UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS
UNIDADE ACADÊMICA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
NIVEL MESTRADO
JEAN JEISON FÜHR
FORMAÇÃO EM SAÚDE E ARTICULAÇÕES POSSÍVEIS:
AS VIVÊNCIAS E ESTÁGIOS NA REALIDADE DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – VER-SUS
SÃO LEOPOLDO
2014
Jean Jeison Führ
FORMAÇÃO EM SAÚDE E ARTICULAÇÕES POSSÍVEIS:
As Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde – VER-SUS
Projeto de qualificação apresentado como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Ciências Sociais na Universidade do
Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Área de Concentração: Identidades e Sociabilidades
Orientação: Prof. Dr. Nadir Lara Junior
São Leopoldo
2014
JEAN JEISON FÜHR
FORMAÇÃO EM SAÚDE E ARTICULAÇÕES POSSÍVEIS:
AS VIVÊNCIAS E ESTÁGIOS NA REALIDADE DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – VER-SUS
Projeto de qualificação apresentado como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Ciências Sociais na Universidade do
Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Área de Concentração: Identidades e Sociabilidades
Orientação: Prof. Dr. Nadir Lara Junior
Qualificado em ____ de _______________ de 2014.
Banca Examinadora:
___________________________________________________________________________
4
Mas é isto possível? Pode haver vivência sem alguém que a vivencie?
O que seria de toda esta encenação sem um espectador? Pode haver
uma dor sem alguém sem alguém que a tenha? O ser sentido é algo
que pertence necessariamente a dor, e o ser sentido pertence por sua
vez a alguém que a sinta. Mas então existe algo que não é minha ideia
e que ainda assim, pode ser objeto de minha contemplação, de
meu pensar, e eu sou algo dessa espécie (FREGE, 2002, p.31).
5
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1: Mapa dos coletivos estudantis em saúde no estado do Rio Grande do Sul. ...... 25
Ilustração 2: Tabela com número e percentual de IES por organização acadêmica: .............. 37
Ilustração 3: Tabela com percentual de matrículas de graduação presencial: ........................ 38
Ilustração 4: Tabela com percentual de matrículas e concluintes segundo áreas gerais: ....... 38
Ilustração 5: Gráfico com percentual das ocupações nas atividades de saúde: ...................... 39
Ilustração 6: Gráficos com total de atividades e vínculos em saúde: ..................................... 40
Ilustração 7: Gráfico com postos de trabalho de nível superior em saúde: ............................ 41
Ilustração 8: Gráfico dos resumos sobre o VER-SUS nos Congressos Rede Unida: ............. 44
6
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACD Análise Crítica do Conteúdo
AD Análise do Conteúdo
AIE Aparelhos Ideológicos de Estado
ARE Aparelhos Repressivos de Estado
CAPS Centro de Atenção Psico-Social
CEBES Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
CMS Conselho Municipal de Saúde
CNPJ Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica
CNS Conferência Nacional de Saúde
ENEV Executiva Nacional dos Estudantes de Veterinária
ESP/RS Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul
ESF Estratégia de Saúde da Família
DEGES Departamento de Gestão da Educação na Saúde
DENEM Direção Executiva Nacional de Estudantes de Medicina
FEAB Federação dos Estudantes de Agronomia no Brasil
FIOCRUZ Fundação Osvaldo Cruz
FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
IAP‟s Aposentadorias e Pensões
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IES Instituição de Ensino Superior
ME Movimento Estudantil
MEC Ministério da Educação e Cultura
MOS Movimento de Saúde
MS Ministério da Saúde
OMS Organização Mundial da Saúde
ONU Organização das Nações Unidas
OPAS Organização PanAmericana de Saúde
PET-Saúde Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde
PRO-Saúde Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde
PSF Programa de Saúde da Família
SGTES Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde
SUS Sistema Único de Saúde
RS Rio Grande do Sul
TCC Trabalho de Conclusão de Curso
UBS Unidade Básica de Saúde
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande dos Sul
UNE União Nacional dos Estudantes
UNISINOS Universidade do Vale do Rio dos Sinos
UPA Unidade de Pronto Atendimento
VER-SUS Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8
JUSTIFICATIVA ................................................................................................................... 10
1 TEMA DE PESQUISA ........................................................................................................ 17
1.2 O ESTADO BRASILEIRO E O CAMPO DA SAÚDE .................................................... 28
1.2 A UNIVERSIDADE BRASILEIRA E O CAMPO DA SAÚDE ...................................... 35
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ........................................................................................... 42
3. REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO ......................................................... 45
3.1 O CAMPO DE PESQUISA ................................................................................................ 49
3.2 O CAMPO DA TEORIA .................................................................................................... 57
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 63
APÊNDICES: .......................................................................................................................... 69
A) CRONOGRAMA FÍSICO .................................................................................................. 69
B) CONDIÇÕES DE EXEQUIBILIDADE DA PESQUISA .................................................. 69
8
INTRODUÇÃO
Analisar as articulações discursivamente estabelecidas por coletivos estudantis durante
as Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde (VER-SUS) é o que o
presente projeto de pesquisa qualitativa de mestrado pretende investigar enquanto objetivo
geral.
Entender quais são os discursos sociais existentes na organização; relacionar as
práticas sociais desenvolvidas nas IES; e compreender quais são as relações discursivamente
estabelecidas entre os coletivos estudantis e os aparatos estatais e sociais que se envolvem na
realização das Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde são os objetivos
específicos da presente pesquisa de mestrado em Ciências Sociais. Após delimitarmos o que
se entende por VER-SUS em termos descritivos que se encontram inscritos nas produções
científicas já publicadas sobre o tema, apresentaremos brevemente os referenciais
metodológicos e teóricos que utilizaremos e que julgamos apropriados para alcançarmos os
objetivos propostos.
Consideramos que tal investigação se mostra apropriada para com o programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS),
através da Linha 1: Identidades e Sociabilidades, no que tange a temática das Políticas de
Identidade e Movimentos Sociais, considerando que o foco de pesquisa será justamente a
constituição das dinâmicas de interação e sociabilidade, em suas implicações teóricas e
políticas, relacionadas à constituição de identidades nas práticas sociais de formação dos
estudantes que participam do VER-SUS. Para podermos investigar tal recorte de pesquisa,
deveremos aprofundar teoricamente alguns conceitos que possibilitem alcançar o objetivo
proposto tais como discurso, identidade, ideologia, aparato estatal e outros correlatos.
Antes de procedermos aos aprofundamentos bibliográficos, teóricos e conceituais que
pretendemos desenvolver no percurso da presente pesquisa, abordaremos em que campo se
insere, o que são, e como se estruturam as Vivências e Estágios na Realidade do Sistema
Único de Saúde. Procederemos a tais elucidações ao abordar respectivamente o tema, o
assunto e o contexto no qual o VER-SUS se inscreve. Esclarecidos estes detalhes específicos
do nosso objeto de pesquisa, procederemos também à revisão bibliográfica do que já foi
produzido em termos de elaborações científicas, com a subsequente argumentação dos
referenciais teóricos que utilizaremos e no que eles se distinguem das análises anteriores.
9
O primeiro aprofundamento teórico que pretendemos abordar tratará de como o campo
da saúde, tanto público quanto privado, se desenvolveu historicamente em território brasileiro.
Quais foram às relações estabelecidas entre as esferas estatais e as realidades sócio-sanitárias
brasileiras no que concernem não somente aos aspectos da formação e ordenação de recursos
humanos (tema de nossa pesquisa), mas também no que concerne ao momento em que de fato
a atenção à saúde começa a ser motivo de preocupação dos agentes estatais, explicitando
como foi emblemática a criação de um sistema universal, integral, igualitário, equitativo e
com participação social como em princípio o Sistema Único de Saúde (SUS) deveria ser.
O segundo aprofundamento teórico que tencionaremos discorrer tratará sobre como os
projetos de implantações universitárias nacionais estabeleceram ou não relações contextuais
com as realidades sócio-sanitárias brasileiras. Tentaremos suscintamente demonstrar como o
surgimento e a elitização do acesso as universidades públicas, e posteriormente privadas,
colaboraram para que a descontextualização da formação universitária, em geral e também no
campo da saúde, se estabelecesse com relação à realidade social e sanitária brasileira. Dentro
deste escopo ainda, elencaremos suscintamente, quais são as atuais políticas de formação
acadêmica no campo da saúde, dentre elas o VER-SUS concebido apenas como projeto
político e não programa específico como o são o Programa Nacional de Reorientação da
Formação Profissional em Saúde (PRO-Saúde) e o Programa de Educação pelo Trabalho para a
Saúde (PET-Saúde).
Tracejados estes aprofundamentos teóricos, bibliográficos e conceituais que julgamos
pertinentes a nossa pesquisa, apresentaremos a metodologia a ser utilizada. Optamos
metodologicamente em proceder ao tratamento dos dados colhidos se utilizando da Análise do
Discurso (AD) das entrevistas e observações participantes que serão realizadas. Nossa opção
metodológica decorre em função de que a AD se coaduna de forma muito propícia para
pesquisarmos que identidades de sujeitos são estas constituídas nas relações de sociabilidade
junto ao VER-SUS. Acreditamos que temos um acúmulo teórico e metodológico sobre a AD,
já que, utilizamos tal abordagem em nosso Trabalho de Conclusão do Curso (TCC) de
Graduação em Ciências Sociais. Além disso, nosso vínculo ao Grupo de Estudos Ideologias
Políticas e Movimentos Sociais, organizado pelo o Prof. Dr. Nadir Lara Júnior, nos propiciou
um embasamento bibliográfico e de discussões muito importante para que fosse possível
procedermos a AD daquele que era então o nosso objeto de pesquisa. Seguindo a mesma linha
fiduciária, justificando a realização desta pesquisa na mesma abordagem teórica e
metodológica aprofundando o diálogo com outras perspectivas e autores.
10
JUSTIFICATIVA
Durante a realização do TCC de Graduação em Ciências Sociais, começamos a nos
interessar pelos problemas de representação e participação nos embates sobre a saúde pública
junto à realidade social brasileira. Escolhemos então abordar as disputas entre o discurso
privatista e público junto ao uma realidade municipal de saúde. Esta experiência motivou o
aprofundamento dos estudos sobre as problemáticas existentes junto à saúde pública brasileira
também no que concerne aos discursos presentes na formação de recursos humanos desse
campo. Na atual conjuntura dos estudos em Saúde Coletiva, a perspectiva ampliada de
conceituar a saúde, leva em consideração o papel dos determinantes sociais; tornando
pertinente, portanto o olhar das Ciências Sociais e suas abordagens:
No Brasil e na América Latina o objeto tradicional denominado Saúde Pública passa
a merecer tratamento, denominação e conotação que traz do inespecífico “público”
referente à política de prevenção proposta pelo Estado, para o coletivo, que sugere
direitos, situação histórica, comprometimento de condições de vida social e uma
crítica ao indivíduo como responsável único por sua saúde / doença. A nova
disciplina e campo de intervenção Saúde Coletiva incorpora definitivamente as
Ciências Sociais no estudo dos fenômenos da saúde (MINAYO, 2000, p. 79).
Os conceitos paradigmáticos que permeiam as questões da Saúde Pública e Coletiva
tais como Estado, Controle Social e Ideologia foram então o objeto de estudo no TCC
intitulado “O privado suplantando o público: o SUS no Município de Nova Hartz”. Trabalho
este que foi aprovado com distinção e que foi posteriormente publicado sob a forma de livro
com o título “Repensando o público e o privado junto ao SUS” (ISBN: 978-85-7843-3147)
lançado pela Editora Oikos de São Leopoldo em 2013. Na pesquisa que fundamentou a
publicação do livro, analisamos quais são os elementos ideológicos que conduzem os sujeitos
sociais partícipes de um Conselho Municipal de Saúde (CMS) a se posicionarem de forma
favorável a uma crescente terceirização na área de pronto atendimento em saúde pública.
Partimos de uma bibliografia que problematiza o conceito de saúde para além de uma simples
oposição ao nexo da doença e elencamos o conceito proposto pela Organização Mundial da
Saúde1 (OMS) onde “(...) a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e
não apenas a ausência de distúrbios ou doenças” aprofundando a noção dos determinantes
sociais da mesma que conforme Brasil (2006, p. 18), a saúde deve ser “considerada na sua
complexidade, colocando-se como um bem econômico não restrito ao mercado (...), com
1Organização Mundial de Saúde. Documentos básicos. 26. ed. Genebra: OMS, 1976 (nota nossa).
11
dimensões de garantias de acesso universal, qualidade, hierarquização (...)”. Tendo percorrida
esta fundamentação primeira, passamos então a discorrer como essas noções historicamente
se efetivaram através do Movimento de Saúde (MOS), pelo menos em termo de garantias
legais junto ao território brasileiro através do SUS. O MOS, considerado então como um
legítimo movimento social, que em plena vigência da Ditadura Militar, conseguiu através de
suas formulações, inspiradas na Reforma Sanitária Italiana, a efetivação do SUS tendo em sua
conceituação características distintas dos demais movimentos sociais da época em questão:
Considerando as características do movimento sanitário, Sarah Escorel2, inclusive,
refuta essa denominação e essa ideia. E assinala que o movimento sanitário “não é
partido, não é coisa institucionalizada, organizada, muito pelo contrário, é uma coisa
que cresce, que flui, que diminui, aparece e desaparece, como ondas. Ou seja, tem
todas as características de um movimento social. (BRASIL, 2006, p. 66, grifos do
autor).
Doimo (1995, p.112) inclusive reforça este caráter alternativo que o MOS conseguiu
influir junto as: “(...) associações médicas, os centros estudantis e os grupos de bairro
presentes (...) que viriam a imprimir a fisionomia do MOS ao longo dos anos 80”. O MOS
através de suas mobilizações conseguiu a efetivação através da Constituinte de 1988, das Leis
Complementares nº.8080/90 – nº.8142/90 e das normatizações posteriores; a inscrição da
saúde como um “direito do cidadão e um dever do Estado” com amplas e profundas
implicações legais:
No Brasil assistimos, no final dos anos de 80 e início da década de 90, à
incorporação legal de um sistema de saúde baseado no modelo de reforma sanitário
proposto pelo Movimento Sanitário – que se inspirou no modelo italiano, com
princípios de universalidade, equidade, integralidade, descentralização e
participação social. E em paralelo a este modelo, tem se colocado em prática o
propugnado pela proposta de reforma do Estado que, por sua vez, cumpre as
exigências impostas pelos organismos internacionais (CORREIA, 2000, p. 39).
Universalidade, equidade, integralidade, descentralização e participação social se
configuraram então como os princípios legais de organização do SUS. Inspirada na Reforma
Sanitária Italiana, a participação social ficou conhecida como sendo o controle social a ser
exercido por parte da população para com as políticas sanitárias implementadas pelo Estado
através dos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional de Saúde e também através das
Conferências Nacionais de Saúde.
2Sarah Escorel – Médica Sanitarista; Doutora em Sociologia na Universidade de Brasília –UnB; Presidente do
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – CEBES (2003-2006); Pesquisadora Titular Fundação Osvaldo Cruz –
FIOCRUZ [entrevistada em 06/01/2006 pelo autor citado] (nota introdutória do autor citado).
12
O conceito de controle social que é ambientado junto aos CMS obteve essa guinada
teórica que ampliou sua noção conceitual. De um conceito percebido na lógica teórica
hobbesiana3 – do Estado que controla socialmente os indivíduos – para uma lógica teórica
gramsciana4 – onde os indivíduos organizados em suas posições controlam socialmente o
Estado – imiscuída de noções políticas muito recentes da democracia participativa:
Na sociologia a expressão controle social é, geralmente, utilizada para designar os
mecanismos que estabelecem a ordem social disciplinando a sociedade, submetendo
os indivíduos a determinados padrões sociais e princípios morais. Para alguns
autores da área da ciência política e econômica, o controle social é realizado pelo
Estado sobre a sociedade através da implementação de políticas sociais amenizando
propensos conflitos sociais, contratando os efeitos da expansão do capital. O campo
das políticas sociais é contraditório, pois, através delas, o Estado controla a
sociedade, ao tempo em que incorpora suas demandas. É neste campo contraditório
que nasce um novo conceito de controle social em consonância com a atuação da
sociedade civil organizada na gestão das políticas públicas no sentido de controlá-las
para que atendam as demandas e os interesses da coletividade. É nesta perspectiva
que o controle é realizado pela sociedade sobre as ações do Estado (CORREIA,
2000, p. 11).
Ao adentrarmos no tema das diferentes acepções do conceito de controle social,
embrenhamo-nos também nos debates teóricos que o campo das Ciências Sociais visa
elucidar no que concerne a que “padrões sociais e princípios morais” são estes que articulam a
relação entre o Estado e a referida “Sociedade Civil”. “Padrões sociais e princípios morais”
lembram e muito a imprecisão com que foram muitas vezes significados o conceito de
ideologia ao longo das diferentes linhas teóricas que pretendiam dar conta de explicitar o
campo das ideias e sua relação com o contexto social.
A diversa configuração do contexto social e das próprias abordagens teóricas que
visam explicar a realidade e os objetos do conhecimento apresenta para qualquer pesquisador
uma problemática significativa. Como nossa pesquisa se tratava de um estudo de caso
preferimos apresentar a complexidade do conceito de ideologia e logo em seguida apresentar
a historicidade do conceito desde Destutt de Tracy:
3Referente Thomas Hobbes (1588-1679): Matemático, teórico político, e filósofo inglês, autor de Leviatã (1651)
e Do cidadão (1651). Na obra Leviatã, explanou os seus pontos de vista sobre a natureza humana e sobre a
necessidade de governos e sociedades. De acordo com Hobbes, as sociedades necessitam de uma autoridade que
possa assegurar a paz interna e a defesa comum com controle social centralizador (nota nossa). 4Referente a Antonio Gramsci (1891-1937): Teórico italiano em que o avanço e a consolidação do movimento
dos trabalhadores, numa sociedade de tipo “ocidental”, depende de uma sempre difícil “guerra de posições”,
depende de um bom planejamento, de uma eficiente organização, quer dizer, depende de conhecimentos,
necessita de uma sólida preparação. Ao contrário da “guerra de movimentos”, que se faz muitas vezes com
manobras súbitas de pequenos grupos, com ações fulminantes de minorias (agindo em nome da maioria), que se
serve de golpes de mão, a “guerra de posições” exige participação ampliada, a construção do consenso (nota
nossa).
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O primeiro problema enfrentado por qualquer discussão sobre a natureza da
ideologia é que não existe uma definição estabelecida ou acordada para o termo, mas
apenas um conjunto de definições concorrentes. Conforme disse David McLellan
(1995), “ideologia é o conceito mais impreciso das ciências sociais”. Poucos termos
políticos foram motivo de polêmicas tão intensas e acaloradas. Isso ocorreu por dois
motivos. Em primeiro lugar, como todos os conceitos de ideologia admitem uma
relação entre teoria e prática (...). Em segundo lugar, o conceito de ideologia não
conseguiu se dissociar do embate contínuo entre as ideologias políticas. Durante
grande parte de sua história, o termo “ideologia” foi usado como arma política, um
instrumento para condenar ou criticar conjuntos de ideias ou sistemas de crenças
rivais (HEYWOOD, 2010, p. 18).
Assim desde quando Destutt de Tracy concebeu pela primeira vez a utilização do
termo ideologia, seu conceito já se encontrava envolto em disputas políticas de como cada
abordagem teórica viria a configurá-la. O conceito de ideologia proposto por Destutt de
Tracy, como um subcampo de estudo da zoologia (relacionado com o estudo de como nos
organismos vivos através de percepção sensorial seriam conduzidos a formulação das ideias)
foi significado por Napoleão, e posteriormente resignificado por Marx e outros autores,
sempre como um conceito que se estabelece entre a teoria e a prática:
Quando Marx, na primeira metade do século XIX, encontra o termo em jornais,
revistas e debates, ele está sendo utilizado em seu sentido napoleônico, isto é,
considerando ideólogos aqueles metafísicos especulativos, que ignoram a realidade.
É nesse sentido que Marx vai utilizá-lo a partir de 1846 em seu livro chamado A
Ideologia Alemã (LÖWY, 1996, p.12, grifos do autor).
Desde então muitos teóricos vão propor inúmeros significantes para o termo ideologia.
Alguns como Mannheim (1986) vão propor uma separação entre ideologia e utopia. Outros
como Eagleton (1997) vão propor uma Grande Teoria Global que dê conta das diversas
acepções significantes do termo ideologia. Outros ainda vão reforçar concepções do termo
ideologia “como uma forma de cimento social, fornecendo a grupos sociais, ou mesmo a
sociedades inteiras, um conjunto de crenças e valores unificadores” como Heywood (2010)
defende de um modo geral.
Em nossa pesquisa anterior preferimos a concepção althusseriana de ideologia porque
em sua abordagem conseguimos analisar o Estado, o SUS, e o próprio MOS em suas relações.
Na concepção de Althusser (1985), instâncias como o Estado, o SUS, o MOS, a Igreja, a
Família entre outras esferas se constituiriam como Aparelhos Ideológicos do Estado (AIE)
porque seriam “instrumentos institucionais de disseminação da ideologia” e não
necessariamente contraditórios em suas ações práticas e rituais.
14
O que se segue é o passo que vai do „em-si‟ ao „para-si‟, para a ideologia em sua
alteridade-externalização, momento sintetizado pela noção althusseriana de
Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE), que apontam a existência material da
ideologia nas práticas, rituais e instituições ideológicas (ZIZEK, 2003, p. 18).
Assim em Althusser (1985) temos uma noção de como a ideologia se configura
institucionalmente no Estado e nas diversas instâncias que se conformam como AIE e que
exercem de igual modo uma imposição. Assim como também os Aparelhos Repressivos de
Estado (ARE) tais como a Polícia, o Exército, o Judiciário e outros que são concebidos desde
o princípio com esta intencionalidade. A ideologia se configuraria então em dois modos muito
entrelaçados e simbióticos que não refutariam a concepção marxiana de uma ilusão
imaginária que os indivíduos estabelecem em as suas condições reais de existência; mas que
também ela mesma engendra uma existência material de como as condições reais se efetivam
junto às relações com as quais os indivíduos se estabelecem:
TESE I: A ideologia representa a relação imaginária dos indivíduos com suas
condições reais de existência (ALTHUSSER, 1985, p. 88).
TESE II: A ideologia tem uma existência material (ALTHUSSER, 1985, p. 91).
Entretanto, a abordagem althusseriana não compreende somente uma complexidade
materialista do conceito de ideologia. Ela vislumbra também uma possibilidade de sujeito que
é interpelado pela ideologia, ou seja, de que a noção de indivíduo se perde no momento em
que sempre exista alguma ideologia sendo relacionada discursivamente entre os sujeitos:
Podemos agora abordar a nossa tese central: A ideologia interpela os indivíduos
como sujeitos. Esta tese vem simplesmente apenas explicitar a nossa última
proposição: só há ideologia pelo sujeito e para sujeitos. Ou seja: a ideologia existe
para sujeitos concretos, e esta destinação da ideologia só é possível pelo sujeito: isto
é, pela categoria de sujeito e de seu funcionamento (ALTHUSSER, 1985, p. 93,
grifos do autor).
Entendendo estes pressupostos do conceito de ideologia, concluímos nosso estudo
anterior respondendo a nossa problematização que objetivamente pretendia responder a
seguinte questão: Quais são os elementos ideológicos que conduzem os sujeitos partícipes de
um CMS a se posicionarem de forma favorável a terceirização do atendimento público em
saúde municipal? Após a realização da pesquisa documental em atas, das observações
participantes nas reuniões e da realização de entrevistas semi-estruturadas com os
conselheiros municipais de saúde, concluímos que existem dois campos de explicação que
possibilitaram responder a nossa questão.
15
Um primeiro campo de explicação se referindo às condições ideológicas de
organização, mobilização e formação dos próprios conselheiros do CMS. Pois apesar de todos
os conselheiros possuírem vínculos diretos com a área da saúde em seu histórico pessoal de
vida, isso às vezes é insuficiente para problematizarem enquanto sujeitos as posturas
privatizantes adotadas pelo Estado nas figuras de seus representantes: o Governo e sua
administração. A prerrogativa do “não há alternativa” sem ser o conveniamento privado de
saúde parece obliterar o campo de escolhas que se aventam no horizonte dos conselheiros
municipais de saúde:
Em primeiro lugar, deve-se enfatizar que a expressão “limites absolutos” não
implica algo absolutamente impossível de ser transcendido, como os apologistas da
“ordem econômica ampliada” dominante tentam nos fazer crer para nos submeter à
máxima do “não há alternativa”. Esses limites são absolutos apenas para o sistema
do capital, devido às determinações mais profundas de seu modo de controle
sociometabólico (MÉSZÁRUS, 2002, p.220).
Como segundo campo de explicação, a pesquisa apontou que às condições ideológicas
de estruturação que o SUS apresenta em sua realidade pública de atendimento em saúde
engendram tal postura. Condições estruturais que denotam ideologicamente em vários
sentidos a não intencionalidade material com que determinadas instâncias do Estado e seus
governos administrativos possuem por decisões e escolhas ideológicas ou de ineficiência
burocrática de seus arranjos internos. Ideologia então que assim como Althusser (1985)
defende se apresentam em sua existência material
A política do Estado capitalista se configura como um conjunto de estratégias
mediante as quais se produzem e reproduzem constantemente as contradições de
classe e a intensidade das lutas políticas. [...] No caso da burocracia, as
determinantes da ação são expressas por elementos estruturais de tipo ideal,
conforme o modelo weberiano. A ação intencional está relacionada com a ideia de
planejamento e racionalidade técnica no caso do consenso, o determinante principal
da ação administrativa é o conflito ou o acordo de interesses comuns, seja no
ambiente administrativo, seja entre os membros da esfera administrativa. Decorre
disto uma tensão fundamental entre as funções que o Estado capitalista deve realizar
e sua estrutura interna (JACOBI, 1993, p. 07).
Tendo desenvolvido este estudo inicial, que nos possibilitou um referencial básico
sobre a saúde pública brasileira e suas implicações sociais, pretendemos agora desenvolver e
aprofundar questões que ficaram latentes sobre outros aspectos que o campo da saúde
possibilita problematizar em termos sociológicos. O tema da formação em saúde é um destes
importantes aspectos que de forma direta e indireta transparece junto à realização do VER-
SUS.
16
Quando passamos a integrar o grupo de pesquisas Ideologias Políticas e Movimentos
Sociais, composto por professores e estudantes, ligados de alguma forma a Linha Identidades
e Sociabilidades, percebemos que esta linha teórica é correlata com as perspectivas de
pesquisa que são empreendidas quanto aos aspectos ideológicos presentes junto aos discursos
dos sujeitos sociais da saúde pública brasileira.
Produções teóricas diversas abordam de diferentes modos recortes muito próximos dos
motes de pesquisa que aqui propomos em suas relações com o Movimento Estudantil (ME), a
formação acadêmica, o Estado, a programas públicos, os sujeitos, suas sociabilidades e suas
identidades. Existem pesquisas acadêmicas sendo realizadas e outra sendo avaliadas e / ou
publicadas que se posicionam na grande maioria dos casos na posição de validação e de
anuência perante programas públicos de educação acadêmica e similares na área da saúde tais
como o VER-SUS. Entretanto das pesquisas de que temos conhecimento, tanto das realizadas
como das que estão sendo avaliadas e / ou publicadas, não conhecemos nenhuma que tenha se
proposto um olhar sociológico sobre as implicações discursivas e ideológicas que tais
propostas engendram com relação aos modos de organização coletiva dos estudantes.
Aproximações teóricas e de análise partindo de estudiosos do campo da saúde, em suas
diversas origens disciplinares e profissionais, discorrem em algumas pesquisas sobre as
implicações da educação universitária no campo da saúde. Mas poucas se propõem, através
dos sujeitos implicados em tais propostas públicas ou institucionais, a tentar analisar a
apreensão que os mesmos concebem quanto às implicações discursivas e ideológicas que os
aparatos estatais e universitários possibilitam ou restringem numa perspectiva sociológica.
As produções científicas que partem do campo sociológico, e que tratam das questões
específicas do campo da saúde fomentam possibilidades ampliadas das abordagens utilizadas
para se pensar à realidade sanitária brasileira. Entretanto, mesmo partindo desta base e dessas
apropriações conceituais que as Ciências Sociais legaram ao campo da saúde, muitas não
expressam o que está por detrás destas defesas e construções teóricas em termos ideológicos.
Os discursos que defendem ou não a utilização de termos significantes, que não operam a
transformação dos indivíduos em sujeitos de suas ações e práticas em saúde, é a reflexão
acadêmica com estreito diálogo prático, que esta pesquisa visa elucidar junto à análise do
VER-SUS e das suas relações com os aparatos estatais e universitários. Tal elucidação além
de possibilitar um avanço acadêmico junto à formação em saúde, também apresentaria ao
longo de sua divulgação possibilidades de se repensar apropriações sociais de alguns nexos
atualmente não muito problematizados pelos sujeitos das ações em saúde.
17
1 TEMA DE PESQUISA
A saúde tomada como principio fundamental do ser humano, seja em termos de uma
condição elementar, um direito do cidadão, um dever do Estado ou ainda como um bem a ser
comercializado (como é concebida em algumas abordagens); não deveria mais ser
conceituada na sua forma reducionista de oposição à condição de doença.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estabeleceu que “saúde é o completo bem-
estar físico, mental e social e não a simples ausência de doença”. Esse avanço no conceito de
saúde circunscreve percepções sobre os determinantes sociais, ambientais e culturais que
influem sobre o estado de bem estar físico, mental e social dos sujeitos. Esta complexidade
leva a considerar a necessidade de ações intersetoriais que possibilitem condições de vida
saudáveis.
O campo da saúde em sua configuração legal nacional brasileira deveria abarcar uma
série de ações de vínculo direto ou indireto com um conceito ampliado de sua natureza. Sua
configuração legal fundamenta-se nos artigos do nº. 196 a 200 da Constituição Nacional
Brasileira e através das Leis Orgânicas da Saúde, as Leis nº. 8.080/90 e nº. 8142/90 que
criaram o SUS. A Lei nº. 8080/1990 regula as ações e os serviços em saúde executados em
todo o território nacional brasileiro. A Lei nº. 8142/1990 foi necessária para tratar da
participação da comunidade na gestão do SUS e das transferências intergovernamentais de
recursos financeiros na área da saúde, uma vez que foram vetadas e suprimidas do texto
original da Lei nº.8080/1990, pelo então presidente da república Fernando Collor de Mello.
Nestes parâmetros a saúde brasileira é tomada como um princípio fundamental, direito
de todos e um dever do Estado Nacional Brasileiro em suas diferentes esferas. Possui como
princípios doutrinários legais a universalidade, a integralidade, a igualdade, a participação da
comunidade e a descentralização político administrativa. Muita produção teórica e
conferencial posterior amplia o princípio da igualdade para o prisma da equidade e o princípio
da participação da comunidade para o prisma de uma real democratização dos aparatos de
saúde pública brasileiros.
Financeiramente o SUS, enquanto sistema governamental encarregado de promover a
saúde pública, se estrutura tendo como base os impostos e as contribuições sociais da
população arrecadados pelos governos federal, estaduais e municipais. Por sua vez, os
governos federal, estaduais e municipais possuem diferentes responsabilidades em cada nível
de complexidade na disponibilidade das ações em saúde.
18
Uma importante ação que se estabelece com intenções intersetoriais e
interdisciplinares na área da saúde é a ordenação de recursos humanos e a sua abrangência.
Realizada principalmente nas IES, a formação de recursos humanos na área da saúde é por
primazia o local onde os sentidos dos discursos e das práticas sanitárias deveriam refletir uma
perspectiva ampliada do conceito de saúde. Obrigatoriamente conforme estabelece o artigo nº.
200 § III da Constituição Nacional Brasileira, o SUS tem o dever de promover ações de
ordenação na formação de recursos humanos. As ações desenvolvidas pelas diferentes
instâncias (União, Estados e Municípios) sempre foram muito tímidas no que se refere à
institucionalização de políticas públicas articuladas de formação dos profissionais em saúde
pública e coletiva.
Segundo os autores que organizaram o Caderno de Textos do VER-SUS 2013, o ME
apesar de seu aparente e criticado recrudescimento vem por diferentes experiências, desde a
década de 1980, tentando reverter este quadro não só da formação e ordenação de recursos
humanos no campo da saúde, mas da formação universitária como um todo que é promovida
pelas universidades públicas e privadas:
A iniciativa dos estágios de vivência deu-se no final da década de 80, quando
estudantes de agronomia realizaram as primeiras experiências junto a assentamentos
rurais A Federação dos Estudantes de Agronomia no Brasil (FEAB) e a Executiva
Nacional dos Estudantes de Veterinária (ENEV) utilizaram esta metodologia no
debate das questões agrárias e a partir destas experiências ocorreu a inserção dos
estudantes da saúde (...). Surge, neste contexto, a metodologia dos estágios de
vivência buscando aproximar o estudante universitário da realidade econômica,
social, política e cultural do campo (FERLA et al., 2013, p. 8).
Os estágios de vivência seriam então o desenvolvimento de uma proposta de
metodologia ativa concebida pelo ME para possibilitar aos estudantes em geral uma
aproximação com a realidade econômica, social, política e cultural primeiramente do campo
rural, e que depois foi realocada para outros contextos como o campo da saúde e outros em
que a formação universitária aparentemente não possibilitava.
No campo da saúde a experiência que vem se consolidando na mesma perspectiva dos
estágios de vivência que se iniciaram na década de 80 com os estudantes da Agronomia, são
as Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde – VER-SUS. O VER-SUS
vem ocorrendo com este nome desde 2002 e inscrevendo novas articulações entre o ME e o
Estado brasileiro em suas diferentes instâncias. O VER-SUS conta atualmente com diversos
agentes: o ME, Esferas de Governo (Municípios, Estados, Nação), a Organização Pan-
Americana da Saúde (OPAS), Associação Rede Unida, IES, entre outros.
19
A metodologia dos estágios e vivências iniciados junto ao ME dos cursos de
Agronomia e Veterinária não ficou restrito aos estudantes destas áreas. Assim como acontece
hoje com o VER-SUS, que não se restringe aos estudantes da área da saúde. Alguns estágios e
vivências proporcionados pela Federação dos Estudantes de Agronomia no Brasil (FEAB) e pela
Executiva Nacional dos Estudantes de Veterinária (ENEV) contaram com a participação de
estudantes que compunham a Direção Executiva Nacional de Estudantes de Medicina
(DENEM):
Dos estágios de vivência da agronomia, organizados pela FEAB, participaram,
também estudantes dos mais variados cursos, inclusive estudantes de medicina da
Direção Executiva Nacional de Estudantes de Medicina (DENEM). Com base na
metodologia dos estágios de vivência, estes estudantes propuseram, na última
década, os estágios de vivência no Sistema Único de Saúde (SUS) em diversos
municípios brasileiros (FERLA et al., 2013, p.9).
Conforme o Caderno de Textos do VER-SUS de 2013, a crítica que o Movimento
Estudantil propunha então a formação tradicional em saúde proporcionou a insurgência de
formas metodológicas que visavam se aproximar do “locus de atuação profissional, como
forma de se aproximar do usuário deste sistema” que é a saúde pública brasileira estruturava
através do SUS. Essa metodologia dos estágios e vivências começaram então a ser utilizadas
pelo ME no campo da saúde. Inclusive apropriadas por algumas IES em suas realidades
sanitárias contextuais e acadêmicas.
Com as mudanças administrativas junto à Governo Federal Brasileiro em 2003,
através da eleição de Luís Inácio Lula da Silva, ocorreram consequentes alterações junto aos
aparatos estatais ministeriais e infra ministeriais. Mudanças que além de alterarem a classe
dirigente das funções administrativas do Estado, também incorporaram alterações nas
políticas desenvolvidas. Junto ao Ministério da Saúde (MS) surgiram algumas iniciativas no
que condiz a formação de recursos humanos no campo da saúde pública. Assim além do
Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde - PRO-Saúde, do
Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - PET-Saúde e de outras propostas menores,
as metodologia das vivências junto às realidades sanitárias foram incorporadas como projeto
político dos aparatos estatais brasileiros:
Em 2003 os estágios de vivência no SUS foram incorporados como projeto político
do governo federal, o Projeto Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único
de Saúde no Brasil (VER-SUS/ Brasil), desenvolvido pelo Departamento de Gestão
da Educação na Saúde, da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na
Saúde, do Ministério da Saúde em parceria com as representações estudantis de 14
cursos da saúde (FERLA et al., 2013, p.9).
20
Foram experienciadas várias propostas estatais similares anteriores ao que se
configurou depois como sendo o VER-SUS/Brasil, tais como a Escola de Verão e o VER-
SUS/RS que aconteceram através da Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul
(ESP/RS). A proposta metodológica das vivências adquiriu uma importância tamanha para ser
incorporada junto ao Governo Federal. Mas esta incorporação foi paliativa, já que não se
tornou programa políticos como o são o PRO-Saúde e o PET-Saúde, que também se
ambientam no espetro da formação e ordenação de recursos humanos para a saúde pública:
O projeto VER-SUS/RS – Vivência-Estágio na Realidade do Sistema Único de
Saúde do Rio Grande do Sul foi uma proposta da ESP/RS que se caracterizou pela
ampliação do seu projeto antecessor, o projeto Escola de Verão. A partir do VER-
SUS/RS, a ESP/RS, em parceria com os estudantes universitários da saúde
organizados no Núcleo Estudantil de Trabalhos em Saúde Coletiva (NETESC),
pretendeu difundir a oferta sistemática desta vivência-estágio aos estudantes dos
diferentes cursos de graduação do setor da saúde (BRASIL, 2004b, p.7).
VER-SUS, como a sigla explicita, são vivências e estágios com imersão (leia-se
dedicação e disponibilidade quase total) dos estudantes de graduação e pós-graduação que
aceitem permanecer de 10 (dez) à 15 (quinze) dias conhecendo e debatendo sobre as
realidades municipais e / ou distritais (divisão política infra municipal de capitais onde
também se territorializa a proposta) de saúde que visitam e conhecem:
Com a finalidade de aproximar os estudantes das diversas realidades sociais o
movimento estudantil propôs os estágios de vivência, como alternativa de prática da
formação que utiliza a metodologia problematizadora. Os estágios se caracterizam
por permitir espaços de encontros entre estudantes e determinadas realidades, de
modo que os mesmos possam refletir sobre as ações sociais ali desencadeadas com
base nas realidades vividas. Apresentam característica de imersão, na qual
determinado grupo de estudantes convive por um período de tempo
(aproximadamente 15 dias) em um mesmo espaço físico, com a expectativa de que a
cotidianidade imprima uma marca fundamental à vivência. Este processo utiliza
metodologias ativas de ensino-aprendizagem, facilitadas por um estudante
qualificado previamente por experiência de estágio de vivência ou por envolvimento
nas causas sociais do movimento estudantil (FERLA et al., 2013, p.7).
As realidades municipais e / ou distritais de saúde são conhecidas em suas diversas
configurações de atendimento público e / ou privado de saúde - Unidades Básicas de Saúde
(UBS), Estratégias de Saúde da Família (ESF), Unidades de Ponto-Atendimento (UPA),
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), hospitais, entre outros - assim também como outros
locais que possuam alguma interface com um conceito ampliado de saúde - reservas
indígenas, quilombos, museus, escolas, entre outros espaços abertos, públicos e / ou estatais -
nas suas relações com os movimentos sociais:
21
A participação popular tem potencial para gerar empoderamento dos diversos atores
e para promover a sua organização nas mais variadas formas de movimentos sociais.
O processo de Reforma Sanitária Brasileira é um exemplo de participação
intersetorial de diversos atores sociais, inclusive de estudantes, que no interior de
seus processos organizativos têm atuado de forma sistemática no avanço das
reformas em saúde. O meio acadêmico conta com a participação de estudantes da
área da saúde organizados a partir de Diretórios Acadêmicos (DAs) e Centros
Acadêmicos (CAs) representados nacionalmente por Executivas e Direções de
curso. Para além do movimento estudantil de área, também ocorrem as organizações
gerais de estudantes compreendidas nos Diretórios Centrais de Estudantes (DCE),
nas universidades; nas Uniões Estaduais de Estudantes (UEE); e na União Nacional
de Estudantes (UNE) (FERLA et al., 2013, p.6).
Por envolver estruturas estatais dos municípios, os sujeitos que organizam a proposta
(sujeitos oriundos do próprio ME que em sua grande maioria estão organizados em coletivos
de estudantes) dialogam inicialmente com os gestores municipais de saúde (secretários
municipais de saúde, prefeitos e demais servidores públicos municipais implicados) para
serem formulados cronogramas plurais e pactuados que contemplem diferentes perspectivas
sócio-sanitárias das realidades que serão visitadas pelos estudantes que se inscrevem e
participam da proposta. Para tanto se tornam necessárias a integração entre diferentes aparatos
do Estado e organizações da sociedade civil plenamente organizadas e estruturadas:
Assim, a proposta do Ministério da Saúde, em parceria com a Rede Unida, a Rede
Governo Colaborativo em Saúde / UFRGS, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a
União Nacional dos Estudantes (UNE), o Conselho de Secretários de Saúde
(CONASS) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde
(CONASEMS), e o apoio da Organização PanAmericana da Saúde (OPAS), visa
realizar estágios de vivência para que estudantes universitários/as tenham a
oportunidade de vivenciar a realidade do SUS e, assim, qualificar-se para a atuação
no sistema de saúde (FERLA et al., 2013, p.4-5).
O VER-SUS então conforme seus próprios manuais e formuladores se trata de um
projeto político desenvolvido por inúmeros aparatos estatais e organizações da sociedade civil
com ampla desenvoltura de sujeitos advindos do ME; e não como programa político
sistematizado através de legislações e normatizações burocráticas tais como o PRO-Saúde e o
PET-Saúde.
Entretanto, para além desta definição funcionalista, o VER-SUS apresenta inúmeras
situações em que as relações e sociabilidades dos sujeitos representantes de cada uma destas
esferas citadas a pouco estão em diferentes perspectivas de ação e prática. As ambivalências,
as fronteiras e os conflitos nas abordagens de como a formação em saúde é encarada pelos
diferentes sujeitos da sociedade civil organizada e pelas diferentes instâncias estatais, sociais e
universitárias presentes na realização VER-SUS é o mote de nossa pesquisa.
22
De 2003 (quando o VER-SUS foi incorporado como projeto político ao Governo
Federal) até os dias de hoje, as vivências sofreram algumas modificações nas articulações
estabelecidas ideologicamente estre os aparatos estatais e o conjunto de representações da
sociedade civil que se fizeram presentes na formulação de ações de formação e ordenação de
recursos humanos junto ao campo da saúde:
Como parte da aposta na aproximação do estudante aos desafios inerentes à
implantação do SUS nasce a estratégia nacional de Vivências e Estágios na
Realidade do Sistema Único de Saúde do Brasil: VER-SUS/Brasil, enquanto agenda
de compromissos com o movimento estudantil nacional da área da saúde, visando
realizar um trabalho articulado entre as diferentes instâncias do SUS e as instituições
de ensino (BRASIL, 2004a, p. 14).
A articulação inicial do VER-SUS/Brasil congregou as Executivas Nacionais dos 14
cursos que conforme a Resolução 287/98 do Conselho Nacional de Saúde eram e são
definidas como as profissões da área da saúde: Biologia, Biomedicina, Educação Física,
Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária,
Nutrição, Odontologia, Psicologia, Terapia Ocupacional e Serviço Social; que conjuntamente
com a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), e nesta o
Departamento de Gestão da Educação na Saúde (DEGES) formularam o que veio a ser
considerado o Projeto Piloto do VER-SUS:
Para a efetivação da proposta do VER-SUS/Brasil realizou-se inicialmente um
Projeto-Piloto envolvendo estudantes considerados orgânicos do Movimento
Estudantil, com o objetivo de que o Piloto servisse como atividade de capacitação
para os facilitadores e se constituísse como um laboratório do Projeto VER-
SUS/Brasil. Para tanto, construiu-se parceria com os Municípios colaboradores de
Educação Permanente em Saúde, ao todo 10 cidades em todo o país, para acolher a
proposta do Projeto-Piloto VER-SUS/Brasil construindo em conjunto com o
Ministério da Saúde e o Movimento Estudantil da Saúde os projetos locais,
realizados entre os meses de janeiro e fevereiro de 2004 (FERLA et al., 2013, p. 24-
25).
O Projeto-Piloto foi pensado como um laboratório para aqueles estudantes que já eram
implicados com o ME e que faziam parte das Executivas Nacionais dos Cursos do campo da
Saúde e que se articularam com a SGTES e a DEGES no Ministério da Saúde para
repensarem as metodologias de suas formações acadêmicas em saúde. A proposta era de que
estes estudantes após a conclusão de suas experiências junto ao Projeto-Piloto viessem a ser
os “facilitadores” veteranos de outros “viventes” calouros nas futuras vivências de realidade
que viessem a ser articuladas entre o ME e os aparatos estatais.
23
Logo em seguida realmente aconteceram mais duas edições do VER-SUS/Brasil. A
primeira edição do VER-SUS/Brasil foi realizada nos meses de julho a outubro de 2005,
abrangendo 1067 estudantes e contando com a participação de 51 municípios e 19 estados do
país. A segunda edição do VER-SUS/Brasil aconteceu entre os meses de julho a setembro de
2005, abrangendo 251 estudantes e contando com a participação de 10 municípios e 6 estados
brasileiros.
Com a mudança que ocorreu na gestão da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação
na Saúde do Ministério da Saúde “não houve continuidade do projeto em nível nacional, no
entanto, muitas experiências locais continuaram sendo organizadas” conforme nos informa o
Caderno de Textos do VER-SUS 2013. A publicação em questão chega inclusive a explicitar
que o VER-SUS impregnou uma identidade e que mesmo sem o aporte do Governo Federal,
as vivências continuaram a acontecer como aconteciam antes do Projeto VER-SUS/Brasil,
através do próprio ME ou do aporte de algumas IES implicadas com a experiência:
Como experiências locais relevantes e sintonizadas com essa experiência, podemos
citar a realização do Estágio Interdisciplinar de Vivência na Rede de Saúde Mental
(RS) realizado anualmente na cidade de São Lourenço do Sul; o Estágio de Vivência
em Comunidades Rurais organizado com frequência na Paraíba junto com os
movimentos sociais e o movimento de educação popular em saúde; o Estágio de
Vivência da Medicina em Vitória da Conquista que é organizado anualmente para a
recepção dos calouros de medicina da UFBA; os Estágios de Vivência no
SUS/Bahia que ocorrem desde 2009, sendo que hoje já se realiza a 6ª. edição; o
VER-SUS/Rio de Janeiro realizado em janeiro de 2011 com parceria do projeto
OTICS; os estágios de vivência tradicionalmente organizados pela UNISC no Rio
Grande do Sul como atividade de extensão universitária; e a experiência do VER-
SUS organizado pelo Grupo Hospitalar Conceição para seus residentes conhecerem
melhor o SUS. Portanto, a realização dos estágios de vivência não é novidade no
campo da saúde; sua história é antiga e já contou com inúmeras experiências. Aqui
chamados de VER-SUS, os estágios de vivência já têm nessa marca uma identidade
construída a partir da realização do VER-SUS/RS em 2002, do VER-SUS/Brasil em
2004 e 2005, do VER-SUS/Rio de Janeiro em 2010 e do VER-SUS/GHC (Grupo
Hospitalar Conceição) também em 2010. Após esse período, inúmeras iniciativas
locais e regionais continuaram sendo desenvolvidas, mas somente agora o projeto é
retomado pelo Ministério da Saúde para ser realizado em grande escala pelo país
(FERLA et al., 2013, p. 3, grifos nossos).
No entanto o Governo Federal retomou a iniciativa do Projeto VER-SUS/Brasil em
2011, ainda como projeto político estratégico e não como programa. Além disso, diferente do
que acontecia em 2003, quando os aparatos estatais da SGTES/DEGES/MS se articulavam
com as Executivas Nacionais dos Cursos do campo da saúde e com a União Nacional dos
Estudantes (UNE); na configuração atual existem outros intermediários na relação entre o ME
e os aparatos do Estado: a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), a Rede Unida, IES, e o apoio da
OPAS:
24
Desde meados de 2011 está sendo organizado o novo Projeto VER-SUS/Brasil com
a rede parceiros do Ministério da Saúde, No período de janeiro/fevereiro de 2012
ocorreu a 1ª edição do projeto como uma experiência piloto que mobilizou mais de
4300 estudantes, 9 estados e 70 municípios. De fato participaram dessa experiência
915 estudantes nas diferentes experiências. Na 2ª edição de julho e agosto de 2012,
participaram efetivamente 1640 estudantes de 11 estados e 114 municípios (FERLA
et al., 2013, p.4).
Em outras palavras, ao invés de continuar com a metodologia de reunir as Executivas
Nacionais dos cursos de Biologia, Biomedicina, Educação Física, Enfermagem, Farmácia,
Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia,
Psicologia, Terapia Ocupacional, Saúde Coletiva e Serviço Social para juntos com a
SGTES/DEGES/MS pensarem como se estruturaria as próximas vivências; a articulação
agora se realiza entre a Rede Unida (organização histórica da sociedade civil junto ao campo
da saúde) e Esferas de Governo (que reúne agentes das diferentes instâncias governamentais
dos municípios, estados e nação) para que conjuntamente com coletivos estudantis possam
organizar o VER-SUS/Brasil. Coletivos estudantis estes que não necessariamente estavam
articulados junto ao ME antes destes virem a participar da proposta do VER-SUS/Brasil.
Assim, a participação junto ao ME e de suas articulações através das Executivas de Curso do
campo da saúde ou da UNE foram relegadas a segundo plano. Nesta nova forma de
organização do VER-SUS/Brasil surgiram novas formas de articulações entre a Sociedade
Civil e o Estado. Os coletivos estudantis tomaram o lugar das Executivas de Curso do campo
da saúde e da própria UNE. Articulam eles mesmos as estruturações necessárias para que
junto ou a margem dos aparatos estatais o VERSUS e outras atividades do campo da saúde
ocorram.
Outra questão pertinente ao contexto de pesquisa se refere ao financiamento do projeto
político em questão. A proposta vem sendo financiada pela Organização Pan-Americana de
Saúde (OPAS) - organismo internacional de saúde pública latino-americana - que por
intermédio da organização jurídica da Rede Unida financia a maioria das experiências de
VER-SUS/Brasil pelo país a fora. Algumas poucas vivências são financiadas por seus
governos estaduais ou de outras formas como é o caso do que acontece no interior do estado
do Rio Grande do Sul. Mesmo assim, o fato de alguns governos estaduais financiarem o VER-
SUS, não tornam esta condição a regra por excelência, mas sim a exceção da regra. Na sua
grande maioria, e inclusive na Região Metropolitana de Porto Alegre e do Vale do Rio dos
Sinos, onde também acontece o VER-SUS/Brasil, o financiamento ocorre via OPAS/Rede
Unida constituída através de seu Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ).
25
Assim mesmo sendo uma proposta que leva a participação e o emblema do Governo
Federal, sua estruturação material acontece através de vias supra estatais, e não através de
uma destinação planejada dos recursos federais específicos para a formação e a ordenação dos
recursos humanos em saúde como prevê a Constituição Federal e as Leis Nacionais nº.
8080/90 e nº. 8142/90; e que poderiam ser preconizados para este projeto político estratégico
como é concebido o VER-SUS/Brasil através de suas próprias publicações e documentos.
Dessa forma, hoje diferente do que acontecia nas primeiras edições do VER-
SUS/Brasil, ao analisarmos a participação do ME neste projeto político não se visualiza mais
as Executivas de Curso ou a UNE (mesmo que esta seja entidade parceira da Rede Unida).
Visualizam-se coletivos estudantis que vieram a se estruturar a partir de grupos de estudantes
na retomada do projeto VER-SUS/Brasil. Vários coletivos vieram a se organizar no país como
um todo a partir da existência das vivências nos diferentes estados da federação. No estado do
Rio Grande do Sul, segundo mapa construído pelos próprios estudantes na última vez em que
se reuniram estadualmente, existiam 12 coletivos estudantis gaúchos que participam da
construção do VER-SUS/Brasil e outras atividades espalhados por todo o território estadual:
Ilustração 1: Mapa dos coletivos estudantis em saúde no estado do Rio Grande do Sul.
26
Destes coletivos excetuando-se o Elos Coletivo que participa da construção da
vivência na Região de Porto Alegre e Vale do Rio dos Sinos, todos os demais vinham pelo
menos até as últimas vivências recebendo financiamento público do Governo do Estado do
Rio Grande do Sul. Deste modo nas cidades do interior, em razão do financiamento
(contingenciado por pactuações com as instâncias de controle social dos recursos estaduais
em saúde) e das realidades universitárias (poucas ou únicas IES para grandes regiões de
abrangência) as vivências são organizadas pelos coletivos estudantis para grupos que variam
de dez a trinta participantes em média. As vivências nestas cidades do interior percorrem na
grande maioria das vezes mais de um município em suas realidades sanitárias. Isso se deve ao
fato de que um único município não apresenta em princípio situações de vivência para os dez
a quinze dias de vivência.
Diferente dessa situação, a realidade contextual do Elos Coletivo se diferencia dos
demais coletivos estudantis gaúchos, em detrimento do próprio financiamento que ocorre via
Rede Unida, que por sua vez recebe o financiamento para as vivências através de projetos e
editais constituídos junto a OPAS. Também se diferencia em função de que a realidade da
Região Metropolitana de Porto Alegre e do Vale do Rio dos Sinos, onde o Elos Coletivo atua,
é muito mais populosa e apresenta uma realidade universitária muito mais abrangente (várias
IES e pólos universitários existentes).
As vivências são organizadas para um grupo de aproximadamente 160 estudantes que
são divididos em aproximadamente 16 equipes que participam das vivências nos 8 distritos
sanitários de Porto Alegre e em aproximadamente mais 8 cidades da região Metropolitana e
do Vale do Rio dos Sinos. Estes números podem variam um pouco para mais ou um pouco
para menos, mas em síntese são estas as informações quantitativas que servem de base para a
organização das vivências por parte do Elos Coletivo nesta região do estado gaúcho.
O que deve ficar claro é que apesar do financiamento que existe através da Rede
Unida/OPAS, ou ainda através do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, tanto para as
vivências do VER-SUS, que acontecem na Região Metropolitana de Porto Alegre e Vale do
Rio dos Sinos, como para aquelas que acontecem no interior; existe uma série de práticas e
discursos que são necessariamente realizados tanto na realidade do Elos Coletivo como na
realidade dos demais coletivos estudantis gaúchos, para que as vivências possam ocorrer sem
contratempos. Práticas e discursos que também são realizados por outros agentes das IES, dos
governos municipais e do próprio governo estadual que também são indispensáveis para que a
realização das vivências sejam possíveis e realizáveis na prática.
27
Os coletivos estudantis tanto do interior como da capital e região são responsáveis por
várias práticas e discursos que são essenciais para a realização da vivência desde antes que a
mesma aconteça. Dentre as práticas que os coletivos estudantis ficam responsáveis podemos
elencar: a) solicitarem e retirarem no mínimo três orçamentos carimbados em documentos
oficiais para as alimentações, hotéis e empresas de transporte que são necessárias para que
ocorram as vivências; b) reunirem e contatarem os gestores distritais e municipais das cidades
em questão para organizarem a programação e demais questões pertinentes para as vivências;
c) divulgarem e mobilizarem dos estudantes e IES da região para que saibam da proposta das
vivências; d) selecionarem e notificarem os candidatos escolhidos para participarem da
proposta de vivência, já que na maioria das vezes a demanda é maior que a oferta de vagas
nas vivências que ocorrem. Todas estas práticas se desenvolvem e transcorrem em
aproximadamente seis meses de reuniões e organizações práticas necessárias para que as
vivências aconteçam tanto nas férias de inverno como nas de verão.
Os gestores / representantes municipais / distritais por sua vez participam de reuniões
quinzenais organizadas pelos coletivos estudantis para definirem não somente a programação
das vivências, mas também outras questões que são pertinentes ao bom andamento das
vivências (locais visitados, equipes visitadas, condições de visitação, entre outros detalhes).
As IES aparecem como apoiadoras do projeto político com graus diferentes de
participação e envolvimento. Enquanto algumas IES dificultam até mesmo a informação de
que existe uma organização estudantil para a vivência; outras IES oferecem toda uma
disponibilidade de estruturação para que as vivências possam acontecer: transporte,
disponibilização de material didático e informacional, preparação de espaços acadêmicos para
discussões, entre outras disponibilidades oferecidas aos coletivos estudantis.
O VER-SUS/Brasil a nível federal, estadual e local pode apresentar alguns detalhes
que não explicitamos, mas que no conjunto não desfocam a delimitação que majoritariamente
se propõe este projeto político. O VER-SUS/Brasil em suas diferentes realidades e contextos
se propõe a ser uma metodologia estratégica de aproximação do estudante universitário para
com a realidade econômica, social, política e cultural do contexto territorial em que ocorre a
sua formação universitária, sendo-lhe problematizada tanto em termos científicos e teóricos,
como em termos realistas e materiais. O VER-SUS seria então, segundo seus proponentes, um
projeto político estratégico, que somado a outros programas sociais, tais como o PRO-Saúde e
PET-Saúde, propostas governamentais mínimas de articulação com a sociedade civil e IES para
promoção de ações de ordenação e formação de recursos humanos para a saúde pública.
28
1.2 O ESTADO BRASILEIRO E O CAMPO DA SAÚDE
Utilizamos até aqui inúmeras vezes o termo aparelho / aparato estatal sem
propriamente enfocarmos o que entendemos pelo conceito de Estado que lhe é anterior. Em
nossa pesquisa anterior (FÜHR, 2013) fizemos uma pequena digressão sobre como o conceito
de Estado foi desenvolvido junto as Ciências Sociais e Humanas. Entretanto não podemos nos
contentar nesta pesquisa em citar nossos apontamentos anteriores. Tentaremos sucintamente
apresentar abaixo alguns nexos que pretendemos aprofundar teoricamente entre as relações
que a idéia de Estado têm junto a Saúde Pública e Coletiva.
O conceito de Estado para além de qualquer perspectiva histórica que tente remontar
suas vertentes teóricas desde Hobbes, ou antes deste autor, sobre como deva ser encarado este
verbete, segundo nossa presente construção, não devem mais deixar de levar em conta as
implicações da Teoria do Discurso que apresentaremos em seguida. Para além de qualquer
debate sobre as condições do Estado ser considerado infraestrutura ou superestrutura perante
as diversas correntes da teoria marxiana e pós-marxiana, o Estado precisa ser problematizado
enquanto prática discursiva dispersa e não fixada em uma identidade essencializada.
Os debates das relações entre o Estado, a Sociedade Civil e a Saúde Pública ou
Coletiva, na qual estaremos inseridos na presente pesquisa de uma forma ou de outra, em
maior ou menor medida, tentam muitas vezes de forma direta ou indireta classificar o quanto
estabelecidas instâncias estatais estão seguindo determinadas orientações ideológicas em
detrimento de outras. Não podemos é claro deixar de realizar estas considerações à cerca de
como se estabelecem as relações estatais junto à sociedade civil e vice-versa no que condiz as
formas de orientação ideológica em questão. Entretanto não podemos essencializar de forma a
fixar uma identidade amalgamada de Estado perante posições ideológicas A ou B de sua
orientação governamental. As análises sob o prisma da Teoria do Discurso podem elucidar
que as imbricações e a nuances das práticas discursivas engendradas pelos diferentes agentes
sociais em relação com o Estado são heterogêneas, homogêneas, convergentes e divergentes
dependendo de cada situação em questão.
Apesar da problematizações à cerca do modelo discursivo do Estado de Bem-Estar
Social estarem presentes em inúmeros produções acadêmicas que tentam descortinar os
avanços que foram a implantação do SUS e de outras políticas de igual monta no Brasil, tal
noção sempre pode ser confrontada com situações e realidades que desmantelam qualquer
concepção essencializada da identidade ideológica que o Estado Brasileiro se apresentou.
29
Mesmo sendo possível a adoção do modelo do Estado de Bem-Estar Social por parte
de alguns países (onde tal adoção foi possível) ter se dado a partir da metade do século XX, as
noções de tal modelo são bem anteriores e remontam ao 2º Reich alemão insurgido por Otto
von Bismarck, o chanceler de ferro como era chamado, que por sinal não era considerado um
governante nenhum um pouco socialdemocrata ou algo próximo disso (Kerstenetzky, 2011).
O mesmo ocorre com a categoria de Saúde Pública. Apesar das grandes medidas
estatais numa perspectiva de saúde pública terem se aprofundado a partir de meados do século
XX, conforme Rabello (2010, p. 67) desde o século XVI, quando a produção começa a se
tornar eixo central na Inglaterra, e depois em outros países que se inserem na lógica
capitalista, passa o trabalho “a ser essencial para a geração da riqueza, o que transformou
qualquer perda decorrente de doenças em problema econômico potencial”.
Afinal, como Marx (1985, p. 141) já enunciava no século XVIII, se “o proprietário da
força de trabalho trabalhou hoje, ele deve poder repetir o mesmo processo amanhã, sob as
mesmas condições de força e saúde”. Nessa lógica a importância da saúde do proprietário da
força de trabalho (seja ele trabalhador fabril, agrícola ou intelectual) se torna questão central
de preocupação na lógica da economia vigente para uma efetiva potencialidade de
expropriação da mais-valia.
Mas não é somente a preocupação com a expropriação de mais-valia (na qual a
condição de saúde do proprietário da força de trabalho é fiduciária) que levam os Estados
Nacionais a conceberem projetos políticos que circunscrevam a possibilidade de uma saúde
pública. No Brasil, por exemplo, o fator que desencadeou as primeiras iniciativas do poder
público para com a oferta de algum tipo de serviço em saúde pública – os institutos de
profilaxia rural e urbana - foram resultado de amplos debates promovidos pelo Movimento
Sanitarista, deste a República Velha, que conseguiram demonstrar e comprovar perante as
elites dirigentes e a opinião pública vigente sobre as implicações que a interdependência
social das doenças e epidemias causavam:
Trata-se de período de um período de crescimento de uma consciência entre as elites
em relação aos graves problemas sanitários do país e de um sentimento geral de que
o Estado nacional deveria assumir mais a responsabilidade pela saúde da população
e salubridade do território. (...) A partir das demandas de um movimento sanitarista
ativo e de caráter nacionalista – que vinculava a constituição da nacionalidade à
superação das doenças endêmicas – e de grandes debates e decisões políticas em
torno de soluções dos problemas sanitários, considerando a ordem político-
constitucional pactuada em 1891, os serviços sanitários foram reformulados e
ampliados (HOCHMAN, 2006, p. 40).
30
Hochman (2006, p.26) nos aponta em seu estudo que os primórdios, da saúde pública
e do saneamento a nível nacional brasileiro, que o “crescimento da interdependência humana
trouxe a ampliação e a intensificação dos efeitos externos da ação, ou da própria existência, de
uns, pobres, sobre outros, ricos”. Dessa forma principiam-se as primeiras intencionalidades do
Estado Nacional Brasileiro no sentido de promover ainda que tímidas as primeiras
movimentações no sentido de instituir projetos políticos de saneamento (= saúde pública) que
dessem conta ao menos de evitar que as doenças comuns das camadas baixas da população
não se alastrassem a ponto de atingir também as camadas mais altas de forma epidêmica. Tais
iniciativas, entretanto estavam longe de minimizar o impacto dos diversos determinantes
sobre o estado de bem-estar físico, mental e social (= saúde) da população em geral. As
tímidas mudanças ocorridas durante o governo Vargas nos modelos tecno-assistenciais em
saúde já não davam mais conta das demandas que a população ansiava.
O que se buscava nas lutas sociais desta fase eram novas relações entre o Estado e o
conjunto dos grupos sociais, fato que se prolongou por todos esses anos, até 1937. A
superação do Estado oligárquico de base regional, pelo corporativista e populista,
acabou por implicar a construção de uma nova forma de Estado capitalista no Brasil,
processo que foi seguindo o caminho das reformas produzidas no interior do
aparelho de Estado (...) (MERHY, 1992, p.148).
Ainda que o Estado Nacional Brasileiro deste período seja marcado pelo diálogo
vertical e centralizado das políticas sociais na área da saúde e outras, começaram-se as
primeiras iniciativas de instituição das políticas de saúde assistenciais previdenciárias.
Mediante contribuições trabalhistas de algumas categorias profissionais o Estado foi
chancelando modalidades de assistência médica que davam conta apenas da população
trabalhadora. O processo se intensifica no final da década de 40 com a criação do primeiro
Conselho Nacional de Saúde (1948), demonstrando que mesmo timidamente já existia alguma
parcela da Sociedade Civil Brasileira que estava organizada pra pleitear ter uma estrutura
como esta junto ao aparato estatal existente.
Os anos seguintes a 1948 foram marcados por um intenso crescimento da medicina
previdenciária e pela expansão da rede local de Centros de Saúde. O crescimento
acelerado do processo de industrialização, que teve como contrapartida um
desmesurado desenvolvimento das cidades que serviram de suporte para aquele
processo e a “complexificação” da estrutura de classes sociais da sociedade
brasileira, levou a um aprofundamento das relações político-sociais do Estado
populista com as massas urbanas e com a ampliação do processo de “cidadania
fragmentária” (MERHY, 1992, p.211).
31
Reflexo e permeado por processos históricos mundiais (I e II Guerras Mundiais,
Grande Depressão, Declaração dos Direitos Humanos, etc.) e nacionais (Tenentismo,
Revolução Constitucionalista de 1932, Problemas na Exportação da Cafeicultura, etc.), o
período do governo de Getúlio Vargas instituiu um mínimo de garantias trabalhistas que
diretamente tiveram influência na saúde através dos aparatos previdenciários que foram
insurgidos como os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP‟s).
A saúde vai se tornando cada vez mais importante para o desenvolvimento
econômico: os poderes públicos passam a combater agravos sociais e sanitários
como o alcoolismo, a sífilis e a tuberculose; leis estatuídas sobre a vida nas cidades,
as condições de saneamento e a saúde das crianças. Dessa aliança entre políticos e
higienistas resultam leis que antecipam o que se chama atualmente de proteção
social, a concepção do Estado moderno – o Estado de Bem-Estar Social. Até meados
do século XX, a seguridade social é instituída em vários países (RABELLO, 2010,
p. 44).
O longo período do governo de Vargas com o interstício do governo de Dutra, o
“progressismo” de Juscelino Kubitscheck, a renúncia de Jânio e a meteórica tentativa
presidencial de Jango não conseguiram implementar no Brasil um real modelo do Estado de
Bem-Estar Social que ampliasse a assistência para além dos cidadãos trabalhadores. Amplas
camadas de idosos, inválidos, desempregados e correlatos permaneciam dependendo da
caridade hospitalar de instituições religiosas, particulares ou de curandeira. Este modelo não
se modificou durante a Ditadura Militar Brasileira. Na verdade se intensificou e se
aprofundou uma estruturação que ainda hoje molda a configuração do atendimento público
em saúde. Através do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), instituído em 1966,
os governos militares que se sucederam até 1984, financiaram a fundo perdido a construção
de alguns hospitais totalmente públicos e uma grande maioria de hospitais privados que se
vincularam temporariamente ao aparato estatal de previdência vigente na época.
Desse modo a assistência em saúde no Brasil se engendrou assistencial e centralizada
nas grandes capitais e financiou com o dinheiro dos trabalhadores a estrutura hospitalar
particular que hoje não se encontra mais vinculada a qualquer iniciativa de atendimento
público em saúde que não seja o conveniamento onerante aos cofres públicos em termos de
isenção fiscal ou financiamento público. Na reborda dessa estruturação, as IES‟s públicas e
privadas foram ofertando vagas para formação de profissionais na área da saúde de forma
concentrada nas grandes capitais num modelo de atendimento assistencial e não preventivo.
Lógica preventiva esta que o próprio Banco Mundial a partir da década de 1990 passou a
preconizar como sendo a de melhor efetivação.
32
O Brasil, diferente dos demais países da Europa e da América do Norte, não perpassou
a adoção conjuntural por excelência de um modelo do Estado de Bem-Estar Social. Foi
necessário este modelo já se encontrar revisionado no exterior para que alguns princípios
deste modelo fossem imiscuídos nas formulações propostas pelo Movimento Sanitário
Brasileiro, que na derrocada da Ditadura Militar pleitearam um modelo de saúde pública
inspirada no modelo italiano de Saúde Pública.
A constituição de um Sistema Único de Saúde ao final dos anos 80 foi a mais
importante decisão de reforma na área social daquela década. Não apenas porque foi
a única das políticas sociais em que se reuniram condições institucionais para que se
tomassem decisões em favor de uma reforma efetiva. Mas também pelo conteúdo
desta reforma, vale dizer, pela natureza, importância e extensão das decisões
tomadas. A implementação desta reforma vem redesenhando o modelo de prestação
de serviços de saúde, tal como este havia se configurado ao final dos anos 60, e – o
que interessa aqui particularmente – vem redefinindo a distribuição das funções a
serem desempenhadas por cada nível de governo (ARRETCHE, 2000, p. 197).
Com alguns anos de atraso, em função da interrupção nos avanços políticos que a
Ditadura Militar legou, o Brasil pós Constituinte institui o SUS em 1990 através de uma
implantação gradual. Apesar de todas as críticas realizadas pelo ordenamento social vigente, o
SUS segundo dados internacionais e sua concepção adota princípios que numa perspectiva
ampliada do conceito de saúde dão conta de um país de proporções continentais como o
Brasil. A contradição na saúde pública brasileira se acentuou ainda mais, quando na década de
1990 (em plena década comumente atribuída como a década do neoliberalismo) o Banco
Mundial (considerado por muitos como um dos arautos do capitalismo hegemônico mundial)
indica para o Brasil a adoção de algum programa de prevenção familiar em saúde. O
programa adotado na época foi o então Programa de Saúde da Família (PSF). Programa que
hoje se tornou política nacional através das Estratégias de Saúde da Família (ESF). Política
nacional que como estratégia atualmente é paulatinamente implementada nas realidades
municipais em confronto com as antigas lógicas assistenciais de atendimento: as UBS:
Esta perspectiva tornou-se universal, nas origens do Estado moderno, interessado
nas necessidades individuais, familiares e comunitárias, de seguridade social e de
serviços organizados. Para Rosen (1994), nada pode ser tão fascinante quanto a
transformação do Estado Liberal, não intervencionista, „vigia noturno‟ do século
XIX, para o Estado do Bem-Estar Social. Estruturam-se os departamentos de saúde
preventiva (Elias, 2004), os currículos de cursos de saúde pública nas escolas
médicas (Fonseca, 1997), os órgãos de saúde previdenciária, os programas de
controle das patologias de transmissão populacional, entre outros (RABELLO, 2010,
p. 70).
33
Atualmente vivenciamos este confronto entre modelos assistencial versus preventivo
na saúde pública brasileira. Após quase meio século de uma política de atendimento
assistencial e centralizado, as medidas de atendimento preventivo e fracionada em níveis de
complexidade (primária, secundária e terciária) sofre críticas da população não acostumada
com esta nova lógica de atendimento em saúde pública. Para, além disso, a iatrogênese social
que delega a primazia do ato médico sobre todas as demais medidas sanitárias possíveis engendra
um ordenamento social espúrio. Um ordenamento social que elitizou o atendimento médico em
clínicas particulares altamente rentáveis. Relegando aos demais profissionais de saúde receberem
em média quatro vezes menos do que os demais profissionais médicos que possuem igual nível de
formação acadêmica que os mesmos.
Não conhece o SUS, ou o que seja promover saúde. Saúde pública é para
sanitaristas. Desconhece ou nega que epidemiologia é a base de seu raciocínio.
Acredita que, se a maioria da categoria médica pensa de uma forma, nada vai mudar
nas políticas de saúde (nem para ele), por isso não precisa estar atualizado nelas. O
melhor lugar para pedir exames é uma clínica que já tenha laboratório ou um
hospital (DA ROS, 2004, p.239).
Nessa conjuntura de formação e profissionalização dos profissionais da área de saúde,
surge a necessidade de novas abordagens que deem conta não somente dessa guinada que
ocorreu junto ao modelo de saúde pública adotada pelos governos. Mas também que deem
conta de novas relações que devam ser estabelecidas entre a Sociedade Civil e o Estado que
possam resolver não somente as demandas epidemiológicas, mas também as projeções
estatísticas que demandarão novas posturas de promoção da saúde nos próximos anos:
Tal conflagração de um novo paradigma em saúde, da incorporação dos conteúdos
sociais nesta abordagem, como uma tentativa efetiva dos atores sociais de
ampliarem a apropriação da interdisciplinaridade em seu processo de trabalho
cotidiano, possibilita a compreensão de que o tema da saúde é social e não somente
uma questão técnica e está diretamente relacionado com a forma de sociedade e de
Estado (RABELLO, 2010, p. 21).
A relação entre a Sociedade Civil e o Estado Brasileiro no que tange a saúde pública é
um território em disputa. Na saúde pública brasileira existem inúmeros aparatos de controle
social por parte da população para com as políticas acionadas nos governos atuantes dentro do
Estado. Entretanto como já apontamos em nosso estudo anterior (FÜHR, 2013), estes espaços
se encontram fragmentados em função de suas condições de mobilização, organização e
estruturação estarem debilitados e não contarem com aporte de uma sociedade civil
organizada de forma que amparem estes espaços na maioria das realidades municipais.
34
O SUS como aparato ideológico do Estado, tal como Althusser (1985) concebe,
deveria ser resignificado pela sociedade civil como um importante instrumento de sua
promoção da saúde. Se não o for, em um curto período histórico de tempo, sua significação
enquanto promotor da saúde pública em perspectiva ampliada; perderá o seu sentido completo
em função das constantes privatizações, delegações e terceirizações que são realizados em seu
meio por parte dos agentes do Governo que administram o Estado.
Se, por um lado, o papel do Estado nesse novo cenário vem sendo questionado, é
necessário, por outro, reafirmar sua importância e acima de tudo a centralidade do
espaço público como conquista da democracia e do exercício da cidadania
(RABELLO, 2010, p. 99).
Não queremos com isso defender que o SUS seja tomado em seu escopo como uma
nova reconfiguração de um Estado de Bem-Estar Social, que como elencamos acima, nem
esteve presente, apenas foi introjetado na configuração e nos embates propugnados pelo
Movimento Sanitário junto ao Estado Brasileiro quando da gênese deste sistema. As
oposições discursivas entre as práticas de assistencialismo ou de promoção de saúde junto aos
espaços de diálogo da Sociedade Civil para com o Estado Brasileiro, estão longe de alcançar
uma resolução, já que a implementação da estrutura preventiva em saúde ainda está muito
longe de oferecer serviços que correspondam à demanda existente junto à população. O
aprofundamento desta e outras questões se fazem muito pertinentes para que Sociedade Civil
e o Estado Brasileiro possibilitem uma Saúde Pública efetiva.
Recorrentemente as produções de Teoria Política junto as Ciências Sociais se
fundamentam em conceitos e categorias basilares tais como Sociedade Civil e o Estado. Não
fugimos a esta recorrência. Entretanto, tencionamos demonstrar que mesmo a revelia das
recorrências, uma ambientação simplória do campo da Saúde Pública Brasileira junto ao
modelo do Estado de Bem-Estar Social é muito mais um recurso discursivo que foi adotado
pelo Movimento Sanitário e o Estado Brasileiro em redemocratização, do que realmente uma
intencionalidade concreta que se estabeleceu entre a sociedade civil brasileira e os governos
atuantes junto aos aparatos estatais. A adoção desta intencionalidade não deixou de ser
significativa ao conseguir inscrever o princípio do controle social da referida Sociedade Civil
para com o Estado Brasileiro. Princípio este que quando realmente apropriado junto às
Sociedades Civis organizada teria possibilidade de circunscrever novas lógicas na relação que
os aparatos estatais estabelecem em suas ações de saúde pública e demais áreas de atuação
governamental.
35
1.2 A UNIVERSIDADE BRASILEIRA E O CAMPO DA SAÚDE
Ao tratamos sobre a formação na área da saúde, não podemos somente discorrer sobre
o sistema de saúde pública brasileira (SUS), mas também devemos analisar o sistema de
ensino universitário existente em nosso país e também sobre suas relações ou não com a
Saúde Pública e o Estado. Apesar da realidade estatística e numérica demonstrar a quase total
ausência do Estado Brasileiro durante séculos perante um ensino superior democrático e
plural, mesmo assim as relações que se estabeleceram entre a universidade brasileira e o
Estado sempre foram estreitas:
Importante ressaltar ainda que essa Universidade foi para o Brasil um
empreendimento educacional, um acontecimento histórico, mas não transcendente.
Foi uma organização auspiciada pelo Governo que, por vicissitudes políticas, teve o
curso de seu projeto interrompida e posteriormente modificado (FÁVERO, 1977, p.
43).
As vicissitudes políticas engendraram um modelo de ensino superior brasileiro que
intencionalmente restringiu o acesso do ensino superior público a pequenas parcelas da elite
brasileira. A margem e a reborda disso estruturou-se uma demanda de ensino superior privado
que abarcou a classe média ascendente e emergente e que mesmo nessa condição se tornou
hegemônica em número de instituições e matrículas existentes.
Embora só a usassem raramente e em fins limitados as nossas “escolas superiores”
nasceram, cresceram e se expandiram sob um clima de grande liberdade intelectual.
Elas exprimiram de tal modo os interesses sociais e os valores culturais, que
impregnavam a concepção do mundo das classes sociais dominantes e dirigentes,
que não havia a necessidade de levantar-se o problema de saber-se o que elas
deveriam representar como força social, cultural e política. Aquilo que os sociólogos
norte-americanos chamam de controles reativos, que operam de modo espontâneo e
indireto, mas contínuo e profundo, era suficiente para ajustá-las às expectativas dos
referidos círculos sociais. A diferenciação recente da sociedade, com suas
repercussões na organização do poder econômico, social e político, fez com que essa
homogeneidade fosse condensada e desaparecesse aos poucos. Não só setores
extensos dos corpos docente e discente passaram a ser recrutados em várias camadas
sociais (...) (FERNANDES, 1975, p.30).
Os números demonstram que infelizmente por inúmeras condições sociais o acesso,
permanência e conclusão do ensino superior brasileiro foi recurso escasso e prerrogativa de
pequena parcela da população em idade propícia para a oferta desta modalidade de educação:
36
Evolução das Estatísticas do Ensino Superior - Brasil 1962 – 1998
Ano Docentes Matrícula
(B/A) Concluintes Vagas Inscrições
(D/C) Ingressos (A) (B) Oferecidas (D)
1962 25.213 107.509 4,3 ... ... ... ... ...
1963 28.944 124.214 4,3 19.049 ... ... ... ...
1964 30.162 142.386 4,7 20.282 ... ... ... ...
1965 33.135 155.781 4,7 22.291 ... ... ... ...
1966 36.109 180.109 5,0 24.301 ... ... ... ...
1967 38.693 212.882 5,5 30.108 ... ... ... ...
1968 44.706 278.295 6,2 35.947 ... ... ... ...
1969 49.547 342.886 6,9 44.709 ... ... ... ...
1970 54.389 425.478 7,8 64.049 145.000 328.931 2,3 ...
1971 61.111 561.397 9,2 73.453 202.110 400.958 2,0 ...
1972 67.894 688.382 10,1 96.470 230.511 449.601 2,0 ...
1973 72.951 772.800 10,6 135.339 261.003 574.708 2,2 ...
1974 75.971 937.593 12,3 150.226 309.448 614.805 2,0 ...
1975 83.386 1.072.548 12,9 161.183 348.227 781.190 2,2 ...
1976 86.189 1.096.727 12,7 176.475 382.418 945.279 2,5 ...
1977 90.557 1.159.046 12,8 187.973 393.560 1.186.181 3,0 ...
1978 98.172 1.225.557 12,5 200.056 401.977 1.250.537 3,1 ...
1979 102.588 1.311.799 12,8 222.896 402.694 1.559.094 3,9 ...
1980 109.788 1.377.286 12,5 226.423 404.814 1.803.567 4,5 356.667
1981 113.899 1.386.792 12,2 229.856 417.348 1.735.457 4,2 357.043
1982 116.111 1.407.987 12,1 244.639 421.231 1.689.249 4,0 361.558
1983 113.779 1.438.992 12,6 238.096 ... ... ... ...
1984 113.844 1.399.539 12,3 227.824 ... ... ... ...
1985 113.459 1.367.609 12,1 234.173 430.482 1.514.341 3,5 346.380
1986 117.211 1.418.196 12,1 228.074 442.314 1.737.794 3,9 378.828
1987 121.228 1.470.555 12,1 224.809 447.345 2.193.861 4,9 395.418
1988 125.412 1.503.555 12,0 227.037 463.739 1.921.878 4,1 395.189
1989 128.029 1.518.904 11,9 232.275 466.794 1.818.033 3,9 382.221
1990 131.641 1.540.080 11,7 230.206 502.784 1.905.498 3,8 407.148
1991 133.135 1.565.056 11,8 236.377 516.663 1.985.825 3,8 426.558
1992 134.403 1.535.788 11,4 234.267 534.847 1.836.859 3,4 410.910
1993 137.156 1.594.668 11,6 240.269 548.678 2.029.523 3,7 439.801
1994 141.482 1.661.034 11,7 245.887 574.135 2.237.023 3,9 463.240
1995 145.290 1.759.703 12,1 254.401 610.355 2.653.853 4,3 510.377
1996 148.320 1.868.529 12,6 260.224 634.236 2.548.077 4,0 513.842
1997 165.964 1.945.615 11,7 274.384 699.198 2.711.776 3,9 573.900
1998 165.122 2.125.958 12,9 ... 776.031 2.858.016 3,7 651.353 Fonte: MEC/INEP/SEEC
Na profusão dessa conjuntura do ensino superior brasileiro, com a derrocada da
Ditadura Militar e a reestruturação do neoliberalismo democrático na década de 90 do século
passado, o Estado Brasileiro através do Ministério da Educação – MEC facilitou de forma
desregulamentada a profusão de Instituições de Ensino Superior – IES‟s privadas com baixo
nível de exigências legais para suas aparições junto ao mercado do ensino superior brasileiro.
37
O modelo emergente de relação entre os sistemas de ensino superior, as suas
instituições e o Estado pode ser mais claramente compreendida se comparada com
os modelos anteriores: os modelos do Estado facilitador e do Estado interventor
(MAGALHÃES, 2004, p. 101).
O Estado Brasileiro assume então uma postura que os estados nacionais da Europa e
América do Norte haviam adotado já na década de 1960. Ao invés de somente facilitar a
instalação das IES‟s privadas, o Estado Brasileiro começa a intervir não como um agente
indutor do ensino superior através de sua própria estrutura, mas como um abalizador da
qualidade do ensino superior ofertado pelas instituições privadas de ensino.
Surgem instrumentos de avaliação estatal das IES‟s como o Exame Nacional de
Cursos (Provão), realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira – INEP de 1996 até 2003. Em 2004 começaram a ser
realizados: o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes – ENADE e o Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES, que direta ou indiretamente
forneceram e fornecem dados para o Censo Universitário, a Avaliação Institucional e a
Avaliação dos Cursos de Graduação. Todos eles instrumentos estatais realizados pela INEP
para aferição da qualidade do ensino superior ofertados pelas IES‟s.
O Censo Universitário de 2011, cujos dados estão disponíveis, demonstram a
hegemonia privada na oferta do ensino superior brasileiro. Apesar das universidades públicas
terem uma relativa vantagem em número, se levarmos em conta o número total de IES‟s (o
que contempla além das universidades, também os centros universitários, as faculdades, os
Institutos Federais de Educação – IF‟s e os Centros Federais de Educação Tecnológica –
CEFET‟s), a categoria administrativa privada perfaz aproximadamente 88% do número de
IES‟s, enquanto a categoria administrativa pública aproximadamente apenas 12%.
Ilustração 2: Tabela com número e percentual de IES por organização acadêmica:
38
Quanto às matrículas existentes tendo como base a categoria administrativa,
aproximadamente 5 milhões de estudantes ou aproximadamente 74,63% dos graduandos
cursam em IES‟s privadas, perante apenas 1,7 milhão de estudantes ou aproximadamente
25,37% dos graduandos que estudam em IES‟s públicas.
Ilustração 3: Tabela com percentual de matrículas de graduação presencial:
Também conforme o Censo Universitário de 2011, a área genérica de Saúde e Bem-
Estar Social é a terceira categoria de matrículas mais abrangente no Sistema de Ensino
Superior Brasileiro. A área corresponderia a aproximadamente 13,9% das matrículas
existentes (aproximadamente 936.817 matriculandos e 326.191 ingressantes) e 14,9% do
percentual de concluintes (aproximadamente 151.491 formandos) somente no ano de 2011.
Ilustração 4: Tabela com percentual de matrículas e concluintes segundo áreas gerais:
39
Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE em termos das
ocupações e atividades de saúde no Brasil, a saúde pública brasileira corresponde por 32,8%
do total de ocupações deste ramo de serviços. Isso a torna a primeira atividade em termos
percentuais das ocupações existentes na área da saúde brasileira.
Ilustração 5: Gráfico com percentual das ocupações nas atividades de saúde:
Entretanto conforme o próprio IBGE ressalta, a distribuição das faixas conforme o
percentual de ocupações na área da saúde é muito imbricante e relativa, já que o SUS
estabelece várias relações com a iniciativa privada. Relações estas que em algumas áreas tais
como o comércio de produtos ortopédicos, fabricação de aparelhos para usos médicos
hospitalares e odontológicos, assistência médica suplementar e fabricação de produtos
farmacêuticos em várias realidades municipais e estaduais chegam a cobrir a totalidade de
préstimos financiados pelo aparato público estatal.
Além de produzir serviços de saúde e medicamentos e de distribuir medicamentos
que a própria administração pública fabrica ou compra da indústria farmacêutica, a
administração pública também adquire serviços de prestadores privados no mercado.
Esses serviços, ofertados gratuitamente à população, são computados como despesa
de consumo mercantil das administrações públicas. Constituem uma produção das
atividades integrantes dos serviços de saúde privados financiada pela saúde pública
(IBGE, 2008, p.18).
40
Dessa forma a saúde pública acaba não sendo apenas a primeira colocada na área
percentual de ocupação da saúde brasileira, mas acaba também sendo indiretamente a
majoritária financiadora e agenciadora dos profissionais de saúde brasileiros. Outros dados
estatísticos recentes do IBGE também demonstram o crescimento tanto do vínculo formal
quanto geral na área da saúde pública brasileira nos últimos anos em que tais dados foram
medidos estatisticamente pelo instituto oficial.
Ilustração 6: Gráficos com total de atividades e vínculos em saúde:
O crescimento dos postos de trabalho no nível superior também obtiveram um
crescimento bem interessante nos últimos anos conforme medição realizada pelo IBGE (2000-
2005). Isso ocorreu não somente em função do aumento no múmero de matrículas nas IES‟s,
mas também em função do surgimento de novos cursos na área (quiropraxia, biomedicina e
formações específicas em saúde coletiva), assim como a abertura de cursos na área que até
então eram concetrados nas grandes capitais ou regiões brasileiras e que foram interiorizados
por IES‟s ou campis novos tanto de universidades privadas como públicas:
Os estabelecimentos de saúde ofertaram 870 361 postos de nível superior em 2005,
passando para 1 104 340 em 2009, crescimento de 26,9% no período (...). O
aumento dos postos de trabalho de nível superior foi mais acentuado na Região
Norte, onde se observa acréscimo de 42,0% entre 2005 e 2009. Nas demais regiões,
o crescimento de postos de trabalho de nível superior está entre 21,8% e 28,3%
(IBGE, 2010, p. 45).
41
Até o ano de 2005, conforme o IBGE existiam 1.271.483 profissionais trabalhando
junto a saúde pública brasileira. Um crescimento perceptível desde o ano 2000, que segundo
as estimativas não parou de crescer desde então até os dias de hoje.
Ilustração 7: Gráfico com postos de trabalho de nível superior em saúde:
No computo total dos postos de trabalho no País, as atividades de saúde correspondem
a 4% do total existente. Os dados apresentados demonstram que a área da saúde e da saúde
pública como um todo deverão crescer consideravelmente em nosso país por vários motivos
sociais. Um fator populacional implicará drasticamente não somente na área da saúde pública,
mas também no campo da saúde como um todo, inclusive na área da saúde privada, que será a
drástica inversão na pirâmide populacional brasileira a partir de 2030 e acentuando-se
drasticamente a partir de 2050.
As atividades de saúde foram diretamente responsáveis por mais de 4% do total de
postos de trabalho no País entre 2000 e 2005. Houve um pequeno aumento
proporcional dos postos de trabalho na saúde em relação às demais atividades
econômicas, e as ocupações em saúde passaram de 4,1% do total de ocupações, em
2000, para 4,3 %, em 2005. Em números absolutos, em torno de 660 mil novos
postos de trabalho foram criados pelas atividades de saúde no período (IBGE, 2008,
p.47).
Os dados acima apresentados demonstram o reflexo de uma realidade social em que o
estudo da educação no ensino superior e sua relação com a saúde pública no ordenamento dos
recursos humanos pra essa área é importante não somente enquanto estudo das determinadas
políticas públicas que estão sendo implementadas nesse sentido, mas também em função dos
discursos e das práticas suscitados pelos sujeitos que participam nas mesmas e seus reflexos
diretos.
42
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Conforme levantamento bibliográfico prévio realizado e publicado por Maranhão
(2013, p.4) para sua dissertação de mestrado junto ao Programa de Pós-Graduação em Saúde
Pública da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), existem atualmente: “3
(três) dissertações e teses, 4 (quatro) artigos científicos, 8 (oito) Trabalhos de Conclusão de
Curso - TCC de graduação e pós-graduação, e 173 (cento e setenta e três) resumos em anais
de eventos” que tratam sobre o VER-SUS. Maranhão (2013) diferente de nossa perspectiva de
pesquisa que se focaliza nos sujeitos que participam do VER-SUS atualmente pretende
resgatar a trajetórias dos sujeitos que participaram do Projeto-Piloto do VER-SUS em 2003 e
edições iniciais que foram logo posteriores.
Os autores das dissertações: Torres (2009), Valença (2011); e da tese: Bilibio (2009);
estiveram implicados com o processo de organização das experiências VER-SUS/RS 2002,
VER-SUS/RN 2006-2009 e VER-SUS/Brasil 2003-2005 que analisaram respectivamente e
apontam na:
“(...) tese de Bilibio (2009, p.5) vem no sentido de realizar um exercício de
problematização (...) de encontros oportunizados pelo VER-SUS, formulação na
perspectiva da micropolítica do processo de trabalho em saúde e que podem ser
endereçadas à formação de profissionais de saúde. Como principais resultados e/ou
considerações acerca da temática VER-SUS Torres (2005) e Valença (2011)
elaboraram acerca de elementos como: caracterização dos estágios de vivência;
proposição metodológica dos estágios; relação do VER-SUS com os cenários e
práticas de ensino/aprendizagem tradicionais; contribuições do VER-SUS para
mudanças na formação de profissionais de saúde e aproximação com a comunidade;
relação do VER-SUS com metodologias ativas e/ou problematizadoras de
aprendizagem; e importância dos estudantes facilitadores no VER-SUS como
condutores da aproximação dos estudantes com o SUS (MARANHÃO, 2013, p. 4-
5).
Nestas produções os autores apresentam o VER-SUS como: “espaços de encontros
entre estudantes e determinadas realidades (Torres, 2005, p.71)” de experimentações
micropolíticas que deixam “um rastro de signos e serem traduzidos, a serem interpretados”
(Bilibio 2009, p.30) em “contextos que envolvem a formação de profissionais de saúde com
corações e mentes voltados para o SUS” (Valença 2011, p. 26).
Dos artigos publicados, três deles: Alves; Cardoso; Dimkoski (2005); Canônico;
Brêtas (2008); e Mendes et al. (2012) tratam do relato de experiências; e o quarto Riquinho;
Capoani, (2002) se trata de uma pesquisa realizada com estudantes egressos da experiência
VER-SUS de forma qualitativa. Os resultados explicitados pelos mesmos indicam que:
43
Os principais resultados e/ou considerações apresentadas nos artigos sugerem a
importância da vivência no cotidiano de sistemas e serviços de saúde proporcionada
pelo VER-SUS; além da necessidade de mudança na formação profissional dos
estudantes de graduação, no sentido de estimular o compromisso com o SUS, com a
comunidade, com trocas de saberes entre diferentes profissionais; que a participação
no VER-SUS acrescenta conhecimento individual aos estudantes no que se refere à
discussão do SUS como política pública; que amplia a formação dos estudantes na
medida em que este se aproxima de outras formações, pelo contato com estudantes,
trabalhadores e com usuários; que promove uma formação comprometida por meio
da articulação de aspectos éticos, técnicos, políticos e de relacionamento
interpessoal; e por fim, reforça a importância do movimento estudantil na construção
das experiências VER-SUS, assim como a experiência VER-SUS incentiva o
estudante a participar de movimentos sociais, em especial, movimento estudantil
(MARANHÃO, 2013, p. 6).
Quanto as Trabalhos de Conclusão de Curso - TCC, Maranhão (2013) denota que teve
problemas em ter acesso porque 4 (quatro) dos 8 (oito) TCC‟s que abordam o VER-SUS
“quatro não disponibilizam sequer o resumo pelo sitio da biblioteca, o que dificultou a análise
de revisão”. Mesmo assim, pode-se perceber de que se tratavam de 5 (cinco) trabalhos de
graduação: Souza (2004); Leal (2005); Garcia (2005); Guimarães (2006); e Tomimatsu
(2006); e de 3 (três) de especialização Rocha (2004); Souza (2009); e Santos (2009).
Maranhão (2013) com base nisso aponta que das produções de que teve acesso:
Quanto aos objetivos e metodologias não foi possível analisar pela indisponibilidade
de acesso aos textos completos e/ou resumos das obras. Pode-se supor, analisando os
títulos dos trabalhos3, que a discussão sobre o VER-SUS ocorreu nos TCC‟s, tanto a
partir de perspectivas estudantis como de gestões municipais. Além disto, houve
proposta de análise comparativa entre VER-SUS e Projeto Rondon (MARANHÃO,
2013, p. 7).
No que se refere aos 173 (cento e setenta e três) resumos em anais de eventos que
Maranhão (2003, p.8) analisou por tratarem sobre o VER-SUS, a autora explicita que não
“(...) houve sucesso nessa pesquisa porque a organização da busca dos trabalhos aprovados
solicita o preenchimento de no mínimo três itens dos cinco possíveis, sendo eles: palavra
contida no título, palavra contida no resumo, autor, coautor e instituição”. Ora, a pesquisadora
não sabendo de antemão o nome dos autores, dos coautores e instituição de origem de quem
escreveu os resumos não pode ter acesso a possíveis resumos e anais que tenham abordado o
VER-SUS. Entretanto, a própria Associação Brasileira Rede Unida, um dos agentes
implicados na realização do VER-SUS, vem organizando congressos para debater a parceria
entre as IES, serviços de saúde e organizações comunitárias. Com isso então Maranhão (2003,
p.8) teve acesso e pode realizar a análise específica sobre resumos e anais:
44
Os resumos apresentados do 6º ao 8º congresso são referentes às experiências do
VERSUS/ Brasil de 2003-2005; os resumos do 9º Congresso tratam, em sua maioria,
de duas vivências específicas - VER-SUS/GHC (julho de 2009 - RS) e VER-
SUS/UNISC (janeiro de 2010-RS), e ainda do EVSUS (dezembro de 2009 – BA); os
resumos do 10º Congresso, onde é possível observar um aumento expressivo no
número de trabalhos, se referem em grande parte, as experiências do VER-
SUS/Brasil 2011-2012, também apresentando outras modalidades de VER-SUS. É
necessário informar que no último congresso da Rede Unida analisado houve um
evento específico para apresentação de trabalhos sobre VER-SUS, intitulado Mostra
de Experiências VER-SUS/Brasil, que contemplou 140 trabalhos do total de 148
apresentados em todo o 10º Congresso (Maranhão, 2003, p.8).
Maranhão (2003) classificou os artigos com base então nas suas ênfases de estudo
vindo a elaborar o seguinte gráfico:
Ilustração 8: Gráfico dos resumos sobre o VER-SUS nos Congressos Rede Unida:
Fonte: Congressos Rede Unida – 6º ao 10º- junho de 2013. Elaboração: Maranhão, 2013.
Após esta breve revisão bibliográfica de como vem sendo abordado o assunto VER-
SUS nos meios acadêmicos; percebemos que existem algumas contribuições que uma análise
sociológica pode vir a contribuir para que se descortine uma análise crítica das relações de
sociabilidade e constituição de identidades dos sujeitos em formação na área da saúde no que
condiz aos discursos ideológicos que são referendados através dos aparatos estatais e
universitários na realização das Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de
Saúde. Pelo que se percebeu através da revisão bibliográfica realizada por Maranhão (2003),
ainda não foi proposto uma “relacionabilidade”, ao invés de generalizações, conforme
concebe Bell (2008, p.18), de que discursos estão estes assumidos como sendo dos aparatos
estatais, sociais e das próprias IES no que condiz a formação de recursos humanos no campo
da saúde nestes espaços que se alcunham ser de vivência e estágios da realidade.
45
3. REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
Depois de termos evidenciado o que entendemos por aparatos estatais e universitários
que estão relacionados ao nosso objeto de pesquisa; julgamos importante apresentar
sucintamente quais são as vertentes teóricas e metodológicas que nos abalizam em nossas
construções conceituais. A vertente teórica da “virada linguística” ou do “giro linguístico”
(dependendo de como é nomeado/a pelos diferentes autores e teóricos) é uma vertente teórica
que “foi precipitada por críticas ao positivismo, pelo prodigioso impacto das idéias
estruturalistas e pós-estruturalistas e pelos ataques pós-modernistas à epistemologia (GILL in
BAUER; GASKELL, 2002, p.245)”:
“Giro linguístico" e uma expressão que esteve em moda nos anos 1970 e 1980 para
designar uma certa mudança que ocorreu na filosofia e em várias ciências humanas e
sociais, e que as estimulou a dar uma atenção maior ao papel desempenhado pela
linguagem, tanto nos próprios projetos dessas disciplinas quanto na formação dos
fenômenos que elas costumam estudar (GRACIA in IÑIGUEZ, 2004, p.19).
Descendendo de várias correntes teóricas que lhe foram anteriores, o giro linguístico
tem na verdade uma origem muito anterior às décadas de 70 e 80 do século passado. Ela já
insinua sua gênese no século XIX com Ferdinand de Saussure, que imiscuído de pressupostos
hegelianos vai tencionar estudar a língua por si mesma e em si mesma:
A primeira dessas rupturas, liderada por Ferdinand de Saussure (1857-1913),
instituiu, na verdade, a linguística moderna, dotando-a de um programa de alguns
conceitos e de uma metodologia que viabilizavam o estudo rigoroso da língua
considerada “por si mesma e em si mesma” (GRACIA in IÑIGUEZ, 2004, p.21).
A segunda contribuição para que o “giro linguístico” viesse a ser concebido, partiu da
escola descritivista proposta por Gottlob Frege e Bertrand Russel, que segundo Laclau in
Amaral & Burity (2006, p. 26), apregoava que os “nomes se referem às coisas através da
mediação dos conceitos” e não como a escola anti-descritivista viria a criticar posteriormente
formulando que se “aplicamos um nome a um objeto sem que o nome implique em quaisquer
características descritivas”:
A segunda ruptura, iniciada por Gottlob Frege (1849- 1925) e por Bertrand Russell
(1872-1970), fez com que o olhar da filosofia, até então voltado para o mundo
interior e privado das entidades mentais, se voltasse para o mundo passível de ser
objetivado e público das produções discursivas. Assentavam-se, assim, as bases para
uma nova forma de entender e de praticar a filosofia que, sob a denominação de
"filosofia analítica", dominaria o cenário da filosofia anglo-saxã durante mais de
meio século (GRACIA in IÑIGUEZ, 2004, p.21).
46
Desse modo a linguística passa a ser mote de interesse de diversas vertentes teóricas e
disciplinares que percebem a importância que a linguagem e suas utilizações implicam em
seus estudos e formulações. Nas Ciências Sociais e Humanas não foi diferente. Por diferentes
influências o giro linguístico influenciou autores como Ludwig Wittgenstein (1889-1951),
Gilbert Ryle (1900-1976), John Austin (1911-1960), Peter Strawson (1919), Paul Grice
(1913-1988), Noam Chomsky (1928-) e outros em diferentes vertentes teóricas:
Os sucessos alcançados pela linguística moderna, tanto no marco da orientação
estruturalista iniciada com as contribuições de Ferdinand de Saussure, quanto no
marco da orientação generativa elaborada fundamentalmente por Noam Chomsky
(1928-) no final dos anos 1950, tiveram ampla repercussão em vastos setores das
ciências sociais e humanas que viram na linguística um modelo exemplar ao que
podiam recorrer diretamente quando abordavam os objetos de suas próprias
disciplinas (GRACIA in IÑIGUEZ, 2004, p.21-22).
A recorrência da linguística, segundo Gracia in Iñiguez (2004, p.46), priorizaria a
substituição da “relação „ideias/mundo‟ pela relação „linguagem/mundo‟ e. afirma que para
entender tanto a estrutura de nosso pensamento quanto o conhecimento que temos do mundo e
preferível olhar para a estrutura lógica de nossos discursos”. Desse modo o papel da
linguagem junto as Ciências Sociais foi reconhecido de diferentes maneiras e modos nos
aspectos teóricos e metodológicos de utilização da mesma:
O papel da linguagem nas ciências sociais foi reconhecido inicialmente quando se
percebeu que leva-la em consideração poderia ter um grande interesse metodológico
para o desenvolvimento da ciência e dos pensamentos sociais. Naquele momento,
aproveitaram-se das experiências acumuladas da linguística e dos estudos da
comunicação para completar, e as vezes substituir, o arsenal de técnicas e
procedimentos metodológicos disponíveis. Surge assim o uso de métodos como a
Análise de Conteúdo (...) e as várias modalidades da Análise do Discurso (...)
(IÑIGUEZ, 2004, p.97).
A linguagem então “não é vista como um mero epifenômeno, mas como uma prática
em si mesma. As pessoas empregam o discurso para fazer coisas (...). Realçar isto é sublinhar
o fato de que o discurso não ocorre em um vácuo social (GILL in BAUER; GASSKELL,
2002, p.248)”. Desse modo a “expressão processo discursivo passará a designar o sistema de
relações de substituição, paráfrases, sinonímias, etc., que funcionam entre elementos
linguísticos – “significantes” – em uma formação discursiva dada (PÊCHEUX, 1995, p.161)”.
Os diferentes processos discursivos podem então ser utilizados para análise das relações que
se estabelecem no social através das práticas significantes dos indivíduos. Essas relações
demonstrariam a existência material da ideologia junto aos processos discursivos:
47
A existência da ideologia é, portanto, material porque as relações vividas, nela
representadas, envolvem a participação individual em determinadas práticas e rituais
no interior de aparelhos ideológicos concretos. Em outros termos, a ideologia se
materializa nos atos concretos, assumindo com essa objetivação um caráter
moldador das ações (BRANDÃO, 1993, p.23).
Retomamos aqui então as teses de Althusser sobre a ideologia que já utilizamos em
nossa publicação anterior (FÜHR, 2013). Elas agora são transpostas para a linguagem em
função do giro linguístico que Michel Pêcheux possibilitou a análise estruturalista de
Althusser. O interessante é que com este giro temos também a retomada do que seria
indivíduo, ou melhor do indivíduo que já é sempre sujeito em função da ideologia que o
interpela desde sempre a posição de sujeito através do efeito retroativo:
Na verdade, o que a tese “a ideologia interpela os indivíduos em sujeitos” designa é
exatamente que “o não-sujeito” é interpelado-constituído em sujeito pela ideologia.
Ora, o paradoxo é, precisamente, que a interpretação tem, por assim dizer, um efeito
retroativo que faz com que todo indivíduo seja “sempre-já-sujeito”; ao examinar os
diferentes elementos com os quais nos deparamos no começo da segunda parte deste
trabalho (PÊCHEUX, 1995, p.155).
Segundo Brandão (1993, p.63), Pêcheux parte das teses de Althusser para demonstrar
que a ideia de sujeitos “implicam uma dimensão social mesmo quando no mais íntimo de suas
consciências realizam opções morais e escolhem valores que orientam sua ação individual”
denotando em suas práticas discursivas e materiais a interpelação ideológica que lhes
reinscrevem.
Para Pêcheux (1995, p. 73) o “ideológico, enquanto “representação” imaginária, está,
por essa razão, necessariamente subordinada às forças materiais que dirigem os homens (as
ideologias práticas, segundo a terminologia de Althusser), reinscrevendo-se nelas”. Desse
modo as ideologias não representam puras concepções de ideias que estabelecem uma
mediação entre teoria e prática. As ideologias tem uma materialidade prática e discursiva que
lhes são inerentes.
Nesse sentido, não há um discurso ideológico, mas todos os discursos o são. Essa
postura deixa de lado uma concepção de ideologia como “falsa consciência” ou
dissimulação, mascaramento, voltando-se para outra direção ao entender a ideologia
como algo inerente ao signo em geral (BRANDÃO, 1993, p.27).
O giro linguístico desenvolvido por Pêcheux através de Althusser avança para além da
concepção negativa que se convencionou formular da ideologia através das leituras
marxianas. Não que a concepção marxiana de ideologia deva ser relegada, mas sim de que a
48
percepção de que a ideologia extrapola o mascaramento, a “lente invertida” ou da “falsa
consciência”; e alcança os signos em geral que estão presentes nos diferentes processos
discursivos existentes junto ao meio social em que os indivíduos desde sempre já sujeitos se
encontram. Os sujeitos, desde sempre já sujeitos, perpassariam então um processo de sua
identificação com determinadas formações discursivas em detrimento de outras:
A identificação do sujeito do discurso com a formação discursiva que o domina
constitui o que Pêcheux chama a “forma-sujeito”. A forma-sujeito é, portanto, o
sujeito que passa pela interpelação ideológica ou, em outros termos, o sujeito
afetado pela ideologia (BRANDÃO, 1993, p.65).
Os diferentes discursos existentes interpelam através da ideologia a “forma-sujeito”
que a identificação possibilita resultar. A posição então fica clara como afirma Orlandi (1987,
p. 224) quando “(...) todo discurso deve ser referido a uma formação ideológica, isto é, há
uma relação necessária entre discurso e ideologia”. Desse modo não existe dicotomia entre
discurso e prática ou entre ideologia e sujeito. Sendo todo sujeito desde o princípio um sujeito
em razão da ideologia expressada em práticas e rituais que o sobredeterminam, a noção de
indivíduo da modernidade é suplantada já que a noção moral independente e autônoma não é
possível em seu âmago:
Podemos pensar então que o individualismo é uma ideologia moderna que apregoa a
subordinação do indivíduo à totalidade social, assim se divulga um ser moral
independente e autônoma sem qualquer responsabilidade ou implicação com as
questões sociais e políticas, características essas, por assim dizer, do indivíduo
moderno (LARA JR., 2010, 75-76).
Dessa forma as noções de indivíduo e sociedade não são possíveis em suas essências
positivistas tal como havia sido criticado nas postulações de Adorno (2008). Elas são
construções teóricas somente possíveis enquanto práticas articulatórias e de relação. A
ideologia se evidencia nos discursos que definem as relações estabelecidas nas práticas dos
indivíduos desde sempre já sujeitos.
Esta é a proposição radical que a dialética presente na Escola de Frankfurt e em
releituras pós-estruturalistas do giro linguístico apresentam. A identificação dos sujeitos com
determinadas práticas e discursos são sobredeterminadas pelas ideologias e não dadas pelo
acaso. A sobredeterminação não atua no cerne, mas no limite do social em que os discursos e
as práticas são ritualizados e estabelecidos reciprocamente e não essencializados de forma a
prezar a conservação positivista.
49
3.1 O CAMPO DE PESQUISA
Apresentamos anteriormente a importância que as Ciências Sociais possibilitam para
os estudos e os debates atuais do campo da saúde. A saúde em sua abrangência ampliada de
implicações e determinantes permitem inúmeros canais de diálogo não somente com as
Ciências Sociais, mas com outros campos disciplinares correlatos. Uma aparente dicotomia se
apresenta aos pesquisadores tanto das Ciências Sociais como do campo da saúde. A dicotomia
inexata entre qualitativo – quantitativo se insurge como se ambos fossem totalmente
contraditórios e como se nas pesquisas qualitativas não houvesse nenhum tipo de dado
quantitativo e vice-versa:
Trazendo o debate do “qualitativo” para o campo da Saúde presencia-se o eclodir de
questões semelhantes às do âmbito maior das Ciências Sociais. Isso se deve ao fato,
em primeiro lugar, de que a saúde não institui nem uma disciplina nem um campo
separado das outras instâncias da realidade social (...) (MINAYO, 2000, p. 21).
Por isso a denotação “qualitativa” em nossa perspectiva metodológica de pesquisa, se
refere muito mais a uma predisposição do pesquisador em si do que uma oposição
contraditória as pesquisas “quantitativas” por excelências assim descritas. Ao inserirmos o
termo “qualitativo” em nossa abordagem de pesquisa, estamos nos predispondo a uma relação
atitudinal de abertura, flexibilidade, capacidade de observação e principalmente de interação
com o grupo de sujeitos sociais envolvidos durante o percurso do estudo agora apresentado.
A investigação qualitativa requer como atitudes fundamentais a abertura, a
flexibilidades, a capacidade de observação e de interação com o grupo de
investigadores e com os atores sociais envolvidos. Seus instrumentos costumam ser
facilmente corrigidos e readaptados durante o processo de trabalho de campo,
visando às finalidades da investigação. Mas não se pode ir para a atividade de campo
sem se prever as formas de realiza-lo. Improvisá-lo significaria correr o risco de
romper os vínculos com o esforço teórico de fundamentação, necessário e presente
em cada etapa do processo de conhecimento (MINAYO, 2000, p. 101).
Tendo por base a proposta de pesquisa elencada, denota-se que o estudo aqui
apresentado se delineará como sendo de forma descritiva e elucidativa. Nessa configuração,
optamos pela modalidade de pesquisa que julgamos mais apropriada a ser utilizada que
acreditamos ser a AD porque em nossa abordagem teórica “dissemos mais acima que “os
indivíduos são „interpelados‟ em sujeitos falantes (em sujeitos de seu discurso) por formações
discursivas que representam „na linguagem‟ as formações ideológicas que lhe são
correspondentes” tal como Pêcheux (1995, p.214) nos permite pensar:
50
O conceito básico para a AD é o de condições de produção. Essas condições de
produção caracterizam o discurso, o constituem e como tal são objeto da análise.
Essa modificação na perspectiva do objeto traz consigo a necessidade de se ver a
enunciação não como desvio mas como processo constitutivo da matéria enunciada
(ORLANDI, 1987, p.110).
Ao utilizarmos então a AD, como modalidade de pesquisa, não adentramos numa
perspectiva estreita como uma crítica rápida poderia auferir. Ao enfocarmos as condições de
produção não nos limitamos à perspectiva estruturalista do “sujeito da produção”, mas
também potencializamos uma perspectiva pós-estruturalista da “produção do sujeito” em seus
contextos de discursividades e práticas materializadas tal como Zizek (2003) propõe esta
superação dicotômica e conceitual hoje presente nos debates teóricos e metodológicos:
O que também nos permite colocar a questão do sujeito de maneira radicalmente
diferente em relação ao “pós-estruturalismo”. O gesto fundamental do “pós-
estruturalismo” é a inversão do tema do “sujeito da produção” na “produção do
sujeito”: “o sujeito da produção” (centro autônomo, ativo, produtivo, que se objetiva
e produz seu mundo) é ele mesmo, produzido, efeito específico do processo textual
trans-subjetivo – o efeito-sujeito, que são as diversas “posições do sujeito”, os
diversos modos da “vivência”, da cegueira com que os indivíduos se concebem
como “autores” do processo histórico (ZIZEK, 2003, p.207).
Ainda conforme Orlandi (1987, p.13), “a AD problematiza a atribuição de sentido(s)
ao texto, procurando mostrar tanto a materialidade do sentido como os processos de
constituição do sujeito, que instituem o funcionamento discursivo” presentes nos diversos
modos de “vivência”. Nesse enfoque, nosso objeto de estudo, o VER-SUS, através da
abordagem da AD, seria analisado justamente nas atribuições de sentidos discursivos e
práticos presentes nos diversos textos que são produzidos pelos sujeitos antes, durante e após
a “vivência” ora pesquisada.
Na perspectiva metodológica da AD quando se especifica o termo texto, não se faz
menção exclusivamente aos textos escritos. A Escola Francesa da AD, seguindo os
pressupostos de Pêcheux, veio a propiciar a abrangência de outros elementos discursivos e
textuais na constituição de um corpus composto de diversas fórmulas. Sejam elas escritas ou
transcritas em documentos, oralidades ou formulações:
Como enfatizou a Escola Francesa, qualquer tipo de produção discursiva pode
constituir um corpus, embora os aspectos que são mais enfatizados pelas distintas
práticas de análise variem. (...) De forma sucinta, podemos dizer que o corpus corno
materialização do texto admite uma grande diversidade de fórmulas. Assim, são
possíveis conversações transcritas, interações institucionais transcritas, entrevistas
transcritas. Ou seja, enunciados totalmente orais ou textos previamente escritos
como artigos, documentos, informes, comunicados, estudos, formulários, etc.
(IÑIGUEZ, 2004, p.131).
51
A constituição de um corpus abrange, portanto uma gama bem variada de tipos
textuais, que para além dos documentos escritos, também incorpora todos os documentos
transcritos a partir de entrevistas em suas diferentes formas de obtenção. A AD enquanto um
tipo específico de pesquisa consegue através da textualidade dos diferentes documentos
escritos e transcritos comporem um corpora linguístico com os dados obtidos:
A palavra corpus (latim; plural corpora) significa simplesmente corpo. Nas ciências
históricas, ela se refere a uma coleção de textos. (...) Em resumo, embora signifique
em textos mais antigos um “corpo de um texto”, implique a coleção completa de
textos, de acordo com algum tema comum, mais recentemente o sentido acentua a
natureza proposital da seleção, e não apenas de textos, mas também de qualquer
material com funções simbólicas (...). O corpus linguístico, contudo, oferece uma
discussão mais sistemática. O que são corpora de linguagem? Corpora no sentido
linguístico, são coleções de dados de linguagem que servem para vários tipos de
pesquisa (BAUER; GASKELL, 2002, p.44-45).
Em nossa pesquisa pretendemos compor um corpus com um corpora no sentido
linguístico do termo que contemple entrevistas semi-estruturadas e observações participantes
inscritas em diário de campo com sujeitos que estejam à frente do VER-SUS. Sujeitos que
estejam participando junto aos coletivos estudantis da região gaúcha metropolitana e interiona
do RS. Pretendemos também contemplar os sujeitos que direta ou indiretamente representem
os diferentes aparatos estatais e sociais (representantes municipais, estaduais, nacionais e da
Rede Unida) que atuam ou atuaram (memória discursiva) na realização do VER-SUS:
Mobiliza-se, assim, no interior da Análise do Discurso, a noção de memória
discursiva. Essa noção implica o estatuto histórico do enunciado inserido nas
práticas discursivas reguladas por aparelhos ideológicos de Estado (BRANDÃO,
1993, p.79).
Conforme Bell (2008, p.136) uma “das principais vantagens da entrevista é sua
adaptabilidade”, assim como também a AD é bem adaptável aos diferentes textos discursivos
circunscritos a um objeto de estudo. Essa adaptabilidade deve estar vinculada também ao
princípio ético na conduta das entrevistas. A ética ao entrevistar deve nos guiar nesta trajetória
de interação que é a premissa do termo “qualitativo”. Premissa esta que defendemos como
sendo a relação atitudinal que teremos não somente com os sujeitos envolvidos, mas também
com as situações práticas e discursivas que dela decorrerem:
A premissa básica, em ambos os casos, é de que entrevista não é simplesmente um
trabalho de coleta de dados, mas sempre uma situação de interação na qual as
informações dadas pelos sujeitos podem ser profundamente afetadas pela natureza
de suas relações com o entrevistador (MINAYO, 2000, p. 116).
52
Mesmo não sendo a entrevista uma técnica de fácil manejo, iremos a utilizar de um
modo mais espontâneo que é a sua configuração semi-estruturada. Configuração esta que
potencializa ao entrevistador a condição de explorar questões que em princípio não haviam
sido aventadas quando estruturou as questões prévias das entrevistas. Ao nos ambientarmos
no escopo das pesquisas qualitativas, e na modalidade da AD para tratamento dos dados,
temos que ter em mente que os sujeitos participantes da pesquisa enquanto entrevistados não
representarão estatiscamente o universo existente dos coletivos estudantis que realizam e
organizam o VER-SUS junto aos aparatos estatais brasileiros. A escolha de nossos sujeitos de
pesquisa tentará alcançar oito indivíduos que sejam interpelados em seus papéis de membros
atuantes tanto nos coletivos estudantis assim como o de membros que atuam ou atuaram em
aparatos estatais, universitárias e da sociedade civil presentes na realização e organização do
VER-SUS:
Na AD, "representativo" não significa que o/a participante é estatisticamente
representativo/a da população considerada, ou que esteja próximo a média em idade,
status socioeconômico, etc. Ao contrario, significa que o/a participante esta atuando
como se estivesse no "papel" no sentido de que o que é importante sobre essa pessoa
em concreto que participa de uma interação não são suas qualidades pessoais e sim o
fato de que e membro de um grupo ou coletivo (IÑIGUEZ, 2004, p.136-137).
Além das entrevistas semi-estruturadas, pretendemos examinar as percepções dos
sujeitos sociais partícipes do VER-SUS. Intenção esta alcançada em certa medida nas
entrevistas, mas que pretendemos aprofundar nas observações participantes das vivências.
Segundo Minayo (2000, p.101) a “investigação qualitativa requer como atitudes fundamentais
a abertura, a flexibilidades, a capacidade de observação e de interação com o grupo de
investigadores e com os atores sociais envolvidos”:
Os discursos articulam o conjunto de condições que permitem as práticas:
constituem cenários que passam a facilitar ou a dificultar as possibilidades, que
fazem surgir regras e mantém relações. Definitivamente, as praticas discursivas
deixam claro que falar não só e algo mais como também e algo diferente de
exteriorizar um pensamento ou descrever uma realidade: falar e fazer algo, e criar
aquilo de que se fala, quando se fala (IÑIGUEZ, 2004, p.94-95).
A observação participante em diário de campo virá preencher uma função muito
importante em nossa pesquisa. Logo após a realização de nossas entrevistas semi-estruturadas
pretendemos ir a campo para que junto às reuniões dos coletivos estudantis e durante a própria
vivência do VER-SUS que acontecerá nas férias de verão de 2015, possamos de fato
confrontar as produções discursivas transcritas e escritas dos sujeitos com as produções
53
discursivas dos sujeitos em suas ações e práticas que também evidenciarão um corpus de
corpora linguístico:
Com outras palavras, se por um lado devemos ser diferentes, dignos, independentes,
por outro somos iguais aos demais, semelhantes a eles em quase tudo e dependentes
deles/delas. Como manter essa contradição? Como as práticas sociais mantêm e
propagam as enormes diferenças que estão a base da relação social? Definidos esses
extremos, já podemos buscar o material que exemplificará os discursos que se
relacionam com a construção da identidade (IÑIGUEZ, 2004, p.136).
Com os dados obtidos nas entrevistas semi-estruturadas e nas observações
participantes pretendemos tratar os mesmos com um tipo de análise que vá de encontro com
uma abordagem ampliada das relações possíveis que se estabelecem no campo da Saúde com
o das Ciências Sociais: a Análise do Discurso. Fundada pelo filósofo francês Michel Pêcheux
na década de 60, a AD propicia realizar um tratamento dos dados que dê conta não somente
de refletir sobre a produção de determinados discursos, mas de compreender as condições que
possibilitaram sua emissão:
O objetivo básico da Análise do Discurso é realizar uma reflexão geral sobre as
condições de produção e apreensão da significação de textos produzidos nos mais
diferentes campos: religioso, filosófico, jurídico e sócio-político. Ela visa a
compreender o modo de funcionamento, os princípios de organização e as formas de
produção social do sentido (MINAYO, 2000, p. 211).
Assim a AD está muito mais voltada para o contexto e a produção de sentidos que os
diferentes discursos suscitam junto aos sujeitos. Aponta Minayo (2000, p.212) que AD
articula três regiões do pensamento: 1) o Materialismo Histórico (como teoria das
transformações e da ideologia presente nas formações sociais); 2) a Linguística (enquanto
teoria dos processos de enunciação e dos mecanismos sintáticos); 3) e a Teoria do Discurso
(enquanto teoria dos processos semânticos e sua determinação histórica). Esta articulação
entre as abordagens do Materialismo Histórico, a Linguística e propriamente uma Teoria do
Discurso, possibilitariam revelar quais são as condições materiais com que discursos e
práticas são produzidos. Em outras palavras quais seriam os significantes utilizados em
detrimento de outros possíveis e no que eles implicam em termos de apropriação por parte dos
sujeitos que sequenciam os enunciados em questão:
Todo enunciado, toda sequência de enunciados é, pois, linguisticamente descritível
como uma série (léxico-sintaticamente determinada) de pontos de deriva possíveis,
oferecendo lugar a interpretação. É nesse espaço que pretende trabalhar a análise de
discurso (PÉCHEUX, 1990, p.53).
54
Assim, principiando em Althusser, em diálogo com Lacan e demais autores que
abordam as implicações da Linguagem em seus estudos, Michel Pêcheux e demais
intelectuais adeptos da AD visam ressaltar os efeitos ideológicos que uma cadeia de
significantes (não mais percebidos como significados, já que todo significado corresponde a
outro significante e não a outro significado), com os quais as palavras são empregadas nos
discursos e em seus contextos:
Como todas as evidências, inclusive aquelas que fazem com que uma palavra
„designe uma coisa‟ ou „possua um significado‟ (portanto inclusas as evidências da
„transparência‟ da linguagem), a evidência de que vocês e eu somos sujeitos – e que
isto não constitua um problema – é um efeito ideológico, o efeito ideológico
elementar (ALTHUSSER, 1985, p. 88).
Os efeitos ideológicos elementares se constituiriam então na utilização de palavras
significantes junto aos discursos que somente refletiriam intencionalidades, mas não se
refletiriam em práticas reais das materialidades constituídas dos contextos reais em que os
sujeitos atuam. O campo da saúde assim como outros campos do conhecimento e suas
intersecções poderiam em estudos similares, dependendo do recorte de pesquisa realizado,
evidenciar estes efeitos ideológicos elementares que a AD propõem como abordagem de
análise dos dados obtidos em seus campos de estudo diversos.
Orlandi (1987, p.11-13), que contribuiu para divulgar a AD no Brasil, ressalta a
especificidade com que esta teoria cinde os sentidos tendo uma abordagem em que vise “(1)
procurar problematizar as evidências e explicitar seu caráter ideológico, revela que não há
discurso sem sujeito e nem sujeito sem ideologia; (2) denuncia o encobrimento das formas de
dominação política que se manifestam numa razão disciplinar e instrumental”.
Assim a abordagem proposta pela AD possibilita revelar os sentidos aparentemente
cindidos do caráter ideológico do discurso e do encobrimento político que espaços discursivos
possibilitam na sua lógica de conservação / estabilidade e não da de transformação /
desestabilidade:
Nesses espaços discursivos (que mais acima designamos como “logicamente
estabilizados”) supõe-se que todo sujeito falante sabe do que se fala, porque todo
enunciado produzido nesses espaços reflete propriedades estruturais independentes
de sua enunciação: essas propriedades se inscrevem, transparentemente, em uma
descrição adequada do universo (tal que este universo é tomado discursivamente
nesses espaços) (PÉCHEUX, 1990, p.31).
Nossa intenção de estudo ao pretender pesquisar e revelar o que o que está “(...) em
jogo é a identidade de um sujeito, de uma coisa ou de um acontecimento com respeito à
55
questão da interpelação identificação ideológica (...)” (PÊCHEUX, 1995, p.156) que ocorre
com os estudantes que participam do VER-SUS, optamos por analisar em termos discursivos
os elementos ideológicos das práticas estatais e universitárias presentes em sua formação
conforme os dados obtidos em campo elucidará.
Todas essas regras, as que são explicitas e as que não o são, são construídas e
mantidas pelo discurso. No exemplo de uma instituição como a universidade, tanto
os/as alunos como o corpo docente utiliza esse discurso. Mas na construção dessas
regras também desempenha um papel importante o discurso implícito que mantém
suas próprias identidades sociais como alunos/as e professores/as – por exemplo, o
discurso da universidade, da sociedade que permite e privilegia essa educação, o
pensamento racional, o respeito as pessoas mais velhas e mais qualificadas, etc. Esse
aspecto nos leva a uma questão-chave: não existe nenhum discurso que seja
independente dos demais, um discurso nunca existe por si mesmo sem estar
ancorado em algum outro. Em quase todas as correntes discursivas aceita-se a idéia
de que cada discurso esta relacionado com outros. Esse fenômeno e conhecido pelo
termo "intertextualidade" e é uma característica importante do material com que se
realiza uma AD (IÑIGUEZ, 2004, p.135).
A intertextualidade que propomos abordar em nossa pesquisa se vincula aos diversos
discursos que se apresentam na formação em saúde e que estão presentes na produção
discursiva dos sujeitos inscritos junto aos aparatos estatais e universitários. Uma
intertextualidade que se imbrica no VER-SUS já que os sujeitos que participam das vivências
continuam estudantes de suas IES e discursos, mas também entram em diálogo com os
aparatos estatais municipais, estaduais e nacionais que se articulam para a efetivação do
projeto político em questão nesta pesquisa. Tentamos descrever de forma mais sucinta
possível do que se trata ser o VER-SUS nas páginas acima. O prosseguimento de nossa
pesquisa pretende fomentar a alternância entre os aspectos descritivos e interpretativos que se
evidenciarão a partir da AD dos dados obtidos nas entrevistas semi-estruturadas e nos
registros do diário de campo produzido a partir das observações participantes realizadas:
Desse ponto de vista, o problema principal é de determinar nas práticas de análise de
discurso o lugar e o momento da interpretação, em relação aos da descrição: dizer
que não se trata de duas fases sucessivas, mas de uma alternância ou de um
batimento, não implica que a descrição e a interpretação sejam condenadas e se
entremisturar no indiscernível (PÉCHEUX, 1990, p.54).
Por Gill (in BAUER, GASKELL, 2002, p.246) nos indicar que embora “existam
provavelmente ao menos 57 variedade de análise de discurso, um modo de conseguir dar
conta das diferenças entre elas é pensar em tradições teóricas amplas”, seguimos a
classificação proposta por Iñiguez (2004, p.111) que segmenta a AD em cinco grandes
tradições metodológicas desta modalidade de pesquisa: “a) a Sociolinguística Interacional; b)
56
a Etnografia da Comunicação; c) a Analise Conversacional; d) a Analise Crítica do Discurso
(daqui em diante, ACD); e f) a Psicologia Discursiva”. Destas cinco tradições preferimos nos
orientar pela ACD porque nela o discurso não só está determinado pelas instituições e
estruturas sociais, mas é parte constitutiva delas. Ou seja, que o discurso constrói o social:
(...) a ACD constitui uma estratégia para abordar os discursos segundo a qual a
teoria não pré-configura nem determina a maneira de enfocar as analises, nem
delimita o campo da indagação e da exploração. Ao contrario, a teoria é utilizada
como uma caixa de ferramentas que permite formar e abrir novas visões e novos
enfoques e onde o/a analista se converte em artífice graças a seu envolvimento com
aquilo que estuda (IÑIGUEZ, 2004, p.118).
Ao propormos nossa vinculação estratégica de pesquisa junto a ACD reafirmamos
nossa proposição inicial da ambientação metodológica qualitativa. Além de nos predispormos
ao envolvimento e a participação junto aos sujeitos da pesquisa, também deixamos aberta as
visões e os enfoques de análise junto ao campo de pesquisa a que nos propomos.
Continuamos fiduciários da abordagem proposta pela AD, mas por acreditarmos que todo
discurso seja uma prática social inscrita historicamente e espacialmente em uma dada
conjuntura concreta e material, percebemos que a ACD seja das tradições gerais da AD,
aquela que mais reflita tanto nossa predisposição de pesquisa, assim como também melhor se
efetive junto ao nosso campo de pesquisa:
Todo discurso é uma pratica social. De acordo com essas propostas, diremos que não
estaremos falando tanto de discursos e mais de práticas discursivas que, como já
observamos, são regras anônimas, históricas, determinadas temporal e
espacialmente. Essas regras definiram, em uma época determinada, para
comunidades concretas, as condições de qualquer enunciação daquilo que pode ser
dito. Nessa mesma direção, diremos também que a AD e uma pratica e é uma pratica
que não só desmascara ou identifica outras praticas discursivas, como também - e
sobretudo - abre todo um caminho para sua transformação (IÑIGUEZ, 2004, p.147).
A ACD também se coaduna em grande medida com nossa perspectiva teórica porque
não deixa de possibilitar a análise da interpelação ideológica que os discursos estatais e
universitários possam suscitar junto aos sujeitos tanto dos coletivos estudantis, como também
dos próprios sujeitos que articulam as práticas junto aos aparatos estatais.
Portanto, a “análise de discurso é uma leitura cuidadosa, próxima, que caminha entre o
texto e o contexto, para examinar o conteúdo, organização e funções do discurso (GILL in
BAUER; GASKELL, 2002, p.266)” independente de onde ele proceda. Nosso foco será fazer
o mesmo junto ao VER-SUS.
57
3.2 O CAMPO DA TEORIA
Se tivéssemos possibilidade, teríamos que aqui aprofundar as questões latentes que
Jacques Lacan (1901-1981) desenvolveu sobre o processo de identificação e demais
contribuições importantes da Psicanálise desenvolvida por ele em diálogo com leituras
marxianas. Pretendemos ainda ao longo de nossa pesquisa aprofundar leituras de Lacan que
possam auxiliar em nossa pesquisa quanto aos processos de identificação dos sujeitos e outras
contribuições pertinentes.
Outro importante autor que desenvolveu teoricamente implicações que se tornaram
pertinentes ao giro linguístico e sua virada junto as Ciências Sociais e Humanas foi Michel
Foucault (1926-1984). Segundo Iñiguez (2004, p.92) “a partir de Foucault (1969), não se
falará mais tanto de discursos e mais de práticas discursivas. Por práticas discursivas Foucault
compreende regras anônimas, constituídas no processo histórico”. Mesmo tendo criticado
fortemente os postulados estruturalistas, Foucault não teria desmerecido as historicidade dos
processos, das práticas e das formações discursivas segundo Iñiguez (2004):
Se renunciará, portanto, a ver no discurso um fenômeno de expressão, a tradução
verbal de uma síntese efetuada por outra parte; ao contrario, se buscará nele um
campo de regularidade para várias posições de subjetividade. O discurso assim
concebido não e a manifestação, majestosamente desenvolvida, de um sujeito que
pensa, que conhece e que o diz: é, ao contrário, um conjunto onde e possível
determinar a dispersão do sujeito e sua descontinuidade consigo mesmo. É um
espaço de exterioridade onde se desenvolve uma rede de âmbitos distintos
(FOUCAULT, 1972, p.90).
As postulações de Foucault se concentram na verdade no descentramento do sujeito do
discurso. Foucault (1972, p.122-123) postula inclusive que “em sua individualidade singular,
um sistema de formação, portanto, é caracterizar um discurso ou um grupo de enunciados pela
regularidade de uma prática”, ou seja, em sua crítica o pensador, assim como outros pós-
estruturalistas, não rechaça a relação entre os discursos e as práticas dos sujeitos, mas sim
evidenciar no que eles se contextualizam:
O pós-estruturalismo não rejeita simplesmente as coisas. Ele trabalha dentro delas
para desfazer seus postulados exclusivistas de verdade e pureza. Assim, não é que o
pós-estruturalismo rejeite o caráter [self], o sujeito, o “Eu” ou a intersubjetividade,
como alguns afirmaram. Ao invés disso, eles devem ser vistos como tomando lugar
em contextos históricos, linguísticos e experienciais mais amplos. Não é que não
exista um “Eu”, é que ele não pode reivindicar-se como um âmago seguro. Outros
sujeitos, a linguagem além do nosso controle e experiências que abalam nossos
sentidos, operam sob nossas mais íntimas percepções e intuições (WILLIAMS,
2012, p.23).
58
Iñiguez (2004, p.91) chega inclusive a afirmar que para Foucault “o discurso é algo
mais que a fala, algo mais que um conjunto de enunciados. O discurso é uma prática, e como
no caso de qualquer outra prática social e possível definir as condições de sua produção”.
Percebemos nas diferentes acepções teóricas do giro linguístico que os seus pensadores
extrapolaram e muito as concepções saussureanas da língua por si mesma e em si mesma.
Estudiosos passam a buscar uma compreensão do fenômeno da linguagem não mais
centrado apenas na língua, sistema ideologicamente neutro, mas num nível situado
fora desse pólo da dicotomia saussureana. E essa instância da linguagem é a do
discurso (...). O ponto de articulação dos processos ideológicos e dos fenômenos
linguísticos é, portanto, o discurso (BRANDÃO, 1993, p.12).
Das diferentes postulações que generalissimamente são designadas como sendo
fiduciárias do giro linguístico, uma delas em especial tenta dar conta da articulação dos
processos ideológicos do discurso. Trata-se da Teoria do Discurso e das formulações sobre
antagonismo, agonismo e articulação que vieram a ser elaboradas a partir da publicação da
obra “Hegemonía y Estrategia Socialista: Hacia una radicalización de la democracia” de
Ernesto Laclau (1935-2014) e Chantal Mouffe (1943-) publicada em 1985 em espanhol e
inglês, mas que não conta ainda com uma tradução para o português.
Nosso interesse por esta obra e suas elucubrações teóricas e conceituais decore e muito
do diálogo que propomos em nosso trabalho anterior (FÜHR, 2013). Como já explicitado na
justificativa do presente projeto, havíamos estudado um aparato estatal de fortes conotações
com a perspectiva gramsciana do conceito de controle social: um CMS. Para procedermos à
análise teórica e metodológica utilizamos o conceito althusseriano de ideologia. Desse modo
aparentemente confrontamos duas vertentes teóricas e conceituais que eram distintas em suas
percepções perante o Estado.
Enquanto Gramsci tencionava em seus escritos formular uma teoria da hegemonia
para superação dos aparatos estatais através da guerra de posições; Althusser posteriormente
denunciou a profundidade com que os aparatos repressivos do Estado, e para além dele dos
aparelhos ideológicos do Estado (que a priori não compunham sua estruturação) propiciavam
a conservação das condições sociais tal como se encontravam. Dessas posições decorre que:
(...) a ideologia é uma vã tentativa de impor um fechamento a um mundo social cuja
característica essencial é a articulação infinita das diferenças e a impossibilidade de
qualquer fixação última do sentido – expressa-se num quadro de referências em que
a distinção tradicional do marxismo entre o conhecimento e o “desconhecimento”
ideológico é preservada (para alguns, paradoxalmente) (BARRETT, 1996, p.259).
59
Entretanto se formos buscar em Laclau & Mouffe (1985) e sua obra já citada,
perceberemos que a aproximação entre Gramsci e Althusser é muito mais plausível do que
apenas sua ambientação junto ao campo marxiano de análises teóricas do social:
Duas importantes consequências se seguem desta: a primeira, que a materialidade do
discurso não pode encontrar o momento de sua unidade na experiência ou na
consciência de um sujeito fundante, já que o discurso tem uma existência objetiva e
não subjetiva; pelo contrário, diversas posições de sujeito aparecem dispersas no
interior de uma formação discursiva. A segunda consequência é que a prática da
articulação como fixação/deslocação de um sistema de diferenças tampouco pode
consistir em meros fenômenos linguísticos, mas que deve atravessar toda a espessura
material de instituições, rituais, práticas de diversas ordens, através das quais uma
formação discursiva se estrutura. O reconhecimento desta complexidade e do caráter
discursivo da mesma se foi abrindo caminho obscuramente no campo da teorização
marxista, e adotou uma forma característica: a afirmação crescente, de Gramsci a
Althusser, do carácter material das ideologias, no entanto que estas não são simples
sistemas de ideias, mas que se encarnam em instituições, rituais, etc. (LACLAU;
MOUFFE, 1985, p. 148) 5.
Tanto Gramsci como Althusser apesar de suas distâncias estão propondo indícios de
que a ideologia não reflete apenas uma relação entre teoria e prática, mas que ela está
intimamente ligada ao caráter material com que elas se encarnam em materialidades através
de instituições, práticas e rituais. Gramsci já demonstra indícios de que a teoria marxiana
precisa ser extrapolada para além de seus constructos teóricos básicos, para que possa explicar
nuances sociais dos avanços da sociedade capitalista na primeira metade do século XX.
Althusser, no início da segunda metade do século XX, tentou demonstrar o quanto poderia ser
problematizado para além das relações entre sociedade política e sociedade civil em termos de
sobredeterminação. Ambos, portanto, tentam evidenciar uma dispersão da materialidade
ideológica com a qual o regime capitalista se hegemoniza. Tanto Gramsci quanto Althusser
estão chamando a atenção para o fato de que de algumas categorias da análise marxiana
precisam ser descentradas:
O que, sem embargo, constituí um obstáculo para a plena explicitação teórica desta
instituição foi que, em todos os casos, ela era aplicada às ideologias¸ é dizer, a
formações cuja unidade era pensada sob o conceito de “superestrutura”. Se tratava,
portanto, de uma unidade apriorística à respeito da dispersão de sua materialidade, o
que exigia apelar já seu papel unificante de uma classe (Gramsci), já aos
requerimentos funcionais da lógica da reprodução (Althusser). Mas uma vez que
esta suposição essencialista é abandonada, é o status teórico da categoria de
articulação que muda: a articulação é uma prática discursiva que não tem um plano
de constituição a priori ou à margem da dispersão dos elementos articulados
(LACLAU; MOUFFE, 1985, p. 149) 6.
5 Tradução livre do autor deste projeto de pesquisa de mestrado.
6 Tradução livre do autor deste projeto de pesquisa de mestrado.
60
Laclau & Chantal (1985) após realizarem uma profunda revisão crítica das respostas
revisionistas, que foram dadas pelos diferentes teóricos das vertentes marxianas, perante os
problemas da relação entre a sociedade política e a sociedade civil, postulam que algumas
categorias do pensamento gramsciano (tais como hegemonia, articulação e bloco histórico)
somadas às de pensamento althusseriano (tais como sobredeterminação e aparatos repressivos
e ideológicos do Estado) podem potencializar uma proposta de radicalização da democracia:
Devemos, pois, começar analisando a categoria de articulação, que haverá de dar o
ponto de partida para elaborar o conceito de hegemonia. A construção teórica desta
categoria requer dois passos: fundar a possibilidade de especificar os elementos que
entram na relação articulatória e determinar a especificidade do momento relacional
em que a articulação como tal consiste. (…) Consideraremos, em tal sentido, a
trajetória da escola althusseriana: radicalizando alguns de seus temas em uma
direção que faça romper seus conceitos básicos, tentaremos estabelecer um terreno
que nos permita construir um conceito adequado de “articulação” (LACLAU;
MOUFFE, 1985, p. 133) 7.
Diferente do que propunha Durkheim (2002) onde “(...) as instituições se impõe a nós,
aderimos a elas; elas comandam e nós as queremos; elas nos constrangem, e nós encontramos
vantagem e seu funcionamento e no próprio constrangimento”; ou do que propunha Weber
(1999, p.12) onde “(...) não são outra coisa que desenvolvimentos e entrelaçamentos de ações
específicas de pessoas individuais, já que apenas elas podem ser sujeitos de uma ação
orientada pelo seu sentido”; o debate da Teoria do Discurso que segue a vertente pós-Marx
formulada por Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, a partir de Gramsci e Althusser, adota uma
abordagem dialética e relacional que não sobrepõe nem a sociedade e nem o indivíduo, agora
já sujeito, mas sim, que estabelece uma relação recíproca e aberta entre ambos.
Algumas abordagens explicativas refutam essa distinção realizada entre os três autores
clássicos das Ciências Sociais. Concebem que Durkheim e Marx partem e estão na mesma
premissa de que a sociedade interfere no indivíduo através da totalidade ou da estrutura. Por
outro lado estaria Weber a defender a premissa oposta de que o indivíduo interfere e influi na
sociedade. Discordarmos de tais abordagens porque as leituras acuradas dos escritos
marxianos demonstram no quanto a dialética, desenvolvida por Marx em sua crítica inicial a
Hegel, propicia a superação de qualquer abordagem que valorize em demasia o fator da
estrutura perante as constituições dos indivíduos, hoje percebido como sujeito pelas teorias
pós-estruturalistas que lhe sucederam. Por isso, Laclau & Mouffe (1985), enquanto pós-
estruturalistas avançam no sentido de refutar a ortodoxia de fixação de postulados marxianos:
7 Tradução livre do autor deste projeto de pesquisa de mestrado.
61
E, sem embargo, na formulação althusseriana original havia o anúncio de uma
façanha teórica muito distinta: a de romper com o essencialismo ortodoxo, não
através da desarticulação lógica de suas categorias e da consequente fixação da
identidade dos elementos desagregados, mas da crítica a todo tipo de fixação, da
afirmação do carácter incompleto, aberto e politicamente negociável de toda
identidade (LACLAU; MOUFFE, 1985, p. 142) 8.
Desse modo as contribuições althusserianas propiciam o rompimento com o
essencialismo ortodoxo de perceber as identidades dos indivíduos de forma fixa,
possibilitando de contraponto a sutura entre incompletas identidades negociáveis e nunca
fixas de indivíduos que se tornam sujeitos desde sempre em função da ideologia. Este
pressuposto althusseriano é concebido sobre a ideia de sobredeterminação que o autor vai
buscar da Psicanálise para dar conta desta concepção não essencialista do conceito de
identidade.
Frente a esta concepção que, ao identificar as diferenças com mediações necessárias
na auto implantação de uma essência reduz o real ao conceito, a complexidade
althusseriana é de natureza muito distinta: é a complexidade inerente a um processo
de sobredeterminação. Este é o conceito chave introduzido por Althusser e, dado o
uso indiscriminado e impreciso que posteriormente se tem feito do mesmo, é
necessário precisar seu sentido originário e os efeitos teóricos que estava chamando
a produzir no discurso marxista (LACLAU; MOUFFE, 1985, p. 134) 9.
Partindo destes aprofundamentos teóricos que as postulações pós-estruturalistas de
Laclau e Mouffe propõem das releituras de Gramsci e Althusser, acreditamos que nos
possibilitará referenciar teoricamente sobre aquilo que os coletivos estudantis que promovem
o VER-SUS vem designando sobre o nome de articulação:
A prática da articulação consiste, portanto, na construção de pontos nodais que
fixam parcialmente o sentido; e o carácter parcial dessa fixação procede da abertura
do social, resultante por sua vez do constante desdobramento de todo discurso pela
infinitude do campo da discursividade (LACLAU; MOUFFE, 1985, p. 154) 10
.
Os discursos presentes no campo da saúde influenciam de sobremaneira o campo da
discursividade da formação em saúde. Os discursos hegemônicos que centram o sujeito
médico e o espaço hospitalar articulam suas práticas, suas regras e seus rituais em fixações
materiais de como os aparelhos ideológicos do estado, das instituições de ensino superior e da
própria sociedade civil organizada em instituições sociais de saúde devem se estruturar para
que estes dispositivos ideológicos continuem vigentes. Entretanto, mesmo sendo
hegemônicos, estes dispositivos não abrangem a totalidade dos campos e suas discursividades.
8 Tradução livre do autor deste projeto de pesquisa de mestrado.
9 Tradução livre do autor deste projeto de pesquisa de mestrado.
10 Tradução livre do autor deste projeto de pesquisa de mestrado.
62
O significante “formação em saúde” é significado de diferentes maneiras pelos
diferentes elementos / momentos envolvidos em seu acontecimento. Os elementos do ensino e
dos serviços são relacionados de forma precária e contingente na grande maioria das
formações em saúde praticadas em território brasileiro. Entretanto, alguns sujeitos
mobilizados em alguns aparelhos ideológicos estatais, universitários e sociais tencionam
articulações que superem apenas esta relação dual e estreita da formação em saúde. Os
elementos do controle social e da gestão em saúde são buscados e defendidos em práticas
discursivas esparsas e ainda não constituídas em vários elementos / momentos que os
diferentes sujeitos que participam do VER-SUS explicitam em suas lógicas discursivas:
Pois bem, a partir da categoria discurso, podem-se compreender fenômenos sociais
cuja constituição se dá através de uma lógica de articulação de elementos diferentes.
No nosso exemplo, os elementos são diferentes grupos de estudantes ou se
pensarmos de outra maneira, os diferentes discursos sobre a educação que esses
grupos de estudantes representam (BURITY, 2008, p.45).
Os diferentes elementos do ensino, do serviço, da gestão e do controle social são ou
não articulados de diferentes maneiras pelos diferentes contextos em que o significante da
formação em saúde acontece e é significado junto aos diferentes aparatos ideológicos
universitários, estatais e também sociais que disputam o campo desta discursividades
existente. O VER-SUS enquanto projeto político se apresenta enquanto uma prática discursiva
que pretende articular estes diferentes elementos da discursividade em saúde que estariam
faltantes na articulação hegemônica da formação em saúde que se é teorizada na IES‟s e
praticada junto ao SUS (leia-se Estado e seus âmbitos público e privado já que o sistema
detém o controle de ambas as instâncias):
Os acúmulos proporcionados pelo VER-SUS/Brasil ainda estão em fase de absorção
pelo SUS, porém já se faz possível estimar a acentuada participação de estudantes
em espaços de gestão, atenção, educação e controle social, articulada à política de
implantação dos Pólos de Educação Permanente em Saúde (FERLA et. al., 2013,
p.25).
A análise das práticas discursivas presentes na constituição identitária dos coletivos
estudantis poderá revelar se as mesmas chegam ou não a se constituírem enquanto uma
verdadeira articulação política e os seus graus de heterogeneidade ou homogeneidade com os
aparatos ideológicos estatais, universitários e sociais que estão presentes na estruturação do
VER-SUS, já que na “articulação política temos que uma certa heterogeneidade é irresistível,
mas lógicas homogeneizantes, no entanto, a partir desta mesma heterogeneidade, podem criar
novas identidades coletivas (LACLAU in AMARAL; BURITY; 2006, p. 36)”.
63
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de estado. 6. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1992.
127 p.
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APÊNDICES:
A) CRONOGRAMA FÍSICO
Ago
Set
2013
Out
Nov
2013
Dez
Jan
2013-4
Fev
Mar
2014
Abr
Mai
2014
Jun
Jul
2014
Ago
Set
2014
Out
Nov
2014
Dez
Jan
2014-5
Fev
Mar
2015
Abr
Mai
2015
Jun
Jul
2015
Ago
2015
Revisão
Bibliográfica
X
X
X
Fundamentação
Teórica e
Metodológica
X
X
X
X
X
Embasamento
Saúde Pública e
Estado
X
X
X
X
Embasamento
Universidade e
Clínica
X
X
X
Embasamento
Ideologia e
Discurso
X
X
X
Qualificação X
Revisão
Pós-Qualificação
X
Observações
Participantes
X
X
X
X
Entrevistas
Semi-
Estruturadas
X
X
Análise
dos Dados
X
Confrontamento
dos Dados com os
Embasamentos
X
Elaboração
Textual Final da
Dissertação
X
Defesa da
Dissertação
X
B) CONDIÇÕES DE EXEQUIBILIDADE DA PESQUISA
Teremos dispêndios em nossa pesquisa principalmente quanto aos deslocamentos para
participação das reuniões quinzenais que serão observadas. A análise documental se
procederá de forma quase gratuita (excetuando o dispêndio do acesso a internet) através dos
anexos encaminhados pela coordenação dos coletivos estudantis para nosso e-mail. Quanto as
entrevistas semi-estruturadas serão realizadas durante a realização do VER-SUS Verão 2015
no qual participarei de forma também custeada pelo próprio projeto político estatal.
Deslocamentos Quinzenais Novo
Hamburgo - POA Ida e Volta por 3
meses
+/- R$ 150,00
Acesso a
Internet 3G
Mensal
R$ 100,00
Deslocamentos
pré-pós VER-SUS
e preparação
+/-R$ 100,00
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