PROJETOS INTEGRADOS DE COLONIZAÇÃO: PARADIGMA DA CONTRA-REFORMA
AGRÁRIA PROMOVIDO PELO REGIME MILITAR NOS ANOS 70 NA AMAZÔNIA.
Prof. Dr. Jacob Binsztok – Universidade Federal Fluminense [email protected]
Prof. Dr. Rui Erthal – Universidade Federal Fluminense [email protected]
Prof. Dra. Maria Aparecida Tubaldini – Universidade Federal de Minas Gerais [email protected]
Prof. Dr. José Antonio Souza de Deus – Universidade Federal de Minas Gerais [email protected]
Giovanni Raimundo de Macedo – Universidade Federal Fluminense [email protected]
Resumo O trabalho analisa os Projetos Integrados de Colonização (PICs) implantados durante o Governo Militar na década de 70 no Centro de Rondônia, constituindo-se como paradigma de um movimento de Contra-Reforma Agrária, pois foi concebido para atenuar os desequilíbrios promovidos por um processo de modernização da lavoura cafeeira no norte do Paraná e Espírito Santo. Inicialmente a pesquisa elabora uma contextualização dos Projetos Integrados de Colonização (PICs) seguidos de suas implicações geopolíticas, destacando ainda a importância da BR-364 como instrumento de consolidação dos empreendimentos que tiveram uma nítida concepção militar, tendo em vista que a área encontra-se relativamente próxima da fronteira com a Bolívia. Por último, são feitas considerações mostrando os avanços e os desafios destas iniciativas que se tornaram experiências precursoras do povoamento e colonização da Amazônia e se inseriram nos movimentos contraditórios e desiguais que caracterizam o desenvolvimento capitalista no campo brasileiro. Estes movimentos são representados pelos agricultores familiares majoritariamente localizados no Centro de Rondônia e pela lógica empresarial predominante no Complexo de Carne e Grãos centralizado no denominado Cone Sul do estado funcionando como expansão dos interesses da economia mato-grossense. A questão ambiental também foi enfatizada no trabalho, pois a região se encontra no “Arco de Desmatamento” do IBAMA reconhecido como uma das áreas mais devastadas da Amazônia, provocando sérios problemas para as comunidades locais. Palavras-chave: Fronteira. Amazônia, Projetos Integrados de Colonização, agricultura familiar, Centro de Rondônia.
Contextualização
O processo de colonização implantado pelo INCRA nos anos 70 durante o Governo Militar na
Amazônia obedeceu à lógica de uma contra-reforma agrária na medida em que foi concebida como
um instrumento destinado a atenuar os efeitos decorrentes da modernização conservadora ocorrida
nas áreas cafeeiras, particularmente no norte do Espírito Santo e do norte do Paraná dirigida pelo
IBC/GERCA (Instituto Brasileiro do Café/Grupo Executivo de Recuperação Econômica da
Cafeicultura). As medidas adotadas pelo GERCA visavam modernizar a cafeicultura determinando a
erradicação de milhares de pés de café considerados improdutivos e provocando uma grande
expropriação de pequenos proprietários, meeiros e trabalhadores agrícolas concentrados no centro-
sul o país.
A força de trabalho liberada pelas ações do IBC/GERCA foi oficialmente dirigida para a
ocupação de extensas áreas da Amazônia Meridional no centro de Rondônia, onde, por intermédio
do INCRA, foram construídos os Projetos Integrados de Colonização (PIC) concebidos pelo
Programa de Integração Nacional (PIN). Os projetos ocuparam uma faixa de 100 quilômetros de
cada lado da BR-364, cortada em lotes de aproximadamente de 100 hectares, distribuídos pelo
INCRA aos expropriados, transformados pelo governo militar em pioneiros e, desta forma,
atenuando os inúmeros focos de tensão no campo. Com o objetivo de fixar os pioneiros foram
planejados e executados na década de 70 cinco Projetos Integrados de Colonização concentrados
principalmente no centro do Estado de Rondônia (tabela 1).
Projetos Ouro Preto Ji- Paraná Adolfo
Rohl
Paulo de
Assis
Ribeiro
Sidney
Girão
Área (ha) 512.585 486.137 407.210 293.580 60.000
N° de Famílias 5.000 5.000 3.500 3.500 600
Área de
Influência
Ouro Preto D'Oeste e
Ji-Paraná
Cacoal, Pres. Médici,
Rolim de Moura,
Pimenta Bueno e
Espigão D'Oeste
Jarú Colorado
D'Oeste
Guajará-
Mirim
Tabela 1: PICs caracterizados por área, número de famílias e área de influência.
Neste sentido, o Centro de Rondônia pode ser considerado uma região precursora de projetos de
Reforma Agrária, particularmente no eixo ao longo da BR-364 abrangendo os atuais municípios de
Jarú, Ouro Preto D’Oeste, Ji-Paraná e Cacoal. No entanto, existem importantes diferenças sócio-
espaciais entre os projetos que englobaram as iniciativas da Contra-Reforma Agrária ditada pelo
Governo Militar. Assim, o Projeto Integrado de Colonização Paulo Assis Ribeiro, localizado em
Colorado D’Oeste, transformou-se atualmente em um grande centro produtor do Complexo de Carne
e Grãos representado pelo cultivo da soja, milho e pecuária de corte, integrado ao comércio
internacional principalmente pelas cadeias do Grupo Amaggi, Cargill e JBS-Friboi. Nesta região o
município de Vilhena atua como referência do denominado Cone Sul do Estado, concentrando
grande parte dos estabelecimentos de comercialização de insumos utilizados pela cadeia produtiva
destes empreendimentos. A ocupação desta área foi realizada por colonos originários
majoritariamente do Paraná, que, diferente do centro de Rondônia, possuíam tradição com o cultivo
de grãos, tendo inicialmente se dedicado ao plantio de arroz nos antigos lotes do PIC Paulo de Assis
Ribeiro.
As transformações sócio-espaciais ocorridas no Centro de Rondônia paulatinamente eliminaram
as características iniciais dos PICs implantados pelo INCRA, notadamente no sul do estado, porém
ainda permanecem rugosidades representadas pela presença de agricultores familiares oriundos
destas iniciativas que ainda continuam na região ou participam de movimentos migratórios inter-
regionais para novas áreas de fronteira agrícola existentes nos limites dos estados de Mato Grosso,
Amazonas, Acre e em locais mais afastados como Roraima.
A presença destes movimentos mostra a importância dos estudos realizados por VELHO (1973),
sobre a grande mobilidade espacial do campesinato, OLIVEIRA (1991) referente
à desterritorialização dos pequenos produtores e COY (1995) advertindo para o ciclo ambiental a
questão submetida as cidades da fronteira agrícola da Amazônia e do Centro-oeste. Em linhas gerais,
estes pesquisadores destacaram a incapacidade da fronteira agrícola na solução de questões
referentes à geração de trabalho e renda, como também ressaltaram que o campesinato não teria
esgotado sua contribuição na construção de novos ordenamentos territoriais e ambientais do país.
Implicações Geopolíticas dos Projetos Integrados de Colonização
Os Projetos Integrados de Colonização constituem um dos mais significativos paradigmas da
Contra-Reforma Agrária implantada pelo Governo Militar na década de 70, colocando o Estado
como grande indutor de relevantes modificações sócio-espaciais ocorridas no Centro de Rondônia,
transformando a região em laboratório experimental das diferentes formas de ocupação da fronteira
agrícola na Amazônia. Neste sentido, analisando a participação do Estado na formação das fronteiras
agrícolas nacionais, WAIBEL (1979), manifestava-se cético em relação aos benefícios
proporcionados pela denominada “marcha para o oeste”, na ocupação do nosso interior.
Prosseguindo, afirma que somente objetivos militares justificariam programas desta magnitude, pois
faltariam produtos agrícolas ou industriais de alta lucratividade capazes de provocar um “boom” e
atrair verdadeiros empreendedores para ocuparem longínquos pontos do Brasil.
A história comprova a veracidade parcial destas interpretações, pois motivações militares
estiveram presentes na abertura das frentes pioneiras, principalmente na Amazônia Meridional, em
função da extensa faixa de fronteira com a Bolívia, no entanto, em Rondônia estão presentes não
somente os atores capitalistas, representados pelos aventureiros e pelos especuladores latifundiários,
mobilizados pelo Estado mediante a concessão de generosos benefícios de créditos e fiscais, como
também os agricultores familiares provenientes do sul e do sudeste do país que, no momento, se
encontram em situação de risco em função da expansão desordenada do Complexo de Carne e Grãos.
Apresentando certa similitude com WAIBEL (1979), GRAZIANO DA SILVA (1981), destaca a
dimensão política da questão, e analisa a “expansão” e o “fechamento” da fronteira agrícola. Os
estudos de GRAZIANO DA SILVA (1981) apontam para o seu rápido “fechamento”, pois, em sua
opinião já não existiriam “terras livres”, que poderiam ser apropriadas pelos pequenos proprietários.
Estas “terras”, para o autor, podem não estar efetivamente ocupadas, porém, representam uma
mercadoria, uma “reserva de valor” sujeita aos mecanismos de compra e venda. Os movimentos
migratórios inter-regionais verificados em Rondônia, e mencionados por BECKER (2004), mostram
que ao contrário do preconizado por GRAZIANO DA SILVA (1981), o “fechamento” da fronteira
agrícola não ocorreu em sua plenitude, pois ainda são encontradas “terras livres” nos limites com o
Acre e Amazonas, possibilitando a expansão da fronteira de forma extensiva e de compra e venda de
lotes próximos da divisa com Mato-Grosso, representando o crescimento do mercado de terras na
Amazônia.
Concordando com BECKER (2004), reconhecemos a importância dos movimentos migratórios
inter-regionais e verificamos que ainda não está exaurida a capacidade da fronteira em absorver
migrantes, pois, existem movimentos de agricultores familiares originários de Centro de Rondônia,
por exemplo, de Cacoal, se direcionado a municípios como Colniza (MT) e Buritis (RO), sendo este
o município brasileiro que apresentou o maior crescimento populacional, com uma média anual de
29,3% no período compreendido entre 1991/2000, segundo pesquisa do IBGE. Buritis, dedicado
principalmente à cafeicultura, está longe da tese do “fechamento” preconizada por GRAZIANO DA
SILVA (1981), pois registrou em 1991 uma população de 3.601 habitantes, atingindo 25.668 em
2000 e em 2006 aproximadamente 45.000 habitantes.
Prosseguindo na análise da ação do Estado na implantação da fronteira agrícola em Rondônia,
destacamos as contribuições de BECKER (1982) e OLIVEIRA (1986), seguindo o ideário de
WAIBEL (1979), mostraram a consolidação da BR-364, Cuiabá - Porto Velho e os Projetos de
Integração e Colonização (PIC), como os instrumentos geopolíticos mais importantes para a
ocupação de Rondônia e da Amazônia Meridional.
Neste sentido, BECKER (1982) destaca a importância da BR-364 na ampliação da área de
influência de São Paulo, capturando o Norte de Mato Grosso, Rondônia e Acre e colocando Cuiabá
como ponto de apoio à expansão paulista na Amazônia Meridional em detrimento de centros
tradicionais como Manaus e Belém.
A dimensão geopolítica da BR-364 pode ser constatada quando observamos que grandes trechos
de sua rota foram construídos obedecendo aos caminhos abertos pela Comissão Rondon no início do
século XX, com a finalidade de instalar linhas telegráficas no interior da Amazônia e do Centro-
Oeste. A referida Comissão contribuiu decisivamente para a ocupação do Centro de Rondônia na
medida em que alguns de seus participantes foram contemplados por indicação de Rondon com a
doação de seringais, como no caso de Cacoal fundada por um militar originário do estado da Paraíba;
também postos telegráficos paulatinamente se tornaram pequenos aglomerados urbanos.
Os seringalistas foram expropriados pelo Governo Militar e não tiveram direito à indenizações,
pois não possuíam documentos que comprovavam a posse de suas terras e terminaram como
proletários residindo em casas doadas ou de parentes nos municípios do Centro de Rondônia.
Segundo KEMPER (2002), o pioneiro Clodoaldo Nunes de Almeida, responsável pela introdução da
variedade de café “conilon” em Rondônia, foi um dos expropriados comprovando a tese de que estes
seringalistas não se transformaram em oligarcas rurais, pois não tiveram como se apropriar de forma
monetária da renda da terra, diferente do ocorrido em outras áreas do país.
O Governo de Juscelino Kubitschek, obedecendo a lógica da Integração Nacional, e aproveitando
o antiga trajeto da Comissão, construiu a BR-29 ligando Brasília,Cuiabá e Porto Velho à semelhança
da BR-14 conectando o eixo Brasília/Belém, e transformando estas duas rodovias em projetos de
ocupação e colonização da Amazônia e do Centro-Oeste. O Governo Militar consolidou as duas
rodovias com recursos externos e promoveu projetos de Contra-Reforma Agrária ao longo de trechos
da antiga BR-29 em Rondônia, denominada de BR-364 e pavimentada em todo percurso.
Os núcleos urbanos surgidos ao longo da rodovia Belém/Brasília foram estudados no final da
década de 60 por Orlando Valverde e podem servir de paradigmas para os aglomerados que foram
aparecendo na BR-364 em Rondônia. Seguindo a tradição da Escola Geográfica alemã, Valverde
chamou estes núcleos de “strassendorf”, destacando as especificidades de seu incipiente traçado
urbano que evoluía na forma de um tabuleiro de xadrez, ressaltando as funções desempenhadas pelos
estabelecimentos comerciais pioneiros, tais como oficinas mecânicas, hotéis, restaurantes,
compradores de produtos agrícolas, postos de gasolina, enfim, tudo que pudesse servir de apoio aos
usuários da rodovia. Esta é a moderna gênese de um bom número dos atuais núcleos urbanos
formados ao longo da BR-364.
Os estudos de VALVERDE (1979) sobre a gênese dos núcleos urbanos formados nas estradas
pioneiras na Amazônia podem ser aprofundados pelas observações de OLIVIER (1972), quando
destaca o papel destas na promoção da segregação espacial das antigas comunidades rurais, alterando
sua vida de relações, que anteriormente eram organizadas de forma concentrada e foram dispersas
pelo advento das rodovias.
Os instrumentos geopolíticos utilizados pelo Governo Militar não foram implantados sem
conflitos, relatados nos trabalhos de VALVERDE (1979), MARTINS (1980), GRAZIANO DA
SILVA (1982), BECKER (1982), MINC (1985), MINDLIN (1985), GONÇALVES (2001) e
OLIVEIRA (1990), que advertem para a intencionalidade destes embates, que obedeceram a uma
lógica previamente concebida.
Desta forma, a proximidade do PIC/Ji-Paraná com o Parque Indígena Sete de Setembro sempre
foi problemática para as nações indígenas, como comprovam as recentes lutas entre os “cinta-largas”
e garimpeiros em busca de diamantes, culminando com o massacre de 29 vítimas destes embates.
Analisando a intencionalidade desses conflitos, concordamos com OLIVEIRA (1991), quando
demonstra que o processo de ocupação da Amazônia tem representado uma usurpação constante dos
territórios das nações indígenas, e inserindo as estratégias geopolíticas no confisco destas áreas,
atendendo ao ordenamento capitalista manifestado na implantação de reservas e parques nacionais.
Em relação às questões ambientais destacamos as contribuições de AB´SÁBER (2003) mostrando
os impactos negativos para os recursos naturais, decorrentes da implantação dos Projetos Integrados
de Colonização (PICs) no Centro de Rondônia. Segundo o pesquisador grupos formados pela
associação de pecuaristas com madeireiros, aproveitando-se das estradas vicinais inseridas nos
sistemas de “linhões” construídos pelos PICs, avançaram para o interior e promoveram uma política
de “terra arrasada” em grandes áreas, pois alguns municípios perderam cerca de 90% de sua
cobertura vegetal. Recentemente, mais uma associação prejudicial aos recursos naturais na região foi
firmada, representada pelos pecuaristas que, após ocuparem terras liberadas pelas madeireiras,
repassam estas para aos grandes plantadores de soja que se colocam como recuperadores de áreas
degradadas na Amazônia. Neste sentido, é realizado para coibir as ações das madeireiras que atuam
em profundidade e por vezes podem receber financiamentos de pecuaristas e de grandes plantadores
de soja.
As observações de BECKER (2004), procurando mitigar os efeitos ocasionados pelo denominado
“Arco do Desmatamento” ou “Arco do Fogo” do IBAMA, permite questionamentos, pois as
“queimadas” em escala global estão sendo apontadas como responsáveis pelo agravamento do
aquecimento do planeta, e ocasionando problemas de saúde para a população local.
Reconhecemos que a pesquisadora destaca a importância para os empreendimentos agro-
ecológicos destinados à manutenção da biodiversidade, podendo ser considerados como projetos
alternativos dos pequenos produtores, apoiados inclusive, pelo Programa Piloto para a Proteção de
Florestas Tropicais Brasileiras (PP-G7) que contabiliza o expressivo número de cerca de 140
experimentos na Amazônia. Segundo a geógrafa, estas iniciativas podem ser identificadas pelas
seguintes características: distribuição pontual e disperso; localizados em áreas alteradas contendo
resíduos florestais; proximidade de estradas e aproveitamento das experiências de agricultores
provenientes de antigos projetos de colonização, ou atuais assentamentos do INCRA. BECKER
(2004) acompanha com propriedade as transformações sócioespaciais da Amazônia e
particularmente do Centro de Rondônia, destacando o recuo das funções do Estado, assumidas
durante o Governo Militar, ressaltando o advento do trabalho das Organizações Não Governamentais
(ONGs) e a participação de instituições internacionais de cooperação técnico científica na
preservação da biodiversidade.
O posicionamento de BECKER (2004) é importante, pois resgata os agricultores familiares do
Centro de Rondônia que durante muito tempo foram abandonados e estigmatizados como
participantes do Regime Militar. Este fato pode ser observado quando expressivas lideranças do
regime são homenageadas, assim encontramos Ministro Mario Andreaza e Presidente Médici como
nomes de municípios, e Paulo de Assis Ribeiro, antigo Presidente do INCRA, homenageado no
Projeto Integrado de Colonização (PIC) de Vilhena.
A dimensão ética preconizada por WAIBEL (1979) mencionando a importância do agricultor
familiar para o trabalho nas áreas de fronteira foi absorvida pelo Governo Militar, quando fomenta a
migração de sulistas e de produtores do sudeste para a Amazônia privilegiando principalmente
descendentes de europeus, particularmente de italianos e de alemães em detrimento das comunidades
locais que não eram consideradas aptas para o trabalho agrícola. No entanto, a questão ética precisa
ser relativizada, pois foi colocada em segundo plano na medida em que uma significativa fração de
pioneiros, com o corre do tempo, consegue participar da política local empregando métodos
oligárquicos típicos do paternalismo, patrimonialismo e coronelismo existentes no Nordeste e na
Amazônia. Este procedimento é particularmente observado quando os municípios do centro de
Rondônia são desmembrados em função de composições políticas não em virtude de sua viabilidade
econômica, mas para abrigar o novo território uma fração representativa da distribuição do poder
realizada geralmente entre familiares ou correligionários de políticos locais.
Dilemas de Perspectivas
As intervenções atualmente previstas pelos grandes projetos de Rondônia, como a construção de
hidroelétricas e hidrovias formando o Complexo do Madeira, não contemplam iniciativas destinadas
a facilitar o escoamento da produção dos agricultores familiares oriundos dos antigos de Projetos
Integrados de Colonização (PICs) do Centro do Estado revelando a reduzida capacidade de pressão
deste segmento formada majoritariamente pelos pequenos proprietários de terra, herdeiros da Contra-
Reforma Agrária dos anos 70 promovido pelo Governo Militar localizados majoritariamente nas
antigas áreas dos Projetos de Ji-Paraná e Ouro Preto D’Oeste. No entanto, observamos uma
diferenciação sócio-espacial entre os herdeiros destes projetos formada pelos representantes
articulados do Complexo de Carnes e Grãos constituídos pela rede de produtores envolvidos, como
por exemplo, Grupo Maggi, Cargill e JBS/Fri-Boi que possuem terminais próprios construídos em
Porto Velho, destinados ao escoamento dos produtos para o mercado internacional, concentrados em
Vilhena no denominado Cone Sul do Estado em áreas do antigo Projeto Integrado de Colonização
(PIC) Paulo de Assis Ribeiro, funcionando como expansão geográfica dos interesses empresariais do
Norte de Mato Grosso. No entanto, a estrutura econômica destes produtores apresenta-se menos
expressiva do que seus congêneres mato-grossenses em virtude das rugosidades deixadas pelo
Projeto Integrado de Colonização originalmente sediado em Colorado D’Oeste.
A sobrevivência dos agricultores familiares remanescentes dos antigos Projetos de Colonização
localizados principalmente, em Cacoal, Ji-Paraná, Ouro Preto D’Oeste, Jarú e outros municípios
menores do Centro de Rondônia, está se tornando crítica, pois não existe consenso entre suas
organizações representativas sobre a necessidade de se integrarem aos grandes projetos energéticos e
hidroviários atualmente desenvolvidos no estado. Enquanto lideranças recomendam o escoamento da
produção para Porto Velho, outros concordam com a permanência dos portos de Paranaguá e Vitória
como exportadores dos produtos locais mantendo vínculos com suas comunidades de origem e
ressaltando a presença tradicional de agentes monopolistas comerciais na produção dos agricultores
familiares.
Os “linhões” do Centro de Rondônia fundamentais para a ocupação e colonização da região
promovida pelo Governo Militar, ainda são designados pelos números recebidos durante os
primórdios dos Projetos Integrados de Colonização (PICs) do INCRA, não permitindo a
identificação das características sociais e econômicas das comunidades locais. Procurando ressaltar a
identidade cultural destas comunidades, propomos a substituição desta designação numérica, pois
não expressam atualmente o processo de ocupação e povoamento da região bastante transformado
pela chegada de imigrantes. Assim, as designações numéricas deveriam ser substituídas pelos nomes
dos atores que tenham se destacado no trabalho comunitário ou pelos locais de origem dos
agricultores.
Recentemente, empresários do sudeste motivados pela obrigatoriedade de mistura de 2% ao diesel
mineral, a partir de 2008, e 5% em 2013, metas previstas no Programa Nacional de Biocombustível,
estiveram percorrendo o Centro de Rondônia para viabilizarem projetos de energia renovável, que a
pretexto de reduzir as emissões de carbono na atmosfera previsto pelo Protocolo de Kioto, além de
atenderem estratégicos interesses financeiros, pois o país gasta U$ 1,3 bilhões anualmente na
importação de diesel e acrescentando o fato de que a região possui vastas áreas degradadas incluídas
no denominado “Arco do Desmatamento” do IBAMA, tornando-se prioritárias para iniciativas
vinculadas ao biodiesel, pois também é fortemente dependente do transporte rodoviário, logo, do
consumo de combustível e conseqüentemente atrativa para empreendimentos energéticos
alternativos. No entanto, é necessário que estes empreendimentos não sejam executados
exclusivamente pelos grandes proprietários, pois tradicionalmente estas iniciativas são
concentradoras de terra e de renda não beneficiando os agricultores familiares majoritariamente
concentrados no Centro de Rondônia.
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