MARIA CRISTINA BARBOSA
PROFESSOR E ALUNO EM INTERAÇÃO NUM ESPAÇO
CONVERSACIONAL: UM ESTUDO DE CASO
CENTRO UNIVERSITÁRIO FIEO
Osasco
2011
MARIA CRISTINA BARBOSA
PROFESSOR E ALUNO EM INTERAÇÃO NUM ESPAÇO
CONVERSACIONAL: UM ESTUDO DE CASO
CENTRO UNIVERSITÁRIO FIEO
Osasco
2011
Dissertação apresentada à Banca Examinadora do
Centro Universitário FIEO para a obtenção do título de
Mestre em Psicologia Educacional.
Área de concentração: Ensino-Aprendizagem
Linha de pesquisa: Ensino-aprendizagem no contexto
social e político.
Orientadora: Prof.ª Dra. Maria Luiza Puglisi Munhoz.
MARIA CRISTINA BARBOSA
PROFESSOR E ALUNO EM INTERAÇÃO NUM ESPAÇO
CONVERSACIONAL: UM ESTUDO DE CASO
Aprovado em: ______de: _________________de 2011
BANCA EXAMINADORA:
_______________________________________________
Prof.ª Dra. Maria Luiza Puglisi Munhoz
Centro Universitário FIEO (UNIFIEO)
_______________________________________________
Prof.ª Dra. Marisa Irene Siqueira Castanho
Centro Universitário FIEO (UNIFIEO)
_______________________________________________
Prof.ª Dra. Maria Amalia Faller Vitale
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP)
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho:
A Deus por ter me conservado com saúde, por ter me concedido sabedoria e
paciência para equilibrar meu tempo entre família, trabalho e mestrado.
Aos meus pais que construíram o alicerce da minha vida e torcem por mim
até hoje.
Ao meu esposo Alacy, à minha filha Emily e ao meu genro Welton que me
deram força para prosseguir e sempre compreenderam as minhas ausências.
Aos meus familiares que sempre estiveram na torcida pelo meu sucesso.
A minha amiga e companheira de trabalho Ervely que por vezes me
incentivou a prosseguir e cuidou do meu setor de trabalho enquanto precisei me
ausentar.
A todos os amigos e parentes que contribuíram direta e indiretamente ao
longo deste trabalho me dando ideias e incentivando a caminhada.
AGRADECIMENTOS
A todos os professores do curso de mestrado em Psicologia Educacional
pelos conhecimentos, conselhos e dicas oferecidos no decorrer do curso provendo
base para que pudesse produzir este trabalho de dissertação.
À Prof.ª Dra. Marcia Siqueira de Andrade, Coordenadora do curso de
Mestrado em Psicologia Educacional, pelos conselhos e apoio nos momentos mais
delicados desta jornada.
À Prof.ª Dra. Maria Luiza Puglisi Munhoz, minha orientadora, que com
sabedoria, paciência e maestria me forneceu ideias, conselhos, acompanhou passo
a passo o desenvolvimento deste trabalho e, por muitas vezes, me deu força,
incentivo e ânimo para prosseguir. Esta parceria fez diferença!
À Prof.ª Marisa Irene Castanho pelo incentivo, sugestões e orientações que
me levaram à reflexão sobre que caminhos trilhar para melhor produzir este
trabalho.
À Prof.ª Dra. Maria Laura Puglisi Barbosa Franco pelos sábios conselhos e
orientações dadas em suas aulas e extraclasse também.
À Prof.ª Dra. Maria Amália Faller Vitale pelos conselhos pontuais e
orientações que contribuíram para enriquecer este trabalho de pesquisa.
Ao meu esposo Alacy Mendes Barbosa pelos sábios conselhos nos
momentos de dúvidas, principalmente quando o assunto era Morin.
À Prof.ª Paula Strumiello Fonseca pelo companheirismo, descontrações e
força tão necessárias para prosseguir a caminhada.
Aos meus colegas de trabalho: Ervely, Márcia, Marli, Humberto e Rodrigo pela
paciência e força que me deram nestes dois anos e meio de mestrado.
À Raquel Lima e Gracy Pércio pela força dada na digitação e emergências de
boa parte deste material.
À todos os participantes desta pesquisa que forneceram informações
necessárias para este trabalho.
RESUMO
BARBOSA, Maria Cristina. Professor e aluno em interação num espaço
conversacional: um estudo de caso. 2011. 124f. Dissertação (Mestrado em
Psicologia Educacional) – Curso de Pós-Graduação em Psicologia Educacional,
Centro Universitário FIEO, Osasco, SP.
O ensino em ambiente escolar representa uma das mais importantes esferas de
ação da sociedade, pois é lá que acontecem atividades, o processo de ensino e
aprendizagem, relacionamentos e transformações. Porém, a sala de aula tem sido
palco de muitos conflitos relacionais entre professores e alunos, e destes com seus
pares. Com intuito de buscar caminhos para solucionar conflitos emergentes nessas
relações, procuramos organizar um espaço no qual professores e alunos possam
conversar. É neste contexto que surge esta pesquisa com o objetivo de investigar a
contribuição da ferramenta Espaço Conversacional, segundo Anderson (2009), na
relação professor-aluno, a fim de conhecer como interagem nesse espaço, se têm
direito a voz, se contribuem com suas ideias e opiniões e quais os resultados
práticos. Realizamos um estudo de caso com um grupo de 10 participantes, formado
por cinco professores e cinco alunos do Ensino Médio, de um colégio particular no
interior do Estado de São Paulo. Para realizarmos este estudo, criamos um espaço
para conversação no qual os participantes dialogaram sobre um problema específico
em que todos estavam envolvidos, formamos um sistema determinado pelo
problema (SDP) de acordo com definições de Vasconcellos (2010). Após três
encontros, por meio da entrevista semiestruturada, teve início o processo de coleta
de dados no qual os participantes falaram como perceberam e sentiram esta
experiência. Os resultados mostraram que o Espaço Conversacional contribuiu para
melhorar o relacionamento entre professores e alunos, mudando principalmente a
forma de se olharem e se compreenderem. Foi possível concluir que todos, ao
dialogarem, puderam contribuir com suas ideias e encontraram caminhos para
solucionar o problema em pauta.
Palavras-chave: Abordagem Sistêmica. Espaço Conversacional. Interação.
Professor-aluno.
ABSTRACT
BARBOSA, Maria Cristina. Teacher and student in interaction in a conversational
space: a case study. 124f. 2011. Dissertação (Mestrado em Psicologia
Educacional) – Curso de Pós-Graduação em Psicologia Educacional, Centro
Universitário FIEO, Osasco, SP.
The teaching in the school environment represents one of the most important
spheres of action of society because it is there where the activities, the teaching and
learning process, the relationships and transformations happen. However, the
classroom has staged many relational conflicts between teachers and students, and
these with their peers. In order figure out ways to solve emerging conflicts in these
relationships, we have tried to organize a space where teachers and students can
talk to each other. In this context, this survey comes up with the objective of
investigating the contribution of the Conversational Space tool, according to
Anderson (2009), in the teacher-student relationships in order to know how they do
interact in that space, if they have a right to voice, if they contribute with their ideas
and opinions, and what are the practical results. We conducted a case study with a
group of 10 participants, constituted of five teachers and five high school level
students, in a private college in the State of São Paulo. To carry out this study, we
have created a space for conversation where the participants discussed about a
specific problem in which they all were involved; we formed a system determined by
the (SDP) issue in accordance with definitions of Vasconcellos (2010). After three
meetings, through the half structured interview, we started the process of collecting
data on which the participants spoke how they had perceived and felt the experience.
The results showed that the Conversational Space has contributed to the
improvement of the relationship between teachers and students, changing mainly the
way of looking and understanding each other. It was possible to conclude that they
all, as they dialogued, were able to contribute with their ideas and find ways to solve
the issues discussed.
Keywords: Systemic Approach. Conversational Space. Interaction. Teacher-student
relationships.
LISTA DE FIGURAS E TABELAS
Figuras
Figura 1 - Exemplos de relações entre os sistemas e subsistemas ................. 25
Figura 2 - Exemplo de formação de um SDP ................................................... 52
Figura 3 - Modelo hierarquizado (AUN 2010) ................................................... 56
Figura 4 - Organização hierarquizada na escola .............................................. 56
Figura 5 - Circularidade no Espaço Conversacional ......................................... 57
Tabelas
Tabela 1 – Dados pessoais dos alunos participantes ........................................ 75
Tabela 2 – Dados pessoais dos alunos participantes ........................................ 75
Tabela 3 – Dados pessoais dos alunos participantes- perfil financeiro ............. 75
Tabela 4 – Dados pessoais dos alunos participantes- situação escolar ........... 76
Tabela 5 – Dados pessoais dos professores participantes ............................... 77
Tabela 6 – Dados pessoais dos professores participantes ............................... 78
Tabela 7 – Dados gerais dos participantes ........................................................ 79
Tabela 8 – Dados gerais dos participantes ........................................................ 79
Tabela 9 – Sentimentos sobre o convite para o espaço conversacional ........... 81
Tabela 10 – Atitudes que geraram tensões nas relações no Espaço Conversacional. ..................................................................................
84
Tabela 11 – Contribuições do Espaço Conversacional para a relação professor e aluno ................................................................................................
87
Tabela 12 – Opinião sobre as participações no Espaço Conversacional ............ 90
Tabela 13 – Resultados práticos pós- encontro Espaço Conversacional ........... 95
Tabela 14 – Sugestões sobre o Espaço Conversacional .................................... 100
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................ 12
1.1 TEMA ...................................................................................................... 12
1.2 PROBLEMA, JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA ..................................... 15
1.3 OBJETIVOS ............................................................................................ 16
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .............................................................. 18
2.1 TEORIA SISTÊMICA .............................................................................. 18
2.2 APROXIMAÇÕES ENTRE MORIN E VIGOTSKI ................................... 26
2.3 SERES HUMANOS E A COMUNICAÇÃO ............................................. 33
2.4 SERES HUMANOS E SISTEMAS SOCIAIS .................................... 37
2.5 CONVERSA, CONVERSAÇÃO E ESPAÇO CONVERSACIONAL ........ 40
2.6 ESPAÇO CONVERSACIONAL E O SISTEMA DETERMINADO PELO PROBLEMA ............................................................................................
49
2.7 A RELAÇÃO PROFESSOR E ALUNO ................................................... 58
3 METODOLOGIA ..................................................................................... 63
3.1 PARTICIPANTES .................................................................................... 64
3.2 INSTRUMENTOS ................................................................................... 65
3.2.1 Entrevista semiestruturada .................................................................. 65
3.3 PROCEDIMENTOS ................................................................................ 66
3.3.1 Procedimentos de análise .................................................................... 68
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS .................................... 71
4.1 O CONTEXTO EM QUESTÃO ............................................................... 71
4.2 O CONTEXTO EM QUE FOI CRIADO O ESPAÇO CONVERSACIONAL ...............................................................................
72
4.3 CARACTERÍSTICAS PESSOAIS DOS PARTICIPANTES ..................... 74
4.4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DA ENTREVISTA ....... 80
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................... 102
REFERÊNCIAS ...................................................................................... 105
APÊNDICES ...........................................................................................
108
A- Questionário de identificação- Aluno.................................... 108
B- Questionário de identificação- Professor............................... 109
C- Roteiro para entrevista........................................................ 110
D- Convite Espaço Conversacional........................................... 111
ANEXOS
A- Autorização do Comitê de Ética
B- Termo de consentimento Livre e Esclarecido - Aluno
C- Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - Professor
D- Transcrição da entrevista com o professor M
E- Transcrição da entrevista com o aluno LB
Um professor se olha no espelho e vê todas as idades que tem.
Vê que ele é como todas as pessoas que também se olham
naquele espelho, que têm filhos exigindo sua atenção, contas a
pagar, problemas e soluções, vontade de viver, divertir-se e
amar. Vê que pertence a todas as raças, credos e classes
sociais. Mas, por ser professor, é elo de uma corrente que não
pode quebrar, ao olhar-se no espelho vê a ebulição de todas
aquelas crianças e jovens querendo se transformar.
Olha mais atentamente e vê naquele espelho centenas de
faces: a face de alguém que é sempre um exemplo vivo em
tudo o que faz, sempre observado por olhos atentos; a face de
quem tem que temperar seus atos com rigor, limites de doçura,
de quem tem que olhar para o jardim sabendo que cada planta
é diferente da outra e cada uma requer um cultivo diferente,
uma atenção diferenciada.
E naquele espelho saltam aos olhos as faces de quem é
sempre aprendiz, seja para dominar uma nova ferramenta, uma
nova tecnologia, novas teorias; seja para escutar com muita
atenção e de forma nova o que os alunos trazem.
Ciranda Cultural
12
1. INTRODUÇÃO
1.1 TEMA
O século XXI tem sido marcado por grandes transformações em todos os
segmentos sociais, e a escola como instituição social tem sido alvo de preocupação
nos discursos de governantes, empresários, responsáveis pela educação, pais,
entre outros. Tardif e Lessard afirmam que o ensino em ambiente escolar representa
uma das esferas mais importantes e fundamentais de ação nas sociedades
modernas, esfera essa em que o social, por meio de “seus atores, seus movimentos
sociais, suas políticas e suas organizações, volta-se reflexivamente a si mesmo para
assumir-se como objeto de atividades, projetos de ação e, finalmente, de
transformações” (TARDIF; LESSARD, 2009, p.7).
A preocupação com a qualidade de ensino na escola têm sido intensa e
muitas pesquisas, livros, artigos, debates e congressos têm aberto espaço para
discussão sobre assuntos pertinentes a área escolar. Um dos destaques tem sido o
relacionamento professor-aluno como fator fundamental para a melhoria da
qualidade e sucesso do ensino. Rogers relata que nesse cenário um tanto incomum
no qual alunos e professores trazem histórias de vida, sentimentos e necessidades
pessoais, é importante buscar o equilíbrio entre obrigações e direitos. Ele afirma que
“tanto o professor quanto o aluno estão „ensinando‟ um ao outro por meio de seus
comportamentos relacionais diários” (ROGERS, 2008, p.17).
Por isso, é importante refletirmos sobre o comportamento do professor e do
aluno por influenciarem um ao outro o que pode vir a determinar o sucesso ou o
fracasso da aprendizagem naquele contexto. A sala de aula é o local em que
observamos a dinâmica desses comportamentos, porém, nem sempre encontramos
as condições ideais. Na maioria das escolas, a sala de aula é composta de pelo
menos 30 alunos, e muitas vezes o trabalho do professor se constitui em uma fonte
de tensões, conflitos, estresses que precisam ser resolvidos em suas relações com
os alunos. Na docência, as relações são complexas em si, pois elas geralmente
acontecem entre um adulto e crianças ou entre adultos e adolescentes, o que pode
gerar um desiquilíbrio entre eles.
Mas, como resolver essas questões em uma sala de aula com tantos alunos?
Surge então a necessidade de se ter um espaço fora da sala para que o aluno e o
professor busquem uma maior aproximação. Estudos têm apontado que por meio de
conversas abrem-se possibilidades para se estreitarem relacionamentos o que pode
13
vir a gerar aprendizagens mais significativas entre as partes envolvidas. De acordo
com alguns estudiosos, o conversar tem sido considerado uma das ferramentas
mais importantes nos relacionamentos para ajudar a resolver problemas e questões
da vida. Um desses estudiosos é Maturana (1997) que fala sobre as conversações e
a conceitua como sendo um fluxo coordenado de ações e emoções que acontecem
entre os seres humanos que interagem fazendo uso da linguagem. Por meio do
conversar nos posicionamos, recebemos e damos informações. Para Anderson
(2009) o conversar, quer seja em contexto de ensino ou em negócios, tem a ver com
ajudar o outro a ter acesso à coragem, a enfrentar situações, a não ficar paralisado,
a ter uma visão clara e, muitas vezes, a alcançar o autocomando da situação. Ela
orienta que, quando há conflitos, seria interessante criar um espaço de conversa
entre as partes para propiciar as trocas conversacionais. Nesse espaço seria
possível trazer vários tipos de conversações. Anderson afirma que “cada
conversação ocorre e se forma a cada momento e é peculiar a seu contexto, seus
participantes e suas circunstâncias” (ANDERSON, 2009, p.94).
Morin (2002b) afirma que na relação com o outro há carência de
compreensão e, para entendermos as partes e compreendê-las, faz-se necessário
dialogizar. Ele fala do princípio dialógico no qual pelo conversar é possível afrontar
realidades e verdades aparentemente contraditórias, e que, por meio da conversa,
podemos gerar possibilidades de entendimento. Vigotski (1998), por outro lado,
aponta que de nada adianta apenas ter todo o aparato biológico próprio do ser
humano se não são oferecidos ambientes e práticas necessários para propiciar a
aprendizagem do indivíduo, pois esta aprendizagem ocorrerá por meio das
experiências às quais ele será exposto. A escola é um excelente lugar para se
propiciar essas experiências onde o social e o cultural se encontram. Vigotski e
Morin se aproximam apontando a importância do todo e partes, produto e produtor
do conhecimento e da cultura, onde um influencia o outro podendo produzir
mudanças significativas no indivíduo/sistema.
Buscamos em Bertalanffy (1968/2009) o conceito de sistema, o qual o define
como um complexo de elementos em interação. Por elementos entendemos que são
pessoas trocando emoções, sentimentos, interagindo uma com a outra em um ou
mais contextos. E, por interação, podemos entender como sendo um todo agindo e
reagindo de maneira interdependente e inter-relacionado. Vasconcellos corrobora
com esta ideia dizendo que são as interações que “dão coesão ao sistema todo,
14
conferindo-lhe um caráter de totalidade, de integridade ou de globalidade, uma das
características definidoras do sistema” (VASCONCELLOS, 2009, p.199).
Sabemos que na escola há todo um sistema inter-relacional, sendo
permanentemente alimentado e retroalimentado pelos integrantes dessa rede
institucional, e a relação professor-aluno, se houvesse uma troca coerente e
conjunta entre eles, seria altamente beneficiada em favor da aprendizagem. A
escola atua como um sistema aberto, pois recebe novas informações, ideias, novos
alunos e funcionários, consequentemente novas formas de relacionamentos
precisam ser desenvolvidas. A fim de que haja um melhor desenvolvimento dos
integrantes deste sistema, deveria haver uma preocupação com a forma como essas
ideias e relacionamentos são integrados ao cotidiano da escola. Quando falamos em
“sistema aberto”, entendemos que é aquele que aceita as influências externas,
transforma e é transformado. Miermont e cols. o definem como sendo “um
intercâmbio de matéria, de energia e de informação com o meio ambiente”
(MIERMONT e cols , 1994, p.507 e 508).
Gasparian, ao falar da escola, se refere a ela como um sistema aberto por
causa do movimento dos seus integrantes para dentro e para fora, das relações e
interações uns com os outros e com outros sistemas. Nas relações no contexto
escolar como nos demais sistemas, há uma influencia recíproca “as ações e
comportamentos de um dos membros influenciam e simultaneamente são
influenciados pelos comportamentos de todos os outros (GASPARIAN, 1998, p. 35).
Confirmamos em Watzlawick et al. (1967/2007) essa ideia, pois, em suas pesquisas
eles vêm mostrar que cada uma das partes de um sistema está intimamente ligada
ao todo, que uma mudança em uma das partes afetará consequentemente o todo.
Isto acontece porque um sistema se comporta como um todo coeso e não
simplesmente como partes independentes. Podemos verificar isto na escola ao
observamos um início de aula onde crianças, adolescentes, professores, diretor,
orientadores, coordenadores e demais componentes da equipe escolar circulam pela
escola. É um fervilhar de emoções, de expectativas, de sonhos, de medos, de
ansiedades, de histórias de vidas trazidas pelas pessoas. A forma como
acontecerão as interações e as relações entre os envolvidos, principalmente em sala
de aula, dará o tom para o sucesso ou fracasso do processo ensino-aprendizagem.
Cada um dos envolvidos vem de um sistema familiar diferenciado, trazendo na
15
bagagem emoções e histórias de vida que interferirão positiva ou negativamente em
seu desenvolvimento.
Dando um passo à frente, se pensarmos em um sistema cujos
correspondentes, professor e aluno, são pessoas em interação: conversando,
linguajando, construindo significados em um mesmo espaço, estes agentes podem
gerar um novo sistema a partir das conversas sobre um assunto em comum que
poderá vir a se tornar um problema a ser discutido. Neste sentido, Vasconcellos
(2008) vem esclarecer que as conversações que acontecem entre as pessoas, onde
todas concordam em relação à existência de um problema, é chamado por ela de
SDP (Sistema Determinado pelo Problema). Desta forma, o sistema será formado
justamente pelo problema que todos já conversavam anteriormente.
Na escola, ouvimos falar sobre problemas de todas as ordens, em especial de
relacionamentos entre professor e alunos, pois o ensino no dia a dia acontece em
um cenário incomum, diferente da rotina que o adolescente e o professor têm em
suas casas. Por isso, sentimos a necessidade de pesquisar mais sobre esse
assunto, sob um olhar sistêmico, buscando respostas que ajudem na melhoria das
relações e na busca de caminhos que apontem soluções para os problemas.
1.2 PROBLEMA / JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA
Como coordenadora pedagógica, tenho presenciado e acompanhado, ao
longo dos anos, os problemas oriundos das relações, principalmente entre alunos e
professores. Temos percebido e constatado como a qualidade nas interações entre
eles tem interferido no processo de ensino e aprendizagem. Esse assunto tem me
incomodado muito e realizo frequentes reuniões com a equipe administrativa da
escola e com os professores, a fim de encontrarmos respostas e caminhos para a
solução de conflitos entre professores e alunos, buscando melhorar a qualidade do
processo ensino-aprendizagem. Desde 2010, temos um grupo de estudos fixo, que
se debruça sobre o tema em questão, porém, na prática, temos observado
resultados pouco expressivos. Assim, passei a estudar a possibilidade de criarmos
um espaço para conversação entre alunos e professores, e demais pessoas
envolvidas em determinado problema. Partindo dessa proposta e sob a orientação
16
da Prof.ª Dra. Maria Luiza Puglisi Munhoz, me envolvi na atual pesquisa buscando
aprofundar meu conhecimento sobre o Espaço Conversacional.
Observamos que a falta de tempo para investir na relação entre o professor e
o aluno tem sido um dos fatores que contribuem para se instalar conflitos entre eles.
Desta forma, abrimos na escola um espaço conversacional no qual, procuramos
incentivar o professor e o aluno a interagirem, a fim de estudarmos o efeito dessa
ferramenta nestes participantes. Buscamos, por meio dela conhecer as contribuições
que esta ferramenta venha a oferecer aos participantes do “Espaço Conversacional”,
principalmente no que diz respeito às relações entre eles e aos caminhos para a
solução do problema. Nesse espaço pretendemos formar um sistema partindo de
uma situação problema que seja apontada pelos envolvidos.
1.3 OBJETIVOS
Buscamos testar a ferramenta Espaço Conversacional numa escola
particular do interior de São Paulo e para isso temos como objetivos:
Geral: Investigar a contribuição da ferramenta Espaço Conversacional
no estreitamento da relação professor-aluno por meio das falas dos participantes.
Específicos:
a. Investigar a forma como os participantes interagem no espaço
conversacional: se têm direito a voz, se contribuem com suas ideias
e opiniões.
b. Investigar os resultados práticos do espaço conversacional como
ferramenta para criação de alternativas para solução do problema
em pauta.
Para melhor compreendermos o fenômeno em questão, realizamos uma
revisão bibliográfica buscando subsídio nos teóricos abaixo elencados:
Teoria sistêmica: Bertalanffy, Watzlawick et al., Miermont e cols.,
Vasconcellos, Grandesso.
Interação no espaço social: aproximação entre os teóricos Morin e
Vigotski usando como mediador da aproximação o texto de Zanella.
Seres humanos e a comunicação: Watzlawick e cols., Maturana e
Vasconcellos.
17
Seres humanos e sistemas sociais: Vasconcellos e Maturana.
Conversa, conversação e espaço conversacional: Maturana, Anderson,
Vasconcellos.
Espaço conversacional e o sistema determinado pelo problema:
Vasconcellos e Aun.
Relação professor e aluno: Gasparian, Rogers, Scatralle.
A metodologia utilizada neste trabalho tem uma abordagem qualitativa, com
ênfase no estudo de caso. O instrumento utilizado para conhecer as opiniões dos
participantes foi a entrevista semiestruturada. Desta forma, queremos colaborar para
que a escola encontre caminhos que ajudem o professor a analisar e a refletir sobre
suas ações e atuações, descobrindo alternativas de ações possíveis na sua prática.
Gasparian (1998) relata que isso só será possível se o professor alterar a sua forma
de olhar o mundo, a sociedade, as pessoas, seus alunos e, quem sabe, vê-los não
como uma coleção de objetos isolados, mas como uma rede de fenômenos que
estão profundamente interconectados e interdependentes.
18
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 TEORIA SISTÊMICA
O biólogo austríaco Ludwig Von Bertalanffy, ao estudar os fenômenos
biológicos, diferenciando-os dos fenômenos físicos, tinha em mente como proposta
identificar os princípios básicos que determinavam o funcionamento de todos os
sistemas. A partir de suas investigações, chegou a organizar esses princípios
criando uma teoria, descrita e publicada em seu livro intitulado: Teoria Geral dos
Sistemas (1968). Esta teoria não permanece no âmbito de estudos da Biologia, mas
se generaliza para explicar fenômenos humanos e sociais. Desta forma, ela foi
posteriormente aplicada em diferentes áreas do conhecimento, voltando-se
especialmente ao entendimento dos sistemas vivos que para nós, sistemas
humanos, torna-se de fundamental importância. Podemos citar, como exemplo de
sistemas humanos, a sociedade, a família, a escola e o trabalho.
Esta teoria enfatiza a mútua interdependência e inter-relação dos
componentes que fazem parte de um sistema como uma totalidade integrada, com
dinâmica própria. Bertalanffy (1968/2009, p. 264) define um sistema como um
complexo de elementos em interação e afirma que “qualquer organismo é um
sistema, isto é, uma ordem dinâmica de partes e processos em mútua interação e
interdependência”. Nesse sentido, pode-se dizer que um conjunto de partículas que
se atraem mutuamente, como por exemplo, o sistema solar, um grupo de pessoas
em uma organização, uma rede de indústrias, um circuito elétrico, um computador
ou um ser vivo podem ser visualizados como sistemas. Por isso, baseamos nossos
estudos nessa visão, porque, de uma maneira ou de outra, deparamo-nos com
complexos, tendo que lidar com totalidades ou sistemas em todos os campos do
conhecimento.
Não há como negar que existe uma relação entre as diversas áreas do
conhecimento. Elas se comunicam, pois fazem parte de um todo. As pessoas vivem
em um mundo em interação onde ora são produtoras de mudanças ora são produtos
da mudança, ora influenciam ora são influenciadas, e assim todos nós fazemos
parte de um ou mais sistemas, quer em maior ou menor escala.
Outros estudiosos complementam essa teoria ao se deterem nos princípios
básicos de organização e nas relações que ocorrem entre os elementos de um
19
sistema. A concepção Sistêmica, de acordo com Capra, vê o mundo em suas
relações e integração, e afirma: “em vez de se concentrar nos elementos ou
substâncias básicas, a abordagem sistêmica enfatiza princípios básicos de
organização” (CAPRA, 1995, p. 260). Constatamos que o objeto de estudo desta
teoria está justamente nas relações que acontecem nos espaços intra, inter e trans
grupais e isto ocorre porque ela enfatiza as propriedades que emergem nas relações
intrinsecamente dinâmicas, ao invés das propriedades isoladas de cada fenômeno
ocorrente.
Quando Bertalanffy (1968/2009, p. 84) fala sobre o sistema como um
complexo de elementos em interação, ele ilustra o conceito, exemplificando da
seguinte forma: “a interação significa que os elementos p estão em relações R, de
modo que o comportamento de um elemento p em R é diferente de seu
comportamento em outra relação R‟ ”. Portanto, podemos entender que nós
assumimos diferentes papéis e interações dependendo do contexto e com quais
pessoas nos relacionamos. Ilustramos esse conceito como seguinte exemplo: o
relacionamento de uma determinada mulher com seus filhos ou com o seu marido
será diferente do relacionamento com o seu chefe de trabalho, pois ela se
comportará de acordo com o que é esperado em cada um dos contextos.
Vasconcellos (2009) afirma que a diferença na forma de se relacionar fica implícita
na interação, pois é esta que constitui o sistema e torna os elementos daquela
relação mutuamente interdependentes. Hoje na escola podemos perceber que o
professor, além de seus papéis particulares e pessoais, devido às circunstâncias e
mudanças sociais e culturais a que todos estão expostos, tem sido “forçado” a
aceitar outros papéis na sala de aula além do de professor: conselheiro, psicólogo,
pai ou mãe, disciplinador, entre outros. Desta forma os papéis acabam, por vezes,
se confundindo entre os contextos pelos quais o professor transita.
Compreendemos que para entender o comportamento das partes, é
indispensável levar em consideração as relações que ali acontecem, pois as partes
isoladas não formam um todo coeso, um sistema. Se somarmos as características
dos elementos de um amontoado de pessoas que não se inter-relacionam, não
teremos um sistema formado, pois precisamos perceber as pessoas em suas
relações específicas. Por isso, nos apoiamos em Vasconcellos quando cita: “as
relações são o que dá coesão ao sistema todo, conferindo-lhe um caráter de
totalidade ou globalidade, uma das características definidoras do sistema”
20
(VASCONCELLOS, 2009, p.199). São as relações que dão significado e vida ao
sistema.
O sistema apresenta algumas características que o definem como tal.
Recorremos a Watzlawick et al para buscarmos algumas dessas características ou
princípios. Ele cita alguns princípios básicos sobre os estudos que realizou na
família como um sistema. Um desses princípios é o da globalidade, onde conceitua
que o comportamento de cada pessoa dentro de um sistema/família “está
relacionado com (e depende do) comportamento de todos os outros. Todo o
comportamento é comunicação e influencia e é influenciado por outros” (1967/2007,
p.122). Quando há uma mudança, qualquer que seja, para pior ou para melhor, esta
influenciará os demais membros do sistema. Desta forma, podemos entender que
um sistema se comporta não como um simples conjunto de pessoas ou elementos
independentes uns dos outros, mas como um todo inseparável, interdependente e
interligado cujas mudanças afetam as partes e, como consequência, provocam
alterações no todo. Por sua vez, Grandesso (2006) também comenta sobre a
característica da globalidade do sistema, onde “todo e qualquer sistema comportam-
se como um todo coeso” (p.120). Assim, podemos compreender que é impossível
alterar as partes sem que o todo sofra as consequências dessas mudanças. No
cotidiano escolar é grande a carga de queixas dos alunos e, principalmente, dos
professores sobre problemas em suas relações, queixas essas advindas,
provavelmente, das mudanças que estão ocorrendo na sociedade e que afetam a
escola. Portanto, as partes estão sendo afetadas e alteradas, mas ainda por não
saberem lidar com essas mudanças, acabam desiquilibrando o todo.
Watzlawick et al. (1967/2007) complementam o princípio da Globalidade
citando duas características importantes: o da Não Somatividade e o das relações
entre os elementos de um sistema. Na Não Somatividade ele afirma que a análise
de um sistema não é a soma das análises dos seus membros individuais, mas sim
análise do conjunto das inter-relações, pois no sistema existem características,
padrões de interação que ultrapassam as qualidades dos membros individuais.
Grandesso interpreta o princípio da Não Somatividade afirmando que um sistema
não pode ser considerado como a soma de suas partes, isto é, “a complexidade
sistêmica não pode ser explicada a partir da soma dos seus elementos”
(GRANDESSO, 2006, p.120), mas em seus relacionamentos e contextos. Se
21
buscarmos decompor um sistema em unidades independentes e lineares, não
estaremos compreendendo a globalidade do sistema.
Outra característica apresentada por Watzlawick et al. diz respeito às
relações onde afirma que no sistema elas não podem ser unilaterais entre seus
elementos. Ele esclarece essa ideia exemplificando da seguinte forma: “afirmar que
o comportamento da pessoa A causa o comportamento em B é ignorar o efeito do
comportamento de B sobre a reação subsequente de A” (WATZLAWICK et al.,
1967/2007, p. 114), ou seja, A influencia B e B influencia A. Portanto, há que se
tomar cuidado, especialmente, quando se trata de relações entre os pares: pais-
filhos, líder-liderado, professor-aluno, pois nestas quem tem o poder acaba por ter
uma relação com o outro de uma forma mais unilateral, ou seja, ele manda e o outro
tem que obedecer. Porém, sabemos que é impossível A não influenciar B e B não
influenciar A. Por mais que as relações, em alguns casos, sejam de poder (quem
manda mais), um exerce influência sobre o outro o que provocará de alguma forma
mudanças em ambos.
Outro princípio dos sistemas citado por Watzlawick et al. (1967/2007) é o que
podemos chamar de circularidade, ou seja, as partes de um sistema se unem por
meio de uma relação circular. Quando nos referimos à circularidade, entendemos
que a interação entre os elementos de um sistema não é linear e sim circular, e
recorremos a Gasparian (1998) para compreendermos melhor esse princípio. Ela
explica que no caso da circularidade a noção de causa e efeito passa a ser
entendida de forma diferente, ou seja, no conceito de causalidade circular um todo
não possui começo nem fim e qualquer tentativa de transferir responsabilidade para
onde o problema começou é inapropriado. Assim, para se entender uma situação
problema é necessário englobar todos os elementos envolvidos e tentar
compreender a forma como eles estão ligados. Miermont e cols afirmam que a
circularidade “descreve uma sequência temporal de encadeamentos ligados por uma
relação de causalidade de tal maneira que o último estado da sequência age em
retorno sobre o estado inicial, formando assim um anel” (MIERMONT e cols, 1994
p.138).
Em Vasconcellos buscamos alguns esclarecimentos sobre a questão do
feedback e da retroalimentação:
22
Quando se diz que um sistema conta com um mecanismo de retroação ou retroalimentação, isso quer dizer que, à medida que o sistema vai funcionando, vai também sendo informado dos resultados ou efeitos produzidos por seu funcionamento. Ou seja, uma parte do resultado (output) é enviada, como informação (input), para a entrada do sistema (VASCONCELLOS, 2009, p.219).
Podemos exemplificar esse princípio citando a escola. Ela é vista como um
sistema e pode ser encarada como um circuito de retroalimentação, pois o
comportamento de cada indivíduo afeta e é afetado pelo comportamento de cada
uma das pessoas envolvidas, e os resultados das mudanças voltam como um
feedback ao início do circuito. Nesse processo, todos os elementos movem-se juntos
e podemos compreendê-lo sempre em termos de relações, informações e
organização entre seus membros (GASPARIAN, 1998).
Em Watzlawick et al. (1967/2007) buscamos esclarecimentos sobre o
princípio de homeostase, quando descreve que as admissões ou as ações dos
membros de um sistema ou do meio são influenciadas e modificadas também pelo
sistema. O princípio de homeostase são padrões ou processos básicos para a
manutenção de um sistema. Geralmente cada sistema tende a oferecer resistência a
determinadas mudanças que ameacem o equilíbrio desse sistema, por isso tentam,
quanto possível, manter seus padrões de interação, ou seja, a sua homeostase, seu
equilíbrio. Porém, a relação de um sistema pode ser perturbada pelos “inputs”
naquele sistema ao reagir positiva ou negativamente. Entendemos aqui “inputs”
como sendo a entrada de novas informações, atitudes, valores, comportamentos,
entre outros, que venham, de alguma forma, ameaçar o equilíbrio do sistema. Se
este aceitar os “inputs” do meio e mudar sua organização ele estará sendo
retroalimentado e dando feedbacks positivos. Podemos exemplificar este princípio
ao pensarmos no sistema professor-aluno. Se o professor procura compreender a
fase em que seus alunos estão vivendo, por exemplo, a adolescência, e se aproxima
mais do adolescente, se reorganiza para adaptar-se a essas mudanças, busca
dialogar e compreendê-lo melhor, a tendência é o sistema começar a achar um
caminho para a homeostase, para o equilíbrio. Isto favorecerá o circular da
informação, baixando possíveis barreiras. Porém, Grandesso (2006) alerta que
existem sistemas que estão sempre tentando se proteger das mudanças, não as
aceitam e esperam com isso manter o equilíbrio desse sistema. Podemos perceber
no cotidiano da escola, por exemplo, alguns professores que são inflexíveis e para
23
eles não interessa se essa geração de adolescentes é diferente da geração
passada. Eles continuam a agir da mesma forma, e usam as mesmas estratégias
para dar suas aulas. Alguns conflitos surgem, mas eles não aceitam mudar.
Quando o sistema aceita os “inputs” do meio e se reorganiza para adaptar-se
às mudanças ele é considerado um sistema aberto. De acordo com Miermont e cols.
o “sistema aberto supõe um intercâmbio de matéria, de energia e de informação com
o meio ambiente” (MIERMONT e cols.,1994, p. 507, 508). No entanto, no sistema
aberto é importante cuidar com o grau de abertura, ao permitir intercâmbios
necessários com outros sistemas sociais, é necessário tomar cuidado para que o
sistema não esteja totalmente aberto, para que não haja invasão completa. Caso
haja essa invasão o sistema pode correr o risco de ser destruído por falta de limites
e defesas necessários para o equilíbrio desse sistema. A escola é um sistema
aberto por causa dos movimentos que ocorrem a todo tempo para dentro e para fora
desse sistema na qual ocorrem “interação uns com os outros e com sistemas
familiares e extrafamiliares (como o meio ambiente e a comunidade), num fluxo
constante de informações, energia e material” (GASPARIAN, 1998, p.35). No
sistema-escola, podemos observar dois outros sistemas que estão em constante
interação: o professor e o aluno, que precisam estar abertos para receber
informações, conhecimentos, culturas vindos de cada um deles. Eles precisam estar
abertos suficientemente para que haja mudanças e crescimento necessários para
ambos. A estrutura do sistema precisa estar preparada para receber e lidar com
esses “inputs” vindos do seu ambiente, pois são os mecanismos constantes em sua
estrutura que determinam suas reações e possíveis mudanças em relação aos
aspectos de seu ambiente.
O que ajuda a manter o equilíbrio do sistema é o que Vasconcellos chama de
auto-regulação: “quando o próprio sistema exibe um comportamento adaptativo às
variações do meio, diz-se que está exibindo auto-regulação” (VASCONCELLOS,
2009, p.220). Para compreendermos esse conceito podemos citar como exemplo, o
sistema professor e aluno. Na sala de aula quando um aluno causa algum tumulto
prejudicando o andamento da aula, o professor, para recuperar novamente o
equilíbrio do sistema, pede para chamar o diretor disciplinar. Se o diretor não se
encontra e o professor mesmo procura resolver o problema conversando à parte
com o aluno, e se consegue resolver o problema, neste caso podemos dizer que o
24
sistema encontrou a auto-regulação. O professor pode incorporar essa atitude para
outros casos que ocorram na sala.
Alguns sistemas conseguem absorver grandes problemas e converte-os em
fortalecimento para o próprio sistema, enquanto outros parecem ser incapazes de
suportar o menor problema, e se desequilibram. Neste último caso, pode-se
considerar esse sistema como fechado. Tentando manter a homeostase do sistema
acabam tendo problemas maiores. Tudo depende dos recursos que cada sistema
desenvolve para se equilibrar diante de situações problemáticas: ou se fecha e
paralisa diante do problema, ou se abre para novos caminhos e alternativas. No
cotidiano da escola, podemos ver um exemplo no sistema aluno-professor: o do
professor, que diante do desinteresse dos alunos ao explicar a matéria, tenta criar
novas técnicas de passar o conteúdo e chamar a atenção, por outro lado há
professor que prefere deixar como está pois acha que os alunos estão
desinteressados, não querem aprender.
Concluímos então que a teoria dos sistemas, como qualquer outra teoria, tem
seus próprios axiomas (linguagens e enunciados próprios). Recordamos que a teoria
geral dos sistemas define um sistema como um complexo de elementos em
interação e, podemos sintetizá-la da seguinte forma (BERTALANFFY, 1968/2009):
1. Os elementos de um sistema são considerados subsistemas, dependendo da
posição que se estabelece em relação aos sistemas maiores, tal como o indivíduo é
um sistema em si, mas como pertencente à família torna-se um subsistema. Assim
como a família compreendida como um sistema, torna-se subsistema quando é
analisada como parte integrante de uma sociedade. Podemos esclarecer esse
conceito observando o esquema a seguir (figura 1):
25
Figura 1- Exemplos de relações entre os sistemas e subsistemas
2. O olhar do observador, para saber se a relação é de Sistema para Sistema ou
de Sistema para subsistema, depende da comparação que estamos fazendo
ou estudando. Dependendo do olhar, eles são ao mesmo tempo todo e parte,
ou sistemas dentro de sistemas.
3. A interação entre elementos, ou entre sistemas e subsistemas, estão sempre
buscando manter o equilíbrio do sistema (homeostase);
4. O sistema é aberto ou fechado, se permite, ou não, intercâmbios de matéria,
de energia e de informação com seu meio ambiente;
5. Com frequência, o funcionamento interno do sistema não pode ser conhecido,
apenas é percebido a partir da maneira como se estabelecem suas
sequências relacionais.
26
Capra, ao falar sobre a concepção sistêmica, a descreve como sendo a nova
visão da realidade, e a define como “o estado de inter-relação e interdependência
entre todos os fenômenos físicos, biológicos, psicológicos e sociais” (CAPRA, 1995,
p. 259). O destaque nesse caso é para as interações e interdependências entre as
partes do sistema vivo e a busca pela auto-organização e auto-renovação/auto-
regulação. Ele vem apresentando os aspectos da totalidade exibidos por todos os
sistemas que estão em interação mútua.
2.2 APROXIMAÇÕES ENTRE MORIN E VIGOTSKI: INTERAÇÃO NO ESPAÇO
SOCIAL
Morin defende a teoria do pensamento complexo, a qual alerta para a
necessidade de se enxergar os fatos e o mundo de forma sistêmica e
interdisciplinar. Ele diz que o próprio desenvolvimento no século XX “fez com que
nos defrontássemos cada vez mais amiúde e, de modo inevitável, com os desafios
da complexidade” (MORIN, 2002b, p.16). A formação que recebemos na escola nos
força a enxergar o mundo de forma fragmentada e nos induz a separar os objetos de
seu contexto, assim como acontece com as disciplinas na sala de aula onde são
separadas uma das outras e muitas não se relacionam. O autor relata que “essa
separação e fragmentação (....) é incapaz de captar „o que está tecido em conjunto‟,
isto é, o complexo, segundo o sentido original do termo” (MORIN, 2002b, p.16). A
fragmentação separa as pessoas, os fatos, os problemas do seu contexto e impede
a visualização ampla e verdadeira da situação, dificultando assim a solução dos
problemas. Enxergar os fenômenos em seu contexto, de forma sistêmica, em suas
inter-relações nos possibilita encontrar caminhos, para analisá-los com o
entendimento do complexo em que ocorrem, permitindo obter uma visão do todo e
não apenas das partes isoladas. Corrobora com essas afirmações a citação feita por
Morin: “os espíritos parcelados tornam-se cegos às inter-retroações e a causalidade
em circuito” (MORIN, 2002b, p.16).
Para evitar essa “cegueira”, seria necessário promover meios para que as
pessoas se tornem conscientes da necessidade de encarar o contexto, o complexo e
que sejam incitadas à reflexão, a fim de poder tecer um fio que perpasse, una e
promova um visualizar sistêmico. Para Morin a “inteligência que só sabe separar,
27
rompe o caráter complexo do mundo em fragmentos desunidos, fraciona os
problemas e unidimensionaliza o multidimensional” (MORIN, 2002b, p.17).
Buscamos em Bertalanffy (1968/2009) a confirmação dessas ideias quando orienta
que para conhecer as características de um sistema é necessário entender as
relações específicas no interior do complexo, levando em consideração não somente
as partes, mas as relações entre elas. Vasconcellos afirma que se pudermos
observar um fenômeno de forma contextualizada e ampliando o foco, podemos
verificar em que circunstância o fenômeno acontece, e ao estudar as relações em
suas interações, poderemos ver, de acordo com ela, “não mais um fenômeno, mas
uma teia de fenômenos recursivamente interligados e, portanto, terá diante de si a
complexidade do sistema” (VASCONCELLOS, 2009, p.151).
Vigotski, por sua vez, enfatiza o processo histórico social e o papel da
linguagem no desenvolvimento humano. Sua questão central é a aquisição de
conhecimentos pela interação do sujeito com o meio. Ele considera o homem
sempre inserido na sociedade, sua abordagem é orientada para os processos de
desenvolvimento do ser humano com ênfase na dimensão sócio-histórica e na
interação do homem com o outro no espaço social (Vigotski, 1998). Ele acreditava
que as características individuais e até as atitudes estão impregnadas de trocas com
o coletivo, ou seja, mesmo o que tomamos por individual de um ser humano foi
construído a partir de sua relação com o outro. Seus estudos nos mostram que a
internalização de conceitos é promovida pela aprendizagem social, principalmente
aquela planejada no meio escolar. Martins, Castanho e Angelini (2011, p.168)
afirmam que “ é esse movimento „de dentro para fora‟ que possibilita a construção
de sujeitos únicos, por meio de vivências individuais na relação com os outros, com
o mundo”.
Morin (2002a), ao defender o pensamento complexo, afirma que este requer
um pensamento que leve em conta relações, inter-relações, e as implicações nessas
relações. Ele acredita que ao observar os fenômenos em suas inúmeras dimensões
sejam analisadas verdades aparentemente contraditórias, e que ao focar a relação
entre as partes se leve em consideração o todo, sem desrespeitar a individualidade.
Gasparian (1998) ao falar sobre Vigotski comenta que por meio de seus estudos ele
mostra a importância da dimensão cultural e histórica do sujeito, e que por meio da
teia de relações sociais, são formados o pensamento e o conhecimento. Martins,
Castanho e Angelini (2011, p.169) corroboram esse pensamento ao afirmarem: “o
28
funcionamento psicológico humano, portanto, é construído ao longo da vida por meio
de um processo constante de interação do indivíduo com o seu meio social”.
Podemos dizer que nesse caso a pessoa é formada pelas interações com o meio
físico e social, com o mundo das relações humanas. Gasparian (1998) vem
colaborar com este pensamento ao se referir à teoria Interacionista defendida por
Vigotski, a qual enfatiza que:
cada um dos pólos- sujeito e objeto- entra com sua parte: o sujeito entra com a „forma‟ de pensamento e o objeto, com o „conteúdo‟ da matéria. A síntese da ação dos dois é que produz, por construção, tanto a mente como o conhecimento. Vemos então uma das propriedades da Teoria do Sistema: a circularidade, onde A, que influencia B, que B influencia A (GASPARIAN, 1998, p. 58 e 59).
Na busca do verdadeiro pensamento complexo de Morin (2002b) esbarramos
em vários conceitos e princípios, entre eles estão três princípios básicos interligados:
o recursivo (autoprodutivo): processo no qual efeitos e produtos são
necessários à produção e à sua própria causação, na recursividade a causa
produz um efeito, que por sua vez produz uma causa. Nós mesmos, por
exemplo, somos os efeitos e os produtos de um processo de reprodução, mas
somos também seus produtores (circularidade). Somos produto de uma união
biológica, entre um homem e uma mulher, e por nossa vez seremos
geradores de outras uniões.
o dialógico: ele é necessário para afrontar realidades que, justamente, unem
verdades aparentemente contraditórias. Criam-se novas possibilidades de
entendimento de fenômenos ocorrentes. Por exemplo, “viver de morte e
morrer de vida”. O dialógico envolve o entrelaçar coisas que aparentemente
estão separadas, por exemplo: razão e emoção, sensível e inteligível, o real e
o imaginário, a razão e os mitos, a ciência e a arte.
o hologramático: a parte está no todo, como o todo está na parte. Por
exemplo, cada célula do corpo humano contém a totalidade das informações
de determinada pessoa. A pessoa é o todo e as células são as partes que
também contém o todo.
29
Sintetizando, podemos dizer que o pensamento complexo junta coisas que
estavam separadas, faz circular o efeito sobre a causa, não dissocia a parte do todo,
pois o todo está na parte e a parte está no todo. Partindo destes três princípios é
possível fazermos algumas aproximações entre Morin e Vigotski. Em cada um dos
princípios vamos buscar aproximações entre estes dois teóricos.
Aproximações pelo princípio Recursivo ou Autoprodutivo
Neste princípio, Morin diz que a causalidade linear é rompida, e explica que
“este circuito implica num processo no qual efeitos e produtos são necessários à sua
própria causação” (MORIN, 2002b, p.64). Podemos compreender, por exemplo, que
só há cultura enquanto esta for resultado da ação de homens que, por sua vez, a
mesma ação produz cultura, isto é, ela também é produtora do próprio homem.
Vigotski acredita que as características individuais e até mesmo as atitudes
individuais estão impregnadas de trocas com o coletivo, ou seja, mesmo o que
tomamos por mais individual de um ser humano foi construído a partir da relação
com o outro (VIGOTSKI,1998) . Na relação professor-aluno, ambos trazem suas
experiências de vida, sua cultura, que em contato um com outro provocarão
mudanças em ambos, um influenciará o outro, e nesta interação cada qual será
produtor e produto de novas aprendizagens. Neste sentido, Morin afirma que:
Uma sociedade é o produto das interações entre os indivíduos que a compõem. Desta sociedade emergem qualidades como a língua ou a cultura que retroagem sobre os produtos, produzindo indivíduos humanos. De modo semelhante, deixamos de ser apenas primatas, graças à cultura. A causalidade é representada de agora em diante por uma espiral. Ela não é mais linear” (MORIN, 2002 b, p.64).
Nessa perspectiva as relações passam a ser bilaterais e em espiral onde
cada um influencia e é influenciado pelo outro. Em Vigotski podemos encontrar
aproximações a essas ideias de Morin:
Todo cultural é social. A cultura é precisamente o produto da vida social e da atividade “mancomunada” do homem, e, por isto, o próprio apontamento do problema do desenvolvimento cultural da conduta nos introduz, de maneira direta, no plano social do desenvolvimento (ViGOTSKi, 1931/1987, p. 162).
30
Observamos então que tanto Morin quanto Vigotyski, quando falam sobre a
constituição de cada sujeito, se referem à relação sujeito-sociedade (ZANELLA,
2003). Percebemos que a escola é um desses locais no qual inúmeras
transformações acontecem, pois ali tanto alunos quanto professores estão
produzindo cultura e, de igual forma, estão sendo produtos dessa cultura.
Aproximações pelo princípio hologramático
Morin escolheu chamar este princípio de hologramático por causa do ponto
holograma que contém a quase totalidade da informação da figura apresentada. Por
isso, se entendermos a sociedade como um todo, também, nós como parte teremos
a sociedade em nosso interior, porque, de acordo com o autor “somos portadores de
sua linguagem e de sua cultura” (MORIN, 2002b, p. 65). Podemos compreender
ainda esse conceito ao lermos a citação de Morin:
um todo emerge a partir de elementos constitutivos que interagem, e o todo organizador que se constituiu retroage sobre as partes que o constituem. Essa retroação faz com que estas partes só possam funcionar graças ao todo (MORIN, 1983, p. 23).
Percebemos que há uma influência recíproca entre todo e partes. Para
Vigotski, a relação todo-partes acaba aparecendo em vários contextos, um deles diz
respeito à necessidade de se identificar unidades de análise, sobre o qual afirma:
As unidades, diferentes dos elementos, não perdem as propriedades inerentes ao todo que deve ser objeto de explicação, senão que encerram em sua forma mais simples e primária essas propriedades do todo que tem motivado a análise (ViGOTSKi, 1934/1991a, p. 288).
Tanto Morin quanto Vigotski entendem o todo relacionado com as partes que,
isoladamente, possuem também a própria harmonia. Zanella (2003) diz que parece
haver uma linha norteadora entre os dois autores, existe uma relação inexorável
entre geral e particular, todo e partes, que se caracteriza como de mútua
constituição. Para ela, o que os diferencia sobremaneira é onde aplicam esse
princípio: Vigotski estava interessado em explicar o psiquismo humano, sua gênese
e processo de desenvolvimento, o que só é possível via análise de produção cultural
e da produção cultural do sujeito, Morin, por sua vez, vem dedicando esforços no
31
sentido de explicar a complexidade do universo, assim como de todo e qualquer
conhecimento que se produz sobre esse universo.
Aproximações pelo princípio Dialógico
Neste princípio complexo, Morin (2002b) envolve o entrelaçar coisas que
aparentemente estão separadas. No caso do professor e o aluno com posições e
falas divergentes, conforme se aproximam e dialogizam, podem percebem que as
posições e conceitos outrora divergentes, são verdades que apenas precisavam ser
compreendidas e esclarecidas. Por meio desta interação dialógica poderão ocorrer
mudanças em ambos.
Morato (1996), ao falar sobre Vigotski, comenta sobre o movimento dialético
entre exterioridade e interioridade, demonstrando assim a influência da natureza
sobre o homem e o homem, por sua vez, age sobre a natureza e cria novas
condições para a manutenção de sua existência, assim, nesta aproximação, nos
apoderamos do conceito dialético que viria como um primeiro passo para chegar ao
dialógico defendido por Morin.
Ao criar este princípio, Morin (2002b) afirma que é preciso, em determinados
casos, juntar princípios, ideias e noções que, muitas vezes, aparentemente, opõem-
se uns aos outros. Neste princípio faz-se necessário afrontar realidades profundas
que justamente unem verdades aparentemente contraditórias.
Abaixo seguem duas citações, uma de Morin e uma de Vigotski, que trazem,
em si mesmas, aparente contradição, porém com verdades profundas, quando
analisadas e confrontadas. Estas citações acabam confirmando e reforçando o
princípio dialógico.
Quando falo “ao mesmo tempo que eu”, falamos “nós”; nós a comunidade cálida da qual somos parte. Mas, não há somente o “nós”; no “eu falo” também está o “se fala”. Fala-se, algo anônimo, algo que é a coletividade fria. Em cada “eu” humano há algo de “nós” e do “se”. Pois o “eu” não é puro e não está só, nem é único. Se não existisse o “se”, o eu não poderia falar (MORIN, 1996, p. 54).
Temos consciência de nós mesmos porque a temos dos demais e pelo mesmo procedimento através do qual conhecemos os demais, porque nós mesmos em relação a nós mesmos somos o mesmo que os demais em relação a nós. Tenho consciência de mim mesmo somente na medida em que para mim sou outro” (VYGOTSKY, 1996, p. 82).
32
De forma genérica o sujeito é entendido como socialmente constituído, a
esfera do social, é considerada não como a do outro, mas fundamentalmente a da
relação com o outro. O que se destaca nessas reflexões é o que caracteriza o
propriamente humano: a possibilidade de reconhecer o outro, o diferente, o que é
feito a partir da referência ao que é conhecido, assim como de converter-se em outro
de si mesmo, o que lhe permite se conhecer. Nessa aparente contradição encontra-
se o que de fato somos.
Com os três princípios apresentados por Morin e buscando algumas
aproximações com Vigotski, é possível criarmos a noção de totalidade, mas ao
mesmo tempo criarmos uma concepção de que a simples soma das partes não leva
a este total. Vigotski afirma que “cada pessoa é, em maior ou menor grau, o modelo
da sociedade, ou melhor, da classe a que pertence, já que nela se reflete a
totalidade das relações sociais”. (VIGOTSKI, 1996, p. 368).
Depois destas considerações podemos perceber de qual sujeito Morin e
Vigotski estão falando. Para Morin o sujeito... “é uma qualidade fundamental, própria
do ser vivo, que não se reduz à singularidade morfológica ou psicológica (...) é uma
realidade que compreende um entrelaçamento de múltiplos componentes” (MORIN,
1996, p. 52). Desta maneira, podemos compreender que ele vê o sujeito em suas
inter-relações com vários outros sistemas, como se fosse uma complexa teia de
aranha. Já, para Vigotski (1931/1991b), o sujeito é uma pessoa, um ser em
desenvolvimento que está em constante movimento e, por meio da utilização de
ferramentas culturais na atividade, é capaz de regular sua conduta e vontade. O
sujeito é um movimento constante, e para que ele esteja sempre em movimento há
necessidade do outro, assim acontecem as relações e, muitas vezes, uma
interdependência de um para com o outro. Ao tentar uma aproximação dos
conceitos propostos pelos estudiosos citados, vemos que o eu (como parte) está
inserido no todo, pois não sobrevive se assim não o for.
Nesses movimentos e relações acontecem, muitas vezes, crises, que são
momentos em que se produzem saltos qualitativos que modificam a relação, os
vínculos e produzem aprendizagem significativa.
Desta forma, podemos construir a seguinte ponte entre Morin e Vigotski: se para
Morin é de suma importância ter um olhar do complexo, do todo e não das partes
isoladas, de suas relações e interações; para Vigotski acaba sendo algo parecido
também, porque entende que será no âmago das interações, ou seja, no interior do
33
coletivo, que a pessoa terá condições de construir suas próprias estruturas
psicológicas. Para ele, não basta ter todo o aparato biológico da espécie para poder
realizar uma tarefa, se o indivíduo não participa de ambientes e práticas específicas
que propiciem esta aprendizagem. A aprendizagem deste indivíduo dependerá das
experiências a que foi exposto. Neste modelo, o sujeito é reconhecido como ser
pensante capaz de vincular sua ação à representação de mundo que constitui sua
cultura. A escola propiciará espaço e tempo, nos quais o processo de ensino-
aprendizagem será vivenciado, envolvendo diretamente a interação entre sujeitos.
Pela interação social, aprendemos e nos desenvolvemos, criamos e construímos
novas formas de agir no mundo, ampliamos nossas ferramentas de atuação no
contexto cultural complexo do qual todos fazemos parte.
2.3 SERES HUMANOS E A COMUNICAÇÃO
A comunicação faz parte dos seres humanos, portanto, exceto em casos de
doenças específicas, é impossível não comunicar. Buscamos em Watzlawick et al.
compreender esse pensamento, estes explicam que um indivíduo não pode não se
comportar, pois se todo comportamento em uma situação de interação é
interpretado como mensagem, e mensagem é traduzida como comunicação, logo
“por muito que o indivíduo se esforce, é-lhe impossível não comunicar”
(WATZLAWICK et al., 1967/2007, p.45). Entendemos que até mesmo quando
estamos em silêncio, estamos nos comunicando e, às vezes, nessas circunstâncias,
passamos a mensagem de “não estou para conversas, não me incomode”. Desta
forma, querendo ou não, estamos todo o tempo nos comunicando. Eles, ainda,
apontam outro detalhe e reforçam a ideia de que um indivíduo não apenas
comunica, ele se envolve em comunicação, ele participa dela, pois se torna parte da
comunicação. Por isso, entendemos que a comunicação no sistema precisa ser
compreendida no nível transacional, no qual há conversas e trocas.
Miermont e cols. (1994) conceituam que comunicar em sua forma transitiva
seria o mesmo que transmitir, não apenas de forma unilateral, mas bilateral, onde
um comunica e o outro responde. Isto significa estar em relação, e, portanto, pela
comunicação introduzimos a circularidade, pois a comunicação acontece em um “vai
e vem” de conversas e informações.
34
Para Miermont e cols. (1994, p. 542) “os fatos de comunicação são a arte e a
ciência de tornar uma ação eficaz através do tratamento de informações”.
Compreendemos que aquilo que recebemos pela comunicação, pode ser
considerado uma comunicação eficiente se conseguimos realizar ações sobre a
informação recebida. Podemos entender melhor este conceito ao usar um exemplo
do cotidiano da escola: em uma reunião com professores, a coordenadora conversa
com eles e passa as coordenadas de como acontecerá o sistema avaliativo do ano
corrente. Ela perceberá se a comunicação foi eficaz, se no dia a dia os professores
colocaram em prática o que foi combinado. Porém, por vezes, percebemos que a
comunicação sofre muitos ruídos o que pode vir a comprometer o trabalho. Quanto
melhor for a interação entre as partes, melhor será a comunicação. Watzlawick et al.
(1967/2007) ao falar sobre interação, a definem como uma série de mensagens
trocadas entre pessoas. No caso do exemplo acima, se a interação entre os
professores e coordenadora for boa, as mensagens trocadas tendem a ser claras, o
que pode trazer sucesso na prática.
De uma forma ampla, comunicação seria a maneira que um influencia o outro.
Ao se influenciarem estão interagindo, pois os seres humanos existem sempre
imersos em um meio no qual interagem e se comunicam. Porém, a comunicação
não ocorre somente de maneira intencional, pois, comunicamo-nos mesmo sem
perceber.
Para haver uma boa comunicação entre as partes, é necessário observar a
relação da comunicação. Watzlawick et al. apresentam dois aspectos importantes na
comunicação humana: relato e ordem. O relato seria em relação ao conteúdo da
mensagem e a ordem diz respeito à relação da comunicação. Eles descrevem esses
dois tipos, respectivamente como:
O primeiro transmite os “dados” da comunicação, o segundo como essa comunicação deve ser entendida. “Isto é uma ordem” ou “Estou só brincando” são exemplos verbais de tais comunicações sobre comunicação. A relação também pode ser expressa não verbalmente, por um grito, um sorriso ou muitos outros meios. E a relação pode ser claramente entendida com base no contexto em que a comunicação ocorre, por exemplo, entre soldados uniformizados ou uma arena de um circo (WATZLAWICK et al., 1967/2007, p. 49).
Nesse sentido podemos compreender que o “relato” seria o conteúdo
propriamente dito, isto é, independentemente das emoções contidas podemos
35
comunicar qualquer coisa. Já a “ordem” seria o que de fato quero comunicar, ou
seja, a forma como comunico, seriam as relações entre as pessoas que se
comunicam. Na maioria das vezes, essas relações são estabelecidas não de forma
consciente ou planejada. Podemos citar, como exemplo, duas frases onde
procuramos esclarecer a questão de relato e de “ordem”:
__Ao dirigir, use o freio somente quando for necessário.
__Se ficar pisando o tempo todo no freio, você acaba com o meu carro.
As duas frases têm basicamente o mesmo conteúdo de informação (relato),
porém determinam relações muito diferentes. Compreendemos que quanto maiores
são os problemas de ordem, maiores serão os problemas nas relações. Quanto
melhor forem as relações entre as partes, mais clara a mensagem fica. Buscamos
em Watzlawick et al. esclarecimentos sobre esse assunto:
De fato, parece que quanto mais espontânea e ´saudável´ é uma relação, mais o aspecto relacional da comunicação recua para um plano secundário. Inversamente, as relações ´doentes´ são caracterizadas por uma constante luta sobre a natureza das relações, tornando-se cada vez menos importante o aspecto de conteúdo da comunicação (WATZLAWICK et al., 1967/2007, p.48).
Constatamos que a forma como comunicamos e o contexto onde estamos
inseridos, influencia a forma como a mensagem chegará até os envolvidos. Ao
observarmos esse problema na relação professor-aluno, percebemos que, por
vezes, a comunicação fica cheia de problemas, pois o professor não é claro em suas
mensagens, ou então passa uma mensagem carregada de “ordem”, e o aluno não
compreende qual é a mensagem que o professor quer comunicar, ou reage
negativamente devido ao que interpretou. Quanto maiores os problemas nas
relações, maiores serão as dificuldades para se compreender o conteúdo da
mensagem. Desta forma, a interação entre professor e aluno acaba sendo
prejudicada.
Comunicamo-nos por meio da linguagem e por ela expressamos alegria,
tristeza, raiva, medo, em fim, expressamos nossas emoções. É normal ouvirmos em
nosso cotidiano que precisamos controlar nossos “nervos” e as nossas emoções.
Principalmente em contextos sociais, devido a regras estabelecidas ou aquilo que é
esperado, precisamos nos comunicar de forma mais racional. Buscamos em
Maturana (1997) informações sobre comunicação, linguagem e emoção. Ele afirma
36
que a participação da linguagem e das emoções no cotidiano dos relacionamentos é
fundamental e essencial para nos ajudar a comunicar. Porém, controlar as emoções
e comportamentos de forma racional no contexto em que nos encontramos, é
fundamental para evitarmos ou para resolvermos conflitos. O emocional e o racional
aparecem expressos em nossa habilidade para resolvermos os conflitos, e por meio
da linguagem podemos resolver as diferenças (MATURANA, 1997).
Maturana afirma que “a linguagem consiste num fluir de interações
recorrentes que constituem um sistema de coordenações consensuais de conduta”
(MATURANA, 1997, p.168). Entendemos que tanto seres humanos como os
animais, em suas interações com o meio em que estão inseridos, podem coordenar
suas ações para a busca de soluções de uma ou outra situação. No entanto,
somente na espécie humana há coordenações consensuais de conduta, de códigos
para se fazer entender. Os animais podem até interagir esporadicamente diante de
um estímulo, mas de acordo com Vasconcellos, “no caso dos seres humanos as
interações na linguagem não são episódios esporádicos, mas constituem o modo de
viver que vem sendo conservado pela espécie hominídea” (VASCONCELLOS,
2010a, p.18).
Comunicamo-nos por meio de vários elementos da linguagem: gestos, sons,
conduta e posturas corporais, estes vêm carregados de emoções e intenções.
Watzlawick et al. (1967/2007) em suas pesquisas sobre a comunicação humana,
constataram que as pessoas se comunicam de duas formas: digital, por meio das
palavras, e analogicamente, por meio de “postura, gestos, expressão facial, inflexão
da voz, sequência, ritmo e cadência das próprias palavras, e qualquer outra
manifestação não-verbal” (WATZLAWICK et al., 1967/2007, p. 57). Portanto, ao
comunicarmos, a leitura que o outro fará dessa mensagem levará em conta também
a mensagem que o organismo seja capaz de expressar naquele momento.
Vasconcellos (2010a) também fala das duas formas de comunicação, porém usa a
nomenclatura: verbal e não verbal. Entendemos que mais importante que a
mensagem (conteúdo) que está sendo passada, são as relações envolvidas, ou
seja, a riqueza da mensagem analógica (não verbal) envolvida. Quanto mais
cuidamos com a forma analógica que passamos a mensagem, mais compreendida a
mensagem (conteúdo) será. Ao tomarmos estes cuidados poderemos criar melhores
situações de interação nos relacionamentos.
37
É importante relembrarmos que toda comunicação tem um conteúdo e uma
relação, as duas formas de comunicação convivem lado a lado e uma complementa
a outra em todas as mensagens em que nos envolvemos. Sobre esse assunto
Watzlawick et al nos deixam uma dica: “o aspecto do conteúdo tem toda a
probabilidade de ser transmitido digitalmente, ao passo que o aspecto relacional
será predominantemente analógico em sua natureza” (WATZLAWICK et
al.,1967/2007, P.59). Portanto, a forma como comunicamos ou passamos a
mensagem define o tipo de relacionamento que teremos com as pessoas
envolvidas.
Em Maturana encontramos um estudo que vem corroborar as ideias acima
citadas. Ele afirma que o “fluir de suas mudanças corporais, posturas e emoções
tem a ver com o conteúdo de seu linguajar” (MATURANA, 1997, p.168). Ou seja, a
forma como usamos o nosso linguajar acaba mudando a nossa dinâmica corporal e
a dinâmica corporal, por sua vez, altera nosso linguajar. Pensando dessa forma
podemos compreender que todos os comportamentos ou condutas podem ser
considerados como mensagens informativas e pode causar impacto nos
relacionamentos.
Se nos comunicamos por meio da linguagem e das interações que nelas
acontecem, também é por meio delas que resolvemos nossos dilemas. Nós, seres
humanos, como seres de linguagem, vivemos imersos em comunicação, conversas,
conflitos, desavenças, e podemos resolver estas questões por meio da linguagem.
Somos seres relacionais e precisamos do outro para viver. Desta forma, de acordo
com Vasconcellos, “a compreensão do comportamento do ser humano (...) é uma
compreensão relacional ou interacional e, por isso, é reconhecida como uma teoria
sistêmica” (VASCONCELLOS, 2010a, p.17).
2.4 SERES HUMANOS E SISTEMAS SOCIAIS
Nós seres humanos somos caracterizados como seres de linguagem, pois
nos comunicamos uns com os outros, nos relacionamos e interagimos. Somos seres
sociais e pertencemos, segundo Vasconcellos, a “sistemas sociais humanos,
interagindo, se relacionando, linguajando, conversando (...)” (VASCONCELLOS,
2010a, p.19). Ao conversar e linguajar, precisamos do outro e assim estamos
38
imersos em um meio no qual interagir é essencial e vital. Nesta mesma direção,
buscamos em Maturana o conceito de sistemas sociais o qual diz:
Cada vez que os membros de um conjunto de seres vivos constituem, com sua conduta, uma rede de interações que opera para eles como um meio no qual eles se realizam como seres vivos, e no qual eles, portanto, conservam sua organização e adaptação, e existem em uma co-deriva contingente com sua participação em tal rede de interações, temos um sistema social (MATURANA, 1997, p.199).
Quando o autor fala sobre a questão de adaptação, entendemos que o ser
humano busca o equilíbrio entre ele e o meio em que está inserido, caso isso não
ocorra, as mudanças vindas do meio podem forçá-lo a mudar abruptamente e como
consequência podem gerar desestruturas profundas que podem chegar a aniquilá-lo.
As mudanças precisam acontecer aos poucos, de forma gradativa, a partir de uma
organização.
No sistema social é possível percebermos interações com sequências de
intercâmbios de mensagens entre as pessoas, percebermos a forma como os
membros estão vinculados uns aos outros, como se comunicam e desempenham
seus papéis naquele contexto. A escola, por exemplo, é um sistema social onde
acontece comunicação o tempo todo, e o professor e o aluno são os protagonistas
desse sistema. Sendo assim, nesse tipo de sistema, é importante haver integração
entre seus componentes por meio da comunicação para que haja melhorias
constantes em seu processo de ensinar e aprender.
Cada sistema social se distingue pelas características da rede de interações
que realizam, ou seja, cada sistema social é distinto um do outro. Citamos como
exemplos sistema família, sistema escola, sistema trabalho, entre outros. Nestes os
membros de cada um deles realizam condutas distintas. Um membro pode participar
de vários outros sistemas, porém apresenta condutas de acordo com cada contexto.
No sistema familiar, uma filha pode se comportar de acordo com aquele contexto e
se comportará na escola ou trabalho de acordo o respectivo contexto. Maturana
(1997) cita três tipos gerais de sistemas:
Sistemas sociais: é um sistema de convivência no qual deveria priorizar o
amor e o respeito ao outro;
Sistemas de trabalho: é um sistema de convivência no qual a emoção
dominante é o compromisso;
39
Sistemas hierárquico ou de poder: é um sistema de convivência no qual a
emoção dominante é a de autonegação ou a negação do outro numa relação de
ordem e de obediência.
Para essa pesquisa, nos deteremos nos sistemas sociais. Sobre este
Maturana explica “uma vez que as estruturas dos seres vivos que integram um
sistema social mudam, mudam suas propriedades, e o sistema social que estes
seres vivos geram com as suas condutas também muda” (MATURANA, 1997, p.
200). Cada sistema opera como um seletor de mudanças, mantendo a organização
e adaptação de seus membros. Os sistemas sociais precisam se preocupar
constantemente com a organização e adaptação de cada um dos seus integrantes,
prioritariamente lutando pela conservação da vida daquele sistema. Por exemplo, a
escola precisa se preocupar constantemente com cada um de seus membros
buscando adaptar-se às mudanças que ocorrerem. Palestras, treinamentos,
conscientização, atividades de integração, pesquisas, são exemplos de atividades
que a escola pode promover para ajudar na adaptação de seus membros às
mudanças.
Os sistemas não são isolados entre si, eles se conversam, se comunicam e
interagem. Os valores sociais podem ser percebidos quando passamos a observar a
interação entre os sistemas. Nessa interação os valores sociais vão sendo
afirmados, alterados, construídos. Percebemos, por exemplo, o aluno, em especial o
adolescente, que transita por vários sistemas e está em busca de sua identidade.
Muitas vezes ele traz questionamentos e comportamentos mais agressivos para
dentro da sala de aula e consequentemente causam problemas na relação com
professores e, muitas vezes, com seus pares. Losacco, ao realizar uma pesquisa
sobre o jovem e o contexto familiar, fala sobre a necessidade de conhecermos
“como se têm estabelecido os laços entre os jovens com os outros jovens, os jovens
com suas famílias e os jovens com a sociedade” (LOSACCO, 2008, p. 63). Ela
destaca ainda que para o entendimento do mundo em que vive esses jovens é
importante conhecermos as redes que têm sido tecidas. Cada pessoa torna-se parte
do social relacional, e entendermos um pouco dessas relações nos ajuda na
adaptação e organização dos sistemas nos quais estamos inseridos. Anderson
(2009) orienta que os sistemas humanos são sistemas linguísticos geradores de
significado e sua construção da realidade são formas de ação social, e não
40
processos sociais independentes. Assim, há necessidade de se conhecer melhor
essa dinâmica.
2.5 CONVERSA, CONVERSAÇÃO E ESPAÇO CONVERSACIONAL
Todo sistema social busca conversar para preservar suas características
particulares e de conduta própria, no entanto também está em contínua mudança
estrutural devido à entrada de novos componentes, perdas de outros elementos e
mudanças de estruturas nos seus membros que vêm de outros sistemas. Podemos
citar, por exemplo, a escola ao receber novos alunos também recebe
comportamentos e ideias diferenciados vindos de outros sistemas, como a família e
a sociedade. O sistema-escola busca formas de adaptar-se para encontrar o
equilíbrio nesse sistema e, ao mesmo tempo, preservar suas particularidades, suas
regras e normas, sua cultura, entre outros. Losacco (2008, p. 64) informa que “as
famílias reproduzem as dinâmicas sócio-hitóricas existentes”, e refletem
automaticamente no comportamento de seus filhos. Esses filhos, por sua vez, levam
esse impacto para a escola. Em nossa experiência profissional, notamos que as
mudanças ocorridas com certa velocidade na estrutura da sociedade e da família
têm causado um forte impacto sobre o sistema-escola. Isto tem afetado,
principalmente, a relação entre os professores e os alunos. Estes enfrentam e
desafiam mais os professores e parecem estar entediados em sala de aula. Os
conflitos entre eles têm sido mais frequentes e o desânimo dos professores têm sido
maior. Celso Vasconcellos afirma que os professores “andam perplexos com tudo
aquilo que vem acontecendo com eles, com a escola e com a sociedade” e está em
curso uma profunda mudança nessas relações para a qual ainda não despertamos
totalmente (VASCONCELLOS, Celso, 2007, p.16). O sistema social “escola” tem
sofrido com o rol de queixas de alunos, pais, professores e dirigentes.
Maturana chama de sistemas sociais aos sistemas de convivências
constituídos sob a emoção do amor e do respeito ao outro. Porém, muitas vezes,
não é o que tem ocorrido nas relações. Ele orienta que as interações e aceitação
sem acusações poderiam gerar conversações mais produtivas. De acordo com o
autor, “a palavra conversar vem da união de duas raízes latinas: cum, quer dizer
„com‟, e versare que quer dizer „dar voltas com‟ o outro” (MATURANA, 1997, p.167),
portanto conversar significa: dar volta com o outro, onde juntos expressam os
41
pensamentos por meio da linguagem e da emoção. A compreensão da linguagem e
das emoções do ser humano nesse conversar torna-se parte central de seu
desenvolvimento e do sistema no qual está inserido. O conversar poderia ser uma
possibilidade para se compreender melhor as mudanças que deveriam ocorrer no
sistema-escola.
Vasconcellos (2009) afirma que o entrelaçar do linguajar e do emocionar
determina a forma como conversamos. Às vezes essa forma pode se caracterizar
amorosamente, usufruindo dessa convivência; às vezes, raivosamente agredindo o
outro; e, às vezes, com medo e insegurança, fazendo com que se evite o outro. No
cenário da sala de aula presenciamos alguns conflitos oriundos da maneira como se
conversa: o professor muitas vezes chega cansado em sala de aula e menos
paciente, o aluno por sua vez quer conversar e falar o tempo todo e acaba deixando
o professor nervoso. Essa situação pode provocar um conflito no relacionamento
entre eles. Portanto, a forma como conversamos pode trazer consequências para o
nosso bem estar, assim como pode nos trazer sofrimento.
Maturana falando sobre a raiva gerada nos relacionamentos, aponta o
conversar como uma saída importante para se resolver conflitos. Ao falar sobre as
desavenças, ele orienta que quando ainda estamos no calor da raiva, nós podemos
e devemos buscar soluções, pois assim, diz o autor: “as emoções mudam e a
desavença ou se esvai ou se transforma, com ou sem briga, numa discordância
respeitável” (MATURANA, 1997, p.167). O conversar nos distingue de outros
animais e confirma nossa posição de seres humanos, pois além das emoções,
buscamos usar a razão para resolvermos conflitos.
Nas relações entre os seres humanos, o mecanismo fundamental de
interação nos sistemas sociais humanos é a linguagem, e por meio dela podemos
validar as condutas (ações) positivas e rejeitar as indesejáveis. Por isso,
destacamos aqui a preocupação que Maturana demonstra sobre o que cada sistema
está validando como conduta aceita naquele sistema. Ele justifica essa preocupação
ao escrever a seguinte frase: “se pertencemos a uma sociedade (sistema social)
cujos membros validam com sua conduta cotidiana a hipocrisia, o abuso, a mentira e
o autoengano, esse será o nosso modo de sermos humanos e o de nossos filhos”
(MATURANA, 1997, p. 206). Ao refletirmos no cotidiano da sala de aula pensamos
o quanto é importante a postura e a conduta do professor diante de seus alunos,
pois aqueles acabam ensinando, muitas vezes, mais pelo não intencional do que
42
pelo intencional (conteúdo). Portanto, quando conversamos precisamos cuidar com
as nossas atitudes, condutas, posturas e valores.
No linguajar as emoções estão presentes e estas são o aspecto fundamental
das relações humanas. Independentemente da situação ou espaço em que ocorrem
as conversas, o emocionar estará sempre envolvido e vai gerar ações específicas.
Maturana afirma que o emocionar é como “o fluir de uma emoção a outra, é como o
fluir de um domínio de ações a outro” (MATURANA, 1997, p. 170), isto nos leva a
entender que, dependendo da situação ou contexto onde estamos inseridos,
passamos de um emocionar a outro e quando isso ocorre passamos de um domínio
de ações a outro domínio. Vejamos por exemplo, na relação professor e aluno o
emocionar está presente em todos os momentos. Quando o aluno desacata o
professor, que estava sob uma determinada emoção (calmo) e que repentinamente
passa para outra emoção (raiva), consequentemente passa de um domínio de ações
(explicando o conteúdo e orientando os alunos) para outra ação (pedindo que o
aluno se retire da sala). Nesse caso, é possível que o professor, ao refletir sobre a
situação, tome a decisão de ter outra ação, por exemplo, conversar à parte com o
aluno, o que poderia gerar outras ações na interação entre eles.
Quando conversamos, nos movemos na linguagem em interações com os
outros e essas interações provocam mudanças em nossas emoções. Ao
conversarmos trazemos à tona emoções de histórias de convivências e interações
que já vivemos em outros contextos e relacionamentos (MATURANA,1997). Por
isso, podemos afirmar que a todo tempo estamos sob a influência das emoções,
mesmo quando estamos pensando sem a pressão de fortes emoções como ao fazer
uma leitura, resolver problemas matemáticos, ou simplesmente batendo um papo
(VASCONCELLOS, 2010a). Se mesmo nessas situações o emocionar está
presente, podemos ter certeza de que em situações de conversações sempre a
emoção será aflorada.
Na conversação surgem as emoções, surgem as lembranças de histórias
passadas e surgem convites para novas conversações, é o que explica Anderson
(2009, p. 158): “cada conversação (...) se torna um convite, um trampolim, para
outras conversas (...) cada conversação é parte de outras conversas, é influenciada
por elas e as influencia”. Ao acomodarmos as histórias e experiências passadas às
atuais, impomos uma nova unidade e um novo entendimento. Portanto, novas
43
conversas trazem novos significados para as pessoas que participam da
conversação, trazem novas formas de se relacionar e mudam comportamentos.
Grandesso traz importantes contribuições para se compreender o contexto
conversacional, principalmente ao falar sobre os questionamentos que podem
acontecer no falar e no ouvir o outro:
Quando se pergunta a um participante da sessão sobre a perspectiva do outro, cria-se um contexto para que os participantes possam tornar-se observadores de seus próprios padrões de interação (...). Assim, as diferenças surgidas desse contexto relacional que incentiva a escuta da versão da outra pessoa favorecem a validação de descrições alternativas, uma vez que convidam mais a uma escuta interessada do que à disputa por versões fatuais das histórias” (GRANDESSO, 2006, p.269).
O conversar possibilita resolvermos infinitas questões, pois somos seres
sociais. Vasconcellos (2010a, p.19) explica que temos sido chamados de seres
sociais porque somos biologicamente estruturados e, segundo ela, “dotados de
possibilidade da linguagem (no domínio da fisiologia) e porque vivemos em grupos e
em conversações (no domínio das interações)”. Logo, podemos afirmar que para
convivermos e interagirmos há necessidade de conversar e comunicar, pois esta é
uma das características mais importantes da vida.
Podemos entender o conversar como o fluir entrelaçado de linguajar e de
emocionar, mas quando o conversar acontece em uma rede particular de linguagem
e de emocionar, ele recebe o nome de conversação (MATURANA 1997). Quando
conversamos em um grupo específico no qual as emoções fluem por meio de uma
linguagem onde os integrantes procuram se entender, então estamos em
conversação.
Vivemos imersos em conversações, pois nas conversas formamos e
reformamos nossas experiências de vida e seus acontecimentos e, a partir delas,
podemos dar novos significados e compreensões para os eventos da vida. Desta
forma abrimos espaços para nos entender e para entendermos a realidade à nossa
volta (ANDERSON,2009). Ao buscarmos tal compreensão tentamos ter sob controle
nossos dilemas, problemas, preocupações, frustrações, sonhos e projetos.
Maturana (1997) ao escrever sobre as conversações afirma que há alguns
tipos gerais de conversações, que se dão no cotidiano da vida, com seus distintos
aspectos. Abaixo seguem dois tipos de conversações mencionados por ele:
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a) A cultura como rede de conversações - esta define um modo de viver que
envolve um modo de atuar e de emocionar, ou seja, conversamos baseados na
cultura na qual crescemos e convivemos.
b) Conversações de acordo com os sistemas- nós conversamos de acordo com
o contexto e sistema ao qual estamos inseridos no momento da conversa (social, de
trabalho, escolar, familiar, etc), no qual cada um deles se comporta como se fosse
uma rede particular de conversações.
As conversações ocorrem e se formam a todo momento, quer pela cultura na
qual as pessoas estão inseridas, ou quer no(s) sistema(s) do(s) qual(ais) participam,
pois a conversação é peculiar ao seu contexto de participantes e de circunstâncias.
Anderson (2009) fala de um tipo diferenciado de conversação o qual ela chama de
abordagem colaborativa. Seria uma forma diferente de estar num relacionamento, a
preocupação seria não somente sobre o que se conversa, mas a maneira como se
fala sobre o assunto. Segundo a autora, quando um grupo se reúne para uma
conversação, todos os participantes começam falando sobre o que trazem do seu
cotidiano. Essa conversa ocorre dentro de um contexto específico e, embora esteja
embutida em muitas outras conversas passadas, cada conversação tem seu objetivo
e intenção, sendo que todos os envolvidos têm contribuições a fazer trazendo à tona
suas conversas internas e silenciosas (ANDERSON, 2009). Sendo assim, é
importante conhecer as características básicas dos tipos de conversações
existentes.
As conversações, além de trazer experiências vividas no cotidiano, podem
trazer também dinâmicas emocionais particulares que dão origem, muitas vezes, a
ações contraditórias. Maturana (1997) cita três exemplos de conversações que
geram ações contraditórias:
a) Conversações nas quais se acusa implicitamente o outro - nesse caso
enquanto conversamos com o outro (alguém que queremos ao nosso lado), nas
entrelinhas passamos a informação de que o estamos acusando ou o culpando de
não cumprir promessas (que muitas vezes nem sequer foram feitas). O acusado
acaba por se sentir injustiçado, irrita-se e acaba rejeitando o outro. Esse tipo de
conversação pode gerar sofrimento, pois apesar de, ao mesmo tempo, haver uma
aceitação mútua e uma rejeição mútua, eles continuam conversando, pois
aparentemente precisam um do outro.
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b) Conversações de autodepreciação - esse tipo de conversação acontece
quando em nossa intimidade reflexiva ou em nossos encontros com outros, nos
depreciamos, nos achamos incapazes, e aquilo que fazemos mostra a
autodepreciação. Se isto corre esporadicamente não há um sofrimento contínuo,
porém quando é recorrente, a avaliação que nós faremos de nós mesmos será
negativa, e estaremos sofrendo pela contradição entre o querer e o rejeitar.
c) Conversações do „dever ser‟- Nesse tipo de conversação assumimos sempre
a culpa pelas coisas que não deram certo, ou pelo não cumprimento de um valor ou
uma norma cultural. Dessa forma, nos sentimos frustrados, pois parece impossível
alcançar aquela norma ou valor. Se esse tipo de conversação acontece
ocasionalmente, não há problemas, mas, se ele é recorrente, vivemos no sofrimento.
Vemos então a necessidade de considerarmos o diálogo como sendo muito
importante na conversação para compreendermos melhor as relações, os assuntos
abordados, e em que tipo de conversação estamos inseridos . Para Grandesso, o
diálogo é importante, e afirma que “estar em diálogo é estar aberto para transformar-
se no fluxo da conversação em andamento” (GRANDESSO, 2006, p.263), com isso
podemos abrir espaços para a compreensão e para as mudanças.
Em Anderson (2009) encontramos dois tipos de conversação: aquelas nas
quais surgem um novo significado e aquelas em que não. Em síntese, seriam,
respectivamente, conversas com diálogo e conversas em monólogo. A conversação
com diálogo seria aquela em que se compartilha com o outro, sonhos, sentimentos,
histórias, problemas. Quando há o diálogo falamos um para o outro, dialogizamos,
ou seja, conversamos “entre e dentro”. Já no monólogo, só um fala e monopoliza a
conversa, não há um compartilhamento mútuo.
Na relação professor e aluno podemos perceber que, muitas vezes, há
apenas um monólogo, onde só o professor fala e o aluno, quando muito, finge que
ouve. O professor muitas vezes sente dificuldade de se relacionar com os alunos de
forma aberta e clara, talvez isto ocorra pela falta de espaço e tempo, por parte dele,
para dar uma atenção mais individualizada ao aluno. Anderson(2009) sugere que
um Espaço Conversacional ajuda a ter uma troca conjunta de informações e ideias
entre as partes envolvidas na conversa. Ela escreve sobre o contexto
conversacional e aponta ser este um espaço crítico para o desenvolvimento de
interações que promovem ideias, ações que fluem com facilidade e que, se
necessário for, podem vir a ser mudadas. Anderson orienta ainda que quando se
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cria um espaço para conversação, as primeiras conversas deveriam ser para
apresentar pontos de vista, experiências e desejos, e que ao utilizar uma sequência
de perguntas, ao contar coisas, ao ouvir, aos poucos o espaço vai se transformando
num processo conversacional.
Quando falamos em conversação, precisamos conhecer quais são os
possíveis tipos de conversações existentes para que as conversas tragam o efeito
esperado. Maturana (1997) esclarece que precisamos conhecer os vários tipos de
conversação porque, mesmo no dia a dia, nós participamos de várias e sucessivas
conversações diferentes. Esses tipos de conversações podem inclusive surgir no
Espaço Conversacional, portanto para maiores esclarecimentos sob os tipos de
conversações propostas por Maturana, a seguir exemplificaremos cada item com
pequenos diálogos que acontecem no cotidiano da escola:
a) Conversões de coordenações de ações prescritas e futuras.
Nela os participantes só escutam as coordenações ou as ordens e em seguida
respondem. Não há uma profundidade na conversa e nem reflexão nas respostas,
apenas um perguntando, e o outro respondendo como demostramos no diálogo
abaixo, entre aluno e professor.
__ Se vocês ficarem em silêncio e prestarem atenção poderão sair dez
minutos mais cedo.
__ Ah, com certeza.
b) Conversações de queixas e pedidos de desculpas por acordos não
mantidos.
Nesse caso, a pessoa promete algo, mas não cumpre por fatores que independem
de sua vontade. Podemos citar, como exemplo, uma conversa entre professor e
aluno:
__ você prometeu que se esforçaria para tirar boas notas.
__ Ah, mas meu pai estava doente e tive de ajudá-lo.
c) Conversações de desejos e expectativas.
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Nessas conversações as expectativas e desejos são sempre em relação ao futuro e
não ao presente. Abaixo, segue um exemplo em um diálogo entre aluno e
professor:
__ Vou esperar a recuperação para tirar uma boa nota.
__ Mas por que deixar para depois, se pode estudar hoje?
__ É que eu consigo me preparar melhor, quando estou sob pressão.
d) Conversação de mando e obediência.
Nesse tipo de conversação, alguns participantes obedecem, mesmo que não
concordem, e outros ordenam, e confirmam sua superioridade quando seu pedido é
atendido. Exemplificamos com uma situação abaixo:
__ Não anotem nada no caderno agora, olhem para mim e prestem
atenção à explicação.
__ Mas professora, eu só consigo entender se escrever no caderno aquilo
que a senhora está falando.
__ Eu já falei, feche seu caderno agora.
__ Grrr... Sim senhora.
e) Conversações de caracterizações, atribuições e avaliações.
Dependendo da forma como os participantes se percebem na conversação, se são
vistos adequadamente por aqueles que falam, eles podem se sentir aceitos ou
rejeitados, alegres ou frustrados. Abaixo seguem dois exemplos de conversa entre
professor e aluno, um de rejeição e um de aceitação.
__ Ah, você chegou. Achei que você fosse sempre pontual.
__ Só porque cheguei atrasada uma vez, você está me julgando e
achando que não sou pontual?
__ Querida parabéns pela entrega das tarefas e trabalhos pontualmente.
__ Obrigada, professora.
__ Se quiser pode sair da sala, tomar uma água enquanto os demais
terminam as atividades.
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__ Obrigada.
f) Conversações de queixas por expectativas não preenchidas.
Nesse caso as queixas são por promessas não cumpridas e que nem se quer foram
feitas. Assim sendo quem fala ou acusa sente que o ouvinte está sendo desonesto
por não cumprir uma promessa feita, por sua vez, o ouvinte percebe que está sendo
acusado de uma coisa que nem se quer prometeu. Dessa forma há frustração, de
ambos os lados, na conversação. Abaixo segue uma situação entre aluno e
professor para exemplificar.
__ Eu tinha muita esperança que você não me decepcionaria e tiraria
excelente nota na prova de matemática.
__ Bem professor, mas você sabia que a sala toda estava sem base...
__ Se vocês tivessem sido mais sinceros eu poderia ter ajudado mais.
g) Conversações de co-inspiração.
Essas são conversações nas quais as ações e emoções envolvidas visam o respeito
mútuo e consequentemente geram ações que beneficiam ambos os lados. E por
haver respeito mútuo todos se sentem parte importante da conversação e se sentem
livres para ações responsáveis. Segue um diálogo entre o Diretor disciplinar e o
Diretor geral como exemplo sobre este tipo de conversação.
__ Tenho percebido que as coordenadoras e orientadoras estão
sobrecarregadas de trabalho. O que você acha que devemos fazer?
__ Andei pensando esses dias exatamente sobre este assunto. Acho que
deveríamos fazer uma reunião administrativa e ouvir o que elas têm para
dizer e que sugestões teriam.
__ Concordo. Acho que é um bom começo. Vou verificar qual o melhor dia
para agendar a reunião.
Como seres humanos participamos de vários tipos de conversações e, é
importante que no decorrer das conversas emerjam emoções contidas que
possibilitem a compreensão entre as partes para que se ampliem as alternativas de
soluções.
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2.6 ESPAÇO CONVERSACIONAL E O SISTEMA DETERMINADO PELO
PROBLEMA.
O foco do trabalho na teoria sistêmica são as relações entre as pessoas e,
portanto, as conversas são o meio pelo qual as relações são estreitadas. De acordo
com os teóricos Anderson e Vasconcellos, o Espaço Conversacional vem
justamente propiciar as condições necessárias para que o sistema venha a se
equilibrar. Sabemos que as relações que observamos nos sistemas quase são
sinônimas de comunicação ou conversações. Um sistema é formado pelas
interações e comunicações, assim, ao observarmos, por exemplo, um sistema
escolar, podemos perceber inúmeras conversações que, muitas vezes, surgem
sobre algum assunto considerado como um problema para um determinado grupo
de pessoas. Cada uma das pessoas desse grupo pode ter opiniões diferentes uma
das outras, o que contribui para gerar conflitos nos relacionamentos. Partindo dessa
situação, começaremos a montar um sistema com as pessoas vinculadas ao
problema, a fim de refletirem e conversarem a respeito das suas opiniões
divergentes. Vasconcellos define uma situação-problema como aquela que “emerge
de um consenso surgido em conversações de pessoas que se consideram
relacionadas e/ou preocupadas com aquela situação” (VASCONCELLOS, 2008,
p.38). Desta forma, considera-se uma situação-problema quando um grupo de
pessoas concorda que aquele é um problema de fato.
Quando um sistema é formado por pessoas que estão linguajando sobre um
mesmo problema e se reúnem para estudar o problema por todos os ângulos, então,
de acordo com Vasconcellos (2010b), está sendo construído um SDP, cuja sigla
significa– Sistema Determinado pelo Problema. Seguindo esta linha de pensamento
um SDP é montado em um Espaço Conversacional, com as pessoas que tem a ver
com o problema em questão. Cada um dos integrantes vem de outros sistemas para
agora formarem um novo sistema em torno de um problema (SDP).
Sobre a organização de um SDP, Vasconcellos explica:
As pessoas componentes do sistema não são componentes enquanto indivíduos, mas somente na medida em que realizam, com suas ações e conversações, a organização – problemática – do sistema em torno do problema, ou na medida em que realizam o problema propriamente dito. Por
50
isso, se alguém não entra na conversação, não faz parte do sistema (VASCONCELLOS, 2008, p. 38).
Podemos citar como exemplo um problema ocorrido no cotidiano escolar a
respeito da qualidade do processo ensino-aprendizagem. Na sala dos professores a
maioria deles comentava que os alunos estavam cada vez mais fracos e por isso
precisavam baixar o nível das provas. Por sua vez, a coordenação pedagógica
reclamava nas reuniões administrativas que os professores estavam baixando o
nível das provas e como consequência os alunos estavam ficando cada vez mais
folgados e despreparados para enfrentar exames de vestibulares. As orientadoras
reclamavam que os professores estavam desmotivados e por isso os alunos também
não estavam nem aí para o estudo. E assim, sucessivamente, cada um via o
problema de um ângulo. Todos reclamavam, mas não sentavam para ouvir um ao
outro e buscar saídas para a situação instalada. Cada um apontava o problema
como sendo do outro. A partir do momento que a escola decidiu colocar as pessoas
envolvidas juntas e conversar, estavam formando um SDP.
É importante compreendermos que só faz parte do sistema as pessoas
envolvidas com o problema e que participem da conversação. Entretanto, ao longo
dos encontros, nada impede que outros componentes sejam agregados conforme
seja necessário. Para Vasconcellos, o SDP é constituído “pelas conversações entre
pessoas que estão linguajando sobre algo que elas próprias definem, ou consideram
como um problema, ou seja, algo que na percepção delas, não está bem, não está
como deveria estar” (VASCONCELLOS, 2008, p. 38). Nesse caso não é um sistema
construído por que alguém disse que existe um problema, ou porque um especialista
disse que existe um problema, mas é um sistema construído a partir de conversas
entre pessoas que se relacionam, a partir de um problema que emerge como
consequência dessas conversas e que preocupa a todos. Nessas conversas, cada
um tem sua opinião, muitas vezes até divergentes sobre o assunto que depois, por
consenso, acaba se tornando o “problema” que emergiu. Portanto, podemos concluir
que não é o sistema que faz gerar o problema, mas as conversas em torno do
problema é que formam o sistema.
A partir da formação do SDP com a situação-problema definida, é feito o
convite para que todos os envolvidos participem do encontro conversacional. Para
esses encontros, nos apoiamos nas orientações de Vasconcellos quando escreve
que eles “visam ao encaminhamento de soluções para a situação-problema
51
inicialmente distinguida, com a consequente dissolução do sistema linguístico por
ela inicialmente motivado” (VASCONCELLOS, 2010b, p. 48), portanto entendemos
que o SDP tem seu início pelas conversas que já aconteciam informalmente entre
algumas pessoas, em seguida as conversas passam a ter um “ponto de encontro”
no Espaço Conversacional, com todos os envolvidos, e têm seu término quando
cumprir sua função, assim que a situação for resolvida ou quando forem
encontradas as alternativas para a solução da problemática.
É importante salientarmos que no Espaço Conversacional do SDP, o que
mais interessa são as relações, o tipo de conversa que está acontecendo e que
possa gerar mudanças entre os envolvidos, e não os conteúdos da conversa e nem
a problemática, mas sim como estão acontecendo as relações entre os
componentes do SDP. Sabemos que ao conversar sobre o problema, as pessoas
começam a diminuir suas defesas, o que proporciona mudanças nas relações.
Torna-se benéfico para a criação do Espaço Conversacional que seus participantes
comprometam-se com as mudanças e com a qualidade das relações, que
anteriormente eram divergentes (VASCONCELLOS, 2010b).
Ao fazer o convite para a participação no SDP, é importante que os
envolvidos sintam que a situação apresentada é passível de solução e que, por meio
das conversas, buscar-se-á alternativas para a solução. AUN (2010) fala que
apresentar o problema de forma positivada às pessoas do SDP é muito importante,
pois cria uma pré-disposição para buscar as possíveis soluções. Podemos citar,
como exemplo, a seguinte situação: o problema “dificuldade de relacionamento entre
professor e aluno” poderia ser positivado desta forma “relacionamento professor e
aluno - condição para o sucesso na aprendizagem”.
Quanto ao número de participantes no Espaço Conversacional do SDP, este
dependerá do número de envolvidos com o problema a ser discutido, mas o mais
importante é ter uma diversidade de participantes para que o problema seja visto
sob o maior número de ângulos possíveis. Partindo das orientações e experiências
vividas por Vasconcellos com espaços de conversas, reconhecemos a importância
da ampliação e diversidade de participantes para possibilitar maior ângulo sobre o
que é exposto. Ela orienta que “a maior diversidade de participantes nas
conversações amplia os recursos que poderão ser colaborativamente mobilizados
para a solução da situação-problema” (VASCONCELLOS, 2010b, p. 53). Assim,
trazendo nas conversações integrantes de outros sistemas, haverá uma adequada
52
distribuição das responsabilidades. Os participantes poderão vir, conforme haja
necessidade, de vários outros sistemas para formar esse novo sistema(SDP).
Abaixo segue um exemplo de como poderíamos formar um SDP na escola, tomando
como base um problema que surge no relacionamento entre professor e aluno. Para
participar do SDP seriam chamadas pessoas pertencentes a outros sistemas, que já
conversavam sobre o problema: coordenadora, orientadora, diretor, professor, aluno.
Figura 2 – Exemplo de formação de um SDP
Para se formar um novo sistema, é importante levarmos em consideração a
visão novo-paradigmática do sistema ressaltada por AUN. Ela afirma que esta nova
visão “ultrapassa as definições pré-estabelecidas com base em diversos critérios ou
limites – territoriais, legais, institucionais, raciais, culturais – da comunidade com a
qual se pretende trabalhar” (AUN, 2010, p. 98). Nessa nova visão um sistema pode
ser formado, de acordo com a necessidade, buscando pessoas de outros sistemas,
como por exemplo, chamar os pais de um aluno que pertence ao “Sistema Familiar”
para participar do SDP. Mesmo no decorrer dos encontros, dependendo da
problemática e da necessidade, novos convites podem ser feitos.
Para que o SDP funcione com eficiência e cumpra o papel a que se propõe, é
necessário tomarmos alguns cuidados. O sistema que se forma precisa se tornar
autônomo e responsável por sua mudança. Para tanto, seguimos as orientações
53
dadas por Aun quando afirma que é necessário construir um contexto de autonomia
em um processo de co-construção que emerge do sistema. Ela define o contexto de
autonomia, dizendo ser “aquele em que todos os membros do SDP possam
conversar sobre a situação problema, colocando-se nas posições de decidir e
planejar, executar e de receber” (AUN, 2010, p.104). Num contexto de autonomia,
todos têm direito a voz e por isso, de forma colaborativa, co-constroem alternativas
para a solução do problema. Ela ainda relata que “o objetivo do processo de co-
construção não é que todos alcancem uma mesma maneira de pensar, não é a
homogeneidade dos diferentes pontos de vista, nem chegar a uma alternativa de
solução igual para todo mundo (AUN, 2010, p.114). Entendemos que o mais
importante é que as mudanças nas relações entre os integrantes do Espaço
Conversacional acabem por gerar alternativas para a solução do problema. Essas
alternativas vão surgindo paulatinamente ao longo dos encontros, isso ocorre
enquanto todos vão linguajando, se comunicando e vão sendo construídos os
vínculos de confiança.
É importante que haja no espaço de conversas a presença de uma pessoa
que assuma a liderança do grupo, não para mandar ou dar sua opinião, mas para
incentivar e dar direito a voz a todos os participantes. Grandesso diz que essa
função (no caso da terapia) caberia ao terapeuta, o qual seria responsável por criar
um contexto conversacional para “exploração, esclarecimento, expansão, ratificação
e criação de novos significados por meio do diálogo, na linguagem” (GRANDESSO,
2006, p.263). No caso desta pesquisa, essa pessoa assumiria a responsabilidade
pela criação e manutenção de um contexto de autonomia. Tendo como referência
básica os conceitos de Aun (2010) a qual descreve esse líder como “expert em
contexto”, entendemos que esse profissional assumiria o papel de construtor de
contextos conversacionais de autonomia, promovendo um ambiente em que todos
possam conversar entre si, para que, assim emerja o processo de co-construção.
Em Grandesso também buscamos compreender o sentido de co-construção no qual
ela afirma que o início da mudança acontecerá de dentro da própria conversação, na
qual, de acordo com a autora, todos os envolvidos “co-constroem narrativas
alternativas, consistentes com as experiências vividas e narrativas anteriores”
(GRANDESSO, 2006, p.263). Assim, as mudanças acontecerão como consequência
dessas conversações e pela atuação eficaz do “expert em contexto”.
54
Vasconcellos (2008) cita que esse líder, o expert em contexto, é o que
proporciona o emergir de um sistema conversacional, cujos participantes:
se dispõem a conversar sobre suas próprias relações, na emoção do respeito mútuo ou aceitação incondicional, o que viabiliza ações colaborativas. Emerge assim, efetivamente, um “sistema transformador de suas relações fundamentais”. Nesse sistema as regras de relação serão criadas e recriadas recursivamente nas próprias interações / conversações entre os componentes do sistema, o que torna imprevisíveis o rumo que o sistema poderá assumir e impossibilita a definição prévia de metas específicas a atingir (VASCONCELLOS, 2008, p.42).
Aun descreve o contexto de autonomia como sendo um contexto
conversacional no qual todas as pessoas participantes “têm igual direito à voz,
exceto aquela pessoa (...) que está na posição de coordenação e manutenção do
contexto conversacional” (AUN, 2010, p. 102). Este último componente precisa
estimular a participação de todos, e no caso em que estão presentes na
conversação o professor e o aluno, o coordenador pode incentivá-los a falar, a se
posicionarem e a buscar soluções, visto que, por muitas vezes, o aluno se sente
intimidado a falar diante do professor. Assim, ao participar do Espaço
Conversacional do SDP, o coordenador pode incentivar a participação,
principalmente a do aluno, dando-lhe direito a voz. O coordenador não deve emitir
sua opinião e, sim, deixar que todos os envolvidos tenham liberdade para falar e
conversarem, mantendo assim um contexto de autonomia. Por isso, nos apoiamos
em Aun quando descreve o coordenador como estando na posição de “expert em
contexto”, e esclarece assim o seu papel:
Não emite opiniões sobre a situação problema em questão, não interpreta comportamentos, não aconselha ações a serem tomadas, podendo, entretanto, elaborar ou resumir conclusões das conversações. A atuação do coordenador se dá especialmente por meio de perguntas, sempre que possível de perguntas reflexivas. Além disso, propõe jogos, dramatizações e outras técnicas de grupo que utiliza para estimular a reflexão, a troca de ideias, a explicação e pontos de vista diferentes e, nunca, para fazer interpretações psicológicas (AUN, 2010, p. 107).
O SDP ao ser construído em um contexto de autonomia cada um tem
oportunidade de escolher o que é melhor para si, porém precisa assumir as
consequências da escolha. O rumo do sistema vai sendo construído de acordo com
as conversas ocorridas em cada encontro. Os encontros proporcionarão a cada um
dos participantes autonomia para propor ideias, independentemente do líder, para
55
que sejam criadas as alternativas para a solução dos problemas. No entanto, ao
ouvirmos todas as alternativas, não significa que todas serão consideradas para a
solução da situação-problema, mas que entre as sugestões, as mais viáveis serão
escolhidas. Nesse contexto, algumas pessoas que participam da conversação e que
demonstram interesse, assumem a responsabilidade de realizar a ação necessária
para a solução. Podemos citar como exemplo, um SDP formado por professor,
aluno, orientadora, coordenadora pedagógica, diretor, entre outros. O professor
pode, por exemplo, assumir a responsabilidade de uma ou mais ações para a
solução da situação-problema, as quais foram apresentadas durante a conversação,
e assim sucessivamente com os demais integrantes do SDP.
É importante observar que no Espaço Conversacional, apesar da proposta de
se ter alguém, “o construtor de contexto”, para estimular o grupo, não podem existir
posições hierarquizadas, pois cada um dos elementos tem igual importância para
conversar e propor alternativas de soluções para a problemática. Sabemos que para
fortalecer as interações entre os membros desse sistema é necessário que todos
tenham “poder” igual e que sintam que o problema não é daquela pessoa ou da
outra, mas sim que o problema é de todo o grupo, assim como é de cada um em
particular (VASCONCELLOS, 2010b). As pessoas envolvidas ao tomarem como seu
o problema em questão demonstram interesse para que ocorra alguma mudança na
situação.
Portanto, não é possível concebermos o Espaço Conversacional do SDP
como sendo constituído de forma hierarquizada. Aun (2010), ao desenvolver um
dos seus trabalhos de pesquisas, utilizou a figura de uma pirâmide para demonstrar
uma organização em hierarquia (figura 3). Nessa pirâmide ela identificou que no
topo ficariam as pessoas que decidem e planejam, no meio, as que executam, e na
base apenas os que recebem (ou dizem, sim senhor!). Então, utilizando a mesma
ideia da pirâmide, colocamos em ordem hierárquica as pessoas envolvidas em uma
determinada situação-problema (relacionamento professor/aluno). Assim, ao
observar a figura 4, podemos ver que o diretor estaria no topo da pirâmide, seguido
da coordenadora e da orientadora, mais abaixo estariam os professores e na base
estariam os alunos. Neste formato hierarquizado, onde todos os envolvidos na
situação-problema estariam reunidos para buscar soluções, quem comandaria a
conversa seriam os que estão no topo da pirâmide, e os da base somente
concordariam com as decisões, muitas vezes, até por respeito à hierarquia ou pelo
56
status dos demais componentes. Nesse caso, o contexto de autonomia e de co-
construção não estaria presente, pois alguns dos participantes se encontrariam em
um paradoxo: concordando externamente, porém discordando internamente.
Figura 3- Modelo hierarquizado (AUN 2010) Figura 4- Organização hierarquizada na escola
Pensando no Espaço Conversacional do SDP, recorremos a Bertalanffy
(1968/2009), quando em seus estudos sobre a teoria sistêmica, nos informa que no
sistema há uma ordem dinâmica entre as partes e que estão em interação e
interdependência, portanto, se criarmos um novo sistema, no caso o SDP, ele deve
privilegiar essa interação e interdependência um do outro. Desta forma, pensamos o
SDP não em um formato de pirâmide, mas em formato circular, baseado no princípio
da circularidade, no qual quando ocorre uma mudança em uma das partes provoca
mudanças nas demais partes, e no sistema como um todo (GRANDESSO, 2006).
Assim, baseado nesse princípio, concordamos que todas as partes têm igual
importância, e por isso, no Espaço Conversacional do SDP a pirâmide seria
substituída pela forma circular (figura 5) em que cada elemento, em interação um
com o outro, comunica, conversa, decide, executa, cria e co-constrói.
57
Figura 05- Circularidade no espaço conversacional
No formato circular o foco é a interação entre os integrantes daquele sistema,
por isso, o conhecimento e decisões passam a ser de responsabilidade de todos.
Entretanto, no Espaço Conversacional do SDP, o que mantém os integrantes unidos
é a situação-problema, pois o sistema foi formado em torno dessa problemática.
Logo, quando surgirem alternativas de solução ou, até que não haja mais
desacordos entre as partes, o SDP pode ser dissolvido (AUN, 2010). Mas, outros
SDPs podem ser construídos, por outras situações, formando um novo sistema no
Espaço Conversacional, no qual podemos envolver integrantes de outros sistemas
de acordo com a necessidade.
Embora o SDP tenha sido utilizado amplamente, na formação de terapeutas,
por profissionais da EquipSIS (Equipe Sistêmica), fundada em 1993, Vasconcellos e
Aun nos dão abertura para usarmos esses conhecimentos ampliando a
aplicabilidade desse processo para outros contextos profissionais, além do que vem
sendo usado por elas. Aun (2010) oferece as condições necessárias para se criar
um Espaço Conversacional de um SDP: é preciso que alguém se interesse e tenha
uma preocupação legítima e ética em seu espaço de convivência, inclua outras
pessoas no espaço de conversação e busque alternativas para solucionar os
problemas que vão surgindo. Ela sugere que esse espaço pode ser criado numa
empresa, numa escola, numa comunidade ou em qualquer outro lugar onde seja
constituído um SDP, pois este ultrapassará os limites organizacionais, legais,
consanguíneos (AUN, 2010).
58
2.7 RELAÇÃO PROFESSOR E ALUNO
O processo ensino-aprendizagem e a relação professor/aluno tem sido tema
de inúmeras pesquisas, e parece que quanto mais se pesquisa, mais temos que
pesquisar esse universo. Com certeza todas elas buscam ajudar a escola e seus
integrantes a obterem sucesso no processo ensino-aprendizagem e a obter
melhorias nos relacionamentos no sistema escolar. No entanto, procurar
compreender o papel da escola e buscar meios para melhorar a qualidade dos
relacionamentos entre o professor e o aluno é fator primordial para o sucesso do
processo ensino-aprendizagem e para a vida futura das pessoas envolvidas,
principalmente a do aluno. Scatralle, ao realizar uma pesquisa sobre Espaço
Conversacional entre pais e professores, sobre o que consideram o ensino e a
aprendizagem, destaca a importância da escola:
Acreditamos que a escola apresenta-se ainda como uma das mais importantes instituições sociais por desempenhar ao lado de outras a mediação entre o indivíduo e a sociedade. Ao transmitir a cultura e, com ela, modelos sociais de comportamento e de valores morais, a escola permite que o aluno, humanize-se, cultive-se, socialize-se ou, numa palavra, eduque-se (SCATRALLE, 2009, p.58).
É na escola que aluno e professor participam de um lugar incomum, onde
cada qual traz sua história, seus sonhos, experiências vividas, expectativas e
necessidades pessoais. Porém, tanto o professor quanto o aluno têm obrigações e
direitos que precisam ser equilibrados. Eles precisariam viver em um processo de
interação um com o outro colocando limites, significados, respeito e confiança entre
eles. No entanto, Losacco afirma que, por vezes, essas relações tornam-se
complicadas porque o adolescente sente dificuldade em acomodar-se às
expectativas institucionais, não consegue submeter-se às regras e à autoridade
adulta. De acordo com ela, muitas vezes, o adolescente parte para atos de
autoritarismo tão intensos quanto aqueles que a comunidade lhe impõe (LOSSACO,
2008, p. 71). Faz parte da vida do adolescente questionar regras, valores, pais,
professores, pois está em busca de sua identidade e de seus próprios valores.
Rogers (2008, p. 17) relata que “tanto o professor quanto o aluno está
„ensinando‟ um ao outro por meio de seus comportamentos relacionais diários”. A
experiência profissional e os resultados de pesquisas tem nos mostrado o quanto o
59
comportamento de um influencia o outro e vice versa, especialmente quando há um
desentendimento entre aluno e aluno, ou entre aluno e professor, ou algo que
perturbe a rotina da sala. Sobre o papel da escola nos apoiamos em Gasparian ao
afirmar que esta se encontra “aliada à resolução da crise do ensino, da
aprendizagem, das relações entre professores e alunos, entre alunos e alunos, entre
pais e professores, das dinâmicas da sala de aula etc.” (GASPARIN, 1998, p. 21).
Na escola encontramos inúmeras diferenças entre o aluno e seus pares e
entre professor e aluno. Podemos perceber que o professor, ao longo da sua vida
profissional reconhece que o relacionamento entre ele e o aluno é fator primordial no
desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem, porém em muitos casos, o
aluno provoca o professor não de forma direta ou agressiva, mas de uma forma mais
sutil como, por exemplo, suspiros, movimentos com a cabeça, olhos voltados para o
teto, baixar a cabeça fingindo que não está ouvindo. Isto pode vir a irritar o professor
e provocar uma reação não tão agradável diante da classe. Certamente esses
problemas podem afetar o relacionamento entre eles e prejudicar o andamento das
aulas e perturbar o processo de ensinar e aprender.
Rogers (2008), ao contar um pouco de sua experiência com alunos do Ensino
Médio, escreve a respeito da importância de se conversar com os alunos
envolvendo os problemas que se passam na sala de aula. Ele conta que certa vez
veio substituir um professor que estava afastado da escola por conta de estresse. A
turma acabou testando o professor Rogers para ver se ele conseguiria controlar a
disciplina da sala que era bem difícil. Ele, por sua vez, gastou tempo com os alunos
e, juntos conversando, conseguiu com que os alunos entendessem que não é o
professor que controla a sala, mas os alunos precisam compreender que cada um é
que precisa se controlar, que o controle na verdade é um autocontrole, tanto da
parte do professor quanto da parte do aluno. Quando, por meio de conversações os
alunos conseguiram chegar a esse conhecimento, acharam a solução para as
dificuldades disciplinares na sala naquele contexto. Sabemos que um dos segredos
para o sucesso nos relacionamentos entre professor e aluno é a disposição do
professor em gastar tempo para se aproximar dos alunos, sobremaneira àqueles
que são os causadores dos problemas.
Conseguir o autocontrole e ter calma diante de situações difíceis não é tão
simples, pois, além do professor se controlar, precisa acalmar o aluno e a classe.
Para Rogers (2008), o mais difícil, quando se trata de situações conflitantes com o
60
aluno, é passar tranquilidade e autocontrole. Mas, por outro lado sabemos que o tipo
de relacionamento que o professor tem com os alunos refletirá no grau de
cooperação que receberá deles, pois sabemos que as atitudes do professor influem
sobre a percepção que os alunos têm de sua própria relação com os professores.
Ter autocontrole não é tão simples assim, principalmente quando se trata de
relacionamento com adolescentes, por isso concordamos com Rogers quando
enfatiza:
Até onde refletidamente controlo a mim mesmo, a minha linguagem, meus „modos‟ e meu enfoque com os alunos, está o grau ao qual eu posso convidar para a cooperação ou, do contrário, ver meus alunos se tornando difíceis ou até mesmo, resistentes” (ROGERS, 2008, p. 34),
Assim, a colaboração dos alunos dependerá da forma como lidamos com
eles, de como os cativamos e da relação de confiança que construímos. Podemos
então perceber que o tipo de relacionamento entre os seres humanos e no caso,
entre professor e aluno, fará muita diferença. Uma das formas de melhorar esses
relacionamentos é ter tempo para conversar, com calma, tranquilidade, expondo,
cada qual seus motivos sobre o problema ocorrido. Porém, em sala de aula é muito
difícil manter conversas mais profundas e sinceras. Por isso, buscamos em
Maturana (1997) o sentido do conversar que é o fluir entrelaçado de linguajar e de
emocionar, e para desenvolver esse entrelaçar da linguagem com a emoção, há que
se dedicar tempo e ter um espaço separado que favoreça a criação de um clima
próprio.
Reconhecemos que tanto a escola quanto a família têm procurado atingir a
adequação necessária às mudanças sociais que se apresentam cada vez mais
desafiadoras. Em consequência dessas mudanças emergem dúvidas e
questionamentos nas relações entre pais e filhos, professores e alunos, em virtude
das alterações de princípios, valores e regras que regem as condutas das crianças,
dos jovens e dos adultos (MUNHOZ, 2010). Muitos dos problemas que surgem é por
falta de compreensão de ambas as partes. Assim, podemos concordar com Morin
(2002c) quando fala da relação com o outro, e afirma que sofremos por carência de
compreensão. No conflito entre professor e aluno cada qual retém apenas a palavra
ofensiva dita pelo outro e nem se lembra da sua própria, como se esta fosse apenas
uma resposta à agressão do outro. Muitas vezes, o professor até se esquece de que
61
ele é a parte madura do relacionamento. Morin (2002c) fala sobre a incompreensão
que se desenvolve com o individualismo, pois só pensamos em nós mesmos e nos
tornamos egocêntricos. Assim, quando há um desentendimento, ocorre a tendência
a reduzir o outro ao que ele tem de pior e nos esquecemos de suas qualidades.
As experiências vividas entre o professor e seus alunos ficarão marcadas na
vida do aluno, eles se lembrarão mais das atitudes e dos relacionamentos com seu
professor do que dos conteúdos ministrados. É claro que na escola, tanto os
conteúdos quanto os relacionamentos são importantes, portanto é necessário levar
em consideração as quatro dimensões que estão em interação no processo ensino-
aprendizagem: alunos-professor, conhecimento-comunicação. Se essas quatro
dimensões acontecem em situações relacionais significativas, com influência
positiva de um sobre o outro, a comunicação fluirá e a mensagem será transmitida
com clareza. Watzlawick et al. (1967/2007), ao falarem sobre a comunicação
humana, citam que por mais que uma pessoa se esforce ela não consegue “não
comunicar”, pois até mesmo com um gesto ou em silêncio estamos comunicando
algo, no entanto a qualidade da comunicação dependerá de ambas as partes. Por
meio da prática relacional as ações do professor promoverão condições para a
aprendizagem.
Quer seja na dificuldade de relacionamento entre professor e aluno ou na
aprendizagem deste, Gasparian (1998) enfatiza que o mais importante é encontrar
caminhos para possibilitar ao professor a descoberta de alternativas possíveis de
ação para a melhoria dos relacionamentos. Mas, torna-se necessário que o
professor promova meios para aproximar-se mais do aluno e com isso consiga
mudar a forma de olhá-lo. Concordamos com ela, pois realmente é necessário haver
uma aproximação entre ambos, para tanto, precisamos observar e ouvir ambas as
partes, como aponta Gasparian:
Temos que observar as áreas conceituais e organizadoras dos alunos e dos professores para podermos resolver as dificuldades específicas de aprendizagem e do ensino, assim como as áreas conceituais e organizacionais da escola. Observar como se produz a crise e não porque se produziu a crise (GASPARIAN, 1998, p.21).
O Instituto UNIBANCO (2011) financiou uma pesquisa com o título “Por que
você perde seus alunos: entendam o que os jovens pensam sobre a escola” e
apresentou seus resultados, em um encarte especial chamado “Especial Ensino
62
Médio”. Esta pesquisa foi realizada com 3.365 alunos do Ensino Médio. Os alunos
apontaram cento e quatorze propostas que podem ajudar na permanência do jovem
na escola. Entre elas estão duas que nos chamou atenção: “que seja criado um
espaço de diálogo entre gestores, professores, funcionários e alunos para que novas
ideias surjam, para que a participação do aluno seja fundamental e para que haja
interesse e permanência na escola” (p.11); na outra, eles propõem que a escola seja
atrativa e privilegie o diálogo e temas interessantes. Assim, percebemos que esta
pesquisa vem ao encontro do trabalho que estamos realizando, pois mostra o
quanto os jovens têm necessidade de falar e participar na busca de soluções. O
Espaço Conversacional, a nosso ver, poderia atender bem essas expectativas dos
jovens de serem ouvidos, de compartilhar e de ajudar.
O modelo de Espaço Conversacional já é aplicado em algumas clínicas como
modalidade terapêutica e em organizações como aproximação dos elementos do
sistema organizacional. Agora trazemos essa ideia para ser utilizada na escola,
porém não será utilizada como terapia, mas será um espaço em que seu uso tem
por finalidade aproximar o professor do aluno e vice-versa, utilizando-o como um
espaço para estreitar os relacionamentos e conversar com os envolvidos sobre os
problemas que os afligem, a fim de encontrar alternativas para a sua solução.
63
3 METODOLOGIA
Buscando alcançar os objetivos propostos nesse trabalho realizamos a
presente pesquisa usando uma abordagem qualitativa. Para tanto, utilizamos o
estudo de caso, este é usado quando se deseja analisar situações concretas nas
suas peculiaridades. Seu uso é adequado para investigar tanto a vida de uma
pessoa quanto a existência de uma entidade de ação coletiva nos seus aspectos
sociais e culturais. Essa modalidade metodológica tem sido incrementada no cenário
educacional como ponto de partida, embora particular, para uma análise que busca
o estabelecimento de relações mais amplas de um objeto de estudo. Severino
esclarece que essa modalidade:
se concentra no estudo de um caso particular, considerado representativo de um conjunto de casos análogos, por ele significativamente representativo. Os discursos analisados podem ser os já dados nas diferentes formas de comunicação e também aqueles obtidos a partir de perguntas, entrevistas e depoimentos (SEVERINO, 2007, p.120).
A exemplo dos teóricos que elaboraram a criação do Espaço Conversacional do
Sistema Determinado pelo Problema em suas experiências clínicas, trouxemos essa
ferramenta para utilizá-la em um contexto escolar. Tivemos a intenção de eliciar a
conscientização de problemas emergentes alvo de constantes e intermináveis
discussões entre professores e seus pares, e entre os alunos e seus colegas.
Partimos da finalidade de que haja uma compreensão mais ampla do problema
em estudo, possibilitando que cada elemento que se insere naquele sistema
determinado pelo problema, expresse suas ideias e defendam sua posição.
A fim de conhecermos a opinião dos participantes sobre o Espaço
Conversacional usamos como instrumento desta pesquisa a entrevista
semiestruturada. Para analisarmos essas falas de forma mais aprofundada,
utilizamos a modalidade metodológica de análise de conteúdo buscando
compreender o sentido manifesto ou oculto das informações coletadas.
Destacamos que esta pesquisa somente pôde ser realizada após a devida
autorização do Comitê de Ética do Centro Universitário FIEO (anexo A).
64
3.1 PARTICIPANTES
Participaram desta pesquisa cinco alunos e cinco professores que estudam
ou trabalham no Ensino Médio de uma escola particular no interior de São Paulo.
Antes da seleção dos participantes houve uma preocupação em limitarmos o
número de integrantes para que todos pudessem contribuir com suas opiniões, pois
buscamos no Espaço Conversacional a circularidade, o movimento dialógico da
comunicação por meio das falas.
Esta pesquisa foi aplicada na escola na qual atuamos como Coordenadora
Pedagógica do Ensino Médio. No entanto, esclarecemos que todos os cuidados
foram tomados para se evitar ao máximo a contaminação dos resultados da
investigação. Seguimos algumas orientações dadas por André quando fala sobre a
pesquisa do cotidiano escolar. Ela faz a seguinte pergunta: “como conseguir um
distanciamento do objeto estudado que permita por um lado fugir do senso comum,
já que se estuda em geral um contexto familiar?” (ANDRÉ, 2008, p. 43). Então
sugere que se use o “estranhamento”, que é uma atitude de policiamento contínuo
do pesquisador para transformar o familiar em estranho. Ela sugere que se deve
observar tudo para enxergar cada vez mais e “tentar vencer o obstáculo do processo
naturalmente seletivo” (ANDRÉ, 2008, p. 43). Por outro lado, buscamos apoio em
Fazenda quando defende a ideia de que o pesquisador deve tentar tornar clara a
ligação existente entre a sua história e a história de que cada um é produto. Ela
sugere que devemos como pesquisador tentar aplicar em nós mesmos, de acordo
com o método que escolhermos, “o olhar frio, englobante e explicativo que tantas
vezes se lançou sobre o outro” (FAZENDA, 2008, p.148). Ela afirma que desta forma
é possível termos uma percepção mais clara do por que nos tornamos determinado
tipo de pesquisador.
Portanto, é possível sermos pesquisadores dentro da nossa própria realidade,
desde que tomemos os devidos cuidados. Desta forma a pesquisa pode tornar-se
bem mais rica por se tratar de um campo de grande interesse e vivência do
pesquisador. Alguns cuidados foram tomados ao realizar a pesquisa: esclarecemos
à direção administrativa do colégio e a todos os participantes da pesquisa qual seria
o papel e postura da pesquisadora. Por exemplo, no Espaço Conversacional, não
participaria diretamente da roda da conversa, mas estaria ali para organizar e
coordenar o espaço e cuidar para que a conversação acontecesse entre os
65
participantes. Durante as entrevistas, tomamos o cuidado de deixar os participantes
bem à vontade e esclarecemos o objetivo da entrevista e nosso papel como
entrevistadora.
3.2 INSTRUMENTOS
Após o término do último encontro no Espaço Conversacional, a fim de
alcançarmos os objetivos propostos por esta pesquisa, utilizamos como instrumento
operacional, a entrevista semiestruturada. Ela é descrita por Severino (2007) como
um instrumento metodológico no qual se planeja um roteiro com antecedência e com
isso, pode-se conhecer pontualmente o que os entrevistados pensam sobre o
assunto que está sendo pesquisado. Na entrevista semiestruturada o participante
fica bem mais à vontade, pois não segue o rigor de um questionário. Porém, a fim de
situarmos o contexto socioeconômico dos participantes, foi aplicado um questionário
de identificação com doze perguntas para os alunos (apêndice A) e com dez para os
professores (Apêndice B). De acordo com Severino (2007) o questionário pode
conter tanto questões abertas, quanto questões fechadas. Ele serve para colher
informações escritas por parte dos participantes.
3.2.1 Entrevista Semiestruturada
Por meio da entrevista aprofundamos pontos relevantes observados ao longo
dos encontros e colhemos a opinião de cada participante sobre o Espaço
Conversacional. Sabemos que o sucesso dessa técnica depende muito da relação
entre o entrevistador e o entrevistado, por isso procuramos proporcionar, durante a
entrevista, um ambiente de confiança e descontração. Temos consciência de que
esta técnica apresenta vantagens tais como: captação imediata da informação, a
participação de pessoas independentemente de seu nível de instrução, maior
flexibilidade, pois o entrevistador pode esclarecer as perguntas, maior descontração
deixando o entrevistado mais a vontade, maior oportunidade para aprofundar itens
de interesse do entrevistador. Porém, também apresenta desvantagens, tais como:
dificuldade de expressão e comunicação por parte do entrevistado, fornecimento de
respostas falsas, o entrevistado pode ser influenciado pelo entrevistador e, às vezes,
é difícil de ser aplicada, especialmente pelo tempo dispendido para aplicá-la. Por
66
isso, ao longo das entrevistas, tomamos os devidos cuidados para que os
entrevistados ficassem bem à vontade e respondessem com sinceridade cada
pergunta.
A fim de conhecermos a opinião dos participantes sobre o Espaço
Conversacional, criamos um “Roteiro para entrevista com o participante” (apêndice
C) para o caso do entrevistado não se referir às informações que queríamos saber.
Tivemos o cuidado de criar itens/questões utilizando uma linguagem clara e de fácil
entendimento, mesmo quando em algum momento utilizamos uma terminologia mais
técnica, o participante compreendeu, pois já os esclarecemos previamente no
decorrer dos encontros no Espaço Conversacional.
A ordem das perguntas seguiu uma sequência lógica iniciando com perguntas
simples e gerais, indo até as mais específicas.
Com o objetivo de não perder nenhum detalhe e de deixar o entrevistado mais
à vontade, gravamos apenas o áudio das entrevistas, porém um detalhe ou outro foi
preenchido no próprio roteiro de itens/perguntas. Durante a entrevista, algumas
perguntas geraram respostas incompletas ou obscuras, então estimulamos o
entrevistado a fornecer respostas mais precisas usando indagações neutras, tais
como: “Poderia contar um pouco mais a respeito?”, “Qual sua ideia sobre este
ponto?”. Porém, procuramos sempre seguir o roteiro que tem como finalidade obter
dados que venham responder aos objetivos gerais e específicos desta pesquisa.
3.3 PROCEDIMENTOS
No final do ano de 2010, conversamos com o diretor disciplinar e com a
orientadora educacional e detalhamos como aconteceria a pesquisa, explicamos
como seria montado o Espaço Conversacional e para qual faixa etária seria.
Combinamos que começaríamos a criação do Espaço em 2011, visto que o final do
ano se aproximava e as atividades escolares estavam se encerrando.
Em 2011, o Espaço Conversacional foi criado partindo das queixas dos
professores e alunos envolvidos na problemática do 3º ano C do Ensino Médio. Após
a decisão de se criar esse espaço, seguimos os passos abaixo.
a) Definimos em qual local seria realizado o Espaço Conversacional e quais
materiais seriam necessários providenciar.
67
b) Fizemos um convite especial (apêndice D) para as pessoas envolvidas a fim de
que pudessem participar das conversas no espaço que estávamos criando. No
convite deixamos claro o objetivo do encontro e a situação-problema que estaria
em discussão. Colocamos o problema de forma positivada, ou seja, apontamos
que o problema em questão era passível de solução. Também informamos o
quanto seria importante a presença de cada um dos participantes.
c) Para os encontros, preparamos o local com cadeiras suficientes para todos os
participantes, bloquinhos de anotações, canetas, água, lista de presença e
gravador para o registro das falas. Desta forma, a sala para o Espaço
Conversacional foi preparada com antecedência: foram colocadas 11 carteiras
formando um círculo, sobre cada carteira foi colocado um bloquinho de
anotações, uma caneta e um copo com água. Foi preparado um gravador, que
foi utilizado com permissão dos participantes. No primeiro encontro houve um
atraso de quinze minutos até chegarem todos os participantes. Foram dadas as
boas-vindas, apresentados os participantes e a função de cada um, inclusive
qual seria o meu papel, pois eu estaria fora da roda da conversa e tinha a função
apenas de coordenar a conversa entre os participantes. Explicamos que os que
estavam na roda da conversa é que conversariam sobre a situação problema.
De forma clara e simples foi apresentada a proposta do Espaço Conversacional,
a situação-problema (Relacionamento professor e aluno e o rendimento escolar)
e algumas regras básicas para que a conversação fluísse de forma respeitosa:
todos estavam sendo convidados para se colocarem em uma posição de
colaboração, todos teriam direito de falar e de serem ouvidos, e que
respeitassem a opinião um do outro. Orientamos que todos poderiam expressar
seus pensamentos, crenças e pontos de vista, sem usar expressões de
agressões, julgamentos e desqualificações. Em seguida perguntamos se todos
concordavam com as regras de convivência.
d) Para o primeiro encontro, preparamos o termo de consentimento, para serem
assinados pelos participantes, objetivamos obter a autorização para a utilização
dos dados que foram colhidos na dissertação, em publicações ou possíveis
trabalhos posteriores. Foram preparados dois Termos de consentimentos Livre e
Esclarecido: um para os alunos (anexo B) e outro para os professores (anexo C).
e) Após o primeiro encontro foram agendadas as datas de mais dois encontros.
68
f) A fim de colhermos dados sobre o que acharam do Espaço Conversacional, ao
término da última reunião, cada participante agendou um horário para a
entrevista, que melhor se adaptasse à sua rotina de atividades e aulas.
g) O processo de agendamento das entrevistas se deu da seguinte forma:
Todos os participantes foram informados sobre o objetivo da entrevista, sobre
o local em que ela aconteceria, sobre o tempo de duração e que seria
individual.
Cada participante agendou seu horário de acordo com sua disponibilidade de
tempo.
h) Para a entrevista, foram disponibilizados: local, gravador e roteiro da entrevista.
i) A cada entrevistado, em seu respectivo horário, explicamos o porquê da
entrevista, orientamos sobre a gravação. Antes de iniciarmos a entrevista,
procuramos deixar o entrevistado bem à vontade.
j) Cada entrevistado preencheu um questionário de identificação do participante
(identificado anteriormente nos instrumentos) a fim de conhecermos melhor cada
um deles.
k) A entrevista teve duração média de 40 minutos.
l) Após cada entrevista, iniciamos a transcrição do material armazenado em áudio
a fim de não perdermos detalhes importantes.
m) Após o término das entrevistas com todos os participantes, e, após o término
das transcrições, iniciamos os procedimentos de análise dos conteúdos.
3.3.1 Procedimentos de análise
Após serem feitas as transcrições das entrevistas e de parte das conversas
do Espaço Conversacional, do qual foram transcritas somente as falas que
contribuíram para esclarecer e/ou confirmar dados colhidos nas entrevistas,
iniciamos os procedimentos de análise. Os dados transcritos das falas dos
participantes foram submetidos a análise de conteúdo. Ao elegermos a modalidade
metodológica de análise de conteúdo nos apoiamos em Franco (2007) e Bardin
(2009), pois ambos falam que o ponto de partida para a análise de conteúdo é a
mensagem, quer seja ela verbal (oral ou escrita), gestual, silenciosa, figurativa,
documental ou provocada. Franco alerta que “torna-se indispensável considerar que
69
a relação que vincula a emissão das mensagens (...) está necessariamente
articulada às condições contextuais de seus produtores” (FRANCO, 2007, p. 19).
Por isso, tomamos o cuidado de contextualizar cada cenário que envolvesse os
participantes da pesquisa. É essencial levarmos em consideração o contexto no qual
os participantes estão inseridos, bem como correlacionar os dados colhidos a outros
dados.
Segundo Severino (2007, p. 121), nessa modalidade “trata-se de
compreender criticamente o sentido manifesto ou oculto das comunicações”.
Buscamos nas falas dos participantes compreender o que está por detrás das
palavras e para analisar os dados colhidos procuramos trabalhar com todo o
material obtido ao longo da investigação, fazendo leituras sucessivas das
transcrições das entrevistas, procurando compreender o que está explícito e o que
está implícito em seu conteúdo.
Bardin (2009) orienta que sigamos três passos para a análise do conteúdo:
Pré-análise: é a fase da organização propriamente dita, começando com uma
leitura flutuante de todo o material colhido, sistematizando as ideias iniciais e
elaborando os indicadores.
A exploração do material: é a aplicação sistemática das decisões tomadas na
pré- análise.
Tratamento dos resultados obtidos: os resultados brutos são tratados de
forma a tornarem significativos e válidos, o que permite estabelecer quadros
de resultados, figuras, diagramas, entre outros, visando colocar em relevo as
informações fornecidas pela análise.
Bardin (2009, p. 48), ao falar sobre a análise de conteúdo, cita que o objetivo
desta “é a manipulação de mensagens (conteúdo e expressão desse conteúdo) para
evidenciar os indicadores que permitam inferir sobre uma outra realidade que não a
da mensagem”. Portanto, a análise de conteúdo foi concebida para fazer inferências
a partir da mensagem para se chegar a outra realidade além do que está explícito.
Para Franco (2007) a inferência é o procedimento intermediário que vai permitir a
passagem da descrição à interpretação.
Sobre os indicadores, Franco (2007, p. 58) menciona: “em grande parte das
investigações, qualquer que seja o tema explicitado, o mesmo passa a ter mais
70
importância para a análise dos dados, quanto mais frequentemente for mencionado”.
Por isso, ao apontar os indicadores e a frequência em que apareceram, podemos
criar as categorias de forma mais consistente e coerente. Franco (2007, p. 59)
afirma que “a categorização é uma operação de classificação de elementos
constitutivos de um conjunto” e que a criação das categorias é o ponto chave da
análise de conteúdo. Sabemos que não existe uma fórmula mágica para realizarmos
o levantamento das categorias, mas de acordo com as orientações de Franco, o
pesquisador deve seguir seu próprio caminho apoiando em seus conhecimentos e
guiado pela sua competência, sensibilidade e intuição.
Desta forma, de posse das transcrições da entrevista fizemos uma pré-
análise, ou seja, uma leitura flutuante das respostas dadas pelos alunos e pelos
professores. Analisamos, em um primeiro momento, as respostas dadas a cada uma
das perguntas dos roteiros. Em seguida fomos agrupando os assuntos semelhantes.
Fizemos então o levantamento dos indicadores e das categorias de acordo com os
assuntos previamente separados. Para levantarmos os indicadores, levamos em
consideração semelhanças, proximidade de sentidos e de significados. Quanto às
categorias, Franco (2007, p. 67) orienta que “uma categoria é considerada pertinente
quando está adaptada ao material de análise escolhido e ao quadro teórico
definido”. Por isso, o levantamento das categorias implicou em constantes idas e
vindas da teoria ao material de análise e vice-versa. Várias versões do sistema
categórico foram feitas até chegarmos à versão final.
Em seguida, para facilitar a interpretação dos dados, criamos sete tabelas nas
quais identificamos as categorias levantadas, exemplos de indicadores, o número de
vezes que os indicadores aparecem e a porcentagem de incidência. A porcentagem
de incidência foi calculada a partir do número de vezes que o assunto foi citado e
não pelo total de participantes.
71
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
4.1 O CONTEXTO EM QUESTÃO
A escola está localizada em um bairro de classe média de uma cidade do
interior de São Paulo. Ela está construída em uma área ampla, arborizada e possui
um bom espaço para os intervalos e recreios dos alunos. Para a prática de esportes
existe um complexo esportivo fora do prédio de aulas, com seis quadras, sendo
duas cobertas, um campo de atletismo e futebol, um ginásio olímpico, uma
academia e uma piscina semi-olímpica. Este complexo esportivo atende também
alunos da faculdade de Educação Física no período noturno. A Educação Básica
funciona nos períodos manhã e tarde, cuja maioria dos alunos pertence à classe
média. Entretanto, o colégio possui planos de bolsas de estudos para atender
especialmente alunos com dificuldades financeiras. Estudam ali alunos do Jardim da
Infância ao Ensino Médio, somando um total de 2203 alunos, sendo que cada grupo
estuda em prédios e locais separados (Ed. Infantil e Fundamental I / Fundamental II
e Ensino Médio). Do total de alunos, 500 são do Ensino Médio, distribuídos em dois
cursos: Ensino Médio regular, com três turmas de cada série, e o Médio Técnico em
Informática, com uma turma em cada série, somando um total de doze salas de
aulas tendo em média 45 alunos por turma. As salas de aulas possuem uma boa
estrutura para atender um número grande de alunos: são amplas, com carteiras
individuais para os alunos, mesa e cadeira para o professor, dois murais de recados,
uma lousa branca, um microcomputador, um projetor de vídeo, ar condicionado e,
quando solicitado, é disponibilizado microfone. O período de aulas acontece das 7h
às 12h30 minutos, sendo que para os alunos do Ensino Médio Regular, uma vez na
semana, também estudam no período da tarde, das 14h às 18h, somando um total
de quarenta horas/aulas semanais. Os alunos usam uniforme branco e azul marinho
e, no caso do Médio regular, utilizam material didático apostilado da própria
Instituição. As disciplinas são ministradas por professores formados nas suas
respectivas áreas de atuação. O número de aulas semanais para cada disciplina
varia de acordo com a disciplina e a série, sendo cada aula com duração de
quarenta e cinco minutos.
72
A equipe que atende os alunos do Ensino Médio é formada por um diretor
geral e um diretor disciplinar (ambos atendem também o fundamental II), uma
orientadora educacional e uma coordenadora pedagógica.
As três turmas do 3º Ano do Ensino Médio Regular somam um total de 121
alunos. Uma das turmas, à qual pertencem alguns participantes desta pesquisa,
possui 41 alunos e, na época da pesquisa, passava por problemas disciplinares
envolvendo relacionamento entre alunos e professores.
4.2 O CONTEXTO EM QUE FOI CRIADO O ESPAÇO CONVERSACIONAL
No início do ano de 2011 pedimos a ajuda da orientadora educacional e do
diretor disciplinar para que identificassem uma situação problema na qual
estivessem envolvidos professores e alunos, e que fosse interessante para o colégio
aplicarmos a ferramenta Espaço Conversacional a fim de verificarmos o que
aconteceria neste espaço. Por lidarem diretamente com os alunos e com seus
problemas, solicitei-lhes que assim que soubessem de algum problema que
justificasse a criação do espaço, nos procurassem.
Desta forma a escolha dos participantes foi feita partindo das queixas que
chegaram até a orientadora educacional, ao diretor disciplinar e a coordenadora
pedagógica. As queixas chegaram por parte de alguns professores e por parte de
alunos representantes de uma das turmas do 3º ano do Ensino Médio Regular, cujo
relacionamento entre eles estava muito ruim. A orientadora educacional nos
procurou preocupada com uma situação delicada que acontecia entre alguns alunos
e alguns professores de uma das turmas do 3º ano do Ensino Médio: durante as
aulas alunos saíam da sala de aula sem permissão, não deixavam o professor dar
aula, um dos alunos deitava no chão para “assistir” às aulas, enquanto os demais
ficavam rindo, outros viravam de costas para o professor, ficavam ouvindo som
mesmo sob ameaça de serem colocados para fora, entre uma aula e outra fechavam
a porta, apagavam as luzes e deitavam no chão para o professor pensar que não
havia ninguém na sala, os professores agendavam datas de provas e no dia da
prova alunos “provavam” para os professores que eles estavam equivocados, que a
data não era aquela, e o professor acabava não dando a prova. Estas e outras
condutas inadequadas eram orquestradas por um aluno específico que comandava
a sala, e a classe acabava obedecendo às ordens dele. A repetição destas e outras
73
atitudes estavam provocando problemas sérios no relacionamento entre
determinados professores e alunos. Ao prejudicar o andamento das aulas, como
consequência causou desmotivação para os professores e para a classe e queda no
desempenho escolar.
O diretor disciplinar também nos trouxe a mesma preocupação dizendo que
havia suspenso, de algumas aulas, o aluno que orquestrava a bagunça e seus
colegas, mas o problema persistia, pois agora tal aluno orquestrava tudo de forma
velada para que não fosse punido ou expulso. O problema estava crescendo dia a
dia e alguns alunos da própria classe começaram a se incomodar e procuraram a
orientadora pedindo ajuda a fim de que houvesse uma intervenção para melhorar a
situação da sala, pois estava atrapalhando o rendimento escolar da turma. A
representante da turma pediu à orientadora educacional para ajudá-los porque a
classe, sob o comando de alunos, estava controlando professores a ponto de não os
deixarem dar aulas. A classe estava se sentindo prejudicada. A orientadora nos
encaminhou os alunos para que apresentassem o problema. Por sua vez, os
professores também reclamavam da postura de determinados alunos que afetava a
classe como um todo e causava desmotivação no professor.
Desta forma, em consenso com o diretor disciplinar e a orientadora
educacional, concordamos que aquele seria um bom momento para aplicarmos a
ferramenta Espaço Conversacional para o qual convidaríamos alunos que estariam
diretamente implicados na situação em questão, e também alguns professores que
enfrentavam problemas com a turma. Eles gostaram da ideia: então chamamos o
aluno que liderava negativamente a sala e a representante de classe que também
estava participando dessa liderança e explicamos o plano de criarmos um espaço de
conversa entre alunos e professores. Explicamos que o grupo não poderia ser muito
grande, por isso solicitamos que eles fizessem uma lista de nomes, cerca de oito
alunos. Estes iriam representar a classe e participariam de um espaço de conversa a
fim de falar sobre o problema da sala e buscar caminhos para a situação problema.
Informamos que neste espaço estariam presentes alguns professores que se
sentiam também prejudicados com o comportamento deles, o diretor disciplinar e a
orientadora educacional. Eles gostaram da ideia e rapidamente trouxeram a lista. Os
oito nomes foram encaminhados à orientadora e ao diretor disciplinar, este último
percebeu que os nomes pertenciam somente ao círculo de amizades dos alunos que
74
fizeram a lista, então propôs trocar dois nomes por outros que estavam igualmente
envolvidos, porém pertenciam a dois outros grupos da sala.
Quanto aos professores, dois foram escolhidos por que estavam com muita
dificuldade de lidar com os alunos em sala, e para não entrar em atrito com os
alunos entravam na sala de cara fechada, ignoravam a rebeldia de alguns, davam
aula apenas para os alunos da frente. Dois professores foram convidados porque
haviam tido desentendimento com a classe, porém pediram para não participar dos
encontros porque eles e a classe já haviam resolvido os problemas. Também foi
convidada para o espaço uma professora de Educação Física que se sentia
decepcionada pelo que os colegas professores falavam dos alunos, então ela quis
participar, por ter uma linguagem e idade mais próximas deles, podendo contribuir
para buscar caminhos para a solução da problemática. O diretor disciplinar e a
orientadora educacional foram convidados porque estavam altamente implicados na
situação. Aquele já havia dado várias suspensões para alguns alunos da turma, por
sua vez, a orientadora já havia conversado com a classe e com alguns alunos,
porém sem resultados significativos. Neste contexto, abrimos um Espaço
Conversacional no qual formamos um sistema partindo da situação-problema:
relacionamento professor e aluno e queda no rendimento escolar. Foram realizados
três encontros: no primeiro encontro, dos oito alunos convidados, três desistiram de
participar porque não conseguiam conciliar as atividades extracurriculares com os
horários do espaço de conversa. Desta forma continuaram participando cinco alunos
e cinco professores (dos quais um é o diretor disciplinar e o outro orientadora
educacional); no segundo encontro todos vieram pontualmente, as conversas foram
muito produtivas; no terceiro e último encontro os participantes estavam bastante
animados e participaram intensamente.
4.3 CARACTERÍSTICAS PESSOAIS DOS PARTICIPANTES
Esta pesquisa envolveu dez participantes, dos quais cinco são alunos e cinco
são professores do Ensino Médio. Abaixo descreveremos, separadamente, os perfis
dos alunos e dos professores; após apresentaremos alguns dados gerais dos dez
participantes.
75
Todos os alunos participantes estudam na mesma turma do 3º ano do Ensino
Médio e a fim de conhecer o perfil destes, aplicamos o “Questionário de identificação
do participante aluno”. Para facilitar a visualização de alguns dados construímos as
tabelas 1 a 4.
Tabela 1 - Dados pessoais dos alunos participantes
Alunos Participantes
Sexo
Idade Estado Civil
Feminino Masculino 16 17 18 Solteiro Casado
05 20% 80% 0% 100% 0% 100% 0%
De acordo com a tabela 1, dos cinco alunos que participaram, 20% são do
sexo feminino e 80% são do sexo masculino. Observamos que o maior índice de
participação é do sexo masculino e podemos atribuir isto ao fato de terem mais
meninos implicados na situação problema em questão do que as meninas. Quanto
à idade, 100% deles têm dezessete anos, isto ocorre porque o colégio, salvo caso
excepcional, só aceita matricular alunos dentro da faixa etária correspondente à
série. Quanto ao estado civil, 100% se declararam solteiros.
Tabela 2 - Dados pessoais dos alunos participantes
Mora com
Pai, mãe e irmãos
Só pai Só mãe Avó e irmãos Outros
80% 0% 0% 20% 0%
Quanto à moradia, observamos na tabela 2 que 80% dos alunos declararam
que moram com pai, mãe e irmãos. Apenas 20% mora com a avó e irmãos. Dos
100% de alunos participantes, 60% é de família com apenas dois filhos, 20% de
família com três filhos e 20% de família com cinco filhos. Percebemos pelos dados
colhidos que 60% dos alunos participantes são de filhos caçulas e 40% de filhos
mais velhos na família.
Tabela 3 - Dados pessoais dos alunos participantes- perfil financeiro
Renda familiar
1-2 salários mínimos
3-5 salários mínimos
5-9 salários mínimos
Mais de 10 salários mínimos
40% 0% 20% 40%
76
Conforme apresentado na tabela 3, 40% dos alunos participantes têm renda
familiar entre 1 e 2 salários mínimos. Neste grupo está um aluno que não mora com
seus pais. Ele declarou que seu pai morreu na cadeia e a mãe ainda está presa.
Quem o sustenta e os seus quatro irmãos é a avó, por meio de uma baixa pensão
do avô falecido e da bolsa família. Ele declarou que para estudar no atual colégio
recebeu uma bolsa de estudos de 100% bem como materiais escolares e uniformes.
Outro aluno também pertencente a este grupo mora com os pais, a mãe é doente e
apenas o pai trabalha fora de casa, e no momento passam por uma situação
financeira difícil. Assim, ele também recebeu uma bolsa de 100% para estudar no
atual colégio. A renda familiar de 20% dos alunos participantes está entre 6 e 9
salários mínimos e 40% estão com mais de 10 salários mínimos. Em 80% das
famílias tanto o pai quanto a mãe trabalham fora, em apenas 20% das famílias a
mãe/avó não trabalham fora de casa.
Tabela 4 - Dados pessoais dos alunos participantes- situação escolar
Anos de estudos no colégio atual
Rendimento escolar em relação a media 6 (seis)
Até 1 ano 3 anos
10 anos
Abaixo da média
Na média Acima da média
40% 40% 20% 20% 20% 60%
De acordo com a tabela 4, 40% dos alunos participantes estudam no colégio
há menos de um ano. Segundo informações dadas pela orientadora educacional
estes alunos estudaram a vida toda em escola pública e agora, ao receberem uma
bolsa de estudos, tentarão melhorar sua situação educacional, pois querem passar
no vestibular. Estes alunos buscam por meio dos estudos melhorarem sua condição
financeira e social. Dos alunos participantes, 40% estudam há três anos no colégio
e 20% há dez anos. Quanto ao rendimento escolar, 60% dos alunos apresentam
rendimento acima da média, 20% na média e 20% abaixo da média. Ao
observarmos os dados das tabelas 1 a 3 e de detalhes trazidos no questionário,
percebemos que os alunos que necessitaram de maior ajuda financeira e com
menos tempo de estudos no atual colégio, apresentaram maiores dificuldades
escolares, ficando abaixo ou na média de nota escolar. De acordo com a orientadora
educacional, a dificuldade de adaptar-se ao ritmo de estudos do colégio e a
defasagem de conteúdo apresentada por estes alunos, tem sido um dos fatores
pelos quais eles apresentam resultados de notas não tão satisfatórios. Os demais
77
alunos apresentaram resultados acima da média denotando que estão bem
adaptados ao colégio.
Colocamos no questionário uma questão aberta, com solicitação para que o
aluno escrevesse um sonho. Cada aluno deixou registrado seu sonho conforme
informação abaixo:
Aluno G - Eu sonho em aproveitar as oportunidades dadas por Deus.
Aluno F – Quero terminar o 3º ano aqui neste colégio e não perder a bolsa.
Aluno L – Eu quero passar no vestibular.
Aluno LF- Superar meus desafios escolares.
Aluno J- Acabar meu 3º ano e planejar 2012.
Percebemos pelas respostas, que os alunos G, L e J sonham mais com
coisas em médio prazo: oportunidades, vestibular e planejamento para o futuro, já os
alunos F e LF sonham em superar seus medos presentes: terminar o 3º ano neste
colégio, não perder a bolsa e superar os problemas escolares. Os alunos FL e F são
os que receberam bolsas de estudos de 100% e, portanto querem vencer os
obstáculos imediatos, pois dependem disso para poder sonhar com o futuro.
A escolha dos professores foi feita devido às queixas que os mesmos fizeram
à orientadora educacional e ao diretor disciplinar de situações difíceis que
enfrentaram com alunos da referida classe. Participaram dos encontros três
professores que se sentiam de alguma forma implicados no problema, a orientadora
educacional e o diretor disciplinar que estavam diretamente envolvidos na
problemática. Para protegermos a imagem destes dois últimos profissionais, os
chamaremos daqui para frente também de professores.
Para conhecermos o perfil desses professores foi aplicado o questionário de
identificação do participante professor. De posse dos dados, para melhor
visualização de alguns deles, construímos as tabelas 5 e 6.
Tabela 5 - Dados pessoais dos professores participantes
Nº de Professores
Idade
Estado civil
Filhos
05
Menos 30 Mais de 40 Solteiro Casado Sem filhos Com filhos
40% 60% ----- 100% 40% 60%
78
De acordo com a tabela 5 os professores participantes estão distribuídos em
uma faixa etária bem diferenciada: 60% corresponde a professores com mais de
quarenta anos e consequentemente com mais experiência na área de atuação, e
40% com menos de trinta anos, faixa etária esta mais próxima dos alunos
participantes. Todos os professores são casados, sendo que 60% deles têm filhos.
Os professores mais jovens, 40%, não possuem filhos. A diferença de idade entre os
professores participantes veio enriquecer este projeto, pois os olhares acabam
sendo diferenciado sobre o mesmo problema. Quanto à renda familiar dos
professores participantes, 20% recebem de 7 a 10 salários mínimos e 80% recebem
mais de 10 salários mínimos.
Tabela 6 - Dados pessoais dos professores participantes
Formação
Profissão atual
Formação na área de atuação
Professor Diretor Disciplinar Orientadora Educacional
100% 60% 20% 20%
A tabela 6 nos mostra que 100% dos professores participantes são formados
em suas respectivas áreas de trabalho. No que tange ao trabalho atual, 60% dos
professores participantes atuam como professores na área de: língua portuguesa,
educação física e espanhol. Os 40% restantes atuam como orientadora educacional
e diretor disciplinar. As professoras de espanhol, português e a orientadora são as
pessoas que mais tempo têm de trabalho na área em que atuam (mais de dezoito
anos). Já a professora de educação física e o diretor disciplinar são os que menos
tempo têm de trabalho na área (três anos). Este último, de acordo com informações
dadas por ele, trabalhou em outras funções no mesmo colégio até chegar ao cargo
atual. Quanto à profissão atual, 60% dos professores participantes já estão há mais
de sete anos na função e 40% estão entre dois e três anos. Percebemos que todos
eles não são inexperientes em suas áreas de atuação e já possuem certo grau de
convivência com os alunos do referido colégio, o que pode ter contribuído
positivamente para as conversas no espaço conversacional. Apenas uma professora
disse que é o primeiro ano que ela dá aulas para esta turma.
Nas tabelas 7 e 8 sintetizamos os dados gerais dos 10 participantes desta
pesquisa:
79
Tabela 7 - Dados gerais dos participantes
No Participantes
Participantes
Sexo
10
Aluno Professor Masculino Feminino
50% 50% 50% 50%
Tabela 8 - Dados gerais dos participantes
Idades
Estado civil
Tempo (anos) no colégio atual
17 anos 20-30 anos 40-50 anos Solteiro Casado Menos de 1 ano
2-3 anos
7-11 anos
50% 20%
30% 50% 50% 20% 40% 40%
De acordo com a tabela 7, os participantes desta pesquisa são 50% de alunos
e 50% de professores, o que gerou certo equilíbrio no grupo. Quanto ao sexo
também há um empate de 50% para o sexo feminino e 50% para o sexo masculino,
sendo que dos participantes masculinos, quatro são alunos e um é professor, e nos
participantes femininos são quatro professoras e uma aluna.
Na tabela 8 percebemos que há três grupos de idades distintos: 50% de
participantes com dezessete anos, 20% com idades entre vinte e trinta anos, 30%
com idades entre quarenta e cinquenta anos. Percebemos que a maior porcentagem
é para os participantes de dezessete anos (alunos). O fato de termos representantes
de três faixas etárias diferentes trouxe contribuições importantíssimas para o grupo e
para esta pesquisa, pois por pertencerem a gerações diferentes trazem olhares
diferenciados sobre a problemática.
Outro dado importante de ser lembrado é o fato de termos representantes,
entre os participantes, de alunos de condição financeira mais baixa vindos de outras
realidades e alunos que estão a mais tempo no colégio e com uma situação
financeira melhor que aqueles. Este fato também trouxe ricas contribuições para
esta pesquisa, pois ao contarem de suas respectivas realidades puderam dar
opiniões sob pontos de vistas diferenciados.
80
4.4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DA ENTREVISTA
Após o término dos encontros no Espaço Conversacional coletamos por meio
da entrevista semiestruturada, as opiniões sobre este espaço e tabulamos os dados
em seis tabelas. Para cada categoria ou subcategoria, na coluna indicadores,
colocamos apenas três exemplos de falas dos participantes, pois elas são inúmeras
e tomariam muito espaço nas tabelas. Tomamos o cuidado de identificar cada
indicador citado com a letra (A), quando se referir à fala do aluno, e (P), quando se
referir à fala do professor. A coluna “Nº” aponta o total de indicadores, ou seja,
quantas vezes o respectivo assunto apareceu na fala dos participantes. Na coluna
“porcentagem” o cálculo foi feito sob o total de indicadores da respectiva tabela.
Antes de apresentar os resultados de cada tabela, para um melhor
acompanhamento do leitor, informaremos o total geral de indicadores.
Na tabela 9, “Sentimentos sobre o convite para o Espaço Conversacional”,
procuramos sintetizar quais foram os sentimentos dos participantes ao serem
convidados para participar do Espaço Conversacional. Para tanto, baseado em
suas respostas, levantamos três categorias: Sentimentos de insegurança e medo,
Sentimento de responsabilidade, Sentimentos de confiança e valorização. Achamos
importante conhecer o que pensavam os professores e os alunos, por isso para
cada categoria acrescentamos duas subcategorias: sentimento do professor e
sentimento do aluno. O total de indicadores expressos na tabela 9 foi de 43, portanto
o cálculo da porcentagem de incidência, para cada categoria indicada na tabela, foi
realizado sobre esse total.
81
Tabela 9 - Sentimentos sobre o convite para o Espaço Conversacional
Categorias
Subcategorias
Indicadores
Nº
%
1.Sentimentos de insegurança e medo
Sentimento do professor Sentimento do aluno
-Pensei: “meu Deus o que será que vai acontecer ali”. Até fui pensando que eu teria que ser muito mais mediadora que tudo. (P) -A expectativa foi maior, gerando maior insegurança. Pensei: o que será que vai acontecer?(P) -O que vão falar de mim?(P) (...) -Fiquei com medo das perguntas que iam fazer. (A) -Sei lá pode ser que as perguntas me deixassem nervoso. (A) -Fiquei com medo. (A) (...)
8 18,6%
9 21%
2. Sentimento de responsabilidade
Sentimento do professor Sentimento do aluno
-Me senti com muita responsabilidade. (A) -Eu precisaria absorver tudo e levar para a sala. (A) -Ser chamada para representar a sala é difícil (...) tem a responsabilidade de levar para mais gente. (A) (...)
0 0%
6 14%
3.Sentimentos de confiança e valorização
Sentimento do professor Sentimento do aluno
-Fiquei feliz por que ia contribuir tanto para o melhoramento do rendimento escolar dos alunos e nosso relacionamento com eles como professores. (P) -Ao mesmo tempo em que eu me senti honrada, me senti importante. (P) - Senti uma expectativa positiva, pois eu estou acostumado, diariamente, a trabalhar com disciplina. (P) (...) -Achei bom porque me viram: o F. está na sala. Fiquei feliz. (A) -Me senti honrado, ia falar o que me incomodava. (A) -Como me chamaram senti que acreditavam em mim. (A) (...)
6 13,8%
14 32,6%
Obs. As palavras foram transcritas de acordo com as falas dos participantes. As porcentagens foram
calculadas a partir do total de respostas dadas e não a partir do número de participantes.
Conforme observamos na categoria 1 da tabela acima, os alunos
apresentaram mais sentimentos de medo e insegurança, 21%, do que os
professores, 18,6%. Já na categoria sentimento de responsabilidade, apenas os
82
alunos apresentaram este sentimento, 14%. Quanto à categoria 3, sentimento de
confiança e valorização, os indicadores apontaram que os participantes alunos
expressaram mais sentimento de confiança e valorização, 32,6%, ao receberam o
convite para participar do Espaço Conversacional, do que os professores, que foi de
13,8%. Se somarmos as subcategorias professor e aluno e compararmos os
resultados entre as 3 categorias, percebemos que o sentimento de confiança e
valorização, 46,4%, prevalece sobre os sentimentos de medo e insegurança, 39,6%
e o de responsabilidade, 14%. Podemos comprovar que os participantes de forma
geral estavam com um maior sentimento de confiança e valorização do que de
medo. O medo apareceu em parte das falas dos participantes, mas o fato de terem
sido convidados para participar despertou neles o sentimento de valorização, do “eu
também sou importante”. Percebemos em vários momentos das falas tanto de
professor quanto de alunos, que eles citavam a frase “me senti importante por ter
sido chamado”. No caso dos alunos apareceu o sentimento de reponsabilidade, o
que pode ser atribuído ao fato deles estarem representando a classe e por isso
deveriam compartilhar com a turma as decisões e conversas realizadas durante os
encontros.
Na maioria das vezes, os adolescentes são mais arrojados e acham que
podem enfrentar qualquer coisa e diante da situação que estavam vivendo em sala
de aula, o espaço pode ter vindo ao encontro das necessidades do aluno de ser
ouvido pelo professor e pela direção, apesar do medo. Os professores participantes
estavam num misto de medo e ansiedade para encontrar caminhos e solucionar os
problemas da turma. Antes de começar o primeiro encontro, em uma conversa
informal, uma das professoras disse que estava bem desanimada quanto à turma, já
havia feito de tudo para ajudar a sala, até almoço ofereceu para os alunos e nada
dava certo. Ela é conselheira da turma, então os professores reclamavam para ela
sobre as atitudes dos alunos. Ela não sabia mais o que fazer, pois na aula dela era a
mesma coisa. Esperava que no espaço conseguisse descobrir o caminho para
atingi-los. Uma outra professora falou que estava sofrendo bastante para dar aulas
na turma, preparava as aulas o melhor que podia, mas todas as vezes saia
decepcionada e desanimada, por isso ficou preocupada em aceitar o convite porque
não sabia o que os alunos iriam dizer dela lá no espaço, principalmente porque o
aluno mais trabalhoso estaria presente. Mas estava torcendo para que tudo
acabasse bem. Por outro lado, uma das alunas disse que estava bem animada por
83
que foi a primeira aluna a pedir que a escola os ajudasse a resolver o problema, pois
estava atrapalhando o rendimento da turma e causando problemas com os
professores. Ela estava com uma expectativa positiva porque, de acordo com ela “se
todos forem lá pensando em coisas que possam melhorar a classe, então dará
certo” (aluna J). Desta forma, entendemos que o convite para o Espaço
Conversacional pode ter trazido esperança para professores e alunos, no sentido de
que no espaço não seria privilegiada a hierarquia, mas todos teriam igual direito de
falar e dar suas opiniões sobre o problema existente a fim de buscar caminhos para
a solução do mesmo. Na sala de aula, normalmente ocorrem conversações de
mando e obediência, nas quais, muitas vezes, os professores, confirmam sua
superioridade (MATURANA, 1997), mas no Espaço Conversacional, todos os
participantes vislumbravam poder falar de forma circular, ou seja, falar olho no olho
como em uma equipe. Assim, de modo geral, podemos entender que os
participantes como um todo apresentavam com sentimentos positivos sobre a
participação no Espaço Conversacional.
Para a construção da tabela 10 levamos em consideração as falas dos
participantes que apontavam para as atitudes que geraram tensões nas relações
entre professor e aluno no Espaço Conversacional. Para tanto criamos três
categorias: atitudes do professor que geraram tensões no diálogo, atitudes do aluno
que geraram tensões no diálogo e momentos de tensões que geraram diálogo. O
total de indicadores da tabela 10 foi de 34, portanto o cálculo da porcentagem de
incidência, para cada categoria indicada na tabela, foi realizado sobre esse total.
84
Tabela 10 - Atitudes que geraram tensões nas relações no Espaço Conversacional
Categorias
Indicadores
Nº
%
1.Atitudes do professor que geraram tensões no diálogo
- Naquele momento quando ele (professor) alfinetou eu senti que podia ter “quebrado” tudo o que havia sido conquistado até ali. (P) -Eu achei que não era o momento de falar. Eles ficaram sem jeito. Ali tinha tudo para dar errado: professor e aluno, gente bocuda e gente não bocuda... eu acho que quando você vai para resolver esse tipo de problema, você tem que tirar tudo que é “arma (...) (P) -Eu acho que uma hora só que um professor colocou que “o erro com certeza era do aluno”, daí eu coloquei que eu não concordava, porque o professor tem uma força importante, e ele disse que não, que o aluno é que tem que fazer isso aí. (A) (...)
18
53%
2.Atitudes do aluno que geraram tensões no diálogo
-Teve alguns momentos que até entre os alunos houve divergência de ideias. (P) -A não ser no primeiro encontro quando teve um probleminha em relação ao lugar (se referindo à fala do aluno L quando falou do mapa de sala). (P) -Eu senti apenas por parte dos alunos na segunda reunião que alguns deles tentaram impor algumas coisas, impor sua opinião sem aceitar muito o comentário do outro. (A) (...)
3
9%
3.Momentos de tensões que geraram diálogo
-Mesmo que alguém começasse a falar alguma coisa que pudesse soar como imposição o outro estava aberto para dialogar o contrário. (P) -Não percebi problemas de hierarquia, de imposição. Por isso, eu acho que quando um ia fechar o outro abria... (P) -Quando um aluno criticou a forma de determinados professores darem aulas, foi esclarecido e eu entendi que cada professor tem uma forma diferente de pensar, de agir e de dar aula... (A) (...)
13
38%
Obs. As palavras foram transcritas de acordo com as falas dos participantes. As porcentagens foram
calculadas a partir do total de respostas dadas e não a partir do número de participantes.
Podemos constatar que, de acordo com a tabela 10, as atitudes dos
professores causaram mais tensões no diálogo entre professores e alunos, 53%, do
que a dos alunos, 9%. Em 38% das falas foi possível constatar que os participantes
85
acharam que mesmo nos momentos tensos o diálogo fluiu. Consideramos que o
índice mais elevado para as atitudes do professor que causaram tensões, se deve
ao fato de um episódio que ocorreu no Espaço Conversacional o qual será descrito
abaixo, na fala de um dos participantes:
“Foi muito legal o que aconteceu lá, achei que 99% das pessoas souberam se
colocar, só achei tensa, a vez, quando o professor R falava. Ele não foi feliz em
algumas colocações ou eu não soube interpretar. Eu achei que foi um momento
tenso (...) Naquele momento quando ele alfinetou eu senti que podia ter
“quebrado” tudo o que havia sido conquistado até ali , eu achei que foi por Deus
que não detonou tudo porque eles vinham num crescente, estavam aceitando bem
(...)depois acalmou (...) em seguida a professora M disse que compreendia o que o
aluno falara (ela se referia à fala do aluno antes do diretor falar com ‘firmeza’)”
(Professor M).
Percebemos que neste novo sistema criado, ainda alguns participantes não
conseguiram ficar em uma posição de circularidade, mas conservavam a postura
hierárquica de mando e obediência (AUN 2010). Porém, percebemos que faz parte
do processo de maturidade desse sistema passar por momentos de tensões, porém
a diferença é a forma como serão trabalhados estes momentos. Watzlawick e cols
(1967/2007) falam que cada sistema busca a homeostase, o equilíbrio. Este sistema,
agora criado, estava em busca do equilíbrio, pois passavam por mudanças.
Anderson (2009) aconselha que o conversar se torne parte principal desse processo,
pois de acordo com ela o conversar tem a ver com ajudar o outro a ter acesso à
coragem, a enfrentar situações, a não ficar paralisado e a ter uma visão clara do que
está acontecendo. Maturana (1997), ao falar sobre as desavenças nos
relacionamentos, orienta que é importante, quando ainda se esteja no calor da raiva,
buscar soluções, pois desta forma as emoções mudam e a raiva se esvai ou, pelo
menos, se transforma numa discordância respeitável. Compreendemos que este tipo
de atitude faz parte do processo de fortalecimento desse sistema. No espaço de
conversa os problemas relacionais vieram à tona conforme as falas foram sendo
expressas. Pois, esse é um espaço para compreender melhor o complexo
entrelaçar de ideias, coisas ou posições que aparentemente estavam divergentes,
separadas, conforme citado no princípio dialógico defendido por Morin (2002b).
86
Muitas vezes, no conversar descobre-se que as divergências eram apenas verdades
que precisavam ser compreendidas e esclarecidas. Nesse conversar os
participantes trouxeram emoções de histórias passadas o que permitiu o
crescimento do grupo. Em momentos como estes acontece a aprendizagem, pois
promovem-se o desenvolvimento das estruturas psicológicas (VIGOTSKI,1998). No
entanto, a forma como se lida com essas situações e emoções é que promoverá
saltos qualitativos para ambas as partes. Um dos participantes entrevistados
comentou: “Mesmo que alguém começasse a falar alguma coisa que pudesse soar
como imposição, o outro estava aberto para dialogar o contrário” (Professora M).
Percebemos que embora houvesse tensões, o diálogo prosseguiu e foi interpretado
pela maioria como parte do processo de conversação.
Percebemos na tabela 10, que muito embora em alguns momentos
ocorressem problemas no diálogo, o respeito prevaleceu. Maturana (1997) ao falar
da conversação cita o respeito e o amor que devem existir no decorrer das
conversações, bem como, o uso da razão que possibilita chegar a caminhos
facilitadores para todos expressarem suas ideias. Isso foi possível perceber ao longo
dos encontros.
Na construção da tabela 11, levamos em consideração as falas dos
participantes que apontavam para as contribuições da ferramenta Espaço
Conversacional para a relação professor e aluno. Para tanto, criamos 3 categorias:
Mudança no olhar do professor e do aluno, Abertura de espaço para o diálogo entre
professor e aluno, Melhoria na interação entre professor e aluno. O total de
indicadores da tabela 11 foi de 40, portanto o cálculo da porcentagem de incidência,
para cada categoria indicada na tabela, foi realizado sobre esse total.
87
Tabela 11 - Contribuições do Espaço Conversacional para a relação professor e aluno
Categorias
Indicadores
Nº
%
1.Mudança no olhar do professor e do aluno
-O olhar do L não tinha medo de mim mais. O L olhou no meu olho e eu falei com ele e ele disse: tudo bem professor eu já estou indo trocar. (P) -O nosso olhar é um olhar diferente, é de respeito. (P) -Eu penso isso, e agora, o que a gente vai fazer? Agora a gente tem uma confiança a mais um com o outro (...) o olhar agora é diferente. (A) (...)
8
20%
2.Abertura de espaço para o diálogo entre professor e aluno
-Meu relacionamento com L está muito melhor, nós até conversamos pelos corredores. (P) -Eu consegui me colocar no lugar deles, eu faço muito isso, e tento entender o porquê daquele comportamento, se está acontecendo alguma coisa. (P) -A minha relação com os professores está diferente, pois lá no espaço conversacional os professores ouviram a minha opinião, eu ouvi a deles, esclarecemos, colocamos o que pensamos ... (A) (...)
9
22,5%
3.Melhora na interação entre professor e aluno
-Nas reuniões as armas baixaram e não precisamos mais ficar competindo. (P) -Os professores na sala interagem com esses alunos e a sala vendo isso, começou a melhorar seu comportamento. (A) - A relação com o professor melhorou e me ajudou a tomar uma postura melhor, me conscientizou mais. (A) (...)
23
57,5%
Obs. As palavras foram transcritas de acordo com as falas dos participantes. As porcentagens foram
calculadas a partir do total de respostas dadas e não a partir do número de participantes.
Na tabela 11 observamos que mais da metade dos indicadores, 57,5%,
apontam que a maior contribuição do Espaço Conversacional foi em relação a
melhoria na interação entre professor e aluno. Em segundo lugar, com 22,5%, foi a
abertura para o diálogo entre professor e aluno e 20% dos indicadores apontam para
a mudança no olhar do aluno e do professor. Podemos inferir que se o maior índice
está para a melhoria na interação entre professor e aluno, significa que a relação
deles anterior ao espaço estava com problemas. Isto vem demonstrar que a partir do
momento em que os alunos e professores tiveram um espaço para conversar,
colocaram suas opiniões, conseguiram interagir melhor. Morin (2002b) afirma que na
88
relação com o outro há carência de compreensão e para que se possam entender as
partes faz-se necessário dialogizar. E nesse dialogizar, no qual foram providos
ambientes e práticas fora da sala de aula, em um lugar específico, com objetivos
definidos, os participantes chegam a um novo conceito sobre a relação com o outro,
quando aconteceu aprendizagem capaz de influenciar mudanças comportamentais e
melhoria na relação entre as partes envolvidas. Na entrevista um dos professores
participantes fez a seguinte colocação:
“Tudo que for feito para desenvolver esse relacionamento vai produzir bom fruto, mas como é difícil tomar uma decisão como essa, por que movimentar bons relacionamentos realmente é um desafio porque cada um está correndo atrás do seu objetivo: o aluno querendo passar de ano, o professor querendo ensinar. Cada um está do seu lado, não tem uma ponte, temos que construir uma ponte, e este espaço foi realmente uma ponte entre o ensinar e o aprender” (Professor R).
Vigotski (1998) afirma que a aprendizagem do indivíduo se dá por meio de
experiências às quais ele foi exposto, portanto o Espaço Conversacional pareceu
promover experiências aos participantes gerando aprendizagens significativas para
o relacionamento entre eles. Um exemplo dessas experiências é que no decorrer
dos encontros alguns alunos participantes não conseguiam manter os olhos fixos no
professor que falava. Porém, ao final dos encontros, a interação ficou bem mais
tranquila e eles ficaram mais à vontade. Uma das professoras disse:
“Eu senti assim, o olhar dos alunos, no começo eles não olhavam dentro do olho, eu sentia que eu falava, mas eles estavam com o olhar meio desviado e eu buscava o olhar deles e o olhar dos adultos, mas eu ainda só sentia o olhar dos adultos, demorou um pouquinho para pegar confiança. Eu senti que no final da reunião eles já olhavam em nossos olhos, já estavam bem mais a vontade.” (Professor Mr).
Os alunos tinham consciência do trabalho que estavam dando em sala de
aula, e o professor por sua vez também se sentia impotente frente à turma. Nas
conversas tentaram contato com os alunos pelo olhar, com o intuito de deixá-los
mais a vontade e a comunicação então fluiu. Watzlawick et al. (1967/2007) afirmam
que é impossível não comunicar, pois nos comunicamos, além das palavras, por
gestos, olhares, posturas. No início dos encontros os participantes estavam
distantes ainda, mas se comunicavam pelo olhar ou pelo baixar dos olhos. Nas
entrevistas foi possível ouvir frases como esta: “antes eu via que eram bons alunos,
hoje eu sinto uma amizade nos olhos deles, eu sinto que eles olham com mais
89
carinho” (Professor G.). Maturana (1997) ao falar sobre sistemas sociais afirma que
ao acontecerem mudanças nas pessoas envolvidas naquele sistema, ao mudarem
suas condutas também estarão mudando automaticamente o sistema social no qual
estão inseridos. Percebemos que aconteceram mudanças não só entre os
participantes, mas nas outras pessoas que estavam envolvidas, no caso a turma da
qual os alunos participantes fazem parte, como podemos perceber na fala de um
aluno: “Eu acho que já teve mudança lá na sala. Pelo menos o pessoal que foi (no
espaço de conversa) já está tentando mudar um pouquinho, e se muda um
pouquinho acaba arrastando outras pessoas. É uma mudança que acontecerá com
o tempo, aos poucos” (Aluno G).
Para a construção da tabela 12 levamos em consideração as falas dos
participantes a respeito das opiniões sobre participações no Espaço Conversacional
(conversações). Para tanto, criamos 4 categorias: Conversações dando direito a voz,
Conversações incentivando o respeito e a valorização, Conversações de co-
inspiração e outros . O total de indicadores da tabela 12 foi de 83, portanto o cálculo
da porcentagem de incidência, para cada categoria indicada na tabela, foi realizado
sobre esse total.
90
Tabela 12 – Opinião sobre as participações no Espaço Conversacional
Categorias
Indicadores
Nº
%
1.Conversações dando direito à voz
-Do segundo encontro em diante estava todo mundo mais a vontade, acho que a proporção da fala (entre alunos e professores) foi basicamente igual. (P) -Eles (alunos) contaram o que fazem à tarde, como se programam, como os professores poderiam ajudá-los no planejamento, no calendário deles, e o professor contou um pouco de como é difícil ir em várias salas.(P) -Pude dar minha opinião e ouvir a opinião dos meus colegas também. (A) (...)
39
47%
2.Conversações incentivando o respeito e a valorização
-É uma sensação boa quando as pessoas param para te ouvir, te dão valor, te dão respeito. (A) -Dá uma sensação de que você está sendo respeitado. Houve respeito entre os colegas de classe, entre professor e diretoria. (A) -Eu falei para eles que eles tinham potencial, que da mesma forma que lutaram unidos por um problema que passaram no início do ano, porque não unir agora para melhorar a classe e o futuro de cada um. (P) (...)
22
26,5%
3.Conversações de co-inspiração
-Pela forma como foi conduzida e o formato de círculo te dão uma facilidade e uma segurança maior e um sentimento que se está sendo ouvido e aceito. (P) -Eu acho que era muito bacana quando alguém ia contra, ou então dizia “você poderia me explicar melhor?”, eles achavam maneiras de explicar diferente, achei legal a postura deles.(P) -Os outros conseguiram conversar bem e compreender a posição do outro, a tia M.(Orientadora) até ajudou o diretor a compreender melhor e aí eu acho que ele compreendeu.(A) (...)
21
25,3%
Outros -Eu me senti à vontade, mas os outros professores
estavam mais envolvidos no problema. Os
professores que sofriam mais com as atitudes deles
falaram mais.(P)
1
1,2%
Obs. As palavras foram transcritas de acordo com as falas dos participantes. As porcentagens foram
calculadas a partir do total de respostas dadas e não a partir do número de participantes.
Na tabela 12, de acordo com as falas dos participantes, 47% dos indicadores
apontaram que houve conversação com direito à voz, e quase que empatados com
26,5% ficaram as conversações incentivando o respeito e a valorização e 25,3% as
conversações de co-inspiração. Notamos que em quase 50% das falas foi apontado
91
que os participantes tiveram direito a voz. Percebemos que neste caso, de acordo
com a teoria de AUN (2010), foi criado um contexto de autonomia, pois todos
tiveram direito a voz. Até mesmo um dos garotos que era mais simples participou
como podemos perceber na fala de um professor: “achei interessante aquele garoto
simples, o que ele falou de forma tão simples e até com umas palavras meio erradas
(...) sempre fazendo comparações com vivências passadas” (professora M). Este
garoto vem de uma família bem simples, no entanto ao longo dos encontros
conseguiu se posicionar e dar exemplos interessantes de suas vivências na escola
anterior e até de situações difíceis que passou. Anderson (2010) relata que quando
um grupo se reúne para uma conversação, todos os participantes começam falando
sobre o que trazem do seu cotidiano, trazem à tona suas conversas internas e
silenciosas e histórias passadas.
No primeiro encontro no Espaço Conversacional, um dos alunos agradeceu
pela iniciativa de se abrir um espaço para que alunos, professores e diretor
pudessem conversar sem medo de serem julgados. Ele disse:
“no mundo aí fora reina a democracia, porque que aqui também não pode ser assim? Os alunos precisam ser ouvidos também porque parece, pelo menos ao nosso olhar de aluno, que só o professor tem razão. Muitas vezes eu quis ser ouvido, mas fui punido sem falar tudo o que eu pensava. Por isso, quero dar os parabéns por este espaço estar existindo” (aluno L).
Nesta fala podemos perceber que o aluno estava se sentindo injustiçado
porque ele não conseguia ser ouvido, mas agora, com o Espaço Conversacional
surgiu a oportunidade de falar o que pensava sobre a situação. O aluno L trás em
sua fala a indignação, protesto e agradecimento, porém este aluno estava sempre
envolvido em problemas disciplinares e a direção já estava sem paciência para ouvi-
lo. Durante as conversas ele se referia a ele mesmo como representante dos
bagunceiros, mas que estava ali para achar caminhos e se comprometia em ajudar.
Vasconcellos (2010a) diz que o conversar possibilita resolvermos infinitas questões
e, de acordo com Maturana (1997), quando o conversar acontece em uma rede
particular de linguagem e de emocionar estamos em conversação, portanto o que
acontecia no Espaço Conversacional era uma verdadeira conversação que envolvia
sentimentos mais profundos. Neste espaço, em uma das conversações, o aluno L
deixou escapar um dos motivos que o levava a ser rebelde em sala de aula:
92
Eu acho que o problema da sala hoje em dia é a questão da liberdade. Meu pai conta que antigamente, o professor, tinha „tipo assim‟ autoridade de castigar fisicamente o aluno. Já pensou o professor C batendo em mim? Um tempo depois “o professor ainda era autoridade, você estando certo ou errado, você se ferrava do mesmo jeito, porque você era o aluno e tinha que respeitar o professor. Hoje ainda existe isso, por exemplo, na China o professor ainda é a autoridade máxima, você pode filmar uns quinze dias lá que os alunos não dão um pio na sala. Isso é muito chato. Eu acho que é um extremo do outro, extremo porque lá eles obedecem, aqui, eu vou falar, sou cara de pau mesmo, eu infernizo a vida do professor até eu conseguir o que eu quero, e é errado, por que o professor chega ao extremo, deixa de impor o seu respeito. Mas tem professor que consegue ter autoridade máxima na sala (...) mas, tem professor que deixa a coisa rolar e daqui a pouco você olha para a sala e diz: que é isso „véio‟, tem aluno batendo um no outro, está a maior bagunça (...) a gente tem consciência véio, que a culpa é da gente, porque a gente tem que ter consciência de sentar, calar a boca e ouvir (...) mas tem professor que tem medo de ser odiado pelos alunos, tem medo de dar bronca e deixa a sala do jeito que está” (Aluno L).
Depois dessa fala os demais alunos também concordaram com isso e
contaram casos que aconteceram em suas escolas de origem. O aluno F destacou
que a educação em sala de aula vem de casa também, de acordo com ele o
problema já vem da família. A professora G ficou escandalizada com a fala dos
alunos. Ela disse que não imaginava que eles tratavam os professores daquela
forma, porque ela os conhecia das quadras, nas aulas de educação física, sabia dos
problemas, mas nunca imaginava que os alunos pensassem desta forma. Partindo
destes diálogos, as conversas foram longas. Podemos perceber na prática o que
vimos em Maturana (1997), quando se referiu às conversações. No início as
conversações foram de acusações e de queixas, mas ao longo dos encontros
prevaleceram as conversações de respeito, valorização e co-inspiração, nas quais
estavam envolvidos o respeito mútuo, e como consequências surgiram atitudes que
beneficiaram a todos. Uma das professoras disse: “Eu gostei da forma que alguns
professores se colocaram, achei muito bacana como a professora Mr, que tinha mais
dificuldade com os alunos, administrava bem as coisas que eles colocavam”
(Professora M). O grupo, ao amadurecer os relacionamentos no Espaço
Conversacional, partiu para um tipo de conversação que Anderson (2009) chama de
abordagem colaborativa, pois a preocupação passou a ser não somente sobre o que
se falava, mas a forma como se falava. Os participantes envolvidos começaram a se
preocupar uns com os outros e procuravam achar caminhos para a solução do
problema. Juntos foram co-construindo os caminhos para a solução do problema.
Grandesso (2006) e AUN (2010) falam que as mudanças ocorrerão de dentro da
própria conversação e dali emergirá o processo de co-construção. Podemos citar,
93
por exemplo, a fala de dois alunos e de uma professora que ocorreram no Espaço
Conversacional sobre o problema:
“A culpa, a culpa é nossa. A gente precisa ter consciência de que a aula é dada e deveríamos sentar e ouvir. Só que a gente não tem essa consciência. E aí os professores ficam meio que com medo de se impor, e aí esse professor, por mais que a aula dele seja bagunçada, ele vai trabalhar. Porque para o aluno, ele vai pensar “se nessa aula eu baguncei, eu brinquei e não deu nada, porque na aula de biologia, de matemática, física, química eu tenho que ficar quieto?”. Aí começa, a outra matéria é mais difícil, e o cara começa a levar de qualquer jeito” (aluno L). “Eu acho que é a falta de liberdade do professor com o aluno. Eu acho que é muito distante o aluno com o professor, ele chega lá na frente e está dando um problema lá no cantinho, ele pede pra sala toda ficar quieta. Só que as vezes o professor tem vontade de chegar pra esse aluno e dizer: poxa J. você está atrapalhando minha aula, o que está acontecendo? Eu acho que o professor deveria ser mais específico: J. você está conversando na minha sala e ...” (aluna J)
“Existem dois extremos: tanto pelo interesse do aluno quanto por aquele que acha que não precisa daquele conteúdo, acha que não precisa porque vai bem sozinho, ele esnoba a aula e acaba atrapalhando muito quem precisa” (Professora M)
Neste momento as conversações começam a tomar um novo rumo, todos
passam a refletir no papel do aluno e no papel do professor e buscam caminhos
para solucionar o problema. Ouvir as falas acima no Espaço Conversacional não foi
tão simples assim, mas os participantes conseguiram ouvir, falar e contribuir, porque
foi possível vermos na prática o autocontrole, como diz Rogers (2008) que até onde
conseguimos nos controlar, quer seja pela linguagem, quer seja pelas atitudes e
modos, será o grau em que convidamos o outro para a cooperação.
No início das conversações os alunos falaram mais que os professores,
notamos isto ao longo das entrevistas quando os professores comentavam que no
começo ficaram mais quietos porque precisavam sentir o que os alunos pensavam
sobre o problema em questão. Percebemos isto numa das falas do professor G
sobre o primeiro encontro: “Eu não falei tudo o que eu pensava, até porque eu gosto
de analisar a situação. Todo momento que eu fiquei lá fiquei analisando o
comportamento de cada um, o que eles falavam”. Anderson (2009) fala que as
primeiras conversas no espaço deveriam ser para apresentar pontos de vista, contar
coisas, ouvir, e aos poucos o espaço vai se transformando num processo
conversacional. Conforme aconteciam os encontros, todos foram se soltando e
houve participações na mesma proporção, é o que afirma o professor R: “então
94
tornou-se algo mais produtivo, do segundo encontro em diante estava todo mundo
mais à vontade, acho que a proporção da fala era basicamente igual”
Ao observarmos e analisarmos os encontros como um processo de criação do
sistema, podemos compreendê-los a partir da teoria da complexidade defendida por
Morin (2002b). Aquilo que estava separado e fragmentado, no caso as partes
envolvidas, se juntou para tentar compreender este complexo, e começaram a tecer
em conjunto os relacionamentos e buscar caminhos para as soluções da
problemática. Morin afirma que “os espíritos parcelados tornam-se cegos às
interações e a causalidade circular” (MORIN, 2002b, p. 16), porém ao participarem
do espaço esta cegueira foi se dissipando e tornando os relacionamentos mais
significativos. Quando as conversações aconteceram, não se via mais um
fenômeno, mas como diz Vasconcellos (2009), foi possível ver uma teia de
fenômenos interligados e aí se via a complexidade do sistema. Nesses encontros, foi
possível ver os três princípios citados por Morin (2002b): recursivo ou autoprodutivo
no qual produtos e produtores estão, ora como produtores do conhecimento, ora
como produtos desse conhecimento; no princípio dialógico foi possível esclarecer
coisas aparentemente contraditórias e as verdades vieram à tona; e no princípio
hologramático, percebemos que as partes formaram um todo e que agora cada um
dos elementos influenciam o todo e o modificam, bem como o todo modifica as
partes. Podemos compreender melhor estes conceitos, quando lembramos da fala
do professor R o qual comentou que cada um enxerga a escola de uma maneira e
que a visão da orientadora é diferente da visão do diretor geral, que é diferente da
visão do diretor disciplinar e assim sucessivamente. Quando começaram as
conversações cada qual via o assunto à sua maneira, do seu ponto de vista. Aos
poucos foram se entendendo e o problema foi sendo analisado sob os diversos
ângulos e melhor compreendido por todos. Um exemplo está na fala de um dos
alunos: “As pessoas ouviram o que eu falava, ficaram até admirados com algumas
coisas que falei. Quem sabe pensaram que a gente não pensava assim” (Aluno LB).
Na fala do aluno foi possível perceber que as coisas foram sendo esclarecidas e as
verdades clareadas. Uma das professoras comentou: “Eu conheci o outro lado
deles” (Professora G). Foi interessante perceber o espaço que cada um foi dando
para o outro e compreendendo também o seu ponto de vista.
Para a construção da tabela 13 levamos em consideração as falas dos
participantes a respeito dos resultados pós-encontros no Espaço Conversacional.
95
Para tanto, criamos duas categorias: Resultados práticos em relação aos alunos,
Resultados práticos em relação aos professores. Ao criar as categorias, achamos
importante observar quais mudanças foram maiores, nos alunos ou nos professores.
O total de indicadores da tabela 13 foi de 38, portanto o cálculo da porcentagem de
incidência, para cada categoria indicada na tabela, foi realizado sobre esse total.
Tabela 13 - Resultados práticos pós- encontro Espaço Conversacional
Categorias
Indicadores
Nº
%
1.Resultados práticos em relação aos alunos
-Até minhas notas já estão melhorando, estou mais focado, agora eu vejo a realidade. Estou correndo atrás. (A) -É muito bom estudar, estamos com outra postura, de maior consciência. (A) -O grupo de estudos já começou. As palestras serão bem interessantes e chama muito atenção do aluno (se referindo a um dos caminhos encontrados). (A) (...)
30
79%
2.Resultados práticos em relação aos professores
-Eu estou até com algumas ideias para aplicar no 2º semestre com os alunos. (P) -Hoje fui com a representante de sala e a ajudei a organizar os grupos de estudos e já começou a funcionar, sexta-feira já teve a primeiro grupo de estudos. (P) -Temos ainda em longo prazo que cumprir as coisas, que é a palestra sobre ética, sobre as atitudes de sucesso( sobre o futuro deles) as nossa visitas às salas de aulas que nós prometemos (Orientação e direção). Agora é acompanhamento, é presença. (P)
8
21%
Obs. As palavras foram transcritas de acordo com as falas dos participantes. As porcentagens foram
calculadas a partir do total de respostas dadas e não a partir do número de participantes.
Ao observarmos a tabela 13, notamos que 79% dos indicadores apontam que
os resultados práticos foram bem maiores na vida dos alunos do que na dos
professores, 21%. Isto pode indicar que os alunos se conscientizaram de que
precisavam mudar de atitude e já estão tentando colocar em prática. Uma das frases
mais comentadas na fala dos alunos foi a mudança de atitude e postura em sala de
aula. Podemos comprovar isto na fala de um deles: “É muito bom estudar, estamos
com outra postura, de maior consciência” (Aluno LF). Por sua vez, os professores
têm seus pontos a melhorar e também estão mudando de atitude. Um dos
professores comentou: “Hoje fui com a representante de sala e a ajudei a organizar
96
os grupos de estudos e já começou a funcionar, sexta-feira já teve a primeiro grupo
de estudos” (Professora M). Eles estão tentando incentivar seus alunos a irem em
busca de melhorias, estão tentando ficar mais próximos dos alunos. Ao analisarmos
o contexto das conversações no Espaço conversacional percebemos que boa parte
dos problemas era causada pelos próprios alunos e eles mesmos chegaram a essa
conclusão, e disseram que alguns dos alunos participantes do espaço eram líderes
em sala de aula e que tinham diversos seguidores, agora precisavam criar uma
liderança que influenciasse a classe para o “bem”. Notamos isto na afirmação da
aluna J no último encontro no Espaço Conversacional:
“Então, mas aí é que está o problema, você está na liderança, quer fazer o certo, decide mudar de percurso, quer fazer o bem, na mudança alguém vai ter que mudar de atitude, mas mesmo você sendo mais forte, sempre vai ter alguém para te levar para o erro (...) é uma questão de escolha, é uma questão de tentar se envolver mesmo (...) mas, é necessário o pontapé inicial, é sempre difícil, mas é o que estamos fazendo” (Aluna J).
O professor Mr se colocou no lugar do aluno e disse que realmente ele sabia
que não era fácil você decidir entre o que é correto fazer e o desejo imenso de
conversar com os amigos e ignorar a aula e o professor. Desta forma, nestas
conversações e neste circular de informações e troca de ideias e incentivos, eles
foram achando caminhos. Um dos alunos participantes deu um conselho muito
interessante: “Você vem com a força positiva (vontade de fazer o que é certo fazer),
é muito importante chamar um colega e fazer tudo junto, assim pode dar certo, vai
somando” (Aluno F). Ele e outros colegas ao conversarem com os professores
comentavam que para fazer o que é errado é mais fácil e nem precisa ficar
chamando nenhum aluno, basta um começar que logo todo mundo vai atrás, mas
para fazer o que é certo, você tem que ir aos poucos influenciando aqueles que
estão perto de você e assim ir somando as forças. Por outro lado, foi possível
perceber que os alunos pediram ajuda aos professores para incentivá-los a
continuarem naquilo que se propuseram de melhoria. Eles pediram que os
professores os ajudassem a ficar mais motivados, pediram que se aproximassem
mais deles, que fossem firmes e pontuais na hora de chamar atenção sem ter
“medo” de se indispor com o aluno. Eles disseram que o aluno percebe quando o
professor está fazendo de conta que não vê a bagunça e permite que as coisas vão
“rolando”. Com isso os alunos acabam por criar situações disciplinares complicadas.
97
Podemos notar que, pelos exemplos acima citados os diálogos aconteceram
em um contexto de autonomia, como afirma Aun (2010) num contexto em que todos
os participantes do sistema determinado pelo problema puderam conversar sobre a
situação problema, no qual puderam se colocar nas posições de decidir, planejar,
executar e receber. Todos juntos puderam co-construir alternativas para a solução
do problema. A aluna J confirma essas ideias ao falar que:
“Muitas pessoas participam na busca da solução e então achamos o caminho certo, pois todo mundo tem um pouquinho de experiência. Eu sei que como aluno, muitas vezes tem alguém que tem muito mais experiência do que eu, mas se eu dou um pouquinho do meu caminho o outro da um pouquinho do dele, a gente vai entrando, entrando, a gente chega no caminho certo. Eu acredito que eu não dei o caminho certo, acredito que todo mundo junto, a gente achou” (Aluna J).
Notamos então que todos tiveram oportunidade de opinar e participar das
decisões e apontaram alguns caminhos:
1. Caminhos em relação aos alunos
O aluno precisará fazer sua própria escolha e tomar a decisão de fazer o que
é correto. Precisam ter em mente que as consequências boas ou ruins, são
para ele mesmo e que tudo dependerá das escolhas que fizer no dia a dia.
Cada aluno precisa se conscientizar de que a motivação é interna, é de
dentro para fora, por isso prestar atenção às aulas e estudar deve partir de
cada um.
Buscar estudar pelo estudo, não só para tirar nota, mas pensando no futuro.
Cada aluno que participou dos encontros se comprometeu a transmitir a seus
colegas de classe a tomarem-se mais focados, a colaborar na disciplina e a
melhorar o rendimento escolar.
2. Caminhos em relação aos professores
Procurarão ser menos tolerantes com as conversas em sala de aula e serem
mais firmes.
Chamar a atenção de forma individual e pontual do aluno que estiver
atrapalhando para que a conversa não se multiplique. Caso seja necessário,
solicitar que o aluno saia da sala.
98
No inicio do bimestre, seria interessante que o professor entregasse aos
alunos uma agenda com as datas de atividades e trabalhos do Bimestre. Isto
ajudaria os alunos a se organizarem.
Incentivar os alunos a criarem grupos de estudos em sua disciplina.
3. Caminhos em relação a outros departamentos
A orientação educacional e direção irão ajudar os alunos a organizarem
grupos de estudos e providenciar o local para isso.
A orientação educacional fará o agendamento das palestras sobre: “Futuro
com sucesso: caminhos e dicas” e “Ética entre colegas de classe e entre
professor e aluno”.
A orientação educacional fará o acompanhamento da turma, passando de vez
em quando na classe, a fim de monitorar o progresso da turma e incentivá-la
a prosseguir no propósito estabelecido.
Será agendada uma reunião com a turma, afim de que o grupo de alunos
participantes conte para a turma o que aconteceu nos encontros.
Percebemos que os participantes, por meio do diálogo e conversações,
conseguiram se comunicar de forma eficiente, pois de acordo com Miermont e cols.
(1994), podemos considerar que a comunicação foi eficiente se foi possível realizar
ações sobre essas informações. No caso dos participantes as ações já estão
acontecendo. A aluna J falou sobre a comunicação e fez o seguinte comentário:
“Todos os problemas na escola, família, trabalho, em todos os lugares, a falta de
comunicação tráz o problema. A parte da comunicação é o ponto chave. Quando
você tem um espaço conversacional, tanto na escola quanto em casa, percebe
que são coisas que simplesmente não paramos para conversar. Agora há a
oportunidade de todos estarem dentro do Espaço Conversacional, é muito
importante, porque são muitas coisas que podem ser resolvidas. O Espaço
Conversacional era o que precisava” (Aluna J).
As ações, de acordo com as falas dos participantes, já estão sendo
implementadas e afirmam eles que, tanto professores quanto alunos, estão num
crescente em seus relacionamentos. Este depoimento de uma das professoras mais
jovens mostra o quanto ela está preocupada com eles: “Tudo que eu faço, ao
preparar aula, é pensando neles, se eu proponho uma atividade, é porque isso eu
gostaria de estar fazendo se fosse aluna, por isso não quero perder isso nunca”
99
(Professor G.). Um aluno disse: “A minha relação com os professores está diferente,
pois lá no Espaço Conversacional os professores ouviram a minha opinião, eu ouvi a
deles, esclarecemos, colocamos o que pensamos” (Aluno LF).
Ao final das entrevistas, solicitamos aos participantes que deixassem
sugestões para a melhoria do Espaço Conversacional. Então construímos a tabela
14 e organizamos as repostas em três categorias: Diversificação de alunos
participantes, Começar pelos primeiros anos e Outros. O total de indicadores da
tabela 14 foi de 20, portanto o cálculo da porcentagem de incidência, para cada
categoria indicada na tabela, foi realizado sobre esse total.
100
Tabela 14 – Sugestões sobre o Espaço Conversacional
Categorias
Indicadores
Nº
%
1.Diversificação de alunos participantes
-Acho que deveria adicionar mais alunos no espaço, porque todo mundo quer saber o que aconteceu no espaço e quer ajudar (A). -Eu sugiro cuidar na escolha dos alunos, pois vejo que na sala que participou tem outros grupinhos que não foram representados. De repente colocar representantes de outros grupinhos, um de cada grupo. (P) -Poderíamos pegar gente de tribos diferentes para participar do espaço e pegar professores diferentes, uns três ou quatro. Com esse espaço só temos ganho. (P) (...)
11
55%
2.Começar pelos primeiros anos
-Só que eu acho que isso deveria começar desde o primeiro ano. (P) -Seria interessante começar com os primeiros anos e acompanhar essa evolução. (P) -Então se a gente pudesse começar com o primeiro ano, muita imaturidade e pendência que a gente tem no primeiro ano poderia melhorar. (P)
6
30%
3.Outros -O professor entenderia mais o que o aluno pensa, o aluno entenderia mais a responsabilidade que ele precisa ter... acho que juntos íamos montar estratégias para criar multiplicadores dessas ideias (P)
-Minha sugestão é que se pudesse fazer esse espaço em outro lugar com sofá, por exemplo, na sala dos professores do Ensino superior. A sala de aula é meu lugar, então pode ser que ele vá falar na posição de aluno e o professor de professor. Mas, se fizesse em um lugar neutro a gente vai ali para conversar. Então vamos começar no segundo semestre?(P)
-Eu não vejo nada para melhor, achei que tudo foi fluindo tão bem. (P)
3
15%
Obs. As palavras foram transcritas de acordo com as falas dos participantes. As porcentagens foram
calculadas a partir do total de respostas dadas e não a partir do número de participantes.
Observamos na tabela 14 que mais da metade dos indicadores, 55,5%,
apontaram para a categoria “Diversificação de participantes”, sugerindo
especialmente que fosse aumentado o número de alunos, colocando líderes dos
diversos grupinhos da sala para participar. Na categoria “Começar pelos primeiros
anos”, 30% dos indicadores apontou para que se começasse a realizar o Espaço
Conversacional a partir dos primeiros anos do Ensino Médio. Quanto à categoria
101
outros, 15% dos indicadores ficaram com sugestões menos faladas: formar
multiplicadores, ter um lugar diferenciado com sofá , mesinha e outros detalhes que
fugiria do ambiente físico de uma sala de aula. Quanto à categoria “Diversificação
dos participantes” relembramos que, a princípio, quem indicou a escolha dos nomes
dos alunos para o Espaço Conversacional foram os representantes da turma e em
seguida a orientadora e o diretor disciplinar completaram a lista, ou melhor, fizeram
pequenas alterações. Possivelmente, pelo fato de termos limitado o número de
participantes e alguns alunos terem faltado, pode ter influenciado nas sugestões de
melhoria neste item. Quanto ao número de participantes no SDP no Espaço
Conversacional, Vasconcellos (2010b) orienta que o número dependerá dos
envolvidos com o problema a ser discutido, mas que o mais importante é ter
diversidade de participantes para que o problema seja discutido sob vários ângulos.
No SDP desta pesquisa, foi tomado o cuidado para que outras áreas envolvidas
participassem e que os alunos selecionados também estivessem envolvidos no
problema, conforme foi descrito no item 4.2 “o contexto em que foi criado o Espaço
Conversacional”. Percebemos que ao trazermos conversações envolvendo alunos,
professores, diretor e orientadora, cada qual vindo de um sistema específico, foi
possível fazermos uma adequada distribuição de responsabilidades como orienta
Vasconcellos (2010b).
Nas entrevistas, foi possível perceber que a sugestão quanto a iniciar com os
primeiros anos partiu da fala dos professores, pois comentaram que ao se realizar
um espaço com os primeiros anos poderia evitar-se inúmeros problemas
disciplinares e relacionais nas turmas futuras de terceiros anos. Esta sugestão já
está sendo discutida pelo colégio para se estudar a viabilidade da implementação.
Quanto à categoria “Outros”, o local em que foi realizado o Espaço Conversacional
foi em uma sala de aula, porém tomamos o cuidado de modificá-la no sentido de
colocar as carteiras em círculo, colocar sobre cada carteira bloquinho de anotação,
caneta, água e bombom. Percebemos que não houve problemas com o local, todos
os participantes ficaram aparentemente tranquilos. Quanto à questão de criar
multiplicadores das ideias discutidas no espaço, já está acontecendo com os
participantes que aos poucos vão conversando com seus pares.
102
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desejo de descobrir novos horizontes para o sempre presente problema de
aprendizagem voltado aos relacionamentos entre professores e alunos, nos motivou
a realizar este trabalho e a fazer um estudo de caso usando a ferramenta Espaço
Conversacional. Tivemos como objetivo desta pesquisa investigar as contribuições
desta ferramenta na relação professor e aluno, bem como investigar se neste
espaço todos tiveram direito a voz e puderam dar suas contribuições para encontrar
caminhos para a solução do problema em pauta.
Quando iniciamos esta pesquisa tínhamos muitas expectativas e alguns
medos, pois num Espaço Conversacional estariam juntas pessoas que poderiam se
estranhar e causar maiores problemas. Porém, poder presenciar professores,
alunos, orientadora e diretor disciplinar numa teia de fenômenos, em um verdadeiro
complexo de elementos em interação, conversando sobre um problema que dizia
respeito a todos, foi gratificante. O respeito que surgiu ao longo das conversações
mostrou o quanto o sistema criado cumpriu seu papel que foi, a princípio, o de
aproximar e baixar barreiras nos relacionamentos entre os integrantes do SDP,
depois o de buscar caminhos para solucionar a problemática. Percebemos pelas
falas dos participantes que o Espaço Conversacional trouxe várias contribuições
para os alunos e professores, em especial a proximidade entre eles e vínculos que
ali foram criados. Uma das falas frequentes tanto de professores quanto de aluno foi
a mudança que aconteceu no olhar de ambos, passou de um olhar distante para um
olhar de carinho e de respeito com o outro. As diferenças que aconteceram antes do
Espaço Conversacional, principalmente entre o professor R e o aluno L, foram
resolvidas e agora, pelo depoimento do próprio professor, eles conversam mais e há
respeito no relacionamento deles. A professora Mr também tinha problemas com os
alunos e dificuldade para se aproximar deles; hoje ela já consegue se soltar um
pouco mais, afirma que com o tempo as mudanças serão mais acentuadas. E assim
aconteceu com todos os participantes do Espaço Conversacional. Um dos motivos
que os levou a se aproximarem mais, segundo palavras dos participantes, foi o fato
de todos terem tido oportunidade para falar o que pensavam e dar suas
contribuições.
Uma das preocupações ao longo dos encontros no Espaço Conversacional foi
dos professores participantes conseguirem sair do formato de pirâmide citado por
103
Aun (2010) no qual a hierarquia prevalecia, para o formato circular, no qual todos
são considerados igualmente importantes. Em pelo menos duas ocasiões
aconteceu de prevalecer a questão hierárquica, porém, a forma como os demais
participantes lidaram com a situação levou o grupo a crescer como sistema e a
informação e participação aconteceram de forma circular, privilegiando a interação e
a interdependência entre as partes.
No primeiro encontro havia dois grupos distintos, cada qual defendendo seus
interesses e algumas vezes acusando mutuamente. O sistema foi amadurecendo e
tentando compreender o lado um do outro, chegou ao ponto de propor caminhos nos
quais cada um assumiria sua responsabilidade para cumpri-los. De acordo com Aun
(2010), o que mantém os participantes do SDP unidos é a situação-problema, a
partir do momento em que são encontrados os caminhos, o sistema pode se
desfazer. E foi o que aconteceu. Após três encontros o sistema se dissolveu, porém
cada qual ficou com responsabilidades a serem cumpridas. Um dos alunos disse:
“hoje estamos começando um grupo de estudos, as outras salas já estavam
fazendo, a gente tem que correr atrás, enquanto uns estão na linha de frente, outras
na rabeira, então está na hora de correr atrás do prejuízo” (Aluno ).
Nas entrevistas os participantes deixaram seus depoimentos sobre o Espaço
Conversacional. Abaixo citamos um desses depoimentos:
“Com certeza o espaço conversacional ajudou a aproximar as pessoas e a
resolver problema. Vai mudar muito a relação entre o aluno e o professor. Na sala
de aula a relação é mais profissional, o professor dá aula e o aluno presta
atenção, mas no espaço conhecemos melhor um ao outro, houve aproximação. Ali
ninguém vai obrigado, mas vai por que quer estar ali e isso trás proximidade”
(Aluno G).
Um dos depoimentos que bem interessante foi do aluno L que entrou no
Espaço Conversacional, de acordo com a sua própria fala, para representar
bagunceiros, e no final da entrevista disse: “Professora, sabe o que eu estou
pensando? Sabe que de repente eu podia ser até professor? Esta experiência foi
muito interessante. Eu gostei, gostei mesmo de verdade desta experiência” (Aluno
L).
Um dos pontos importantes que notamos como resultado prático desta
pesquisa, é que a partir do Espaço Conversacional os alunos F e LF, que
104
apresentaram dificuldades financeiras e escolares, se sentiram incluídos e
respeitados pelos seus pares, e alguns se ofereceram para ajuda-los a estudar e a
superar seus medos.
No entanto, apesar de termos atingido os objetivos da pesquisa, percebemos
que houve alguns pontos que precisam ser repensados. Um deles diz respeito à
logística, pois tivemos um pouco de dificuldade para encontrar um lugar para
realizar os encontros. As salas estavam sendo usadas para aulas e plantões. O
primeiro encontro foi feito em um local, o segundo e o terceiro em outro local. Um
segundo ponto diz respeito a conciliar os horários de professores, alunos e demais
participantes, isto gerou desistência de três alunos e atrasos de outros participantes.
Um terceiro ponto diz respeito ao acompanhamento pós-encontros. Percebemos que
precisa ser eleito alguém para monitorar os envolvidos e incentivá-los a continuar
cumprindo o que foi acordado nos encontros. Quando as pessoas envolvidas voltam
às suas atividades de rotina, há possibilidade de acontecerem outros episódios
envolvendo relacionamentos entre as partes, daí a necessidade do envolvimento de
todos para fazer cumprir as responsabilidades.
A escola se apresenta ainda como uma das mais importantes instituições
sociais, pois media a transição do indivíduo para a sociedade. Entendemos que por
meio destas aprendizagens, principalmente a da conversação para resolver
problemas, o aluno levará lições para a vida. Nessas experiências que ali ocorreram
e nas relações sociais, obtiveram aprendizagens significativas que ajudarão alunos e
professores a criar outras formas de agir no seu espaço e nos sistemas aos quais
pertencem.
Com esta pesquisa esperamos ter colaborado para o crescimento da área
educacional, principalmente, na melhoria da relação professor-aluno e no
conhecimento de um instrumento que favoreça a busca de soluções para os
problemas. No entanto, assim como outras pesquisas na área de educação, esta
não para aqui, requer novos profissionais que se interessem por este assunto e
aprofundem pesquisas sobre o Espaço Conversacional no ambiente escolar e
contribuam para a melhoria constante desta instituição social tão importante para o
país e para o mundo: a escola.
105
REFERÊNCIAS
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1996. VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1998 WATZLAWICK, Paul et al. (1967) Pragmática da comunicação humana: um
estudo dos padrões, patologias e paradoxos da interação. Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix, 2007. 263 p. Título original: Pragmatics of human communication. ZANELLA, Andréia Vieira. As teorias de Vygotsky e Morin: algumas aproximações. Revista do departamento de Psicologia, UFF, V15, n.2, p.77-78, out. 2003.
108
APÊNDICE A
QUESTIONÁRIO DE IDENTIFICAÇÃO DO PARTICIPANTE (ALUNO)
1. Sexo:
( ) M ( )F
2. Idade:
( ) 16 anos ( )17 anos ( ) 18 anos ( ) outra: ____________
3. Estado civil:
( ) solteiro ( ) casado ( ) Outro_______________________
4. Quantos filhos tem sua família?
( ) 1-2 ( ) 3-4 ( ) 5 – 6
5. Posição na família:
( ) Filho mais velho ( ) Filho caçula
( ) Filho do meio ( ) Outro_____________
6. Mora com:
( ) pais e irmãos ( ) só pai ( ) só mãe
( ) avós e irmãos ( ) outros__________________
7. Quem trabalha em sua casa?
( ) Pai e Mãe ( ) Só mãe ( ) Só pai ( )Pais e irmãos
( ) Outros __________________
8. Renda familiar (salários mínimos):
( ) 1-2 salários ( ) 3-5 salários ( ) 6-9 salários
( ) mais de 10 salários mínimos
9. Possui algum tipo de bolsa (auxílio) na instituição em que estuda?
( ) sim: ( ) não
Em caso afirmativo, qual a porcentagem? ________________________
10. Tempo de estudo neste colégio: ________________________________
11. Série que cursa atualmente: ___________________________________
12. Um sonho: _________________________________________________
__________________________________________________________
Agradecemos pela sua participação e colaboração.
109
APÊNDICE B
QUESTIONÁRIO DE IDENTIFICAÇÃO DO PARTICIPANTE
(PROFESSOR)
1. Sexo:
( ) Masculino ( ) Feminino
2. Idade:
______________
3. Estado civil:
( ) solteiro ( ) casado ( ) Outro________________
4. Filhos:
( ) sem filhos ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Outros ______________
5. Renda familiar:
( ) 1-2 salários mínimos ( ) 3-5 salários mínimos
( ) 6-10 salários mínimos ( ) mais de 10 salários mínimos
6. Formação:
__________________________________________________________
7. Função atual:
__________________________________________________________
8. Tempo de trabalho na área:
__________________________________
9. Tempo de trabalho nesta instituição:
___________________________
10. É professor exclusivo desta instituição?
( ) Sim ( ) Não
Em caso negativo, em que outra instituição trabalha?
__________________________________________________________
Agradecemos pela sua participação e colaboração.
110
APÊNDICE C
ROTEIRO PARA ENTREVISTA
ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM O PARTICIPANTE
1- Como se sentiu quando foi convidado para participar do Espaço
Conversacional?
2- Você se lembra do primeiro encontro? Conta-me um pouco sobre ele.
3- Como foi sua participação no Espaço Conversacional?
4- Você sentiu que houve imposição de opinião por parte de alguém do
grupo? Dê exemplo.
5- O que pensa sobre a relação professor/aluno para o processo de ensinar e
aprender?
6- Após participar dos encontros, como está percebendo a sua sala de aula
em relação ao problema discutido?
7- Qual sua opinião sobre o Espaço Conversacional?
8- Gostaria de deixar alguma sugestão para a melhoria do Espaço
Conversacional?
ANEXO D
Transcrição da Entrevista com Professor M.
Entrevistador- Oi M. Tudo bem? Tudo tranquilo?
Professor M- Tudo bem. Estamos na correria do trabalho, como sempre.
Entrevistador- É verdade, escola não tem como ser diferente, é sempre muito
corrido. Conforme combinamos e de acordo com o horário que você agendou
faremos uma entrevista para conhecer sua opinião sobre o Espaço Conversacional.
Fique a vontade e responda aquilo que de fato você sentiu sobre este assunto.
Professor M- Ok. Vamos lá! Acho que vai ser bastante interessante.
Entrevistador- Também acho. Antes, você poderia preencher este questionário?
São apenas dez perguntas sobre você. Queria conhecê-lo um pouco melhor. Caso
não se sinta a vontade, não precisa responder. Tudo bem?
Professor M- Claro que responderei, mas se tiver dúvidas posso perguntar?
Entrevistador- Com certeza, no momento que quiser.
(Tempo)
Entrevistador- Vamos à entrevista? Pode ir respondendo conforme se sentir
confortável. Tendo dúvidas é só falar.
Professor M- Vamos lá, já estou ansiosa para falar, pois eu achei bárbaro o que
aconteceu lá!
Entrevistador- Como se sentiu quando foi convidado para participar do Espaço
Conversacional?
Professor M- Eu cheguei lá super da paz, só pensei: “meu Deus o que será que vai
acontecer ali”. Até fui pensando que eu teria que ser muito mais mediadora que
tudo. Mas quando eu cheguei lá foi tudo diferente do que eu havia pensado, foi
muito bacana.
Entrevistador- Você se lembra do primeiro encontro? Conta-me um pouco sobre
ele.
Professor M- Na primeira reunião eu me senti tão bem, eu me encaixei tão bem na
situação que eu sai muito feliz da reunião, eu achei muito bacana o clima, eu gostei
da maneira como as coisas estavam indo e me fez bem. Me fez muito bem ter
ouvido tudo aquilo, no nível que estava, ninguém se agrediu. Só teve uma horinha lá
que eu senti um pouco tenso, mas depois foi muito bacana, eu me senti muito bem,
muito segura do que estávamos fazendo, de como as coisas iam se desenvolver.
Depois daquilo (do momento tenso entre aluno e professor), eu consegui falar, mas
no primeiro encontro eu ouvi um pouquinho mais do que falei, até pra eu entender o
que estava acontecendo. Mas, sempre que eu quis eu tive a oportunidade de falar,
de ser ouvida e de ser aceito o que eu falei.
Eu nunca tinha participado de um grupo assim...eu achei que esta foi uma
reunião mais ampla, eu já participei de reunião disciplinar porém era mais tensa, o
diretor comandava tudo. Essa eu achei bacana porque a gente foi para resolver uma
situação de aprendizado aí entra em disciplina, ética e outros. Os alunos até foram
bem éticos ao falar de algumas situações e não colocaram nomes. Eu senti que
todos tiveram a oportunidade de falar. Eu gostei que foi escolhido um aluno que não
é o mais “bambam” na sala de aula, é um aluno simples de vivência, às vezes até
anônimo na sala de aula, mas ele falou muito bem, teve lugar de falar e foi muito
ouvido, com excelentes conceitos, respeitado.
Por isso acho que todo mundo teve oportunidade de falar, cada um a sua
maneira. Eu achei muito bacana quando alguém ia contra, ou então dizia “você
poderia me explicar melhor”, eles achavam maneiras de explicar diferente, achei
legal a postura deles. Achei interessante aquele garoto simples, o que ele falou foi
de forma tão simples e até com umas palavras meio erradas: “mas eu gosto disso,
na minha outra escola acontecia aquilo”. Ele sempre fazia comparações com as
vivências passadas, no que essa escola é melhor, no que é pior. Também gostei da
forma que alguns professores se colocaram, achei muito bacana como a professora
M, que tinha mais dificuldade com os alunos, administrava bem as coisas que eles
colocavam. As colocações dela também foram muito boas.
Entrevistador- Como foi sua participação no Espaço Conversacional?
Professor M- Eu acho que foi importante pra ouvir o que eles tinham para falar, por
que às vezes é importante ir desarmada, em nome da paz. Você tem que ouvir e
entender porque eles têm as verdades e as colocações bem deles. Eles têm uma
leitura certa das coisas, foi interessante ouvi-los.
Entrevistador- Você sentiu que houve imposição de opinião por parte de alguém do
grupo? Dê exemplo.
Professor M- Foi muito legal o que aconteceu lá, achei que 99% das pessoas
souberam se colocar, só achei tensa, a vez, quando o R (diretor disciplinar) não foi
feliz em algumas colocações ou eu não soube interpretar. Eu achei que foi um
momento tenso. Naquele momento quando ele alfinetou eu senti que podia ter
“quebrado” tudo o que havia sido conquistado até ali. Eu achei que foi por Deus que
não detonou tudo porque eles vinham num crescente, estavam aceitando bem,
depois acalmou. Em seguida a professora M disse que compreendia o que o aluno
falara. A maneira como ele colocou, todo mundo ficou “meio assim” (cara de
decepção), por causa da forma como ele falou: “vocês tem que assumir o erro de
vocês”, “vocês estão mais errados”. Eu achei que não era o momento de falar. Eles
(os alunos) ficaram sem jeito. Ali tinha tudo para dar errado: professor e aluno, gente
bocuda e gente não bocuda. Eu acho que quando você vai para resolver esse tipo
de problema, você tem que tirar tudo que é “arma”, tem que ir disposto para ouvir. A
gente tem que aceitar, porque algumas coisas que eles falaram ali, estavam certos.
Mas graças a Deus foi tudo bem, acabou bem.
Entrevistador- O que pensa sobre a relação professor/aluno para o processo de
ensinar e aprender?
Professor M- Eu acho que hoje o olhar do professor e o olhar do aluno está
diferente um para com o outro. A relação do professor e do aluno é fundamental
para o aprendizado. Eu estou até com algumas ideias para aplicar no 2º semestre
com os alunos. Eu não tenho dúvidas de que o Espaço Conversacional contribuiu
para a melhoria da relação professor-aluno. Nossa, achei que foi muito bom.
Entrevistador- Após participar dos encontros, como está percebendo a sua sala de
aula em relação ao problema discutido?
Professor M- A gente acha que está no caminho certo e não está, né. Ás vezes
você vai lá (referindo-se a sala de aula) e faz um tipo de coisa e não está certo. Foi
bom eu ouvi-los porque coisas que eu fazia nas outras salas e dava certo, na deles
não dava certo. Então no grupo eles disseram que queriam que eu fosse lá ajudá-los
a fazer grupos de estudos, pois sozinhos não dão conta. Hoje fui com a
representante de sala e os ajudei a organizar os grupos de estudos e já começou a
funcionar, sexta-feira já teve a primeiro grupo de estudos. Por isso, foi muito
importante eu estar participando do espaço para eu ouví-los, porque de repente o
caminho que a gente está não é o melhor caminho que eles precisam, esses alunos
pertencem a um grupo diferente.
Entrevistador- Qual sua opinião sobre o Espaço Conversacional?
Professor M- Nossa, se a gente pudesse fazer isso com todas as turmas, eu ia
adorar. Quebra tudo o que tem de professor carrancudo, de professor dono do
saber, aluno achando que é ele que manda na sala de aula, quebra tudo. Ali (no
espaço) entra todo mundo como igual: “a gente está aqui para resolver”.
Falei para meu marido: “que bárbaro, que bom se a gente pudesse fazer isso em
todas as turmas”. Eu senti assim, que todo mundo quebrou tudo que é paradigma de
“eu sou”, pois a gente estava ali para resolver coisas. E conseguimos encontrar
vários caminhos para a resolução do problema, cada um de nós saiu com
responsabilidades.
Entrevistador- Gostaria de deixar alguma sugestão para a melhoria do Espaço
Conversacional?
Professor M- Eu acho que poderíamos começar com o primeiro ano. Eu acho que o
grande detalhe é o professor e o aluno sintonizado, isso é para o bem do aluno e
para o bem do professor. Nesses encontros muitas picuinhas se acabam, quebram-
se vaidades. Ali (se referindo ao Espaço Conversacional) é um momento da gente
conversar, de abrir, então, se a gente pudesse começar com o primeiro ano, muita
imaturidade e pendência que a gente tem no primeiro ano poderia melhorar. O
professor entenderia mais o que o aluno pensa, o aluno entenderia mais a
responsabilidade que ele precisa ter. Acho que juntos íamos montar estratégias para
criar multiplicadores dessas ideias. Poderíamos pegar gente de tribos diferentes
para participar do espaço e pegar professores diferentes, uns três ou quatro. Com
esse espaço só temos ganho.
Minha sugestão é que se pudesse fazer esse espaço em outro lugar com
sofá, por exemplo, na sala dos professores do Ensino superior. A sala de aula é meu
lugar, então pode ser que ele vá falar na posição de aluno e o professor de
professor. Mas, se fizesse em um lugar neutro a gente vai ali para conversar. Então,
vamos começar no segundo semestre?
ANEXO E
Transcrição da Entrevista do aluno LB
Entrevistador- Olá LB. Tudo bem? Conforme combinamos e de acordo com o
horário que você agendou faremos uma entrevista com você. Fique tranquilo, pois
conversaremos para conhecermos sua opinião sobre o Espaço Conversacional. Ok?
Aluno LB- Sem problemas. Tranquilo. Gostei muito do que aconteceu lá, então acho
que vai ser de boa.
Entrevistador- Que bom. Antes da entrevista, você poderia preencher este
questionário? São apenas doze perguntas sobre você. Queria conhecê-lo um pouco
melhor. Caso não se sinta a vontade, não precisa responder. Tudo bem?
Aluno LB- Beleza, sem problemas.
(Tempo)
Entrevistador- vamos à entrevista? Pode ir respondendo conforme se sentir
confortável. Tendo dúvidas é só perguntar.
Aluno LB- Beleza.
Entrevistador- Como se sentiu quando foi convidado para participar do Espaço
Conversacional?
Aluno LB- Me senti honrado, né. Ia falar o que me incomoda. Acho que não me
senti constrangido por estar diante de professores, diretor, pois sempre frequentei a
sala dos professores e diretor, só que tipo, a gente já tem mais intimidade com os
professores que foram lá, então foi tranquilo. Toda vez que eu acho que alguma
coisa não foi legal eu vou conversar com o Diretor, e com os professores também,
sempre perguntei as coisas para eles, fiquei a vontade, estou acostumado a falar.
Entrevistador- Você se lembra do primeiro encontro? Conta-me um pouco sobre
ele.
Aluno LB- Eu achei legal no primeiro encontro, tipo, era coisa nova, eu admirei o
fato que a gente teve espaço para falar. Tinha várias coisas que os professores
poderiam apontar que a gente estava errando e tal, só que eles perceberam que a
conversa não ia fluir se ficasse em cima disso aí. Foi bem legal. Acho que abriu um
espaço legal para a gente colocar o que a gente sentia, foi bem legal, gostei
bastante. Não fiquei nem um pouco constrangido, fiquei a vontade.
Entrevistador- Como foi sua participação no Espaço Conversacional?
Aluno LB- A foi bem, eu já havia antes ido conversar com vários professores, tinha
pedido um espaço para os alunos falarem, porque sei que no fundo no fundo,
pensam como aluno. Nunca tinha tido um espaço assim tão claro para o aluno se
defender ou falar o que sentia, falar sobre o lado dele. Dessa vez fiquei até feliz, pois
abriu espaço para o aluno falar. Tinha um grupo de alunos representando a classe,
então fiquei feliz. As pessoas ouviram o que eu falava, e ficaram até admirados com
algumas coisas que falei, quem sabe pensaram que a gente não pensava assim.
Acho que foi porque eu coloquei algumas coisas, coloquei problemas que a classe
tinha mesmo. Quando os professores se colocaram eu achei que foi bom. A gente
fica falando mau, mau, mau, e não se toca que o erro é da gente, foi legal ouvir os
dois lados.
Entrevistador- Você sentiu que houve imposição de opinião por parte de alguém do
grupo? Dê exemplo.
Aluno LB- Eu acho que uma hora só, que um professor colocou que “o erro com
certeza era do aluno” Daí eu coloquei que eu não concordava, porque o professor
tem uma força importante, e ele disse que não, que o aluno é que tem que fazer isso
aí (ele se refere ao momento em que o diretor disciplinar ficou mais irritado e não
concordou com a colocação do aluno: o aluno disse que o professor precisava
colocar ordem na classe e colocar o aluno em seu lugar, por sua vez o diretor
disciplinar disse que não, que o aluno é que tem que se colocar em seu lugar). Eu
não fui de acordo com o que o professor falou, mas depois cada um se colocou em
seu lugar e então deu certo.
Entrevistador- O que pensa sobre a relação professor/aluno para o processo de
ensinar e aprender?
Aluno LB- Vai do indivíduo se relacionar bem para poder fluir e na sala de aula
onde o objetivo é o aprendizado, a educação, se não tiver uma ligação não dá certo.
É coisa mais importante se relacionar bem com o aluno.
Entrevistador- Após participar dos encontros, como está percebendo a sua sala de
aula em relação ao problema discutido?
Aluno LB- Teve mudança, mas não foi tanto assim, não foi tão notável, é só o
tempo. Na hora de conversar conversei um pouco, acho que é com o tempo que vai
modificando um pouco. Teve mudanças para melhor de leve, mas é o tempo.
Quando a gente debate, a nossa mente demora um pouco a se acostumar com
aquilo, demanda um certo tempo. Achei que estou mais na boa... Mas só não pode
tratar a gente igual a bebezinho se o aluno está errado, não ficar comparando a
criancinha... eu sou brincalhão, mas estou amadurecendo um pouco... são essas
brincadeiras que ficam, que marcam.
Encontramos caminhos, tudo que a gente falou foi útil, construtivo, importante, com
certeza, só que o grande problema é colocar isso em prática. Mas tudo vai do aluno
se conscientizar sobre o problema real existente, esse já foi o primeiro passo da
mudança, foi importante. A gente tem noção daquilo que atrapalha, inclusive eu que
estou representando os bagunceiros. Agora vai de o aluno tomar consciência disso e
o professor ter consciência que o aluno quer mudar.
Entrevistador- Qual sua opinião sobre o Espaço Conversacional?
Aluno LB- Nesse espaço eu falava sobre alguns problemas, quando alguém falava
a sua tese, eu concordava, achava aquilo real. Eu tentei apontar aquilo que eu
achava mesmo. Esse espaço foi importante. Dizem que a história tem sempre três
lados: o de cada um e a verdade. Eu acho que se pegar o lado de cada um vai ter
a verdade. Nunca havia ocorrido isso antes, nunca foi aberto um espaço para o
aluno falar, e o aluno tem que falar, entendeu?! Um dos maiores motivos de raiva,
contratempo e de briga que tem no colégio entre alunos e superiores, é a falta de
espaço que o aluno não tem. A gente fala: “Ah, mas o aluno não pode falar nada”,
esse espaço rompeu a barreira. Acho que agora o aluno fala e tem que ouvir
também. Agora ele não pode mais falar que não sabia e que não pode falar. Então
quebrou essa barreira e que poderá evitar vários problemas.
Entrevistador- Gostaria de deixar alguma sugestão para a melhoria do Espaço
Conversacional?
Aluno LB- Eu acho que poderia abrir esse espaço uma vez por mês, pois sempre
surgem questões novas, pois nesse espaço a gente fala, ouve e sai “limpo” de lá.
Achei bem legal a postura dos professores. Acho que poderia acontecer de colocar
um padrão de alunos que vocês gostariam que tivesse lá e a sala escolheria os
alunos. E também chamar professores para participar.
Acho que teve alguns que fugiram do assunto, poderia cuidar mais para que não
fugissem do assunto, apesar de que você precisou cortá-los. Gostaria de sugerir que
fosse dado agora um espaço em uma aula, para que nós que participamos do
espaço conversacional contássemos para a turma o que foi que aconteceu lá e que
decisões foram tomadas.
Queria dar os parabéns, pois gostei muito do espaço, era o que faltava no colégio,
pois o aluno nunca tinha voz, eles (se referindo ao diretor disciplinar e professores)
pegam o aluno e o problema, julgam, condenam e você nem sequer pode abrir a
boca. Nós estamos numa sociedade moderna e democracia é o rege por aí. Por
isso, gostei muito.
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