Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.428-439. <www.ephispucrs.com.br>.
PROPOSTA DE VALORIZAÇÃO DO DIALETO DE PORTO
NOVO COMO PATRIMÔNIO IMATERIAL
PROPOSED VALUATION OF THE PORTO NOVO DIALECT AS IMMATERIAL HERITAGE
João Vitor Sausen
Graduando em História/UFSM
Bolsista FATEC
Murilo de Melo Penha
Graduando em História/UFSM
Bolsista FATEC
RESUMO Porto Novo é uma antiga colônia de descendentes de “alemães” vindos em sua maioria do Rio Grande do Sul, e
nossa região de estudo, ao longo do tempo transformou-se nas cidades de Itapiranga, São João do Oeste e
Tunápolis. Estes que migraram descendiam das levas de imigração “alemã” para o Brasil. O que hoje é
conhecido como Alemanha, até 1871 era um conjunto de centenas de Cidades-estados, principados, condados,
ducados, reinos... com uma grande variedade cultural, inclusive linguística. Com a unificação política, buscou-se
trazer uma unidade a estes “alemães”, surgindo mais tarde uma língua oficial, o “Hoch Deutsche”, ou alto
alemão. Aqueles que emigraram antes deste processo não passaram por esta unificação político-cultural,
mantendo-se assim no solo brasileiro – como é o caso em questão – suas variedades linguísticas. Na região de
Porto Novo além do português é falado um dialeto teuto-brasileiro (que como os outros dialetos de imigração no
Brasil, é generalizado dentro do termo “Hunsrückisch”), o qual pode ser percebido em obras literárias, colunas
de jornais, entre outros. Tal dialeto tem uma grande importância para a população local, já que além de ser sua
forma de comunicação, é uma representação de sua cultura, sendo passado de geração em geração, perpetuando
assim as heranças culturais desses grupos imigrantes. Graças a tal importância sugerimos assim seu registro
como Patrimônio Imaterial.
Palavras-chave: Porto Novo, Dialeto teuto-brasileiro, Patrimônio Imaterial, Imigração alemã, herança cultural;
ABSTRACT Porto Novo is an old settlement of “German” descendants, that most part came from Rio Grande do Sul, is our
area of study, which became with the action of the time the cities called Itapiranga, São João do Oeste and
Tunápolis. Those who migrated were descendants from the “German” immigration to Brazil. What today is
knew as Germany, until 1871 was a set of hundreds of city-states, principalities, counties, ducats, reigns… with a
great cultural variety, including linguistic. With the politic-cultural unification, sought to bring a unity to these
“Germans”, arising sometime after an official language, the “Hoch Deutsche”, or high German. Those who
emigrated before this process did not pass through the political-cultural unification, keeping in Brazilian land –
as the present case – their linguistic varieties. In Porto Novo region, besides Portuguese, a German-Brazilian
dialect is talked (that with the other immigration dialects in Brazil, is generalized within the therm
“Hunsrückisch”), which can be noticed in literature, newspaper columns, among others. Such dialect has a great
importance for the local population, furthermore it is a way of communication, and it is a representation of its
culture, being passed throughout generations, perpetuating, then, the cultural heritage from these immigrants
groups. Thanks to that importance, we suggest, therefore, its register as an Immaterial Heritage.
Keywords: Porto Novo, German-Brazilian dialect, Immaterial Heritage, German Immigration, cultural heritage.
429
Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.428-439. <www.ephispucrs.com.br>.
Introdução
O Brasil é um amálgama de culturas, onde mais de 210 línguas são faladas, algumas
delas correm sérios riscos de extinção, devido a diminuição do seu número de falantes. Porto
Novo, região histórica do Extremo-Oeste catarinense, não é uma exceção à regra, sendo que
neste local são faladas um grande leque de línguas com seus respectivos dialetos,
provenientes dos diversos grupos que a habitaram ao longo do tempo. Ainda presente nesse
contexto, encontrasse o Hunsrückisch, língua de imigração com raízes na Renânia (atual
Alemanha), que hoje dificilmente será encontrada em solo teutônico, já que a dinâmica
linguística de lá foi distinta da brasileira.
O Hunsrückisch, da forma que hoje é encontrado em território nacional, torna-se
nesse artigo nosso objeto de estudo, sendo ainda, resultado de uma pesquisa desenvolvida no
Núcleo de Estudos do Patrimônio e Memória da Universidade Federal de Santa Maria
(NEP/UFSM) sob a orientação do Prof. Dr. André Luís Ramos Soares, iniciada neste ano
(2016) e apresentada com suas parcialidades no III Encontro de Pesquisas Históricas da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Visando a importância da língua para o indivíduo, juntamente com toda sua carga
cultural, este trabalho busca dar contribuições do ponto de vista histórico para a comunidade
em geral e ao projeto de registro do dialeto junto ao Inventário Nacional da Diversidade
Linguística (INDL), feito pelo Ipol (Instituto de Investigação e Desenvolvimento de Política
Linguística).
O cenário europeu
Em 1871, ano da Unificação da “nação” como II Reich, fez-se o primeiro projeto de
Estado-nação, baseados pelo seu critério generalizante: a língua1. Hoje, a Alemanha pode ser
vista como uma única entidade de corpo político e Estado-nação. Porém antes da unificação,
não existia um povo alemão, mas uma diversidade enorme de povos e culturas que não se
reconheciam a partir de uma identidade comum, devido a isso, podemos considerar os
primeiros alemães como um grupo extremamente heterogêneo.
1 Como coloca Eric Hobsbawm em seu livro “Nações e Nacionalismo desde 1780” , ideólogos da época
definiram a língua como o único indicador adequado de nacionalidade, assim, tal ideologia levou até a conflitos
por fronteiras, como é o caso da disputa de Schleswig-Holstein entre os alemães e os dinamarqueses.
430
Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.428-439. <www.ephispucrs.com.br>.
Figura 1: Mapa do Império Alemão em 1900 (mantêm-se as mesmas fronteiras de 1871), pode-se observar por
exemplo, os diversos Estados dentro da composição imperial, em azul claro a Bavária, em amarelo Baden entre
outros, que mantinham entre si suas variedades culturais e relativa autonomia frente ao imperador prusso. Tais
territórios foram unificados partir de um processo que levou décadas, e foi encabeçado pelos prussos, com seu
reino ilustrado na cor cinza. (Fonte da imagem: Wikimedia Commons)
Da Alsácia-Lorena à Prússia Oriental, ou de Schleswig à Baviera, as camadas mais
populares não falavam apenas uma língua, haviam diversos dialetos ou variações dessa
mesma. Sendo que se tratava de uma nação com grandes taxas de letrados, a língua ensinada
nas escolas públicas era o Hoch Deutsche (ou Alto Alemão), originária da parte montanhosa,
daí o nome “alto”, da atual Alemanha (que correspondia à Baviera, Baden e Würtemberg,
antigas monarquias alemãs). A adoção de tal língua como oficial da nação se deu pois:
(...) as línguas originalmente planejadas ou funcionando, como línguas
híbridas, para os que falam línguas populares mutuamente incompreensíveis,
ou como idiomas culturais para os cultos, são pressionadas para servir como
meio para a fala nacional (...) Se a escolha de uma língua nacional “oficial”
431
Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.428-439. <www.ephispucrs.com.br>.
fosse meramente feita por conveniências pragmáticas, ela seria relativamente
simples. Seria escolhido o idioma mais apto a ser falado e/ou entendido pelo
maior número de cidadãos, ou, aquele que mais facilitasse a comunicação
mútua. (HOBSBAWM, 2013, p. 130-131)
O projeto pós-unificação trouxe um reforço à esta questão, relegando os velhos
dialetos à sua própria sorte, dando preferência, assim, à língua que unificaria a nação, como
as armas e os acordos políticos fizeram com os Estados alemães. Assim coloca Eric
Hobsbawm:
A “nação” não era algo de crescimento espontâneo, mas um artefato.
Também não era historicamente nova, embora incorporasse características
que membros de grupos humanos muito antigos tinham ou pensavam ter em
comum, ou aquilo que os unia contra os “estrangeiros”, precisava realmente
ser construída. (2016, p. 155)
Fazia parte disto a adoção de uma língua que os unificasse2. Este não foi um processo
de curta duração; pelo contrário, levou décadas e ainda está em plena execução.
Entretanto, apesar de todo o ocorrido na Europa, do outro lado do Oceano Atlântico,
mais precisamente em solo brasileiro, havia “alemães”3 que não passaram por este processo,
sofrendo influência apenas dos efeitos iniciais do mesmo, onde grande parte desses imigrantes
teve acesso ao ensino básico e puderam aprender o Hoch Deutsche nas escolas, mas
costumeiramente mantendo a fala das suas línguas maternas.
A imigração alemã para o Brasil iniciou oficialmente após a fundação da colônia de
São Leopoldo, na então província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Aos poucos a presença
alemã foi sendo ampliada, ainda mais após 1850. Dali em diante há uma entrada maciça de tal
grupo. Corroborando, que a falta de oportunidades e propriamente a carência por mais terras,
nestas que são chamadas atualmente de “Colônias Velhas”, leva à fundação de novas
ocupações, dá-se então a migração para a região Missioneira, e mais tarde para a região do
Contestado4; seguido pelo oeste catarinense5.
2 A língua não só trazia a unificação à nação, ela também significava uma sobreposição às antigas culturas,
representava um leque de chances desiguais entre os que a falavam e os “teimosos” que mantinham sua fala
materna. (HOBSBAWM, 2013, p. 162-163) 3 Quando me refiro à “alemães” não importa o local de nascimento dos indivíduos, mas seus traços culturais,
desta forma, coloco o termo em uma ideia de nacionalidade e não de nascimento. Por outro lado, no caso dos
teuto-brasileiros, me refiro exclusivamente àqueles que nasceram em solo tupiniquim, mas que podem ser
generalizados com os provenientes de solo europeu como “alemães”. 4 Em 1895 foi acertado que a região seria de posse brasileira, e não argentina, poucos anos mais tarde, após o fim
da Guerra do Contestado, foi definido que as terras não seriam mais da cidade de Palmas (pertencente ao Estado
do Paraná), mas sim de posse catarinense. 5 A expansão não parou por aí, foi um processo contínuo de migração. Descendentes daqueles que migraram
para o Oeste, ou até alguns daqueles indivíduos foram além, ocupando pouco tempo depois o Oeste paranaense,
432
Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.428-439. <www.ephispucrs.com.br>.
Porto Novo e seus migrantes
Em 1926 foi fundada a partir da companhia colonizadora Volksverein, uma colônia
exclusiva para alemães católicos, logo na divisa de Santa Catarina com a Argentina e o Rio
Grande do Sul. Devido ao seu padroeiro a colônia ficou conhecida como “Porto Novo de São
Pedro Canísio”). Atualmente Porto Novo representa a região histórica da antiga colônia, que
em dias atuais compreende os municípios de Itapiranga, São João do Oeste e Tunápolis. Foi
povoada originalmente por migrantes das antigas colônias do outro lado do Rio Uruguai,
também alguns poucos que vinham da colônia de São Pedro de Alcântara (do outro lado de
Santa Catarina) e raros casos de imigrantes vindos diretamente da Alemanha.
Nas antigas colônias os teuto-brasileiros formaram um processo conhecido como
“ilhas linguísticas”6, ao formarem comunidades onde conviviam apenas com outros “alemães”
e pouco se relacionavam ao externo. Tal processo acontecia, já que:
Mesmo falando dialetos diferentes, dependendo da sua região de origem, os
membros de tal grupo étnico/linguístico minoritário se mantêm unidos por
causa do sistema de valores em comum. O fundamento para o
desenvolvimento e a estabilidade de tais sistemas de valores e normas é a
interação entre os membros do grupo durante um período prolongado,
resultando em densas redes sociais de comunicação. (TORNQUIST, 2003, p.
160)
Sendo assim, o contato com indivíduos que dividissem os mesmos valores ou
semelhanças dos tais, fez com que se mantivessem culturas originárias do Velho Continente.
Entretanto, o efeito das ilhas linguísticas não se dá somente no campo ideológico, dá se uma
reformulação linguística:
(...) diferentes dialetos foram trazidos para o Brasil, onde entraram em
contato direto uns com os outros dentro de uma mesma comunidade. Em
comunidades homogêneas o dialeto corrente era também a variante da
maioria e foi mantido; nas colônias heterogêneas houve um processo
inevitável, natural e muito forte de mistura de elementos dessas variedades
regiões mato grossenses, enfim, foram “subindo” pelo território brasileiro (me refiro aos provenientes das
colônias sul rio grandenses e não das outras colônias brasileiras, mesmo que possam ter tomado caminhos
semelhantes). 6 A partir da tradução de Ingrid Tornquist do original em alemão de Mattheier: “Uma ilha linguística é uma
comunidade linguística resultando da assimilação cultural impedida ou retardada. Constitui-se numa minoria
linguística separada de sua área principal e cercada por uma sociedade majoritária de aspectos étnicos e
linguísticos diferentes, da qual se isola, ou é isolada, por uma disposição sócio-psicológica a qual motiva a
separação”. (2003. p.160)
433
Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.428-439. <www.ephispucrs.com.br>.
orais, sendo que a variante da maioria normalmente se sobrepunha às
demais. (SPINASSE, 2008, p. 119)
Assim, uma região montanhosa e pobre da Renânia (Prússia na época) acabou por ter grande
protagonismo no cenário linguístico teuto-brasileiro: O Hunsrik.
Figura 2: Localização atual de Porto Novo, dividida entre os municípios de Itapiranga, São João do Oeste e
Tunápolis.
Seus habitantes foram grande parte do quociente total e assim tiveram presença
significativa nas ilhas linguísticas, desta forma seu dialeto, o Hunsrückische prosperou sob os
demais. E é esse plano que se transmitiu para a nova colônia, Porto Novo, levando-os a
viverem em uma nova comunidade, mas que em seu cerne tinha o “mesmo” corpo.
Apesar de tudo, a formação da colônia de Porto Novo apenas trouxe uma nova face ao
projeto, já que limitava seus participantes aos que fossem teutônicos de uma só religião
(Católica Apostólica Romana), salvo o caso de “caboclos” que lá viviam muito antes da nova
ocupação7. Como os colonos já tinham passado pelo processo das “ilhas”, o efeito foi ainda
mais forte, se pensarmos que mesmo que Porto Novo representasse uma comunidade, suas
7 Segundo Arlene Renk: “ A população brasileira (cabocla) encontrava-se localizada na área, no sistema de
posse, a partir de meados do século passado, levando um modo de vida tradicional, com agricultura em pequena
escala -nas terras de plantar- e criação de gado para o consumo- nas terras de criar. Voltava-se, também, ao
extrativismo da erva-mate. Com o processo de colonização, principalmente a partir de 1930, será expropriada da
terra, desestruturando o seu modo de vida peculiar”. (2006, p.37)
434
Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.428-439. <www.ephispucrs.com.br>.
subdivisões que possuíssem uma igreja e uma escola também representavam novas “ilhas”.
Todavia, nesse ambiente, esse processo foi limitado.
O processo da Nacionalização Compulsória em Porto Novo
Lembrando que o Brasil se tornou um estado independente desde 1822, ainda não
existiam os “brasileiros”, logo, vários foram os projetos para que se formasse essa
nacionalidade. Houve a instalação de escolas públicas, incentivos, porém, não muito eficazes.
Em 1937 em plena Era Vargas foi instituído um projeto de Nacionalização Compulsória, em
que, segundo Lúcio Kreutz:
Buscava-se uma universalização do conceito de povo e de nação,
desconsiderando-se as especificidades e as diferenciações culturais dos
grupos humanos que formavam o Estado-Nação. O processo escolar foi
acionado em função desta universalização e concebido em função dos
grandes projetos político-sociais, para transmitir e generalizar os princípios
da justiça e da igualdade, sendo que o lugar social e cultural a partir da qual
esta universalização estava sendo definida era o de uma única tradição
cultural. Forçou-se uma homogeneização a partir de certos núcleos de
adesão, realizou-se um movimento de integração e exclusão ao descrever
grupos, ao impor espaços, ao conferir a palavra ou negá-la. Neste sentido,
institucionalizou-se uma língua em detrimento das demais e em relação às
diversas etnias, construiu-se a representação que melhor correspondesse à
edificação do projeto nacional. Este discurso oficial, linear, não retratava as
tensões e os mecanismos de seleção/exclusão, de autorização/silenciamento,
presentes no processo histórico, sempre com uma carga muito forte de
tensões, conflitos e alianças. (2010, p. 74-75)
Entre os grupos de imigrantes, sofreram fortes impactos, como traz Roque Jungbluth:
O Brasil optou pela nacionalização dos descendentes de estrangeiros,
anulando-lhes a cultura e a tradição trazidas das velhas pátrias. Como
método optou pela violência. Como pedagogia, impôs símbolos,
personagens, tradições, artes, língua, impressos, aulas… exclusivamente
nacionais brasileiros. (2011, p. 261)
A partir de 1938 se institui o fechamento de escolas que não ensinassem o português, e
mais tarde proibiu-se o ensino da língua alemã. Em Porto Novo, fora fechada a Escola
Paroquial da Sede (Vila de Itapiranga na época) e pouco depois, todas as restantes, juntamente
com a demissão dos professores, e, em seguida, reabertas como escolas estaduais e com novos
discentes enviados pelo Estado. Tal processo não foi pacífico, algumas escolas demoraram
anos para reabrir, e em outras o professor que fora enviado nem recebia pensão, que antes era
435
Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.428-439. <www.ephispucrs.com.br>.
paga pela comunidade (Jungbluth, 2011, p. 262). Dadas as suas características, o processo de
nacionalização transformou Porto Novo em um alvo:
Vistos como “quistos étnicos” ou como “zonas desnacionalizadas”, estes
núcleos coloniais foram acusados de transmissores de ideologias
estrangeiras, que colocava em risco a segurança nacional do Brasil,
originando as medidas nacionalizadoras e repressivas do Estado Novo. Em
muitas regiões, como é o caso do núcleo de Itapiranga, até então, havia uma
ausência quase total do Estado. Não existia assistência governamental à
aquela zona, que se organizava em torno de elementos próprios. Escolas, por
exemplo, até 1938 era instaladas e mantidas no núcleo colonial pela
companhia colonizadora, inclusive com a contratação e o pagamento dos
salários dos professores. Como exigir a assimilação, se nunca foi oferecida a
oportunidade para tal por parte do governo? (MAYER, 2016, p. 162)
Não somente no campo administrativo, onde a Volksverein ainda mantinha o controle
do local, a língua também prosperava sobre o português, havendo assim, quase nenhuma
influência do governo federal:
A colônia de Porto Novo apresentava forte valorização de elementos
estrangeiros, entre eles a língua alemã, falada em todos os locais, inclusive
na igreja; sua principal fonte de leitura vinha da revista Sankt Paulusblatt
(editada em alemão); os rádios embora poucos , sintonizavam as estações de
rádio alemãs via ondas curtas; as escolas paroquiais ensinavam em alemão.
(MAYER, 2016, p. 163)
A partir de 1938, primeiro fora proibida a fala do alemão em locais públicos, mais
tarde, no ano de 1942, após a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, a fala do alemão,
e qualquer manifestação da língua resultaria em alguma punição, “falar em alemão era motivo
de denúncias que levaram muitos moradores de Itapiranga à prisão, afetando a vida social e
familiar de todos” (MAYER, 2016, p. 164). Ainda segundo Kreutz:
Com as políticas de nacionalização do ensino, criou-se um clima de tensão e
medo na região colonial dos imigrantes e a proibição da língua materna, que
era fator de identificação étnico-cultural e religiosa, atingiu a nova geração
que passou a um constrangedor silêncio sobre sua própria identidade. (2010,
p. 81)
A situação da guerra que colocou o Brasil do lado oposto ao dos alemães ocasionou
um grande “antigermanismo”8, trazendo preconceitos à tona. Os impactos à língua também
8 Deste processo tem origem expressões pejorativas destinadas aos teuto-brasileiros como: “alemão batata”,
“alemão grosso”, “alemon”, “quinta coluna”, ou “alemão nazista” (JUNGBLUTH, 2011, p. 267)
436
Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.428-439. <www.ephispucrs.com.br>.
não foram poucos, a opressão durante a nacionalização resultou em medo, mas apesar de
todos os reveses, a língua continuou a ser falada:
(...) a ideia propagada era de que os elementos “desnacionalizados” foram
todos transformados em brasileiros - fazendo com que todos falassem a
língua portuguesa -, na perspectiva do sucesso através de sua estratégia
política empregada, ora educativa, ora repressiva. Contudo, se o discurso era
de que todos foram nacionalizados, parece-nos que isso não se concretizou
totalmente em Itapiranga, visto que, até hoje, pessoas idosas não pronunciam
uma palavra sequer em português. (MAYER, 2016. p. 170)
Manifestações Escritas do Dialeto e a Temática do Patrimônio Imaterial
Atualmente, além de ser falado ou compreendido por grande parte da população local,
o hunsrückische pode ser encontrado em textos, livros (como é o caso do livro bilíngue “Uma
imigrante teuto romena e outros escritos”, de autoria de Ida Müller Welter, e publicado pelo
grupo PEST da UDESC de Florianópolis), além de uma coluna semanal no Jornal Expressão,
o Hunsrück Ecke (Canto do Hunsück), publicada de forma bilíngue, como consta abaixo:
Figuras 3 e 4: Coluna Semanal do Jornal Expressão.
437
Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.428-439. <www.ephispucrs.com.br>.
Da mesma forma como ocorre com o Hunsrück Ecke, os vários jornais que já
existiram no município tinham colunas bilíngues, visando tanto contemplar aqueles que não
compreendiam o português, quanto atuar como forma de manutenção e propagação do dialeto.
Este, como tantos outros, são indicadores da importância que o dialeto tem para a população
local, caso contrário, há tempos ele já teria sido abandonado, por isso sua importância sócio-
cultural o faz continuar:
A língua é um sistema social e não um sistema individual. Ela preexiste a
nós. Não podemos, em qualquer sentido simples, ser seus autores. Falar uma
língua não significa apenas expressar nossos pensamentos mais interiores e
originais; significa também ativar a imensa gama de significados que já estão
embutidos em nossa língua e em nossos sistemas culturais. (Hall, 2005, p.
40)
Toda essa competência dá à língua características suficientes para valorizá-la como
patrimônio cultural imaterial, de acordo com a Constituição Federal Brasileira de 1988:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores
da sociedade brasileira, nos quais se incluem (EC no 42/2003):
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados
às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
Parágrafo 1. O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá
e protegerá o patrimônio cultural brasileiro por meio de inventários,
registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de
acautelamento e preservação (...) (BRASIL, 2012, p.124)
E, adicionado ao mesmo, um Seminário Internacional promovido pelo Iphan Cearense
em 1997, além de trazer discussões quanto às formas de proteção do patrimônio imaterial,
acabou por produzir a “Carta de Fortaleza”, na qual:
(...) recomendavam-se o aprofundamento do debate sobre o conceito de
patrimônio cultural imaterial e o desenvolvimento de estudos para a criação
de instrumento legal, instituindo o “Registro” como principal modo de
preservação e de reconhecimento de bens culturais dessa natureza. (IPHAN,
2006, p. 13)
438
Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.428-439. <www.ephispucrs.com.br>.
Sendo assim, o registro da língua, ou do dialeto como é o objeto em questão, a
ferramenta necessária para o reconhecimento oficial de sua importância, como também, uma
forma de atuar em sua preservação.
Considerações Finais
Uma língua, além de ser uma manifestação cultural, também contempla um leque de
relações sociais que mantém um grupo, ao perder o direito de manifestá-la, uma comunidade
perde também seu vínculo social. A sua importância atravessa os tempos e se mantém sempre
presente.
Em um Estado-nação onde existem infinidades de línguas, porém, somente uma
adotada como oficial, há então a grande possibilidade de sobreposições e assim o
desaparecimento de algumas das línguas não adotadas. O Hunsrückische, como língua
minoritária corre este risco.
Ainda sim, mesmo sendo uma língua raramente escrita, o Hunsrückische se mantém
presente, em meio a todas as dificuldades que o confrontaram, assim, continua sendo
manifestado nas antigas colônias teutônicas, e onde quer que seus “filhos” passaram a viver,
tratando-se, então, de um elo materno.
Referências
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil : texto
constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas
Emendas Constitucionais nos 1/1992 a 68/2011, pelo Decreto Legislativo nº 186/2008 e pelas
Emendas Constitucionais de Revisão nos 1 a 6/1994. Edições Câmara: Brasília, 2012.
HALL, Stuart. A identidade cultural da pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da
Silva e Guacira Lopes Louro. DP&A ed.: Rio de Janeiro, 2005.
HOBSBAWM, Eric. A construção das nações. p. 137-160. In___: A Era do Capital (1848-
1875). Paz & Terra: Rio de Janeiro, 2016.
HOBSBAWM, Eric. Nações e Nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade.
Tradução de Maria Celia Paoli e Anna Maria Quirino. Paz & Terra: São Paulo, 2013.
IPHAN. Os sambas, as rodas, os bumbas, os meus e os bois: a trajetória da salvaguarda do
patrimônio imaterial no Brasil. Brasília Artes Gráficas: Brasília, 2006.
JUNGBLUTH, Roque. Porto Novo: um documentário histórico. Letra & Vida: Porto Alegre,
2011.
439
Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.428-439. <www.ephispucrs.com.br>.
KREUTZ, Lúcio. Escolas étnicas no Brasil e a formação do Estado Nacional: A
Nacionalização compulsória das escolas dos imigrantes. Poiésis: Tubarão, v. 3, n. 5, p. 71 –
84, Jan./Jun. 2010.
MAYER, Leandro. O medo e o silêncio no contexto da campanha de nacionalização.
In_______:FRANZEN, Douglas Orestes; MAYER, Leandro (orgs.). Porto Novo 90 anos:
perspectivas históricas e contemporâneas. Oikos Ed.: São Leopoldo, 2016.
RENK, Arlene. A colonização do oeste catarinense: as representações dos brasileiros.
Cadernos do CEOM, Chapecó, n. 23, p. 37-72, jan.-jun. 2006.
SPINASSE, Karen Pupp. O hunsrückisch no Brasil: a língua como fator histórico da relação
entre Brasil e Alemanha. Espaço Plural, n. 19, p. 117-126, set.2008.
<https://www.researchgate.net/publication/44288203_O_hunsruckisch_no_Brasil_a_lingua_c
omo_fator_historico_da_relacao_entre_Brasil_e_Alemanha?enrichId=rgreq-5f6a59bf-6e92-
43d3-8a31-
935d9d07333f&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzQ0Mjg4MjAzO0FTOjExNzY3NDkxNDg
4MTUzN0AxNDA1MDY3Mjk0NDI0&el=1_x_2>. Acessado em: 02/06/2016.
TORNQUIST, Ingrid Margareta. Linguagem e mentalidade entre teuto-gaúchos. In______:
CUNHA, Jorge Luiz da; GÄRTNER, Angelika (orgs.). Imigração alemã no Rio Grande do
Sul: história, linguagem, educação. Editora UFSM: Santa Maria, 2003.
Fontes das Imagens
Figura 1: Mapa do Império Alemão em 1900. Disponível em:
<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Karte_Deutsches_Reich,_Verwaltungsgliederung_
1900-01-01.png> . Acesso em: 13 out. 2016.
Figura 2: Mapa Escolar do Estado de Santa Catarina. Disponível em:
<http://www.infoescola.com/wp-content/uploads/2009/12/mapa-sc-municipios.jpg>. Acesso
em: 13 out. 2016.
Figuras 3 e 4: Jornal Expressão, edição 559, disponível em:
<http://jexpressao.com/edicoes.html>. Acesso: 13 out. 2016.
Top Related