expressamente prevista na Lei n Q
8.177/91, a TR não se presta a atualizar débito resultante de condenação judicial.
Aplicação do INPC, a partir de fevereiro de 1991, segundo a jurisprudência do STJ.
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Não conhecido o recurso da ré. Conhecido e parcialmente provido o recurso dos autores." (REsp n Q 80.734-SP, ReI. Min. Costa Leite, DJ de 22.04.96).
Contudo, no que tange à aplicação do percentual de 70,28% como o relativo ao IPC dejaneiro de 1989 para fins de cálculo da correção monetária a incidir na liquidação de sentença, merece ser acolhido o inconformismo da recorrente, visto que quando do julgamento do REsp n Q 43.055, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, a Egrégia Corte Especial deste Colendo Tribunal, entendeu que o índice a ser aplicado para o mês de janeiro de 1989 é da ordem de 42,72%.
Ademais, não há se falar em reformatio in pejus em decorrên-
cia da remessa oficial, que determinou que se incluíssem os percentuais relativos aos IPC's de janeiro/89, março/90 e fevereiro/91, no cálculo da correção monetária, posto que esta (correção) nada mais é do que a reposição do valor real da moeda, corroída por tormentosa inflação, caso não acontecesse, implicaria em enriquecimento sem causa por parte da Fazenda Nacional.
Por tais fundamentos, conheço do recurso, dando-lhe, contudo, provimento parcial, a fim de reduzir o índice determinado pelo venerando acórdão recorrido como o correspondente ao mês de janeiro de 1989, aplicando-se, destarte, o percentual fixado pela Corte Especial deste Colendo Tribunal, a saber, 42,72%.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL NQ 116.035 - RS
(Registro n Q 96.0077910-4)
Relator: O Sr. Ministro José Delgado
Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS Recorridos: Indústria de Bolsas Europa Ltda. e outros
Advogados: Drs. Maria Edenea Pons e outros, e Rejane Beatriz de Oliveira Leite e outros
EMENTA: Tributário. Compensação. Crédito liquido e certo. Possibilidade. Correção monetária.
- A Primeira Turma do STJ, por maioria, em inúmeros precedentes tem assentado que a compensação prevista no art. 66, da Lei n. 8.383/91, só tem lugar quando, previamente, existe liquidez e certeza do crédito a ser utilizado pelo contribuinte.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 95
- Crédito líquido e certo, por sua vez, conforme exige o ordenamento jurídico vigente, é o que tem o seu quantum reconhecido pelo devedor. Esse reconhecimento pode ser feito de modo voluntário ou por via judicial.
- O autolançamento previsto no CTN é atividade vinculada. Só pode ser feito de acordo com as regras fixadas pela norma jurídica positiva.
- Não há lei autorizando, em se tratando de compensação, que o contribuinte efetue o autolançamento antes de apurar a liquidez e certeza do crédito.
- O sistema jurídico tributário trata, de modo igual, situações que impõem relações obrigacionais do mesmo nível. Se, por ocasião da extinção do tributo por meio de pagamento, o devedor é quem apresenta o seu débito como líquido e certo, a fim de ser verificado, posteriormente, pelo credor, o mesmo há de se exigir para a compensação, isto é, a parte devedora, no caso o Fisco, deve ser chamada para apurar a certeza e a liquidez do crédito que o contribuinte diz possuir. Tratar de modo diferenciado a compensação, no tocante à liquidez e certeza do débito, é criar, sem autorização legal, um privilégio para o contribuinte e uma discriminação para a Fazenda Pública.
- O art. 146, In, letra b, da CF, dispõe que somente Lei Complementar pode tratar de obrigação, lançamento e crédito tributários. O art. 170, do CTN, ao exigir liquidez e certeza para ser efetivada a compensação, é lei complementar. Ainda mais, quando diz que a compensação só pode ser feita nos termos da lei ordinária. Fixa, assim, pressuposto nuclear a ser cumprido pelas partes, não dispensável pela lei ordinária, que é a existência de crédito líquido e certo. A seguir, exige que a lei ordinária autorize a compensação e fixe garantias e o modo da mesma se proceder. O art. 66 da Lei n. 8.383/91, em conseqüência, é derivado do art. 170, do CTN. Não criou um novo tipo de compensação. Se o fizesse, não seria acolhido pelo sistema jurídico tributário, por violar norma hierarquicamente superior.
- Aplicação, também, pelo efeito da ocorrência de fato superveniente, art. 462, CPC, da Lei n. 9.430, de 27.12.96, arts. 73 e 74, que exige, para fins de compensação, o reconhecimento pela Secretaria da Receita Federal do reconhecimento do valor do crédito apresentado para tal fim.
- A 12 Seção, contudo, ao apreciar embargos de divergência sobre o tema, por voto de desempate, prestigiou voto do eminente Ministro Ari Pargendler sustentado nos fundamentos seguintes:
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a) - "No nosso ordenamento jurídico, as decisões judiciais são proferidas à base da lei, mas na técnica de aplicação desta está sempre embutido o propósito de uma solução justa; as regras de hermenêutica têm sempre esse sentido, orientando o intérprete, pelo menos, a resultados razoáveis." b) - "O pano de fundo deste julgamento, portanto, é esse: ou as empresas que recolheram indevidamente a Contribuição para o Finsocial têm o direito de compensar os respectivos valores com aqueles devidos a título de Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social- Cofins, ou devem se sujeitar ao regime do precatório." c) - "A Lei n. 5.172, de 1966, que instituiu o Código Tributário Nacional, previu a compensação como hipótese de extinção do crédito tributário (art. 156, 1), cometendo, todavia, à lei dispor a respeito das respectivas condições (art. 170)." d) - "No âmbito federal, essa regulamentação só veio a ocorrer vinte cinco anos depois, pelo artigo 66, da Lei n. 8.383, de 1991, na redação dada pela Lei n. 9.069, de 1995 .... "
e) - "Com a Instrução Normativa n. 67, do Diretor do Departamento da Receita Federal, impondo diversas limitações para a efetivação da compensação, ficou inviabilizada, na via administrativa, a consecução de tal procedimento extintivo do crédito tributário, especialmente o referente aos valores indevidamente recolhidos como Contribuição para o Finsocial com os valores devidos à guia de Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins;" f) - "O instituto da compensação é originário do direito privado, cuja definição, conteúdo e alcance, nos termos do artigo 109 do Código Tributário Nacional, devem ser respeitados pela lei tributária." g) - "Não se compreenderia, nessa linha, que, impondo tal exigência às demais leis, o Código Tributário Nacional fosse adotar, no seu próprio texto, outro conceito para a compensação em matéria tributária. Por isso, ou a compensação prevista no artigo 66 da Lei n. 8.383, de 1991, tem a mesma natureza da compensação prevista nos artigos 156, I e 170 do Código Tributário Nacional, ou aquela não pode subsistir em razão da contrariedade a este diploma legal, que tem força de lei complementar."
h) - "O que parece dar à compensação em matéria tributária um perfil diferente é resultado do contexto da discussão, a qual se trava em torno de valores que devem ser creditados no âmbito de um lançamento por homologação. Nesse regime, o contribuinte identifica o fato gerador da obrigação tributária, calcula o mon-
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tante do tributo devido e antecipa o respectivo pagamento (CTN, art. 150), nesse sentido de que recolhe o tributo antes da constituição do crédito pela autoridade administrativa. Como, se ele tem créditos contra a Fazenda Pública? Nesse caso, ao invés de recolher o tributo, o contribuinte registra o crédito na escrita, anulando o débito correspondente. Numa hipótese como na outra - vale dizer, a da antecipação do pagamento, bem assim a do registro do crédito - o procedimento tem caráter precário, valendo até a respectiva revisão, para cujo efeito a Fazenda PÚblica tem o prazo de 5 (cinco) anos (CTN, art. 150, * 42). O pagamento ou a compensação, propriamente, enquanto hipóteses de extinção do crédito tributário, só serão reconhecidos por meio da homologação formal do procedimento ou depois de decorrido o prazo legal para a constituição do crédito tributário, ou de diferenças deste (CTN, art. 156, incisos VII e II, respectivamente)." i) "O procedimento do lançamento por homologação é de natureza administrativa, não podendo o juiz fazer as vezes desta. Nessa hipótese, está-se diante de uma compensação por homologação da autoridade fazendária. Ao invés de antecipar o pagamento do tributo, o contribuinte registra na escrita fiscal o crédito oponível à Fazenda Pública, recolhendo apenas o saldo eventualmente devido. A homologação subseqüente, se for o caso, corresponde à constituição do crédito tributário que, nessa modalidade de lançamento fiscal, se extingue concomitantemente pelo efeito de pagamento que isso implica." j) "A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social -Cofins foi criada em substituição à Contribuição para o Finsocial, com as mesmas características desta. Ambas são da mesma espécie tributária nos termos do artigo 66 da Lei n. 8.383, de 1991. Agora, essa conclusão não vale para a Contribuição Social sobre o Lucro (outro fato gerador), para as Contribuições Previdenciárias (fato gerador diverso), para a Contribuição para o PIS (destinação diferente) e, muito menos, para os impostos." k) "A compensação, nos tributos lançados por homologação, independe de pedido à Receita Federal. A lei não pode prever esse procedimento, que de resto sujeitaria o contribuinte aos recolhimentos dos tributos devidos enquanto a Administração não se manifestasse a respeito. A correção monetária do indébito se dá a partir do recolhimento indevido. A limitação da atualização do crédito frustraria as finalidades da compensação." - Homenagem ao entendimento da 1 ª Seção, haja vista a vinculação à função uniformizadora do Superior Tribunal de Justiça, com ressalva de ponto de vista pessoal em sentido contrário. - Recurso especial improvido.
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso, com as ressalvas dos Srs. Ministros Demócrito Reinaldo e Milton Luiz Pereira. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Demócrito Reinaldo, Humberto Gomes de Barros e Milton Luiz PereIra.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro José de Jesus Filho.
Brasília, 24 de abril de 1997 (data do julgamento).
Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente. Ministro JOSÉ DELGADO, Relator.
Publicado no DJ de 30-06-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: O Instituto Nacional do Seguro Social- INSS interpõe o presente recurso especial (fls. 1331155) com fulcro no art. 105, inciso UI, alíneas a e c, da Constituição Federal, contra acórdão (fl. 131) proferido pela li! Turma do Tribunal Regional Federal da 4i! Região, assim ementa do (fl. 131):
"Tributário. Compensação de tributos. Pedido.
A compensação de tributos pressupõe a existência de crédito reconhecido pela Administração ou
por via judicial. Nesta hipótese, pode-se pleiteá-la desde logo ou pedir a repetição de indébito, utilizando a sentença como título comprobatório do crédito.
Lei n Q 8.383 /91. Requisitos. Contribuição previdenciária. Administradores e autônomos. Leis n Q
7.787/89, art. 3f1, I, e n Q 8.212/ 91, art. 22, I.
Os valores recolhidos na forma das Leis n Q 7.787/89 e n Q 8.212/ 91, a título de contribuição previdenciária incidente sobre a remuneração dos administradores e autônomos são indevidos, e o que foi pago a tal título, depois de corrigido monetariamente desde o recolhimento, pode ser compensado com os valores devidos a título de contribuição sobre a folha de salários, a cargo do empregador."
Inicialmente, sustenta o recorrente negativa de vigência dos artigos 267, Ve VI e 462, todos do CPC, artigo 2Q
, § 1Q, da LICC.
No que tange à compensação de contribuições previdenciárias, preliminarmente argúi a ocorrência da prescrição qüinqüenal, alegando ofensa ao artigo 88, da Lei n Q 8.212/ 91, bem como ao artigo 168, I, do CTN.
Quanto ao mérito, afirma que foram ofendidos vários dispositivos legais, mais precisamente os artigos 170, do CTN e 66, § 1 Q, da Lei n Q
8.383/91, pois afirma que os tributos tidos como compensáveis não têm a mesma natureza jurídica,
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além de suscitar dissídio com o teor da Súmula 546 do STF.
A parte recorrida, em contra-razões (fls. 162/167), alega não merecer prosperar a irresignação do recorrente, devendo o venerando acórdão recorrido ser mantido por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Consta dos autos a interposição de Recurso Extraordinário (fls. 156/ 160) por parte do ora recorrente, devidamente contra-arrazoado (fls. 168/172).
Admitido o processamento do especial somente pela alínea a do permissivo constitucional e negado seguimento ao extraordinário por despachos (fls. 174/176) do Exmo. Sr. Juiz Fábio Bittencourt da Rosa, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (Relator): No exame da matéria, tenho me pronunciado conforme voto que proferi nos Embargos de Divergência no REsp n Q 90.519/ AL (96/0061084-3).
Em tal decisão, resumi o meu convencimento na ementa seguinte:
"Tributário. Compensação. Crédito líquido e certo. Possibilidade. Correção monetária.
-A Primeira Turma do STJ, por maioria, em inúmeros precedentes tem assentado que a compen-
sação prevista no art. 66, da Lei n. 8.383/91, só tem lugar quando, previamente, existe liquidez e certeza do crédito a ser utilizado pelo contribuinte.
- Crédito líquido e certo, por sua vez, conforme exige o ordenamento jurídico vigente, é o que tem o seu quantum reconhecido pelo devedor. Esse reconhecimento pode ser feito de modo voluntário ou por via judicial.
- O autolançamento previsto no CTN é atividade vinculada. Só pode ser feito de acordo com as regras fixadas pela norma jurídica positiva.
- Não há lei autorizando, em se tratando de compensação, que o contribuinte efetue o autolançamento antes de apurar a liquidez e certeza do crédito.
- O sistema jurídico tributário trata, de modo igual, situações que impõem relações obrigacionais do mesmo nível. Se, por ocasião da extinção do tributo por meio de pagamento, o devedor é quem apresenta o seu débito como líquido e certo, a fim de ser verificado, posteriormente, pelo credor, o mesmo há de se exigir para a compensação, isto é, a parte devedora, no caso o Fisco, deve ser chamada para apurar a certeza e a liquidez do crédito que o contribuinte diz possuir. Tratar de modo diferenciado a compensação, no tocante à liquidez e certeza do débito, é criar, sem autorização legaL um privilégio para o contribuinte e uma discriminação para a Fazenda Pública.
100 R. Sup. Trib. Just., Brasília. a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.
- o art. 146, In, letra b, da CF, dispõe que somente Lei Complementar pode tratar de obrigação, lançamento e crédito tributários. O art. 170, do CTN, ao exigir liquidez e certeza para ser efetivada a compensação, é lei complementar. Ainda mais, quando diz que a compensação só pode ser feita nos termos da lei ordinária. Fixa, assim, pressuposto nuclear a ser cumprido pelas partes, não dispensável pela lei ordinária, que é a existência de crédito líquido e certo. A seguir, exige que a lei ordinária autorize a compensação e fixe garantias e o modo da mesma se proceder. O art. 66 da Lei n. 8.383/91, em conseqüência, é derivado do art. 170, do CTN. Não criou um novo tipo de compensação. Se o fizesse, não seria acolhido pelo sistema jurídico tributário, por violar norma hierarquicamente superior.
- Aplicação, também, pelo efeito da ocorrência de fato superveniente, art. 462, CPC, da Lei n. 9.430, de 27.12.96, arts. 73 e 74, que exige, para fins de compensação, o reconhecimento pela Secretaria da Receita Federal do reconhecimento do valor do crédito apresentado para tal fim.
- Embargos de Divergência da Fazenda Nacional acolhidos. O crédito apresentado não é líquido e nem é certo. Não houve reconhecimento dessa característica do crédito nem pela administração, nem por sentença judicial."
No corpo do voto, assim me pronunciei:
"No trato da divergência espelhada nos autos, a 1 ª Seção, por maioria de votos, nos Embargos de Divergência 88.465, entre outros, entendeu dever prevalecer a tese assumida pelo acórdão embargado.
Na ocasião, fui vencido com o voto que abaixo registro:
"O eminente Ministro Ari Pargendler, ao proferir voto na demanda em exame, concluiu no sentido de acolher os embargos de divergência para declarar que os valores excedentes da alíquota de 0,5%, recolhidos como Contribuição para o Finsocial, são compensáveis com os valores devidos a título de Contribuição para o Financiamento da Seguri-dade Social - Cofins, assegurados, evidentemente, à Administração Pública a fü,calização e controle do procedimento efetivo de compensação.
Do corpo do voto acima destacado, extraem-se as afirmações seguintes e que as considero nucleares para o debate sobre o tema:
"a) - "No nosso ordenamento jurídico, as decisões judiciais são proferidas à base da lei, mas na técnica de aplicação desta está sempre embutido o propósito de uma solução justa; as regras de hermenêutica têm sempre esse sentido, orientando o intérprete, pelo menos, a resultados razoáveis."
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 101
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b) - "O pano de fundo deste julgamento, portanto, é esse: ou as empresas que recolheram indevidamente a Contribuição para o Finsocial têm o direito de compensar os respectivos valores com aqueles devidos a título de Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins, ou devem se sujeitar ao regime do precatório."
c) - "A Lei n. 5.172, de 1966, que instituiu o Código Tributário Nacional, previu a compensação como hipótese de extinção do crédito tributário (art. 156, 1), cometendo, todavia, à lei dispor a respeito das res-pectivas condições (art. 170)."
d) - "No âmbito federal, essa regulamentação só veio a ocorrer vinte cinco anos depois, pelo artigo 66, da Lei n. 8.383, de 1991, na redação dada pela Lei n. 9.069, de 1995 .... "
e) - com a Instrução N ormativa n. 67, do Diretor do Departamento da Receita Federal, impondo diversas limitações para a efetivação da compensação, ficou inviabilizada, na via administrativa, a consecução de tal procedimento extintivo do crédito tributário, especialmente o referente aos valores indevidamente re-colhidos como Contribuição para o Finsocial com os va-
lores devidos à guia de Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins;
f) - "O instituto da compensação é originário do direito privado, cuja definição, conteúdo e alcance, nos termos do artigo 109 do Código Tributário Nacional, devem ser respeitados pela lei tributária."
g) - "Não se compreenderia, nessa linha, que, impondo tal exigência às demais leis, o Código Tributário Nacional fosse adotar, no seu próprio texto, outro conceito para a compensação em matéria tributária. Por isso ou a compensação prevista no artigo 66 da Lei n. 8.383, de 1991, tem a mesma natureza da compensação prevista nos artigos 156, I e 170 do Código Tributário Nacional, ou aquela não pode subsistir em razão da contrariedade a este diploma legal, que tem força de lei complementar."
h) - "O que parece dar à compensação em matéria tributária um perfil diferente é resultado do contexto da discussão, a qual se trava em torno de valores que devem ser creditados no âmbito de um lançamento por homologação. Nesse regime, o contribuinte identifica o fato gerador da obrigação tributária, calcula o
R. Sup. Trib. Just., Brasília. a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.
montante do tributo devido e antecipa o respectivo pagamento (CTN, art. 150), nesse sentido de que recolhe o tributo antes da constituição do crédito pela autoridade administrativa. Como, se ele tem créditos contra a Fazenda Pública? Nesse caso, ao invés de recolher o tributo, o contribuinte registra o crédito na escrita, anulando o débito correspondente. Numa hipótese como na outra - vale dizer, a da antecipação do pagamento, bem assim a do registro do crédito - o procedimento tem caráter precário, valendo até a respectiva revisão, para cujo efeito a Fazenda Pública tem o prazo de 5 (cinco) anos (CTN, art. 150, § 4Q
). O pagamento ou a compensação, propriamente, enquanto hipóteses de extinção do crédito tributário, só serão reconhecidos por meio da homologação formal do procedimento ou depois de decorrido o prazo legal para a constituição do crédito tributário, ou de diferenças deste (CTN, art. 156, incisos VII e lI, respectivamente)."
i) "O procedimento do lançamento por homologação é de natureza administrativa, não podendo o juiz fazer as vezes desta. Nessa hipótese, está-se diante de uma compensação por homologação da autoridade
fazendária. Ao invés de antecipar o pagamento do tributo, o contribuinte registra na escrita fiscal o crédito oponível à Fazenda Pública, recolhendo apenas o saldo eventualmente devido. A homologação subseqüente, se for o caso, corresponde à constituição do crédito tributário que, nessa modalidade de lançamento fiscal, se extingue concomitantemente pelo efeito de pagamento que isso implica."
j) "A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins foi criada em substituição à Contribuição para o Finsocial, com as mesmas características desta. Ambas são da mesma espécie tributária nos termos do artigo 66 da Lei n. 8.383, de 1991. Agora, essa conclusão não vale para a Contribuição Social sobre o Lucro (outro fato gerador), para as Contribuições Previdenciárias (fato gerador diverso), para a Contribuição para o PIS (destinação diferente) e, muito menos, para os impostos."
k) "A compensação, nos tributos lançados por homologação, independe de pedido à Receita Federal. A lei não pode prever esse procedimento, que de resto sujeitaria o contribuinte aos recolhimentos dos tributos
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 103
devidos enquanto a Administração não se manifestasse a respeito. A correção monetária do indébito se dá a partir do recolhimento indevido. A limitação da atualização do crédito frustraria as finalidades da compensação."
Por fim, o voto do eminente Relator, nos presentes embargos, concluiu que:
"Voto, por isso, no sentido de acolher os embargos de divergência para declarar que os valores excedentes da alíquota de 0,5%, recolhidos como Contribuição para o Finsocial, são compensáveis com os valores devidos a título de Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins; assegurados, evidentemente, à Administração Pública a fiscalização e controle do procedimento efetivo da compensação, e invertidos os ônus da sucumbência."
Com vista dos autos, apresento as minhas reflexões e voto sobre o assunto central da lide. Escuso-me pelo alongamento das minhas razões, as quais se tornam necessárias, unicamente, para a consolidação do meu posicionamento, nunca para tentar convencer os eminentes pares, possuidores de maior carga cultural jurídica e de maior facilidade de entendimento.
As questões debatidas, na atualidade, sobre o tema em discussão, como é consabido, decorrem da interpretação discrepante que está sendo dada, tanto pela doutrina, como pelajurisprudência, ao art. 66 e seus parágrafos da Lei n. 8.383, de teor seguinte:
"Art. 66. Nos casos de pagamento indevido, ou a maior de tributos e contribuições federais, inclusive previdenciárias, mesmo resultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento de importância a períodos subseqüentes.
§ 1 Q A compensação só poderá ser efetuada entre tributos e contribuições da mesma espécie.
§ 2Q É facultado ao contribuinte optar pelo pedido de restituição.
§ 3Q A compensação ou restituição será efetuada pelo valor do imposto ou contribuição corrigido monetariamente com base na variação da UFIR.
§ 4Q O Departamento da Receita Federal e o Instituto N acionaI do Seguro Social -INSS expedirão as instruções necessárias ao cumprimento do disposto neste artigo."
A doutrina tem firmado, a respeito do dispositivo legal supramencionado, posições não convergentes.
104 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.
Uma corrente está a ditar que o art. 66, da Lei n. 8.383, "teria se limitado a generalizar uma prática de há muito adotada no âmbito da administração tributária, ao admitir o abatimento de um crédito financeiro decorrente de indébito fiscal contra futuros recolhimentos de tributos da mesma espécie, a título de ressarcimento desse indébito, anteriormente restrito à hipótese da restituição. Esse abatimento decorre muito mais de uma aproximação do indébito com a figura do pagamento antecipado, ainda que indevido, do que do recurso a um instituto jurídico de contornos nitidamente delimitados, tal a compensação."
Os adeptos desse entendimento, de que o art. 66 trata de uma forma de abatimento do tributo, do que da compensação tributária propriamente dita, justificam o entendimento que firmaram, do modo seguinte:
"O abatimento previsto no art. 66 da Lei n. 8.383/91, ainda que indevidamente chamado pelo legislador de compensação, presume tributo futuro, cujo lançamento sequer foi feito e cujo fato gerador pode até ainda não ter acontecido. A compensação prevista no art. 170 do CTN, ao revés, há de ser perpetrada contra crédito tributário, assim entendido aquele que já tenha sido objeto do lançamento tributário." (André Martins de Andrade, in "O Instituto da Compensação
e o Crédito Financeiro do Ressarcimento do Indébito Fiscal", in "Problemas do Processo Judicial Tributário", pág. 24, Ed. Dialética, S. Paulo, 1996).
Uma segunda corrente doutrinária afirma que a compensação do art. 66, da Lei n. 8.383/91, não tem qualquer semelhança com a tratada pelo art. 170, do CTN.
As razões dos que assim entendem são:
"1 Q. O art. 170 do CTN refere-se a compensação como forma de extinção do crédito tributário, sendo portanto atinente a objeto de lançamento tributário já consumado e que, por isto mesmo, dotado é de liqui dez e certeza. De outra parte, o crédito do contribuinte, que há de ser líquido e certo, contra a Fazenda, pode ter natureza tributária ou não tributária.
2Q• O art. 66 da Lei n. 8.383/
91 autoriza a compensação, não de crédito tributário, mas dos valores de tributos futuros, ainda não lançados e por isto mesmo sem as qualidades de liquidez e certeza. De outra parte, o crédito do contribuinte, a ser utilizado na compensação, é apenas o resultante de pagamento indevido de tributo, pagamento que no caso do Finsocial deu-se, ordinariamente, por iniciativa do contribuinte, sem qualquer participação do fisco (Hugo Machado, in 'Proteção Judicial ao
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Direito de Compensação Tributária', artigo em "Problemas do Processo Judicial Tributário", Dialética, pág. 127)".
A terceira corrente tem defendido que a compensação do art. 66, da Lei n. 8.383/91 está vinculada ao art. 170, do CTN, este com natureza de Lei Complementar, e que ela só pode ocorrer com a constituição da liquidez e certeza do crédito alegado pelo contribuinte e que pretende compensar. Apurada essa condição do crédito, quer por via administrativa, quer por via judicial, o contribuinte pode efetuar a compensação de tributo indevidamente pago, via lançamento por homologação, desde que os tributos sejam da mesma espécie, isto é, imposto com imposto, taxa com taxa, contribuição com contribuição.
Feito esse levantamento doutrinário, exteriorizo o meu convencimento atual sobre a maténa.
Inicialmente, encontro, nos limites do meu conhecimento, imensas dificuldades para visualizar dois tipos de compensação no sistema tributário atual, isto é, uma regulada pelo art. 170, do CTN, outra pelo art. 66 da Lei n. 8.383/ 9l.
Sou daqueles vinculados ao hábito de procurar entender o direito legislado em forma de sistema, especialmente, quando os princípios que o regem impelem o intérprete a esse estado.
A Constituição Federal atual, ao fixar os princípios informadores, cogentes e reguladores do sistema tributário nacional, estabeleceu, no art. 146, que "Cabe à lei complementar: ..... III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: ..... b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributária; ..... "
Evidencia-se, desde logo, que qualquer regência legislativa sobre lançamento e crédito tributário há de ser inspirada em Lei Complementar, sob pena de não ter qualquer existência, validade, eficácia e efetividade.
Fiel a essa disposição constitucional, a esse princípio imperativo imposto pelo sistema tributário estabelecido pela Carta Magna, considerou-se recepcionado pela nova ordem jurídica constituída pela Carta de 1988, o art. 156, lI, CTN, e os dele conseqüentes, dispondo que a compensação é uma modalidade de extinção do crédito tributário. Por sua vez, o parágrafo único do mesmo artigo, isto é, do art. 156, estipula que a lei disporá quanto aos efeitos da extinção total ou parcial do crédito sobre a ulterior verificação da irregularidade da sua constituição, observado o disposto nos artigos 144 e 149. Este cuida da revisão do lançamento efetivado e aquele da lei reguladora do lançamento.
A seguir, com a mesma força de lei complementar, o sistema aceitou o art. 170, do CTN, regu-
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lando, de modo específico, como se opera, de modo geral, a compensação do crédito tributário, dispondo a respeito:
"Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública.
Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento."
ALei Complementar, como visto, determinou que só pode haver em nosso sistema tributário um único modo de compensar o crédito tributário. Este é o que ela estipulou e que só pode ocorrer se:
a) existir lei, no caso a ordinária, autorizando;
b) essa lei determinar as garantias ou poder atribuir à autoridade administrativa tributária que as estipule;
c) houver crédito ou créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública.
Como visto, há uma ordem de princípios gerais ditados pela Lei Complementar para que a compensação seja forma de extinção do crédito tributário, destacandose, especialmente, a exigência de só haver compensação com crédito líquido e certo.
Verifique-se que não há suporte jurídico para a afirmação de que a compensação tributária desenvolve-se dentro da mesma moldura criada para o pagamento do débito tributário. Verdade é que ambos constituem forma de extinção do crédito tributário. O pagamento, contudo, não está vinculado a que exista lei especificando a forma de sua realização, nem muito menos exigindo liquidez e certeza do crédito a ser extinto. Basta a conferência dos arts. 157 a 164 para não se ter dúvida quanto a essa afirmação.
Deve, também, ser chamado para debate o art. 141, do CTN, que determina: "O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensados, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias."
Observe-se que, mais uma vez, o Código Tributário Nacional estabelece que a extinção do crédito tributário só pode ocorrer de conformidade como a lei estabelecer. Em se tratando de compensação, a lei exige que a extinção
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só se caracteriza se o crédito for líquido e certo. Tendo-se o império da lei, de modo claro, diferentemente não se pode interpretar.
Por outro ângulo, há, também, com a mesma hierarquia dentro do sistema tributário, isto é, atuando como norma complementar, o art. 147, do CTN, ditando sobre o lançamento efetuado pelo sujeito passivo e afirmando que tal modalidade de constituir o crédito tributário é efetuada "com base na declaração do sujeito passivo ou de terceiro, quando um ou outro, na forma da legislação tributária, presta informações à autoridade administrativa sobre matéria de fato, indispensáveis à sua efetivação."
Vê-se, pois, que o lançamento a ser feito pelo sujeito passivo está vinculado à forma disposta pela legislação tributária (expressão esta que, conforme o art. 96, do CTN, compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes).
Tratando-se de efetivação de lançamento feito pelo sujeito passivo, para fins de compensação, o mesmo só pode ser feito se o crédito a ser compensado for líquido e certo, porque assim o diz, com força de Lei Complementar, o art. 170, do CTN.
O art. 66, da Lei n. 8.383/91, conseqüentemente, ingressou em nosso sistema jurídico tributário,
porque o art. 170, do CTN, autoriza a sua existência, validade, eficácia e efetividade. Ele, por sua vez, não estatuiu, pois não podia fazê-lo, procedimentos referentes ao fenômeno da compensação como extinção do crédito tributário diferentemente dos princípios cogentes fixados pelo art. 170, do CTN, pela supremacia hierárquica por este exercida sobre o referido dispositivo de legislação ordinária.
Em conclusão: só pode haver compensação de crédito tributário se for apurada, previamente, a sua liquidez e certeza.
Desnecessário desenvolver qualquer comentário sobre o conceito, em nosso ordenamento jurídico, a respeito do que seja crédito tributário líquido e certo, por ser amplamente conhecido.
Apenas para ordenar o desenvolvimento do pensamento exposto, é que o faço.
Dívida líquida é a que apresenta quantia determinada, isto é, não determinável, ou apurável por simples cálculo aritmético com base em valores expressos no título que a contém. Primeiramente, há de haver um título que albergue a dívida. A seguir, ela tem de se apresentar com a característica da definição supra, expressando, de modo indubitável, o seu montante, este, obrigatoriamente, reconhecido pelo credor ou estabilizado por uma decisão judicial.
O conceito de liquidez de obrigação em nosso sistema jurídico
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é de natureza legal. Não foi firmado por disposições doutrinárias e jurisprudenciais. Ele está disposto no art. 1.533, do Código Civil, assim:
"Art. 1.533. Considera-se líquida a obrigação certa, quanto à sua existência, e determinada quanto ao seu objeto."
Por força da lei, só se tem dívida líquida e certa quando o título recebe a ciência do devedor do que deve e a fixação e certeza do total que lhe está sendo exigido.
Essa ciência da dívida pode estar presente de forma voluntária, quando reconhecida pelo próprio devedor, ou por determinação judicial quando litígio a respeito se instaurar.
Tem a doutrina afirmado, no trato do assunto:
"Em razão disso, uma dívida é líquida, quando se está certo ou ciente do que se deve e quando se sabe o quanto é esse débito, que, assim, se mostra exato e definitivo, presente e inalterável. E, dessas duas circunstâncias resultam a equivalência da liquidez e a idéia de certeza." (Plácido e Silva, in Voc. Jur., pág. 555, voI. II).
Esses conceitos, aqui repetidos de forma desnecessária, conforme já afirmado, não são despl=ezados pelo Direito Tributário. Pe-
lo contrário. Ele os acolhe em sua integridade, sem qualquer alteração, conforme dispõe o art. 110, do CTN:
"Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competência tributária."
Postas tais considerações, unicamente para que não me perca na seqüência das idéias que construí a respeito do tema, nunca com o sentido de expor o que de muito é sabido pelos eminentes pares desta Seção, volto-me, agora, de modo específico, ao art. 66, da Lei n. 8.383/91, destacando, mais uma vez, primeiramente o seu inteiro teor:
"Art. 66 - Nos casos de pagamento indevido, ou a maior de tributos e contribuições federais, inclusive previdenciárias, mesmo quando resultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento de importância correspondente a períodos subseqüentes.
§ 1 Q. A compensação só poderá ser efetuada entre tributos e contribuições da mesma espécie.
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§ 29 . É facultado ao contribuinte optar pelo pedido de restituição.
§ 39 • A compensação ou restituição será efetuada pelo valor do imposto ou contribuição corrigido monetariamente com base na variação da UFIR.
§ 49 • O Departamento da Receita Federal e o Instituto N acionaI do Seguro Social -INSS expedirão as instruções necessárias ao cumprimento do disposto neste artigo."
Ora, é induvidoso, ao meu pensar, o fato de que o art. 66, da Lei n. 8.383/91, cuida da compensação autorizada pelo art. 170, do CTN. De outra não poderia se referir, porque a legislação ordinária, por si só, de modo autônomo, não pode cuidar da extinção do crédito tributário, matéria reservada, exclusivamente, à Lei Complementar, como já mencionado, por querer da Carta Magna.
A prevalecer, o que não tem a minha concordância, a corrente que configura o disposto no art. 66, da Lei n. 8.383/91 como uma forma de compensação desvinculada do art. 170, do CTN, temse, obrigatoriamente, em homenagem ao art. 146, II, b, da CF, de se declarar a inconstitucionalidade do referido dispositivo, via controle difuso, para que o mesmo deixe de existir, sem produção de qualquer validade, eficácia e efetividade.
Convencido estou de que o art. 66, da Lei n. 8.383/91, tem sua subordinação direta ao art. 170, do CTN, vinculado, portanto, aos princípios por este estabelecidos. Entre tantos, como já exposto, só pode haver compensação se o crédito do contribuinte for líquido e certo, isto é, determinado em sua quantia e reconhecido pela Fazenda Pública como sendo a devedora. Esse reconhecimento, repito, pode ser feito por via administrativa ou judicial. Só após esse estado de liquidez e certeza é que o contribuinte pode fazer o lançamento, efetuando a operação de compensação, sujeita a homologação pelo Fisco. A este caberá, tão-somente, verificar se a quantia determinadora da liquidez e certeza do título foi corretamente lançada, corrigida de modo legal, e se a operação do encontro de contas efetuou-se regularmente. Nenhuma discussão mais poderá existir quanto à liquidez e certeza do crédito. Caberá, também, ao Fisco investigar se a compensação se deu entre tributos da mesma espécie.
Diante do exposto, o contribuinte não pode, como tem defendido determinada corrente doutrinária e jurisprudencial, com a apresentação da minha mais alongada vênia, de forma unilateral, apurar a liquidez e certeza do crédito, ]lor a lei a tanto não lhe permitir. E de ser lembrado que esse crédito surge de uma obrigação tributária que nasce da lei e que exige a presença do sujeito passivo para a sua constituição.
110 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.
N o tocante aos aspectos apontados nos presentes embargos de divergência, anote-se que a egrégia Segunda Turma não nega a possibilidade da compensação. Pelo contrário. Ela a prestigia, porém, em modos de absoluta segurança, tanto para o contribuinte como para o Fisco, vinculando-se ao sistema instituído pelo ordenamento jurídico tributário para a sua realização.
No particular, observo que o voto do eminente relator, Min. Ari Pargendler, coincide, em muitos aspectos, com a posição da 2ª Turma. Diz Sua Excelência, em trecho do mesmo:
"Reconhecido que o recolhimento indevido tem qualificação como crédito compensável, segue-se a etapa da compensação: a do encontro de créditos e débitos, aqueles e estes necessariamente certos e líquidos - operação que demanda provas e contas."
Certa a afirmação. A liquidez e certeza só podem ser apuradas mediante operação que demanda provas e contas. Prova de que o credor reconheceu o débito e a liquidez, ou que aceitou o débito e a liquidez, embora esta necessite, apenas, de uma operação aritmética para ser determinada. Exemplo: o devedor reconhece o principal, correção monetária pelo IPC e juros. Por via de simples operação aritmética, apurase a correção monetária e 9S juros.
A primeira discordância entre o posicionamento da 2ª Turma e o da 1 ª Turma começa a existir, quando essa aceita que o contribuinte, sem possuir qualquer título líquido e certo constituído, isto é, reconhecido pelo devedor da quantia a ser compensada, registre, em sua escrita fiscal e contábil, a compensação e esta produza efeitos de extinção do pagamento do crédito, embora sujeita a fiscalização posterior.
A 2ª Turma entende, de modo unânime, que, sem a apuração dessa liquidez e certeza do título, como exige o art. 170, do CTN, é impossível se fazer a compensação, mesmo que os créditos sejam compensáveis.
Na seqüência dos aspectos divergentes entre as Turmas, a 2ª Turma fixou, ainda, o entendimento de que o autolançamento é atividade vinculada à lei. Por essa razão, o contribuinte há de efetuá-lo como a norma positiva expressamente determina que o faça. Não há lei permitindo a compensação sem apuração prévia da liquidez e certeza do débito. Não pode, portanto, ser feito autolançamento para tal fim sem a prova desse requisito. Impõese, portanto, que se apure, via administrativa ou judicial, a liquidez e certeza do crédito a ser compensado, o que há de ser feito em atividade da qual o devedor, de modo explícito, participe. Feito o autolançamento com vinculação a tal exigência legal, cabe ao Fisco, apenas, no prazo de cin-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 111
co anos, examinar a sua exatidão ou não, isto é, compará-lo com o título representativo da liquidez e certeza do crédito, bem como, se os tributos compensados eram da mesma espécie.
Postas tais considerações, resta examinar, tendo-se em vista a especificidade dos embargos divergentes em julgamento, se a ação proposta pelo contribuinte está compatível ou não com os pressupostos acima defendidos para a existência da compensação.
O que se tem em debate é um mandado de segurança preventivo. Nele não se afirma existir crédito líquido e certo reconhecido pelo ente credor. Não se afirma, ainda, qual a quantia que se quer compensar. Pede-se, apenas, decisão judicial garantidora do direito de compensar o que se declara, unilateralmente, sem reconhecimento pelo Fisco, nem pelo Poder Judiciário, ter sido pago a maior, a título de FINSOCIAL.
Reivindica-se, assim, uma sentença genérica, de cunho puramente declaratório, com a autorização para fazer, a qualquer época a compensação, com quantias que bem entender, com pagamentos futuros do COFINS.
Ora, se, primeiramente, nenhum crédito líquido e certo está demonstrado pela empresa contribuinte, não há que se lhe assegurar direito a compensação, por esbarrar, de imediato, na regra do art. 170, do CTN. Compensar o quê? Não há nem certeza
se, realmente, o FINSOCIAL foi pago a mais. Para tanto se chegar, há necessidade de exame na escrita fiscal e contábil do contribuinte, há de se investigar provas e documentos pelos meios hábeis, fazer-se encontro de contas, operações aritméticas, para se determinar a realidade dos fatos. Não há nos autos respostas para tal indagação.
Observe-se que a empresa contribuinte fez juntar, apenas, várias cópias xerografadas de DARF's referentes ao pagamento do FINSOCIAL. Tais documentos, por simples cópia, sem reconhecimento judicial ou administrativo, por seus próprios efeitos, não conduzem ao entendimento de que o FINSOCIAL foi pago em excesso, quanto foi pago a maior e o que remanesce para ser tido como crédito fiscal a favor do contribuinte. Repita-se, mesmo que seja cansativo: só se apurando, em procedimento regular, administrativo ou judicial, se, em tais DARF's há pagamento a maior, isto é, além dos 0,5% (meio por cento) a título de FINSOCIAL, é que se saberá se há crédito a compensar e qual o seu valor.
Ao se conceder a segurança, mesmo em parte, com a afirmação de ser compensável o crédito afirmado, sem se apurar previamente a liquidez e a certeza do mesmo, está se outorgando ao contribuinte uma atribuição para fazer autolançamento com força de não recolher tributo, sem qualquer autorização legal, pois ele
112 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.
será o único senhor da quantia a ser compensada. Lembro o já afirmado de que as regras legais da compensação diferem, em profundidade, das postas para o pagamento do tributo por autolançamento.
Esclareço, também, o meu pensamento de que não há que se emprestar efeito, apenas declaratório, ao mandado de segurança em exame. A decisão declaratória só tem lugar quando envolve a necessidade concretamente demonstrada de eliminar ou resolver a incerteza do direito ou relação jurídica. Essa incerteza deve surgir do próprio conflito de interesses, nunca, somente, no espírito do autor. Não é o caso, pois, há leis específicas regulando a compensação, de modo hierárquico e, portanto, vinculado, isto é, na Constituição Federal (art. 146, IIl, b), na Lei Complementar (art. 170, do CTN) e na legislação ordinária (art. 66, da Lei 8.383/91). Cabe, apenas, a sua aplicação, interpretando-as sistema ticamen te.
É de ser lembrado, embora de modo não necessário, que não cabe declaratória para mera interpretação do direito em tese (RTJ 113/1.322), o que, na essência, é o que pretende o contribuinte, pois, nenhum ato concreto contra si ele aponta como tendo sido praticado pelo Fisco.
Na espécie, entendo que não há exagero em afirmar que a pretensão da empresa contribuinte, por não ter feito prova de qual-
quer ato concreto contra si praticado, por não ter provado a liquidez e a certeza do seu crédito, é a de se utilizar do mandado de segurança como uma consulta ao Judiciário. Não cabe, portanto, ofertar-lhe tal pretensão."
Em pronunciamentos seguintes a 1 e Seção, em sede, também, de Embargos de Divergência tem reafirmado o entendimento supra.
Em princípio, em homenagem ao princípio da aplicação da uniformidade de interpretação da legislação infraconstitucional, missão maior do Colendo Superior Tribunal de Justiça, devia ocorrer a minha rendição à douta maioria, sem deixar, contudo, de ressalvar o meu ponto de vista.
Ocorre que, em 27 de dezembro de 1996, foi editada a Lei n. 9.430 (DOU de 30.12.96), cuja Seção VIII, sob o título "Restituição e Compensação de Tributos e Contribuições", contém os arts. 73 e 74, com a seguinte redação:
"Art. 73. Para efeito do disposto no art. 72 do Decreto-lei n. 2.287, de 23 de julho de 1986, a utilização dos créditos do contribuinte e a quitação de seus débitos serão efetuadas em procedimentos internos à Secretaria da Receita Federal, observado o seguinte:
I - o valor bruto da restituição ou do ressarcimento será debitado à conta do tributo ou da contribuição a que se referir;
R. Sup. Trib. Just .. Brasília, a. 9. (97): 43-128, setembro 1997. 113
II - a parcela utilizada para a quitação do contribuinte ou responsável será creditada à conta do respectivo tributo ou da respectiva contribuição.
Art. 74. Observando o disposto no artigo anterior, a Secretaria da Receita Federal, atendendo a requerimento do contribuinte, poderá autorizar a utilização de créditos a serem a ele restituídos ou ressarcidos para a quitação de quaisquer tributos e contribuições sob sua administração."
Os referidos dispositivos legais foram regulamentados pelo Decreto n. 2.138, de 29 dejaneiro de 1997, com a redação seguinte:
"Art. 1 Q. É admitida a compensação de créditos do sujeito passivo perante a Secretaria da Receita Federal, decorrentes de restituição ou ressarcimento, com seus débitos tributários relativos a quaisquer tributos ou contribuições sob administração da mesma Secretaria, ainda que não sejam da mesma espécie nem tenham a mesma destinação constitucional.
Parágrafo único. A compensação será efetuada pela Secretaria da Receita Federal, a requerimento do contribuinte ou de ofício, mediante procedimento interno, observado o disposto neste Decreto.
Art. 29 . O sujeito passivo, que pleitear a restituição ou ressarcimento de tributos ou contribui-
ções, pode requerer que a Secretaria da Receita Federal efetue a compensação do valor do seu crédito com débito de sua responsabilidade.
Art. 39 • A Secretaria da Receita Federal, ao reconhecer o direito de crédito do sujeito passivo para restituição ou ressarcimento de tributo ou contribuição, mediante exames fiscais para cada caso, se verificar a existência de débito do requerente, compensará os dois valores.
Parágrafo único. Na compensação será observado o seguinte:
a) o valor bruto da restituição ou do ressarcimento será debitado à conta do tributo ou da contribuição respectiva;
b) o montante utilizado para a quitação de débitos será creditado à conta do tributo ou da contribuição devida.
Art. 49 . Quando o montante da restituição ou do ressarcimento for superior ao débito, a Secretaria da Receita Federal efetuará o pagamento da diferença ao sujeito passivo.
Parágrafo único. Caso a quantia a ser restituída ou ressarcida seja inferior aos valores dos débitos, o correspondente crédito tributário é extinto no montante equivalente à compensação, cabendo à Secretaria da Receita Federal adotar as providências cabíveis para a cobrança do saldo remanescente.
Art. 59. A unidade da SRF que efetuar a compensação observará o seguinte:
114 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9. (97): 43-128, setembro 1997.
I - certificará:
a) no processo de cobrança, qual o montante do crédito tributário extinto pela compensação e, se for o caso, o valor do saldo a ser restituído ou ressarcido;
b) no processo de cobrança, qual o montante do crédito tributário extinto pela compensação e, sendo o caso, o valor do saldo remanescente do débito;
II - emitirá documento comprobatório de compensação, que indicará todos os dados relativos ao sujeito passivo e aos tributos e contribuições objeto da compensação necessários para o registro do crédito e do débito de que trata o parágrafo único do artigo 3 Q
;
III - expedirá ordem bancária, na hipótese de saldo a restituir ou ressarcir, ou aviso de cobrança, no caso de saldo do débito;
IV - efetuará os reajustes necessários aos dados e informações dos controles internos do contribuinte.
Art. 6Q A compensação poderá ser efetuada de ofício, nos termos do art. 7Q do Decreto-Lei n. 2.287, de 23 de julho de 1986, sempre que a Secretaria da Receita Federal verificar que o titular do direito à restituição ou ao ressarcimento tem débito vencido relativo a qualquer tributo ou contribuição sob sua administração.
§ 1 Q A compensação de ofício será precedida de notificação ao sujeito passivo para que se manifeste sobre o procedimento, no
prazo de quinze dias, sendo o seu silêncio considerado como aquiescência.
§ 2Q Havendo concordância do sujeito passivo, expressa ou tácita, a Unidade da Secretaria da Receita Federal efetuará a compensação, com observância do procedimento estabelecido no art. 5Q
•
§ 3Q No caso de discordância do sujeito passivo, a Unidade da Secretaria da Receita Federal reterá o valor da restituição ou do ressarcimento até que o débito seja liquidado.
Art. 7Q O Secretário da Receita Federal baixará as normas necessárias à execução deste Decreto.
Art. 8Q Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação."
Embora a lei faça referência a tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal, os princípios de liquidez e certeza que ela impõe aplicam-se aos casos de contribuições previdenciárias quando em regime de compensação. De igual modo, todos os argumentos acima desenvolvidos adaptam-se à compensação da contribuição previdenciária dos autônomos, etc.
Face essa legislação superveniente, a qual aplico à relação jurídica processual em debate, em razão dos ditames do art. 462, do CPC: "Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 115
ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença."
Esta Corte já se pronunciou pela aplicabilidade do art. 462, do CPC, em recurso especial, nas decisões anunciadas pelo RESP n. 2.041-RJ eAG. 36.291-SP, publicados no DJU de 7.5.90 e 8.11.93.
Inquestionável, portanto, ao meu pensar, que a compensação tributária, face aos dispositivos legais supramencionados, só pode ocorrer se existir crédito líquido e certo reconhecido pela entidade devedora, no caso, a administração tributária. Não há de exigir, em decorrência dessa nova legislação, que a compensação seja feita entre tributos da mesma espécie. No particular, rendo-me ao ditado pela lei.
Considerando, porém, conforme já afirmado, a necessidade de zelar pelo princípio da uniformidade das decisões emitidas pela Seção, quando em sede de Embargos de Divergência, ou em Incidente de Uniformização de Jurisprudência, embora não esteja convencido, ressalvo o meu ponto de vista, para acompanhar a douta maioria, conforme assentamento emitido pela 1 ª Seção, pelo que nego provimento ao especial.
É como voto.
VOTO (VOGAL)
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: Faço juntar cópia do voto no qual expresso meu entendimento.
"ANEXO
RECURSO ESPECIALNQ 117.934-PE
VOTO
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): Descortina-se recurso aviado ao derredor da "compensação" (art. 66, Lei n Q
8.383/91), tendo por razão valores recolhidos a título FINSOCIAL, ensejando a interposição do presente despique com a finalidade de ser modificado o julgado.
Apontando como frontispício o art. 105, lII, a e c, Constituição Federal, alvoroçando que o julgado contrariou aos artigos 170 do Código Tributário Nacional, 66 e §§ 3Q e 4Q, da Lei 8.383/91, além de dissídio jurisprudencial, a parte recorrente almeja a reforma do julgado, porque equivocou-se ao decidir pela possibilidade da compensação entre o FINSOCIAL e o COFINS.
Presentes os requisitos de admissibilidade, impõe o conhecimento do recurso.
Nessa perspectiva, alinhei-me à compreensão então preponderante na Primeira Turma, contrária à compensação; confira-se:
"Créditos Tributários. Compensação.
A compensação de créditos tributários só é possível com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos. Não comprovada a existência de créditos desta natureza, a pretensão só poderia ser apreciada e decidida na ação e procedimento ordinário.
Recurso improvido." (RMS 4.451-3-SP, Rel. Min. Garcia Vieira - in DJU de 19.9.94).
116 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.
"Tributação. Compensação. Art. 66 da Lei 8.383/1991. Art. 170, do CTN. Art. 146, UI, b, CF/ 1988.
1. A Primeira Turma, de modo unânime, em inúmeros precedentes tem assentado que a compensação prevista no art. 66, da Lei n Q 8.383/1991, só tem lugar quando, previamente, existe liquidez e certeza do crédito a ser utilizado pelo contribuinte.
2. Crédito líquido e certo, por sua vez, conforme exige o ordenamento jurídico vigente, é o que tem o seu quantum reconhecido pelo devedor. Esse reconhecimento pode ser feito de modo voluntário ou por via judicial.
3. O autolançamento previsto no CTN e a atividade vinculada. Só pode ser feito de acordo com as regras fixadas pela norma jurídica positiva.
4. Não há lei autorizando, em se tratando de compensação, que o contribuinte efetue o autolançamento antes de apurar a liquidez e certeza do crédito.
5. O sistema jurídico tributário trata, de modo igual, situações que impõem relações obrigacionais do mesmo nível. Se, por ocasião da extinção do tributo por meio de pagamento, o devedor e quem apresente o seu débito como líquido e certo, a fim de ser verificado, posteriormente, pelo credor, o mesmo há de se exigir para a compensação, isto é, a parte devedora, no caso o fisco, deve ser chamada para apurar a certeza e a liquidez do crédito que o contribuinte diz possuir. Tratar de modo diferenciado a compen-
sação, no tocante à liquidez e certeza do débito, é criar, sem autorização legal, um privilégio para o contribuinte e uma discriminação, para a Fazenda Pública.
6. O art. 146, lU, letra b, da CF/1988, dispõe que somente Lei Complementar pode tratar de obrigação, lançamento e crédito tributários. O art. 170, do CTN, ao exigir liquidez e certeza para ser efetivada a compensação, e lei complementar. Ainda mais, quando diz que a compensação só pode ser feita nos termos da Lei Ordinária. Fixa, assim, pressuposto nuclear a ser cumprido pelas partes, não dispensável pela lei ordinária, que é a existência de crédito líquido e certo. A seguir, exige que a lei ordinária autorize a compensação e fixe garantias e o modo da mesma se proceder. O art. 66 da Lei 8.383/1991, em conseqüência, é derivado do art. 170, do CTN. Não criou um novo tipo de compensação. Se o fizesse, não seria acolhido pelo sistema jurídico tributário, por violar norma hierarquicamente superior.
7. Recurso Especial provido" (REsp 108.470-PR, ReI. Min. José Delgado, in DJU de 7.4.97);
"Tributário. Compensação de créditos. FINSOCIAL com o COFINS. Mandado de segurança. Ausência de pressupostos autorizativos. Impossibilidade.
I - A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a compensação tributária pressupõe o confronto de débito e crédito provenientes de tributos da mesma natureza, bem como o
R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 117
inequívoco reconhecimento da sua existência. Daí a impossibilidade de ser admitida pela via eleita do writ ofmandamus a sua pronta concretização.
Ademais, esta colenda Corte se orientou no sentido de ser contrária à compensação entre créditos e débitos provenientes, respectivamente, de FINSOCIAL e COFINS (RMS 4.035-6/DF).
II - Recurso Especial provido." (REsp 100.622-RS, ReI. Min. José de Jesus Filho, in DJU de 7.4.97).
Conquanto a falar da "compensação", continuo pensando ser necessária a demonstração de precedente liquidez e certeza, tornou-se inescondível que a egrégia Primeira Seção, em multifários julgamentos, concretizado em Embargos de Divergência, assentou compreensão favorecendo a possibilidade da pretensão deduzida pelo contribuinte. A respeito, em comemorando o julgamento pioneiro (EREsp nº 78.301-BA, ReI. Min. Ari Pargendler, inter alia, confira-se:
"Tributário. Contribuição para o FINSOCIAL (Lei nº 7.689/88) - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social COFINS (Lei Complementar nº 70/91) - Compensação (Lei nº 8.383/91) - Possibilidade -Embargos recebidos.
I - Os valores recolhidos a título de contribuição para o FINSOCIAL, cuja exação foi considerada inconstitucional pelo STF (RE nº 150.764-1), são compensáveis diretamente pelo contri-
buinte com aqueles devidos à conta de COFINS, no âmbito do lançamento por homologação. Precedente EREsp nº 78.301-BA, relator Ministro Ari Pargendler, 1" Seção, julgado em 11/12/96.
II - Tributos, cujo crédito constitui-se através de lançamento por homologação, como no caso, são apurados em registros da contribuinte, devendo ser considerados líquidos e certos para efeito de compensação, a se concretizar independentemente de prévia comunicação à autoridade fazendária (cf. art. 2º da IN/SRF nº 67/92), cabendo a essa a fiscalização do procedimento.
III - Embargos recebidos." (EREsp nº 96.939 - ReI. Min. Adhemar Maciel - in DJU de 16.9.96).
Outrossim, diante da fortidão do entendimento pretoriano, na lida da compensação, a administração fazendária editou instruções normativas admitindo-a, circunstância que, pragmaticamente, demanda o reconhecimento dos pedidos articulados pelos contribuintes (IN 21/97 e IN 32/97). Teimar com afirmação contrária, na verdade, seria perpetuar situação já resolvida administrativamente, com prejuízos às partes e desconsideração com a instrumentabilidade do processo, ensejando novos recursos.
Nesse contexto, pois, em que pese ressalvar o meu entendimento, submetendo-me à jurisprudência uniformizadora estadeada pela colenda Primeira Seção, voto improvendo o recurso.
É o voto".
118 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9. (97): 43-128, setembro 1997.
RECURSO ESPECIAL NQ 122.310 - MT (Registro n Q 97.0015952-3)
Relator: O Sr. Ministro José Delgado Recorrente: Estado do Mato Grosso Recorrida: Comercial Rio Vermelho de Bebidas Ltda. Advogados: Drs. Valdeci Moraes Siqueira e outros, e Suleiman Olivei
ra Bragança e outro
EMENTA: Tributário_ Substituição tributária. Bebidas. Estado do Mato Grosso. 1. A jurisprudência da 1 i! Seção do Superior Tribunal de Justiça está assentada na linha do entendimento de que é legal o regime de substituição tributária adotado pelos Estados, em se tratando de transações com bebidas, considerando atendidas as exigências da Constituição Federal e das Leis Complementares regedoras do tema. 2. No Estado do Mato Grosso, o regime de substituição tributária tem seu apoio não somente no art. 6Q
, * 4Q, do DL n. 406, de 31 de
dezembro de 1968, na redação dada pela Lei Complementar n. 44, de 07 de dezembro de 1983. O Convênio ICMS n. 66, de 14 de dezembro de 1988, firmado com fundamento no § 8Q
, do artigo 34 do ADCT da Constituição Federal, e a Lei Estadual n Q 5.419, artigo 30, de 27.12.88, também autorizam essa forma de cobrança do ICMS. Registro que a Cláusula Primeira do Convênio n. 105/92 tem a seguinte redação: "Cláusula Primeira. Ficam os Estados e o Distrito Federal, quando destinatários, autorizados a atribuir aos remetentes de combustíveis e lubrificantes, derivados ou não de petróleo, situados em outras Unidades da Federação, a condição de contribuintes ou de substitutos tributários, relativamente ao ICMS incidente sobre as operações com esses produtos, a partir da operação que os remetentes estiverem realizando, até a última, assegurado o seu recolhimento à Unidade Federada onde estiver localizado o adquirente." 3. Não é ilegal a exigência do recolhimento antecipado, pela empresa fabricante, do ICMS, incidente na revenda ou fornecimento de bebidas pelo fabricante ou fornecedor. 4. Continua, assim, em vigor a legislação infra constitucional, reguladora da chamada "substituição tributária para frente", hoje com endosso da Emenda Constitucional n. 03/93. 5. Constituição, art. 155, * 2 Q
, XII, b; E. C. n. 3/93. Decreto-lei n. 406/ 68. Lei Complementar n. 44/83. C. T. N., art. 128. Convênio 66/88. 6. Recurso especial a que se dá provimento.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 119
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso. Participaram do julgamento os Srs. Ministros José de Jesus Filho, Demócrito Reinaldo e Humberto Gomes de Barros. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Milton Luiz Pereira.
Brasília, 03 de junho de 1997 (data do julgamento).
Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente. Ministro JOSÉ DELGADO, Relator.
Publicado no DJ de 30-06-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: O Estado do Mato Grosso interpõe o presente recurso especial (fls. 144/153), com fulcro no art. 105, inciso lII, alínea c, da Constituição Federal, contra acórdão (fls. 132/ 137) proferido pelo Pleno do TJ/MT, assim ementado:
"ICMS - Cobrança antecipada - Ausência de lei complementar que a autoriza.
É ilegal a cobrança antecipada de ICMS quando inexiste lei complementar que a autorize".
Sustenta o recorrente a existência de dissídio jurisprudencial entre o aresto atacado e decisões desta Corte.
Às fls. 156/162, há parecer do Ministério Público do Estado de Mato Grosso opinando pela admissibilidade do especial.
Sem contra-razões, subiram os autos por força do despacho (fls. 165/167) do Exmo. Sr. Desembargador Leônidas Duarte Monteiro, Vice-Presidente do TJ/MT, admitindo o especial.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (Relator): O acórdão hostilizado pela via do recurso especial ora examinado contém a seguinte ementa (fi. 136):
"ICMS - Cobrança antecipada - Ausência de lei complementar que a autoriza.
É ilegal a cobrança antecipada de ICMS quando inexiste lei complementar que a autorize".
Extrai-se da análise do texto acima referido que o tema substituição tributária foi discutido no acórdão com base na interpretação do art. 128, do CTN, regra considerada convalidada pelo art. 155, § 29 ,
inciso XII, da CF.
N o corpo do voto condutor do aresto em questão a conclusão firmada está assentada em aplicação de dispositivo infraconstitucional. Confira-se essa afirmação com a leitura do inteiro teor do mencionado voto (fls. 134/135):
120 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9. (97): 43-128. setembro 1997.
"A matéria está por demais debatida, exaustivamente examinada, de modo que é desnecessário nos alongarmos a respeito do assunto, tendo decidido por unanimidade que a cobrança antecipada do ICMS é ilegal por conter base no cálculo fictício, bem como por não existir a lei complementar que seria necessária para respaldar o artigo 150 da Constituição Federal.
Nessas condições, nos termos do que já temos decidido, concedo a segurança.
É como voto."
Conheço, assim, do recurso.
Nego-lhe provimento. Está consolidada na jurisprudência das 1" e 2" Turmas e na 1" Seção deste Tribunal, que o regime de substituição tributária para a cobrança do ICMS não é ilegal.
A respeito, os fundamentos da minha convicção são os que passo a expor.
As razões da aceitação da tese, como vêm fazendo as I!:! e 2!:! Turmas e I!:! Seção deste Tribunal, da legalidade do regime da denominada substituição tributária para frente, na revenda de veículos automotores no Estado de São Paulo, para a cobrança do ICMS, servem para apoiar idêntica forma de cobrança do mencionado imposto para a comercialização de derivados de petróleo, inclusive óleos lubrificantes.
A respeito da substituição tributária para as transações com veícu-
los automotores, dou o meu apoio aos pronunciamentos desenvolvidos pelo eminente Ministro Pádua Ribeiro, ao julgar os Embargos de Divergência no RESP n Q 52.520/SP, em seu voto, cujo inteiro teor registro:
"Discute-se, nos presentes autos, sobre a legalidade da exigência do recolhimento antecipado, pela empresa fabricante, do ICMS incidente na revenda de veículos pelas concessionárias.
Sobre o assunto, venho votando na 2!:! Turma, no mesmo sentido do acórdão paradigma.
Com efeito, não há olvidar que o Supremo Tribunal Federal teve por constitucional a chamada "substituição tributária para frente", desde que instituída por lei complementar. Encampado o instituto pela Constituição em vigor (art. 155, § 2Q
, XII, b), o Convênio 66/88 (que, por força do art. 34, § 8Q
, do ADCT, tem força de lei complementar) o adotou em seu texto, repetindo, em última análise, as normas da Lei Complementar n. 44, de 1983. Posteriormente, sobreveio a Emenda Constitucional n. 3/93, que, em termos inequívocos, constitucionalizou o instituto, amplamente utilizado desde o advento do ICM no nosso sistema tributário. Eis o seu texto:
'A lei poderá atribuir ao sujeito passivo da obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento do imposto ou contribuição, cujo fator
R. Sup. Trib. Just .. Brasília, a. 9. (97): 43-128, setembro 1997. 121
gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.'
Em suma: a legislação infraconstitucional, atinente à chamada 'substituição tributária para frente', continua em vigor, hoje com expresso endosso do texto constitucional antes mencionado.
O Dr. Heron Arzua, em trabalho sobre 'Substituição Tributária na Emenda 3/93', publicado na Revista do IAP, n. 21, teve ensejo de argumentar com toda razão (pág. 187):
'Em rigor a substituição tributária é simplesmente um método de arrecadação. Uma modalidade diferente do padrão legislativo (não do padrão constitucional) de se cobrar o imposto. A lei é que, respeitadas todas as características postas na Constituição, dá todos os contornos do imposto: fato gerador, base de cálculo, contribuinte, responsáveis, etc. Se outra norma muda o perfillegislativo, mas não o constitucional (respeitando-se, pois, os postulados essenciais), nada a estranhar.
E a substituição tributária, mecanismo pelo qual se imputa a pessoa diferente daquela ligada diretamente ao fato imponível (atribui-se ao fabricante o recolhimento do impos-
to devido pelo comerciante varejista, v. g.), é hoje instrumento de sobrevivência do ICMS. Com sua adoção, obtêmse inúmeras vantagens para todos os envolvidos: Estado, contribuinte e substituto. Para os Estados, há diminuição dos custos de cobrança, com a concentração da fiscalização em poucas indústrias. Há por igual certeza da arrecadação, uma vez que o tributo é pago por empresa de maior capacidade financeira, de maior capacidade contributiva. No tangente ao contribuinte substituído, este tem a convicção de que não será prejudicado pela concorrência que sonega o imposto, com a materialização do princípio da isonomia. Para o substituto (sem entrar aqui na discussão se ele é responsável ou contribuinte originário), a disciplina do preço praticado no varejo evita a concorrência predatória entre os componentes da rede de distribuição do produto. E, por fim, para o consumidor final, o verdadeiro contribuinte de todos os impostos, a absoluta segurança que o imposto pago por ele, integrante do preço da mercadoria, será encaminhado aos cofres públicos.'
Essa orientação tem sido proclamada em reiterados precedentes não apenas na 2ª Turma (RESP's n llli 34.040-1-SP e 39.479-0-SP), mas da própria 1ª Turma, onde se origina o aresto embargado
122 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997.
CRESP's nl!S 35.547 -8-SP e 35.733-O-SP, Relator Ministro Garcia Vieira).
Isto posto, em conclusão, conheço dos embargos e os recebo."
Ao votar sobre a matéria, não obstante ter minhas reservas doutrinárias sobre o assunto, sempre acompanhei a orientação fixada pela jurisprudência da 1 ª Seção, expressada no voto citado.
Ocorreu que, nas últimas sessões do mês de dezembro de 1996, a 1 ª Seção, apreciando Embargos de Divergência em REsp n. 58.512, da relatoria do eminente Ministro Arí Pargendler, referente ao tema 'substituição tributária para frente' e dizendo respeito ao ICMS cobrado pelo Estado de Minas Gerais na venda de produtos farmacêuticos adquiridos por comerciantes aos fabricantes dos mesmos, entendeu, apenas contra o meu voto, de que havia necessidade, para prevalecer a entendida substituição tributária questionada, de lei estadual permitindo, de modo específico, isto é, referindo-se a cada tipo de transação comercial, a cobrança do mencionado tributo da forma indicada.
O voto em questão está assim posto:
"Só o precedente juntado por cópia às fls. 206/215 se refere à substituição tributária na venda de medicamentos, conforme se depreende da respectiva ementa: "ICMS. Base de cálculo. Sistema de substituição tributária. Após
o advento da citada Lei Complementar n Q 44/83 ficou estabelecido que, quando for atribuída a condição de responsável tributário ao comerciante atacadista, relativamente ao imposto devido pelo comerciante varejista, a base de cálculo será o valor da operação promovida pelo responsável tributário, acrescido da margem de lucro atribuída ao revendedor, quando se tratar de mercadorias com preço de venda ou único, fixado pelo fabricante ou pela autoridade competente. Legítima a exigência antecipada do ICMS. Recurso improvido." (fls. 206).
Mas a discussão, travada ali, nada tem a ver com a lide instalada nestes autos. Aqui Mecall Produtos Farmacêuticos Ltda. sustenta que a definição do substituto tributário está reservada à lei, não podendo se dar pela via do decreto (fl. 294). No paradigma a situação é outra, porque havia lei estadual dispondo a propósito, tal como se lê no voto condutor, da lavra do eminente Ministro Garcia Vieira, in verbis " ..... e, por isso, não é ilegal, nem inconstitucional a lei estadual que autoriza tal antecipação" (fls. 210).
Voto, por isso, no sentido de não conhecer dos embargos de divergência."
Em face dessa decisão, instalouse, em meu espírito, dúvida sobre a matéria, haja vista que, do mesmo modo como o Estado de São Paulo, o Estado do Mato Grosso cobra o
R. Sup. Trib. Just Brasília, a. 9, (97): 43-128, setembro 1997. 123
ICMS antecipado, em regime de substituição tributária, com base no Convênio 66/88 e com, apenas, autorização legal dispondo de modo genérico, deixando-se para o decreto, em muitas transações, a fixação específica do produto que ao ser comercializado a tanto, impõe essa modalidade extravagante de recolhimento do imposto mencionado.
Relembro que a substituição tributária, no Estado de São Paulo, está disciplinada no art. 8Q da Lei Estadual n. 6.374, de 1Q de março de 1989, cuja redação é a seguinte:
"Art. 8Q - São sujeitos passivos
por substituição:
I - o destinatário da mercadoria - comerciante, industrial, cooperativa ou qualquer outro contribuinte, exceto produtor ou extrator de minério - quando devidamente indicado na documentação correspondente, relativamente ao imposto devido na saída promovida por produtor ou extrator de minério;
II - o remetente da mercadoria - comerciante, industrial, produtor, cooperativa ou qualquer outro contribuinte, pessoa de direito público ou privado - relativamente ao imposto devido nas subseqüentes operações realizadas por representante, mandatário, comissário, gestor de negócio ou adquirente da respectiva mercadoria, quando estes, a critério do Fisco, estejam dispensados de inscrição na repartição fiscal; III - a empresa distribuidora de lubrificante ou de combustível,
líquido ou gasoso, relativamente ao imposto devido pelas operações anteriores e posteriores, desde a produção ou importação, conforme o caso, da mercadoria e de seus insumos, até a sua entrega ao consumidor final;
IV - a empresa distribuidora de energia elétrica a consumidor, relativamente ao imposto devido pelas operações anteriores, desde a produção ou importação, conforme o caso;
V - o fabricante de fumo e seus sucedâneos manufaturados, relativamente ao imposto devido nas subseqüentes saídas dessas mercadorias, efetuadas por quaisquer outros contribuintes;
VI - o revendedor atacadista de fumo e seus sucedâneos manufaturados que os tenha recebido de estabelecimento situado em outro Estado ou no Distrito Federal, relativamente ao imposto devido nas subseqüentes saídas dessas mercadorias, efetuadas por quaisquer outros contribuintes;
VII - o contribuinte que realize as operações a seguir indicadas, relativamente ao imposto devido nas anteriores saídas de papel usado e apara de papel, sucata de metal, caco de vidro, retalho, fragmento e resíduo de plástico, de borracha ou de tecido, providas por quaisquer estabelecimentos:
a) saída de mercadoria fabricada com esses insumos;
b) saída dessas mercadorias com destino a outro Estado, ao Distrito Federal ou ao exterior.
124 R. sup. Trib. Just .. Brasília. a. 9. (97): 43-128, setembro 1997.
VIII - o contribuinte que realize qualquer das operações a seguir relacionadas, relativamente ao imposto devido nas anteriores saídas de produto agropecuário ou mineral:
a) saída com destino a outro Estado. ao Distrito Federal ou ao exterior;
b) saída com destino a estabelecimento industrial;
c) saída com destino a estabelecimento comercial;
d) saída com destino a consumidor ou a usuário final;
e) saída de estabelecimento que o tenha recebido de outro do mesmo titular, indicado como substituto nas alíneas precedentes;
f) industrialização.
IX - o contribuinte, autor da encomenda, relativamente ao imposto devido nas sucessivas saídas de mercadoria remetida para industrialização, até o respectivo retorno ao seu estabelecimento;
X - a cooperativa, relativamente ao imposto devido na saída de mercadoria que lhe seja destinada por produtor ou extrator de minério que dela faça parte;
XI - o tomador do serviço - comerciante, industrial, cooperativa ou qualquer outro contribuinte, pessoa de direito público ou privado - relativamente ao imposto devido na prestação de serviço realizada pelo prestador;
XII - o prestador de serviço que promova a cobrança integral do
preço, relativamente ao imposto devido sobre prestações realizadas por mais de uma empresa;
XIII - o industrial, o comerciante ou o prestador do serviço, relativamente ao imposto devido pelas anteriores ou subseqüentes saídas de mercadorias ou prestações de serviços, promovidas por quaisquer outros contribuintes.
§ 1 Q A sujeição passiva por substituição prevista neste artigo prevalece, também, sendo o caso, nas seguintes hipóteses:
1 - saída da mercadoria com destino a consumidor ou a usuário final ou, ainda, a pessoa de direito público ou privado não contribuinte;
2 - saída da mercadoria ou prestação de serviço amparadas por não incidência ou isenção;
3 - saída ou qualquer evento que impossibilite a ocorrência das operações ou prestações indicadas neste artigo.
§ 2Q O pagamento decorrente do disposto no item 2 do parágrafo anterior poderá ser dispensado nos casos em que a legislação admita a manutenção do crédito.
§ 3Q A sujeição passiva por substituição, prevista no inciso X, fica atribuída ao estabelecimento destinatário nos casos em que a cooperativa mencionada remeta a mercadoria a outro estabelecimento dela mesma ou a estabelecimento de cooperativa central ou de federação de cooperativas de que faça parte, bem como de cooperativa central para a res-
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pectiva federação de cooperativas.
§ 49 A aplicação do disposto neste artigo, em relação a cada situação, mercadoria ou serviço, depende de normas complementares à sua execução, fixadas em regulamento.
§ 59 Salvo as hipóteses expressas e previamente ajustadas em acordos, não se admitirá a imposição por outro Estado ou pelo Distrito Federal de regime de substituição ou de seus efeitos a operações ou prestações que venham a ocorrer no território paulista com mercadoria ou serviço proveniente de outro Estado ou do Distrito Federal."
Como se observa, não há na lei do Estado de São Paulo qualquer disposição expressa determinando que na venda de veículos automotores pelas empresas fabricantes, o ICMS há de ser recolhido sob o regime de substituição tributária.
A exigência do ICMS antecipado, nesse tipo específico de transação, é feita com base no art. 25, do Convênio 66/88, este autorizado pelo art. 34, parágrafo 89 do ADCT, cumprindo imperativo posto no art. 155, XII, a e b, da CF, art. 128 do CTN e Decreto n. 29.948, de 19.05.1989. Este, no art. 171-G, dispõe:
"Nas saídas para o território do Estado de veículos novos classificados nas Posições 87.02 a 87.06 da Nomenclatura Brasileira de Mercadorias - NBM/SR, fica atribuída a responsabilidade pelo
recolhimento do imposto devido nas operações subseqüentes (Lei n. 6.374, artigos 89 , XIII, e 28):
I - ao estabelecimento fabricante e suas filiais;
II - a qualquer estabelecimento que receber o veículo diretamente de outro Estado ou do Distrito Federal para comercialização em território paulista, observado o disposto no artigo 170.
Parágrafo único. Quando se tratar de operações entre estabelecimentos do fabricante situados em território paulista, a responsabilidade pela retenção do imposto é do estabelecimento destinatário."
Observo que a cobrança antecipada do ICMS, regime de substituição tributária para frente, em se tratando de operações interestaduais com veículos classificados nas Posições 87.02 a 87.06 e 87.09 da Nomenclatura Brasileira de Mercadorias - Sistema Harmonizado, é feita com base no Convênio ICMS 107/89, que, especificamente, trata da matéria.
Em conclusão: no Estado de São Paulo a substituição tributária sobre a saída de veículos do estabelecimento dos fabricantes para o dos adquirentes situados em seu território recebeu prestígio jurisprudencial desta Seção, sem que exista, como foi exigido para o Estado de Minas Gerais para a comercialização, em hipótese idêntica, de medicamentos, conforme noticiados nos Embargos de Divergência de n 9
58.512, acima apontado, lei especi-
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ficando tal tipo de transação. Os fundamentos para o assentamento jurisprudencial sobre a matéria foram o Convênio 66/88, a Lei Estadual n. 6.374/88, tidos como compatíveis com a CF e o Código Tributário Nacional que, a respeito, afirma de modo genérico:
"São sujeitos passivos por substituição:
XIII - o industrial, o comerciante ou o prestador do serviço, relativamente ao imposto devido pelas anteriores ou subseqüentes saídas de mercadorias ou prestações de serviço, promovidas por quaisquer outros contribuintes."
A Emenda Constitucional n 9 3 afastou, conseqüentemente, qualquer possibilidade de se renovar discussão sobre o assunto. O fenômeno da recepção da legislação anterior ocorreu, haja vista que não há nenhuma incompatibilidade com o mandamento instituído pela Carta Magna.
Postas tais considerações, da mesma forma como votei nos Embargos de Divergência n 9 58.512, do Estado de Minas Gerais, não obstante ter entendimento diverso sobre o assunto, por pensar haver necessidade de se interpretar de forma sistêmica o que a respeito dispõe a EC n. 3/93, não me animo a ir de encontro com a jurisprudência das Turmas e da 1 e Seção, que em sucessivas decisões, têm afirmado que não é ilegal a exigência do recolhimento antecipado do ICMS,
tanto pelas empresas fabricantes de veículos e que revendem às concessionárias, como pelas que comercializam, etc. Acrescento, agora, que o mesmo ocorre com o regime de substituição tributária do ICMS exigido das empresas que comercia-lizam, por atacado, bebidas.
Saliente-se que, no Estado de Minas Gerais, o regime de substituição tributária tem seu apoio não somente no art. 69 , § 49 , do DL n. 406, de 31 de dezembro de 1968, na redação dada pela Lei Complementar n. 44, de 07 de dezembro de 1983. O Convênio ICMS n. 66, de 14 de dezembro de 1988, firmado com fundamento no § 89 , do artigo 34 do ADCT da Constituição Federal, e a Lei Estadual n. 5.419, de 27.12.88, também autorizam essa forma de cobrança do ICMS.
Registro que o artigo 30 da Lei 5.419, de 27/12/88 tem a seguinte redação:
"A Lei Estadual n Q 5.419, de 27/ dez./88, por sua vez, proclama, em seu artigo 30, inciso II, que:
"Art. 30: Fica atribuída a condição de substituto tributário a:
II - produtor, extrator, gerador, inclusive de energia, industrial, distribuidor, comerciante ou transportador pelo pagamento devido nas operações subseqüentes ."
Ademais, saliente-se que esta colenda 1 e Turma quando do julga-
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mento do REsp 106.494/MT, relatado pelo emin. Min. Milton Luiz Pereira, posicionou-se, de forma unânime, acerca da legalidade do regime de substituição no Estado do Mato Grosso. Confira-se a ementa deste julgado:
"Tributário. ICMS. Antecipação do recolhimento. Regime de substituição tributária. ADCT, art. 34, § 8 Q
• Decreto-Lei 406/68.
1. Assoalhou-se a legalidade da exigência de antecipado recolhimento do ICMS, nos lindes da substituição tributária.
2. Jurisprudência harmonizada em Embargos de Divergência.
3. Recurso provido." (REsp 106.494IMT, ReI. Min. Milton Luiz Pereira, DJ 17.03.97).
Face ao exposto, dou provimento ao recurso.
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