UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PENAL:
ADMISSIBILIDADE PRÓ RÉU
SCHANA PEDRASSANI
Itajaí,16 de outubro de 2007.
ii
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PENAL:
ADMISSIBILIDADE PRÓ RÉU
SCHANA PEDRASSANI
Monografia submetida à
Universidade do Vale do Itajaí
– UNIVALI, como requisito
parcial à obtenção do grau de
Bacharel em Direito.
ORIENTADOR: Esp. FABIANO OLDONI
Itajaí,16 de outubro de 2007.
iii
DEDICATÓRIA
Dedico este
trabalho a meus amados pais, por sempre
estarem a meu lado, dando-me forças e
torcendo pelo meu sucesso.
iv
AGRADEÇO:
Em especial a meus pais,
por me proporcionarem com muito carinho
toda a educação até aqui alcançada,
inclusive a graduação neste curso;
A meus amigos, pelo suporte, incentivo e
compreensão que muito me auxiliaram na
presente pesquisa;
A meus professores, pelos ensinamentos e
discussões, críticas e sugestões que ao
longo desses anos possibilitaram a
construção de minha bagagem intelectual.
v
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total
responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando
a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca
Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do
mesmo.
ITAJAÍ , 16 de outubro de 2007.
Schana Pedrassani
Graduanda
vi
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Schana Pedrassani, sob o título
Provas Ilícitas no Processo Penal:Admissibilidade pró-réu , foi submetida em
14/11/2007 à banca examinadora composta pelos seguintes professores:
professor Presidente Esp. Fabiano Oldoni, Professor Examinador Msc. Osmar
Diniz Facchini e Professor Examinador Esp. Eduardo Erivelton Campos e
aprovada com a nota 9,5.
Itajaí, outubro de 2007
Professor Esp. Fabiano Oldoni
Orientador e Presidente da Banca
Professor Mestre Antônio Augusto Lapa
Coordenação da Monografia
vii
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CPP Código de Processo Penal
CF Constituição da República Federativa do Brasil
viii
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à
compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.
Indícios:
Indício é toda circunstância provada e conhecida, a partir da qual, utilizando-se de
raciocínio lógico, através do método indutivo, pode-se obter uma conclusão sobre
um outro fato.1
Processo Penal:
Direito Processual Penal é conjunto de princípios e normas que disciplinam a
composição das lides penais, por meio da aplicação do Direito Penal objetivo.2.
Prova:
Prova é todo e qualquer meio de percepção empregado pelo homem com a
finalidade de provar uma alegação3
Prova Ilícita:
É a obtida em desconsonância com normas de direito material, a uma norma
específica legal ou a um princípio de direito positivo.
O termo ilícito, usado pelo constituinte, tem sua origem etimológica no latim
illicitus (il+licitus), tendo dois sentidos: um, restrito,significando o que é proibido ou
vedado por lei,e outro,amplo e genérico,indicando o que é contrário á moral e aos
bons costumes,reprovável pela opinião pública e proibido pelo direito”.4
1 CAPEZ,Fernando.Curso de processo penal.5ª.ed.rev.São Paulo:Saraiva,2000 p.296 2 CAPEZ, Fernando.Curso de processo Penal. p.1 3 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal p.241 4 ARANHA, Adalberto José Q.T. de Camargo.Da prova no processo penal.4ª- edição atual e ampl. Saraiva:São Paulo,1996 p.51
ix
SUMÁRIO
SUMÁRIO..............................................................................................................ix
RESUMO...............................................................................................................xi
INTRODUÇÃO........................................................................................................1
CAPÍTULO 1 DAS PROVAS NO PROCESSO PENAL..........................................3 1.1 Conceito de Prova.............................................................................................3
1.2 Objeto da Prova ................................................................................................5
1.3 ClassificaçÃo das Provas..................................................................................7
1.4 Meios de prova..................................................................................................8
1.4.1 Do Exame de Corpo de Delito........................................................................9
1.4.2 Das Perícias em Geral .................................................................................11
1.4.3 Da Prova Documental ..................................................................................12
1.4.4 Do Interrogatório do Acusado ......................................................................14
1.4.5 Da prova Testemunhal .................................................................................16
1.4.6 Do Reconhecimento de Pessoas ou Coisas ................................................17
1.4.7 Da Confissão................................................................................................18
1.4.8 Da Acareação ..............................................................................................19
1.4.9 Dos Indícios .................................................................................................20
1.4.10 Da Busca e Apreensão ..............................................................................20
1.4.11 Das Perguntas ao Ofendido .......................................................................21
CAPÍTULO 2 DAS PROVAS ILÍCITAS.................................................................22 2.1.Avaliação da Prova..........................................................................................22
2.2Sistema das Provas legais...............................................................................23
2.3 Sistema da íntima convicção ou prova livre.....................................................24
2.4 Sistema da livre convicção ou persuasão racional..........................................25
2.5 Provas ilícitas x provas ilegítimas ...................................................................27
2.6 Princípios constitucionais aplicados a problemática de provas ilícitas............29
2.6.1 Princípio da Busca da Verdade Real ...........................................................29
2.6.2 Princípio da Liberdade Probatória................................................................30
2.6.3 Princípio do Livre Convencimento................................................................32
2.6.4 Princípio da Vedação de Provas Ilícitas.......................................................33
2.6.5 Princípio da Persuasão Racional na Aplicação da Prova ............................34
CAPÍTULO 3 ADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS PRÓ RÉU...............36 3.1 O indubio pro reo.............................................................................................37
3.2 teoria da proporcionalidade.............................................................................41
3.2.1 Origem Histórica ..........................................................................................41
3.2.2Aplicação no Direito Brasileiro ......................................................................45
x
3.3 Admissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos quando beneficiarem o
réu......................................................................................................................... 51
3.4 Orientação jurisprudencial...............................................................................63
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................68
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS...............................................................70
xi
RESUMO
O presente trabalho analisa o instituto da provas ilícitas em
favor do réu, tecendo estudos sobre as provas em sentido geral, seu objeto,
meios e valoração, assim como seus sistemas de apreciação e os princípios
constitucionais aplicados ao estudo das provas ilícitas. No que tange ao tema
específico a legislação constitucional vedou a utilização dos meios de prova
obtidos ilicitamente, tendo a doutrina e a jurisprudência, de forma majoritária,
adotado o entendimento da relativização do texto constitucional, principalmente
com relação ao tema proposto, no caso em que favorecerem o réu. Tal
entendimento baseia-se na teoria da proporcionalidade, que atribui um valor
axiológico a ambos os institutos, para sobrepesando-os, decidir qual terá
prevalência. Nesse contexto, tem como propósito também analisar a importância
dos princípios constitucionais existentes, que demasiadas vezes, não podem ser
aplicados simultaneamente, pois um interfere na esfera do outro, havendo a
necessidade de serem relativizados, mas não de maneira a exacerbar um e
esgotar o conteúdo de outro. Será utilizado o que por hora for considerado mais
relevante. Especificamente, insere a possibilidade de análise principiológica de
ambos, para a prevalência do direito a liberdade do réu, sobre a vedação
constitucional existente. Assim é o entendimento da doutrina e da jurisprudência,
demonstradas de forma sintética na presente pesquisa.
xii
ABSTRACT
The present work analyzes the institute of the illicit tests in
favor of the male defendant, weaveeing studies on the tests in general direction,
its object, ways and valuation, as well as its systems of appreciation and the
principles constitutional applied to the study them illicit tests. In that it refers to the
specific subject the constitutional legislation illicitly forbade the use of the gotten
evidences, having the doctrine and the jurisprudence, in most of the times,
adopted the agreement of the relativization to the constitutional text, mainly with
relation to the considered subject, in the case where to favor the male defendant.
Such agreement is based on the theory of the proportionality, that attributes a
specific value to both the justinian codes, for analising them, to decide which will
have prevalence. In this context, it has as intention also to analyze the importance
of the existing principles constitutional, that exaggerated times, cannot
simultaneously be applied, therefore one intervenes with the sphere of the other,
having the necessity to be relativized, but not in way to put one in the top and to
deplete the content of another one. It will be used what for the moment it will be
considered more excellent. Specifically, it inserts the possibility to analysis the
principles of both, for the prevalence of the right the freedom of the male
defendant, on the existing constitutional prohibition. Thus it is the agreement of the
doctrine and the jurisprudence, demonstrated of synthetic form in the present
research.
1
INTRODUÇÃO
O presente trabalho objetiva expor as posições doutrinárias,
jurisprudenciais e legais a respeito do tema provas ilícitas, especificamente de
sua admissibilidade em situações excepcionais quando tratarem de beneficiar o
réu, utilizando-se da teoria da proporcionalidade ou da proibição do excesso,
principalmente no caso em que for o único meio hábil para provar sua inocência.
Seu objetivo institucional é a conclusão do curso para
obtenção do grau em bacharel em direito.Tem como objetivo geral uma análise
sobre as provas ilícitas, e como objetivo específico um estudo sobre a
possibilidade de admissão das provas ilícitas pró réu.
A fim de orientar a exposição do tema, no primeiro capítulo
serão apresentados conceitos gerais sobre provas, seu objeto e meios, bem como
a exposição de breves comentários sobre os meios de prova legalmente
previstos.
No segundo capítulo será tratado da avaliação da prova,
seus sistemas de apreciação e alguns princípios constitucionais relevantes ao
estudo da problemática de provas ilícitas.
No terceiro capítulo serão trazidas informações sobre o in
dubio pro reo, a teoria da proporcionalidade como critério balizador da admissão
de provas ilícitas em casos excepcionais, bem como sua origem histórica e
aplicação no direito brasileiro. A seguir se explanará sobre a admissão de provas
ilícitas quando beneficiarem o réu, bem como o entendimento jurisprudencial dos
tribunais brasileiros sobre essa questão.
Mais adiante são tecidas as considerações finais da autora
sobre o tema proposto, bem como a verificação da hipótese inicial e as
referências bibliográficas utilizadas para a elaboração da presente pesquisa.
2
Para impulsionar a presente pesquisa parte-se da seguinte
problemática: Existem situações em que a prova obtida por meios ilícitos pode ser
utilizada em favor da defesa no processo penal ?
Para a presente monografia foi levantada a seguinte
hipótese:
• No processo penal as provas obtidas por meio ilícito
são admitidas em benefício do réu, quando este estiver despido de outras
maneiras de provar sua inocência.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase
de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados
o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente
Monografia é composto na base lógica Indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as
Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional, da Pesquisa
Bibliográfica e do fichamento.
.
3
CAPÍTULO 1
DAS PROVAS NO PROCESSO PENAL
Fato é a essencialidade da prova no ordenamento jurídico,
partindo-se da premissa da presunção de inocência (elencada no Art 9º da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 03/11/1979), pois ninguém
pode ser condenado sem que antes se prove o fato delituoso cometido por tal
pessoa.
1.1 CONCEITO DE PROVA
A prova é um meio de solidificação do ocorrido, uma forma de
explicitar ao órgão julgador o que realmente ocorreu, ou o que ao menos pode ser
comprovado substancialmente ao decorrer do processo. É, pois, o fundamento do
direito comprobatório.
Em sua origem, a palavra prova é originária do latim probatio,
que por sua vez emana do verbo probare, com significado de provar, demonstrar,
persuadir. Segundo Vicente Greco Filho prova é todo elemento que pode levar o
conhecimento de algum fato a alguém. Todo meio destinado a convencer o juiz a
respeito da verdade de uma situação de fato.5
A finalidade da prova é o convencimento do juiz, que é o seu
destinatário. No processo, a prova não tem um fim em si mesma ou um fim moral,
filosófico. Sua finalidade é prática, de forma que busca convencer o juiz. Não se
busca com a prova a verdade absoluta, a qual é impossível, mas sim a certeza
relativa que seja suficiente para a convicção do magistrado.
Ronaldo Tanus Madeira define a prova como:
(...) o conjunto de fatos produzidos pelas partes e, de ofício, pelo
próprio juiz, em um procedimento processual, cuja finalidade é a de
estabelecer uma verdade jurídica através da descoberta da verdade
5 GRECO, Vicente Filho. Manual de Processo Penal.5ª. Ed. Saraiva:São Paulo,1998,p. 19
4
real, e que possa, com segurança, levar o magistrado a prolatar uma
decisão final da causa. 6
Estabelecendo-se uma comparação para melhor
compreensão, provar é estabelecer a existência da verdade, e as provas são os
meios pelos quais se procura estabelecer essa verdade.
Por fim, pode-se conceituar a prova como o instrumento de
transmissão dos dados pelas partes conhecidas e para o judiciário não. Deve a parte
interessada de produzir a prova apresentar os meios necessários para que os que
não sabem dela tomem conhecimento de seus termos.
Busca-se com ela a configuração real dos fatos sobre as
questões a serem decididas no processo, que através da prova vão ser averiguados
pelo juiz, através de seu livre convencimento.
A fim de formalizar a sentença o magistrado deve ater-se as
provas que estão inseridas no processo, podendo, contudo, autorizar a produção de
alguma prova adicional ao melhor esclarecimento da questão.7
Como sabiamente doutrina Germano Marques da Silva8 o
termo prova é utilizado em tríplice significado:
a) prova como atividade probatória: ato ou complexo de atos que tendem a formar a convicção do juiz sobre a existência ou inexistência de determinada situação factual;
b) prova como resultado: a convicção do juiz formada no processo sobre a existência ou não de uma dada situação de fato;
c) prova como meio: o instrumento probatório para formar aquela convicção.
Portanto as provas, além e buscar o convencimento do juiz,
buscam demonstrar documentalmente que os fatos existiram ou não, ou que
ocorreram desta ou daquela maneira.
6 MADEIRA, Ronaldo Tanus. Da Prova e do Processo Penal. Rio de Janeiro: Liemen Juris, 2003. p 10 7MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2ª.ed.Vol. II .rev.Campinas/SP:Mileniumm, 2000. p. 330. 8 GRECO,Vicente filho. Manual de processo Penal. 5ª. Ed.Saraiva: São Paulo, 1998, p.196.
5
É o juiz quem vai dizer se o acusado é culpado ou inocente, e para
tanto ele precisa saber o que realmente aconteceu, quando e como
aconteceu. Seu trabalho se equipara ao de um historiador que
procura, com os meios de que dispõe, reconstruir fatos passados.
Assim, a finalidade das provas é mostrar para o julgador o que
realmente ocorreu, para que ele faça um juízo de valor e procure
restaurar, na medida do possível, a verdade real.9
Desta monta percebe-se que a iniciativa de comprovação é
das partes, podendo o magistrado determinar de ofício diligência para afastar
dúvidas sobre algum ponto relevante.
1.2 OBJETO DA PROVA
O objeto da prova são os fatos. Mas nem todos os fatos
devem ser submetidos à atividade probatória. Apenas os fatos pertinentes ao
processo é que suscitam a necessidade de serem demonstrados, já os fatos
impertinentes, que não estão relacionados com a causa, não devem ser
comprovados, devendo o juiz não autorizar provas nesse sentido, sob pena de se
desenvolver atividade inútil.
Além de pertinentes, só devem ser comprovados os fatos
relevantes, que são os que podem influir, em diferentes graus, na decisão da causa.
Os fatos irrelevantes são, na realidade, também impertinentes10.
Importante salientar que a prova em processo penal é
diferente da prova em processo civil, pois enquanto no direito civil devem ser
provados apenas os fatos controversos, no direito penal todos os fatos devem ser
comprovados, mesmo os fatos notórios, se corresponderem a elementares do tipo
penal.
Nesse raciocínio não é porque a morte de alguém seja fato
notório que poderá ser dispensado o exame de corpo de delito, nem porque o réu
confessou a autoria que esta deixa de ter a necessidade de ser comprovada.11
9 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa .Processo penal.vol II.14ed. São Paulo: Saraiva,1993 p. 214. 10 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal.p. 214.
6
Apenas são dispensados de prova os fatos notórios
circunstanciais, observando-se que basta a chamada notoriedade relativa, que é
aquela que abrange o local do processo e o tribunal que julgará em segundo grau.
Finalmente independem de prova os fatos em cujo favor milita
presunção legal de existência ou de veracidade, pois em ambos se a lei dá como
verdadeiro determinado fato, está a parte dispensada de prová-lo, em sendo a
presunção absoluta. Em sendo a presunção relativa, a parte em favor de quem milita
a presunção não precisa prová-lo, incumbindo à parte contrária o ônus de produzir,
se for o caso, a prova contrária . 12
Resumidamente o objeto da prova são os fatos relevantes,
pertinentes, e não submetidos a presunção legal.
Manzini doutrina que o objeto de prova são todos os fatos,
principais ou secundários, que reclamem apreciação judicial e exijam
comprovação.13
O thema probandum ou objeto de prova é a coisa, fato,
acontecimento ou circunstância que deva ser demonstrado no processo.14
Na visão de Florian: é “aquilo que o juiz deve adquirir o
necessário conhecimento para decidir sobre a questão submetida a seu julgamento”.
Acrescenta-se a seu ensinamento que:
O objeto da prova pode considerar-se:
a) como possibilidade abstrata de averiguação, isto é, como o que se pode provar em termos gerais (objeto da prova em abstrato);
b) como possibilidade concreta de averiguação, ou seja, como aquilo que se prova,ou se deve ou se pode provar em relação a um determinado processo (objeto da prova em concreto)15.
11 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal.5ª.ed .rev.São Paulo: Saraiva,2000. p.242 12 GRECO, Vicente filho. Manual de processo Penal p. 196 13 MANZINI,Tratado de Derecho processual Penal, trad. Sentis Melendo,vol III. p 206 14 MARQUES,José Frederico.Elementos de Direito Processual Penal p. 331 15 FLORIAN, Eugenio. Elementos de Derecho Processual Penal ;delle prove penali. vol I, 1921 p. 49 abud Marques,José Frederico.Elementos de Direito Processual Penal p. 331
7
Partindo-se do princípio que o juiz deve conhecer o direito,
este não deve ser objeto de prova, a menos que seja direito específico, como o
municipal ou estadual, sendo interessante nesse caso mencioná-los. Senão o objeto
de prova de ser apenas os fatos que dizem respeito a questões de fato relevantes
no processo.
Como bem demonstra José Frederico Marques o juiz se
presume instruído sobre o direito a aplicar, os atos instrutórios só se referem à prova
das quaestiones facti. 16
Porém, se o direito for consuetudinário ou estrangeiro podem
sim ser objeto de prova. Como que ocorre do direito singular de determinadas
autarquias, por exemplo, no uso de seu poder regulamentar, ou ainda expedindo
portarias, instruções, ordens internas e até disposições disciplinares de repartições
públicas, secretarias de estado e ministérios.
Também não necessários de comprovação são os fatos
evidentes, pois evidência, segundo a doutrina de Manzini, é a própria prova, pelo
que provare evidente é impresa da idioti”17
Mas no processo penal, não se exclui o chamado fato
incontroverso, ou fato admitido. O juiz criminal não é obrigado a admitir o que as
partes afirmam como sendo incontestável, uma vez que a ele é dado indagar sobre
tudo o que lhe pareça suspeito ou obscuro.18
1.3 CLASSIFICAÇÃO DAS PROVAS
A doutrina oferece inúmeras classificações das provas, sendo
de José Frederico Marques a seguinte classificação, onde as provas podem
constituir-se de provas históricas ou de provas críticas, e de provas pessoais ou de
provas reais:
Prova histórica é um fato representativo de outro fato, tal como o conteúdo de um documento ou o depoimento de uma testemunha”. A prova crítica, ao revés, não tem função representativa, mas apenas
16MARQUES, José Frederico.Elementos de Direito Processual Penal.p. 331 17 MANZINI abud MARQUES, José Frederico.Elementos de direito processual penal. p.332 18 MARQUES, José Frederico. abud FERRARI, Eduardo Reale.2ª. Ed.Campinas/SP:Milleniumm, 2000 p.332
8
indicativa, pois que não é um equivalente sensível do fato a provar: é o que sucede, verbi gratia, com os indícios.
Provas reais são aquelas em que o elemento instrumental está constituído por uma coisa ou bem exterior ao indivíduo; já as provas pessoais são aquelas cujo objetivo instrumental está constituído por um ser com personalidade e consciência que contribui para formar o convencimento do juiz mediante declarações de conhecimento 19
Já na classificação de Julio Fabbrini Mirabete
Quanto ao objeto, a prova pode ser direta ou indireta,quando por si demonstra o fato, quando da a certeza de testemunhas, documentos, etc.ou indireta, quando comprovado um outro fato, se permite concluir que o alegado diante da sua ligação com o primeiro, como na hipótese de um álibi, em que a presença comprovada do acusado em lugar diverso do crime permite concluir que não praticou o ilícito.
Em razão de seu efeito ou valor, a prova pode ser plena, completa, convincente (ex.exigida para a condenação), ou não plena, uma probabilidade de procedência da alegação (suficientes para medidas preliminares como arresto, seqüestro, prisão preventiva, apreensão, etc).
As provas também podem ser reais ou pessoais. São reais as provas que consistem em uma coisa ou bem exterior e distintas do indivíduo (a arma, o lugar do crime, o cadáver, as pegadas, as impressões digitais, etc.). São pessoais as que exprimem o conhecimento subjetivo e pessoal atribuído a alguém: o interrogatório, os depoimentos, as conclusões dos peritos etc.
No tocante a sua forma ou aparência, as provas podem ser documentais, testemunhais e materiais (corpo de delito, exames, vistorias, instrumento do crime etc). 20
1.4 MEIOS DE PROVA
Meios de prova são os instrumentos pessoais ou materiais
aptos a trazer ao processo a convicção da ocorrência ou não de um determinado
19 MARQUES,José Frederico.Elementos de direito Processual Penal. p. 334 20 MIRABETTE,Júlio Fabrini . Processo Penal. p. 258.
9
fato. É tudo quanto possa servir, direta ou indiretamente, a comprovação da verdade
que se busca no processo.
Pontes de Miranda ensina que “são as fontes probantes, os
meios pelos quais o juiz recebe os elementos ou motivos de prova”. Através desses meios
o juiz forma a sua convicção, enquanto as partes procuram demonstrar o que
alegaram. 21
O Código de Processo Penal disciplina como meios legais os
seguintes meios de prova: o exame de corpo de delito e outras perícias (art 158 a
184), o interrogatório do acusado (arts. 185 a 196), a confissão (arts. 197 a 200), as
perguntas ao ofendido (art. 201), as testemunhas (arts. 202 a 225), o
reconhecimento de pessoas ou coisas (arts. 226 a 228), a acareação (arts. 229 e
230), os documentos(arts 231 a 238), os indícios (arts. 239) e a busca e apreensão
(arts. 240 a 250).
Mas existem outros meios de prova também admissíveis,
desde que respeitem os valores da racionalidade e da pessoa humana, entrando em
conformidade com o processo, pois a busca da verdade real fez com que os
requisitos da prova na forma objetiva fossem reduzidos ao máximo possível,
trazendo as partes uma grande autonomia quanto aos meios de prova que podem
ser utilizados.22
Por essa razão fala-se em provas inominadas, perfeitamente
utilizáveis se não entrarem em confronto com alguma restrição legal.
1.4.1 Do Exame de Corpo de Delito
Toda infração que deixar vestígios será demonstrada por
exame de corpo e de delito, direto ou indireto, vedado seu suprimento mesmo que
haja a confissão do acusado.
21 MIRANDA, Pontes de.Comentários ao código de Processo Civil.vol II. p 155 abud MARTINS, Jorge Henrique Schaefer.Prova Criminal.Modalidades.Valoração p. 333 22MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prova Criminal. Modalidades, Valoração p.340
10
Quanto ao seu resultado, os crimes podem ser materiais,
formais ou de mera conduta. Apenas os crimes materiais prescindem de exame de
corpo de delito ou outras perícias, o que não ocorre com os outros tipos de
resultado.23
Crimes materiais são aqueles que necessitam de um resultado
externo, que exigem a ocorrência de um determinado resultado para que se
configure (como a subtração nos crimes de furto ou roubo e a morte no caso de
homicídio, por exemplo). São aqueles crimes que não podem ser consumados sem
que tenha ocorrido um dano efetivo no direito concreto. 24
Conceitualmente pode-se dizer que o corpo de delito é a prova
que atesta a ocorrência material do crime.
Corpo de delito, propriamente, não pode designar senão tudo o que representa a exteriorização material e a aparência física do delito. Mas a exteriorização material, e a aparência física do delito só podem consistir no que, achando-se imediatamente ligado à consumação do próprio delito, representa, podemos dizer, a sua figura física25.
Se impossível sua realização e, em caso de sua substituição
por boletim médico, este instrumento deverá noticiar a existência do mal físico, pois
se não o contiver, não é possível prosseguir para a realização de uma audiência
preliminar.
Também se deve especificar a natureza da lesão, os riscos e
os danos que a mesma produziu, porque poderá implicar na efetivação para a
composição dos danos civis, no oferecimento da denúncia, ou o que mais seja
necessário.26
Em regra, o exame de corpo de delito deverá ter sido
realizado antes do oferecimento da peça acusatória, pois visa demonstrar a
23 GRECO, Vicente Filho. Manual de Processo Penal.p. 200 24MARTINS, Jorge Henrique Schaefer.Prova criminal.Modalidades.Valoração p. 336 25 MALATESTA, Nicola Framarino dei . A lógica das provas em matéria criminal, tradução de J.Alves de Sá.2ª. Ed.Lisboa: Clássica, 1927 p. 34. 26 GRECO FILHO,Vicente. Manual de Processo Penal p. 223
11
ocorrência do fato delituoso, podendo, porém ser realizado no curso do feito, desde
que existam indícios suficientes para que o magistrado o autorize.
O auto de exame de corpo de delito pode ser direto ou
indireto. O direto, em consonância com o artigo 167 do CPP consiste naquele
realizado sobre os vestígios deixados pela infração, enquanto o indireto caso
desapareçam os vestígios, pode valer-se por intermédio da oitiva de testemunhas.27
1.4.2 Das Perícias em Geral
A perícia, de procedimento idêntico com o corpo de delito,
deve ser realizada por dois peritos oficiais, ou se não for possível, por duas pessoas
idôneas, com diploma de curso superior, de preferência que possuam habilitação
técnica na área. Ambas as pessoas deverão prestar compromisso (incisos I e II do
art. 159 do CPP).
Diferentemente da nulidade causada pela ausência do exame
de corpo de delito, a inexistência de outras perícias, mesmo que muitas vezes
indispensáveis para o esclarecimento da verdade, não implica na invalidade do feito.
Seu requerimento pode ser feito pelo juiz ou autoridade policial
competente, direito também facultado as partes, e indeferido quando se perceber
não serem necessárias ao esclarecimento da verdade, de acordo com o texto legal
(art. 184 CPP).
Em consonância com o entendimento do Supremo Tribunal
Federal,quando a perícia for realizada na fase investigatória, em caráter cautelar,
justificada pelo risco de desaparecimento dos elementos que possam instruí-la, não
deixa ao indiciado a oportunidade de formular quesitos.28
27 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer.Prova criminal.Modalidades.Valoração p. 37e 38 28 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. p. 220
12
Em caso de a autoridade policial não aceitar uma determinada
perícia, o pedido pode voltar a ser feito posteriormente, para que seja decidido pela
autoridade judiciária.
Mas se essa perícia for realizada no curso da instrução
processual, deve-se permitir as partes o oferecimento dos quesitos, a fim de se
observar o princípio do contraditório, para que acabem com os pontos duvidosos
que eventualmente queiram resolver.29
Dentre os exames periciais pode-se citar o de insanidade
mental do acusado e os de dependência toxicológica, bastante comum nos
processos.
Não tendo sido efetuada por determinação da autoridade que
preside a investigação ou o processo, e tendo ocorrido o indeferimento de qualquer
das partes, poderão elas interpor recurso contra essa decisão, por cerceamento de
defesa ou de acusação, casos em que o reexame deverá ser concedido. 30
O laudo pode ser aceito ou recusado pelo magistrado, de
forma parcial ou integral, ou ainda em caso de divergência entre os peritos existe a
possibilidade de nomeação de um terceiro para sanar as eventuais dúvidas
ocorridas com os dois primeiros exames.
Caso necessário, o magistrado pode até ordenar a realização
de uma nova perícia, em casos de discrepância extrema entre os laudos, ou apenas
por sua conveniência.
1.4.3 Da Prova Documental
São reconhecidos como prova documental, para fins de
legislação processual penal, qualquer escrito, em instrumento ou papel, tanto na
forma pública quanto particular, sendo ele original ou fotografia devidamente
autenticada. (artigo 323 e parágrafo único CPP).
29 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer.Prova Criminal,Modalidades.Valoração p. 40. 30 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer .Prova criminal. Modalidades, Valoração.p.40
13
Na doutrina de Júlio Fabbrini Mirabete “o documento é a
escrita que condensa graficamente o pensamento de alguém, podendo provar um
fato ou realização de algum ato dotado de significado ou relevância jurídica” 31.
Também nesse sentido, encontra-se a doutrina de Carlos
J.Rubianes: 32
Caracteriza-se como a coisa, papel ou outro material, sobre qual o homem, mediante alguma inscrição manuscrita ou qualquer outra forma semelhante de instrução gráfica, expõe um pensamento, sentimento ou vontade, narra uma experiência ou fato vivido, ou acontecimentos relativos a outras pessoas, ou ainda se comunica com outros homens, ainda podendo registrar atos ou fatos capazes de produzir efeitos jurídicos, podendo lhe dar ainda os mais diversos conteúdos, que podem ser reproduzidos por linguagem escrita ou outra modalidade similar.
É uma forma histórica real, visto que representa fatos e
acontecimentos já ocorridos dentro de um determinado objeto físico, como
preleciona José Frederico Marques. 33
Segundo a legislação, os documentos podem ser públicos ou
particulares. Público sendo o expedido nos moldes da lei, por um funcionário
público, no exercício das atribuições de seu cargo. Portanto, é necessária a
competência do funcionário que o redige, sua qualificação para tal, assim como a
necessidade de que se forme o ato dentro de suas funções públicas, também em
conformidade com as formalidades já exigidas para tal documento.
Particular é o feito, ou ainda apenas assinado por particulares,
não tendo nenhuma interferência de funcionário público no uso de suas atribuições.
Em alguns casos, aonde o documento público não tiver algum requisito legal para
que possa ser considerado público ele valerá como particular, desde que esteja
devidamente assinado.34
31 MIRABETTE, Júlio Fabrini . Processo Penal p. 312 32 MIRABETE, Julio Fabrini .Processo penal p.270 abud RUBIANES, Carlos p.385 33 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. p.417 34 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal p. 414
14
Segundo Mirabete 35ainda podem ser classificados em
originais ou cópias, originais aqueles que foram escritos genuinamente. Cópias
como a reprodução de tal documento original, de forma translada, pública forma,
certidão inteiro teor, dentre outras. A fotografia do documento também é considerada
cópia, assim como a fotocópia.
Quanto aos requisitos necessários aos documentos, são
indispensáveis a autenticidade e a verdade. A verdade como a real ocorrência do
que o documento contém, ou pretende demonstrar. A autenticidade servindo como
certeza legal de que o documento adveio da pessoa a quem ele foi atribuído.
Os documentos públicos já se presumem autênticos, de
acordo com o princípio do juris tantum. Já o documento particular apenas é
considerado autêntico após ser devidamente reconhecido por oficial público, ou
ainda nos casos de exame pericial.36
As públicas formas só terão valor probante quando
conferidas com o original, em presença de autoridade, de acordo com o artigo 237
do código de processo penal. 37
Quanto a produção da prova documental, esta cabe as
partes, que poderão fazê-lo em qualquer momento do processo ou da investigação
criminal, de acordo com o artigo 231, ainda podendo fazê-lo na fase recursal,
havendo vedação quanto as fases específicas para a produção dessas provas
quando se tratar de tribunal do júri (artigo 406, inciso II e artigo 475 CPP).38
1.4.4 Do Interrogatório do Acusado
O interrogatório, de acordo com o texto de lei, (art 185 do
CPP) realiza-se na presença do juiz, sendo ato judicial desde que feito perante
35 MIRABETE, Júlio Fabrini. Processo Penal. p. 313 36 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. p.414 37 MIRABETTE, Júlio Fabrini.Do processo penal. p.300 38 MARTINS, Jorge Henrique Schaeffer. Prova Criminal. Modalidades.Valoração p.43
15
autoridade judicial devidamente instituída, de forma oral, vedada a forma escrita, a
menos que o indiciado seja surdo/mudo, e não possa se comunicar de outra forma,
casos em que as exceções estão especificadas devidamente nos artigos 192, I, II, III
da legislação processual, e somente aceitas nesses casos.
É, pois, a oportunidade dada ao acusado de apresentar sua
versão do ocorrido, podendo negar a autoria, os caracteres de crime, ou mesmo se
admitir o ato, vir a justificar as razões pelas quais veio praticá-lo.
De acordo com a legislação vigente o acusado tem o direito de
permanecer calado, não podendo este fato ser usado contra ele.Mas a defensiva de
silêncio do réu, juntamente com outros elementos dos autos, pode fornecer ao juiz a
convicção de que ele precisa para o julgamento.
Mirabette também dispõe o interrogatório não apenas como
meio de prova, mas também como meio de defesa, principalmente quanto a
disponibilidade do acusado de falar ou não na produção de tal prova. Portanto na
visão do doutrinador, esse caráter misto do interrogatório é que o faz também ser
meio de defesa, além de meio de prova.
Ainda na visão do doutrinador:
A audiência de interrogatório constitui ato solene, formal, de instrução, sob a presidência do juiz, em que se indaga ao acusado sobre os fatos articulados na denúncia ou queixa, deles lhe dando ciência, ao tempo em que lhe abre oportunidade de defesa. 39
O interrogatório também poderá ser iniciado pelo
comparecimento voluntário do réu ou ainda em virtude de intimação, diante de
autoridade judiciária, ou ainda se o quiser no momento de sua prisão, desde que
durante o curso do processo penal. Nesses casos o réu será qualificado e
interrogado, de acordo com o artigo 185 do CPP.
Como é previsto em quase todas as modalidades de
procedimento, desde que recebida a peça acusatória, retirando-se os crimes de
imprensa (aonde é facultado) e nos crimes eleitorais (que nada disciplina a lei
39MIRABETTE, Júlio Fabrini .Processo penal.10ª.ed.São Paulo;Atlas,2000 p. 277.
16
específica sobre isso), o juiz pode designar data, assim como o acusado se dispor
ou não a ser interrogado. 40
Pode ser realizado novamente a todo tempo pelo
magistrado, se assim considerado necessário.
É ato exclusivo do juiz, não podendo sofrer a interferência
da acusação nem da defesa, mesmo que não explícito, havendo a igualdade entre
as partes (art. 187 do CPP).41
1.4.5 Da prova Testemunhal
Prova testemunhal é a realizada através da oitiva de pessoas
que presenciaram alguma circunstância ou etapa do crime, estando presentes
durante sua realização, ou se não for o caso, que saibam ou acredite-se que saibam
de alguma informação útil ao esclarecimento da causa.
Os depoimentos testemunhais, assim denominados os
esclarecimentos prestados por pessoas convocadas a comparecer
em juízo para informar sobre a prática de um fato pretensamente
criminoso ou infracional, ou mesmo para esclarecer a respeito de
hábitos, comportamento ou forma de viver do infrator, ou também da
vítima, constituem a prova testemunhal. 42
O depoimento prestado pela testemunha, como cita a
doutrina, deve conter características como a oralidade, a objetividade, a judicialidade
e a retrospectividade. Da judicialidade entende-se que só o depoimento prestado em
juízo é prova testemunhal. Mesmo que preste depoimento fora do processo a prova
é produzida para o juiz, que deverá apreciá-la no julgamento. Já pela oralidade
percebe-se que o depoimento deve ser prestado a viva-voz, salvo algumas
exceções, devendo após ser reduzido a termo.Também deve ser objetivo,
significando que a testemunha deve ater-se aos fatos, sem ditar suas opiniões ou
emitir qualquer juízo de valor.Ainda deve atender ao princípio da retrospectividade,
40 MARTINS,Jorge Henrique Schaeffer.Prova criminal.Modalidades.Valoração.Curitiba: Juruá,1996 p. 51 41 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer.Prova Criminal p. 53 42 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prova criminal p. 60
17
pelo qual ela dispõe sobre os acontecimentos passados, porém sem fazer nenhum
juízo dos mesmos.
Via de regra toda pessoa pode ser testemunha, devendo o juiz
valorar cada depoimento de acordo com as circunstâncias. Porém não prestarão
compromisso os menores de 14 anos, bem como os doentes e os deficientes
mentais. Também nos casos em que houver consangüinidade,como descendente,
ascendente ou afim em linha reta, cônjuge ou ex-cônjuge, irmão ou filho adotivo do
acusado(art. 202 e 208 CPP).
As testemunhas “suspeitas de parcialidade ou indignas de fé”
não estão incapacitadas a depor, mas podem ser objeto de contradita, para que
dessa maneira o juiz possa colher elementos para estimar o real valor de seu
depoimento (art. 214, CPP).
Prestado o depoimento estão comprometidas legalmente em
dizer a verdade (art 203). As informações prestadas serão orais, não podendo ser de
forma alguma substituídas por documento escrito (art 204).
Cada testemunha será ouvida isoladamente, salvo em tribunal
do júri, aonde serão questionadas em plenário.
O limite de testemunhas é do número de oito para cada uma
das partes, compreendendo oito para a acusação e oito para a defesa, não somando
a esse número aquelas testemunhas que não prestaram compromisso, bem como
as referidas. 43
1.4.6 Do Reconhecimento de Pessoas ou Coisas
Reconhecer é admitir como certo, verificar, afirmar.
Pelo ato do reconhecimento se faz a confirmação e verificação
da identidade da pessoa ou da coisa que é exibida, podendo distingui-la de qualquer
outra, evitando que seja confundida com qualquer outra semelhante:
43 MIRABETE, Julio Fabrini.Processo Penal. p.298
18
O processo de reconhecimento se faz através da lavratura de auto circunstanciado subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada a fazer o reconhecimento, além de duas testemunhas, tanto quando se trate de coisas quanto de pessoas.
A jurisprudência aceita diversas formas de reconhecimento, desde que demonstrem fiel credibilidade, podendo ser elas de pessoas, fotográfica ou de voz humana. 44
Uma importante distinção entre elas refere-se ao momento em
que são produzidas. No interrogatório não é necessário a presença de um
advogado, por tratar-se de procedimento investigatório, já no processo há essa
necessidade, por já se tratar de procedimento probatório.
Havendo dúvida quanto ao reconhecimento ele deve ser
rejeitado, a fim de que não se recaia em erro.
1.4.7 Da Confissão
É a admissão por parte do acusado do cometimento da
infração delituosa, podendo ser realizada durante o interrogatório ou em outra
oportunidade a dispor.
Apresenta a modalidade integral ou parcial, admitindo também o
instituto da retratação para o acusado, onde percebe-se rotineiras vezes,a retirada da
confissão por parte do acusado,ou sua admissão posterior a primeira inquirição.
Salienta-se que o reconhecimento da autoria do fato distingue-se da
confissão do crime, pois é cediço que o acusado pode praticar uma conduta tipificada como
criminosa, mas tê-la feito em amparo a alguma excludente de antijuridicidade. A cautela na
apreciação de tal fato é fundamental. 45
Em caso de não admissão por parte do acusado as demais
provas poderão suprir sua negativa, a fim de formarem o material necessário ao
julgamento do feito.
44NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Curso Completo de Processo Penal. 11ª.ed. Saraiva:São Paulo,2000. p.232 45 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer .Prova Criminal.Modalidades.Valoração p.38
19
Importantíssimo papel da confissão para a instrução
processual reside no fato que durante tal produção de prova podem ser descobertos
os co-autores do crime.
1.4.8 Da Acareação
Com a realização da prova testemunhal podem ocorrer
confrontações entre as declarações das testemunhas que já foram ouvidas,
ocasiões em que se utiliza o instituto da retratação a fim de se verificar qual foi o
equívoco cometido, e construir uma única história a respeito da situação em debate.
Ao posicionamento de Tourinho Filho:
Acareação, ou confrontação, consiste em colocar duas ou mais pessoas (réus, vítimas, testemunhas), cujos depoimentos sejam conflitantes, em presença uma da outra, cara-a-cara para que expliquem as divergências 46.
Desta monta, através dos aspectos semelhantes e conflitantes
busca-se construir uma versão mais concreta da história, para encontrar a verdade.
Quanto as pessoas que podem ser acareadas entre si o CPP
admite os acusados, os acusados e as testemunhas, as testemunhas, as
testemunhas e o ofendido, o acusado e o ofendido, e o ofendido.
Pode ser feita por determinação da autoridade judiciária ou
policial, ou ainda por requerimento de qualquer das partes.
Após realizada deve ser reduzida a termo, onde encontram-se
as discordâncias dos acareados, bem como as respostas que deram a cerca dos
fatos em discussão.
Possível é sua realização por precatória, coletando-se as
informações e encaminhando-as ao juízo deprecado, apontando aonde residem as
diferenças indispensáveis ao esclarecimento.
46 TOURINHO FILHO, Fernando Da Costa.Processo Penal p.87
20
1.4.9 Dos Indícios
Os indícios não são considerados provas dos fatos, mas sim
das circunstâncias que os rodeiam.
Sobre esse posicionamento doutrina Paulo Lúcio Nogueira:
Indícios são certas circunstâncias que nos permitem chegar à
verificação da existência de um fato. Por um raciocínio intelectual, a
partir de um fato reconhecido e demonstrado (indício) chega-se ( por
presunção) à demonstração de outro fato.47
Desta maneira, fato ainda deverá ser provado por exame de
corpo de delito ou outras provas que o valham, e não apenas pelos indícios
isoladamente.
Tendo em conta o indício como argumentação para o
reconhecimento de uma conduta, fundamental é a prova da ocorrência do fato.
Para sua relevância o grau de probabilidade deve ser
suficientemente forte, para não ensejar dúvidas, descartando toda possibilidade
lógica de erro.
1.4.10 Da Busca e Apreensão
A busca e apreensão como modalidade de prova visa
apreender objetos necessários à prova da infração, ao descobrimento da prova.
O diploma legal distingue dois tipos de busca, o primeiro
pessoal, quando levado o feito a própria pessoa e o segundo domiciliar, que é
realizado na casa de alguém.
47 Nogueira, Paulo Lúcio .Curso Completo de Processo Penal. p. 252
21
Pode ocorrer em vários momentos, anteriormente a qualquer
procedimento judicial ou policial, durante o inquérito, durante a instrução ou mesmo
na fase de execução, para realizar a prisão do condenado.
Segundo Jorge Henrique Schaefer Martins é, pois, medida
acautelatória, devendo estar presentes o fumus boni iuris e o periculum em mora,
restando ao magistrado a função de observar se é medida realmente urgente. 48
Ainda lembra que a busca pessoal deve ser realizada
preservando a integridade física e moral de quem está sendo objeto da medida, com
previsão expressa de que as mulheres deverão ser examinadas por outra mulher, a
menos que isso comprometa a eficácia da medida.
1.4.11 Das Perguntas ao Ofendido
Prevê a legislação penal a intimação do ofendido para que
preste informações sobre o delito, expondo as circunstâncias fáticas e indicando
quem tenha sido o autor e eventuais partícipes do crime, além de quaisquer outros
elementos que possa indicar, formando uma gama maior de informações a serem
valoradas na ocasião do julgamento.
O ofendido na relação processual possui interesses, assim
como o acusado, motivo pelo qual suas declarações não merecem valoração
isolada, devendo ser analisadas dentro do conjunto probatório.
Devido a sua parcialidade pelo interesse direto na causa não
podem ser considerados testemunhas, tampouco prestarem compromisso. Porém,
além de sujeito, também pode ser objeto de prova, como no caso do exame de
corpo de delito.
As declarações do ofendido, conforme a infração praticada,
são de valor indispensável, pois como bem cita Magalhães Noronha “delitos há em
que a prova não se completa ou aperfeiçoa sem a sua palavra”.49
48 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer.Prova Criminal.Modalidades.Valoração p.84
22
CAPÍTULO 2
DAS PROVAS ILÍCITAS
2.1. AVALIAÇÃO DA PROVA
É cediço que as provas no âmbito penal, assim como nos
outros ramos do direito não possuem um valor absoluto, devendo ser consideradas
conjuntamente a fim de exprimirem seu valor final.
Tal valoração é dotada ao juiz, que verificará sua relevância
para que possa tornar-se convicto a respeito dos fatos imputados, sobre os quais se
busca esclarecimento.Para tal missão deve afastar de sua mente qualquer pré
julgamento ou fato que possa induzi-lo a erro.
A sua atuação deve estar lastreada no conhecimento jurídico, na
experiência de vida, na perspicácia, na sensibilidade, enfim, um
somatório de atributos que o levem a condição de verdadeiro
intérprete da lei e das provas, podendo assim decidir com justiça. 50
Porém a livre convicção não é absoluta, havendo regramentos
a serem observados, limitações a serem respeitadas, além de questões relativas à
validade, que são o ônus da prova e o livre convencimento.
Diferentemente do direito civil, o processo penal não baseia-se
na mera controvérsia, surgindo a necessidade de se provar o afirmado, de contrariar
a mesma informação, ou então de ter-se demonstrado de forma inconteste o dito.
A acusação deve demonstrar a ocorrência do que alegou, para
possibilitar a condenação. Já a defesa cumpre apresentar controvérsia, ou ensejar
dúvidas sobre o que motivou a acusação. Nem o fato notório escapa a
comprovação.
49 NORONHA. Magalhães.Curso de Direito processual Penal.27ed.atual,1999 p. 154 50MARTINS, Jorge Henrique Schaefer .Prova criminal p. 107
23
Em hipótese de dúvida o acusado deve ser absolvido, bem
como quando suas declarações estejam em acordo com as circunstâncias do fato,
não existindo prova em contrário.
Comparando as provas, sobrepondo-as, o juiz deve justificar
porque as acolhe ou repele, expondo o que o persuadiu na tomada de sua decisão.
Porém sua justificação não o torna preso previamente, podendo condenar o réu
mesmo em controvérsia com algumas provas, ou ainda que o promotor tenha
expedido posicionamento contrário ao seu.
Em contra partida o livre convencimento também possui suas
limitações, pois se violada alguma regra limítrofe da pesquisa da verdade real, o
magistrado não pode formar sua convicção valendo-se delas, como o que ocorre
com as provas indevidamente colhidas.
Se inadmitidas como fonte de conhecimento, vetado está o juiz
de valer-se do resultado desta prova para proferir sua sentença. Tal qual ocorre com
as provas ilícitas, veementemente proibidas no processo penal, assim como nos
demais ramos do direito. 51
O mesmo sucede com as restrições especiais, para a busca
da verdade real, previstas em normas processuais. Não pode firmar o magistrado
sua convicção em prova colhida sem as garantias do contraditório.
Adicionando-se a necessidade de respeitar o princípio de que
o juiz deve focar-se no material contido na denúncia, não podendo condenar alguém
extra petita, mesmo que as provas apontem a existência de um novo fato delituoso
não descrito na denúncia.
2.2 SISTEMA DAS PROVAS LEGAIS
No sistema das provas legais o juiz deveria decidir de acordo
com as provas existentes nos autos. A lei exigia que determinados fatos fossem
provados desta ou daquela maneira, muitas vezes até prevendo o valor dos meios
probatórios. As provas deveriam satisfazer certas condições ou pressupostos.
51 MARQUES, José Frederico . Elementos de Direito Processual Penal p. 359
24
Daí também ser chamado de sistema tarifado, já que as
provas estavam dispostas em uma tabela da qual não se podia esquivar. “Não existe
convicção pessoal do magistrado na valoração do contexto probatório,mas
obediência estrita ao sistema de pesos e valores imposto pela lei” 52.
O magistrado não podia recorrer a todos os meios de prova
que lhe parecessem necessários e oportunos, vez que deveria restringir-se a
disposições legais. O conhecido ditado “um só testemunho não tem valor” tinha
inteira aplicação na época,. tal como o brocado testis unus testis nullus.
Diante desse posicionamento:
Aranha,citando as palavras de Deuteronômio já dizia: pela boca de
duas testemunhas, ou de três testemunhas, será morto aquele que
houver de morrer,mas pela boca de uma só testemunha não será
morto. ”Uma só testemunha não poderá levantar-se contra
ninguém.” 53
Se, num processo, uma testemunha idônea desse a sua
versão e outra inverossímil houvesse sido apresentada por duas testemunhas, esta
prova se sobrepunha àquela, sem embargo da sua inverossimilhança. 54
Portanto a verdade não era manifesta com a convicção
resultante das provas, mas sim de acordo com o valor legal que cada uma possuía
taxativamente.
Assim como o antigo Código penal de 1890 previa o crime de
adultério, exemplificadamente, também disciplinava as provas que poderiam ser
utilizadas para os acusados em sua defesa, e apenas estas provas eram admitidas.
As provas eram limitadas e legalmente previstas.
2.3 SISTEMA DA ÍNTIMA CONVICÇÃO OU DA PROVA LIVRE
52CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal p.249 53 ARANHA, Adalberto José Q.T. de Camargo .Da prova no Processo Penal,4ª. Ed. atual. e amp. Saraiva: São Paulo,1996 p.63 54CAPEZ, Fernando. Curso de processo Penal p. 311.
25
Já o sistema subseqüente, da íntima convicção ou das provas
livres encontra-se em posição oposta ao das provas legais. Enquanto que no
sistema anterior o juiz estava preso a tarifação pré-estabelecida das provas, nesse
sistema ele pode decidir como melhor lhe prouver, sem nenhuma limitação, apenas
de acordo com a sua consciência, podendo inclusive decidir com base em
elementos extra processo.
Nesse sistema o juiz não está obrigado a exteriorizar as
razões que o levaram a proferir sua sentença. As provas serão valoradas de forma
que o magistrado bem entender, podendo até mesmo decidir com base em seu
íntimo, mesmo que não hajam provas nos autos. A decisão baseia-se apenas em
seu “bel sabor”, sem a necessidade de qualquer fundamentação. 55
Por esse sistema, qualquer prova pode ser apreciada, e da
maneira com que o juiz melhor entender, sem necessidade de posterior explicação.
É o princípio doutrinário da certeza moral do juiz, como coloca
Camargo Aranha. A liberdade magistral é absoluta.
Tal foi o despotismo judicial causado por esse sistema, e sua
repercussão, que se tornou necessário lhe impor barreiras, como a apelação, o
princípio já atualmente conhecido quod non est in actis non est hoc mundo,do qual o
que não está no processo não está no mundo,além da prova legal, que acabou
restringindo a possibilidade da livre apreciação das provas.56
Nos julgamentos pelo Tribunal do Júri esse sistema ainda
vigora como exceção a nosso ordenamento jurídico, vez que os jurados decidem
sigilosamente, de acordo com sua íntima convicção, não necessitando explicar as
razões de seu convencimento. Não há critérios balizadores para o seu julgamento. 57
2.4 SISTEMA DA LIVRE CONVICÇÃO OU PERSUASÃO RACIONAL
55TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal p. 244 56ARANHA, Adalberto José Q.T. de Camargo. Da prova no Processo Penal .p. 65 57CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal p. 311.
26
Posteriormente ao sistema das provas legais, adveio o sistema
da livre convicção ou persuasão racional, do livre convencimento motivado, trazendo
um equilíbrio que faltava nos dois sistemas anteriores, com os pontos positivos de
cada um, de maneira a não impor grandes limitações, porém acautelando-se de
maneira a não permitir possíveis arbitrariedades.
De modo geral, admitem-se todos os meios de prova. O juiz
pode desconsiderar a palavra de qualquer testemunha para decidir de acordo com a
de outra, ou até mesmo de outra prova. Possui inteira liberdade na valoração das
provas. Porém está limitado a não julgar de acordo com conhecimentos extra-
autos.58
Caso venha a ter conhecimento da existência de algum
elemento ou circunstância relevante para o esclarecimento da causa, pode ordenar
que se produzam outras provas, tantas quais se fizerem necessárias.
Vigora a livre convicção, porém condicionada as provas já
colhidas no processo, apenas de acordo com as admitidas, após estudo de sua
credibilidade e legalidade, como bem expõe Camargo Aranha.59
Como esclarece o Ministro Francisco Campos Não existe uma
hierarquia de provas, na livre apreciação delas o juiz formará sua convicção, aonde
reside a relatividade das provas, pois nenhuma terá isoladamente, um valor
absoluto.
Como sistema vigente, o livre convencimento motivado vincula
o juiz a “indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão”
(Código de Processo Penal, art 381, III) e ainda “o juiz indicará na sentença ou
despacho os fatos e circunstâncias que motivaram o seu convencimento” (Código de
Processo Civil art 118, parágrafo único).
Portanto seu livre convencimento na aferição das provas não
lhe dá o direito de abstrair-se ou alhear-se de seu conteúdo. É necessário que se
tome ciência de quais condicionantes levaram o julgador a formar sua sentença. Não
58 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prova criminal p. 107 59 ARANHA, Adalberto José Q.T.de Camargo .Da prova no Processo Penal. p. 66
27
pode decidir com base em elementos extra autos (quod neon est in actis non est in
mundo: o que não está nos autos não está no mundo)
É mister salientar que a motivação deve claramente explicitar
as razões que o levaram a uma determinada decisão, devendo inclusive especificar
os dispositivos correspondentes,sempre que possível.
2.5 PROVAS ILÍCITAS X PROVAS ILEGÍTIMAS
Prova proibida, doutrinariamente é aquela considerada
defesa ou vedada pelo direito, que deve ser afastada do ordenamento jurídico.60
Origina-se do vocábulo prohibere,que significa manter a distância.61
Como as normas de direito podem ser de caráter material ou
processual, a violação pode atingir uma ou outra dessas naturezas, em alguns casos
atingindo a ambas. É nesse momento que se diferenciam provas ilícitas de provas
ilegítimas.
Essa distinção decorre do momento em que ocorre a ofensa
ao direito, que pode se verificar no momento da coleta da prova, violando regras de
direito material, dos costumes, dos princípios gerais de direito e da moral ou quando
a prova é introduzida no processo, infringindo normas processuais. No primeiro
caso, a prova será ilícita e, no segundo, a prova será ilegítima. 62 Afim de uma
melhor distinção prova ilegítima é aquela proibida por uma norma processual,
instrumental. A produção da prova é que é proibida, como no caso de cartas
particulares interceptadas sem autorização.
Por ilegítima entende-se aquela a que faltam qualidades ou
requisitos exigidos pela lei para ser por ela reconhecido ou posto sob sua proteção.
60 CAPEZ, Fernando . Curso de Processo Penal. p.243. 61 Dicionário Aurélio. 62NOGUEIRA, Paulo Lúcio p. 224
28
Portanto quando a prova é produzida contra um princípio de lei
processual, viola-se um requisito exigido pela lei para colocá-la sob seu abrigo, por
isso ilegítima. 63
São as colhidas com inobservância das formalidades
processuais previstas na lei, como, por exemplo, o interrogatório em que não se
adverte o interrogado do seu direito de permanecer em silêncio, ou a juntada das
transcrições de interceptação telefônica autorizada judicialmente antes do momento
previsto para tal.
Já as provas ilícitas violam o direito material, pois a colheita da
prova é que é vedada, ofendendo os costumes, a boa-fé, a moral, dentre outros.
São as obtidas com violação de domicílio (art. 5º, XI, da CF)
ou das comunicações (art. 5º, XII, da CF); aquelas conseguidas mediante tortura ou
maus tratos (Art. 5º, III, da CF); as colhidas com infringência à intimidade (art. 5º, X,
da CF), dentre outras.
Também as colhidas com inobservância do disposto nos
incisos II e III, do art. 5º, da CF/88, como a narcoanálise ou o lie-detector, bem como
aquelas colhidas com a prática de outros ilícitos penais, como furto, apropriação
indébita, violação do sigilo profissional, etc. 64
Celso Ribeiro Bastos ao se referir à questão das provas
ilícitas e ilegítimas, classifica a primeira como ilicitude extrínseca e a segundo como
ilicitude intrínseca, afirma que
É de rigor concluir-se que os meios ilícitos a que alude a
Constituição abarcam tanto os intrínsecos como os extrínsecos. Na
verdade vê-se que a expressão escolhida pelo constituinte é
suficientemente ampla para colher quaisquer formas de
ilegalidade.65
63 ARANHA, Adalberto José Q.T. de Camargo.Da prova e do Processo Penal.p. 49. 64 GRECO,Vicente Filho.Manual de Processo Penal. p.261 65BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. Saraiva: São Paulo, 1989. p. 275.
29
2.6 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICADOS A PROBLEMÁTICA DE PROVAS ILÍCITAS
2.6.1 Princípio da Busca da Verdade Real
O princípio da verdade material ou substancial diz respeito ao
poder dever inquisitivo do juiz penal, tendo como objeto a demonstração da
existência do crime e da autoria. A prova penal, assim, é uma reconstrução histórica,
devendo o juiz pesquisar além da convergência das partes sobre os fatos, a fim de
conhecer a realidade e a verdade dos fatos. 51
A função punitiva do Estado só pode fazer-se valer sobre
aquele que realmente tenha cometido uma infração, razão pela qual deve averiguar-
se o ocorrido, encontrar a verdade real,a verdade material,buscando o fundamento
da sentença.66
Por tal fundamento busca-se tão incessantemente a verdade
real, premissa importantíssima da atividade probatória. O processo penal e a
atividade probatória tentam aproxima-se o máximo possível do que realmente
ocorreu em tais circunstâncias, buscando a maior fidelidade possível com a
reconstrução do crime.
Tal ação possibilita que o julgador melhor forme seu
convencimento e decida sobre o caso a que foi exposto sua apreciação, após
pesquisar os fatos e as circunstâncias relevantes da infração cometida.
Portanto o juiz não é considerado estático, mas sim
participante dos atos da relação processual, podendo intervir se necessário
complementarmente para a busca da verdade, tanto no processo civil como no
penal, como bem regula o diploma penal, podendo determinar diligências para o
melhor esclarecimento da questão.
Mas, se a verdade absoluta se tornou um mito, como o
ilimitado poder do juiz, a verdade real, ou verdade material existe no sentido não de
verdade absoluta, mas sim de uma verdade judicial, prática e não simplesmente
66 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal.p 36
30
obtida de qualquer forma. É necessário que seja uma verdade processualmente
válida, razão pela qual se impõem limites a liberdade probatória.67
Comparativamente pode-se dizer que no processo civil
vigoram as presunções, as ficções, as transações, elementos contrários á
declaração de certeza da verdade material. Se o réu, ao ver-se em direito a ele
disponíveis, admitir a procedência do pedido, extingue-se o processo com
julgamento do mérito.
No processo penal, mesmo com a confissão a questão é
levada adiante. A confissão é apenas um meio de prova, mas não resolve o caso.
Como doutrinariamente ensina Tourinho filho apenas extraordinariamente o juiz
penal cede a verdade formal, quando não dispõe de outros meios para assegurar o
império da verdade, o que frequentemente ocorre no processo civil.
Comparativamente, lembra que o juiz penal, após proferir
sentença condenatória contra o réu, tomar ciência de novas provas relevantes sobre
o mesmo réu não poderá dar origem a uma nova ação sobre a mesma ocorrência,
mas tem a opção de fazer a revisão criminal. Enquanto que no processo civil, a
sentença proferida não comporta reexame, salvo raras hipóteses de rescisória.68
Por isso afirma-se doutrinariamente que no processo penal,
como mostra Florian, vigora o princípio da verdade real, bem mais intensamente que
no processo civil.
2.6.2 Princípio da Liberdade Probatória
A busca da verdade impede, ao menos em princípio, que se
cogite sobre qualquer espécie de restrição à liberdade probatória, sob pena de
frustrar o interesse estatal na justa aplicação da lei.
A busca da verdade real e o sistema de livre convencimento
conduzem ao princípio da liberdade probatória. Portanto, pode-se afirmar que a
tendência atual é pela não taxatividade das provas, cuidando apenas de vedar os
67 GRINOVER, Ada Pelegrini .As nulidades no processo Penal p 130. 68 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa.Processo penal p 38
31
meios de prova que atentem contra a moralidade e atinjam a dignidade da pessoa
humana.69
Isso leva a concluir que o rol de provas apresentadas no
Código de Processo Penal é apenas exemplificativo, sendo possível produzir outros
meios de prova que não estejam previstos legalmente, as chamadas provas
inominadas, desde que não sejam vedados ao acusado, ao Ministério Público ou ao
juiz.
Com tais limitações restringiu o legislador o princípio da
liberdade da prova, do qual decorre a busca da verdade real. Deve-se buscá-la,
apenas conquanto seus limites não vedem a pesquisa .70
A liberdade probatória continua sendo regra, apenas
restringida pelo Estado, que limita, proíbe ou impede determinados meios de prova
ou seu uso em algumas situações, de forma a fazer a defesa dos valores sociais,
dentre os quais encontram-se a liberdade e a intimidade.
Algumas restrições à liberdade probatória estão descritas no
próprio CPP, nos artigos 155, 158, 406 parágrafo segundo e 475, também na
Constituição Federal, artigo 5º, LVI, que trata da inadmissibilidade das provas
obtidas por meios ilícitos.
Citando a doutrina de Augusto Paulo Rangel:
O princípio da liberdade da prova é um consectário lógico do
princípio da verdade processual, ou seja, se o juiz deve buscar
sempre a verdade dos fatos que lhe são apresentados, óbvio nos
parece que toda a liberdade de agir, com o fim de reconstruir o fato
praticado e aplicar a ele a norma jurídica que for cabível.
Assim, na busca da verdade, deve o juiz desenvolver as atividades
necessárias, com o escopo de dar a cada um aquilo que,
efetivamente, a ele pertence; porém, sua atuação encontra limites
previstos em lei. A liberdade da prova, portanto, não é absoluta, por
69 NASCIMENTO, José Carlos do.As provas produzidas por meios Ilícitos e sua Admissibilidade no Processo Penal.Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7180.Acesso em 10 de agosto de 2007. 70 RANGEL, Paulo. Princípios básicos do processo penal. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris,1999. p.1,36.
32
muitas vezes o juiz estará limitado em sua pesquisa sobre a verdade
dos fatos. 71
Por este raciocínio é permitido fazer no campo da liberdade
probatória tudo o que não é limitado nem defeso em lei, pois em direito penal tudo o
que não é restringido certamente é permitido.
2.6.3 Princípio do Livre Convencimento
Pelo princípio do livre convencimento a lei dá ao julgador
liberdade para valorar as provas, não havendo para tanto valor predeterminado ou
legal; cada circunstância de fato será avaliada no contexto das demais provas
existentes, podendo receber maior ou menor peso segundo critérios do julgador.72.
Nenhuma prova terá maior valor que outra, ou
necessariamente terá de ser considerada, apenas não podendo a decisão ser
fundamentada no que não se encontre no processo, pois de acordo com o brocado
”o que não está nos autos não existe”.
Importante salientar que o livre convencimento não se
confunde com a convicção íntima, uma vez que o livre convencimento é lógico e
prescinde de motivação, e apenas dessa forma admitido.73
O livre convencimento é consagrado atualmente pela doutrina
como o melhor sistema de valoração de provas. Adquirido ao longo da história foi se
aperfeiçoando até trazer ao magistrado a liberdade de apreciação dos meios
trazidos aos autos para a melhor descoberta da verdade real, mas não de forma
arbitrária, razão pela qual se tornou necessário impor alguns limites a sua atuação, a
fim de afastar qualquer excesso.
Não pode a causa basear-se em provas que não respeitem a
garantia do contraditório, como as colhidas em inquérito policial, nem extrapolar a
acusação feita na denúncia, conquanto é inadmissível condenar alguém por fato não
71 RANGEL, Paulo Direito Processual Penal, São Paulo: Lumen Juris, 2007, p. 387 72 NASCIMENTO, José Carlos do.As provas obtidas por meios ilícitos e sua Admissibilidade no Processo Penal.Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7180.Acesso em 16 de setembro de 2007. 73 MARQUES, José Frederico.Elementos de Direito Processual Penal p. 362.
33
descrito na acusação, mesmo que as provas dos autos demonstrem existência de
um novo fato que ela não contenha.74
Algumas formas de prova legal, também limitam a liberdade do
magistrado, como o exame de corpo de delito para comprovar as infrações que
deixarem vestígios e a submissão do juiz penal à prova civil, sempre que disser
respeito ao estado das pessoas. 75
2.6.4 Princípio da Vedação de Provas Ilícitas
Anteriormente a Constituição Federal do Brasil de 1988 não
havia qualquer impedimento para a produção em juízo de “prova obtida através de
transgressões a normas de direito material”. Apenas o Código de Processo Penal,
de 1940, dispunha a vedação em seu artigo 233. Porém, com o seu advento, a atual
Constituição previu expressamente a vedação às provas ilícitas. 76
Expressamente previsto no art. 5º, LVI, da Constituição de
1988: "São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos".
A vedação às provas ilícitas, tal como prevista pela
Constituição, configura-se em uma garantia individual do cidadão em qualquer tipo
de processo77, independentemente do ramo de direito ser civil, processo civil, penal,
processo penal, administrativo, ou outro a dispor.
Adiantando-se as demais legislações mundiais, a legislação
constitucional brasileira, como bem doutrina Tourinho filho, inseriu tal vedação, como
necessidade de se fazer um limite no respeito às garantias individuais, dispondo a
vedação às provas ilícitas constitucionalmente, como nenhuma outra legislação
anteriormente o fez.
Entre o interesse estatal quanto à repressão e o respeito à
dignidade humana e aquela série mínima de liberdades e garantias
74 MARQUES, José Frederico .Elementos de Direito Processual Penal p. 360 75 NASCIMENTO, José Carlos do.as provas produzidas por meios ilícitos e sua admissibilidade no processo penal.disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7180. Acesso em 16 de setembro de 2007 76 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa .Processo Penal p 58. 77 PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997 p 201
34
difundidas em nosso ordenamento jurídico, o legislador constituinte
brasileiro optou pela última solução. 78
Citando o doutrinador Dr Gil Lavedra, percebe-se:
Existem limites á persecução penal. A tutela dos direitos do
indivíduo é um valor mais importante para a sociedade que o castigo
do autor do delito. O respeito a dignidade do homem e aos direitos
essenciais que derivam desta qualidade, constituem o vértice
fundamental sobre o que repousa a existência mesma de todo o
estado de direito...Na comparação de valores é preferível deixar
sem castigo pelos delitos, do que permitir que uma garantia
constitucional se torne letra morta ou a mercê de qualquer eventual
pretexto.79
Por estar na categoria de prova vedada, e constituir-se em
umas das limitações a atividade probatória, não tem o juiz poder para decidir de
acordo com tais meios, mesmo que a verdade seja levada aos autos por tais provas,
não poderá considerá-las para fundamentar sua decisão.
2.6.5 Princípio da Persuasão Racional na Aplicação da Prova
Tal princípio regula a apreciação da valoração das provas
constantes nos autos, indicando a forma como poderá ser dirimida pelo juiz, e
aplicada na formulação da sentença.
Consoante estipula o artigo 157 do Código de Processo Penal:
“O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova.”
Para elucidar melhor, transcrevemos as palavras do ilustre
doutrinador Humberto Theodoro Júnior:
Enquanto no livre convencimento o juiz pode julgar sem atentar,
necessariamente, para a prova dos autos recorrendo a métodos que
escapam ao controle das partes, nos sistema da persuasão racional,
78 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa .Processo Penal p 58 79 LAVEDRA, Gil .Doctrina Penal p 345 abud TOURINHO FILHO,Fernando da Costa .Processo Penal p 59(tradução própria).
35
o julgamento deve ser fruto de uma operação lógica armada com
base nos elementos da convicção existentes no processo.
Sem a rigidez da prova legal, em que o valor de cada prova é
previamente fixado na lei, o juiz, atendo-se apenas às provas do
processo, formará seu convencimento com liberdade e segundo a
consciência formada. Embora seja livre o exame das provas, não há
arbitrariedade, porque a conclusão deve ligar-se logicamente à
apreciação jurídica daquilo que restou nos autos.80
Por esse raciocínio a apreciação da prova mesmo que de
valoração ampla ao magistrado, não e arbitrária. Deve ser fundamentada no
apresentado nos autos, de forma a melhor solucionar a questão de forma justa e
racional.81
Não previamente fixada em lei, mas também não livre de
qualquer limitação, a valoração das provas será feita ponderando-se as
circunstâncias, pois os meios probatórios é que fazem o elo entre a legislação e sua
concreta e justa aplicação nos casos envolvidos.
80 THEODORO, Humberto Júnior.Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 475-476 81 NASCIMENTO, José Carlos do.As provas obtidas por meios ilícitos e sua Admissibilidade no processo penal.disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7180 acesso em 02 de agosto de 2007.
36
CAPITULO 3
ADMISIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS PRÓ RÉU
Constitucionalmente vedadas visando impor limites a
persecução penal e ao poder do Estado, além de resguardar a ordem e o respeito às
garantias individuais, as provas ilícitas são aceitas com maior freqüência pela
doutrina quando tratarem da defesa do réu, atendendo ao princípio norteador de
direito penal, em caso de dúvida pender-se-á em favor do réu.
Entende Fernandes que “a garantia de tratamento paritário
entre a partes não exclui, em determinadas situações, dar-se ao réu tratamento
diferenciado, em face do princípio in dubio pro reo”.82
Na dúvida será o acusado inocentado, assim como a ele
poderão ser dispostos todos os meios para provar sua inocência, o que em diversas
situações confronta com algumas vedações constitucionais, como a da proibição de
provas ilícitas.
Nesses casos, divididos entre dois princípios igualmente
importantes é que se estabeleceu a utilização da teoria da proporcionalidade ou da
proibição do excesso, de maneira a contrabalancear ambos os institutos, para
finalmente definir, dentre normas igualmente relevantes postas em conflito, a
aplicação de qual delas trará o respeito ao instituto mais indispensável de ser
protegido, o respeito a constituição ou o respeito as garantias individuais,no caso o
direito de defesa do réu, que em tal situação não dispõe de outro meio para provar
sua inocência.
Portanto a rigidez do dispositivo constitucional que vela pela
inadmissibilidade das provas ilícitas no processo, vem sendo atenuado pela doutrina
e pela própria jurisprudência, com embasamento na teoria da proporcionalidade,
83 FERNANDES, Antônio Scarance .Processo Penal Constitucional p 49
37
desenvolvida inicialmente na Alemanha, principalmente no tocante a defesa do réu,
quando esta não puder ser obtida de outra forma.
Para uma maior compreensão do tema inicialmente se
discorrerá sobre o in dubio pro reo, posteriormente passando-se ao entendimento da
teoria da proporcionalidade para então adentrar no tema das provas ilícitas pró réu,
podendo assim compreender mais facilmente os critérios de sua adesão.
3.1 O INDUBIO PRO REO
O in dubio pro reo, princípio informador do processo penal
após a acusação do réu, baseia-se na presunção de inocência, bem explícita na
declaração universal dos direitos do homem, em seu artigo XI, no. 1:
Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser
presumido inocente até que sua culpabilidade tenha sido provada de
acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido
asseguradas todas as garantias necessárias a sua defesa.
Isto posto, ninguém poderá ser julgado culpado sem que antes
seja proferida contra si sentença condenatória, de acordo com a constituição federal,
nem que sejam comprovados os fatos delituosos a ele imputados.
Assim em caso de dúvidas deve-se privilegiar o réu, bem
quando não existam provas suficientes para sua condenação. Nessa situação deve
o acusado ser inocentado, pois o ônus da prova cabe a quem alega, e na dúvida não
se pode ceifar a liberdade de um inocente.
Citando Bettiol pode-se compreender o real signficado do in
dubio pro reo:
[...]o princípio do favor rei é o princípio base de toda a legislação
processual penal de um Estado, inspirado na sua vida política e no
seu ordenamento jurídico por um critério superior de liberdade.Não
há, de fato, Estado autenticamente livre e democrático em que tal
princípio não encontre acolhimento. É uma constante das
38
articulações jurídicas de semelhante estado o particular empenho no
reconhecimento da liberdade e autonomia da pessoa humana. No
conflito entre o jus puniendi do Estado, por um lado, e o jus libertatis
do acusado, por outro lado, a balança deve inclinar-se a favor deste
último se quiser assistir ao triunfo da liberdade.83
Alípio Silveira em sua doutrina já bem dizia: “não existir prova
suficiente para a condenação, é o mesmo que admitir o juiz a existência de dúvidas
insolúveis sobre a criminalidade do acusado”.84
Pois insuficiente é toda prova produzida incapaz de dar ao
magistrado a certeza da culpabilidade do acusado, a fim de formar sua convicção
para sentença.
Carrara, sabiamente cita que no processo penal, para que haja
condenação” tudo deve ser claro com a luz, certo como a evidência, positivo como
qualquer expressão algébrica.Condenação exige certeza...,não bastando a alta
probabilidade...,sob pena de se transformar o princípio do livre convencimento em
arbítrio”(RT 619/267)85
Acrescenta também a necessidade de tal princípio ser
aplicado observando-se sua interpretação, pois existirão casos de interpretações
divergentes de uma mesma norma legal, situações em que se deve optar pela
interpretação mais favorável ao réu.
Como exemplos a tal princípio encontram-se disposições no
diploma processual penal, como a proibição de reformatio in pejus, os recursos
privativos da defesa e a revisão criminal, também exclusiva do réu.86
Ainda tendo o direito, de acordo com sua vontade, de silenciar-
se se inquirido na instrução processual, não podendo por isso ser considerado
culpado, nem mal visto aos olhos do julgador.
83 TOURINHO FILHO, Fernando da costa.Processo Penal apud Bettiol.Instituições p. 295 84 SILVEIRA, Alípio.O in Dubio pro Reo na Justiça Penal, 1958 p.4. 85 ALMEIDA PEDROSO, Fernando de.Processo Penal.O Direito de Defesa: repercussão,amplitude e limites p. 46 86 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa.Processo Penal p.73
39
Atualmente, decorrente do princípio do nemo tenetur se
detegere, está o direito de falar ou de calar-se, de forma livre, de acordo com os
ditames de sua consciência, assim inteiramente preservada”.87
Ainda, em seu direito de defesa, pode o réu agir de maneira a
lançar dúvidas sobre o fato do qual é inquirido na acusação, pois em caso de dúvida
sempre ele sairá favorecido.
Devendo a acusação comprovar os fatos que alegou e a
defesa apenas necessita ensejar dúvidas, quando não puder repelir a acusação,
pois a insuficiência probatória sempre o favorecerá.88
Tal como a frase de Ranson:
“Em caso de dúvida absolverás,
Sem hesitar,imediatamente”89
Porém o in dubio pro reo só prevalecerá em casos de dúvida,
não bastando uma simples alegação do acusado para caracterizá-lo. Apenas a
alegação contrária do acusado, despida de qualquer acompanhamento e de outros
instrumentos probatórios não é suficiente para caracterizar o in dubio pro reo.
O princípio só prevalecerá em benefício do agente quando as
provas produzidas em determinado processo se dividam não de forma uniforme,
nem bem sobrepesadas, mas de maneira equilibrada, podendo gerar incertezas
sobre alguma delas.90
Não havendo esse critério, bastaria que qualquer acusado
alegasse coisa diversa da condenação para que fosse favorecido, o que não seria
racional.
87 TOURINHO FILHO, Fernando da costa.Processo Penal.p. 74 88 PEDROSO, Fernando de Almeida.Processo Penal.O Direito de Defesa:repercussão,amplitude e limites p. 48 89 PEDROSO, Fernando de Almeida.Processo Penal.O Direito de Defesa:repercussão,amplitude e limites.Apud BITTENCOURT,Edgard de Moura .O juiz. p. 219 90 PEDROSO, Fernando de Almeida.Processo Penal.O Direito de Defesa;repercussão,amplitude e limites p. 48
40
É disciplinado também no artigo 386 ,VI do CPP:” o juiz
absolverá o réu...desde que reconheça...não existir prova suficiente para a
condenação.”o que parece que, o favorecimento funciona apenas nos caos em que
é possível a absolvição.
Porém, mesmo havendo condenação o favor rei pode ser
utilizado, até como critério fixador de penas, como em casos em que restar dúvidas
sobre a tipificação de um crime de maior ou menor gravidade, optar-se-á pelo menos
grave, favorecendo o réu.
Exceção ao favor rei encontra-se na pronúncia para tribunal do
júri,quando tratar-se de crimes dolosos contra a vida, pois nesse caso, há de se
pronunciar o réu, em virtude de a regra vigente ser o in dubio pro societate(RT
465/339, 522/361/584/319 e 668/275).91
Fora a situação acima mencionada, o favor réu será utilizado
nas situações em que houver a necessidade de convencimento do magistrado na
apreciação da prova e decisão da causa.
Quanto a sua utilização na interpretação das normas, a
doutrina é bem divergente. Manzini, Marsico e Asúa são contrários a sua utilização
de forma interpretativa.
Nelson Hungria, Alípio Silveira e Pedroso são favoráveis a sua
utilização para hermenêutica, de onde cita-se que “existem casos rebeldes, nos
quais, a despeito da inteligente aplicação dos métodos interpretativos, permanecem
dúvidas insolúveis sobre qual seja, na hipótese, a vontade da lei, o seu fim social, ou
as exigências específicas do bem comum”.92
Nesses casos deverá ser interpretada a norma pela favorabilia
sunt amplianda,odiosa restringenda , o que significa que a lei pena deve ser
91 PEDROSO, Fernando de Almeida.Processo Penal.O Direito de Defesa:repercussão,amplitude e limites. p. 49 92 PEDROSO,Fernando de Almeida.Processo Penal.O Direito de Defesa;repercussão,amplitude e limites. p.48
41
interpretada restritivamente nos casos em que prejudicar o réu,e extensivamente
quando o beneficiar.93
Mas só será necessária essa aplicação caso o texto legal não
seja claro suficientemente em seu teor, para ensejar as referidas dúvidas.
O legislador, por tais disposições preferiu dar garantias extras
ao acusado, para que disponha bem de seu direito de ampla defesa, possuindo
benesses não admitidas a outras partes.
Tais diferenciações visam dar maiores garantais de certeza
antes de uma condenação, pois pior que a impunidade de um culpado é a
condenação de um inocente.
3.2 TEORIA DA PROPORCIONALIDADE
3.2.1 Origem Histórica
O princípio da proporcionalidade remonta a antiguidade, desde
a filosofia até a aplicação no direito atual, acompanhando a defesa dos direitos
humanos e a justa aplicação da norma aos casos concretos, de maneira a evitar os
excessos por legalidade algumas vezes cometidos.
Surgiu em decorrência do estado de polícia para o estado de
direito, visando controlar o poder de coação do monarca, que era ilimitado tanto aos
fins que poderia perseguir quanto aos meios de que poderia se utilizar.
Assim, diante do poder ilimitado do monarca frente ao súdito,
nasceu do direito natural, uma corrente filosófica defensora dos direitos da
93 PEDROSO,Fernando de Almeida.Processo Penal.O Direito de Defesa;repercussão,amplitude e limites. p. 51
42
personalidade humana, garantindo ao homem outro nível de liberdade, que poderia
opor-se até ao monarca.94
Segundo Barros:
[...]o germe do princípio da proporcionalidade, pois, foi a idéia de dar
garantia à liberdade individual em face dos interesses da
administração.e essa consciência de que existiam direitos oponíveis
ao próprio Estado e que este,por sua vez,deveria propiciar fossem
tais direitos respeitados decorreu das teorias jurisnaruralistas
formuladas na Inglaterra dos séculos XVII e XVIII.95
Já anteriormente, Aristóteles fazia referência a justa medida e
ao meio termo, que em dada época, era idéia ligada a proporcionalidade e a justiça
material. Por meio termo considerava-se tudo aquilo que não fosse demais nem
muito pouco, não sendo também único nem mesmo para todos.
Os gregos norteavam o comportamento de seus cidadãos pelo
bom e justo, como a idéia de proporcionalidade, embora naquele tempo apenas
conhecida no campo da filosofia.
Também os romanos já possuíam em seu âmago o princípio
da proporcionalidade, pela expressão summum jus summa injuria, com a qual já se
coibia o abuso do direito por meio da ponderação contida na idéia de proporção.96
Posteriormente, a Carta magna inglesa, datada de 1215 já
previa que a pena dada a um homem livre pela prática de um pequeno delito seria
proporcional a gravidade da infração, ou seja, pequena, tanto quanto a pena
aplicada a um crime grave seria maior pela maior gravidade deste.
94 BARROS, Suzana de Toledo.O princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais.Brasília jurídica:Brasília/DF,1996 p. 33 e 34. 95BARROS, Suzana de Toledo.O princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais p. 35. 96ARAÚJO, Francisco Fernandes.Princípio da Proporcionalidade:significado a aplicação prática.Campinas/SP:Copola, 2002 p.33 e 35
43
Já Portugal, vinda de longos períodos de ditaduras e
movimentos de instabilidade política, manteve colônias até a revolução de 1974,
razão pela qual, até esse período, não sedimentou princípios democráticos, já
inseridos nas vias de diversas outras nações.
Apenas com a constituição de 1976, decorrente da revolução
desta data, surgiu a síntese entre várias correntes ideológicas, advindas da
democracia. Quanto aos direitos e garantias fundamentais, também sofreu fortes
influências da nação alemã, firmando compromisso com os direitos e garantias
individuais, criando vínculos com a declaração universal dos direitos do homem.
Mas nessa legislação não havia um princípio escrito.
[...] a vinculação do legislador e limites de necessidade,congruência,
justa medida das restrições a direitos e garantias assegurados
aparece,no direito português,como reconhecimento do que a
jurisprudência alemã já havia logrado comprovar:o princípio da
proporcionalidade é corolário da necessidade de dar-se proteção a
esses direitos,ou mais especificamente,de proteção ao núcleo
essencial dos direitos fundamentais. Nessa perspectiva, a
proporcionalidade aparece sob a prescrição de que só se admitia
leis restritivas de direitos se necessárias e na justa
medida,vedado,em qualquer caso,o aniquilamento de outro direito
protegido.97
Para os estado-unidenses trata-se da razoabilidade, de origem
que remonta ao século XVII. As colônias norte-americanas possuíam constituições
colonais, as quais tinham a liberdade de aprovar suas próprias leis,conquanto que
estas fossem razoáveis,é não ferissem a vontade do parlamento inglês.
97 BARROS, Suzana de Toledo. O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais.Brasília/DF:Brasília Jurídica, 1996 p. 52 e 53
44
Atualmente, o princípio da proporcionalidade nos Estados
Unidos é disposto pela constituição americana de 1787, em ementas 5 e 14,em
conformidade com a cláusula do “due process of law”. 98
Na comunidade ameriana, tal princípio foi desenvolvido como:
[...]O meio técnico hábil- o controle da constitucionalidade das leis-
associado ao due processo f law consignado nas ementas quinta e
décima-quarta da constituição vêm garantindo,ao longo da história
do judicial review, a mais ampla proteção- mas não perfeita- dos
Direitos fundamentais da América.Inspirado no common law,que
garantiu aos juízes americanos maior desenvolvimento do Direito
por meio da prática jurisprudencial, e sob a influência do
jurisnaturalismo, que tem no direito como ideal de justiça e limite a
atuação do estado intervencionista, o modelo americano de controle
vem permitindo refrear o arbítrio do legislador e do administrador,
pela sindicância da razoabilidade dos atos governamentais.99
Desta maneira, a orientação de interferir para controlar as
liberdades individuais de cada cidadão perante ao Estado vigora até hoje no país,
possibilitando aos juízes ampliar a proteção aos direitos fundamentais.
Algum tempo depois, no século XIX, observou-se seu
surgimento na Alemanha, inserida no direito administrativo, também em normas
sobre o poder de polícia e os limites dele decorrentes.
Com o término da segunda guerra mundial, e as
conseqüências da legislação rígida do regime nazista sobre a população, o princípio
da proporcionalidade começou a ser utilizado para contrabalancear esses institutos,
alcançando reconhecimento doutrinário e jurisprudencial. 100
Após a assimilação por seu tribunal constitucional da
preocupação com os direitos fundamentais, percebendo a necessidade prática de
98 CAPPELLETTI, Mauro. O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado 99 BARROS, Suzana de Toledo p. 60 e 61 100 BARROS, Suzana de Toledo.O princípio da proporcionalidade e o controle das leis restritivas de direitos fundamentais p. 190
45
controlar as restrições legais a tais direitos, fixando-se sua inclusão em três
aspectos, como bem doutrina Suzana de Toledo Barros101: necessidade, adequação
e proporcionalidade da medida restritiva.
Por tal legislação firmou-se a teoria de que o controle das leis
restritivas de direitos, em seus excessos, acarreta até mesmo a inconstitucionalidade
do provento legislativo. Possui o fundamento teórico para embasar a decisão dos
juízes e tribunais, quando, apesar do visível arbítrio legislativo ser evidente, não
existiam meios facilmente comprobatórios para embasar o confronto de tais normas
com a constituição.
Desta monta essa corrente alemã representou uma importante
alternativa para a decisão desses conflitos, tendo inclusive influenciado de maneira
cabal diversos outros países europeus que adotam o controle jurídico da
constitucionalidade, tais como Portugal, Espanha, Itália e Áustria, chegando até
mesmo ao Brasil, pela forte influência portuguesa em nosso país. 102
Salienta-se, que o princípio da proporcionalidade alemão é o
princípio chamado pelos norte- americanos de razoabilidade.
Portanto, a proporcionalidade deriva de duas vertentes: a
inspirada na doutrina Alemã, vendo o princípio como integrante do estado de direito,
inserindo-se de forma implícita no sistema, e a vertente inspirada na doutrina norte-
americana, que acredita que o princípio da razoabilidade é decorrência direta do
devido processo legal.103
3.2.2 Aplicação no Direito Brasileiro
101 BARROS, Suzana de Toledo.O princípio da proporcionalidade e o controle das leis restritivas de direitos fundamentais p. 209 102 Op. Cit 101 p. 44 e 45. 103 BARROSO, Luis Roberto. Os princípios d Razoabilidade e da Proporcionalidade no Direito Constitucional p. 174
46
A proporcionalidade tem origem no latim proportionalis, numa
relação de igualdade ou de semelhança entre as coisas.
É o que está em proporção, apresenta a disposição ou a
correspondência devida entre as partes e o seu todo. A
proporcionalidade assim, revela-se numa igualdade relativa,
conseqüente da relação das diferentes partes de um todo já
comparadas entre si. 104
Por isso é doutrinariamente também denominada de princípio
da proibição do excesso, lateralmente com a razoabilidade. Segundo o ilustre
doutrinador Canotilho:
(...) a proporcionalidade dizia primitivamente respeito ao problema
de limitação do poder executivo, sendo considerado como medida
para as restrições administrativas da liberdade individual, e é com tal
sentido que a teoria do estado o considera, já no século XVIII, como
máxima supra-positiva, sendo introduzido no século seguinte no
direito administrativo como princípio geral do direito de polícia.105
A proporcionalidade veio a coibir eventuais exageros nas
legislações e poderes estatais, como uma garantia para que se pudesse contestar,
principalmente contra injustas aplicações e disposições colidentes legalmente
previstas.
Assim proporcionalidade “se caracteriza pelo fato de presumir
a existência de relação adequada entre um ou vários fins determinados e os meios
com que são levados a cabo”. 106
104 ARAÚJO, Francisco Fernandes. Princípio da Proporcionalidade: significado a aplicação prática. Campinas/SP: Copola, 2002 p. 33. 105 ARAÚJO, Francisco Fernandes. Princípio da Proporcionalidade:significado a aplicação prática. p. 37. 106 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional p. 357.
47
Ou seja, é utilizada toda vez que os meios destinados a
realizar uma finalidade não são por si só suficientes ou quando a desproporção entre
meios e fim é facilmente visível. 107
De acordo com Beccaria, em sua clássica obra dos delitos e
das penas, o legislador deveria estabelecer divisões principais na fixação das penas,
de forma que fossem proporcionais aos delitos, para não aplicar os menores
castigos aos maiores crimes. 108
Portanto esse princípio foi inserido como uma garantia
constitucional, com dupla finalidade, a de proteger os cidadãos contra abusos do
poder estatal, além de servir de método hermenêutico complementar para o
magistrado sempre que este necessite resolver problemas tanto de conformidade
quanto de compatibilidade entre as normas jurídicas.109
Barroso, mostra que tal principio “é um parâmetro de
valoração dos atos do poder público para aferir se eles estão informados pelo valor
superior inerente a todo o ordenamento jurídico:a justiça”110
No direito Brasileiro, tem sido utilizado em algumas decisões
do supremo Tribunal Federal, bem como outros tribunais, juntamente com o princípio
da razoabilidade, fundindo-se ambos em um único princípio.
“Sua maior utilização deu-se após a atual constituição,” como
instrumento eficaz na defesa dos direitos fundamentais”, bem ampliados por ela,
como bem expõe Fernandes de Araújo.111
107 MULLER p 357 apud BUECHELE, Paulo Hermínio Tavares. O princípio da proporcionalidade e a interpretação da Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1999 p. 119. 108 BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos delitos e das penas, trad. De paulo M. Oliveira. Tecnoprint Gráfica Editora: Rio de Janeiro,1969 p.123 109 CARVALHO, Márcia Haydée. apud BUECHELE,Paulo Arminio Tavares.O Princípio da Proporcionalidade e a Interpretação da Constituição.Rio de Janeiro:Renovar, 1999 p. 120. 110 BARROSO, Luis Roberto. p. 204. 111 ARAÚJO, Francisco Fernandes.Princípio da proporcionalidade:significado a aplicação prática p. 41.
48
Na visão de Luís Afonso Heck, ditada por Fernandes Araújo,
os direitos fundamentais devem ser compreendidos como vinculantes, e não como
normas pragmáticas, pois grande parte das normas vinculativas dependem de vias
processuais adequadas. 112
Tem sido, portanto, utilizados nas decisões, quando as
disposições constitucionais por si só não conseguem proteger os direitos que tanto
resguardam.
Desta monta, para preservar o espírito constitucional, mais
que um método, a proporcionalidade, configura-se na categoria até de imposição de
seu texto. Embora não prevendo a obediência estrita a esse princípio, prelata a sua
eficácia113, o que se conclui foi conseguido com a utilização deste critério de
proporção.
Maria helena Diniz, doutrinariamente, defende esse
posicionamento fundamentando a necessidade do direito em ser elástico, dinâmico,
mutando-se para acompanhar as relações humanas, adaptando-se as novas
exigências, nascendo do contexto cultural. 114
Mas erigir dignidade constitucional a um princípio exige, além de
sua conceituação, análise dos preceitos constitucionais que lhe dão sustentação,
para garantir sua categoria, bem como sua aceitação e aplicação pelos tribunais.
Assim, a justificação desse princípio deve inserir-se no enfoque
da constituição brasileira, não podendo apenas ser pautado em direito comparado,
na lógica das demais legislações existentes.
Sua inserção é natural em virtude de tratar-se a constituição
de um sistema interno de princípios e regras jurídicas, categorizadas segundo uma
escala hierárquica, não apenas em relação dos valores das normas em si, mas
também observando o grau de densidade que cada qual oferece.115
112 HECK, Luis Afonso apud 113ARAÚJO, Francisco Fernandes. Princípio da proporcionalidade: significado a aplicação prática. Copola editora:campinas/SP,2002 p. 45. 114 DINIZ, Maria Helena. As lacunas do Direito.Revista dos Tribunais: São Paulo,1981 p. 63. 115 BARROS, Suzana de Toledo.O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das leis restritivas de Direitos Fundamentais.Brasília jurídica: Brasília/DF,1996 p.85 e 86.
49
Os princípios, mas genéricos, isoladamente não são
suficientes para garantir a resolução das situações de fato, necessitando de uma
maior concretização, dada pelas normas jurídicas.116 As normas porém, devem
manter seu respeito aos princípios, grandes garantidores de importantes preceitos.
Pois bem, é nesse momento que melhor observa-se a
adequação do princípio da proporcionalidade em nosso ordenamento jurídico.
Por Suzana de Toledo Barros:
O princípio da proporcionalidade, como uma das várias idéias
jurídicas fundantes da constituição, tem assento justamente aí,
nesse contexto normativo no qual estão introduzidos os direitos
fundamentais e os mecanismos de respectiva proteção.Sua
aparição se dá a título de garantia especial, traduzida na exigência
de que toda intervenção estatal nessa esfera se dê por necessidade,
de forma adequada e na justa medida, objetivando a máxima
eficácia e otimização dos vários direitos fundamentais
concorrentes.117
Segundo a mesma autora, o princípio da proporcionalidade
complementa o princípio da reserva legal, descrito no artigo 5º.,II da CF),como a
submissão de uma matéria específica, como os direitos fundamentais à lei formal.
Assim configura-se como categoria dogmática, suprindo a
necessidade de preencher os espaços pouco tratados pelo judiciário,
especificamente em termos de controle de lei.118
Porém, para sua aplicação, a doutrina torna mister a existência
de três elementos componentes do princípio da proporcionalidade, quase sejam: a
necessidade,a adequação e a proporcionalidade em sentido estrito.
116 CANOTILHO, j.j.Gomes. Direito Constitucional. 4ª.ed.Coimbra: Almedina, 1969 p. 119. 117 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das leis restritivas de Direitos Fundamentais p. 89. 118 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das leis restritivas de Direitos Fundamentais p.90.
50
Segundo Guerra Filho, o princípio da proporcionalidade se
reparte em três princípios parciais, da adequação ou idoneidade dos meios
aplicados, da necessidade ou exigibilidade do meio mais suave, e a
proporcionalidade em sentido estrito, também denominada de “máxima de
sopesamento”. 119
Pelo subprincípio da adequação, entende-se que a medida
adotada para a realização do caso concreto seja apropriada para os objetivos que
busca, de maneira a fundamentar a conformidade e a idoneidade dos meios
empregados. O meio eleito deve atender ao fim pretendido, com capacidade para
alcançar o fim pretendido pela medida.
É o fator que primeiramente deve ser observado, pois se não
adequado, de nada adianta ser necessário. Assim “a relação ao fim perseguido deve
ser a primeira preocupação do criador ou aplicador da norma, e, se ficar suplantada
positivamente esta fase, só então se passará a fase imediata, da necessidade do
meio.”120
Por necessidade, nesse contexto, deve-se escolher entre os
meios possíveis aquele que menor trará prejuízo ao cidadão, trará menores
desvantagens e conseqüências negativas para o particular, se possível menores
conseqüências também a todos os envolvidos.
Pelo subprincípio da adequação, entende-se que a medida
adotada para a realização do caso concreto seja apropriada para os objetivos que
busca, de maneira a fundamentar a conformidade e a idoneidade dos meios
empregados. O meio eleito deve atender ao fim pretendido, com capacidade para
alcançar o fim pretendido pela medida.
É o fator que primeiramente deve ser observado, pois se não
adequado, de nada adianta ser necessário. Assim “a relação ao fim perseguido deve
ser a primeira preocupação do criador ou aplicador da norma, e, se ficar suplantada
119 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Dos Direitos Humanos aos Direitos Fundamentais.Porto Alegre:Livraria dos Advogados, 1997 p.27 120 ARAÚJO, Francisco Fernandes. Princípio da Proporcionalidade:significado a aplicação prática p. 59 e 60.
51
positivamente esta fase, só então se passará à fase imediata, da necessidade do
meio.” 121
Por necessidade, nesse contexto, deve-se escolher entre os
meios possíveis aquele que menor trará prejuízo ao cidadão, trará menores
desvantagens e conseqüências negativas para o particular, se possível menores
conseqüências também a todos os envolvidos.
Já pela proporcionalidade em sentido estrito tratar-se-á da
proporcionalidade latu sensu, mediante a ponderação desse meio, para concluir-se
se ele é ou não proporcional ao objetivo buscado. Serão sopesados os bens
jurídicos em questão, devendo optar pela solução mais justa a todos, evitando a
limitação completa de alguma das partes, afim de não ofender a dignidade
humana.122
Assim, presentes os três subprincípios, a proporcionalidade
está apta a ser utilizada, de forma justa e correta.
Porém, ressalta-se que a proporcionalidade pode ser
entendida tanto de forma ampla como de maneira restrita.
Em sentido literal representa o equilíbrio, a idéia implícita de
relação harmoniosa entre duas grandezas. Já em sentido amplo, envolve, além
disso, considerações sobre a adequação entre fins e meios, além da utilidade do ato
pra a proteção de referido direito. 123
3.3 ADMISSIBILIDADE DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILÍCITOS QUANDO BENEFICIAREM O RÉU
121 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Dos Direitos Humanos aos Direitos Fundamentais p.27 122 ARAÚJO, Francisco Fernandes. Princípio da Proporcionalidade:significado a aplicação prática p.64. 123 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das leis restritivas de Direitos Fundamentais p. 123.
52
Anteriormente a constituição de 1988 não existia qualquer
vedação a utilização de provas obtidas por meios ilícitos, de maneira que sua
aplicação era pautada no entendimento doutrinário e jurisprudencial.
Existiam duas correntes, a que inadmitia de maneira integral a
utilização desse meio de prova, no processo penal, apenas por analogia ao código
de processo civil e código de processo penal militar, e a outra corrente, que admitia
parcialmente a utilização dessas provas, defendendo seu uso ponderado, de acordo
com a valoração dos direitos em jogo, para admiti-las em determinados casos, de
forma a impedir injustiças.
Com o advento da atual constituição federal, as provas ilícitas
foram vedadas, de acordo com redação dada pelo artigo 5º, LVI, visando proteger o
acusado de provas forjadas, ou obtidas em desconsonância dos moldes
estabelecidos, estabelecendo garantias ao cidadão. Resguardava a pessoa de ter
processo contra si que não fosse pautado com a consonância legal
Mas a discussão a respeito do tema não teve fim, pois
algumas correntes doutrinárias e jurisprudenciais entenderam que a legislação não
exauriu a matéria, mesmo após a disposição constitucional, vendo a necessidade de
fundamentar-se em outros princípios, também constitucionais, aplicados diretamente
ao caso concreto, para compatibilizar os direitos fundamentais em conflito.
Assim, em casos especiais, a doutrina e a jurisprudência estão
admitindo a utilização dessas provas, como anteriormente já ocorria. 124
Prova ilícita praticamente unânime em admissão pela doutrina
é a utilizada favoravelmente ao acusado, se necessária a sua defesa, mesmo que
colhida com infringência a direitos fundamentais seus ou mesmo de terceiros.
124NASCIMENTO, José Carlos do.As provas produzidas por meios ilícitos e sua Admissibilidade no Processo Penal disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7180.Acesso em 10 de setembro de 2007.
53
A fundamentação para sua aceitação encontra escopo da
teoria da proporcionalidade, em vista que nessas situações, pesando-se ambos os
institutos, a liberdade individual é mais importante do que a norma.
Sob o prisma do direito de defesa, constitucionalmente
assegurado, o princípio da proporcionalidade torna possível a defesa do acusado,
pois o direito de defesa é superior as possíveis limitações impostas, em virtude de
todo o processo penal ser pautado pelo princípio do favor rei.
Assim,quando a prova, previamente ilícita, for colhida pelo
próprio acusado, tem-se admitido que a ilicitude é eliminada por causas legais, como
a legítima defesa,que exclui a antijuridicidade.125
Na doutrina de Ronaldo Tanus Madeira, ao inserir a vedação
as provas ilícitas, o espírito do legislador era de garantir ao acusado que as provas
obtidas contra si fossem colhidas licitamente, de forma adequada e justa,
protegendo-o na sua presunção de inocência, contra um possível arbítrio estatal
durante a busca da verdade real, ou ainda em inquérito policial. Com isso, toda
prova que não respeite os princípios constitucionais, não deve ser admitida,
principalmente se produzida contra o indivíduo.
Por exemplo, uma prova decorrente de uma confissão obtida
mediante tortura, ou ainda uma prisão ilegal, não devem ser consideradas válidas,
nem aptas a instruir o procedimento probatório, em virtude de estarem viciadas.
Restariam nulas, em função da origem. 126
Porém, se produzidas pela garantia do indivíduo contra as
investidas do Estado, mas mesmo assim não puderem produzir os efeitos
necessários a seu objetivo, por não poderem ser utilizadas, torna-se o momento de
buscar novas soluções para esses casos de excepcional gravidade.
Tal afirmação pauta-se no fato de que nessas situações perdeu-
se o objetivo finalístico que a norma pretendeu, de nada adiantando segui-la se sua
finalidade não foi alcançada.
125 GRINOVER, Ada Pelegrini. As Nulidades no Processo Penal p.137 126 MADEIRA, Ronaldo Tanus.Da prova e do Processo penal p.51
54
Foi então, em confronto com a teoria da inadmissibilidade das
provas colhidas com infringência a princípios ou normas constitucionais, que surgiu
a teoria de sua admissão,em casos especiais, a fim de corrigir possíveis injustiças
que a rigidez da norma poderia trazer em situações especiais.
O fundamento de sua teoria pauta-se no princípio da
proporcionalidade, também denominado de critério da proporcionalidade, pelos
quais os tribunais alemães, posteriormente influenciando nosso tribunal, tem
admitido a inclusão no processo dessas provas, em casos de suma relevância,
baseando-se “no princípio do equilíbrio entre valores fundamentais contrastantes”. 127
Que caso seria de maior relevância do que o direito de defesa
do acusado,esgotados os meios legais,necessitando comprovar sua inocência,e
podendo-o fazer apenas com uma dessas provas?
Que valor é mais relevante? A legalidade ou a liberdade da
pessoa humana?
Certamente ao colocar esses valores na balança nossos
tribunais decidiram pela liberdade da pessoa humana, razão pela qual tem admitido,
praticamente de maneira uniforme, a admissibilidade das provas ilícitas pro reo.
Nesse posicionamento, Grinover acrescenta:
E o que leva a dizer que, embora reconhecendo que o subjetivismo
ínsito no princípio da proporcionalidade pode acarretar sérios riscos,
alguns autores tem admitido sua utilização poderia transformar-se
no instrumento necessário para a salvaguarda e manutenção de
valores conflitantes, desde que aplicado única e exclusivamente em
situações tão extraordinárias que levariam a resultados
desproporcionais, inusitados e repugnantes se inadmitida a prova
ilicitamente colhida. 128
127 GRINOVER, Ada Pelegrini. As nulidades no processo penal p. 136 128 GRINOVER, Ada Pelegrini. FERNANDES, Antonio Scarance.GOMES FILHO, Antonio Magalhães.As nulidades no processo penal p. 136.
55
Se admitida para proteger um outro bem resguardado pela
constituição, no caso de maior valor do que o outro bem a ser protegido, não pode-
se falar em ilicitude, e não haverá a restrição da inadmissibilidade da prova ilícita.129
Mirabete, citando a lição de Castro, fala em “teoria do
sacrifício”, de forma que deve prevalecer, nos casos em análise, o princípio que
parecer requerer maior proteção, principalmente quando for a única possível para a
defesa do réu.130
Ainda por seu entendimento:
[...]Entendemos não ser razoável a postura inflexível de se
desprezar,sempre,toda e qualquer prova ilícita.Em alguns casos, o
interesse que se quer defender é muito mais relevante do que a
intimidade que se deseja preservar.Assim, surgindo conflito entre
princípios fundamentais da constituição, torna-se necessária a
comparação entre eles para verificar qual deva
prevalecer.Dependendo da razoabilidade do caso concreto, ditada
pelo senso comum, o juiz poderá admitir uma prova ilícita ou sua
derivação,pra evitar um mal maior, como, por exemplo, a
condenação injusta....os interesses que se colocam em posição
antagônica precisam ser cotejados, para escolha de qual deva ser
sacrificado.131
Além de que, como bem preleciona Tourinho Filho, toda vez
em que não houver uma una interpretação, mas esta puder ser feita de diferentes
formas, antagônicas entre si, e de uma norma legal, deve-se escolher pela mais
favorável ao réu, pois o favor rei é um princípio inspirador de interpretação. 132
129 FERNANDES, Antônio Scarance. Constituição da República, Código de Processo Penal e sua reforma. Justiça Penal,Críticas e sugestões p.72. 130 CASTRO, Geraldine pinto Vital. Prova ilícita e proporcionalidade. Revista literária de Direito,set/out de 1977 p.31-2. 131 CAPEZ, Fernando.Curso de Processo Penal p. 32 e 33. 132 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. p. 73.
56
Desta monta, ao analisar os valores em conflito, os princípios
que chocam-se o juiz vai decidir se a norma deve prevalecer sobre o direito que foi
restringido,ou se a liberdade desse direito é mais importante, e deve prevalecer
sobre a norma imposta.
O juízo axiológico dado a cada direito ajuda nesse
sopesamento, embora a doutrina brasileira, tal como as de direito comparado, já
tenham considerado mais importante e aceito o valor da liberdade do réu, de seu
direito de ampla defesa, contra as limitações e vedações constitucionais e legais. A
favorabilidade do réu prevalece, restabelecendo o equilíbrio.
A teoria da proporcionalidade, de acordo com esse
entendimento considera o princípio proibidor de provas ilícitas ser de caráter relativo,
assim como os demais princípios, permitindo flexibilizações, em situações de suma
importância, sempre que estando em jogo dois direitos fundamentais, se pretenda
proteger direito mais importante ou que tenha uma valoração maior atribuída pelo
ordenamento positivo do que o outro direito que será necessário transpor.133
É considerado relativo, pois nenhuma liberdade pública é
absoluta, havendo a possibilidade de serem violados em determinadas situações,
caso perceba-se que o direito tutelado é mais importante que o direito normativo
violado.
Segundo a proporcionalidade “não existe propriamente um
conflito entre as garantias fundamentais. No caso de princípios constitucionais
contrastantes, o sistema faz atuar um mecanismo de harmonização que submete o
princípio de menor relevância ao de maior valor social”.
Por isso a doutrina e a jurisprudência reforçam a idéia da
admissibilidade pró réu, já que nesses casos não é possível exigir conduta diversa,
de quem vê sua liberdade ameaçada por futura sentença injusta, trazendo essa
prova aos autos, amparado por causa de antijuridicidade, corrigindo as injustiças
causadas pelo excesso de rigidez das normas.
133 GRINOVER, Ada Pelegrini. FERNANDES,Antonio Scarance.GOMES FILHO,Antonio Magalhães.As nulidades no processo penal p.102
57
Quando produzida pelo próprio acusado, acredita-se que a
prova deixa de ser ilícita, por estar coberta pelo princípio da legítima defesa. Porém,
por outro posicionamento, entende-se que diferentemente de legítima defesa pode
tratar-se de estado de necessidade.
Vasconcelos afirma que, diferentemente da causa de
antijuridicidade trata-se de estado de necessidade, pois quando o acusado colhe
uma prova de forma não idônea, ela não pode ser considerada ilícita, vez que o réu
estaria coberto pelo manto da legítima defesa.
Porém, segundo esse pensamento, não se falaria em
excludente de legítima defesa, mas sim em estado de necessidade. Tal afirmação
reside no fato de que na legítima defesa “ocorre o choque entre interesses lícitos de
um lado e ilícitos do outro, a agressão é injusta. No estado de necessidade ocorre
justamente a colisão de interesses juridicamente protegidos.” 134
Mas tanto os doutrinadores que consideram como legítima
defesa quanto os que consideram estado de necessidade, um ponto há em comum:
o direito é tão fundamental que enseja medidas diferenciadas para sua tutela.
Ainda por Vasconcelos:
O tratamento das provas ilícitas na constituição é extremamente
defeituoso visto que o conteúdo literal das normas a elas relevantes,
aparentemente, não tolera um entendimento mais flexível no sentido
de conciliar interesses em conflito, deixando-se de lado a aplicação
do princípio de justiça que ensina que deve-se tratar igualmente o
que for igual, e desigualmente o que for desigual, na medida de sua
desigualdade.135
134 VASCONCELOS, Roberto Prado de. Provas Ilícitas (enfoque constitucional) in: Revista dos Tribunais n.791,set. 2001 p.465. 135 VASCONCELOS, Roberto Prado de.Provas Ilícitas (enfoque constitucional) in :Revista dos Tribunais p 82
58
Não sendo necessária, portanto, a prévia positivação dessas
situações como regra para que sejam, em determinados casos, consideradas aptas
a trazerem a justiça, pois julgamentos diferentes serão tecidos a decisões diferentes,
cabendo aos magistrados, valorarem-nas segundo o que lhes é exposto para
equilibrar os institutos em questão.
Ainda pelo mesmo autor:
O juiz, ao ter que enfrentar um caso em que esteja sendo discutida a
admissibilidade de uma prova ilicitamente obtida, deve atentar para
uma boa administração das liberdades em conflito de forma a tornar
possível a incidência do justo na decisão final a ser proferida.136
Desta monta, sendo de conhecimento geral que princípios e
normas se contrapõem em muitos momentos, o equilíbrio do sistema se dará através
da ponderação, não pela admissão geral, também não por sua inadmissão irrestrita.
Moreira doutrina que apenas segundo a ponderação dos
interesses tutelados pode-se chegar a solução conforme a justiça. É nesse aspecto
em que o recurso da proporcionalidade deve ser inserido. 137
Sob a ótica do direito de defesa, e mediante as
ponderações necessárias, verificar-se-á as chances da descoberta da verdade real
no caso em tela, utilizando-se se necessário, das provas ilícitas, se outro meio não
houver para comprovar a inocência do réu.
Conforme Mirabete:
Possível é a utilização de prova favorável ao acusado ainda que
colhida com infringência de direitos materiais seus ou de terceiros,
e,quando produzida pelo próprio interessado...,traduz hipótese de
legítima defesa,que exclui a ilicitude.138
136 VASCONCELOS, Roberto Prado de. Provas ilícitas (enfoque constitucional) in :revista dos tribunais p. 461 137 MOREIRA, José Carlos Barbosa. A constituição e as provas ilicitamente obtidas in: temas de Direito Processual. 6a.ser.São Paulo:Saraiva,1997 P.114 138 MIRABETE, Júlio Fabrini.Código de Processo Penal Interpretado. p. 237
59
Pois, diante da importância do direito a liberdade, todos os
meios capazes de caracterizar sua comprobação podem ser utilizados, mesmo que
por hora relativizando outros institutos.
Assim posiciona-se Grinover:139
[...] os direitos e garantias fundamentais não podem ser entendidos
em sentido absoluto, em face da natural restrição resultante do
princípio de sua convivência, que exige a interpretação harmônica e
global das liberdades constitucionais.
Descarte tal idéia, nenhum princípio constitucional é
absoluto, devendo ambos serem valorados, durante sua convivência, para que
prevaleça o que melhor resolva o caso.Cada qual prevalecerá em determinadas
situações.
Por Gomes, entre a proclamação da inocência e a
preservação da privacidade, sempre a primeira deverá prevalecer. 140
A relativização é utilizada por nossos doutos julgadores em
face da primazia da presunção de inocência, e inserida nesse contexto o in dúbio
pro reo, tema aprofundado por Vilela, que, entendendo a ligação entre a presunção
de inocência e o critério pro reo, mesmo tendo conhecimento que cada qual possui
suas peculiaridades, e a presunção é demasiadamente mais abrangente, esclarece:
É manifesto, pelo menos a nossos olhos, que o emprego do cânone
interpretativo do in dubio pro reo aplaina o discurso e torna-o
simultaneamente conseqüente, não só na sua lógica interna, mas
também no seio da determinação necessária que a concretização
dos valores humanitários convoca.Todavia, uma chamada de
atenção se impõe.Tal como já referimos,só é legítimo avocar a regra
do in dubio pro reo desde que todas as outras formas de solucionar
139 GRINOVER, Ada Pelegrini. FERNANDES,Antonio Scarance.GOMES FILHO, Antonio Magalhães.As nulidades no processo penal. p. 140 140 GOMES, Luís Flávio.Interceptação telefônica.lei 9296,de 24.07.06 p . 147
60
o problema se tenham mostrado, de todo em todo, inconseqüentes
ou metodologicamente erradas.141
Assim buscando soluções a esses conflitos, as mesas de
processo penal, ligadas a faculdade de direito da USP, como bem explicita Ada
Pelegrini Grinover, estabeleceram, por sua direção, algumas súmulas relativas a
este assunto, tais foram:
[...]Súmula 48 - Denominam-se ilícitas as provas colhidas com infringência a normas e princípios de direito material.
Súmula 49 - São processualmente inadmissíveis as provas ilícitas que infringem normas e princípios constitucionais, ainda quando forem relevantes e pertinentes, e mesmo sem cominação processual expressa.
Súmula 50 -Podem ser utilizadas no processo penal as provas ilicitamente colhidas, que beneficiarem a defesa.142
Apenas admitindo a excepcionalidade pró réu, em face da
importância do instituto da defesa e liberdade.
Carnaúba esclarece a motivação de tamanhas interpretações:
“... a carta magna,quando trata dos direitos e das garantias fundamentais,determina,
no parágrafo 2º. Do artigo 5º, que os Direitos e Garantias nela expressos não
excluem outros decorrentes do regime e dos Princípios por ela adotados”.143
Além disso,quando se fala em admissibilidade da prova,
Grinover, citando a lição de Cordero esclarece:
A disciplina da prova divide-se em três partes, correspondendo cada
qual a um distinto momento da seqüência procedimental,aonde as
avaliações de admissibilidade,relevância e veracidade são feitas.A
admissibilidade verifica-se no momento em que se coloca a
oportunidade de uma provável contribuição a instrução do processo,e
141 VILELA, Alexandra.Considerações acerca da Presunção de Inocência em Direito Processual Penal.Coimbra,setembro de 2005 p.79. 142 GRINOVER, Ada Pelegrini.FERNANDES, Antonio Scarance.GOMES FILHO, Antonio. As Nulidades no Processo Penal p. 121. 143 CARNAÚBA, Maria Cecília Pontes. Prova ilícita p. 103.
61
o juiz permite o ingresso do meio de prova previsto em
lei.Sucessivamente ocorre a relevância,após a produção da prova, é
considerado relevante toda e qualquer informação de que o juiz não
pode se abster de analisar, na ocasião da motivação de sua decisão.
Posteriormente, o verifica-se a veracidade do fato que dá origem a
prova, para saber se é ou não verdadeiro. 144
Após a análise dessas fases, a prova vai ser considerada apta e
importante para ser inserida na causa de decisão da sentença. Se considerada apta,
vai instruir o processo, senão não será aceita.
Porém no caso das provas ilícitas todas as fases não poderão
ser completadas, o que enseja discussões sobre sua admissibilidade. Mesmo uma
prova, que pode levar a descoberta da verdade real, muitas vezes é afastada, por
não ter sido obtida da maneira correta, no momento em que deveria ter sido feita.
Mas de acordo com sua relevância e veracidade e, utilizando–se
das demais garantias da constituição, tem-se admitido as provas ilícitas quando
consideradas tão indispensáveis ao réu que a questão de processualidade foi
deixada em segundo plano.
Diante desse posicionamento afirma-se que o conceito de
ilicitude faz parte de uma esfera uníssona, aonde não se separa da esfera
processual, e por isso, tornar ineficaz a prova ilícita em razão de vício processual
não faz sentido.
Embora o ilícito seja unitário, “o ilícito em si, que se manifesta
pelo ato que o caracteriza, não pode ser confundido com o teor probatório que
eventualmente revele”.Este, em virtude daquele não se torna ilícito, pois sua
essência não contém vícios, podendo conter uma verdade.Se revelar uma verdade,
não pode ser havida sua evidência como ilícita, mesmo que o ato que a produziu
144 GRINOVER, Ada Pelegrini abud CORDERO, Prova illecite nel processo penale in riv. It, dir, e proc. Pen.,1961 p.33 e 34
62
não tenha sido materialmente correto. “O ilícito material e o teor da prova não se
misturam, não operam confusão”145
Assim não é porque constante de algum vício material, que a
torna ilícita, a prova deixe de ter em seu teor significado verdadeiro e demonstrativo
da situação. Se, mesmo com vícios processuais a prova for capaz de demonstrar a
verdade deverá ser considerada.
Pois em um caso aonde o réu, contra o qual foram colhidas
diversas provas, consegue comprovar sua inocência, porém o faz mediante prova
obtida ilicitamente. É justo que esta prova seja desconsiderada,deixada de lado, em
respeito ao texto constitucional, mesmo que o acusado sabido inocente seja
condenado pelas demais provas, processualmente válidas?
Lógica e doutrinariamente acredita-se que não, pois, se a
finalidade do processo penal é a descoberta da verdade real, salutar é que se a
prova ilicitamente obtida demonstrar essa verdade, há de ser aceita.146
Almeida Pedroso, citando La Buyére analisa: “um culpado
punido é exemplo para os delinquentes”, ao passo que um inocente condenado
constitui “preocupação para tosos os homens de bem”( de a. um. De 17.10.74, da 1ª.
Câmara do Tacrim SP,na ap. 91.725, de presidente Epitácio,rel. Azevedo
Franceschini).147
E nesse caso especificamente que essas provas são
admitidas, em situações tão extraordinárias, que a inadmissibilidade da prova ilícita
poderia produzir resultados bastante desproporcionais, se não repugnantes.148
Portanto, mais que comprovadamente, após a
Constituição Federal de 1988 a proibição de utilização das provas ilícitas no
145 PEDROSO, Fernando de Almeida. Processo penal.O Direito de Defesa:repercussão,amplitude e limites p. 386 146 PEDROSO, Fernando de Almeida. Processo penal.O Direito de Defesa.Repercussão,amplitude e limites. p. 384,385 e 386 147 PEDROSO, Fernando de Almeida. Processo Penal.o direito de defesa:repercussão,amplitude e limites. p. 46. 148 CAPPELLETTI. Fundamental Guarantees, p. 756.766 abud GRINOVER.Ada Pelegrini .Liberdades Públicas e Processo penal.Interceptações Telefônicas.São Paulo: Saraiva,1976 p. 146
63
processo, mais do que uma vedação, tornou-se um tema com largas discussões e
elaboração de teses, decorrentes da problemática de sua utilização ou não em
determinados casos. A legislação não foi conclusiva em seus textos, de maneira a
não disciplinar alguma situações entendidas pelos magistrados como fundamentais.
Embora ainda haja divergência sobre o tema de diversas
formas, a doutrina predominante, assim como a jurisprudência, tem se mostrado
favoráveis a utilização dessas provas nos casos em que beneficiarem o réu,
principalmente quando não restar outra alternativa para comprovar sua inocência.
Tal posicionamento foi tomado em virtude da metamorfose das
relações humanas, modificando seu cotidiano e acontecimentos, ensejando que o
direito atualize-se e encontre uma solução para os problemas enfrentados, mesmo
que a legislação por hora ainda não os tenha positivado.
Tal como ocorreu com a vedação de interceptações telefônicas e
gravações clasdestinas, que após diversas jurisprudências, e algumas admissões,
foi definitivamente positivada por nosso ordenamento jurídico.
No confronto entre a vedação constitucional as provas ilícitas, de
forma a proteger direitos fundamentais do cidadão, e o direito dele em provar sua
própria inocência149, fica claro que a última hipótese deve prevalecer, conquanto que
a liberdade e a dignidade da pessoa humana, no caso do réu, são valores
insuperáveis, até mesmo porque ao estado não interessa punir um inocente, e
consequentemente,deixar impune o verdadeiro culpado.150
Grandes precedentes sobre essa matéria foram construídos
através de jurisprudência, como bem se tratará no tópico a seguir.
3.4 JURISPRUDÊNCIA
149 A presunção de inocência é assegura pelo art 5º. Inciso da CF 150 GRINOVER, Ada Pelegrini. As nulidades no Processo Penal. p. 52
64
Para melhor demonstrar o posicionamento da jurisprudência
de nossos tribunais acerca da aceitação as provas ilícitas pro reo, apresenta-se
alguns julgados dos tribunais brasileiros favoráveis a essa acolhida.
EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL. GRAVAÇÃO DE
CONVERSA FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES: LICITUDE.
PREQUESTIONAMENTO. Súmula 282-STF. PROVA: REEXAME
EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO: IMPOSSIBILIDADE. Súmula
279-STF. I. - gravação de conversa entre dois interlocutores,
feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a
finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa,
nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício
de defesa. II. - Existência, nos autos, de provas outras não obtidas
mediante gravação de conversa ou quebra de sigilo bancário. III. - A
questão relativa às provas ilícitas por derivação "the fruits of the
poisonous tree" não foi objeto de debate e decisão, assim não
prequestionada. Incidência da Súmula 282-STF. IV. - A apreciação
do RE, no caso, não prescindiria do reexame do conjunto fático-
probatório, o que não é possível em recurso extraordinário. Súmula
279-STF. V. - Agravo não provido" (AI 50.367-PR, 2ª. Turma. Rel.
Min. Carlos Velloso. J. 01/02/05. DJ 04/03/05.). (grifo nosso)151
Também admitindo-as:
Rcl 2040 QO / DF - DISTRITO FEDERAL
QUESTÃO DE ORDEM NA RECLAMAÇÃO
Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA
Julgamento: 21/02/2002
Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação: DJ DATA-27-06-2003 PP-00031 EMENT VOL-02116-01 PP-00129
Ementa
151NASCIMENTO, José Carlos do.As Provas Produzidas por meios Ilícitos e sua Admissibilidade no Processo Penal.Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7180&p=2 acesso em 15 de setembro de 2007.
65
EMENTA: - Reclamação. Reclamante submetida ao processo de
Extradição n.º 783, à disposição do STF. 2. Coleta de material
biológico da placenta, com propósito de se fazer exame de DNA,
para averigüação de paternidade do nascituro, embora a oposição
da extraditanda. 3. Invocação dos incisos X e XLIX do art. 5º, da
CF/88. 4. Ofício do Secretário de Saúde do DF sobre comunicação
do Juiz Federal da 10ª Vara da Seção Judiciária do DF ao Diretor do
Hospital Regional da Asa Norte - HRAN, autorizando a coleta e
entrega de placenta para fins de exame de DNA e fornecimento de
cópia do prontuário médico da parturiente. 5. Extraditanda à
disposição desta Corte, nos termos da Lei n.º 6.815/80.
Competência do STF, para processar e julgar eventual pedido de
autorização de coleta e exame de material genético, para os fins
pretendidos pela Polícia Federal. 6. Decisão do Juiz Federal da 10ª
Vara do Distrito Federal, no ponto em que autoriza a entrega da
placenta, para fins de realização de exame de DNA, suspensa, em
parte, na liminar concedida na Reclamação. Mantida a determinação
ao Diretor do Hospital Regional da Asa Norte, quanto à realização
da coleta da placenta do filho da extraditanda. Suspenso também o
despacho do Juiz Federal da 10ª Vara, na parte relativa ao
fornecimento de cópia integral do prontuário médico da parturiente.
7. Bens jurídicos constitucionais como "moralidade administrativa",
"persecução penal pública" e "segurança pública" que se acrescem,
- como bens da comunidade, na expressão de Canotilho, - ao direito
fundamental à honra (CF, art. 5°, X), bem assim direito à honra e à
imagem de policiais federais acusados de estupro da extraditanda,
nas dependências da Polícia Federal, e direito à imagem da própria
instituição, em confronto com o alegado direito da reclamante à
intimidade e a preservar a identidade do pai de seu filho. 8. Pedido
conhecido como reclamação e julgado procedente para avocar o
julgamento do pleito do Ministério Público Federal, feito perante o
Juízo Federal da 10ª Vara do Distrito Federal. 9. Mérito do pedido do
Ministério Público Federal julgado, desde logo, e deferido, em parte,
para autorizar a realização do exame de DNA do filho da
reclamante, com a utilização da placenta recolhida, sendo,
entretanto, indeferida a súplica de entrega à Polícia Federal do
"prontuário médico" da reclamante.
66
Confirmando o posicionamento:
Hábeas-Corpus 75338-8/RJ:
STF, Habeas corpus nº 75338-8, rel. Min. NELSON JOBIM, DJ. 25.09.98)
I - É NULA A DECISÃO DO TRIBUNAL QUE ACOLHE CONTRA O RÉU NULIDADE NÃO ARGÜIDA NO RECURSO DA ACUSAÇÃO, RESSALVADOS OS CASOS DE RECURSO DE OFÍCIO:
Súmula 160, que alcança precisamente as nulidades absolutas - com relação às quais veio a pacificar a divergência anterior - pois, quanto às nulidades relativas, na hipótese, é óbvia e incontroversa a ocorrência da preclusão.
II - Júri: quesitos da legítima defesa: excesso culposo ou doloso: acolhido o entendimento de que, negada a moderação da defesa, se deve indagar ao Júri tanto do excesso doloso quanto do excesso culposo, a orientação da Súmula 162 tenderia a indicar a precedência do quesito referente à qualificação culposa do excesso, mais favorável à defesa.
Reforçando tal idéia, o TJSP em 16/09/1992 admitiu como
prova a fita gravada de conversa telefônica entre a acusação, que a realizou, e a
vítima,entendendo que o direito a intimidade, como de resto todas as demais
liberdades públicas, não tem caráter absoluto e pode ceder em confronto com outros
direitos fundamentais como, por exemplo, o da ampla defesa.É o chamado critério
da proporcionalidade consagrado pelos tribunais alemães.(RJTJSP 138/526).
Diante da suma importância do direito de defesa e
buscando soluções mais justas e equitativas, vislumbra-se novos horizontes sendo
lançados em nossas decisões, através da aceitação das provas ilícitas pró réu,
utilizando-se amplamente a hermenêutica jurídica, respeitando-se os princípios
norteadores de direito,e, valorando-os afim de formar uma decisão justa e específica
a cada caso concreto.
Comprova-se, portanto, através dos julgados acima
mencionados, a crescente aceitação de nossos doutos tribunais com relação a
admissão das provas obtidas por meios ilícitos quando beneficiarem o réu,
67
fortalecendo o princípio da proporcionalidade e utilizando-se da dinâmica jurídica
para proferir suas decisões.
68
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Aristóteles, em sua belíssima obra ética a Nicômaco,
desenvolveu a teoria das virtudes, ao afirmar ser a justiça a virtude suprema, aonde
o “justo é eqüitativo”, sendo o justo o que é proporcional e injusto o que viola a
proporção. 152
Assim restou clara a idéia de que o direito a prova não é
absoluto. Porém o magistrado, após análise dos princípios constitucionais em
conflito, e sobrepesando ambos, decidirá qual irá prevalecer, de maneira a melhor
demonstrar o conceito de justiça.
Mas nesse caso, entendeu-se com a presente pesquisa que
quando ao lado da norma proibitiva de utilização dessas normas estiver o direito a
liberdade do réu, que não tem possibilidade de comprovar sua inocência de maneira
diversa, essas provas serão admitidas, de acordo com a doutrina dominante e
jurisprudência demonstrada.
Nesse ponto, não se pode admitir uma solução engessada, sob
pena de esvaziar o conteúdo de um direito fundamental em virtude da
supervalorização de outro, o que geraria, sem dúvida alguma, situações de flagrante
injustiça.
É nesse sentido que devem ser admitidas as provas ilícitas pro reo,
para dar a oportunidade ao acusado de defender seu direito a liberdade, de ter seu
direito a justiça, a prova necessária a comprovação de sua liberdade.
Não se pretende descaracterizar a hierarquia nem a importância de
Constituição Federal, que deve, como atualmente o é, continuar sendo o critério
basilar para regrar todo nosso ordenamento jurídico.
O que se pretende é utilizar-se da elasticidade e movimento do
direito para que, em casos extremamente excepcionais, não seja cometida nenhuma
injustiça em virtude apenas da legalidade.
152 ARISTÓTELES.Ética a Nicômaco p 108/110
69
Mesmo com a evolução de nossas normas, e o corrente
crescimento e atualização de nosso regramento jurídico, conforme a necessidade
das populações, sabe-se que o direito ainda possui lacunas,ou senão,normas que
contrastam com outras normas, princípios que ferem outros princípios.
Nessas situações é que deve utilizar-se a
proporcionalidade para pesar qual o instituto mais importante de ser protegido.
Através da análise decidiu-se pela admissibilidade das provas ilícitas pro reo.
Ressalta-se que qualquer garantia constitucional, por mais
importante que seja, não pode ser utilizada em detrimento de outros membros da
sociedade, uma vez que a vida em sociedade é regulada pelo princípio da
convivência das liberdades.
No direito penal e processual penal, a questão do direito a
prova toma maior importância pelo fato de que não se trata de qualquer questão de
litígio, mas sim da tutela do direito a liberdade da pessoa humana.
No caso a situação é mais grave, pois em confronto está a
constituição, o princípio da vedação das provas ilícitas, coligindo com o princípio da
ampla defesa,do direito a liberdade e do favor rei.
A legalidade certamente não sairá gravemente ferida por
uma decisão que acolha as provas ilícitas nestes casos de extrema necessidade, em
que favorecerem o réu, casos em que for o único meio hábil para realizar a sua
defesa, respeitando-se a hermenêutica jurídica.Mas, a liberdade da pessoa humana,
despida do seu direito de defender-se, que talvez, por não ter conseguido comprovar
sua inocência, seja julgada a condenada inocentemente, esta liberdade, certamente
sairá gravemente lesada.
Por tais argumentos a hipótese levantada restou comprovada,
eis que as provas ilícitas podem ser utilizadas no processo penal quando tratarem
da defesa do réu, mas em casos raríssimos, de extrema importância, como os casos
em que sua não utilização causasse uma disformidade tamanha que seria mais
grave do que a não conformidade com as vedações constitucionais.
70
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